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    28 de Setembro de 2012 Lisboa, Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas

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    O outro para alm do mar, na terra: a mobilidade de profissionais

    qualificados nos media

    Emlia Arajo e Filipe Ferreira

    Resumo

    Esta comunicao prope uma reflexo sobre a forma como os media lidam com o

    fenmeno da mobilidade de profissionais altamente qualificados, a partir de uma anlise

    de contedo focada sobre jornais e revistas informativas.

    Palavras Chave: mobilidade; conhecimento, profissionais altamente qualificados; media

    Introduo

    Esta comunicao tem como objetivo reflectir sobre a forma como os emigrantes

    portugueses altamente qualificados surgem apresentados e representados nos media.

    Tal como propem Brettell e Sargent (2006: 4) migrants, in other words, occupy multiple subject positions, some of which they define for themselves and some

    of which are defined for them. On one hand, subjectivity involves making choices about

    identity as well as resisting those identities that are imposed by others and outsiders. Os estudos sobre as identidades e a identidade nacional cruzam-se de diversas formas,

    com as intensidades, perodos e marcas dos processos migratrios. Rocha-Trindade

    escrevia em relao a Portugal, no incio dos anos oitenta algo que nos demonstra o

    carcter estrutural das migraes na configurao da identidade nacional. A autora

    afirmava (1982:3) que o fenmeno migratrio apresenta uma dimenso gigantesca em relao a todos os indicadores que o caracterizam. No plano temporal estende-se quase

    sem descontinuidade desde a Descoberta e a Conquista, pela Descolonizao, at s

    migraes de hoje. Se as migraes, nas suas formas, estratgias e modos de vida so fios

    condutores das identidades nacionais, indo ao ponto de permitirem perspetivar como

    um povo se reflete (se move, vive, se projecta, agrega e distancia) num contexto

    espacial e culturalmente distinto, relevante perceber como os meios de comunicao

    social, como agentes socializadores, emitem, transportam e apresentam a imagem do

    emigrante, conferindo-lhe traos dessa identidade que pode ser assumida, desejada ou,

    inclusive, recusada. ainda relevante entender como os discursos mediticos se

    interpem, ou sobrepem relativamente aos discursos polticos, dos diversos quadrantes

    ideolgicos, no que concerne aos significados que a mobilidade de profissionais

    qualificados traz para Portugal.

    Emlia Rodrigues Arajo docente no departamento de Sociologia e investigadora no Centro de Estudos de Comunicao e Sociedade, Universidade do Minho, Portugal, [email protected]

    Filipe Ferreira estudante de mestrado de Sociologia do Desenvolvimento, Assistente de Investigao,

    Universidade do Minho, Portugal.

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    Esta comunicao tem ainda um carcter exploratrio, pois a representao dos

    emigrantes nos media constitui uma problemtica pouco estudada, particularmente ao

    nvel das migraes altamente qualificadas. Deste modo, versa-se, de forma global,

    sobre trs fontes de informao: o jornal de notcias, a viso (verso online) e o

    programa documental e jornalstico da RTP portugueses pelo mundo.

    A comunicao divide-se em trs pontos. No primeiro ponto centramo-nos na

    apresentao de alguns dados fundamentais para a compreenso do contexto histrico e

    concetual que inscreve a problemtica da relao entre as migraes e as mobilidades de

    quadros qualificados e as orientaes de poltica de emprego e de poltica cientfica e

    tecnolgica num pas. No segundo ponto focamos relao entre as prticas dos atores e

    a modelao dos seus desejos e expectativas e a influncia dos discursos mediticos e

    polticos (na sua retraduo meditica) nessa formao de aspiraes e de

    representaes sobre a necessidade, importncia ou impertinncia de sair de Portugal. No terceiro ponto, debruamo-nos sobre a articulao entre essa abordagem terica e a

    informao que recolhemos nas fontes mencionadas acima.

    1.Contexto histrico e conceptual

    De forma muito sinttica, sabemos a emigrao portuguesa foi marcada ao longo do

    sculo XX pela ida de grandes contingentes para o Brasil, Venezuela e Amrica do

    Norte, num primeiro momento e, depois, a partir dos anos setenta, em direo Europa.

    Sabemos tambm que a emigrao portuguesa se caracterizou ao longo de todo o sculo

    XX por ser marcadamente no qualificada e analfabeta. A extrema pobreza, por

    momentos ligada ao contexto da II Guerra e da guerra colonial, surgiu sempre na

    dianteira de qualquer outro motivo para a sada dos portugueses. Povo que, pelo menos

    no contexto europeu e norteamericano, ficou apegado a rtulos menos prestigiantes, normalmente frutos das ocupaes profissionais e dos modos de vida que os

    caracterizaram nas diversas regies para onde se foram concentrando. No global, a

    maioria dos emigrantes ingressava no mercado de trabalho nos pases de receo na

    qualidade de trabalhadores por conta de outrem, designadamente na indstria e nos

    servios domsticos.

    No entender de Gonalves e Machado (2007:66-68), h, pelo menos, oito

    motivos que devem ser considerados na explicao da sada de portugueses, mas todos

    eles desembocam na falta de condies objectivas de vida e na falta de perspectivas de

    vida: i) A procura de mo de obra por parte dos pases da Europa Continental sados do

    ps-guerra e em verdadeira fase de expanso econmica; ii) O crescimento demogrfico

    em resultado das polticas de conteno da emigrao nos anos 30 e 40, marcados pela

    crise econmica e pelos conflitos militares; iii) O nvel de vida da maioria dos

    portugueses, inferior ao dos pases mais desenvolvidos da Europa; iv) A proximidade

    geogrfica e cultural dos novos pases de acolhimento; v) A informao que chega

    acerca das oportunidades oferecidas no estrangeiro; vi) As redes de ligao existentes

    desde a Primeira Guerra Mundial; vii) O incio da guerra colonial que, alm de ter

    reforado a tendncia para a recusa de prestao do servio militar, proporcionou maior

    abertura ao mundo; viii) A experincia de explorao de volfrmio durante o perodo da

    Segunda Guerra Mundial, com reflexo no aumento do poder de compra.

    A partir de meados dos anos 70, a emigrao para a Alemanha e a Frana sofre

    uma quebra e o movimento transocenico volta a ganhar preponderncia. Nesta altura,

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    os destinos dos emigrantes so a Amrica do Norte, nomeadamente os Estados Unidos e

    o Canad. E neste perodo que, segundo alguns autores (entre os quais Rocha-

    Trindade e Arroteia, 1986) se vai alterar a situao scio - poltica portuguesa, em plena

    coincidncia com a crise econmica das estruturas capitalistas de ocidente a oriente,

    conduzindo ao surgimento das primeiras hipteses de inverso dos movimentos

    emigratrios com um regresso a Portugal. Mas, se este o contexto para a reduo dos

    fluxos migratrios dos menos qualificados ou para o seu retorno, tambm o contexto

    para a sada dos mais qualificados que continuam a no encontrar condies adequadas

    de vida e de desenvolvimento profissional em Portugal.

    A grande questo que se pe na anlise dos fluxos migratrios dos trabalhadores

    altamente qualificados prende-se com o fato de constiturem um grupo que

    habitualmente no fica sedeado no mesmo espao. O elevado valor das credenciais que

    detm possibilita-lhes e incentiva-os procura de trabalho e de melhores condies em

    regies diferentes ao longo da vida, podendo ser, ou no, movidos pelo interesse em

    desenvolver o pas de origem e voltar.

    At aos anos setenta do sculo anterior, a gesto da distncia fsica e a enorme

    disparidade em termos de obteno de condies legais ajustadas residncia num

    determinado pas, assim como a no valorizao das formaes obtidas, justificavam (e,

    no caso portugus, estando a falar da emigrao transatlntica), a caracterizao das

    mobilidades dos trabalhadores qualificados como atos migratrios. A partir do momento

    em que se abolem fronteiras, se criam espaos especficos de mobilidade, com

    reconhecimento de graus e, no fundo, se globaliza a economia e a sociedade, grande

    parte das sadas protagonizadas pelos trabalhadores altamente qualificados, entre os

    quais esto os engenheiros, os executivos, os investigadores e os artistas, caracterizada

    como mobilidade de longa (superior a trs anos), mdia (at 3 anos) ou curta (menos de

    3 anos) durao. Concomitantemente, a internacionalizao dos mercados de trabalho

    nestes sectores propicia ainda mais o desvanecimento do termo migrao como estadia permanente num pas e o ganho de interesse do termo mobilidade. No fundo, se muitos dos profissionais que se movem o fazem procura de melhores qualificaes

    e de lugares mais prestigiados condizentes com a formao que obtiveram e na qual se

    empenharam, outros movem-se, especificamente, dentro das mesmas empresas e

    organizaes que se internacionalizam e criam filais (Peixoto, 1999).

    O termo mobilidade est, no entanto, ele prprio, envolto numa imensa polmica que toca as identidades nacionais e importncia da poltica de cincia e

    tecnologia, uma vez que acaba por referir-se sada de profissionais altamente

    qualificados de um certo pas que vo investir a sua fora de trabalho e credenciais

    noutro pas ou regio. Tal como dissemos, at aos anos noventa esta questo era

    praticamente no debatida e desconhecida em Portugal, embora fosse j estrutural nas

    articulaes de poltica cientfica em grande parte dos outros pases europeus, a braos

    com o problema da sada dos seus crebros ou para os EUA, ou para outros pases mais

    centrais na Europa. De facto, na dcada de sessenta iniciou-se um grande debate sobre

    as causas e os efeitos que a evaso dos quadros altamente qualificados especificamente

    para o Reino Unidos e para os Estados Unidos podia desencadear (Peixoto,1999:18).

    Iniciou-se tambm um grande debate sobre o desperdcio de crebros, isto , sobre o ndice de preparao dos pases para receber e tratar os trabalhadores altamente

    qualificados em mobilidade, designadamente no que se refere ao respeito pelas suas

    qualificaes.

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    2.A mobilidade e identidade

    Desde h vrias dcadas a esta parte que a migrao qualificada tem ganho terreno,

    multiplicando-se diversas formas de mobilidade de profissionais altamente qualificados

    que se apresentam como capitais extremamente valiosos em vrios circuitos das

    indstrias de ponta mundiais: na cincia; na arte; na engenharia; na economia surgem

    cada vez mais destacados portugueses, cujos percursos e vida passam, ou pela

    emigrao, ou pela mobilidade de longa durao. Tal como acontece com a emigrao

    no qualificada, esta migrao, orientada por profissionais altamente qualificados,

    contribui para a construo de outra imagem do pas, ao mesmo tempo que permitiria

    aos portugueses outra viso de si prprios no exterior, em geral, mais valorizada e mais

    prestigiante, do que aquela veiculada pela imagem do trabalhador no qualificado.

    O papel das mobilidades qualificadas na construo identitria de um pas e de um

    povo , todavia, muito contraditria e hoje cada vez mais polmica, o que se justifica

    por um lado pela elevada rapidez com que circulam a informao e as narrativas

    individuais e colectivas atravs das redes sociais e dos dispositivos electrnicos de

    comunicao, e, por outro, pela prpria delicada fronteira que se estabelece na imagem

    de si no exterior, ora como intensamente valorizadora do esforo individual e dos

    capitais de aprendizagem no pais, ora como desprestigio, vergonha e subservincia que

    anunciam um movimento de sada de profissionais qualificados para o exterior.

    Os EUA foram, ao longo do tempo, o destino preferido dos quadros superiores

    (Peixoto, 1999:20), sendo perspectivado como o espao de excelncia, atraindo, no

    somente quadros altamente qualificados europeus, mas, igualmente, canadianos e

    tambm imensos contingentes provindos de pases em desenvolvimento (Arajo e

    Silvia, 2009). Em vrias situaes de anlise de fluxos, os autores consideraram haver

    fuga de crebros, sendo veiculado que, assim, os pases subdesenvolvidos perdiam para os desenvolvidos os seus recursos humanos mais qualificados. Para reforar esta

    tese, mencionemos que ainda hoje, os autores japoneses se debatem com a questo da

    centralidade de alguns plos de desenvolvimento tcnico cientfico e a fuga dos seus

    melhores qualificados (Oishi, 2012).

    No se trata, todavia, de uma preocupao apenas acadmica, mas,

    fundamentalmente, poltica e social, uma vez que as migraes e as mobilidades, ao

    configurarem sadas de um pas, enunciam a fragilidade deste em prover mecanismos e

    condies para a fixao das suas populaes, com efeitos sobre eixos estruturais da

    sociedade, como a economia e sustentabilidade dos sistemas de proteco social e a

    demografia.

    De fato, a questo do impacto da mobilidade dos quadros altamente qualificados sobre os pases de origem desencadeou um debate persistente em relao

    aos seus ganhos e perdas (Peixoto, 1999) econmicas, culturais e sociais, uma vez que a movimentao de pessoas no corresponde apenas deslocao de capitais e de

    conhecimentos comercializveis e de riqueza, em geral. Implica tambm a

    movimentao de costumes, valores e modos de vida, envolvendo alteraes ao nvel

    legal relativas s condies para o exerccio da cidadania (Salt, 2011). Desencadeou

    ainda um debate, por vezes camuflado, sobre as identidades nacionais, designadamente

    no que se refere ao modo como uma populao sujeita a grandes vagas de fuga dos seus

    quadros qualificados devido sua fraca capacidade de atrao, se perceciona e

    conceptualiza a si prpria quando se consciencializa de que muito do reconhecimento

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    internacional de outros pases para onde emigraram e se moveram os seus conterrneos

    se deve ao trabalho, esforo e empenho destes.

    Para o caso da literatura produzida em Portugal, observa-se uma certa tendncia

    para a enfatizao da perda de poder explicativo das teses sobre a fuga de crebros e um

    certo ganho de terreno das teses que enfatizam a circulao do conhecimento para

    explicitar como as redes de dispora migraes e mobilidades dos altamente

    qualificados potenciam a imagem do pais e contribuem para o reforo das economias

    internas e para a recuperao do orgulho nacional. Na linha de outros autores, Delicado (2008) debrua-se sobre a mobilidade dos investigadores e cientistas e afirma

    no se poder falar em fuga de crebros, pois a mobilidade pressupe, por norma, a manuteno de ligaes produtivas com instituies do pas de origem. certo que os

    fenmenos da globalizao e da internacionalizao das economias (Peixoto, 1999,

    Saxenian, 2005) so necessariamente chamados ao debate sobre explicaes dos

    xodos, mobilidades e migraes. No entendimento de Peixoto, em Portugal, a fuga de crebros implica atender a fenmenos mais estruturais e organizacionais relacionados com as mudanas ao nvel da globalizao das economias, pois a mobilidade dos

    quadros altamente qualificados insere-se na realidade das empresas transnacionais. Quer dizer, a internacionalizao da economia conduz naturalmente deslocao de

    quadros portugueses, transferidos para cargos cimeiros nas suas filiais (Peixoto,

    1999:229 e ss), o que configura um ganho aparentemente evidente para Portugal.

    Todavia, tambm certo que as sadas de profissionais altamente qualificados,

    depois reconhecidos noutros pases onde recebem o prestgio no assegurado em

    Portugal (um fenmeno que atravessa o campo cientifico e tecnolgico, empresarial,

    artstico), conduz a imensos questionamentos sobre as identidades nacionais, tanto em

    relao ao modo como esse reconhecimento interiorizado como uma extenso positiva

    da imagem nacional (algo reflectido na forma como os media valorizam o trabalho de

    cientistas portugueses radicados ou em mobilidade em comunidades cientficas

    internacionais altamente prestigiadas), ou como algo negativo a essa mesma identidade

    (reflectido tambm na forma como os media debate a questo de saber se e por que

    razo esses profissionais no ficam em Portugal e atraem para o pas mais

    reconhecimento internacional.

    O olhar ainda prevalecente sobre a imagem do portugus no exterior e sobre a

    forma como o prprio portugus se olha nesse exterior est ainda muito marcado por

    esta dispora da pobreza e da falta de condies de vida no pas de origem que empurra

    os seus habitantes na procura de melhores condies de vida noutros pases onde, por

    sinal, acabam por ocupar lugares mais baixos nas hierarquias sociais. A persistncia

    deste olhar, no fundo ainda responsvel pelo prprio autoconceito de Portugal e dos

    portugueses face aos outros pases e ao mundo , em parte, responsvel pelo

    investimento poltico e meditico realizado ao longo dos anos, em especial a partir dos

    anos noventa, no sentido de se mostrar o outro lado dos portugueses no mundo,

    sobretudo dos portugueses de sucesso.

    Se atendermos histria de Portugal e as sucessivas investidas polticas no

    sentido da sua aproximao ao mundo, Europa e ao continente Americano, assim

    como aos indicadores assustadoramente altos de desemprego qualificado, fica evidente

    que a prpria teorizao dos fluxos de mobilidade (como circulao de crebros e no

    como fuga de crebros), assim como a sua concetualizao como inevitvel no mundo

    informacional e no espao de fluxos em que vivemos, agradem ao toque dos

    cosmopolitismo e da internacionalizao dos mercados de trabalho que marca os

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    discursos polticos e mediticos neo-liberais, com influencia sobre a prpria

    mobilizao real das populaes no sentido da mobilidade e da emigrao.

    Assim, justamente por ser uma questo poltica e social, a mobilidade de

    profissionais altamente qualificados oferece-se a ser um objecto privilegiado de esgrima

    poltica e ideolgica, estando em cima da mesa, por norma, dois tipos de argumento que

    tm fundamento nas teses e nos estudos sobre o fenmeno: a mobilidade de

    profissionais altamente qualificados tanto pode sugerir uma anlise e uma critica de tipo

    estrutural e ideologicamente mais situada esquerda; como potenciar a valorizao de

    argumentos de carter mais individualista e liberal, que enfatizam as vantagens da

    mobilidade e a sua importncia para o reforo da imagem internacionalizada de

    Portugal.

    3.Os media e a mobilidade na interseco da identidade e da poltica

    A emigrao e os emigrantes constituem temticas absolutamente presentes nos media.,

    mas muito pouco estudados e sujeitos a anlises criticas de discurso. A maior parte dos

    estudos existentes incide sobre os contextos de integrao e discriminao dos

    emigrantes, particularmente os menos qualificados (Carvalho, 2007; Cdima e

    Figueiredo, 2003). No se identificam estudos sobre os emigrantes qualificados e a

    forma como os media nacionais (dos pases de origem ou de acolhimento) os mostram e

    a eles se reportam. Numa das raras investigaes sobre Portugal, Ferin e Santos

    investigam durante trs anos (2005 a 2007) as representaes dos imigrantes na

    imprensa e na televiso, tendo constado que o crime e outras problemticas sociais,

    como a prostituio e a violncia se destacam nas notcias apresentadas associadas a

    emigrantes (Ferin, 2003; Ferin e Santos, 2006; 2008).

    Segundo Foucault, a produo do discurso ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistributiva por um certo numero de procedimentos que tm

    por funo esconjurar os seus poderes e perigos(Foucault, 1997: 9). certo que o discurso meditico no tem o direito de dizer tudo (Foucault,1997:10) e ao mesmo est inerente o cdigo deontolgico da neutralidade. No entanto, este princpio no

    impede que o discurso meditico se insira em determinada ideologia ou viso

    configurada ou no em relao aos seus grupos de interesse. Por outro, lado o discurso

    meditico pode ser orientado para o que o pblico-alvo quer saber ou at acreditar

    (Dijk,1998). Os discursos mediticos sobre os emigrantes qualificados, quase sempre

    escolhidos entre os milhares de trabalhadores mveis e de emigrantes portugueses,

    situam-se numa estrutura simultaneamente auto (des)valorizadora.

    3.1. A mobilidade nos mdia

    Os mdia portugueses, especialmente a partir de 2007 expressam primeiramente

    preocupao com os emigrantes e os seus mecanismos de integrao, incluindo os

    qualificados, sendo observvel algum destaque conferido forma como Portugal recebe

    os emigrantes qualificados de pases com problemas econmicos e sociais, sobretudo

    Ucrnia e Polnia. A preocupao com os profissionais qualificados mais recente e

    comea por incluir maioritariamente investigadores e cientistas que se destacam em

    projetos e no registo de patentes internacionais. Abarca ainda reflexes sobre a procura

    de universidades estrangeiras, sobretudo norte-americanas e a influncia destas estadias

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    nos percursos profissionais de grupos seleccionados de indivduos. No demonstra, no

    entanto, uma preocupao com a anlise investigativa do fenmeno que aparece poucas

    vezes mencionado ou aparece tratado de forma superficial.

    Exemplo deste tipo de incurses o programa portugueses no mundo que destaca algumas histrias pessoais atravs das quais se revela uma cidade ou um pases

    surgindo enfatizada, na maioria dos casos, as oportunidades que essa regio representa

    em termos de melhorias da qualidade de vida. Em todos os programas surgem histrias

    de portugueses que vingaram no pas de receo e que valorizam enormemente esse

    contexto. Num dos quadro programas analisados, o interlocutor escolhido afirma que:

    Tinha este sonho de vingar em Nova Iorque. Primeiro que a capital do mundo

    e, depois, porque a nvel de trabalho se o conseguires fazer aqui, consegues fazer em todo

    lugar. (Catarina Perestrelo, empresria, no 5 episdio do programa Portugueses pelo Mundo transmitido pela RTP no dia 17 de Julho 2010)

    Noutro programa, escolhido um realizador que afirma:

    Vem toda a gente de toda a parte do mundo tentar a sua sorte no meio artstico () Porque no vir a Los Angeles e ver a estreia dum filme? (Renato Lucas, realizador, no 16 episdio do programa Portugueses pelo Mundo transmitido pela RTP no dia 29 de Janeiro 2010).

    H ainda um programa em que o interlocutor, um professor na UCLA, no s

    afirma que vive um privilgio, como avana algo sobre a impossibilidade de ter as mesmas condies de trabalho e de vida em Portugal:

    Em Portugal seria muito difcil porque o nvel de investimento necessrio

    elevadssimo () e no o nmero de clientes que esto dispostos a comprar estas tecnologias (Paulo tabuada, professor Universitrio, no 16 episdio do programa Portugueses pelo Mundo transmitido pela RTP no dia 29 de Janeiro 2010).

    O mesmo interlocutor concretiza a ideia de que apesar de estar noutro pas, vive

    a experincia permanente de ser portugus, atravs dos laos de sociabilidade com

    outros colegas que esto ali tambm em mobilidade: os tugalas.

    Indo um pouco mais detalhadamente, observa-se que o discurso meditico

    aparece balizado pela polaridade discursiva e justificativa (ao mesmo tempo

    legitimadora) que se enuncia no discurso poltico, tal como dissemos antes, alicerado

    entre o plo estrutural liberal incentivador da sada de portugueses e da entrada de

    estrangeiros e a sua crtica. Uma estrutura discursiva que tm a sua correspondncia nas

    teses da fuga de crebros e nas teses da circulao do conhecimento.

    O contexto temporal que observamos est marcado por um crescendo de

    interesse meditico e social pela questo da migrao e da mobilidade, uma vez que

    estas surgem como alternativa crise econmica estrutural que vivemos, juntando-se no

    contingente dos trabalhadores mveis, motivaes distintas, tais como a ausncia de

    emprego em Portugal e a falta de perspectivas de promoo profissional, ou a busca de

    ambientes culturalmente distintos (Arajo, 2007; 2008). Portanto, facilmente os

    nmeros podem ser usados, ora para justificar a incapacidade governativa,

    reposicionando-se o debate ao nvel da fuga de crebros, ora para legitimar os

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    processos e globalizao do conhecimento e circulao de pessoas, remetendo o mesmo

    debate para a circulao do conhecimento. Nessa perspectiva, o prprio discurso meditico pode ser entendido na dupla vertente: como critica poltica governativa, ou

    como brao desta poltica, podendo surgir como veculo incentivador da sada e da sua

    legitimao. A situao , por isso, delicada para os jornalistas e para a construo da

    mensagem meditica, porque altamente modeladora dos comportamentos e das

    representaes individuais, podendo ser, eventualmente conformadora.

    Os contedos do Jornal de Notcias e da Viso esto maioritariamente

    relacionados com eventos, designados como acontecimentos ocorridos que justificam a sua enunciao ao pblico. Observa-se haver estruturalmente, uma crtica negativa s

    sadas de profissionais altamente qualificados. Mesmo que estejam em causa

    declaraes e afirmaes de polticos ou outros actores que beneficiem a existncia da

    mobilidade, tambm elas so situadas em contextos noticiosos em que a mensagem final

    denuncia a responsabilizao da poltica e dos polticos pela mobilidade.

    Alguns dos exemplos mais relevantes dessa exposio aparecem relacionados

    com entrevistas e declaraes de rgos do governo ou de polticos:

    "Espero bem que no. Espero que ns sejamos capazes de criar oportunidades

    para que os jovens, muitos deles com elevadas qualificaes, encontrem oportunidades de

    realizao no nosso pas" (Cavaco Silva, 24 de Fevereiro de 2012, in Jornal de Notcias)

    Uma anlise aos contedos do Jornal de Notcias e da Viso no ano de 2011 d

    conta da prevalncia de uma orientao negativista em relao migrao e

    mobilidade dos profissionais altamente qualificados.

    As notcias so, na sua maioria, politicamente dirigidas, destacando-se pela

    crtica frente a problemticas estruturais, como o desemprego.

    Porque esto concentradas sobre a crtica poltica, os contedos acentuam a

    vertente do esforo e da aventura individual dos profissionais que se movem para outro

    pas, destacando o interesse e o trabalho individuais:

    Tm um espirito de luta e usam uma marcha a mais. No existem vitrias

    fceis. Cada um com a sua estratgia procura a sua vitria. (26 de Fevereiro de 2011 - Viso)

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    Uma valorizao que acompanhada de o reconhecimento das credenciais obtidas

    em Portugal.

    Em suma, a representao veiculada sobre a mobilidade de quadros altamente

    qualificados versa quase exclusivamente sobre uma destas vertentes: por um lado, a

    valorizao do esforo individual e a capacidade de cada indivduo, atravs do trabalho

    e da valorizao e reconhecimento deste, transportar a identidade sobre o que de melhor

    h em Portugal, mas, por outro, a crtica acentuada aos polticos por serem responsveis

    pela sada de profissionais que se perspectivam e conceptualizam como essenciais para

    o futuro de Portugal. Destaca-se ainda, a expresso do modo como os estes

    profissionais, uma vez noutro pas, ainda que preservando alguma valorizao do pas

    de origem, valorizam a supremacia da escolha pela mobilidade, face eventualidade de

    ter ficado em Portugal.

    Podemos assim, afirmar que a disposio do discurso meditico, aqui no

    completamente explorada, apresenta duas tipologias relevantes:

    Incentivando a mobilidade, ao fixar parmetros espcio-temporais para a melhor qualidade de vida e melhor realizao profissional e pessoal, sustentando as

    vantagens culturais e econmicas da dispora portuguesa pelo mundo;

    Criticando a mobilidade, apresentando-a como alternativa individual falha de

    mecanismos e de intervenes governativas e estruturais.

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    Concluso

    Apesar do carter exploratrio do estudo, pode afirmar-se no ser observvel que

    os mdia cheguem a revelar contedos que discutam a identidade dos portugueses no

    mundo, pois a mensagem veiculada incide principalmente sobre vantagens e sobretudo

    as desvantagens destas formas de mobilidade para o pas, numa implicada estruturao

    poltica do discurso, ou sobre a descrio dos espaos e das organizaes de recepo

    dos portugueses, mais do que nos seus modos de vida, aspiraes e expetativas em

    relao ao pas onde esto e em relao a Portugal.

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