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R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 173-196, jul./dez. 2013
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O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS COMO
PROPULSORAS DE MUDANÇA SOCIAL
Ivo César Barreto de Carvalho*
RESUMO: O trabalho tem por escopo verificar como as agências reguladoras desempe-nham seu papel propulsor de mudança social, tendo em vista a função dessas entidades públicas na regulação de conflitos existentes entre o Poder Público, as entidades reguladas e os usuários. Parte-se da análise das teorias macrossociológicas para o estudo dos conflitos e mudanças sociais, de modo a tentar perquirir se o direito é fator ou produto de mudança social, bem como de que maneira o poder político influencia na mudança social. A partir da premissa do novo modelo estatal brasileiro, pautado na economia neoliberal e desestatizante, foram criadas as agências reguladoras, com o intuito de desenvolver mecanismos de fiscali-zação dos serviços públicos e regulação econômica das entidades prestadoras dos sobreditos serviços. Afora a questão jurídico-econômica, busca-se estudar o papel social das agências reguladoras como propulsoras de mudança social.
PALAVRAS-CHAVE: Agências reguladoras. Conflitos. Controle. Mudança social.
THE ROLE OF REGULATORY AGENCIES AS SOCIAL CHANGE PROPELLANT
ABSTRACT: The scope of this paper is to check how regulatory agencies play a role in propelling social change, in view of the function of these public entities in regulating con-flicts between the government, regulated entities and users. It starts with the analysis of macro-sociological theories to the study of conflicts and social changes, in order to enquire if the law is product or factor of social change, as well as how the political power influence on social change. From the premise of the new Brazilian state model, based on neoliberal economics and privatizing, regulatory agencies were created, in order to develop mecha-nisms for monitoring public services and economic regulation of public service entities. Aside from the legal and economic issue, this work seeks to study the social role of regula-tory agencies as drivers of social change.
KEYWORDS: Regulatory agencies. Conflicts. Control. Social change.
1 INTRODUÇÃO
A sociedade encontra-se em permanente conflito e evolução social, di-
nâmica esta que lhe é característica. Os mais diversos grupos sociais, diante
dos mais distintos interesses manifestados pelos indivíduos, propiciam
constante embate de interesses e de direitos, razão da perene mudança soci-
al. Esta mudança da sociedade, por sua vez, apesar de constante, pode pas-
sar despercebida por gerações, sem que haja alterações profundas e estrutu-
rais nas instituições de uma dada sociedade. Por outro lado, as mudanças
sociais podem ocorrer de modo mais profundo nas estruturas da sociedade,
acarretando substanciais interferências nas relações sociais e em seus gru-
pos.
* Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutorando pelo Programa
de Pós-Graduação em Direito da UFC. E-mail: [email protected]
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Nos estudos sociológicos, suas investigações centram-se nos fatores
sociais que influenciam os indivíduos e grupos de uma dada sociedade. Tal
ciência social é, segundo Elias Diaz, uma ciência empírica, que fornece
informações e critérios válidos para uma melhor compreensão da realidade
social.1 Destarte, o foco central e geral da Sociologia Jurídica é a correla-
ção entre o direito e os fatos sociais; noutros termos, pode-se indagar: o
direito é fator ou produto de mudança social?
Não se pretende, no presente artigo, responder de modo categórico a
tão profunda indagação científica. O escopo deste estudo cinge-se a um
aspecto mais pontual, de cunho sociológico, das atividades desempenhadas
pelas agências reguladoras. Ou seja, no âmbito geral das funções inerentes
às agências reguladoras brasileiras, estas são mero fruto ou propulsoras de
mudança social?
Para tanto, é mister realizar uma rápida incursão histórica na criação
das agências reguladoras, a partir de uma mudança paradigmática do mode-
lo estatal brasileiro, fruto de mudanças políticas que optaram por uma dou-
trina neoliberal, pautada numa diretriz econômica desestatizante. Ademais,
faz-se necessário distinguir a regulação econômica e a regulação social,
distinção esta crucial para entender a própria evolução do papel das agên-
cias reguladoras na sociedade brasileira.
Ao final, interessa o estudo do controle social das agências reguladoras
e a participação da sociedade em suas decisões, mormente através de con-
sultas e audiências públicas, de modo a trazer maior legitimidade e eficiên-
cia ao papel regulatório dos serviços públicos.
2 CONFLITOS E MUDANÇA SOCIAL
2.1 Teorias macrossociológicas
No estudo dos conflitos e mudanças sociais, a sociologia moderna tra-
balha na perspectiva das teorias macrossociológicas, ou seja, não se interes-
sa pela interação entre os indivíduos e pequenos grupos (microssociologia),
mas na interrelação entre os grupos e a sociedade, portanto uma visão mais
global. As principais correntes de teorias macrossociológicas são duas:
funcionalistas e do conflito social.
A corrente funcionalista ou da integração considera a sociedade como
um todo, cujo funcionamento é semelhante a uma máquina. Destarte, o
1 DIAZ, Elias. Sociologia y filosofia del derecho. Madri: Taurus, 1977, p. 190.
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funcionamento desta máquina (sociedade) deve ser harmônico entre suas
partes (grupos e indivíduos). O cumprimento das regras sociais vigentes é
pressuposto para a integração dos grupos e indivíduos na sociedade. Para
Ana Lúcia Sabadel, ao comentar os funcionalistas:
[...] as funções sociais são atividades das estruturas sociais dentro do proces-
so de manutenção do sistema. As disfunções são atividades que se opõem ao
funcionamento do sistema social. Toda mudança social é uma disfunção,
uma falha no sistema, que não consegue mais integrar as pessoas em suas fi-
nalidades e valores.2
Já para as teorias do conflito social, que se opõem aos funcionalistas, a
sociedade agrega diferentes grupos e indivíduos com interesses, muitas
vezes, opostos e que, portanto, estão em permanente conflito. Para essa
corrente (marxistas e liberais), a sociedade está em embate constante, sendo
normais as crises e mudanças sociais durante toda a história da humanida-
de. A mesma socióloga ressalta que a “estabilidade social é considerada
como uma situação de exceção, ou seja, como um caso particular dentro do
modelo de conflito.”3
Não há dúvidas de que o modelo do equilíbrio social dos funcionalis-
tas é uma ficção inalcançável. A história demonstra que a sociedade vive
em constante luta de classes, como propugnaram Marx e Engels, no início
do Manifesto do Partido Comunista. Opções ideológicas a parte, os liberais
também asseveram a existência de um contínuo conflito na sociedade, ra-
zão pela qual a teoria do conflito social se mostra a mais adequada corrente
da moderna sociologia a explicar os fatos e mudanças sociais.
Aliás, é interessante o estudo da história do direito, pois tanto a inves-
tigação dos efeitos sociais de diversos ordenamentos jurídicos, como a aná-
lise das circunstâncias sociais capazes de explicar porque o direito se de-
senvolveu segundo diferentes linhas em sociedades distintas, constituem
elementos sociológicos marcantes. Alf Ross defende, neste sentido, o con-
tato estreito da história do direito com a sociologia do direito, tendo em
vista que aquela “não só objetiva apresentar o direito num determinado
momento como também descrever e explicar seu desenvolvimento”.4
2 SABADEL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura ex-
terna do direito. São Paulo: RT, 2000, p. 68. 3 SABADEL, Ana Lúcia. Op. cit., p. 68. 4 ROSS, Alf. Direito e justiça. Trad. Edson Bini — revisão técnica Alysson Leandro
Mascaro. Bauru, SP: EDIPRO, 2003, p. 46.
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Estando a sociedade em permanente conflito, o direito também o está.
Não há como dissociar a existência de conflitos entre indivíduos e grupos
na sociedade com a sua natural consequência: o uso do direito para a solu-
ção desses conflitos sociais. O desenvolvimento dessa sociedade e desse
direito é, portanto, o passo evolutivo natural da humanidade. Não se quer
dizer que toda mudança é, necessariamente, para melhor, mas não há dúvi-
das de que a sociedade está em permanente conflito, e o direito deve se
adequar a essas mudanças sociais ou propiciar as soluções para tais mudan-
ças.
2.2 O direito como produto ou fator de mudança social
Partindo da premissa, portanto, que a sociedade está em permanente
conflito, mas que essas diferentes opiniões e interesses antagônicos entre
grupos e indivíduos são justamente os motivos das constantes modificações
na organização da sociedade, há de se concluir que a mudança social é ca-
racterística inerente de uma sociedade moderna.
No mesmo sentido, Agerson Tabosa conceitua a mudança social, de
forma simples e didática, verbis:
[...] mudança social é toda alteração que afeta as pessoas e os grupos, no
exercício de seus papéis sociais. As pessoas, exercendo seus papéis, inte-
gram os grupos sociais e pautam o seu comportamento através de normas e
valores. Esse comportamento é submetido, por sua vez, ao controle social.
Assim, toda alteração, que afete um papel, uma norma ou um valor social,
afeta esse comportamento e é mudança social.5
Neste contexto social, cabe indagar: o direito é produto ou fator de
mudança social? No estudo desta dicotomia entre o direito e mudança soci-
al, Ramón Soriano adota uma posição intermediária, considerando que a
relação entre mudança/direito se concretiza geralmente da seguinte manei-
ra6:
a) o direito é uma variável dependente de um marco geral; é o reflexo dos in-
teresses dominantes de grupos e classes, que se definem primordialmente
(embora não exclusivamente) pelo fator econômico. A interrelação de gru-
pos e classes sociais, definidas pelo fator econômico, determinam as estrutu-
ras jurídicas. O direito é o denominador comum de uma série de interesses
5 TABOSA, Agerson. Sociologia geral e jurídica. Fortaleza: Qualygraf Editora e Gráfica,
2005, p. 523. 6 SORIANO, Ramón. Sociología del derecho. Barcelona: Ariel, 1997, p. 311-312.
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sociais de grupos e classes; um reflexo dos mesmos, submetido à sua dinâ-
mica e relações de dominação;
b) Neste marco geral, o direito tem certa autonomia e capacidade de mudan-
ça. A discussão pode afetar a intensidade, o lugar e as limitações da mudan-
ça, mas esta pode, sem dúvida, ser incentivada e induzida pelo direito. A in-
fluência do direito na mudança social, que pode ser direta ou indireta, adota
posições de reconhecimento (ex: união homoafetiva), anulação (ex: proprie-
dade de escravos), canalização (ex: reformas políticas) e transformação (ex:
nova Constituição).
Particularmente interessante é a posição de Ramón Soriano sobre a re-
lação entre direito e mudança social, mas que difere do entendimento de
Eugen Ehrlich, para o qual: “toda evolução legal repousa na evolução soci-
al e toda evolução social consiste no fato de que os homens e suas relações
se modificam no decorrer do tempo”.7 No mesmo sentido, Henri Lévy-
Bruhl defende que a única fonte do direito é a vontade social, razão pela
qual o direito emana sempre do grupo social.8 Não nos parece que o direito
seja sempre produto de uma mudança social, pois é possível identificar
casos de alterações nas relações sociais fruto de mudanças legislativas9.
Transportando o raciocínio acima para o escopo específico do presente
estudo, tal hipótese pode ser experimentada no âmbito das agências regula-
doras. As agências reguladoras são propulsoras de uma mudança social ou
produto dela? As agências reguladoras são fruto de uma política governa-
mental, cuja mudança de poder pode acarretar-lhes sua dissolução, ou são
conquistas da sociedade inerentes ao desenvolvimento social que alcança-
mos?
2.3 Poder político e mudança
As transformações do Direito na sociedade sempre foram vistas, via de
regra, como fruto da onipotência do Estado. A ideia dominante de que o
aparato estatal é o poder soberano modificador das estruturas e instituições
sociais é contestável, pois a evolução social pode ser alcançada por força
própria, tendo em vista a dinâmica da sociedade.
7 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Trad. René Ernani Gertz.
Brasília: UNB, 1986, p. 303. 8 LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 40. 9 Como exemplo desta situação, no Brasil, cite-se a previsão de norma de conduta para o uso
obrigatório de cinto de segurança cuja infração — prevista no art. 167 do Código de Trânsi-
to Brasileiro (Lei nº 9.503, 23.09.1997) modificou o padrão de conduta dos brasileiros ao
guiar veículos automotores.
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Como exemplos de evoluções sociais que resultaram em transforma-
ções no Direito do Estado tem-se as grandes revoluções Francesa e Indus-
trial, nos séculos XVIII e XIX. Em verdade, as maiores mudanças no Direi-
to não são motivadas por meras alterações legislativas, mas por mudanças
sociais que, ao longo da história, alteraram relações familiares, de trabalho,
econômicas, contratuais etc.
Contudo, partindo da premissa de certa estabilidade de uma dada soci-
edade em um dado momento histórico, constata-se que as mudanças sociais
são, via de regra, fruto de transformações no sistema jurídico, seja através
de alterações legislativas específicas, seja através da consolidação de juris-
prudência pertinente ao Poder Judiciário daquela sociedade.
No Estado brasileiro, mais especificamente após a ordem jurídica
inaugurada a partir da Constituição de 198810
, constatam-se situações em
que a mudança social foi motivada por alterações legislativas, sendo que,
em grande parte desses casos, tais mudanças advieram do exercício de po-
der político.
Ana Lúcia Sabadel afirma que as “mudanças sociais são também a
causa das recentes reformas legislativas que impõem a „desregulamentação
da economia‟ (redução do poder fiscalizador e do papel econômico do Es-
tado) na era neoliberal”.11
A escolha política por parte do Poder Executivo
Federal, por exemplo, pela privatização do aparato estatal atuante na eco-
nomia, ocorrida na década de 1990, somente foi efetivada por meio de pro-
fundas alterações legislativas que culminaram, por conseguinte, em densas
modificações nas relações dos cidadãos brasileiros com o Poder Público.
No entanto, com a desestatização econômica e a consequente redução
do papel econômico do Estado na economia, ao contrário do que afirma
Ana Lúcia Sabadel, não houve a redução do poder fiscalizador do Estado,
mas uma verdadeira ampliação. E isto se deve, exatamente, às agências
reguladoras criadas a partir deste novo modelo econômico inaugurado.
Houve uma mudança substancial no modelo estatal: abandonou-se o
dirigismo econômico e passou-se a adotar um modelo de estado regulador.
A partir desta opção política, verifica-se que a concepção de um modelo
regulatório implicou na redução das dimensões da intervenção estatal no
10 É exemplo, no meu entender, de mudança social contra o regime ditatorial motivada pela
sociedade civil que resultou na alteração do Direito, das relações e institutos jurídicos. 11 SABADEL, Ana Lúcia. Op. cit., p. 84.
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âmbito econômico, conforme explana Marçal Justen Filho.12
Destarte, sob o
ângulo da sociologia, constata-se que as reformas legislativas implantadas a
partir de então no âmbito econômico, por força do poder político, deram
início a profundas transformações nas relações sociais entre os cidadãos
brasileiros, que passaram a ser consumidores de serviços públicos não mais
prestados diretamente pelo Poder Público, mas por entidades privadas con-
cessionárias ou permissionárias destes serviços.
3 O PAPEL SOCIAL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
3.1 Breves contornos das agências reguladoras
O Estado brasileiro vem passando por um processo de transformações
econômico-sociais, fruto de amadurecimento de sua democracia e das deci-
sões políticas tomadas nestas últimas décadas após a redemocratização com
a Constituição de 1988.
Nesta toada, na década de 1990, o Brasil promoveu uma série de re-
formas no aparelho estatal, a fim de que se criassem as condições ideais
para o desenvolvimento de um modelo de Estado mais enxuto, menos bu-
rocrático, mais eficiente, menos atuante na economia e mais regulador des-
ta13
. Assim, procederam-se às tão discutíveis privatizações (ou desestatiza-
ções) de empresas públicas de todos os níveis da federação. O esgotamento
da atuação estatal na economia de mercado, segundo a justificativa dos
defensores das medidas desestatizantes, principalmente em setores nos
quais o Estado prestava serviços de péssima qualidade (telecomunicações,
energia, gás, transportes etc.), prejudicava o cidadão e atrapalhava o desen-
volvimento nacional.
Na ótica da economia de mercado, o Estado deveria se abster de atuar
em tais setores, deixando à iniciativa privada a incumbência de prestar ser-
viços públicos eficientes, de qualidade e em módicas tarifas ao consumidor.
Pregava-se um novo Estado, pautado na passagem dos serviços públicos do
âmbito governamental para a órbita privada. O governo brasileiro, à época,
foi duramente taxado de neoliberal por defender a livre economia de mer-
cado e a livre iniciativa como os mais puros dogmas da política macroeco-
12 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São
Paulo: Dialética, 2002, p. 21. 13 Este cenário brasileiro com um novo paradigma organizacional estatal foi bem observado
por NAVES, Rubens. Direito e regulação no Brasil e nos EUA. São Paulo: Malheiros,
2004, p. 123.
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nômica, a despeito de tais princípios estarem expressamente previstos no
art. 170 da Constituição Federal14
.
O Estado brasileiro, centralizador e intervencionista, transformava-se
num Estado descentralizador e regulamentador de serviços públicos que
acabara de passar à iniciativa privada. Noutros termos, a máquina estatal
não mais despendia recursos financeiros ou humanos na prestação de tais
serviços à população, pois a “energia” governamental deveria se voltar à
fiscalização e normatização dessas atividades agora nas mãos da iniciativa
privada.
Um dos instrumentos utilizados pelo Governo Federal para ordenar a
livre iniciativa, impondo-lhe regras de atuação, que passou a prestar os
serviços públicos outrora exclusivamente prestados pelos poderes públicos
foi a regulação econômica, consoante disposto no art. 174 da Constituição
Federal15
. As concessões, delegações e permissões de serviços públicos
passaram a ser fiscalizadas, normatizadas e controladas pelas chamadas
agências reguladoras. Tratou-se, em verdade, de uma relevante inovação do
aparelho estatal brasileiro, que mitigou o modelo clássico (liberal) de sepa-
ração de poderes, cuja característica preponderante era um Poder Executivo
forte e centralizador, jurídica e politicamente.16
Com esteio nesta ação descentralizadora, as agências reguladoras ca-
racterizam-se pela natureza jurídica autárquica, sob regime especial, com
14 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada;
III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI -
defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redu-
ção das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento
favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX - tratamen-
to favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos em lei. 15 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá,
na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinan-
te para o setor público e indicativo para o setor privado. 16 A questão envolvendo a posição das agências reguladoras na teoria da tripartição de pode-
res e no atual Estado Democrático de Direito é profundamente discutida por JUSTEN FI-
LHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética,
2002, p. 344-353.
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autonomia administrativa, política, funcional e orçamentário-financeira em
relação ao ente estatal que as criou.17
Nesse novo modelo de Estado Regu-
lador, tais agências desempenham funções administrativas (fiscalizando a
prestação dos serviços públicos delegados, concedidos ou permitidos),
normativas (normatizando a prestação dos sobreditos serviços) e judican-
tes (julgando os eventuais conflitos surgidos entre os consumidores e as
concessionárias ou permissionárias de serviços públicos).
A prestação dos serviços públicos — incumbência do Poder Público
—, que passou em grande parte a ser feita sob regime de concessão ou
permissão, nos moldes do art. 175 da Carta Política18
, necessita de órgãos
técnicos e autônomos capazes de fiscalizar tais contratos, promover a polí-
tica tarifária, normatizar os direitos dos usuários, sempre com a obrigação
de manter um serviço adequado, de qualidade e eficiente. Ao longo das
últimas décadas, os serviços públicos delegados à iniciativa privada aumen-
taram consideravelmente em todos os níveis da federação, impactando nas
características das instituições estatais e não-estatais.
Característica marcante na regulação dos serviços públicos é a regula-
ção econômica. A estruturação da política tarifária e a implementação efe-
tiva de mecanismos de revisão periódica das tarifas, com vistas à modici-
dade tarifária e ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, são pila-
res fundamentais nas atividades desempenhadas pela área econômico-
tarifária das agências reguladoras.
Contudo, outra característica igualmente relevante, mas pouco estuda-
da, é a regulação social. As agências reguladoras podem desempenhar,
direta ou indiretamente, uma função relevante tanto na mediação de confli-
tos sociais entre Poder Público, as entidades reguladas e os usuários, como
na geração de mudanças sociais concretas. As formas de controle social, a
participação da sociedade nas decisões das agências reguladoras — através
de audiências e consultas públicas — e as políticas públicas implementadas
como fatores de mudança social são os vetores do presente estudo.
17 As características das agências reguladoras foram bem delineadas por Luís Roberto Bar-
roso. In: Apontamentos sobre as agências reguladoras. FIGUEIREDO, Marcelo (Org.).
Direito e regulação no Brasil e nos EUA. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 99. 18 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de con-
cessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
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3.2 Regulação econômica versus regulação social
No âmbito econômico, entende-se que a regulação é um instrumento
do Estado para suprir as deficiências do mercado. Notadamente após a se-
gunda metade do século XX, superada a ideia de auto-regulação do merca-
do, pautada no neoliberalismo, passou-se a entender pela necessidade de
interferir sobre o mercado, de modo a alterar a evolução dos fatos sociais e
econômicos.
Esta primeira “onda regulatória”, originária da acepção mais tradicio-
nal da regulação no século passado, reduzia a dimensão da regulação à
produção de objetivos propriamente econômicos. Segundo Marçal Justen
Filho, a difusão da expressão regulação econômica envolvia problemas
específicos atinentes à atividade econômica, mas que enfrentavam questões
relacionadas a certo âmbito das políticas públicas e às deficiências de mer-
cado.19
As concepções mais antigas e tradicionais acerca da regulação vem
sendo objeto de intenso estudo e revisão. Identifica-se, hodiernamente, uma
segunda “onda regulatória” chamada de regulação social. Constata-se que,
além de suprir e corrigir as deficiências de mercado para que se alcance o
seu funcionamento perfeito, é mister que a atividade regulatória busque a
realização de certos fins de interesse comum. Neste sentido, esclarecedoras
são as lições de Marçal Justen Filho sobre a regulação social e a segunda
“onda regulatória”:
Com a drástica redução da atuação estatal direta, incrementou-se a concep-
ção da regulação econômica como meio de controle das deficiências do mer-
cado. No entanto, verificou-se que a realização de inúmeros outros fins, de
natureza sociopolítica, também deveria ser tomada em vista pela regulação.
A intervenção estatal de natureza regulatória não poderia restringir-se a pre-
ocupações meramente econômicas. O Estado não poderia ser concebido co-
mo um simples “corretor dos defeitos econômicos” do mercado, mas lhe in-
cumbiria promover a satisfação de inúmeros outros interesses, relacionados
a valores não econômicos. Assim, o elenco dos fins buscados através da re-
gulação escapa facilmente de uma abordagem exclusivamente econômica.20
Não há dúvidas, portanto, que o papel das agências reguladoras não se
restringe às questões puramente econômicas. Sob o ponto de vista estrita-
mente jurídico, de cunho tradicional, a atividade regulatória foi criada e
19 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 32. 20 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 38.
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desenvolvida como instrumento estatal de correção das falhas de mercado.
O interesse do Estado neoliberal era, primordialmente, voltado à interven-
ção na atividade econômica, de modo a realizar um controle em determina-
dos setores do mercado.
Sob o ponto de vista sociológico, o papel das agências reguladoras
vem sendo redefinido com o fito de realizar interesses comuns da socieda-
de, e não apenas o caráter econômico dos agentes de mercado. Acresce-se
aos sujeitos da relação, além do Estado e dos agentes econômicos, o cida-
dão — destinatário final da atividade regulatória dos serviços públicos. A
partir destes novos parâmetros, um novo modelo de conduta e uma nova
relação social foram criados, gerando uma evolução no conceito e no papel
do instituto jurídico das agências reguladoras.
No direito público francês, guardadas as devidas peculiaridades jurídi-
cas das agências reguladoras naquele país, é interessante a definição da
regulação sob o ponto de vista da sociologia trazida por Bertrand du Ma-
rais:
Cependant, dans une troisième acception, sociale ou même sociétale, le
terme de régulation prend un sens plus général. Il regroupe l'ensemble des
règles et des institutions qui permettent la vie en société en garantissant un
certain ordre public, un certain niveau de paix sociale.21
Destarte, pelas próprias características históricas e evolução da socie-
dade francesa, a regulação desempenha um papel primordial na garantia da
ordem pública e da paz social, numa visão mais ampla do instituto. Este é o
sentido da regulação que também se busca aplicar na sociedade brasileira,
assegurando ao cidadão a efetiva prestação dos serviços públicos regulados,
garantindo a ordem pública e a paz social.
3.3 Controle social das agências reguladoras e participação da socieda-
de
Todas as sociedades são controladas, em maior ou em menor medida,
por normas. Desde as mais simples e primitivas às mais complexas e mo-
dernas, o controle da sociedade sempre foi exercido por uma série de me-
21 MARAIS, Bertrand du. Droit public de la régulation économique. Paris: Presses de
Sciences Po/Dalloz, 2004, p. 484. Em tradução livre: “No entanto, em um terceiro sentido,
social ou mesmo da sociedade, o termo regulação toma um sentido mais geral. Ele contém
todas as regras e instituições que tornam a vida em sociedade, garantindo uma certa ordem,
um certo nível de paz social.”
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canismos cuja finalidade era manter a convergência de interesses dos gru-
pos e indivíduos numa dada sociedade. Nesta mesma senda, Pedro Scuro
Neto conceitua o controle social como:
[...] um conjunto de sanções positivas e negativas, especificadas durante o
processo de socialização e seus mecanismos, que agem desde cedo para in-
cutir na personalidade valores, normas e modelos normativos, conformando
a capacidade individual de estabelecer juízos morais.22
[grifo no original]
Para o âmbito do presente trabalho, interessa o estudo do controle so-
cial efetivado através do sistema jurídico. Consoante Elias Diaz, o Direito é
um sistema de controle social:
Por supuesto que el Derecho, en cuanto sistema de control social, puede
desempeñar y de hecho desempeña un papel importante em los procesos de
cambio, integración, equilibrio o conflicto dentro de uma determinada socie-
dad. El Derecho puede frenar el cambio, puede detenerlo, canalizarlo o tam-
bién acelerarlo; los conflictos sociales pueden estar mejor o peor regulados
por la legislación positiva, pueden estar más o menos institucionalizados; el
sistema jurídico puede haber previsto cauces e instrumentos más o menos
adecuados para la resolución correcta de los conflictos. Y, sobre todo, el sis-
tema de legalidad orienta todo ello desde un determinado sistema de legiti-
midad, sistema de valores pero también de intereses, que proporcionan pau-
tas de <justicia> para la canalización (en un sentido o en otro) del cambio y
para la resolución (también en un sentido o en outro) de los conflictos socia-
les.23
Segundo o mencionado doutrinador espanhol, portanto, o sistema jurí-
dico desempenha papel importante como forma de controle social, especi-
almente na previsão de instrumentos para a resolução de conflitos. Não se
pode olvidar, ademais, que referido sistema, pautado na legalidade, não se
22 SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do direito,
instituições jurídicas, evolução e controle social. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 244. 23 DIAZ, Elias. Sociologia y filosofia del derecho. Madri: Taurus, 1977, p. 189-190. Em
tradução livre: “É claro que o direito, enquanto sistema de controle social, pode desempe-
nhar e de fato desempenha um papel importante nos processos de mudança, integração,
equilíbrio ou de conflito dentro de uma determinada sociedade. O Direito pode frear a mu-
dança, pode para-la, canalizá-la ou também acelerá-la; conflitos sociais podem ser melhor
ou pior regulados pela legislação positiva, podem ser mais ou menos institucionalizados; o
sistema jurídico pode ter previsto canais e instrumentos mais ou menos adequados para a
resolução correta dos conflitos. E, sobretudo, o sistema de legalidade dirige tudo a partir de
um dado sistema de legitimidade, sistema de valores mas também de interesses, que forne-
cem diretrizes de “justiça” para a canalização (de uma forma ou de outra) da mudança e para
a resolução (também de um modo ou o outro) dos conflitos sociais.”
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deve descurar também da legitimidade, orientada por um feixe de valores e
interesses para a efetivação da justiça.
Especificamente em relação às agências reguladoras, é possível identi-
ficar as mesmas características retrocitadas. No escopo de seu papel norma-
tivo, a despeito do alto caráter técnico de suas atividades (mormente através
da expedição de resoluções normativas), estão previstos mecanismos legais
de participação da sociedade na atuação das agências reguladoras.
Duas formas de controle social das agências reguladoras são as audi-
ências e consultas públicas, institutos distintos, mas comumente confundi-
dos. Audiências e consultas públicas são expressões do exercício da cida-
dania através da participação e do controle popular da Administração Pú-
blica.
A legislação24
aponta diferenças entre ambas, definindo-se a consulta
pública como a manifestação participativa de terceiros no processo admi-
nistrativo cuja matéria tratada seja de interesse geral, relativa a determinado
segmentos da coletividade.25
Já a audiência pública se caracteriza pela participação imediata e oral
dos interessados, inclusive com a realização de debates sobre matérias rele-
vantes. Veja-se o art. 32 da Lei do Processo Administrativo Federal: “Antes
da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da ques-
tão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do
processo.”
Observa-se que a referida lei, ao mencionar a consulta e a audiência
públicas, regulamenta o processo administrativo no âmbito da administra-
ção pública federal, direta ou indireta, e não tem aplicação cogente aos
demais entes — estados e municípios da Federação. Outros diversos dispo-
sitivos normativos podem tratar do assunto, o que por vezes fazem trazendo
conceitos divergentes desses aqui abordados, mas não podendo, por esse
24 Lei nº 9.784 de 29/1/1999, art. 31. 25 Neste sentido, é a redação do art. 31 da Lei nº 9.784/99, verbis: “Art. 31. Quando a maté-
ria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante
despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes
da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada. § 1º. A abertura da
consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas
ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações
escritas. § 2º. O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de
interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta funda-
mentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais.”
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motivo, ser rechaçados do ordenamento jurídico, restando preservado o
âmbito de aplicação respeitante a cada norma. No entanto, já se prevê a
multiplicidade dos conceitos, não havendo um tratamento uniforme para o
que seja consulta e audiência públicas.
Por esta razão, deve-se colocar de lado essa discussão conceitual, tor-
nando-se relevante neste momento discutir as nuances procedimentais das
audiências e consultas públicas. Duas questões devem ser perquiridas neste
momento: é obrigatória a realização de audiências e consultas públicas para
a tomada de decisões dos agentes administrativos das agências reguladoras?
Em caso positivo, em quais circunstâncias elas seriam obrigatórias?
Entende-se que se um interesse for possivelmente afetado deve ser
aberta a audiência ou consulta pública, não havendo espaço para discricio-
nariedade da Administração Pública. Entretanto, a doutrina não entende
assim, por acreditar que o direito de petição constitucional permanece pre-
servado. José dos Santos Carvalho Filho entende ser facultativo à Adminis-
tração Pública a realização de consultas públicas:
Comporta observar que o art. 31 confere ao administrador a faculdade de
compulsar a opinião pública; daí ter dito a lei que o órgão competente pode-
rá abrir período para a consulta. Parece claro que, em alguns casos, será
conveniente a consulta, mas não se pode ir ao extremo de admitir a imposi-
ção de obrigatoriedade ao agente administrativo. Primeiramente, porque po-
derá haver prejuízo para o interessado direto no processo. Depois, o fato de
não ser aberto período para consulta pública não implica a nulificação do di-
reito de petição, pelo qual pode ser feita qualquer postulação aos órgãos pú-
blicos.26
Defende-se aqui a obrigatoriedade de realização de audiência ou con-
sulta pública nos casos em que o conteúdo a ser tratado seja relevante ou
quando afete interesse das entidades reguladas e dos consumidores e usuá-
rios de serviços públicos.
Nestes casos de grande relevância e de interesse público da matéria,
realizar a audiência e a consulta públicas significa preservar o princípio
democrático da participação da sociedade, legitimando o procedimento
destas medidas. Por outro lado, a tecnicidade das decisões deve ser preser-
vada, o que se obtém pela ausência de vinculação das manifestações na
decisão final. Isso não significa que as contribuições dos interessados, ain-
26 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal (comentários à
Lei nº 9.784, de 29/1/1999. 2. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.
181-182.
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187
da que desprovidas de argumentos técnicos, possam ser desprezadas. Pelo
contrário, devem ser analisadas e o produto dessa análise, encaminhado ao
autor da proposição.
A transparência na atuação das agências reguladoras é uma diretriz es-
trutural inerente à própria essência delas, tendo em vista sua finalidade
última em defesa dos serviços públicos a serem prestados à sociedade. As-
sim, nessa concepção democrática, é bastante salutar o controle público dos
atos praticados pelas agências reguladoras, mormente nas decisões de gran-
de relevo. Nesta mesma senda, aduz Marçal Justen Filho:
Refletindo concepções democráticas, tem sido usual que todas as decisões de
grande relevo das agências sejam subordinadas a um processo de consulta e
audiência públicas. Produz-se uma espécie de publicidade ativa. Em vez de
aguardar que possíveis interessados se valham da faculdade prevista consti-
tucionalmente, a agência convoca todos os possíveis interessados para pres-
tar informações espontaneamente ou para solicitar a colaboração da socieda-
de. Essa prática é extremamente salutar e reflete a concepção de que a auto-
nomia da agência não se traduz em ausência de controle público de seus
atos.
Exige-se institucionalização de canais de comunicação formais entre a agên-
cia e a sociedade civil, com a identificação clara e precisa dos agentes encar-
regados de prestar contas a todo e qualquer interessado, em prazos determi-
nados e satisfatórios.
O processo decisório, no tocante às competências regulatórias, deverá ser
permeável ao conhecimento e à interferência dos diferentes segmentos de in-
teresses. As consultas e audiências públicas deverão ser realizadas sempre
que decisões relevantes se fizerem necessárias.
O sucesso do modelo das agências depende dessa estruturação democrática,
em que haja permanente acompanhamento da sua atuação por parte da soci-
edade civil.27
Não há dúvidas de que a atuação efetiva da sociedade civil, por meio
dos seus mais distintos setores, é imprescindível não apenas para o controle
das agências reguladoras (ou seja, transparência na atuação), mas também
para bem desempenhar o seu mister principal, qual seja, a fiscalização dos
entes delegatários dos serviços públicos regulados. Destarte, as audiências e
consultas públicas são instrumentos dos mais relevantes de participação
democrática na defesa dos interesses da comunidade, que merecem cons-
tante aperfeiçoamento28
.
27 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo:
Dialética, 2002, p. 586. 28 Marilena Lazzarini, assessora de Relações Institucionais do IDEC, relata a implantação do
Projeto BR-M1035, apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), apro-
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Para Paulo Roberto Ferreira Motta, o controle social das agências re-
guladoras está diretamente ligado ao exercício da cidadania, além de ser
instrumento efetivo e eficaz, tanto em razão dos custos relativamente bai-
xos, como pela obediência ao princípio da publicidade. Por outro lado,
contudo, o jurista critica a insuficiência e as diferenças entre os dispositivos
asseguradores do controle social destas autarquias especiais, o que acaba
por dificultar a efetivação dos direitos invocados e discutidos pelos cida-
dãos nas audiências e consultas públicas.29
A participação da sociedade nas decisões das agências reguladoras,
por meio de consultas e audiências públicas, como já visto, é condição es-
sencial e elemento imprescindível para a legitimação daquelas autarquias.
Não apenas o caráter da legitimidade estaria assegurado, mas a própria
eficiência da agência restaria afirmada.
Com a participação dos interessados dos mais diversos segmentos da
sociedade, as decisões fruto das audiências e consultas públicas estão mais
próximas da realidade social, das verdadeiras necessidades dos usuários dos
serviços públicos regulados, o que propicia, também, mais eficiência.30
Marcos Juruena Villela Souto aduz que os princípios da eficiência e da
realidade devem se harmonizar, de modo a informar a motivação de deter-
minado ato normativo e sua aplicação na sociedade.31
vado em agosto de 2007, com o objetivo de contribuir para o equilíbrio das forças de merca-
do, por meio do fortalecimento da participação da sociedade nos processos de regulação.
Dentre as atividades propostas no projeto, está o “fortalecimento dos mecanismos e espaços
de participação dos consumidores nos processos de regulação, com o objetivo específico de
aprimorar as instâncias de articulação entre as organizações de consumidores e as agências
reguladoras”. In “A voz dos consumidores nas agências reguladoras”. PROENÇA, Jadir
Dias et alli (org.). Desafios da Regulação no Brasil. Brasília: ENAP, 2006, p. 59-80. 29 O autor propugna, ainda, a criação de um Código Processual de Defesa dos Usuários e
Prestadores de Serviços Públicos, capaz de estabelecer ritos, prazos e recursos uniformes
dentro dos procedimentos adotados pelas agências reguladoras. In: MOTTA, Paulo Roberto
Ferreira. Agências reguladoras. Barueri, SP: Manole, 2003, p. 134-139. 30 A título exemplificativo, vide site da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados
do Estado do Ceará (ARCE) sobre audiências e consultas públicas: http://
www.arce.ce.gov.br/. Acesso em: 03 jan. 2013. Vide também o site da Agência Estadual de
Regulação de Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS) sobre as
audiências e consultas públicas: http://www.agergs.rs.gov.br/site/index.php. Acesso em: 03
jan. 2013. 31 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Audiência pública e regulação. In: Direito Administra-
tivo em Debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.242-246.
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Coadunando-se com este entendimento, Recasens Siches aduz que a
opinião pública deve ser orientadora das decisões políticas, como configu-
radora do Direito através do Estado: “Para que la opinión pública actúe
eficazmente como poder social, es necesario que se convierta em algo más
que opinión. Es necesario que se transforme en acción; es preciso que se
torne conducta efectiva”. 32
(grifo no original)
A realidade e a eficiência devem caminhar juntas no âmbito da Admi-
nistração Pública moderna, a fim de que o cidadão possa participar e enten-
der que ele também é parte integrante, e não elemento estranho, ao Estado.
Tal aproximação se mostra ainda muito mais razoável nas agências regula-
doras, tendo em vista a ausência nestas do componente político. Conceitu-
almente, estas autarquias não estão a defender interesses de um determina-
do grupo político atuante no governo, mas de propiciar a prestação mais
adequada e eficiente dos serviços públicos regulados.
Não obstante, infelizmente, o que se verifica, na prática, é um distan-
ciamento da sociedade e das agências reguladoras. Afora casos excepcio-
nais de participação da sociedade em audiências e consultas públicas de
algumas poucas agências reguladoras, a grande maioria da sociedade, quiçá
os elementos mais necessitados, pouco tem conhecimento de seus direitos
acerca dos serviços públicos essenciais, quem dirá da existência de agên-
cias reguladoras aptas a garantir a efetiva prestação dos sobreditos serviços.
Dessa forma, considerando-se a distância entre a realidade social e a efeti-
vidade das agências reguladoras, percebe-se sua falha na tarefa de realizar
justiça social.
3.4 A regulação como instrumento de solução de conflitos e de mudan-
ça social
As agências reguladoras também desempenham um papel de mediação
e solução de conflitos, cujos objetos estão dentro do seu âmbito de atuação.
Tais atividades consubstanciam-se na chamada “função jurisdicional” reali-
zadas por estas agências, que exercem a aplicação da lei no caso concreto.
Não se olvida que a decisão tomada pelas agências reguladoras está sempre
passível de apreciação judicial, não operando coisa julgada.
32 SICHES, Luis Recasens. Introducción al estúdio del derecho. 16 ed. México: Porrúa,
2009, p. 269.
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190
Sob o enfoque sociológico, as agências reguladoras podem ser caracte-
rizadas como agências estatais não judiciais que atuam de modo paralelo ou
complementar ao Poder Judiciário na resolução de conflitos sociais.33
Tra-
ta-se de uma instância administrativa e alternativa — contudo não exclu-
dente — para a solução de conflitos que envolvem, geralmente, direitos
coletivos.
Em interessante estudo sobre o tema, Eliane Botelho Junqueira, ressal-
tando investigações precedentes de Luciano Oliveira e Affonso Pereira,
tece profundas críticas sobre “a cultura jurídica liberal e individualista in-
capaz de absorver as demandas coletivas”. Devido a esta incapacidade de o
Poder Judiciário absorver determinados conflitos de caráter coletivo, estes
passaram a ser canalizados para o Poder Executivo.34
Destarte, a Adminis-
tração Pública passou a descentralizar suas atividades, criando órgãos e
entidades autônomos para o exercício de certas atividades públicas especí-
ficas, para a prestação de alguns serviços públicos ou para a fiscalização de
atividades ou serviços públicos prestados pelos particulares.
Contudo, nesta via administrativa, ainda segundo a autora, urge o aper-
feiçoamento dos procedimentos no processo administrativo nos seguintes
pontos: a) motivação das decisões; b) ampliação da legitimidade dessas
agências, pela participação de representantes da sociedade civil; c) publici-
dade dos diversos atos do procedimento (através de audiências públicas e
da publicação prévia de projetos e/ou programas); d) legitimação da repre-
sentação processual coletiva e/ou difusa nos processos administrativos
etc.35
Acerca da função jurisdicional das agências reguladoras e das dificul-
dades administrativas e procedimentais para a resolução de conflitos, Paulo
Roberto Ferreira Motta argumenta:
Mais uma vez bato na tecla da inexistência de um Código de Processo Ad-
ministrativo único para as agências reguladoras. Reside aqui a grande falha
de todo o sistema legislativo construído para a função regulatória no Brasil.
A ausência de instrumentos processuais limita a cidadania e impede a eficá-
33 Tradicionalmente na sociologia jurídica, os doutrinadores apontam como agências de
controle social e jurídico os órgãos integrantes do Poder Judiciário, a exemplo de Agerson
Tabosa (Op. cit., p.512). Propõem-se, no atual e complexo Estado Brasileiro, uma evolução
conceitual dessas agências próprias para dirimir fatos contenciosos. 34 JUNQUEIRA, Eliane Botelho. A sociologia do direito no Brasil (introdução ao debate
atual). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1993, p. 151-152. 35 JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Op. cit., p. 153.
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cia plena e material do direito positivo criado sobre a regulação dos serviços
públicos em nosso país.36
Infere-se, destarte, que as agências reguladoras, no exercício de sua
“função jurisdicional”, desempenham o papel de mediação e solução de
conflitos, cujos instrumentos e procedimentos, contudo, carecem de uma
melhor regulamentação, a fim de que se efetive o pleno exercício da cida-
dania e torne eficaz a prestação e a regulação dos serviços públicos no Bra-
sil.
No exercício do papel mediador de conflitos, as agências reguladoras,
dada a alta tecnicidade no conhecimento da matéria objeto do conflito e a
inexistência dos conhecidos entraves burocráticos inerentes ao Poder Judi-
ciário brasileiro, propiciam decisões mais eficientes e com aplicabilidade
mais imediata em relação às partes envolvidas. Ademais, a inexistência de
custas é um motivador para que as partes envolvidas (usuário do serviço e
entidade regulada prestadora do serviço) busquem tal caminho para a solu-
ção de seus conflitos.
As agências reguladoras brasileiras (federais, estaduais e municipais)
utilizam-se, via de regra, de setores com função específica na mediação de
conflitos. A ideia é tentar prevenir e/ou resolver conflitos decorrentes da
prestação de serviços públicos entre a entidade prestadora dos serviços e os
usuários.37
Além de instrumento de solução de conflitos, a regulação também é
fator de mudança social. Todas as decisões tomadas pelas agências regula-
doras impactam, direta ou indiretamente, na vida dos cidadãos brasileiros,
especialmente os usuários de serviços públicos. Os reajustes e revisões
tarifários, as imposições de sanções às entidades reguladas prestadoras de
serviços públicos, as autorizações dadas para o exercício de concessões e
permissões de serviços públicos, dentre outros exemplos, afetam as rela-
ções dos usuários de serviços de transporte, telefonia, energia, planos de
saúde etc., causando profunda mudança social.
Para exemplificar de modo mais detido como a atuação de uma agên-
cia reguladora pode afetar diversas relações sociais, tenha-se, como exem-
36 MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Op. cit., p.190. 37 A título exemplificativo acerca da mediação e solução de conflitos nas agências regulado-
ras, vide o art. 18 do Decreto Federal nº 2.335/97 (ANEEL); art. 8º, XX, Lei Federal nº
11.182/2005 (ANAC); art. 6º, V, da Lei Distrital nº 4.285/2008 (ADASA); art. 5º, IV e V,
da Lei Estadual nº 12.786//97 (ARCE).
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192
plo, um reajuste ou revisão da tarifa do serviço de transporte urbano de
passageiros. Tomando-se como pressuposto o regular desenvolvimento do
processo administrativo pertinente, com a devida realização de audiência
pública, após a oitiva das partes interessadas (sindicato das empresas de
ônibus, cidadãos usuários e Poder concedente) e outros órgãos ou entidades
interessadas com função pública fiscalizatória (v.g., Comissões da Câmara
de Vereadores e Ministério Público Estadual), chega-se à conclusão técni-
ca, pautada na legislação específica aplicável, pela necessidade de aumento
da sobredita tarifa.
Publicada a decisão, a partir da vigência do aumento da tarifa do servi-
ço de transporte urbano de passageiros, várias mudanças sociais podem
ocorrer: a) aumento de transporte clandestino de passageiros (vans “piratas”
com preços mais acessíveis); b) utilização de outros meios de transporte por
parte da população (ex: bicicleta, moto, metrô etc.); c) pressões dos sindica-
tos laborais de várias categorias para o aumento dos valores do “vale-
transporte”; d) pressão dos empregados aos patrões para o aumento de salá-
rios; e) interposição de ação judicial para discutir a legalidade do aumento
da tarifa.
Resta claro, portanto, com base no exemplo acima, que a atuação de
uma agência reguladora não pode se pautar, exclusivamente, em critérios
técnicos voltados para a intervenção em uma dada atividade econômica. As
questões sociais que envolvem as áreas reguladas, especialmente a presta-
ção de serviços públicos, por afetarem direta e imediatamente a vida do
cidadão, devem ser necessariamente levadas em consideração para a análise
dos impactos das decisões dessas agências.
Noutros termos, por serem instrumentos de alto impacto na sociedade
e com forte potencial de mudança social, as decisões regulatórias devem ser
precedidas de um relatório de impactos, que deverá conter: a) o contexto e
a descrição do problema; b) os objetivos a serem almejados pela proposta,
considerado o interesse público; c) a análise técnica da proposta; d) identi-
ficação e análise dos possíveis impactos da proposta; e) conclusões e reco-
mendações.38
38 A título de exemplo, a Resolução nº 151, de 22 de julho de 2011, da Agência Reguladora
de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (Arce), dispõe sobre o processo decisó-
rio e os procedimentos para a realização de audiências públicas. Disponível em: <http://
www.arce.ce.gov.br/cdra/atas-normas-legislacao/resolucoes/resolucoes-arce/
Resolucao%20151.11.pdf/view>. Acesso em: 11 jan. 2013.
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Conclui-se, ao fim, que as atividades regulatórias causam alto impacto
social e que, portanto, são fontes propulsoras de mudança social. Por esta
razão, as decisões por elas tomadas, principalmente por seus órgãos superi-
ores, não devem se pautar apenas em critérios eminentemente técnicos ou
de caráter político39
, mas devem sopesar as questões econômicas com os
impactos sociais de tais medidas, propiciando a prestação de serviços pú-
blicos mais eficientes à população e legitimando a atuação dessas agências
no atual modelo de Estado brasileiro.
Resta claro, desta feita, que o papel das agências reguladoras também
pode ser analisado pelo prisma social — de modo a fazer prevalecer a regu-
lação social sobre a econômica —, mudando assim os paradigmas de atua-
ção dessas autarquias especiais, com vistas a implementação de políticas
públicas mais eficazes e que alcancem a verdadeira ordem pública e paz
social.
4 CONCLUSÕES
O ser humano é, por natureza, inquieto e vive em permanente conflito
em sociedade. Sua tendência associativa, vivendo em grupos sociais, de-
monstra a necessidade de convivência a partir de interesses comuns e de
uma relativa paz social. De modo a melhor compreender a realidade social,
é preciso analisar os fatos sociais que envolvem os grupos sociais e os indi-
víduos, bem como entender o desenvolvimento e a dinâmica da sociedade.
No âmbito da Sociologia do Direito, estudar a história do direito é en-
tender como se desenvolve a sociedade e de que forma ocorrem os conflitos
sociais, até porque os conflitos e as mudanças sociais constituem a regra,
sendo exceção a estabilidade social. Como se demonstra no presente traba-
lho, não se quis chegar à conclusão se o direito é fator ou produto de mu-
dança social, pois tão profunda indagação científica não poderia ser res-
pondida nesta pesquisa, por não ser o enfoque central.
O objetivo deste estudo é a análise do papel das agências reguladoras
na seara da Sociologia do Direito. A partir da opção política realizada pelo
Governo Federal Brasileiro, na década de 1990, procedeu-se a uma altera-
ção no modelo estatal da administração pública, com o claro intuito de di-
39 A teoria da “captura” das agências reguladoras explica que estas autarquias especiais
podem ser fortemente influenciadas por decisões políticas do próprio Poder Concedente
(União, Estados e Municípios), o que também pode não ser salutar para a eficiência na
prestação dos serviços públicos para a população.
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minuir o tamanho do aparato público, retirando o Estado da gestão de di-
versos setores econômicos. O viés desestatizante, com as mais diversas
privatizações de empresas prestadoras de serviços públicos, ocasionou a
mudança de paradigma social = a relação do cidadão (como usuário de
serviço público) passava a ser com uma empresa privada, e não mais com o
Estado.
A clara necessidade de um terceiro ator neste cenário se desenhou de
modo muito claro, papel este designado às agências reguladoras. Estas au-
tarquias especiais, criadas com autonomia administrativa, política, funcio-
nal e orçamentário-financeira, desempenham funções administrativa, legi-
ferante e judicante, no que pertine aos seus objetivos precípuos — regular e
fiscalizar interesses e serviços públicos prestados por empresas públicas ou
privadas. Figurando no centro de uma espécie de relação triangular entre o
Poder Concedente, as entidades prestadoras de serviços públicos e os usuá-
rios (consumidores), as agências reguladoras devem buscar realizar um
papel fiscalizador dos sobreditos serviços, buscando-lhes a máxima eficiên-
cia com o equilíbrio de tarifas módicas.
A doutrina demonstra, sem dúvidas, que a regulação nasceu com natu-
reza exclusivamente econômica, voltada para uma análise eminentemente
técnica dos fatores que envolvem a prestação de um serviço público. Apu-
rados os valores, o custo econômico era totalmente repassado ao usuário
(consumidor do serviço), pois aqueles refletiam o valor devido do serviço
que deveria ser arcado pelo cidadão. A regulação era, portanto, fruto de
uma análise fria e econômica, sem o devido sopesamento das questões so-
ciais que envolvem as questões de políticas públicas.
A crítica da própria sociedade, ou de certos grupos sociais, à qualidade
dos serviços públicos prestados contribuiu para uma reanálise da questão
regulatória. Hodiernamente, entende-se que a regulação não deve ser mais
estritamente técnica ou econômica, pois a onda regulatória é também soci-
al. Noutros termos, os mais diversos aspectos sociais também devem ser
levados em conta para as tomadas de decisões no bojo das agências regula-
doras. É possível concluir, assim, que as atividades desempenhadas pelas
agências reguladoras brasileiras, a despeito de serem pautadas em critérios
técnicos e diretrizes político-econômicas, não podem se descurar do seu
papel social.
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Destarte, o controle social das agências reguladoras reflete-se como
mudança social, além de trazer-lhes legitimação de suas decisões. A parti-
cipação da sociedade, por meio de audiências e consultas públicas, na cons-
trução de políticas públicas para os serviços públicos regulados, na defini-
ção de tarifas e na própria definição de investimentos públicos nos setores
regulados é de suma importância para a própria legitimidade e participação
popular.
A mudança do paradigma regulatório — do econômico para o social
— é medida que se busca para a sociedade brasileira, pois somente desta
maneira verifica-se que as agências reguladoras passarão a desempenhar
um forte papel de mudança social, de interferência na qualidade das políti-
cas públicas atinentes aos serviços públicos regulados, e, do mesmo modo,
legitimando suas decisões com a participação efetiva da sociedade, através
de audiências e consultas públicas, mediante procedimentos administrativos
claros e transparentes.
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