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InTech 130 27 O PAPEL DA AUTOMAÇÃO NA GESTÃO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS Ricardo Caruso Vieira ([email protected]), Departamento de Serviços Especiais da Aquarius Software Ltda. artigo SUPPLY CHAIN INTRODUÇÃO Peter Drucker, um dos pensadores mais influente da área de gestão empresarial do século passado, foi o primeiro a descrever cada empresa como uma cadeia de elementos cujo objetivo é gerar valor, seja para seus clientes, empregados, acionistas ou parceiros. Essa descentralização conceitual das companhias foi a principal origem das modernas teorias de gestão estratégica que têm como principal foco o alinhamento das diversas áreas da empresa com um objetivo comum. Dentro desse contexto, a automação tem sido vista como uma área estratégica cada vez mais importante dentro do negócio. Além das responsabilidades tradicionais como gestão e manutenção das malhas e sistemas de controle, ela tem passado a ser a responsável pelos sistemas de informação de chão-de- fábrica e muitas vezes chamada de TA, tecnologia de automação, em contraposição a TI, tecnologia de informação, responsável pela gestão dos sistemas corporativos. Dessa forma a automação é um dos grandes pilares para a estratégia de gestão integrada de processos como os de qualidade, manutenção, produção e cadeia de suprimentos, ou Supply Chain. Com a convergência de tecnologias entre as áreas de TI e automação, a contribuição do chão de fábrica à gestão da cadeia de suprimentos vem sendo estudada sobre a ótica de integração de sistemas, com o levantamento das informações a serem compartilhadas entra as camadas de software. CADEIA DE SUPRIMENTOS Ao investigarmos a disciplina de gestão da cadeia de suprimentos, logo encontramos uma semelhança muito grande com um conceito bem mais antigo, de origem militar, que é o de logística. As diferenças e semelhanças entre os dois deram origem a tantas discussões nos meios especialistas, que Halldorsson e Larson, em 2004, lideraram uma vasta pesquisa internacional com os maiores nomes do tema sobre as diferenças entre as duas abordagens. Eles conseguiram identificar quatro correntes diferentes: os que defendem que a gestão de cadeia de suprimentos é parte da logística (que chamou de tradicionalist), os que consideram a logística parte da gestão da cadeia de suprimentos (unicionist), os que definem gestão de cadeia de suprimentos como o novo nome da logística (re-labelist) e os que consideram duas disciplinas diferentes, com algumas sobreposições (intersectionist). Apesar dessas correntes, podemos considerar que ambos tratam da gestão da rede de materiais e serviços industriais desde sua origem até o seu consumo. Na definição da APICS (Advancing Productivity, Innovation, and Competitive Success) para o termo SCM (Supply Chain Management), ele é o design, planejamento, execução controle e monitoramento das atividades da cadeia de suprimentos com o objetivo de criar uma rede de valor, construindo uma infraestrutura competitiva, alavancando uma logística internacional, sincronizando o fornecimento com demanda e medindo o desempenho globalmente.

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o papeL da automação Na gestão da cadeia de suprimeNtos

Ricardo Caruso Vieira ([email protected]),

Departamento de Serviços Especiais da Aquarius Software Ltda.

artigo SUPPLY CHAIN

iNtrodução

Peter Drucker, um dos pensadores mais influente da área de

gestão empresarial do século passado, foi o primeiro a descrever

cada empresa como uma cadeia de elementos cujo objetivo é

gerar valor, seja para seus clientes, empregados, acionistas ou

parceiros. Essa descentralização conceitual das companhias foi

a principal origem das modernas teorias de gestão estratégica

que têm como principal foco o alinhamento das diversas áreas

da empresa com um objetivo comum.

Dentro desse contexto, a automação tem sido vista como

uma área estratégica cada vez mais importante dentro do

negócio. Além das responsabilidades tradicionais como

gestão e manutenção das malhas e sistemas de controle,

ela tem passado a ser a responsável pelos sistemas de

informação de chão-de- fábrica e muitas vezes chamada

de TA, tecnologia de automação, em contraposição a TI,

tecnologia de informação, responsável pela gestão dos

sistemas corporativos.

Dessa forma a automação é um dos grandes pilares para

a estratégia de gestão integrada de processos como os de

qualidade, manutenção, produção e cadeia de suprimentos,

ou Supply Chain.

Com a convergência de tecnologias entre as áreas de TI e

automação, a contribuição do chão de fábrica à gestão da

cadeia de suprimentos vem sendo estudada sobre a ótica de

integração de sistemas, com o levantamento das informações

a serem compartilhadas entra as camadas de software.

cadeia de suprimeNtos

Ao investigarmos a disciplina de gestão da cadeia de

suprimentos, logo encontramos uma semelhança muito

grande com um conceito bem mais antigo, de origem

militar, que é o de logística. As diferenças e semelhanças

entre os dois deram origem a tantas discussões nos meios

especialistas, que Halldorsson e Larson, em 2004, lideraram

uma vasta pesquisa internacional com os maiores nomes do

tema sobre as diferenças entre as duas abordagens.

Eles conseguiram identificar quatro correntes diferentes:

os que defendem que a gestão de cadeia de suprimentos

é parte da logística (que chamou de tradicionalist), os

que consideram a logística parte da gestão da cadeia de

suprimentos (unicionist), os que definem gestão de cadeia

de suprimentos como o novo nome da logística (re-labelist) e

os que consideram duas disciplinas diferentes, com algumas

sobreposições (intersectionist).

Apesar dessas correntes, podemos considerar que ambos

tratam da gestão da rede de materiais e serviços industriais

desde sua origem até o seu consumo. Na definição da

APICS (Advancing Productivity, Innovation, and Competitive

Success) para o termo SCM (Supply Chain Management),

ele é o design, planejamento, execução controle e

monitoramento das atividades da cadeia de suprimentos

com o objetivo de criar uma rede de valor, construindo

uma infraestrutura competitiva, alavancando uma logística

internacional, sincronizando o fornecimento com demanda e

medindo o desempenho globalmente.

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artigo SUPPLY CHAIN

A metodologia de gestão da cadeia de suprimentos mais

comumente adotada é a SCOR (Supply Chain Operation

Reference Model), desenvolvida pela SCC (Supply Chain

Council). A SCC é uma associação fundada em 1996 pela

AMR Research, instituição independente de pesquisa

adquirida pela Gartner em 2009, pela empresa de consultoria

Pittiglio Rabin Todd & McGrath e 54 grandes indústrias.

A proposta da metodologia é simplificar o estudo

da gestão da cadeia de suprimentos por meio da

padronização da terminologia, padronização dos passos de

melhoria e padronização dos processos.

Esse modelo propõe que os processos sejam organizados

em níveis, do mais genérico ao mais específico para as

particularidades de cada organização. Conforme a Figura 1,

o primeiro nível é formado pelos processos de planejamento,

abastecimento, produção, distribuição e devolução.

O segundo nível é o que descreve a configuração da cadeia

de suprimentos. Intimamente ligado à atividade produtiva,

é onde o processo é classificado. Por exemplo, em make-

to-stock, empresas que produzem com o objetivo de

atingir metas de níveis de estoque, ou make-to-order, que

produzem com base em pedidos.

O nível três é o que possui o detalhamento da cadeia

e os indicadores de desempenho. Entre os principais

indicadores, estão grau de flexibilidade, tempo de

resposta, eficiência na gestão de recursos e custos.

Figura 1 – Modelo SCOR.

Tendo em vista esses indicadores, a gestão da produção

assume um papel bastante central para o desempenho

global da cadeia. Dessa forma a AMR Research propôs um

modelo de integração de sistemas de chão de fábrica com

sistemas corporativos aderentes ao SCOR, composto por

três níveis: planejamento, execução e controle. Em termos

de sistemas, temos o ERP (Enterprise Resource Planning),

responsável pela gestão corporativa e planejamento,

o MES (Manufacturing Execution System), gerindo a

produção industrial e o sistema de controle, composto

pelos sistemas de chão de fábrica.

Com essa integração, o planejamento realizado pelo ERP

passa a ter acesso aos dados mais precisos de desempenho

e disponibilidade de recursos fornecidos pela automação

e o chão de fábrica às necessidades e alterações de

planejamento da área de negócio.

Com isso, temos um impacto direto sobre as atividades de

planejamento de produção e gestão da produção.

coNtroLe e pLaNejameNto de produção

A área de controle e planejamento de produção, ou PCP,

é responsável por garantir que o processo de fabricação

seja realizado de forma a atender os prazos acordados

com as próximas fases da cadeia logística. As principais

ferramentas utilizadas para isso são a otimização de rotas

de chão de fábrica, sequenciamento adequado de ordens

de produção e alocação ótima de recursos.

Para que esse planejamento seja bem sucedido, é

importante que os dados de recursos disponíveis, como

operadores e equipamentos, e desempenho das células

produtivas sejam os mais acurados possíveis. A melhor

fonte de informações sobre velocidade real de produção

e disponibilidade de equipamentos são os próprios

sistemas de automação.

Para apoiar a atividade do PCP, e permitir a troca de

dados entre automação e sistemas de planejamento,

foram desenvolvidos os sistemas de planejamento de

produção para chão de fábrica (Plant Floor Scheduler).

Esses sistemas trabalham com um modelo do chão

de fábrica capaz de prever tempos e rotas para uma

sequência de ordens de produção, e coleta dados do

chão de fábrica, via sistemas de automação ou de

gestão da produção, para garantir que os equipamentos

estão apresentando o desempenho previsto ou estão

disponíveis dentro da agenda desejada.

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1 – Modelo de chão de fábrica

A modelagem do chão de fábrica é feita pela

parametrização de quatro elementos: recursos,

operações, rotas e calendários. Os recursos são os

equipamentos envolvidos no processo produtivo.

As operações são os passos necessários para uma

determinada fabricação. As rotas são as sequências

de recursos que podem ser usadas para uma sequencia

de operações. Os calendários são os períodos de

disponibilidade dos recursos.

Para processos de manufatura fortemente dependentes

de ação humana, o calendário é bastante próximo da

agenda de turnos. Essa informação é usada pelo sistema

para a previsão de data de término das ordens de

produção. Um exemplo de configuração de turnos pode

ser visto na Figura 2.

Figura 2 – Configuração de Calendários.

No modelo de equipamentos ficam as informações de

capacidade produtiva e eficiência de cada recurso.

Essa é a fonte mais comum de erros no processo

de planejamento. Sistemas estáticos de apoio ao

PCP, que não possuem conexão com os sistemas de

automação, mantêm valores estáticos para desempenho

e disponibilidade. Nesses casos, quando ocorre

uma parada de equipamento ou degradação de seu

desempenho, são necessários ajustes manuais que,

em ambientes produtivos complexos, são bastante

complicados. A configuração vista na Figura 3 mostra a

parametrização de um recurso com suas características

de desempenho e capacidade.

Figura 3 – Configuração de Recursos.

A configuração de operações e rotas, por

f im, conecta as atividades necessárias para a

manufatura aos equipamentos. A separação da

configuração de operação da de equipamentos

é fundamental em processos onde existem

alternativas de localização para execução de uma

determinada atividade. Uma atividade de corte,

por exemplo, que normalmente é executada em

um determinado equipamento pode ser alocada

para outro com a mesma capacidade visando à

otimização do uso dos recursos disponíveis.

2 – Planejamento

Com o modelo de chão de fábrica configurado, a

atividade de planejamento se concentra em ordenar de

forma otimizada as ordens de produção nas diversas

rotas. Sistemas de planejamento para chão de fábrica

normalmente apresentam recursos para auxiliar a

ordenação das ordens de produção, tipicamente

recebidas do sistema ERP.

Esses recursos variam bastante entre as ferramentas

de mercado, mas normalmente são baseados na

teoria das restrições observando datas de entrega de

materiais, data prevista para finalização da produção

e melhor ocupação dos equipamentos. Alguns,

ainda, disponibilizam heurísticas de otimização que

sugerem uma alocação ótima para um determinado

período de tempo.

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Figura 4 – Interface de Planejamento.

A Figura 4 mostra uma interface típica de planejamento,

com as atividades alocadas por equipamentos e prazos

para término das ordens de fabricação.

sistemas de gestão da produção

Os sistemas de gestão da produção são sistemas da

camada MES responsáveis pelo acompanhamento da

execução das ordens de produção no chão de fábrica. Por

meio de acesso aos sistemas de automação, interação com

os operadores e leitura de identificadores, como códigos

de barra e tags RFID, eles são capazes de monitorar as

atividades de movimentação, consumo e genealogia

rastreando cada produto através das células produtivas.

Quando presente na indústria, ele se torna a principal

fonte de dados para a atualização das informações de

desempenho dos sistemas de controle e planejamento de

produção, e também o principal responsável por reportar

detalhes da execução da ordem de produção para sistemas

corporativos como o ERP.

1 – Modelo de Equipamentos

A base para a configuração do sistema de gestão da

produção é o modelo de equipamentos. Ele que vai

representar os recursos físicos do chão de fábrica, e

mapear as variáveis dos sistemas de automação a serem

monitoradas. De acordo com a norma S95 da ISA,

norma que trata sobre a troca de dados entre sistemas

corporativos e de chão de fábrica, os equipamentos devem

estar organizados de forma hierárquica, respondendo aos

seguintes níveis: enterprise, site, area, production line (ou

process cell) e unit.

Cada unit, que representa um equipamento ou unidade de

armazenamento da linha de produção, mantém a lógica

de interpretação das variáveis de automação, tipicamente

coletadas via OPC. Um tanque de armazenamento de

insumo, por exemplo, pode guardar referência do tag

de medição de nível, responsável por indicar eventos de

consumo e capacidade atual da unidade de estoque.

Figura 5 – Modelo de Equipamentos

2 – Modelos de Eventos

A modelagem dos eventos de produção está intimamente

ligada à decisão das unidades a serem rastreadas. Cada

segmento industrial possui um ou mais tipos de unidades,

podendo ser lotes, bateladas, rolos, chapas e muitos outros.

Essa modelagem deve estar alinhada às políticas gerais de

gestão da cadeia de suprimentos e cada item deve ter um

identificador único para os sistemas MES e corporativo.

Como o evento é disparado pela unidade produtiva,

ele deve também respeitar ser relacionado a um

status. Eventos de paradas de equipamentos e

testes de qualidade podem afetar esse status, e

consequentemente a sua rota. Um exemplo seria uma

batelada de um processo farmacêutico que não recebe

a aprovação da área de qualidade. Ao invés de seguir

a rota natural para a área de embalagem, ela passa

por um processo de rejeito. Os status normalmente

relacionados aos eventos são completos, em progresso,

congelado, em inventário, processando, consumido,

rejeitado em inventário, e rejeitado.

Um modelo de evento que merece atenção especial

é o modelo de genealogia. Ele é o responsável por

monitorar a relação entre produtos e subprodutos

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no decorrer das linhas de produção. Para isso,

ele acompanha o fluxo de materiais integrando

os indicadores dos insumos, responsáveis pela

rastreabilidade de fornecedores, até os indicadores de

produtos acabados integrando a cadeia logística externa

à interna da fábrica.

Figura 6 – Exemplo de Modelo de Genealogia para

Carregamento de Silo.

coNcLusÕes

A pressão pelo alinhamento das atividades de todas

as áreas da corporação tem levado seus gestores

a se aventurarem cada vez mais por assuntos

interdisciplinares. Aliar conhecimentos de áreas

diferentes, como engenharia e negócio, ou TI e

automação, tem se mostrado em inúmeros exemplos

uma estratégia bastante bem sucedida.

A adição das informações coletadas do chão de

fábrica aos sistemas tradicionais de monitoramento e

otimização de cadeias de suprimento ajuda a eliminar

alguns dos diversos pontos cegos encontrados pelos

gestores de negócios ao preverem prazos para as

atividades da cadeia logística.

Os novos desafios, porém, estão na integração de equipes

com formações e culturas diferentes para conduzirem,

citando Drucker, a cadeia de valor da empresa.

bibLiografia

1. DRUCKER, Peter F.

The Essencial Drucker, Elsevier, USA, 2001.

2. HALLDORSSON, A., Larson, P.

Logistics versus supply chain management:

an international survey,

International Journal of Logistics, 2004.

3. UNGER, K.

Manufacturers' needs not changing - but acronyms are,

Industrial Computing Journal , p. 46-48,

The International Society of Automation (ISA),

Outubro 2001.

4. Documentação da Suíte Proficy,

GE Intelligent Platforms

http://www.aquarius.com.br/pdf/proficy_plant_apps_4.4_ds_

gfa1086a.pdf