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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - FHS CURSO DE PSICOLOGIA Bruna Lages Murta Denize Alves dos Santos Nayara Aparecida de Queiroz O PAPEL DO PSICÓLOGO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO: APAC E OUTRAS INSTITUIÇÕES PENAIS Governador Valadares 2012

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Monografia

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - FHS

CURSO DE PSICOLOGIA

Bruna Lages Murta

Denize Alves dos Santos

Nayara Aparecida de Queiroz

O PAPEL DO PSICÓLOGO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO: APAC E

OUTRAS INSTITUIÇÕES PENAIS

Governador Valadares

2012

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BRUNA LAGES MURTA

DENIZE ALVES DOS SANTOS

NAYARA APARECIDA DE QUEIROZ

O PAPEL DO PSICÓLOGO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO: APAC E

OUTRAS INSTITUIÇÕES PENAIS

Trabalho para conclusão de curso para

obtenção do grau de Habilitação em

Psicologia, apresentada à Faculdade de

Ciências Humanas e Sociais da Universidade

Vale do Rio Doce.

Orientador: Roberto Jório Filho

Governador Valadares

2012

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BRUNA LAGES MURTA

DENIZE ALVES DOS SANTOS

NAYARA APARECIDA DE QUEIROZ

O PAPEL DO PSICÓLOGO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO: APAC E

OUTRAS INSTITUIÇÕES PENAIS

Trabalho para conclusão de curso para obtenção do grau de Habilitação em Psicologia, apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Roberto Jório Filho

Governador Valadares, ___ de ____________ de _______.

Banca Examinadora:

__________________________________________

Prof.ª Tandrécia Cristina de Oliveira

Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE

__________________________________________

Dr.Luiz Alves Lopes

Coordenador do Núcleo de Criminologia da Fadivale

___________________________________________

Prof.º Orientador: Ms. Roberto Jório Filho

Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE

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Dedico este trabalho aos

nossos pais pelo exemplo de

coragem, simplicidade e

persistência em suas metas.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pelo seu amor, pela companhia fiel, pelo colo, pelo carinho, e

a possibilidade de realizar esse sonho.

Aos Mestres que contribuíram para minha formação, em especial àqueles que

compartilharam experiências e saberes, possibilitando crescimento intelectual,

profissional e pessoal.

Agrademos as nossas famílias e amigos novos e antigos, pelo suporte, apoio e

amor.

Ao orientador Roberto Jório Filho pelas sábias orientações e dedicação para a

realização deste estudo.

Obrigada a todos!

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“Sentir primeiro, pensar depois

Perdoar primeiro, julgar depois

Amar primeiro, educar depois

Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois

Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois

Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois

Viver primeiro, morrer depois.”

Mario Quintana

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RESUMO

O presente trabalho descreve sobre a importância da atuação do psicólogo nos sistemas prisionais. Existem muitas dificuldades enfrentadas pelos psicólogos, uma delas é a realidade de uma instituição na qual punir é mais importante do que permitir a manifestação da subjetividade dos detentos, uma instituição que descarta as situações de vulnerabilidade sociais que os criminosos vivenciam em seu cotidiano. O presente trabalho tem por objetivo esclarecer qual é o papel do psicólogo nas instituições penitenciárias e nas APACs, e delimitar também quais são as funções a ele atribuídas de acordo com a ética profissional. Para isso, uma pesquisa bibliográfica, qualitativa, foi feita com vistas a compreender as premissas básicas que compõem este trabalho. A importância desse tema se dá diante da atual realidade do sistema penitenciário, que não cumpre sua principal função que é a de ressocializar o indivíduo, portanto, o papel do psicólogo é o de atuar em prol dessa ressocialização, e também, atuar em parceria com instituições humanitárias como a APAC. Por fim, os resultados demonstram que diante dos desafios apresentados no sistema penitenciário, a função do psicólogo, mais do que cumprir um papel burocrático, é de permitir que o sujeito possa se manifestar e se regenerar para poder voltar ao convívio social de forma plena, gozando de seus direitos de cidadão e cumprindo seus deveres diante da sociedade.

Palavras-chave: Sistema Penitenciário. Apac. Papel do psicólogo. Ressocialização.

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ABSTRACT

The presente work talks about the acting of the psychologist in the prison systems. There are many difficulties that the psychologists have faced in this field; one of them is the institutional attitude which prefers to punish the convicts instead of let them show up their subjectivity; such an institution ignores many situations of social risks the prisoners face day after day. The aim of this work is to enlighten what is the role of the psychologist in the prison system and in the APAC’s , as well as circumscribe which functions may be given to the professional according to the professional’s code of ethics. In order to achieve this goal we did a research both qualitative and bibliographical in which we tried to understand the basic premises that compose this work are. This theme is so important because of the current state of the prison system, who does not accomplish its main function: to resocialize the convict. Hence, the role of the psychologist is to help to promote this resocialization, and also, to act in partnership with humanitarians institutions such as the APAC. Finally, the results shows us that in face of the challenges of the prison system the main role of the psychologist, much more than accomplish bureaucratic tasks, is to allow the convict to freely express himself and to rehabilitate, so he can return to the society with full dignity and self-esteem, appreciating his rights as a citizen and fulfilling his duties in the face of the society.

Keywords: Prison System. APAC. Role of the psychologist. Resocialization.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 O CRIMINOSO, AS PENAS E A SOCIEDADE ..................................................... 13

3 O SISTEMA PENITENCIÁRIO ............................................................................... 22

3.1 O SISTEMA PENITENCIÁRIO NO BRASIL ......................................................... 23

3.2 FUNÇÕES DO CÁRCERE NA CONTEMPORANEIDADE ................................... 25

3.3 APAC - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS 27

4 O PAPEL DO PSICÓLOGO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO CRIMINOSO ............. 30

4.1 DESAFIOS DA PRÁXIS PSICOLÓGICA NO SISTEMA PRISIONAL COMUM .... 30

4.2 O PAPEL DO PSICÓLOGO NA APAC ................................................................. 35

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 38

REFERÊNCIAS BILIOGRAFICAS ........................................................................... 41

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1 INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais remotos da civilização, a sociedade tende a criar

regras para o convívio, tentando estabelecer um padrão de comportamentos a

serem seguidos pelos componentes de um determinado grupo. Embora existam

essas normas e regras a serem cumpridas para que se mantenha a ordem social, há

indivíduos que se diferenciam por desviar sua conduta não respeitando essas

mesmas regras, e essa forma de diferenciação pode ser vista pela maioria

pertencente ao grupo como uma conduta vergonhosa (GOFFMAN, 2004).

Na antiguidade não havia apenas a privação de liberdade como sanção penal,

existiam as salas de suplícios físicos, que recorriam às penas corporais (mutilações

e açoites) e as penas cruéis de morte (FOCAULT, 1987).

O primeiro capítulo do livro Vigiar e Punir de Michel Foucault (1987), mostra

um exemplo dos suplícios físicos infligidos no século XVIII, o livro inicia-se com o

filósofo francês dissertando com detalhes uma pena cruel de morte, a execução do

esquartejamento de Robert François Damiens que havia sido condenado por

cometer parricídio. Com uma riqueza de detalhes, o processo é descrito, assim

como a dificuldade do carrasco em executar seu ofício.

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento (FOUCAULT, 1987, p. 12).

A rotina de uma prisão também é descrita através do regulamento redigido

por Léon Faucher para a “Casa dos jovens detentos em Paris”. Desses relatos, o

autor estabelece a seguinte relação: “Eles não sancionam os mesmos crimes, não

punem o mesmo gênero de delinqüentes. Mas definem bem, cada um deles, certo

estilo penal.”. Com passar do tempo, punições como suplícios físicos, deixaram de

ser espetáculo, pois o supliciado se tornou objeto de pena e admiração por suportar

todo o processo de seu suplício físico (FOUCAULT, 1987, p. 13).

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A pena privativa de liberdade pode ser considerada uma grande mudança na

história das sentenças, se comparada aos suplícios que antes eram impostos aos

condenados, embora a privação de liberdade como medida corretiva continue sendo

uma questão polêmica, tanto na sociedade, quanto na ordem jurídica, principalmente

pela efetiva ineficiência da ressocialização dos infratores, uma vez que não evita a

permanência no crime (D’AVILA, 2008).

As mudanças que ocorreram no sistema penitenciário possibilitaram o

surgimento de leis que regulamentavam o cumprimento das sentenças pelos

presidiários. Durante o século XVIII, a base do direito penitenciário começa a se

formar, e a partir de seu surgimento ocorrem diversas mudanças, que resultaram por

fim em garantir a proteção ao condenado, baseando a proteção no compromisso

ético de respeitar a dignidade de todo homem como sujeito moral. No Brasil com o

1º Código Penal passa-se a diferenciar as penas, mas somente com o 2º Código

Penal é que a pena de morte foi abolida, deixando em vigor um regime penitenciário

com objetivo de corrigir os detentos para que estes pudessem se reinserir na

sociedade (COSTA et al., 2010).

Em 1984 surgiu a Lei de Execução Penal com o objetivo de ressocialização

do preso, quando o condenado alcançar o direito de liberdade, o ideal seria o

reingresso à vida a fim de que possa conviver bem com seus pares para haja sua

reinserção na sociedade (JUNIOR, 2008).

O sistema prisional brasileiro busca a garantia de ressocialização do sujeito

infrator. Os altos índices de exclusão social e reincidência criminal apresentam um

quadro preocupante que tem se arrastado no decorrer de décadas sem qualquer

proposta de alterações para melhoria. Em conseqüência temos o aumento da

criminalidade, superlotação do sistema prisional e outros fatores preponderantes, o

mais agravante é a desconsideração do apenado enquanto cidadão, sujeito a

deveres e direitos sociais, sendo visto apenas como um sujeito que oferece risco à

sociedade (COSTA, 2008).

Destaca-se a importância de um estudo científico que busque a compreensão

acerca do indivíduo infrator e sua reinserção na sociedade. Diante da rejeição social,

o egresso envolve-se num círculo vicioso de marginalidade, pois mesmo tendo

cumprido sua dívida com a justiça, o condenado volta a adquirir o seu direito de ir e

vir sem qualquer expectativa de vida, pois diante do preconceito existente, suas

chances de ser empregado diminuem (WAUTERS, 2003).

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Diante do descaso da sociedade e necessitando do básico para si e para sua

família, volta à criminalidade.

“As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou ainda pior, aumenta.” (FOUCAULT, 1987, p.292).

É notória a falência do Sistema Penal Privativo de Liberdade existente no

Brasil e comprovadamente não traz benefícios sociais (JUNIOR, 2008).

Durante o cumprimento da pena sentenciada ao apenado, a prisão deveria

orientar a reintegração do encarcerado à sociedade, no entanto o tratamento

dispensado aos detentos não oferece condições de recuperação social, ao contrário,

contribuem cada vez mais com o processo de marginalização. Uma experiência

comprovadamente válida e que tem apresentado resultados excelentes é o método

APAC instituído em algumas localidades do Brasil e de outros países, tais como

Canadá, Argentina, Estados Unidos dentre outros.

O objetivo geral deste trabalho é pesquisar os elementos que são agravantes

para a ressocialização da população carcerária brasileira, buscando compreender as

reprimendas impostas pela justiça, apontando a APAC como de solução para a

problemática existente no aspecto da reintegração Social do apenado.

Especificamente procurou-se destacar as dinâmicas de trabalho propostas

pelo método APAC que são decisivas para promover a humanização das prisões,

sem perder de vista a finalidade punitiva da pena.

O presente trabalho monográfico refere-se à possibilidade de ressocialização

do condenado no sistema prisional APAC como modelo de humanização do sistema

penitenciário brasileiro, frente à estrutura do sistema prisional encontrado

atualmente. Trata-se de um estudo bibliográfico de cunho descritivo e argumentativo

realizado por meio de pesquisa em artigos, livros, revistas, artigos publicados, e

documentos eletrônicos pertinentes ao tema materiais e em obras diversas da

biblioteca da UNIVALE (Universidade Vale do Rio Doce).

A fim de esclarecer sobre o tema, o presente trabalho foi dividido da seguinte

forma:

Nesta introdução, procurou-se elaborar uma breve apresentação de todo o

conteúdo abordado, a fim de introduzir este trabalho para uma compreensão geral

acerca do tema.

O capítulo 2 aborda sobre as representações sociais sobre o criminoso ao

longo da história, e como essas representações sofreram transformações até a

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atualidade. Trata também da evolução das penas sancionadas desde a antiguidade

até os tempos atuais, bem como a representação social da criminalidade e suas

possíveis causas.

O capítulo 3 retrata sobre o sistema prisional e sobre as penas aplicadas, que

se modificaram ao longo do curso da história. Também explica sobre a APAC e seu

método diferenciado no tratamento dos criminosos, e esclarece sobre sua

abordagem humanitária.

O capítulo 4 relata sobre a função do psicólogo ao lidar com a reinserção do

detento na sociedade e sobre os desafios a serem enfrentados. Descreve como é o

trabalho no sistema prisional comum e o trabalho realizado junto à APAC pautado na

ética do psicólogo, obedecendo aos critérios estabelecidos pelo Conselho Federal

de Psicologia.

Por fim, considera-se a importância do trabalho do psicólogo nessa

ressocialização do indivíduo, para que o criminoso possa superar suas dificuldades

e tenha capacidade de voltar ao convívio social, sendo aceito como cidadão, e tendo

condições dignas de trabalho, e seus direitos básicos, previstos na Constituição

sejam garantidos, a fim de minimizar a reincidência, garantindo assim a redução da

violência.

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2 O CRIMINOSO, AS PENAS E A SOCIEDADE

A visão clássica acerca do criminoso não individualizava as causas do crime,

apenas considerava que o sujeito infrator ao cometer o delito tinha plena consciência

e agia por vontade própria, portanto não deveria ser diferenciado de um sujeito

normal, considerando o ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral,

então, o criminoso era considerado perigoso à sociedade e havia grande

necessidade de uma defesa que além de proteger a sociedade deveria impedir que

houvessem novos delitos cometidos pelo sujeito. De acordo com a construção do

código penal durante o positivismo no século XIX, a figura do criminoso associa-se à

figura do homem infrator, na época o criminoso era situado no centro das discussões

e a criminalidade era posta em segundo plano (XAVIER, 2008).

Durante o período positivista houve uma divisão entre o bom e o mau

cidadão, e esta definição era usada para justificar as penas impostas aos sujeitos

infratores como forma de defesa social e com fins úteis à sociedade. Essa visão

defendida durante a época positivista traz o consenso de que não existia problema

com o Direito Penal, mas sim com os indivíduos que o violavam (XAVIER, 2008).

[...] um homem causalmente determinado e, como tal erigido no principal objeto criminológico. Estabelece-se dessa forma uma linha divisória entre o mundo da criminalidade – composto por uma minoria de sujeitos potencialmente perigosos e anormais – e o mundo da normalidade – representada pela ‘maioria’ na sociedade (ANDRADE, 1997, p. 67 apud XAVIER, 2008, p. 275).

Ao decorrer do século XX, principalmente durante os anos 60, onde o

paradigma positivista começa a ter influências da sociologia cultural e das correntes

fenomenológicas, além das correntes históricas e sociológicas sobre a criminalidade,

observa-se que a criminalidade apresenta-se como uma espécie de rótulo vinculado

a determinados sujeitos, estigmatizando-os a partir de uma definição legal do que é

o crime, e associando certas condutas consideradas criminosas. A atribuição do

caráter criminal a uma conduta dependerá de alguns fatores sociais de definição e

seleção (ANDRADE, 2003 apud XAVIER, 2008).

A sociedade estabelece um modelo de normas e tenta catalogar as pessoas

conforme algumas características consideradas comuns e naturais pelo grupo que

estabeleceu este modelo. Sendo assim, a sociedade estabelece um padrão externo

ao indivíduo que permite prever a identidade social dos indivíduos e sua relação com

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a sociedade. Assim é criado um modelo social de indivíduo, que não

necessariamente corresponda à realidade, mas sim a uma identidade social virtual,

já a identidade social real é aquela que irá, de fato, demonstrar a quais categorias o

indivíduo pertence (GOFFMAN, 1973 apud MELO, 2005).

Deve-se considerar que uma característica geral de viver em sociedade está

marcada por uma dinâmica onde a diferença é considerada algo vergonhoso,

associado ao termo “comportamento desviante”. Em primeiro lugar há um grupo que

partilha valores e crenças, e aderem a um padrão de comportamento, onde se

espera que todos os indivíduos sigam as normas estabelecidas por este grupo. O

indivíduo que por alguma razão não segue essas normas é considerado como

destoante e seu comportamento é classificado como desvio. Portanto, pode-se dizer

que o sujeito desviante (intragrupal, desviante social, membros de minorias e

pessoas de classe baixa) provavelmente irá se sentir como um sujeito estigmatizado

e inseguro sobre a recepção que o espera, ou seja, inseguro quanto à aceitação

social (GOFFMAN, 2004).

Afirma Becker:

[...] os grupos sociais criam o desvio ao estabelecer as regras cuja infração constitui desvio e ao aplicá-las a pessoas em particular, marcando-as como outsiders (estranhos). Sob tal ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa faz, mas sim a consequência da aplicação por outrem de regras e sanções ao transgressor. O desviante é aquele a quem tal marca foi aplicada com sucesso, o comportamento assim definido por pessoas concretas (BECKER, 1971 apud VELHO, 1974, p. 24)

Dessa forma pode-se considerar que o crime é produto da reação social,

caracterizada por uma representação social que determina a criminalidade sendo

construída de forma seletiva e desigual considerando a criminalização e o que é

tratado como crime e não se preocupa em centrar a discussão na criminalidade e no

criminoso. Para compreender melhor, é necessário enfatizar que a reação social não

é apenas proveniente do ato criminoso, mas tal reação deve ser contextualizada

histórica, econômica, política e social (XAVIER, 2008).

O livro Vigiar e Punir demonstra a transformação das penas aplicadas aos

criminosos que ocorreram em menos de um século. A princípio, as penas aplicadas

eram de extrema violência e não eram consideradas características como conduta,

tipo de crime, a posição do criminoso diante do crime cometido, etc. O indivíduo que

cometia um crime não era visto como um sujeito, mas como um ser vil que devia

pagar com sua vida o delito cometido. Com o passar do tempo, o criminoso passou

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SEGUNDO TOPICO DO SLIE 6
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PRIMEIRO TOPICO DO SLIDE 6
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Nota
TERCEITO TOPICO DO SLIDE 6
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a despertar pena da sociedade, e, no entanto, houve uma inversão de papéis, onde

a justiça passou a ser considerada cruel, e o criminoso tornava-se a vítima dos

terríveis suplícios (FOUCAULT, 1987).

Eles não sancionam os mesmos crimes, não punem o mesmo gênero de delinquentes. Mas definem bem, cada um deles, certo estilo penal. Menos de um século medeia entre ambos. É a época em que foi redistribuída na Europa e nos Estados Unidos, toda a economia do castigo. Época dos grandes “escândalos” para a justiça tradicional, época dos inúmeros projetos de reformas; nova teoria da lei e do crime, nova justificação moral ou política do direito de punir; abolição das antigas ordenanças, supressão dos costumes; projeto ou redação dos códigos “modernos” [...] (FOUCAULT, 1987, p. 10)

Os suplícios tinham grande importância na Idade Média, mas apesar desta

importância, com o surgimento do regulamento redigido por Faucher, as penas

deixam de ser atribuídas com exclusividade e a punição passa a ter um caráter

corretivo. Apesar dessa mudança em que as penas não sejam mais voltadas ao

sofrimento físico, ainda assim é feita de forma que haja um sofrimento mais sutil aos

criminosos (FOUCAULT, 1987).

Portanto esse período de transição deixa evidente que essas punições físicas

vão aos poucos se extinguindo. O que antes era apresentado como forma de

espetáculo, assume um caráter mais burocrático. Dessa forma tudo que estava

relacionado ao espetáculo punitivo passa a ter uma conotação negativa, é a própria

condenação que passa a definir o criminoso um ser digno de vergonha, a

condenação é algo vergonhoso para ser imposto pela justiça, sendo considerada

indecorosa. Sendo assim, a justiça deixa de ser a grande executora dessas

condenações, passando tal responsabilidade aos ministérios do Interior e das

Colônias, os quais impunham aos criminosos trabalhos forçados, os quais eram

considerados pela justiça como uma forma de recuperação do indivíduo, uma forma

de “cura” para livrar a sociedade do mal, e dessa forma, também retirava os

magistrados do lugar de carrascos e os libertava da função cruel de executar os

criminosos (FOUCAULT, 1987).

Embora as penas aparentemente não atingissem diretamente o físico dos

criminosos, vale ressaltar que a prisão, os trabalhos forçados, o exílio, podem ser

considerados igualmente físicos, embora aplicados de forma mascarada. Mas ao

contrário dos suplícios que visavam a dor como forma de punição, a prisão tem

como objetivo fundamental privar os criminosos de seus direitos à liberdade, onde

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eles são submetidos à privação, a obrigações e interdições, deixando seus direitos

suspensos (FOUCAULT, 1987).

Junior (2008) descreve as diversas formas de penas impostas ao longo da

história e afirma que a evolução da pena é uma evolução constante, pois cada

época foi marcada por um tipo de necessidade de segurança dos grupos sociais, e

variavam a cada período histórico (JUNIOR, 2008).

A pena criminal pode ser definida como um permanente e severo mecanismo

de controle social, utilizada pelo Estado com o intuito de manter a convivência social

protegendo os valores e interesses da sociedade. Portanto, a pena deve ainda ser

considerada necessária à sociedade, apesar de sua conotação negativa, já que é

uma reprimenda por um ato proibido (LEAL, 1988 apud JUNIOR, 2008).

Situando historicamente a evolução das punições impostas é possível uma

compreensão mais acurada sobre a função ressocializadora da pena. Como já foi

mencionado, inicialmente eram aplicadas as penas corporais, mas tal fato pode

estar relacionado ao fato de que antes de se constituir o Estado, o sentimento de

justiça estava intrinsecamente ligado aos sentimentos mais sinceros e vorazes e era

aplicado de forma brutal, predominando a lei do mais forte (JUNIOR, 2008).

Afirma Junior (2008, p. 11):

Com a origem da civilização, socialmente organizada – ainda sem a existência de um Estado – mudou-se pouco, pois a justiça antes exercida por um único ser, agora encontrava apoio em outros grupos, não surtindo efeitos significativos.

Com o surgimento do Estado político, o surgimento de leis que

regulamentassem as condições humanas foi importante para afastar a justiça

exercida pela forma bruta, fazendo com que fossem respeitadas as leis em defesa

dos cidadãos (JUNIOR, 2008).

Deve-se esclarecer que as penas como açoite, torturas e mutilações tinham

como objetivo castigar os infratores e também para servir de exemplo à sociedade.

Outro tipo de pena destacada pelo autor é o banimento, que atualmente é vedado à

Constituição Federal, mas ainda é exercida em alguns países (Junior, 2008).

É interessante destacar que embora a pena de trabalhos forçados também

seja vedada a Constituição Federal, ela geralmente é imposta de forma indireta, e

possui dupla função, a punitiva e a retributiva, em que o Estado aproveita os

serviços prestados como mão de obra barata (JUNIOR, 2008).

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Segundo Foucault “encontrar para um crime o castigo que convém é

encontrar a desvantagem cuja ideia seja tal que torne definitivamente sem atração a

ideia de um delito” (FOUCAULT, 1987, p. 87).

Vários países ainda prevêem a possibilidade da aplicação de determinados

tipos de penas, como a prisão perpétua, e levam em consideração a conduta dos

infratores durante o cumprimento de parte da pena, para definir se será ou não

aplicada à sentença imposta. No Brasil a Constituição Federal veda a aplicação de

penas deste tipo, e não havendo emenda, torna-se impossível a introdução desta

sanção (JUNIOR, 2008).

A privação perpétua da liberdade, não permite ao condenado obter uma perspectiva de liberdade, sendo que a principal função da pena é a reestruturação do individuo que praticou o delito, com o objetivo de romper com os desvios do crime (JUNIOR, 2008, p. 14).

Sobre a pena de morte é importante citar que se trata de uma sanção muito

antiga, e por causar divergência de opiniões, causou e causa ainda diversas

discussões.

A pena de morte surgiu na Antiguidade ligada a ideia de vingança. O direito de vingança impõe ao culpado um mal igual àquele que foi causado a outrem com o seu crime. É o denominado princípio do Talião, fundamentado na necessidade de compensar sangue por sangue (PORTO, 2008, p. 50-51 apud JUNIOR, 2008, p. 14).

No Brasil, a pena de morte foi utilizada até o ano de 1855 quando por causa

de um erro judiciário executaram um cidadão chamado Mota Coqueiro, o que

causou uma grande repercussão, forçando o imperador a proibir que fossem

aplicadas sentenças de morte em território nacional. Após alguns anos, a

Constituição Federal declara que é vedada a pena de morte, sendo a única exceção

reservada a crimes militares somente se houver guerra declarada (PORTO, 2008).

A pena privativa de liberdade não fez parte do contexto da Antiguidade,

embora os criminosos fossem encarcerados, e até mesmo jogados nas masmorras,

isto não tinha um caráter de punição, mas era visto como uma maneira de não lhes

permitir a fuga enquanto aguardavam sua sentença, ou seja, as penas corporais

(JUNIOR, 2008).

Durante a fase de substituição entre as penas corporais e a pena de privação

de liberdade, a religião teve grande influência, pois a privação de liberdade serviria

para reeducar o indivíduo a fim de recuperá-lo moralmente e espiritualmente

(JUNIOR, 2008).

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Considera-se que a privação de liberdade é a pior forma de sofrimento que

pode ser imposto a um ser humano, pois o rompimento brusco com a família, filhos e

o lar, é o mais difícil de aceitação (OLIVEIRA, 1996).

Atualmente o que está em vigor é a pena de reclusão, a qual é aplicada

dependendo da gravidade do delito, conforme o Código Penal, e pode ser cumprida

em regime fechado, semi-aberto ou aberto. Há ainda a detenção, que se diferencia

da reclusão por ser aplicada somente em regime fechado, devendo a autoridade

policial decidir sobre o concedimento de fiança. Já nos crimes de reclusão, a fiança

fica a critério do juiz (JUNIOR, 2008).

Segundo Junior (2008):

As penas restritivas de direito adotadas em nosso código penal são: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.

Objetiva-se com a pena restritiva de direitos uma solução para o fracasso da

pena privativa de liberdade que, além de não atingir seu objetivo de ressocialização,

deixa marcas de ordem psicológica, moral e social na vida de muitos criminosos

(JUNIOR, 2008).

A pena privativa de direitos pode ser considerada vantajosa, pois permite ao

criminoso permanecer junto a sua família, afastando-se somente nos dias

determinados pelo juiz, para refletir sobre seu delito, minimizando as dificuldades

materiais e psicológicas para seus familiares (JUNIOR, 2008).

Resta ainda falar sobre a pena de multa, que consiste no pagamento de fundo

penitenciário de uma quantia fixada pelo juiz, sentenciadas e calculadas em dias-

multa, sendo o mínimo 10 dias, não podendo extrapolar 360 dias-multa.

De acordo com Leal:

em relação aos que vivem exclusivamente de rendimentos do trabalho assalariado, será fácil ao juiz fixar o valor do dia-multa, bastando apenas verificar quanto recebe por dia o condenado. Essa importância constituirá o valor do dia-multa (1988, p. 373).

Portanto, para compreender melhor o papel da sociedade diante dos

criminosos e das penas aplicadas, é necessário compreender como a violência afeta

a humanidade.

Segundo Fabretti:

O pensamento de Durkheim em relação ao crime foi certamente renovador e trouxe outros pontos de reflexão à sociologia criminal. Completamente discordante de M. Garófalo que foi um dos primeiros autores a tratar da criminologia e dos demais cientistas de seu tempo, Durkheim não dava os

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crimes um caráter patológico, mas sim os qualificava como fatos sociais, dentro da normalidade (saúde social) principalmente em virtude de sua “generalidade” (2008, p. 15).

Ele atribuía seu pensamento ao fato de não haver crime somente em algumas

sociedades, mas em todas elas há a incidência do crime, portanto, o crime é um fato

social, e não pode ser considerado como patológico, pois seu surgimento está

associado às condições da vida coletiva (FABRETTI, 2008).

O crime foi definido por Durkheim como um fato do qual a sociedade faz

oposição, e é esta oposição que o caracteriza como criminoso, e não o ato em si

(criminoso) é que provoca a oposição social, ou seja, uma ação é considerada

criminosa porque ofende a “consciência coletiva” e não que a “consciência coletiva”

se sinta ofendida pelo ato ser criminoso (FABRETTI, 2008).

Segundo Fabretti “Durkehim, quando explica tal situação, remete-nos a

Spinosa, que afirmara que as coisas são boas porque as amamos e não que as

amemos porque são boas” (FABRETTI, 2008, p. 17).

O caráter não-patológico do crime não se apresenta como absoluto, posto

que se houver aumento elevado na taxa de crimes de uma determinada sociedade,

esta situação poderá ser classificada como anormal (FABRETTI, 2008).

É interessante também considerar que Durkheim determina que o crime é

algo normal e se trata de um fato social e como tal não deve ser considerado

patológico, pois uma sociedade sem ele é impossível, já que o crime ofende certos

sentimentos de ordem coletiva, e para não haver crime seria necessário que estes

sentimentos que se chocam com o ato criminoso se encontrassem em todas as

consciências individuais e tivessem a força necessária para conter os pensamentos

contrários a este ato. Além disso, de acordo com o autor, o crime é necessário e útil,

porque é indispensável para a evolução normal da moral e da lei. Em suma,

enquanto houver individualidade, haverá crime na sociedade (FABRETTI, 2008).

Durkheim cita este exemplo:

Para que os assassinos desapareçam é preciso que o horror pelo sangue vertido se acentue nessas camadas sociais donde provêm os assassinos; mas para que isto aconteça é necessário que a sociedade global se ressinta do mesmo modo (DURKHEIM, 1983, p. 84 apud FABRETTI, 2008, p. 16).

Ainda assim, mesmo nas sociedades pouco desenvolvidas, onde existe uma

espécie de solidariedade mecânica e que existem poucas diferenças significativas

entre os indivíduos, é impossível alcançar esta unanimidade, pois a individualidade

não é nula e sempre haverá indivíduos que apresentarão caráter criminoso. E

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mesmo se a consciência coletiva fosse forte para impedir a manifestação do caráter

criminoso, a sociedade reagiria de forma enérgica perante qualquer pequeno desvio

(FABRETTI, 2008).

Portanto, pode-se dizer que segundo Durkheim, o crime além de ser um fato

social, é também útil à sociedade, enfatizando que sua utilidade consiste em

possibilitar a evolução moral e do direito da sociedade, pois quando há um crime

que desafia as normas vigentes, estas são obrigadas a se modificarem para

enfrentar a situação, portanto, para haver evolução, é necessário haver originalidade

(FABRETTI, 2008).

Sobre o crime, Durkheim 1983, afirma:

Quantas vezes, com efeito, o crime não é uma simples antecipação da moral futura, um encaminhamento para o mundo do futuro! Segundo o direito ateniense, Sócrates era um criminoso e a sua condenação era justa. Contudo, o seu crime, a saber, a independência de pensamento, era útil não só à humanidade como também à sua pátria, pois servia para preparar uma moral e uma fé novas de que os atenienses necessitavam nesse momento porquanto as tradições em que se tinham apoiado até então já não estavam em harmonia com as condições de existência. Ora, se o caso de Sócrates não é um caso isolado, reproduz-se periodicamente na história. A liberdade de pensamento de que gozamos nuca poderia ter sido proclamada se as regras que a proibiam tivessem sido violadas antes de serem solenemente abolidas. No entanto, nesse momento, esta violação era um crime, pois ofendia sentimentos que a generalidade das consciências ainda ressentia vivamente. Contudo, este crime era útil, pois era o prelúdio de transformações que de dia para dia se tornavam mais necessárias. A livre filosofia teve como precursores os heréticos de toda a espécie que o braço secular abateu durante toda a Idade Média e até a véspera da época contemporânea (DURKHEIM, 1983, p.86).

Com esse pensamento acerca do criminoso e da criminalidade, Durkheim traz

para a criminologia de seu tempo um novo conceito, considerando que até sua

época o delinqüente era visto apenas como um ser ignóbil e completamente anti-

social (FABRETTI, 2008).

As condições que abrangem o comportamento criminoso compreendem os

fatores que desencadearam tal conduta e também leva em conta a personalidade do

sujeito diante do fato concretizado. O meio social também precisa ser considerado,

pois fatores como educação, a convivência familiar e comunitária e a vulnerabilidade

social estão ligadas ao desenvolvimento do indivíduo, sendo assim, torna-se claro

que o crime é produto de um determinismo histórico e emana dos fatos sociais, já

que possui características do campo individual e coletivo (GUERRA, 2010).

Ao se discutir sobre criminalidade é fundamental destacar os fatores sociais

relacionados à conduta criminosa, como o sistema socioeconômico, onde a

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criminalidade é o grande reflexo da desigualdade social, pois o desemprego, as

crises econômicas, o baixo poder aquisitivo proveniente política salarial arbitrária e a

inflação, fazem com que a marginalidade surja como uma forma de contestação às

injustiças sociais existentes (GUERRA, 2010).

Portanto, fica evidente que o crime não existe por si só, ele é fruto de um

contexto, e possui causas e consequências, por isso deve-se compreender as

condições do meio onde ele ocorreu e a posição do sujeito que o cometeu

(GUERRA, 2010).

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3 O SISTEMA PENITENCIÁRIO

Na antiguidade os gregos e os romanos usavam estabelecimentos especiais

para prender os infratores. A palavra “cárcere” estava associada, na idade antiga, ao

local do circo em que os cavalos aguardavam o sinal para a partida, nas corridas.

Depois, passou a estar associada à “prisão”, local onde eram recolhidos os

escravos, os criminosos e os vencidos na guerra (ALEXANDRE, 2006).

A princípio, os réus não eram condenados à perda de liberdade, apenas

permaneciam presos por um período determinado de dias, meses ou anos, e a

prisão constituía um meio para a sentença final, e não caracterizava a punição em

si. Portanto, não existia preocupação com a qualidade do local onde os criminosos

eram mantidos, bastava que houvesse segurança para impedir a fuga do

sentenciado (CARVALHO FILHO, 2002 apud HEMERLY, 2005).

A prisão aparece localizada em palácios dos reis, templos e fortalezas nos

quais era apresentada sob forma de gaiolas de madeira, onde os acusados eram

amarrados e aguardavam sua punição (KOLLER, 2004 apud HEMERLY, 2005).

Na época os estabelecimentos eram divididos em três categorias: um na

praça do mercado e servia de custódia; outra na cidade e servia de correção; e uma

terceira que era destinada ao suplício. Existiam duas ideias acerca da prisão, a de

custódia e a de pena (ALEXANDRE, 2006).

Na era medieval as sanções estavam submetidas ao arbítrio dos governantes,

que as impunham em função do status social a que pertencia o réu. A amputação

dos braços, a forca, a roda e a guilhotina constituíam o espetáculo favorito das

multidões deste período histórico (MAGNABOSCO, 1998 apud ALEXANDRE, 2006).

Já na idade moderna, o homem passou a se preocupar com o tratamento

correcional do indivíduo infrator. A pobreza se estende pela Europa, e estava

associada a diversos fatores: os distúrbios religiosos, as guerras, as expedições

militares, as devastações de países, a extensão dos núcleos urbanos, a crise das

formas feudais e da economia agrícola, entre outros, acaba ocasionando o aumento

da criminalidade, porventura, iniciou-se uma série de prisões, com o fim de recolher

os mendigos, prostitutas, vagabundos e jovens delinquentes que aumentavam em

grande número nas cidades (NORONHA, 1997 apud ALEXANDRE, 2006).

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Até o final do século XVIII, o crime era considerado uma afronta ao poder dos

líderes, e por essa razão recebia uma punição que servia como vingança pelo ato

cometido e os castigos eram aplicados em praça pública com a função de diminuir a

incidência de novos delitos através do medo da sociedade (FOUCAULT, 1987).

Ainda assim, é durante este período que surge um grande número de

estabelecimentos destinados a prisão dos criminosos, mas que ainda não

obedeciam a nenhum princípio penitenciário, ou regulamento sobre o funcionamento

das prisões. Comumente as prisões eram subterrâneas e insalubres, nas quais os

condenados eram abandonados em condições insuportáveis de desespero e fome

(HEMERLY, 2005).

O sistema punitivo moderno foi construído na segunda metade do século

XVIII e em função da crueldade do antigo regime, o sistema penitenciário passou a

ser objeto de crítica dos pensadores iluministas. A partir dessas críticas, houve uma

considerável mudança no sistema penitenciário que começou a se formar a partir

das reflexões feitas e que apresentavam uma solução, o trabalho como forma de

punição. Ainda insatisfeitos com a arbitrariedade dos juízes e a prática de tortura,

alguns estudiosos propuseram a classificação dos presos, e a educação religiosa e

moral passou a ser o início da preocupação com a ressocialização do criminoso

(ALEXANDRE, 2006).

3.1 O SISTEMA PENITENCIÁRIO NO BRASIL

No Brasil a política penitenciária é realizada por intermédio da justiça, através

do Conselho Nacional de Política Penitenciária e do Departamento Penitenciário

Nacional (ALEXANDRE, 2006).

No ano de 1890, a Constituição Federal abole a pena de morte e surge o

regime penitenciário de caráter correcional, com a finalidade de ressocializar e

educar o detento. A detenção tornou-se a forma essencial de castigo. A prisão

possuía várias formas e os trabalhos forçados eram uma forma de encarceramento,

apesar de serem ao ar livre. A detenção a reclusão, o encarceramento correcional

não passaram, de certo modo, de nomenclatura diversa de um único e mesmo

castigo (MAGNABOSCO, 1998).

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O sistema carcerário no Brasil tem sido bastante questionado, pois a

precariedade e as condições sub-humanas que os detentos vivem hoje são de uma

forma violenta. Os presídios se tornaram depósitos humanos, onde a superlotação

acarreta violência sexual entre os presos e com possibilidade de doenças graves se

proliferarem, drogas são frequentemente apreendidas dentro dos presídios, e o mais

fraco se subordina ao mais forte (ALEXANDRE, 2006).

Hoje, os maiores problemas do sistema Penitenciário Brasileiro são o crime organizado, a corrupção, a superlotação, a ociosidade e a baixa inteligência na administração dos estabelecimentos prisionais. Requer estes problemas, uma política penitenciária justa e eficiente e, apesar da prisão ser de natureza aflitiva, ela deve constituir a base para restauração pessoal, de boas oportunidades para a ressocialização (ALEXANDRE, 2006, p. 24).

A superlotação devido ao numero elevado de presos, é talvez o mais grave

problema evolvendo o sistema penal hoje. As prisões encontram-se abarrotadas,

não fornecendo ao preso um mínimo de dignidade. Todos os esforços feitos para a

diminuição do problema não chegaram a nenhum resultado positivo, pois a

disparidade entre a capacidade instalada e o numero atual de presos tem apenas

piorado. Devido á superlotação, muitos dormem no chão de suas celas, ás vezes no

banheiro, próximo a buraco de esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde

não existe lugar no chão para dormirem, presos dormem amarrados às grades das

celas ou pendurados em redes (ALEXANDRE, 2006).

Atualmente, está acontecendo muitas revoltas nas prisões de vários lugares

do mundo. Essas revoltas ocorrem por causa da miséria enfrentadas pelos

presidiários: o frio, a sufocação e o excesso de população, as paredes velhas, a

fome, os golpes, são algumas situações vivenciadas pelos criminosos no dia-a-dia

de uma penitenciária, mas também existe revolta contra o isolamento, o serviço

medico ou educativo e os guardas que muitas vezes os violentam (ALEXANDRE,

2006).

Muitos sofrem durante o inverno, outros acabam se molhando em dias de

chuvas e permanecem com a roupa molhada no corpo, desencadeando doenças

como gripes e fortes pneumonias, podendo levar ao óbito de alguns presos. É

importante ressaltar que se houvesse maior possibilidade de um acompanhamento

médico adequado evitaria que certas situações de maus tratos, espancamentos e

outras violências contra os encarcerados ficassem sem a devida apuração e socorro

(BITTENCOURT, 1993 apud ALEXANDRE, 2006).

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Além dessas dificuldades enfrentadas durante o cumprimento da pena, os

detentos, ao saírem das penitenciárias enfrentam dificuldades para se readaptarem

na sociedade, pois existe uma grande dificuldade de emprego para os ex-detentos

que embora possuam o direito de trabalhar, nem sempre conseguem trabalho, e as

autoridades que deveriam, portanto fornecer aos detentos oportunidades de

trabalho, muitas vezes não se preocupam em cumprir o que determina a Lei de

Execução Penal. Ou seja, apesar das determinações legais, entretanto, os

estabelecimentos penais do país não oferecem oportunidades de trabalho

suficientes para todos os presos (ALEXANDRE, 2006).

O sistema penitenciário no Brasil apresenta sérios problemas. Há um déficit

de 12.000 vagas em todo País e não há assistência médica e jurídica adequadas o

suficiente. Dados do último censo penitenciário registram a existência no País de

297 presídios, com 59.954 vagas e 129.169 sentenciados, além daqueles que

aguardam julgamento. Fica evidente a superpopulação carcerária com uma média

de 2,15 detentos por vaga. Sessenta e oito por cento têm menos de 30 anos, 95%

são pobres e 85% não podem contratar um advogado por falta de condições

financeiras. A população feminina representa 3,7% desse contingente. Há poucos

trabalhos publicados que investigaram os problemas de saúde da mulher em prisões

brasileiras, mais especificamente as doenças infecciosas e DST (MIRANDA et al.

2004).

Portanto, o acesso a serviços de saúde adequados, um direito civil não

freqüentemente observado nas prisões brasileiras, deve ser implementado para que

o controle de doenças e o acesso aos cuidados relacionados à saúde dos detentos

tenham êxito (MIRANDA et al. 2004).

3.2 FUNÇÕES DO CÁRCERE NA CONTEMPORANEIDADE

É importante observar como a representação social de “prisão” interfere, ou

muitas vezes dificulta o papel do psicólogo dentro das penitenciárias. A realidade do

sistema penitenciário brasileiro deixa evidente um grande aumento no número de

presidiários ocorrido durante a fase de transição entre o século XX e o século XXI,

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mas não necessariamente por causa do aumento no índice de violência, mas por

causa dos valores morais pertencentes à época da Inquisição, que até hoje, faz com

que jovens juízes e juízas determinem penas motivados pelo interesse, sobretudo,

de punir os criminosos (CFP, 2010).

E, por falar em intolerância, tenho discutido nas aulas essa questão do processo, da inquisição. Como sou juiz há muito tempo, desembargador da 5ª Câmara Criminal, cada vez fico mais assustado com o pensamento dos juízes: juízes jovens, homens, moças, que fazem do seu trabalho uma produção de um pensamento ainda ligado aos valores da Inquisição, contra todos os princípios constitucionais do processo, de garantias individuais, contrariando e violando o devido processo legal. Não me refiro só ao processo legal de forma abstrata, mas violando a dignidade da pessoa humana, do réu, daquela pessoa que está sendo processada ou condenada, e com um discurso sempre em nome da ordem, em nome da segurança, mas na verdade é um discurso do extermínio, da desigualdade, da absoluta segregação (CFP, 2010, p. 19).

O CFP ressalta que a grande maioria da população carcerária na atualidade

se refere ao tráfico de entorpecentes, e chama a atenção ao fato de que os

traficantes de verdade não se encontram sob a pena, e muitos dos condenados são

aqueles que foram usados pelos grandes traficantes como mão de obra fácil e

descartável. São vítimas de um sistema no qual a repressão e a segregação são de

extrema importância, e os direitos humanos são violados todos os dias, pois o

Estado não oferece garantias que tais direitos sejam respeitados. Portanto, a pena

ainda está associada à visão arcaica de que se deve segregar aquele que desvia

dos limites da Lei, isto é, deixar o sujeito infrator de lado, separá-lo do convívio

social de forma repreensiva e punitiva (CFP, 2010).

Diante disso, o CRP considera necessária uma tomada de consciência, para

mobilizar a sociedade contra as prisões, esclarecendo que a pena e os presídios

não servem para dar segurança, e isso não trará resultado, e embora a crença

cultural mostre o oposto, observa-se que os sujeitos que saem das prisões são na

maioria das vezes reincidentes, pois não existe um trabalho real de ressocialização

(CFP, 2010).

Eu gosto de fazer certa analogia com o movimento da luta antimanicomial – dele resultou a lei de 2001, ainda no governo Fernando Henrique; a partir dele fazemos um movimento de luta antiprisional. Na luta antimanicomial há várias camisas bonitas, como “por uma sociedade sem manicômios”. Acho que podíamos fazer uma camiseta assim: “Por uma sociedade sem prisões”. Tem de ser um movimento para mobilizar a sociedade contra as prisões, de mostrar que a prisão é uma farsa, não serve para dar segurança, não foi criada para dar segurança, mas as pessoas acreditam que mais pessoas condenadas e presas, mais penas severas e rigorosas, produza resultado. Não produz resultado nenhum do ponto de vista do humano, da sobrevivência. Produz resultado de despedaçar as pessoas e de fingir que há punição (CFP, 2010, p. 22).

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.

3.3 APAC - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS

A APAC é a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados e surgiu

em São José dos Campos (SP) no ano de 1972, foi idealizada pelo advogado Mário

Ottoboni em parceria com um grupo de amigos cristãos que tinham em comum o

objetivo de diminuir a opressão vivenciada pelos presidiários da Cadeia Pública de

São José dos Campos. Inicialmente começou como uma Pastoral carcerária, mas

em 1974 ganha característica jurídica e passou a atuar no presídio de Humaitá da

mesma cidade, e lá continuou a desenvolver seu trabalho e ampliar o método de

humanização (COSTA et al., 2010).

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC é uma entidade civil de Direito Privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade (COSTA et al., 2010, p. 21).

A APAC possui um método no qual a prioridade está na valorização humana

vinculada ao trabalho de evangelização, com o objetivo principal de recuperar o

condenado. Com o amparo da Constituição Federal para atuar nos presídios, possui

Estatuto próprio que é resguardado pelo Código Civil e pela Lei de Execução Penal

(COSTA et al., 2010).

É importante ressaltar a diferença existente entre a APAC e o Sistema

Prisional Comum. Na APAC os presos (chamados dentro da APAC de

“recuperandos pelo método”) são corresponsáveis pela própria recuperação, e

recebem assistência médica, psicológica, jurídica e espiritual por parte da

comunidade. Os recuperandos colaboram para a segurança do presídio, e eles

possuem apoio dos funcionários, voluntários e os diretores das entidades, e não

existe a presença de policiais e agentes penitenciários dentro de suas mediações

(COSTA et al., 2010).

O método APAC rompe com o sistema prisional vigente, já que este não

cumpre a finalidade que a pena estipula, ou seja, não dá condições ao indivíduo de

possuir uma preparação com a qual ele seja capaz de ser devolvido à sociedade em

condições de conviver harmoniosamente e em condições de igualdade (OTTOBONI,

2001).

A APAC considera a importância da evangelização do indivíduo para sua

recuperação. Segundo o autor, a falta de conhecimento sobre o amor de Deus pelos

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homens é que leva os indivíduos à escolha de uma vida voltada ao crime. Portanto,

a valorização do homem e a evangelização são responsáveis por essa tomada de

consciência, que permite ao sujeito reconhecer que Deus não discrimina a ninguém

e deseja a felicidade de todos (OTTOBONI, 2001).

Sendo assim, proteção à sociedade é consequência da recuperação de cada

infrator e da prevenção à vitimização (OTTOBONI, 2001).

A vítima e/ou seus familiares também são inclusos no apoio oferecido pela

APAC. Voluntários oferecem apoio material, psicológico, e espiritual, buscando a

reconciliação entre o agressor e a vítima, de modo a eliminar o ódio e a violência

estabelecidos mediante as circunstâncias (OTTOBONI, 2001).

A APAC é dividida em duas entidades: a APAC Jurídica, com a função de

administrar e a APAC Espiritual (Pastoral Penitenciária), com a função de cuidar da

espiritualidade dos presos, respeitando a crença de cada um dos condenados, além

de se responsabilizar em juízo por todas as atividades desenvolvidas pelo grupo,

mantendo coesa a equipe vinculada à APAC (OTTOBONI, 2001).

A entidade juridicamente constituída é aquela que responde em juízo ou fora dele por todas as atividades do grupo, que deve manter coesa e resoluta a equipe a ela vinculada, que se ocupa especificamente do aspecto espiritual da pessoa, o que se convencionou chamar de equipe de Pastoral Penitenciária. Portanto, a APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), entidade juridicamente constituída,ampara o trabalho da APAC (Amando o Próximo, Amarás a Cristo), Pastoral Penitenciária, também de outras Igrejas cristãs junto aos condenados, respeitando, pois, a crença de cada um, de acordo com as normas internacionais e nacionais sobre direitos humanos (OTTOBONI, 2001, p. 32).

A finalidade da APAC consiste em “recuperar o preso, proteger a sociedade,

socorrer a vítima e promover a justiça”, amparada pela Justiça de Execução Penal,

baseando seu método no amor e confiança, promovendo respeito ao condenado

(OTTOBONI, 2001, p. 33).

O autor ressalta que é comum observar que o sistema prisional comum

remete a um círculo vicioso, no qual os indivíduos infratores são presos e colocados

em presídios, nos quais, não é realizada nenhuma espécie de tratamento em prol da

recuperação do condenado durante o cumprimento da pena. Depois de cumpris o

tempo determinado pela lei em condições precárias, o indivíduo recebe o alvará de

soltura, mas reincide no crime por não ter recebido um tratamento digno, e por sofrer

rejeição da sociedade, assim voltam à prisão repetindo todo o processo

(OTTOBONI, 2001).

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A consequência desse círculo vicioso é a sociedade permanecer

condicionada a uma visão distorcida da realidade, na qual se passa a imagem de

que a prisão irá recuperar o infrator, mas, de fato, nada é feito para que esta

recuperação aconteça, então o efeito dessas medidas é meramente ilusório

(OTTOBONI, 2001).

No método APAC se o sujeito não tiver profissão, ele tem a oportunidade de

frequentar alguns cursos de formação profissional após já ter cumprido uma parte da

pena. Dessa maneira, tem-se de volta à sociedade o criminoso, que com a profissão

adquirida pelo método APAC, tem a oportunidade de deixar de ser criminoso,

livrando-se do estereótipo (OTTOBONI, 2001).

Até hoje, não constatamos em nenhum plano de “terapêutica penal” a valorização do homem como deserdado da sociedade; não conhecemos outro trabalho estruturado que vise restaura os valores inerentes à personalidade humana, os elos afetivos desfeitos, para que o preso possa sentir-se pessoa digna de confiabilidade, [...] (OTTOBONI, 2001, p. 37).

De acordo com o método APAC a pena possui dupla função. Na primeira

etapa é realizada a advertência, que deve gerar no sujeito o sentimento de culpa,

seguido da sentença. A segunda etapa consiste na execução da pena que deve ter

uma prevenção especial pela coação física e ter a finalidade punitiva e recuperativa

do sujeito, considerando a individualização da pena (OTTOBONI, 2001).

Enquanto o sistema penitenciário comum “mata o homem e o criminoso que

existe nele” por causa de seus crimes, o método APAC objetiva principalmente

“matar o criminoso e salvar o homem”, essa é a filosofia da APAC, seu principal

lema. Segundo tal filosofia, o homem já nasce predisposto a matar ou morrer, e

quando está distante do amor de Deus, ele é capaz de cometer alguma atrocidade,

expondo o sentimento de amor e ódio nele existentes (OTTOBONI, 2001).

Por fim, na APAC existe a descentralização penitenciária que se opõe ao

sistema prisional comum que determina o cumprimento das penas realizado em

estabelecimento prisional, de grande porte, geralmente situado nas capitais.

Contrariamente, a APAC defende que o cumprimento da punição deve ser feito em

prisões de pequeno porte, no máximo médio, situados nas comarcas, evitando que o

criminoso se afaste do convívio familiar (OTTOBONI, 2001).

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4 O PAPEL DO PSICÓLOGO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO CRIMINOSO

É necessário que se faça uma reflexão acerca da subjetividade do indivíduo

encarcerado, e sobre as condições que o sujeito vivencia. O sistema prisional

brasileiro apresenta condições precárias ao cumprimento das sanções aplicadas aos

infratores, os conflitos e as rebeliões são causados em função da superlotação,

dificultando assim, o processo de recuperação dos detentos e a possibilidade da

ressocialização. O grande desafio da psicologia é elaborar projetos que possam

realizar mudanças nessa realidade, firmando um compromisso social, ético e

priorizando a compreensão da subjetividade dos condenados como sujeitos com

direitos e deveres perante a sociedade (MAMELUQUE, 2006).

4.1 DESAFIOS DA PRÁXIS PSICOLÓGICA NO SISTEMA PRISIONAL COMUM

Diante do que foi apresentado, é relevante justificar o trabalho do psicólogo

dentro do sistema prisional, que é criar estratégias que possibilitem mudanças

dentro da realidade institucional. Existe uma proposta do CFP que afirma a

necessidade de existir um movimento de luta pelo fim das prisões da mesma forma

como há a Luta Antimanicomial, ampliando a discussão de uma sociedade sem

prisões, mesmo que ainda existam dificuldades em certos grupos de se mobilizar em

prol desta luta (CFP, 2010).

Entendemos que o agravamento da crise vivida no sistema penitenciário e o fato de o Brasil ser país que possui uma das maiores populações carcerárias do mundo exigem mais do que nossa contribuição na construção de atribuições, competências e possibilidades de uma prática profissional voltada para a integração social. Exigem-nos ampliação do diálogo com movimentos sociais e construção de parcerias nessa tarefa de pensar o fim possível das prisões, compreendendo que o modelo de privação de liberdade não faz avançar a cidadania, piora os vínculos sociais e produz exclusão. Nesse sentido, o Conselho Federal e todos os Conselhos Regionais estão comprometidos com a ideia de construção de uma cultura de direitos humanos, com a valorização da cidadania e com a efetivação da democracia no nosso país (CFP, 2010, p. 09).

É imprescindível a compreensão de que embora seja função do psicólogo

criar estratégias de sobrevivência institucional, são os detentos que irão criar e

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31

inventar o espaço no qual eles tem de sobreviver. E se o espaço atual que eles têm

é um espaço de horror, são eles que criaram este espaço, portanto, a função do

psicólogo consiste justamente em desmontar essa lógica criada, fazendo com que

os sujeitos que se encontram ali possam se perceber e se tornar autônomos para

modificar sua realidade (CFP, 2010).

Sobre a especificidade da atuação do psicólogo no sistema prisional é

importante ressaltar que esta foi se dando empiricamente ao longo dos anos, sem

uma formação específica na área de psicologia jurídica devido a não ter destaque

nos meios acadêmicos. O psicólogo ao se inserir nos estabelecimentos prisionais

buscou sua própria forma de atuar e tinha a princípio a principal função (designada

pela legislação legal), a realização do exame criminológico (COSTA et al., 2010).

Inicialmente a psicologia estava ligada a realização de exames e avaliações,

buscando identificações por meio de testes e diagnósticos. Isto se deve ao fato do

advento dos testes psicológicos, fazendo com que o psicólogo ficasse diretamente

associado aos testes sem considerar outros aspectos de sua função. Atualmente a

utilização de testes é vinculada a objetivos determinados e visa à resolução de

problemas, ou seja, os testes são apenas uma dos instrumentos da avaliação

psicológica (COSTA et al., 2010).

Uma das principais funções atribuídas ao psicólogo jurídico é o auxílio no

“planejamento e execução de políticas de cidadania, direitos humanos e prevenção

da violência”, possibilitando assim para a formulação e revisão das penas

sancionadas de acordo com cada sujeito, outra atribuição importante é o papel

socioeducativo desempenhado pelo psicólogo (COSTA et al., 2010, p. 29).

Bom, então para que serve o psicólogo? O psicólogo como ator, eu entendo que o psicólogo é um ator privilegiado; ele tem essa função investigativa, normalizadora, informativa. Para os internos, os psicólogos podem ser a sua salvação ou porque cumprem com uma burocracia institucional, de cumprimento do que exige a lei, ou porque estão disponíveis para o acolhimento, a atenção, o cuidado (CFP, 2010, p. 48).

Outro ponto importante é que os detentos devem ser reconhecidos como

sujeitos e cidadãos, e não devem ser confundidos como objetos de análise do

psicólogo. O papel do psicólogo não se resume ao exame criminológico, existe muito

mais a ser feito dentro dos presídios, como problematizar o espaço prisional que foi

instituído e desmontá-lo, para que seja possível a criação de um espaço diferente

(CFP, 2010).

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32

Deve ficar claro que a escuta do psicólogo dentro do sistema prisional precisa

permitir a fala livre do sujeito ao qual ele presta atendimento, e não pode de forma

alguma centrar na “espionagem” do indivíduo. Os debates acerca do sigilo ético do

profissional de psicologia são constantes, e nesses debates aborda-se o que deve

ou não constar no exame criminológico, o que deve ou não ser informado ao juiz,

por essa razão, o trabalho no sistema penitenciário exige uma atenção ampliada

para que se possa perceber o sofrimento do outro num espaço de enclausuramento

(CFP, 2010).

Ao psicólogo cabe questionar-se sobre o seu papel dentro do sistema

prisional, pois o sujeito ao entrar num presídio passa por um grande sofrimento, e

por isso, o questionamento sobre a função do psicólogo é constantemente

necessária. O papel do psicólogo não deve ser aquele que dê continuidade a esse

sofrimento, e principalmente, o psicólogo não pode diferenciar seu olhar para o

detento, deve olhar para tal sujeito da mesma forma que olha para os sujeitos fora

da prisão. O psicólogo não deve acomodar-se no lugar de avaliador do sujeito,

porque quando ele se permite acomodar, ele deixa de estranhar a própria instituição,

as condições físicas da instituição, os pedidos de ajuda, e acaba achando que tal

situação é normal, assim o psicólogo passa a acreditar que não é possível intervir no

sofrimento dos detentos (CFP, 2010).

É, então, esse o lugar do psicólogo, o de criar estratégias de sobrevivência na instituição total... por quê? Porque, na verdade, não somos nós que vamos criar e inventar esse espaço de sobrevivência. Na verdade, as pessoas presas estão sobrevivendo ao lugar de horror, são elas que criam formas de viver nesse espaço. Então o que temos a ver com isso? O que podemos fazer com isso? Onde entramos? Prevenção, promoção de saúde, tratamento dentro do lugar que produz mortificação? Essa é uma das dificuldades do nosso trabalho. Então, trabalhar pela desmontagem da lógica penal predominante: eu acho que é importante poder focar nisso (CFP, 2010, p. 47).

Esclarecendo, o psicólogo possui a função investigativa, normalizadora e

informativa, mas além de cumprir a burocracia exigida pela lei, deve também estar

disponível para o acolhimento, atenção e cuidado com os detentos. Desse modo, o

psicólogo será capaz de atender a demanda tanto da justiça quanto dos sujeitos que

se encontram dentro das instituições prisionais (CFP, 2010).

A nomenclatura que existe vinculada aos presídios é a de que o sujeito é um

cumpridor de pena, o vagabundo, aquele que é irrecuperável. Diante disso, o

psicólogo deve promover um controle social que ultrapasse o nível dessas

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33

nomenclaturas, para humanizar os sujeitos e promover uma escuta diferenciada,

dessa maneira, facilitando o processo de ressocialização do indivíduo (CFP, 2010).

O CFP afirma que fazer da penitenciária um espaço de reabilitação é um

grande desafio:

As palestras anteriores deste evento produziram em mim inquietação sobre essa meta, a de reabilitar. É difícil trabalhar com reabilitação na prisão. Como podemos produzir um espaço de corresponsabilidade das ações junto com outros dispositivos da sociedade, com as políticas públicas de várias áreas?

A impressão que eu tenho é a de que, quando entramos na instituição total, dentro das prisões, dentro dos manicômios, dentro dos grandes asilos, ficamos à parte da sociedade. O profissional também se coloca fora da sociedade. Então, eu falo assim, muitas vezes ficamos só “enxugando o gelo” dos problemas institucionais. Quando vamos embora, não temos mais nenhum compromisso com aquele trabalho e com o que aconteceu lá dentro. Então, como também podemos iniciar esse trabalho de corresponsabilização da sociedade pelo que acontece dentro do sistema prisional? Então, somos nós que vamos dar visibilidade ao que acontece lá fora. E aí temos o Conselho Regional de Psicologia, temos os movimentos sociais, temos tantos espaços para poder ampliar esse debate, essa discussão. O psicólogo trabalha em rede, deve se ver dentro e fora da instituição total. Acho que é superimportante que nós, dentro da instituição total, possamos vislumbrar o trabalho para fora. Essa é uma missão importante do nosso trabalho. É a oportunidade de dar visibilidade àqueles que ninguém quer que sejam visíveis (CFP, 2010, p. 49).

A missão do psicólogo é muito difícil, pois ao lidar com a subjetividade, ele

percebe o impasse referente a participação dentro dessa instituição que se

apresenta como farsa, pois exclui e segrega os sujeitos ao invés de orientá-los para

poderem voltar de forma pacífica ao convívio social (CFP, 2010).

A Lei de Execução Penal determina que a função do psicólogo seja participar

das Comissões Técnicas de Classificação (CTCs) e realizar exames criminológicos

(EC). O CRP afirma que as CTCs são semelhantes a pequenos tribunais, nos quais

o detento é ouvido e julgado por sua conduta dentro do sistema penitenciário, e o

EC tem a função de avaliar se o sujeito tem condições de progredir dentro do regime

ou ganhar a liberdade. Estas duas missões são distantes da profissão do psicólogo

(CFP, 2010).

A CTC termina por colocar o psicólogo no lugar de juiz, que deve ter controle

sobre a situação, quando o sujeito comete um ato infracional, o psicólogo é quem

deverá emitir um parecer sobre a culpabilidade dos criminosos e determinar qual

será a punição. Já o EC “pretende inferir sobre a periculosidade do sujeito, tendendo

a naturalizar as determinações do crime, ocultando os processos de produção social

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34

da criminalidade”. E estas designações são totalmente contraditórias à ética da

psicologia (CFP, 2010).

Sendo assim:

Desnaturalizar, ouvir, incluir, respeitar as diferenças, promover a liberdade são missões do psicólogo. Classificar, disciplinar, julgar, punir são missões impossíveis para o psicólogo.Portanto, nossa prática legal – ditada pela lei – instaura uma violência ao nosso código de ética profissional. Pode o psicólogo participar de qualquer ação punitiva, ainda que respaldado pela lei? Os psicólogos são obrigados a reproduzir o estado penal dentro da prisão, quando este já puniu. Os psicólogos são usados nessa punição: alguns aceitam esse papel sem nenhuma crítica ou resistência; outros, a maioria, suportam muita angústia em sua subjetividade. A ética torna-se um desafio nessa instituição atravessada pela violência. É preciso muita afirmação do desejo para manter nosso compromisso com os direitos humanos e nossa identidade profissional (CFP, 2010, p. 55-56).

Há mais de 20 anos essas questões afetam os profissionais da psicologia,

sem uma mudança significativa, mesmo com a existência de iniciativas como o

Fórum Permanente de Psicólogos, que é um espaço de troca de informações e

discussão sobre diversos assuntos. Em 2005 esse fórum trouxe um debate sobre o

trabalho do psicólogo dentro do sistema penitenciário. Em 2007 o CRP-RJ emitiu um

ofício dizendo que o psicólogo estaria eticamente isento destas posturas

contraditórias (CTCs e EC) (CFP, 2010).

Fizemos esse trabalho todo para sair da violência institucional, para deixarmos de ser meros funcionários do cárcere, tecnocratas, e fazer a passagem para as práticas éticas, transformadoras, mais de acordo com nossa função e formação, para um lugar de libertação. Constatamos iniciativas de práticas não instituídas que representam as missões possíveis do psicólogo no sistema. Porém essas práticas não conseguem se instituir porque ainda não há projeto oficial da prática do psicólogo no sistema (CFP, 2010, p. 56).

A criação de projetos deve ser prioridade ao se tratar do sistema

penitenciário. Projetos como os que foram criados no Rio de Janeiro são de grande

significância para os detentos, tais como: o trabalho com dependentes de drogas,

sala de leitura, bibliotecas, entre outros (CFP, 2010).

Deve-se evidenciar o fato de que iniciativas individuais demonstram resultado

satisfatório, então se houvesse uma união por parte da classe de psicólogos para a

criação de um projeto oficial que regulamentasse a prática do profissional de

psicologia dentro dos presídios, os resultados poderiam ter uma abrangência maior

(CFP, 2010).

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O CFP apresenta outro resultado interessante do trabalho de Patrícia

Schaefer1:

Trago outro exemplo da experiência que estou vivendo agora, numa unidade com poucos exames e CTCs, em que fui convocada pelos presos a atuar, situação inédita. Cheguei em agosto em Bangu 8, penitenciária de presos especiais, de nível superior e policiais, e logo recebi a proposta de um preso para coordenar um grupo ao qual ele chamou de Ciclo de ideias. Entregou-me por escrito: “O objetivo é a troca de ideias e experiências entre os internos, objetivando nos preparar para a verdadeira e permanente liberdade física e mental”. Aceitei prontamente o convite e os encontros têm acontecido semanalmente. No primeiro encontro, falaram sobre o desejo de participação no grupo. Viram aí a oportunidade de falar abertamente e sem restrições sobre as questões que os afligem como presos, a chance de preencher o tempo com a prevenção e a conservação da saúde mental, além da interação com outros internos. Alguns querem falar de angústia, liberdade interna, trocar experiências, outros querem que da discussão surjam propostas e pretendem que a psicóloga, como representante do Estado no grupo, leve as questões levantadas ao conhecimento das autoridades, congressos, etc., a fim de provocar alguma mudança.

Entre os vários temas discutidos, propostos por eles, como liberdade, trabalho, família, ato ilícito, destaco o que os presos pensam sobre a ressocialização no sistema:a) O sentimento de que não há ressocialização no sistema é unânime entre os presos, tanto os de classes sociais desfavorecidas quanto os das classes abastadas, tanto os que têm pouca escolarização quanto os de nível superior. Queixam-se de terem sido excluídos da sociedade e de não ter perspectiva;b) Com raras exceções, todos os que tiveram alguma evolução pessoal durante o encarceramento afirmam que foi fruto de seu próprio desejo e questionamento; c) Muitos presos, principalmente os de classes sociais desfavorecidas, acreditam que se houvesse trabalho de ressocialização não retornariam ao crime (CFP, 2010, p. 58-59).

4.2 O PAPEL DO PSICÓLOGO NA APAC

A APAC possui o objetivo de construir uma maneira diferenciada de prestar

atenção ao condenado visando um tratamento mais humanitário. O trabalho do

psicólogo na APAC consiste justamente em complementar esse trabalho realizado,

já que também visa resguardar os sujeitos infratores priorizando a valorização

humana, rompendo com os estigmas criados pela sociedade, de que os condenados

são pessoas irrecuperáveis por terem cometido um delito. Desde sua criação a

APAC tem demonstrado uma redução significativa nos índices de reincidência e

1 Psicanalista, analista institucional, psicóloga da penitenciária Pedrolino Werling de Oliveira/Bangu

8/RJ.

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reduziu consideravelmente os custos financeiros, isto graças aos principais

elementos de seu método: “participação da comunidade”, “trabalho”, “religião”,

“assistência jurídica” e “assistência à saúde”. Neste último item é que se configura o

trabalho do psicólogo que trabalha com uma equipe multidisciplinar composta por

médicos, enfermeiros, dentistas, entre outros, para prestar assistência necessária

aos condenados (VIEIRA et al., 2011), vale ressaltar a constante dificuldade de

conseguir atendimento nas mesmas.

O papel do psicólogo consiste em criar espaços para que os sujeitos possam

se tornar autônomos, sendo assim, a APAC possibilita também possibilita essa

tomada de consciência, já que por possuir um quadro de funcionários que atenda

apena a demanda administrativa, os detentos tornam-se responsáveis por

desenvolver suas próprias atividades e trabalhos de rotina, em parceria com

instituições educacionais e voluntários pertencentes à própria comunidade. Um

diferencial entre o trabalho do psicólogo dentro da APAC e no sistema prisional

comum é a atribuição da função ao psicólogo de promotor de saúde, sem fazer

qualquer tipo de menção às funções de perito e avaliador presentes nas outras

instituições (VIEIRA et al., 2011).

A atuação do psicólogo junto à APAC se dá por meio da interface entre

pesquisa e projetos de extensão dentro das universidades. A referência

metodológica fundamental é ouvir a história de vida, para que se possa

compreender os sujeitos em sua complexidade, respeitando sua idiossincrasia,

proporcionando um caráter terapêutico aos detentos, pois ao contar sua história, os

sujeitos podem refletir sobre ela para a partir de tal compreensão, poderem mudá-la

e ressignificá-la de acordo com o desejo do próprio sujeito. Neste espaço, há o

resgate do vínculo de confiança entre os sujeitos, consolidando e desconstruindo a

imagem que tinham acerca do psicólogo proveniente das instituições carcerárias

comuns (VIEIRA et al., 2011).

É a partir deste conjunto de ações que se desenvolve trabalhos grupais para

que se discuta questões referentes à situação de confinamento, sobre os Direitos

Humanos e do trabalho. Com foco na reinserção social do indivíduo, a construção de

oficinas profissionalizantes possibilita que o detento adquira determinado

conhecimento para enfrentar o mundo de trabalho quando retornar ao convívio

social, além de lhe permitir agregar novos conhecimentos, trabalhando sua

valoração pessoal (VIEIRA et al., 2011).

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37

Realizamos uma exposição dos trabalhos artesanais realizados por eles com leilão e venda das peças. O evento contou com a participação do Coral da Apac e foi um momento importante de integração com vários segmentos sociais, autoridades judiciais e governamentais e acadêmicos. Foi um momento importante em que pudemos trabalhar a desconstrução do estereótipo de “perigosos” associado a estes indivíduos, uma vez que puderam mostrar seus trabalhos e circular livremente pelo local do evento, entre os demais convidados, em um espaço cultural localizado em uma região nobre da cidade e, ao final, retornaram à prisão em ônibus fretado, sem escolta de guardas nem algemas (VIEIRA et al., 2011).

Com a compreensão das demandas apresentadas por eles observa-se a

necessidade de haver um local de referência para quando saíssem da prisão, já que

o Estado não oferece nenhum tipo de apoio, e ao sair o sujeito se encontra muitas

vezes perdido e desorientado. Em função dessa demanda, surgiu o projeto de

extensão “Cultivando Histórias”, que é um espaço de atenção aos condenados e

familiares, e através deste projeto, torna-se possível o acompanhamento dos

indivíduos ao recuperarem a liberdade, suas dificuldades com a finalidade de auxiliar

na busca de novas alternativas de inserção social longe da criminalidade. Logo, a

mudança da realidade vivenciada pelos presidiários consiste também na mudança

do pensamento acerca da função das penas, que não deve se prender única e

exclusivamente à visão arcaica de punir um ato indevido, sem compreender a

realidade social do sujeito que o cometeu (VIEIRA et al., 2011).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi mencionado acerca das prisões, fica evidente que o papel

do psicólogo na ressocialização dos condenados abrange uma complexa realidade.

Em primeiro lugar, o psicólogo deve primeiramente compreender de uma maneira

crítica toda a construção histórica acerca da representação social do termo

“criminoso”, para então modificar a realidade a partir dessa compreensão.

É notório que para a sociedade, desde os tempos mais remotos, o conceito

de prisão está intimamente associado ao sentimento de justiça, pois a sociedade

acredita que quanto maior a punição, maior o sentimento de justiça por aquele ato

que desvia da conduta normal da sociedade. O sujeito, ao cometer o delito, está de

forma direta ou indireta prejudicando outro indivíduo, ou a sociedade de forma geral.

Diante disso, a sociedade sente haver uma necessidade de retaliação por aquele

dano, cometido por alguém que infringiu as normas estabelecidas para o convívio

social.

Em nome desse sentimento de justiça, a sociedade estabelece uma forma de

punir o sujeito, e dessa forma surge a violência nas práticas de encarceramento e

punição.

Com o passar do tempo, muitas mudanças ocorreram, porém, a ideia da

punição como forma de justiça ainda prevalece, embora atualmente também exista a

ideia de reabilitação do sujeito vinculada a este pensamento. Ainda assim, é comum

observar nos presídios que a reabilitação do criminoso enquanto sujeito ocupa um

lugar não muito significativo, permanecendo em último plano.

Diante dessa realidade, cabe ao psicólogo realizar um trabalho diferenciado,

que permita ao sujeito apenado a conscientização do ato que ele cometeu, para que

então, ele possa se reabilitar, e possa novamente se inserir no contexto social.

A Lei de Execução Penal determina que a função do psicólogo limita-se a

participação nas CTCs e a realização dos ECs, no entanto, o psicólogo deve sair

desse lugar limitado, e criar um espaço no qual ele possa promover qualidade de

vida aos condenados. Embora, o objetivo principal dos ECs seja o de avaliar, para

poder criar um plano individualizado para cada detento, buscando conhecer seus

interesses, e identificar suas necessidades, na prática, o que se observa no sistema

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39

prisional são presídios abarrotados de presos, vivendo em condições subumanas,

sem perspectivas para o futuro.

É nesse sentido que o psicólogo deve trabalhar, para fazer cumprir a Lei de

Execução Penal de forma efetiva, fazendo com que a ressocialização do indivíduo

não seja meramente utópica, mas algo concreto e significativo para o detento.

É interessante considerar que não há necessidade da existência de presídios,

ou pelo menos, deveria considerar a necessidade dos presídios somente àqueles

criminosos que oferecem um alto risco para a segurança social, pois assim, haveria

mais projetos que pudessem trabalhar o indivíduo, e também a sociedade, a respeito

dessa conscientização, de que não é com o cárcere que a sociedade se verá livre da

violência e da criminalidade, muito pelo contrário, a experiência mostra que os

detentos que cumprem penas em condições precárias, em sua maioria reincidem no

crime por falta de perspectiva de vida ao sair da prisão. O preconceito que cada um

deles enfrenta ao ganhar liberdade dificulta a conquista de um emprego fixo, no qual

eles possam trabalhar sem a necessidade de cometer outros crimes. Então, o sujeito

que sai da prisão, vê-se perdido diante de uma sociedade preconceituosa, e sem

emprego para se manter, sua única opção é voltar aos delitos, na busca de sua

sobrevivência.

Considerando este fato, torna-se evidente que o papel do psicólogo não deve

resumir simplesmente ao trabalho com os detentos, dentro dos presídios, e sim, ao

trabalho de extensão, com projetos que trabalhem também a comunidade que irá

recebê-los após o cumprimento das penas, pois somente a conscientização de que

a recuperação dos detentos é possível com o apoio da sociedade, é que será

possível diminuir o índice da violência.

Sobre esse aspecto, é importante ressaltar o trabalho que a APAC vem

realizando, demonstrando que os sujeitos são capazes de se autogerir e capazes de

mudar sua realidade, a partir das oportunidades oferecidas a eles, oferecendo

dignidade e promovendo a cidadania, com cursos profissionalizantes que tornam a

realidade do crime cada vez mais distantes dos detentos, pois com uma profissão,

as chances de conseguir emprego aumentam significativamente.

Outro ponto importante são as dificuldades encontradas pelos psicólogos de

realizar seu trabalho nos sistemas prisionais. Uma delas é a falta de assistência

dada aos egressos, que ocorre por causa da demanda ser muito grande em relação

ao número de profissionais existentes no setor. A falta de uma rede de apoio para a

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40

reintegração social, para que os indivíduos, após ganharem liberdade tenham uma

ideia de onde conseguir emprego, ou seja, faltam instituições que apóiem o trabalho

de reinserção social dos detentos, e essa é uma das maiores dificuldades a ser

enfrentadas. Sem contar a falta de articulação entre as redes públicas como o SUS

e o SUAS, que são extremamente necessárias para promover aos detentos uma

condição igualitária na qual ele tem acesso à saúde e à assistência social.

Como sugestão, seria interessante que os psicólogos, junto de uma equipe

multidisciplinar promovessem dentro de cada presídio um atendimento que

abrangesse mais as necessidades dos condenados, projetos de leitura, que possam

promover o aprendizado daqueles que não são alfabetizados, e também

proporcionar conhecimento de forma geral, permitindo a reflexão acerca dos

acontecimentos de suas vidas, da sociedade e do mundo, no caso de penitenciárias

femininas, um atendimento individualizado às gestantes garantindo a promoção de

saúde e qualidade de vida.

Por fim, o que falta ainda para tornar o trabalho dos psicólogos mais efetivo

dentro do sistema prisional é a integração entre os psicólogos da área, para troca de

informações e possibilidade de capacitação para este trabalho nas penitenciárias, já

que cada presídio encerra em si mesmo sua própria realidade, dificultando a

resolução através de novos olhares, partilhando experiências e construindo novas

estratégias no manejo dos sujeitos em cumprimento de pena, ou egressos.

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41

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