O PAPEL DO ESTADO NO ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL

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0 O PAPEL DO ESTADO NO ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL Evandro Alberto de Sousa RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar o papel do Estado frente a questão social como decorrência da ausência de proteção social. Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliográfica a partir de autores como Melhado (2006), Costa (2000) e Iamamoto (2005, 2008) entre outros. A questão social origina-se da contradição do capitalismo x trabalho, cuja existência agrava a situação de ruína da classe proletária por usurpar-lhes, através da retirada da mais-valia, qualquer possibilidade de acesso aos benefícios de proteção social da ideologia neoliberal e exige do Estado novas medidas no sentido para superá-la. Entretanto, seu comprometimento com os interesses corporativos tem impedido uma atuação eficiente no sentido de garantir proteção social ao trabalhador. Os resultados mostram que a questão social tem se agravado nos últimos tempos numa evidente precarização do sistema social, dos assalariados e desempregados o que transforma a assistência social em um mito incapaz de oferecer à sociedade moderna proteção a contento, em que pese por em risco o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, que viola os próprios objetivos do estudo demográfico do direito que constitucionalmente diz visar garantir o desenvolvimento de uma sociedade livre, justa e solidária, fazendo se necessário uma reformulação nas práticas e ideologias que norteiam os atos políticos da Administração Pública. Palavras - chave: Contradições do capitalismo. Desemprego. Estado, Sociedade. Questão Social. ABSTRACT Graduado em Comunicação Social, Especialista em Comunicação Educacional, Mestrando em Serviço Social.

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O PAPEL DO ESTADO NO ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL

Evandro Alberto de Sousa

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o papel do Estado frente a questão social como decorrência da ausência de proteção social. Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliográfica a partir de autores como Melhado (2006), Costa (2000) e Iamamoto (2005, 2008) entre outros. A questão social origina-se da contradição do capitalismo x trabalho, cuja existência agrava a situação de ruína da classe proletária por usurpar-lhes, através da retirada da mais-valia, qualquer possibilidade de acesso aos benefícios de proteção social da ideologia neoliberal e exige do Estado novas medidas no sentido para superá-la. Entretanto, seu comprometimento com os interesses corporativos tem impedido uma atuação eficiente no sentido de garantir proteção social ao trabalhador. Os resultados mostram que a questão social tem se agravado nos últimos tempos numa evidente precarização do sistema social, dos assalariados e desempregados o que transforma a assistência social em um mito incapaz de oferecer à sociedade moderna proteção a contento, em que pese por em risco o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, que viola os próprios objetivos do estudo demográfico do direito que constitucionalmente diz visar garantir o desenvolvimento de uma sociedade livre, justa e solidária, fazendo se necessário uma reformulação nas práticas e ideologias que norteiam os atos políticos da Administração Pública.

Palavras - chave: Contradições do capitalismo. Desemprego. Estado, Sociedade. Questão Social.

ABSTRACT

This study aims to examine the role of the state against the social question as a result of the absence of social protection. Thus, there was a literature search from authors as Melhado (2006), Costa (2000) and Iamamoto (2005, 2008) among others. The social issue is the rise of capitalism contradiction x work, which are exacerbating the situation of ruin by the proletarian class-encroach les by the withdrawal of gains, any possibility of access to social protection benefits of the neoliberal ideology and requires state of new measures in order to overcome it. However, its commitment to the corporate interests have prevented an efficient operation to ensure social protection to the worker. The results show that the social issue has been aggravated in recent times in an apparent instability of social system, employees and unemployed which makes social assistance in a myth unable to provide protection to the satisfaction modern society, where in spite of the risk very principle of human dignity, which violates the very purpose of the study population of law that constitutionally diz visar ensure

Graduado em Comunicação Social, Especialista em Comunicação Educacional, Mestrando em Serviço Social.

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the development of a free society, fair and caring, making it necessary to recast the practices and ideologies that guide the political acts of Public Administration .

Words-words: Unemployment. Contradictions of capitalism. Social issue. State, Society.

INTRODUÇÃO

No Brasil contemporâneo, o debate mais intenso a cerca da Assistência Social,

inserido no marco das políticas sociais, deve ser creditado à vanguarda profissional

do serviço social, sem prejuízo de outras contribuições oriundas de outras áreas do

conhecimento.

Estudos mostram a incapacidade de se oferecer ao trabalhador garantia de

emprego remunerado satisfatoriamente, seja pelo desemprego ou decorrente de

orientações macro-econômicas, o Estado Capitalista deve ampliar o campo de ação

da política de Assistência social.

Dessa forma, a escolha por esse tema não foi aleatória, mas explica e justifica

em virtude de sua importância como condição sine que non para garantir o respeito

e a concretização entre os indivíduos o princípio mor da Constituição Federal/88, a

saber: o da dignidade da pessoa humana.

Com isso, a presente abordagem tem por objetivo analisar o papel do Estado

frente à questão social como decorrência da ausência de proteção social. A fim de

cumprir essa finalidade, esse trabalho será norteado por alguns questionamentos,

tendo como nuclear saber como se originou a questão social e quais suas

conseqüências no campo da proteção do Estado? Esta indagação será subsidiada

por outros, tais como: o que é a questão social? Como a contradição entre capital e

trabalho afeta o direito à proteção? Como a intervenção do Estado moderno ao invés

de favorecer tem agravado a questão social.

Desse modo, este estudo mostra-se viável por existir material teórico suficiente

ao seu desenvolvimento e esclarecimento. Por outro lado, apresenta-se como

relevante à medida que ressalta e oferece condições para a reflexão sobre a

questão social de modo que destaca a importância das políticas de Assistência

Social como instrumento capaz de promover a cobertura dos riscos e

vulnerabilidades do trabalho e/ou ausência deste.

Para tanto, o autor do presente trabalho realizou uma pesquisa bibliográfica

especializada em autores que serviram de base para a seleção do material e

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embasamento teórico, tornando a reflexão sobre a temática mais consistente. Por

isso, qualifica-se o trabalho como sendo de cunho qualitativo, bibliográfico e ao

mesmo explicativo. Pois, tentou-se dentro de um levantamento de referencias

bibliográficas (livros, artigos científicos, sites da internet), elaborar uma

argumentação embasada em trabalhos realizados por estudiosos e que tais

pesquisas se assemelham as que vivenciamos em nosso cotidiano.

O trabalho está estruturado em quatro tópicos. No primeiro, aborda-se sobre o

que vem a ser a questão social. No segundo tópico, enfocam-se as determinações

de existência da questão social. O terceiro tópico descreve a contradição entre

capital e trabalho. No quarto e último a intervenção do Estado e seus reflexos na

sociedade.

1 O QUE É QUESTÃO SOCIAL?

No mundo verifica-se a forte recessão da economia que contamina o sistema

financeiro e exige a intervenção do Estado através das grandes potências

econômicas mundiais que injetam fabulosas somas financeiras para socorrer bancos

e seguradoras em dificuldades. No início de 2009 a economia mundial já

experimentava retração na atividade industrial e comercial com a queda no fluxo de

mercadorias no comércio internacional e em conseqüência disso, o anúncio da

diminuição de milhares de postos de trabalho pelo mundo.

Para a compreensão da nova questão social, alguns autores sustentam que

ela tem origem na contradição capital x trabalho, estabelecida pelo modo de

produção capitalista da terceira década do século XIX, resultante da revolução

industrial que levou disparidades à classe detentora da mão obra, contrastando-se

com o enriquecimento dos donos dos meios de produção.

Na contradição entre o proletariado e a burguesia, a segunda se apropria da

riqueza gerada pela primeira e esta última para sobreviver depende

fundamentalmente da sua força de trabalho que é tornada mercadoria. O proletário

pode inclusive escolher aquém vender o seu único bem, a mão de obra.

A questão social é aprendida como o conjunto das expressões das

desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a

produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente

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social, enquanto apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por

uma parte da sociedade.

A globalização da produção e dos mercados não deixa dúvidas sobre este aspecto: hoje é possível ter acesso a produtos de várias partes do mundo, cujos componentes são fabricados países distintos, o que patenteia ser a produção fruto de um trabalho cada vez mais coletivo, contrastando com a desigual distribuição da riqueza entre grupos e classes sociais nos vários países, o que sofre a decisiva interferência da ação do Estado e dos governos (IAMAMOTO, 2008 p. 27).

Para Iamamato (2008), essa contradição fundamental da sociedade capitalista

entre o trabalho coletivo e a apropriação privada da atividade, das condições e fruto

do trabalho está na origem do fato de que o desenvolvimento nesta sociedade

redundada, de um lado, em uma enorme possibilidade de o homem ter acesso à

natureza à cultura, à ciência, em fim, desenvolver as forças produtivas do trabalho

social; porém, de outro lado e sua contraface, faz crescer a distância entre

concentração/ acumulação de capital e a produção crescente da miséria, da

pauperização que atinge a maioria da população, nos vários países, inclusive,

naqueles considerados primeiro mundo.

A questão social passou por três fases: sendo a primeira fase conhecida

como a pré-questão social que surge no período da revolução industrial, quando o

trabalho nas fábricas e a condição de moradia dos trabalhadores eram desumanos.

Os trabalhadores faziam protestos e eram violentamente reprimidos. Uma vez que a

mesma emerge no decorrer da luta operária contra a burguesia industrial e se

estabelece pelo conflito entre capital e trabalho. Exigia políticas sociais em benefício

da classe operária.

As massas trabalhadoras começam a reagir contra precariedade causada

pelas disparidades entre a classe operária detentora de mão obra e classe burguesa

detentora dos meios de produção. Eles se organizam em torno de interesses

comuns, esse fenômeno adquire conotação política (CASTEL, 1998).

A expressão “Questão Social” aparece pela primeira vez no jornal legitimista

Francês La Quotidienne em 1831, quando acusava o governo, chamando atenção

dos parlamentares no sentido de que era preciso entender que, além dos limites do

poder, isto é, fora do campo político, existia uma questão social carente de resposta,

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quando esses efeitos do processo de industrialização representam um perigo à paz

e à ordem econômico-social e moral estabelecida (CASTEL,1998).

Para Mota (2008), as condições de vida e trabalho do enorme contingente de

pessoas que vivem à margem da produção e do usufruto da riqueza socialmente

produzida são reveladoras de que a desigualdade social é inerente ao

desenvolvimento do capitalismo e das suas forças produtivas.

A partir de 1970, quando o mundo experimentou intensas transformações

sociais, políticas, econômicas, culturais e ideológicas, afetando profundamente o

“mercado de trabalho” e conseqüentemente a classe trabalhadora emergiu o debate

sobre a nova questão social, privilegiando a Escola Francesa pelos autores

Rosanvallon e Castel que trazem a novidade da questão social (PASTORINI, 2007).

Causada pelas disparidades entre a classe operária detentora de mão obra e

classe burguesa detentora dos meios de produção. Eles se organizam em torno de

interesses comuns, esse fenômeno adquire conotação política (PASTORINI, 2007).

De acordo com Castel (1998), a nova questão social refere-se à ampliação do

trabalho na sociedade capitalista, madura, trazendo consigo a degradação do

trabalho, a perda e o desaparecimento de muitas categorias e postos de trabalhos.

Nessa fase, o Estado se retira do campo social, com cortes e privatizações. Os

efeitos do desemprego crescente, que na visão de Castel (1998), cria uma geração

de inúteis para o mundo. Jovens buscando o primeiro emprego e trabalhadores

envelhecendo.

Nesse período, as péssimas condições de trabalho a que se submete a classe

operária, em razão, da inclusão tecnológica que passa a exigir uma atualização e a

renovação profissional nas fábricas, tornando o homem um instrumento controlado

pelas máquinas, gerando o enfraquecimento salarial e crescente desemprego. Como

aponta o processo de produção através da mais-valia, como denuncia a teoria

marxista através da qual o mercado cada vez mais crescente, com a necessidade

acumulativa é o regulador da sociedade, despertando os interesses individuais

próprio do sistema capitalista.

A nova questão social segundo Rosanvallon (1998) difere dos problemas

diagnosticados no passado, portanto, não expressam um retorno ao passado,

porque não se enquadram nas antigas categorias de exploração do homem, por

isso, surge “uma nova questão social”. Essa expressão foi criada no fim do século

XIX para se referir as disfunções da sociedade industrial emergente.

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Neste sentido, o autor chama a atenção para a necessidade do Estado

providência para assegurar a coesão social. A crise do Estado Providência foi

evidenciada em 1970, mudando de natureza, iniciando uma nova fase a partir do

princípio dos anos 1990. A alternativa apontada por esse autor seria substituir a

tradicional concepção de estatização por uma tríplice dinâmica articulada da

socialização, da descentralização e da autonomização.

Para Castel (1998) a globalização significa a mundialização da economia e o

retorno forçado ao mercado auto-regulado, estando a competitividade e a

concorrência em lutas, ao mesmo tempo, no âmbito de cada Estado e entre

diferentes nações, Neste contexto, o autor mostra uma preocupação com

vulnerabilidade de massa e a instabilidade de hoje, as quais o trabalhador é

submetido.

Argumenta ainda que a nova questão social parece ser o questionamento dessa

função integradora do trabalho na sociedade. Seria, assim por dizer, um

desmantelamento do sistema de proteção social vinculada ao emprego e uma

desestabilização, primeiramente da esfera do trabalho, que incide como uma

espécie de confronto em distintos setores da sociedade, para além do mundo do

trabalho. Esse autor defende o estado interventor para salvaguardar a sociedade

salarial, ou seja, um Estado que desenvolva, no lugar de políticas de integração,

políticas de inserção.

2 DETERMINAÇÕES DE EXISTÊNCIA DA QUESTÃO SOCIAL

Tratar etiologicamente da questão social não é suficiente de modo que

encontro soluções e /ou de caminhos capazes de levarem a essa, exige de quem se

propõe a desbravar esse imbricado e polêmico tema, uma análise acurada.

Dessa forma, a compreensão do assunto em tela passa necessariamente por

uma leitura retrospectiva que desvende-o no nível de suas estruturas geradoras, as

quais remontam conforme, Costa (2000), dentre outros à época da escravidão no

Brasil.

De fato, conforme Costa (2000) a questão social decorre da ausência de

proteção social aos indivíduos tanto por parte do Estado como em função de um

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sistema econômico injusto que remunera mal o trabalhador, agente de seu

desenvolvimento, tem sua origem no Brasil, no período escravocrata.

O nexo entre a escravatura e o atual sistema econômico no que respeita à

questão social atinente ao trabalhador decorre do fato de que o trabalho escravo

funcionou como um impeditivo de valorização do obreiro o que em última análise foi

fator responsável pela regulamentação do preço da mão-de-obra assalariada e, por

extensão para o seu aviltamento.

Assim, é como se o modelo de produção que estabeleceu as relações entre

senhor e escravo, terminou por levar as peculiaridades dessa relação como

elementos informadores da conseqüente relação empregador/empregado.

O resultado disso, conforme Pastorini (2007) é a precarização da relação de

trabalho e por extensão da situação social do trabalhador relegado à própria sorte

num sistema que, apenas, oprime.

Contudo, isso não é o mais grave, a face mais terrível desse processo é que o

trabalhador passa a conceber e enxergar a sua situação de abandono como algo

comum. De fato, conforme Costa (2000 p. 09) é possível que os pobres aceitem “a

pobreza dos serviços de saúde e seguridade com que nunca ou apenas

precariamente no âmbito privado”.

Se no decorrer desse tempo a partir do fim da escravidão - mão-de-obra não

assalariada - a situação social do trabalhador não se apresentou a contento,

acredite, ela se agravou nos últimos anos, principalmente a partir dos anos de 1980

e 90 com a expansão do famigerado neoliberalismo.

A respeito desse assunto, Santos (2000) argumentou que, realmente, com a

consolidação dessa nova ideologia econômica, o capitalismo tem mostrado sua face

mais cruel, configurada em um padrão de acumulação capitalista, cada vez mais

arrefecido.

O resultado disso, conforme Santos (2000, p.12), é a edificação de um

elemento “destruidor da massa assalariada e de todas as formas institucionais

públicas de proteção social”

Todo esse agravamento decorre do fato de que o neoliberalismo se apóia na

idéia de limitação da função protetiva do Estado, propagando para que este se

abstenha de sua função, de modo a deixar os serviços públicos de proteção social a

cargo do setor privado.

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A conseqüência disso é que, sendo o obreiro subremunerado termina por ser

excluído do acesso à proteção social, tendo de enfrentar um número cada vez maior

de dificuldades. Em contrapartida, no entanto, passou essa privatização um dos

negócios mais lucrativos para os detentores dos meios de produção de sorte que

esse lucro do sistema capitalista advém da exploração da miserabilidade humana.

Com isso, segundo Costa (2000):

Decreta-se (...) a ausência de qualquer proteção com que regulando De formas globais de extermínio (...) tudo o que era sólido desmanchara-se no ar (...), por forças dessas relações consolidou-se a [a precariedade] dos laços de proteção social (COSTA, 2000 p. 12-13).

Contudo, o mais preocupante é que essas formas de exterminação social se

verificam mesmo quando tenta por em prática suas políticas de proteção, pois

apesar de a Constituição Federal /88 prevê no seu art. que todos tem direito e o

Estado tem o dever de oferecer serviços de saúde, previdência e assistência,

segundo Santos (2000, p.13) há “diferenças de acesso a direitos previdenciários por

ramos de atividades profissionais”

Tal situação é inaceitável por tornar indigna a condição do assalariado, que

conforme Castel (1988):

Pode-se segundo Boisguilbert, arruinar um pobre. Assim, a questão social que formulam explicitamente os indigentes a assistir e os vagabundos a reprimir já foi posta, pelo mesmo implicitamente em sua origem. É um processo de vulnerabilização que arruina os pobres que se deve buscar a origem das perturbações que alteram o equilíbrio social (CASTEL, 1998 p. 147).

Dessa maneira, o jogo das condutas procura estruturar relações no sentido de

fortalecer a dominação tradicional.

O resultado desse jogo é que os desempregados (outro fator determinante e

determinado pela questão social) e, igualmente a eles, os empregados (pela ínfima

retribuição salarial) terminam ambos excluídos do sistema de proteção social o qual

decorre de uma cultura escravocrata, sendo fortalecido pelo neoliberalismo.

Em relação aos desempregados até que é possível formular e / ou admitir

hipóteses (por falha do Estado) de ausência de proteção, contudo o mais

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estarrecedor é que o fenômeno da questão social também atinge o assalariado. Por

quê? Será o fruto, apenas, da cultura escravocrata brasileira? Não, pois como

veremos no item relacionado a capital e trabalho a questão tem explicações bem

mais remotas.

3 CONTRADIÇÃO CAPITAL X TRABALHO

Para se entender a anomia social em que se encontra a classe trabalhadora

que os empregados como também os assalariados faz necessário uma análise da

relação entre capital e trabalho, pois dessa surge dados nucleares que explicam a

ausência de proteção social vigente no mundo, inclusive, no Brasil.

A verdade é que o trabalho padece, desde sua origem, de uma intensa e

recorrente desvalorização, a qual inscrita em sua própria semântica original.

Isso decorre do fato de que, de acordo com Albornoz (2008), a palavra

trabalho vem de um termo latino tripalium o qual significa, acredite, instrumento de

tortura, de sorte que o verbo tripalium era sinônimo de tortura. Assim, ao que parece

essa insígnia inicial, claro depois modificada ao longo dos séculos, passou a

designar esforço, laboro, mas seja como for o fato é que ao que consta essa visão

outrora causticante, embora alterada continuou mesmo nos tempos modernos como

algo inferior sendo igualmente inferior aquele que o realiza.

Isso se verifica no interior das relações sociais entre os detentores dos meios

de produção e a classe obreira em que a riqueza daqueles decorre da exploração

desta.

Nesse sentido Costa (2000), diz que:

A acumulação de riqueza funciona como uma das causas de ausência de proteção social, haja vista sua fonte decorrer em última análise de uma visão depreciadora da atividade laboral, que se consubstancia e/ou exterioriza na remuneração da força do trabalho (COSTA, 2000 p. 19).

De fato as “Leis do movimento” do capitalismo, descoberta por Marx apontam

para isso. O modelo econômico por ele desenvolvido demonstra que o capitalismo,

conforme Iamamoto e Carvalho (2005),explora necessariamente a classe

trabalhadora, expondo como essa exploração conduzia, inevitavelmente a sua

destruição dela.

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Nesse sentido, segundo Iamamoto e Carvalho (2005), a teoria do valor do

trabalho tem um papel importante, pois através dela que se toma ciência de que o

beneficio (lucro) é obtido pelo capitalista ao adquirir uma mercadoria, que pode criar

um valor maior que a sua própria força de trabalho e tempo dispendido.

Dessa forma, argumenta que no sistema capitalista, a chave da exploração

reside na diferença entre salários pago e efetivamente ao trabalhador e o valor dos

bens que este produziu. Essa diferença é justamente, o que Karl Max chamava de

mais-valia.

Dessa maneira, se considerar que o valor da mercadoria, nos termos da

teoria do valor do trabalho marxista, é determinando pela quantidade de trabalho

dispendido para sua confecção, então chega-se a conclusão de que o lucro

capitalista não advêm da troca de mercadorias, uma vez que esta é feita, em regra,

pelo seu valor mas provem, isto sim, de sua produção.

Isso ocorre, porque, conforme Iamamoto e Carvalho (2005) os trabalhadores

não recebem o correspondente a seu trabalho, mas apenas o necessário para a sua

sobrevivência.

Desse modo, surgiu o conceito de mais-valia, que é a diferença entre o valor

incorporado a um bem e a remuneração do trabalho que foi necessário para a sua

produção. Entretanto, não é essa a marca mais potente do capitalismo, pois a

existência da mais-valia, por si, não significa uma injustiça, ou mesmo a exploração

da força de trabalho.

Na verdade o gran elemento que dá origem, sustentação ao capitalismo e que

é o motivo da crítica de Marx a este modelo econômico, é a apropriação privada e

indevida dessa mais-valia, a qual ao invés de ser apropriada, exclusivamente por

uma dada classe, deverá isto sim, ser dividida com os trabalhadores através de uma

remuneração mais justa que de fato, seja capaz de retribuir-lhes o real valor de sua

atividade.

Dessa forma, Conforme Iamamoto e Carvalho (2005)

Para que a classe obreira possa a gozar de proteção social faz-se necessária uma mudança nos meios de produção e de troca, pois dessa mudança depende as transformações sociais (IAMAMOTO E CARVALHO, 2005 p. 28).

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Isso porque, conforme se pode depreender dos fatos aqui expostos, é, tão

somente do intercâmbio entre relações de produção e forças produtivas que se

transforma a dinâmica das relações sociais determinadas pelo capital.

Desse modo, percebe-se que as relações de produção condicionam as

relações sociais, isso porque o capital também é uma relação social de produção

que determina as condições sociais de existência da sociedade, por extensão,

determina quem terá ou não acesso aos serviços de proteção social.

Não outra, senão essa a visão de Iamamoto e Carvalho (2005, p. 29), ao dizer

que “produção é uma atividade social. Para produzir e reproduzir os meios de vida”

Diante dessa imbricada questão indaga sobre o que ou quem pode mudar

isso? Qual o papel do Estado frente à ausência de proteção social? Por que o

Estado age no sentido de regular o sistema de proteção social? Essas questões

senão esclarecidas no próximo item.

4 INTERVENÇÃO DO ESTADO E OS REFLEXOS NA SOCIEDADE

O Brasil é definido como um Estado Democrático de Direito conceito este que

deixa claro que o mesmo tem por fim proteger o povo garantindo-lhes os direitos

fundamentais capazes de assegurar o cumprimento daquele que o princípio mor da

Constituição Federal de 1988, a saber: O princípio da dignidade da pessoa humana.

Além disso, a expressão “de direito” significa que ele não pode agir arbitrariamente,

senão nos termos da Lei.

Apesar disso, o que se verifica na prática, conforme Melhado (2006), é que o

Estado está na verdade, agindo no interesse do paradigma liberal, de sorte que ao

invés de uma postura em defesa dos direitos fundamentais, passou a adotar uma

posição neutra frente aos conflitos intersubjetivos.

No sentido, Melhado (2006, p. 86), destaca que “os direitos fundamentais

passam a ser vistos como meros direitos negativos ante o estado”. Desse modo,

desvirtua-se de seu papel no que concerne às suas prestações sociais relativas à

saúde, educação, previdência.

A respeito desse assunto e para compreender essa nova feição do Estado

explica Melhado (2006), nos últimos 25 anos do século XX iniciou-se um ciclo de

transformações, embasadas no neoliberalismo, que tem, levado à derruição desse

Estado em benefício dos interesses capitalistas.

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O Estado – Nação parte de sua soberania, de monopólio da produção Normativa e até dizer o direito. As fronteiras estatais tornam-se permeáveis, o conceito de autodeterminação flexibiliza-se a autoridade do poder Público sofre o ataque erosivo (MELHADO, 2006 p. 88)

No terceiro mundo, caso do Brasil torna-se, ainda, mais grave. Isso acontece

segundo Melhado (2006), na medida em que os governos além de ter de conviver

com poderosas forças do mercado, estão sujeitos aos poderes políticos do

capitalismo central.

Desse modo, verifica-se a existência de uma aproximação cada vez maior

entre Estado e interesses dominantes de modo que até a produção do direito passa

a ser fruto de uma negociação com os interesses do setor privado.

Essa tendência à dessacralização do papel do Estado, no sentido de se

autogerir para cumprir sua finalidade no tocante a promoção de justiça social pode

ser percebida quando da emersão de crises e/ou dificuldades financeiras

abrangentes embora:

O Estado contemporâneo persiste atualmente de modo importante... Cada Vez mais... Concede subvenções a setores estratégicos, protege meia dúzia de monopólios nacionais, regula preceitos demarcados. Em alguns casos funciona legítimo porta-voz e escudeiro dos interesses das grandes corporações (MELHADO, 2006 p. 91).

O resultado disso, não é outro senão o asseguramento das condições

adequadas para aquilo que Marx chamou de acumulação de capital.

Ora não é outro resultado que se verifica na atual crise financeira mundial de

2008 em que os prejuízos dos grandes grupos econômicos, decorrente da má

gestão por eles desenvolvida termina por ser duplamente paga pela sociedade.

Para tanto, basta observar que na hora de se garantirem no comando da

economia todos invocaram os princípios famigerados do neoliberalismo a fim de

garantir a acumulação indevida de capital, contudo quando da sua ação

incompetente resultou a “quebra” do mercado mundial, a primeira providência que

tomaram foi recorrer ao Estado para que esse intervisse a fim de sanar a catástrofe

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que eles no uso de suas liberdades e com o consentimento do Estado construíram,

conseguindo dessa maneira socializar os custos de sua incapacidade gerencial.

O interessante, é que ninguém procura o Estado para socializar o produto da

mais-valia, dividí-lo com a sociedade mais quando da crise, primeiramente recorrem

ao Estado que como se tem visto prontamente atende destinando cifras trilhonárias,

todas pagas com o dinheiro do contribuinte.

Outro fato que merece nota, é que o Estado não exige contrapartida como

garantia de pleno emprego, divisão do lucro com os empregados que só tem contas

a pagar mediante tributos ou com sua própria miserabilidade. Sim porque quando a

crise chega, a primeira providência é a demissão do pessoal que passa a engrossar

as estatísticas dos sem proteção social.

Desse modo, a assistência social hoje tal qual se apresenta é um mito que

nem de longe logra alcançar aquilo que seguridade social prevê em sua lei criadora.

O salário mínimo pago no Brasil, é patético, principalmente, quando da

comparação entre seu valor real e aquilo que a Constituição destaca como aspecto

e/ou dimensões da vida do trabalhador e de sua família que por ele (salário mínimo),

deveria ser cobertos.

Esse cotejamento simples é suficiente para se chegar ao juízo de que é

preciso modificar rapidamente aquilo que, no Brasil, se entende por proteção social,

sob pena de que a “questão social” no sentido em que destaca Iamamoto (2008),

não cause um extermínio coletivo social e com a ausência do Estado, tendo em vista

sua política social omissa e/ou insuficiente que resulta na precarização das ações de

proteção social.

Os efeitos disso é que esse espírito corporativo, conforme Mota (2008)

termina por gerar uma legitimação dos interesses particulares, de modo que os

oligopólios têm se convertido, com seus interesses, no próprio espírito do Estado,

por ser neste em que eles encontram os meios necessários para alcançar seus fins

privados.

Dessa maneira, conforme Hegel citado por Mota (2008) o interesse comum

termina por ser alijado dos fins da administração dos burocratas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A partir das informações amealhadas ao longo dessa análise, pôde-se chegar

a algumas conclusões.

A primeira é de que vive se numa sociedade demarcada por um caráter

Capitalista-patriarcal-racista em que os processos de empobrecimento e de

conquista de direitos e autonomia, com vistas ao desenvolvimento de políticas e

práticas sociais capazes de promover a emancipação dos subalternizados e

explorados, intervenções estatais que visem a mediação dessas conquistas são

necessárias no sentido de se concretizar as utopias de transformação e superação

da ordem burguesa por uma sociedade com menos desigualdades sociais, de

gênero desigualdades sociais e ética racial.

Essas medidas se justificam posto que como foi visto, a questão social tem

sua origem na desvalorização do trabalho a qual decorre não só de condições

históricas, mas também, no caso brasileiro, específico, da transferência das práticas

e modos das relações senhor/escravo para o binômio empregador /empregado.

Além disso, há a questão do Estado cuja ação prática tem desvirtuado seu

papel como promotor e defensor do interesse comum, passando a adotar um

comportamento corporativo de legitimação dos interesses dos oligopólios

econômicos.

Enquanto isso, o princípio da dignidade humana é vilependiado numa

evidente precarização da situação da classe trabalhadora, marcada pela ausência

de proteção social, numa gritante afronta aos fundamentos do Estado Democrático

de Direito, e, por extensão aos objetivos da seguridade social.

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