O Partido dos Trabalhadores e os Núcleos de Base

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    Jaqueline Ferreira

    O Partido dos Trabalhadores e os Ncleos de Base

    Dissertao de Mestrado apresentada aoPrograma de Ps-Graduao em CinciasSociais da Faculdade de Filosofia e Cinciasda Universidade Estadual Paulista como parteintegrante dos requisitos para a obteno doTtulo de Mestre.

    Orientador: Prof.Dr. Antonio Carlos Mazzeo

    Marlia2008

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    Ferreira, JaquelineO Partido dos Trabalhadores e os Ncleos de Base / Jaqueline

    Ferreira. Marlia, 2008.163 f. ; 30 cm.

    Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Faculdade de Filosofia eCincias, Universidade Estadual Paulista, 2008.Bibliografia: f. 154-163

    Orientador: Antonio Carlos Mazzeo

    1. Democracia. 2. Socialismo. 3. Partido Poltico. I. Autor. II. Ttulo.

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    Universidade Estadual PaulistaFaculdade de Filosofia e Cincias

    Campus de Marlia

    O Partido dos Trabalhadores e os Ncleos de Base

    Comisso Examinadora:

    _______________________________________Dr. Antonio Carlos Mazzeo - orientador(Universidade Estadual Julio de MesquitaFilho - UNESP )

    _______________________________________Dr. Marcos Tadeu Del Roio(Universidade Estadual Julio de MesquitaFilho UNESP)

    _______________________________________Dr. Mauro Luis Iasi(Universidade Metodista de So Paulo -UMESP)

    Marlia2008

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    A todos a quem negado o direito de conhecer.A todos que tombaram na busca de romper com a lgica capitalista.

    A todos que no desistiram no meio do caminho.

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    AGRADECIMENTOS

    Se no retivermos ao significado da palavra veremos que agradecimento significa

    reconhecer algo com gratido. Dessa forma esse momento se torna ambguo, ao mesmotempo que constitu-se em uma demonstrao de gratido a alguns, significa revolta contra

    um sistema. Reconhecer a participao de indivduos no processo de construo da

    dissertao, como essenciais para sua concretizao, significa o reconhecimento da

    organizao social excludente e seletiva em que vivemos.

    Como disseram certa vez em uma banca, os agradecimentos em grande medida nos

    servem como momento de desabafo sem rigor cientfico, portanto, sigamos em frente e

    faamos uso desse espao.De antemo tenho certeza que esquecerei algum, e j peo desculpas. Isso no se

    deve a um menor grau de importncia, mas to somente ao fato de as lembranas voltarem a

    nossa mente na medida em que vivenciamos situao similar. Ao escrever estas linhas muitos

    sentimentos me escapam, fica aqui portanto minhas desculpas. Tambm vale ressaltar que a

    ordem de citao no significa escala de importncia, parafraseando uma amiga, significa to

    somente a maneira como as lembranas foram surgindo na mente.

    Gostaria de agradecer a Prof. Angela Maria de Souza Lima, sem a qual no teriaconseguido aulas que me permitissem, dentro dessa lgica capitalista ter dinheiro suficiente

    para viajar para o mestrado. Situao no mnimo irnica, pois at mesmo para desenvolver

    uma pesquisa crtica ao capital se faz necessrio em alguns momentos se dobrar sua lgica.

    Igualmente agradeo a Prof. Ktia Regina Lemos, que confiou e abriu espao para que

    pudesse demonstrar a capacidade para dar aulas, mesmo no tendo grande experincia em

    sala.

    Se o ponto de partida prtico, sem o qual esse mestrado no teria acontecido se deve

    ao apoio da Prof. Angela e da Prof Ktia, o ponto de partida terico se deve ao apoio do

    Prof Ariovaldo de Oliveira Santos que apesar da dureza, no fundo possu um grande

    corao. Ao longo dessa caminhada se tornou meu amigo querido, sempre pronto a ajudar

    mesmo que as vezes no af de proporcionar condies para saltos qualitativos, tenha me

    levado as lgrimas. Sem sua ajuda penso que no teria chegado a esse momento, ajuda essa

    presente desde os primeiro passos, quando escrever uma nica pgina constitua-se em um

    grande sacrifcio.

    Igualmente essencial so as presenas de meus pais e minha irm Rosalia, que

    infindveis vezes me emprestaram dinheiro para viajar, como tambm cuidaram da minha

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    filha com amor e responsabilidade para que a me pudesse continuar lutando. Nessa medida

    devo agradecer tambm ao meu esposo Jorge e minha filha Mariana, que sempre me

    incentivaram, mesmo quando no compreendiam muito bem o que estava fazendo,

    suportando as ausncias, as crises existenciais e fornecendo o carinho que tanto precisava,

    pelo simples fato de perceberem que aquilo era importante para min.

    Se essas pessoas significam o ponto de partida, ao longo da caminhada encontrei

    outras to importantes quanto, que continuaram o trabalho de apoio. Nessa medida

    necessrio agradecer ao Prof Eliel Machado pela pacincia em me ouvir e dialogar comigo

    em meus momentos de crise existencial, principalmente quando me sentia incapaz diante da

    tarefa que se apresentava. Ao Prof Marcos Tadeu Del Roio pela doura com que sempre me

    tratou, e apesar de no possuirmos um relacionamento cotidiano em todos os momentos emque estivemos juntos, mesmo quando aflorava minhas deficincias tericas me tratou com o

    respeito que um verdadeiro marxista tem por aqueles que buscam arduamente romper com os

    limites que nos so colocados pela sociedade capitalista.

    Em especial a Prof Rosana Pereira Lopes, mulher forte e justa, que no tem medo

    de enfrentar os desmandos dessa sociedade, situao na qual muitas vezes magoada. Apesar

    de se dizer no marxista, possu atitudes mais marxistas do ponto de vista de identificao

    com a classe trabalhadora que muitas pessoas que se auto-intitulam marxistas. Podemos dizera partir da perspectiva gramsciniana que embora a mesma no se reconhea assim, de fato

    uma intelectual orgnica da classe trabalhadora.

    Ao Prof. Eurelino Coelho, que foi contactado atravs da internet por uma

    desconhecida, e mesmo assim se esmerou em enviar uma cpia digital de sua tese de

    doutorado, depois de diversas tentativas infrutferas de consegui-la.

    As meninas do programa de Ps-graduao da UNESP de Marilia, em especial

    Aline pela pacincia e educao sempre se esforando para resolver nossos problemas.A Fundao Perseu Abramo, em especial ao Mauricio que abriram suas portas para

    essa pesquisa, sempre com muita ateno e cordialidade.

    As diversas amizades forjadas nesse processo, rika companheira de viagens e

    angstias, Anas pela doura de menina me liberando das diversas reunies ao longo do ano

    para proporcionar um tempo maior de estudos, Marcela pelos vrios debates sobre nossas

    frustraes, quando buscvamos juntas no nos deixar rotular como teoricamente frgeis e

    nos apoivamos mutuamente na busca de lutar contra os rtulos sociais, ao afirmar mais para

    ns mesmas do que para os outros que no existem iluminados, somente o fato de que no

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    desenrolar histrico alguns possuem mais oportunidades que outros, lgica dessa sociedade

    desigual.

    Ao meu orientador, Prof Antonio Carlos Mazzeo, com quem gostaria de ter

    convivido mais. Acredito que a distncia impossibilitou que minha sede de conhecimento

    fosse saciada - embora acredito que a saciedade nunca se dar - mas poderia ter sido

    minimizada por uma convivncia mais prxima.

    Mas apesar de todas essas pessoas importantes e tantas outras que no cito aqui,

    esse trabalho agradece principalmente, essencialmente a todos a quem negado o direito

    de conhecer, que nos consideram extremamente inteligentes por termos atingido um

    ttulo de mestre e em sua inocncia no sabem que isso s possvel porque lhes

    negado o mesmo direito. Ao homem do povo que no tem conscincia de sua fora, e porisso no se levanta para combater suas misrias.

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    ... as promessas que no se cumpriram, os sonhos que no se realizaram ou os projetos queno tiveram xito no so menos importantes do que aqueles que triunfaram.

    Eles talvez possam nos dizer muito sobre o presente e, desde que no se tornem mero objetode nostalgia, podem tambm ser incorporados em projetos futuros.

    Tnia Maria Marossi

    ... No admitam que ningum acredite em nada que no compreenda.Assim se produzem fanticos, se desenvolvem inteligncias msticas,dogmticas, fanticas.

    E quando algum no compreende algo, no parem de discutir com ele at que compreenda,e, se no compreende hoje,compreender amanh, compreender depois de amanh, [...].

    Que ningum v a nenhuma escola revolucionria para ser doutrinado.Que ningum se deixe doutrinar, que ningum aceite absolutamente nada que no

    compreenda.Que v educar-se, aprender a pensar, aprender a analisar, a receber elementos de juzo que

    compreenda ....Fidel Castro, 1 de dezembro de 1961

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    RESUMO

    O estudo desenvolvido teve por finalidade analisar o Partido dos Trabalhadores, em suadinmica interna luz da luta de classes na sociedade brasileira. A perspectiva de anlise queprocuramos desenvolver que j em sua fundao se apresentava um carter problemtico doprograma petista. Problemtico na medida em que tenta conciliar em seu interior uma proposta deatuao voltada para o reforo dos laos com as lutas populares, rompendo com os padresconhecidos de organizao partidria no Brasil, mas preso a um nvel de conscincia contingentepor parte de suas lideranas e tentando conciliar em seu interior a ampla gama de ideologiasdistintas que o compem, situao que se reflete na objetivao de seu Programa Partidrio. Nestesentido, a anlise se concentrou em seu perodo de fundao, na busca das mediaes existentesnesse perodo de ecloso espontnea da classe trabalhadora. Nosso entendimento que o Partidodos Trabalhadores possua um projeto poltico latente nos Ncleos de Base que vinha de encontro

    as perspectivas de construo de uma democracia socialista. Buscamos assim, entender essapotencialidade e o jogo de foras no interior do partido com a vitria de um grupo que acaboucondenando esse projeto ao fracasso. A efetivao do projeto dos ncleos de base trazia consigo oideal de centralismo democrtico, que se levado a efeito, poderia realmente ter rompido com atradio poltica no Brasil, abrindo novas trincheiras para a luta dos trabalhadores.

    Na medida em que o projeto de democracia pelas bases, atravs dos ncleos derrotado, opartido caminha para a institucionalizao, trabalhando dentro da lgica da democraciarepresentativa.

    A anlise permite compreender porque a tendncia Articulao, surgida em um primeiromomento como tentativa de antitendncia, tendo como objetivo, ao menos declarado, evitar quegrupos internos se arrogassem o direito de estar acima do PT, acaba assumindo a liderana nadisputa pelo aparato burocrtico do partido, reforando em suas fileiras, uma perspectivademocrtica representativa.

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    INTRODUO ......................................................... ........................................................... ............................... 11

    I PARTE - O CONCEITO DE DEMOCRACIA..............................................................................................15

    CAPTULO1-DEMOCRACIALIBERALEDEMOCRACIASOCIALISTA ........................................16

    1.1 Apontamentos sobre a questo do Partido em Rosa Luxemburg, Vladimir Lnin e Antonio Gramsci:distanciamentos e aproximaes. ................................................... ........................................................... . 211.2 A perspectiva de construo da Democracia Socialista. .......................................................... ........... 45

    1.2.1. Os Conselhos de Trabalhadores como forma de viabilizar a Democracia Socialista na perspectiva de RosaLuxemburg e Vladimir Lnin....................................................................................................................................461.2.2. Antonio Gramsci e a construo da Democracia Socialista.............................................................................60

    II PARTE - A DEFESA DEMOCRTICA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES: DEMOCRACIALIBERAL OU DEMOCRACIA SOCIALISTA? ..................................................... ........................................ 70

    CAPTULO2-OPARTIDODOSTRABALHADORESEAREALIDADEBRASILEIRA ..................712.1 Notas sobre o Estado Brasileiro......................................................... .................................................. 72

    2.1.1. O milagre e sua crise ..................... ..................... ..................... ..................... ...................... ..................... ........782.2 Documentos de fundao do Partido dos Trabalhadores PT: uma viso de sua gnese. ................ 802.3 Um Partido construdo pelas bases: A especificidade do Programa do Partido e dos Estatutos........ 102

    2.3.1.Tarefas prticas do partido..............................................................................................................................107CAPTULO3-OSNCLEOSDEBASEESEUPOTENCIALDECONSTRUODADEMOCRACIASOCIALISTA ..................................................................................................................110

    3.1 A Estrutura de Funcionamento como Fator de Enfraquecimento dos Ncleos ............................... 1233.2 A influncia das eleies de 1982 na desagregao dos Ncleos ...................................................... 128

    CAPTULO4-O3 ENCONTRONACIONAL:AINDAUMESPAODEDISPUTA ........................1344.1 As discusses sobre o Regimento Interno e sua consolidao.......................................................... 134

    4.2.1. A ruptura popular: o projeto poltico do PT...................................................................................................1404.2.2. PT/84: avanar na luta...................................................................................................................................1414.2.3. Tese para a atuao do PT aprovada como tese guia. ...................... ..................... ..................... .................142

    CONSIDERAES FINAIS............................................................................................................................147

    FONTES.............................................................................................................................................................152

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.............................................................................................................154

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    INTRODUO

    O movimento de massas que eclodiu, nos meses de maio e junho de 1978 na indstria

    automobilstica, marcou o ressurgimento da ao grevista no Brasil. Como afirma Antunes,

    apesar de o movimento possuir uma raiz econmica, as Greves de Maio assumiram uma

    ntida dimenso poltica e o reaparecimento do coletivo de uma classe aps anos de

    opresso.

    Os desdobramentos polticos desse movimento levar idia de construo de um

    partido que representasse efetivamente os trabalhadores, rompendo com a lgica partidria

    brasileira. Nasce assim a idia de construo do Partido dos Trabalhadores (PT).

    O PT nasce como partido de contestao da ordem existente, mas permeado de

    contradies. Coloca como bandeira de luta a Democracia, mas inserida em um quadro de

    ambigidades. Propala a busca por uma democracia exercida pelas massas, com poder de

    deciso sobre o econmico e social, contudo superestima a conscincia poltica dos

    trabalhadores e cria uma armadilha, que acarretar uma mudana em toda a configurao do

    partido, de agente de conscientizao para agente de representatividade poltica dos

    trabalhadores, se aproximando assim do iderio democrtico burgus.

    O presente trabalho se volta ao exame do processo de fundao do PT e avana at o3 Encontro Nacional (1979-1984), na busca de compreender suas potencialidades e limites.

    O recorte temporal se justifica na medida em que a questo central de nossa pesquisa so os

    ncleos de base do partido e seu poder de decidir os rumos do partido, poder esse que em

    nosso entender existia como potencialidade na fundao do partido, potencialidade essa que

    no se concretizou sendo definitivamente condenada no 3 Encontro Nacional.

    O fio condutor de nossa pesquisa, ou seja, a relao dialtica do PT com seus ncleos

    de base possu papel importante na rotao do partido em direo a atuao parlamentarcomo eixo norteador de suas aes, e consequentemente seu desenvolvimento como

    partido eleitoreiro.

    Sendo assim entendemos como essencial a compreenso da propalada democracia

    pelas bases, expresso que em nosso entendimento se amarra diretamente questo do

    centralismo democrtico, considerado como uma forma extrema de democracia

    representativa.

    Esse entendimento nos leva diretamente discusso da atuao do partido comoorganizador do movimento, e, dessa forma na Parte I desse trabalho efetuamos um resgate

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    dessa questo nos clssicos, mais especificamente em Rosa Luxemburg, Vladimir Lnin e

    Antonio Gramsci. A escolha desses autores no se d ao acaso, encontramos nos trs

    tericos, a despeito de suas divergncias sobre o papel do partido no interior do

    movimento, a crena na positividade de um movimento que se organizasse pelas bases, com

    uma nova estrutura de Estado se formando no interior do Estado burgus, na busca de criar

    condies para que o proletariado efetivamente exercesse seu poder poltico em um futuro

    Estado de transio socialista nos moldes marxistas. Encontramos tambm nestes autores a

    organizao pelas bases como uma potencialidade para evitar o burocratismo no interior do

    movimento operrio.

    Em um primeiro momento buscamos resgatar a concepo de partido e suas funes

    como organizador do movimento. Em um segundo momento, abordaremos como essespensadores entendiam a relao do partido com as bases, utilizando-nos para isso das

    experincias dos Conselhos de Fbrica na Alemanha,os Sovietes na Rssia e a experincia

    dos Conselhos na Itlia. preciso salientar no entanto, que o objetivo no foi resgatar a

    histria desses movimentos embora para contextualizar em determinados momentos isso

    se faa necessrio nem seus sucessos ou fracassos, mas sim resgatar como os tericos

    utilizados entendiam esses movimentos e quais suas expectativas em relao a eles.

    Entender as potencialidades vistas nessas experincias, nos fornecer instrumental tericopara compreender melhor a relao do PT com seus ncleos de base.

    Estamos cientes que a anlise dos pensadores utilizados em relao aos Conselhos e

    Sovietes no est centrada no partido, mas fora dele, situao diversa dos Ncleos de Base,

    no entanto o suporte terico fornecido nos permite a apropriao do pensamento para

    efetuar a anlise dessa relao no interior do partido.

    Na Parte II o trabalho se debrua especificamente sobre o Partido dos Trabalhadores

    PT, sendo que no Captulo 2 o trabalho aborda o conflito de classes existente na sociedadebrasileira, bem como o carter da burguesia no Brasil, que busca por todos os meios

    reprimir os avanos da classe trabalhadora, com uma elite dirigente, que protelou as

    reformas capitalistas, e uma classe trabalhadora com profundos limites no que concerne ao

    desenvolvimento de sua conscincia de classe, fruto da prpria realidade concreta na qual

    encontra-se imersa. Essa questo fundamental para entender as alternativas,

    potencialidades e limites que se colocam, desde o inicio, ao PT.

    Nesse sentido buscamos apreender o surgimento do PT, em uma realidade concreta,

    marcada pela revitalizao progressiva da classe trabalhadora brasileira em seus protestos e

    reivindicaes, a partir dos anos 1970, com o esgotamento do milagre econmico.

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    Permeando essa revitalizao da classe trabalhadora, est a burguesia brasileira se

    recompondo diante dos conflitos, pela via institucional.

    luz dessa construo buscamos apreender a interpretao que o partido faz em seus

    documentos dessa realidade e como busca se construir como alternativa para a classe

    trabalhadora, suas potencialidades e seus limites.

    Nesse sentido, conclumos o referido captulo examinando atravs do Programa do

    Partido e do Estatuto, como se consolidou objetivamente a atuao do partido na organizao

    do movimento.

    No terceiro captulo nos debruamos principalmente sobre a relao das instncias

    partidrias com os ncleos de base. Na medida em que o objetivo principal deste trabalho

    examinar se existia a potencialidade no projeto de nucleao de uma construo democrticada perspectiva socialista, constitu-se esse momento de vital importncia para o entendimento

    posterior do trabalho.

    No quarto captulo analisamos especificamente o 3 Encontro Nacional ocorrido em

    1984. Neste momento o PT j possua a experincia do processo eleitoral de 1982 e j havia

    vivenciado o funcionamento de sua estrutura por quase trs anos. As conseqncias do

    espontaneismo presente no PT desde o seu surgimento, desempenharo um forte papel nos

    desdobramentos da atuao do partido, principalmente aps as eleies de 1982; acreditava-se durante as eleies que, o fato de ser (...) bem diferente (...) dos demais partidos, sem

    promessas eleitoreiras e com um programa identificado com os anseios populares, poderia

    atingir grande parcela do eleitorado1, e no se levou em considerao toda a ideologia

    burguesa que perpassa a classe trabalhadora. A autocrtica diante dos resultados das

    eleies, que poderia se transformar em um momento de aprofundamento de anlise, se

    perde, reforando as ambigidades na forma de atuao do partido.

    Diante da surpresa com o que considerou uma derrota eleitoral, tenta se reestruturar,buscando atingir os trabalhadores. A anlise feita no apreende a necessidade de

    conscientizao da massa, para a luta em busca da emancipao da classe trabalhadora.

    Inverte-se a questo, o partido fica preso somente aos meios para atingir os trabalhadores

    em suas percepes imediatas.

    No entanto, as discusses que antecedem o 3 Encontro Nacional, demonstram ainda

    uma disputa, embora inseridas em um quadro de clara desmobilizao das bases. Apesar

    1 Fundao Perseu Abramo. Partido dos Trabalhadores: Trajetrias.(2000).

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    disso, as deliberaes no 3 Encontro Nacional demonstraram que a linha adotada desde o

    incio permanece e se consolida.

    importante ressaltar que em determinados momentos estaremos questionando as

    decises tomadas nos Encontros analisados. Quando isso ocorre, no estamos contestando a

    legitimidade das decises tomadas, legitimidade aqui entendida como decises

    regulamentadas pela estrutura burocrtica do partido. Nossa anlise tenta ir para alm

    disto,ou seja, mesmo que as decises tenham sido tomadas levando em considerao a

    estrita observao legal dos Estatutos, Regimentos, Legislao, etc., ser que elas

    efetivamente davam respostas a proposta do partido de se construir pelas bases?

    Como forma de viabilizar essa pesquisa, optamos por trabalhar a partir de documentos

    do partido, a saber os documentos pr-PT e os produzidos para e pelos Encontros Nacionaisdo PT no perodo de 1979 a 1984 compreendendo do 1 Encontro Nacional ao 3 Encontro

    Nacional.

    Buscar os direcionamentos dados para a atuao do PT, analisando seus nexos internos,

    significa ir alm da retrica que aponta seus erros e acertos. Significa a tentativa de

    compreenso desses momentos, na busca de identificar as potencialidades desperdiadas,

    para como bem definiu Lagoa, no cometer os mesmos erros.

    Quando se pretende trabalhar com documentos no devemos fazer a escolha dos

    mesmos de forma aleatria. Como nosso propsito era uma anlise do PT nacionalmente,

    definimos que a melhor maneira de explorarmos essa questo seria a partir dos documentos

    dos Encontros Nacional, visto os mesmos representarem um processo de sntese das

    discusses regionais, como tambm o espao onde se daria a deliberao mxima.

    Apesar de estarmos conscientes que os documentos no do conta de toda a dimenso

    do assunto que tentamos abordar, no se pode negar que constituem uma fonte estvel e rica

    de informaes, surgem em um determinado contexto e fornecem informaes sobre esse

    mesmo contexto sem a influncia dos acontecimentos posteriores, uma vez que so um fonte

    de informaes no-reativa.

    No obstante preciso ficar claro que apesar de constiturem-se em uma fonte repleta

    de informaes, avanar na anlise significa necessariamente a continuidade da pesquisa para

    alm dos marcos desta dissertao.

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    I PARTE - O CONCEITO DE DEMOCRACIA

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    CAPTULO 1 - DEMOCRACIA LIBERAL E DEMOCRACIA

    SOCIALISTA

    Apesar da imensa variedade de anlises sobre o surgimento do PT, uma questo

    consenso entre pesquisadores do assunto. A gestao do PT est no movimento grevista do

    final da dcada de 1970 e inicio da dcada de 1980, considerado o marco da revitalizao

    reivindicatria aps anos de opresso.

    Nasce lutando contra a ditadura militar, na defesa da abertura poltica, portanto

    defendendo a democracia. Quando falamos que o PT nasce defendendo a democracia, uma

    questo j se coloca de imediato, a necessidade de compreender o prprio conceito.

    Se analisarmos como os diversos grupos sociais ao longo da histria se conciliaramcom o termo Democracia e seus pressupostos, podemos perceber que Democracia se refere

    muito mais a um conjunto de regras e procedimento para a Constituio de um Governo e

    para a formao das decises polticas [...] do que uma determinada ideologia2 Assim a

    expresso Democracia compatvel com doutrinas de diverso contedo ideolgico, mesmo

    que a aceitao de regras como a soluo pacfica dos conflitos sociais, revezamento da classe

    poltica e tolerncia, entre outros, sejam elementos cuja presena se faa necessria em

    qualquer ideologia que a adote.Para este trabalho iremos abordar a discusso sobre Democracia que se deu ao longo

    do sculo XIX, polarizada pelas doutrinas polticas dominantes dessa poca, o liberalismo e o

    socialismo3.

    Dentro da perspectiva liberal o Estado reconhece e garante alguns direitos

    fundamentais, como liberdade de pensamento, religio etc.,e a Democracia representativa,

    ou seja, o dever de fazer leis no de todo o povo reunido em assemblia, mas de um

    corpo de representantes eleitos pelos cidados que possuem seus direitos polticosreconhecidos. Nesta concepo liberal da Democracia, a participao do poder poltico [...]

    resolvida atravs de uma das muitas liberdades individuais que o cidado reivindicou e

    conquistou contra o Estado absoluto.4 Na perspectiva liberal de Democracia, o ponto em

    destaque a participao livre comoexpresso e resultado de todas as outras liberdades,

    portanto no pode existir Democracia sem o reconhecimento de alguns direitos fundamentais

    2BOBBIO, N. MATTEUCCI, N. PAQUINO, G. Dicionrio de Poltica. Vol.1. Braslia: UNB, 12 ed.,

    1999.p.326.3Quando falamos de socialismo neste trabalho estamos nos reportando especificamente a teoria marxista, semnos ater a corrente de pensamento denominada socialismo utpico.4Ibid.,p. 324.

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    de liberdade que torna possvel um participao poltica autnoma, essa autonomia ligada a

    vontade de cada indivduo, ou seja, a liberdade individual. Resumindo podemos dizer que a

    Democracia de cunho liberal tem como trao distintivo a fundamentao jurdica da liberdade.

    Para Marx a Repblica Democrtica burguesa sanciona o poder da burguesia, mas ao mesmo

    tempo retira as garantias polticas desse poder, impondo-lhes condies que a todo momento

    contribuem para a vitria da classe que lhe hostil, colocando em risco as bases da sociedade

    burguesa.5

    A formao econmica capitalista engendra ordenamentos polticos que so

    tendencialmente autocrticos, podendo mesmo chegar a instaurao de polticas fascistas, no

    entanto quando pode integrar ordenamentos que no sacrifiquem substancialmente os direitos

    e garantias burguesas, abre-se um etapa para a institucionalizao da democracia liberal.

    A deciso em favor de um ou de outro ordenamento [...] resultou sempre da

    mediao poltica engendrada pela concorrncia e mltiplas contradies,

    conflitos e luta de classes [...] e seus agentes polticos [...] Na medida em que

    os ordenamentos polticos possveis no colocavam em risco prximo e

    visvel o cerne mesmo do sistema, este integrava e se articulava com aquele

    que se impunha como expresso da correlao de foras sociais em presena

    [...] 6

    Correndo o risco de simplificar uma questo deveras complexa, podemos dizer que a

    diferena bsica entre o conceito liberal e o conceito socialista de Democracia est no fato de

    que para o liberalismo o sufrgio universal o ponto de chegada do processo de

    democratizao, enquanto para o socialismo apenas o ponto de partida. Para o socialismo o

    ideal democrtico um elemento integrante e necessrio enquanto reforo da base popular do

    Estado, sem esse reforo as transformaes necessrias na sociedade no caminhar para a

    transformao socialista no seriam possveis, no entanto a essncia do socialismo

    pressupem revolucionar as relaes econmicas e no apenas as relaes polticas. Alm do

    sufrgio universal necessrio fazer a crtica aDemocracia apenas representativa, retomando

    a questo da Democracia direta atravs da participao popular tambm no controle do poder

    que deveria se dar a partir de baixo, se estendendo dos rgos de deciso poltica aos rgos

    de deciso econmica, como passagem do auto-governo para a autogesto. A crtica do

    5Ver: MARX, K., As lutas de classes na Frana de 1848 a 1850

    6PAULO NETTO, J. Democracia e transio socialista: escritos de teoria poltica. Belo Horizonte: Oficina deLivros. 1990. p.74.

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    liberalismo Democracia direta, bem como a crtica do socialismo Democracia

    representativa esto diretamente ligadas aos pressupostos ideolgicos relacionados a estas

    orientaes.

    Falar em Democracia socialista significa romper com a perspectiva liberal de

    democracia, significa trabalhar com a idia de supresso da distino de poderes, onde os

    rgos de trabalho no sejam meramente parlamentar mas englobem a um s tempo o

    executivo e legislativo estendendo o sistema a todos os rgos que no interior da democracia

    liberal permanecem relativamente autnomos e no representativos, como por exemplo o

    exrcito, a magistratura e a burocracia. No entanto isso s poderia ser feito atravs de

    conselhos municipais eleitos por sufrgio universal, descentralizando ao mximo as prprias

    funes atravs das comunas7Assim sendo um questionamento se faz necessrio!

    Como passar de um iderio burgus democrtico para um iderio democrtico

    socialista? Essa questo est no cerne do processo de construo e consolidao do PT.

    Assim sendo resgataremos a relao entre democracia representativa e democracia direta, para

    posteriormente retornarmos ao nosso objeto de pesquisa, ou seja, o PT.

    Segundo Cerroni, a poltica do movimento operrio filha da luta de classes e o

    socialismo perde sua conotao cientifica, porque ou prevalece o empirismo da luta cotidianaou a auto-suficincia do dirigente poltico que tende a se considerar o portador da verdade.

    Desta forma ou a prtica exaltada como teoria ou nos iludimos pensando que basta oferecer

    alma classe. Nas duas situaes, o intelectual desaparece do movimento, no os

    intelectuais entendidos como uma camada social, mas o elemento intelectual da luta.

    A burguesia pode exercitar-se de diversas formas polticas, mesmo atravs da

    democracia poltica, sendo assim a

    ditadura de classe [...] no define uma particular forma de governo, mas sim

    um arranjo scio-econmico. Portanto se no se deduz que tambm a

    ditadura do proletariado, compreendida como arranjo scio-econmico,

    pode se exercitar em diferentes formas polticas, no se exclu em

    principio a democracia poltica. [...] O Estado socialista de fato um

    Estado de transio em direo nova sociedade sem Estado: , portanto,

    uma organizao de regulao e coao social exercitvel ainda somente

    atravs de formas polticas, aquelas formas alienadas ou externas com as

    7Ver MARX, K. As Lutas de classe a Frana de 1848 a 1850.

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    quais a sociedade obrigada a se dirigir enquanto no encontrar no

    comunismo desenvolvido a autogesto direta dos produtores. Durante todo

    um longo perodo o Estado ser, em suma, a organizao geral desta mesma

    sociedade socialista, e as formas polticas caracterizaro portanto a gestoda coisa pblica. 8

    As formas coativas de gesto social perecero gradualmente conforme emergir a

    autogesto direta dos produtores, que ocorrer com uma expanso da democracia

    representativa para formas de democracia direta, ou seja, com as formas de representao

    poltica controladas, de baixo, e no em formas de participao popular direta .

    Esse processo no se pode dar atravs de uma contraposio radical das duas

    formas de democracia, pois a democracia direta integral , na realidade, o fim da

    prpria democracia como uma forma de transformao geral que leve extino do

    Estado. Enquanto esse ponto final no for alcanado, a mediao poltica ser necessria,

    sendo portanto necessrias as representaes e delegaes de poderes.

    essencial que a revoluo socialista consiga passar da igualdade formal igualdade

    real, mas esse processo longo se no quisermos deixar de lado a distino entre fase

    socialista e fase comunista.9 A critica abstrata do formalismo das liberdades polticas e dos

    direitos resultaria na instaurao de um socialismo com formas polticas elitista e autoritria

    a teoria da ditadura do proletariado resulta em uma teoria da primazia

    carismtica do partido [...] como selecionadores autoritrios da elite[...] O

    verdadeiro problema do socialismo contemporneo torna-se, assim, aquele de

    construir [...] um modelo de Estado no qual a passagem para o autogoverno

    integral dos trabalhadores se baseie na expanso da democracia poltica, isto ,

    8CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Poltico. So Paulo: Livraria Editora Cincias Humanas, 1982.p.60

    9Quando falamos em igualdade formal nos reportamos a equalizao legal que faz da igualdade jurdico-formal ofundamento da cidadania a faculdade individual de dispor-se de si mesmo e entendemos por igualdade real aigualdade em face dos meios de produo,ou parafraseando Marx de cada qual segundo sua capacidade, a cadaqual segundo suas necessidades que corresponderia fase comunista onde seria conferido um tratamentorealmente igual aos indivduos desiguais, pois na construo marxiana tratar desiguais como iguais significaperpetuar a desigualdade (Ver Marx: Critica ao Programa de Gotha). Outrossim entendemos por socialismo aconcepo de Marx e Engels do processo histrico de negao do capitalismo atravs de um longo processorevolucionrio onde o proletariado transformaria a sociedade, transformando assim a si mesmo, desenvolvendosua prpria identidade positiva, o comunismo, ou seja, o socialismo seria a primeira fase que sucederia asociedade capitalista, teria ainda as marcas de sua origem mas com um Estado proletrio e a distribuio baseadano mais na propriedade mas de acordo com o trabalho feito. O desenvolvimento das foras produtivas sob esta

    nova ordem no entanto suprimir os limites impostos pelo passado capitalista, atingindo um estgio superior, ocomunismo, com a superao do Estado e a distribuio baseada na necessidade atingindo a organizao socialonde a igualdade real,onde a divisa de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suasnecessidades.Ver BOTTOMORE: 2001, MARX: 1991, PAULO NETO: 1990.

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    na progressiva combinao da democracia representativa com a democracia

    direta, de modo a desenvolver cada liberdade (salvo a de apropriao privada do

    produto social) e cada forma de participao. [...] Os tempos e as formas desta

    ao combinada sero marcadas pelo critrio essencial da conquista doconsenso, no pressuposto, aqui de todo subtendido, de que o socialismo

    contemporneo no tanto um programa doutrinrio a ser aplicado10

    A repblica democrtica da igualdade formal ao mesmo tempo o melhor invlucro

    do capitalismo e o melhor terreno de luta do movimento socialista.11 Partindo-se dessa idia,

    v-se que o problema no de pura e simples adeso do movimento socialista aos

    procedimentos da democracia poltica, mas a prpria democracia poltica. A questo est em

    definir se a democracia se estabelece como um processo de transmisso de poder ou como

    canal capaz de criar condies para o desaparecimento da necessidade do mesmo.

    Aqui, todavia, comeam a desaparecer as condies que a tornam

    necessria, pouco a pouco difundindo-se socializao dos meios de

    produo. Se a este processo no corresponder um processo de

    socializao do poder, certamente ter-se- um socialismo defeituoso. [...]

    o problema da mediao da democracia poltica dentro do socialismo tambm o problema da mediao do socialismo dentro da democracia

    poltica. Trata-se, obviamente, de um grande problema que exige uma

    rigorosa anlise [...] Sua soluo [...] necessita de reflexes cientificas

    profundas e de iniciativas polticas corajosas. Tem, sobretudo, necessidade

    de colocar um fim a sua fase infantil e imitativa do dogmatismo repetitivo e

    do pensamento sectrio12

    Acreditamos que essa anlise passa pela retomada de construes tericas que, no

    marxismo, foram apropriadas, muitas vezes dogmaticamente. Nossa hiptese de trabalho

    que as questes de socializao do poder e o papel da democracia nesse processo - entendida

    dentro da perspectiva socialista a despeito das diferenas existentes, esto presentes no

    pensamento de Rosa Luxemburg, Vladimir Lnin e Antonio Gramsci, bem como existia

    enquanto potencialidade no processo de fundao do PT atravs do ncleos de base. Analisar

    mesmo que sucintamente o pensamento desses autores, constitu-se portanto em um rico

    10CERRONI: op.Cit.,, p.61, 62.11Ibid.,p.66.12Ibid.,p. 67,68. grifo nosso

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    cabedal terico que nos permitir a anlise do Partido dos Trabalhadores, de suas

    potencialidades e limites.

    Como nos diz Jos Paulo Neto13 a luta pela democracia foi tema de intensa polmica

    no movimento socialista revolucionrio durante o final do sculo XIX e inicio do sculo XX,

    e acreditamos que retomar essa polmica nos permitir interpretar o processo histrico de

    transformao do PT. Acreditamos que suas anlises continuam a fornecer subsdios que nos

    permita pensar o processo de transformao do PT, a despeito de todas as transformaes

    histricas ocorridas ao longo do sculo XX.

    No entanto preciso que fique claro que em momento algum pretendemos

    identificar se o PT se constitua enquanto partido dentro dos parmetros teorizado por esses

    pensadores. O que se busca partir de um posicionamento terico com o qual nosidentificamos para efetuar a anlise do PT.

    O leitor pode se perguntar como podemos nos identificar com pensamentos que

    polemizam entre si? Nossos estudos nos levam a interpretao de que apesar da discordncia

    desses autores sobre o papel do partido na luta de classes, existem pontosde confluncia. o

    que tentaremos demonstrar, e exatamente esses pontos de confluncia em relao a

    construo da democracia socialista que ser nosso fio condutor para a anlise do PT.

    1.1 Apontamentos sobre a questo do Partido em Rosa Luxemburg,Vladimir Lnin e Antonio Gramsci: distanciamentos e aproximaes.

    As pginas a seguir tm como objetivo a busca de uma compreenso sucinta sobre o

    papel do partido da classe explorada nesses trs grandes tericos do marxismo - Rosa

    Luxemburg, Vladimir Lnin e Antonio Gramsci. Essa escolha no se d ao acaso. O debate

    entre Rosa Luxemburg e Lnin terreno frtil de aprendizagem. Nossa opo por AntonioGramsci no se d por motivo diferente, mas principalmente por este grande terico ter

    presenciado e teorizado sobre acontecimentos, como o reformismo sindical, a burocratizao

    dos partidos de esquerda, as contendas parlamentar e a ausncia de estrutura clandestina, que

    a morte prematura de Rosa e Lnin no lhes permitiram.

    Para Rosa Luxemburg a quem denominaremos ao longo o trabalho somente como

    Rosa - o marxismo composto de dois elementos essenciais, a anlise crtica e a vontade

    13PAULO NETO:op. Cit.

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    ativa da classe operria, sendo a segunda o elemento revolucionrio. Afirma que em Marx

    estavam ligados de uma forma indissocivel o homem de ao e o terico.

    Rosa tida como determinista por muitos, porque considerava o colapso do

    capitalismo e a revoluo socialista como determinaes histricas inevitveis. A ao do

    proletariado necessria para trazer tona o ncleo da racionalidade contido na histria,

    porque do contrrio a razo permanece uma possibilidade histrica, ou seja, sem a atividade

    consciente da classe operria no h socialismo. Enxergava o partido como o grupo de

    agitao que despertaria a ao revolucionria das massas.

    Loureiro14 considera que, apesar de acreditar na revoluo socialista como uma

    determinao histrica, no podemos considerar Rosa uma determinista, porque para ela agarantia da vitria final no tem o estatuto de uma lei da natureza: o socialismo somente ser

    possvel se as massas se apoderarem da teoria marxista, ocorrendo a unio entre o

    conhecimento e a classe operria, A transformao histrica formulada na teoria marxista

    tem como pressuposto que essa teoria se torne a forma de conscincia da classe operria e,

    como tal, um elemento da histria.15

    Para Rosa, o socialismo no resulta automaticamente das contradies objetivas do

    capitalismo: faz-se necessrio o conhecimento subjetivo por parte da classe operria. No

    basta que o pensamento tenda para a ao, necessrio que a realidade tenda para o

    pensamento.

    Atravs do trabalho poltico e sindical, as massas alcanam conscincia de seus fins e

    dos meios para atingi-los, o que alteraria a relao entre dirigentes e dirigidos. Aos dirigentes

    caberia esclarecer a massa sobre os seus interesses histricos, muitas vezes obscurecidos pela

    ideologia dominante. Sua funo no era comandar a massa, com base em um saber elaborado

    fora da classe. A conscincia de classe muito mais produto da ao revolucionria que do

    trabalho do partido. A greve de massa no uma ttica contrria luta quotidiana e

    parlamentar, mas o meio de criar condies para a conquista de direitos polticos,

    fundamentais para a emancipao da classe operria, sendo a revoluo um movimento

    permanente, que no possui fronteira ntida entre as reivindicaes econmicas e polticas.

    Em muitos casos as greves econmicas acabam por adquirir carter poltico. No est com

    isso defendendo que a luta econmica que conduzir a revoluo, na realidade est

    14LOUREIRO, Isabel M. Rosa Luxemburg: Os dilemas da ao revolucionria. So Paulo. Editora daUniversidade Estadual Paulista, 1995.

    15LUXEMBURG, R. apud LOUREIRO. op.Cit., p.32

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    combatendo tanto os chamados economicistas quanto os politicistas, na defesa da relao

    dialtica entre as duas instncias, ou seja, na luta econmica contra a explorao capitalistas

    que a massa adquire conscincia de sua classe, podendo transform-la em uma luta poltica..

    A conscincia de classe funda-se na ao das massas contra a ordem estabelecida e no

    atravs de reivindicaes feitas pelos partidos e sindicatos presos a reivindicaes imediatas

    dentro da legalidade.

    Apesar de acreditar que a evoluo social no exterior ao proletariado, sendo mesmo

    o seu impulso e sua conseqncia, Rosa acreditava que [...] esse salto no poderia ser dado

    se, [...] no brilhasse a centelha da vontade consciente da grande massa popular. 16 No

    embate entre as velhas e as novas foras, afrontamentos esses nos quais o proletariado faz a

    sua aprendizagem o papel do partido de direo, porm o leme da vida social deve estarnas mos do proletariado.

    Na medida em que o partido o guia do proletariado, por ter atravs do socialismo

    cientfico aprendido a compreender as leis objetivas do desenvolvimento histrico, seus

    equvocos podem conduzir o proletariado a fragorosas derrotas. Ao discorrer sobre a

    deflagrao da guerra depois de a social-democracia alem ter alardeado aos quatro ventos

    que o proletariado no se deixaria iludir pelos discursos burgueses, alega que "[...]Um

    acontecimento de tanta importncia no com certeza fruto do acaso. Deve resultar deprofundas e extensas causas objetivas. No entanto, estas causas tambm podem residir nos

    erros da social-democracia, que era o guia do proletariado, na fraqueza da nossa vontade de

    luta, da nossa coragem, da nossa convico."17

    Para Rosa os grandes movimentos populares e as revolues no so feitas a partir de

    receitas tcnicas dos dirigentes do partido, as grandes manifestaes populares e aes de

    massas so fruto de um conjunto de fatores econmicos, polticos e psquicos bem como a

    inteno das oposies de classe num dado momento. O grau de combatividade das massaspor sua natureza so impossveis de serem produzidos artificialmente, enquanto vanguarda do

    proletariado consciente no cabe ao partido prescries e receitas, "[...] mas a palavra de

    ordem poltica, a formulao clara das tarefas e dos interesses polticos do proletariado [...]"18

    Na realidade para Rosa o partido no desencadeia uma greve, mas " chamada(o) a tomar a

    direo poltica quando eclode um perodo revolucionrio." O mais importante papel de

    direo no perodo da greve de massa consiste em dar a palavra de ordem da luta, em orient-

    16LUXEMBURG, Rosa. A Crise da Social-Democracia.So Paulo:Martins Fontes, s/d.p. 22.17Ibid.,p.21.18LUXEMBURG, Rosa. A Crise da Social-Democracia.So Paulo:Martins Fontes, s/d.p. 156,157.

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    la, em regular a ttica da luta poltica de tal modo que, em cada frase a cada instante do

    combate, seja realizada e posta em ao a totalidade da fora do proletariado, j decidido e

    lanado na batalha. necessrio que esta fora se exprima pela posio do partido na luta;

    necessrio que a ttica da social-democracia nunca se encontre, quanto energia e preciso

    abaixo do nvel das relaes de foras em movimento, mas que, pelo contrrio, ela ultrapasse

    este nvel; ento, esta direo poltica transformar-se- automaticamente e em certa medida na

    direo tcnica." Apesar de discordar da conscincia trazida de fora Rosa considera

    importante a direo consciente das massas pelo partido, prova disso encontramos na

    afirmao de que "Uma ttica hesitante, fraca, fundada numa subestimao de foras do

    proletariado, paralisa e desorienta as massas."

    O partido brota da espontaneidade, resultado das lutas espontneas e se alimentadelas, somente assim no haver risco da ruptura entre a classe e o elemento poltico ativo, a

    vanguarda. O papel do partido consiste em adaptar-se arbitrariamente situao o mais

    habilmente possvel, mantendo o mais estreito contato com a moral das massas. Deve ser o

    intrprete e porta-voz da vontade das massas, no tem a funo de desencadear a ao

    revolucionria, mas quando esta comea, deve dar-lhe contedo poltico e palavras de ordem

    corretas.

    Diz Loureiro O papel das massas um elemento essencial na teoria poltica de RosaLuxemburg e o que a impede de aceitar o partido de quadros leninista19, para ela a

    conscincia de classe se funda na ao, na experincia e no na teoria introduzida de fora pelo

    partido. Est assim combatendo o tempo todo o sufocamento das massas pelas mquinas

    partidrias e sindical.

    A educao exclusivamente terica tira das massas a combatividade e o esprito de luta

    que so forjados na crena de rumar em direo ao futuro socialista, podendo o socialismo

    resultar somente da criao autnoma das massas, em suas experincias e numa relaorecproca de aprendizagem com o partido, e no em uma relao vanguardista e de autoridade

    poltica.

    Mesmo se opondo a noo de conscincia inserida de fora nas massas, Rosa nunca

    despreza a teoria, considerando quem o faz como oportunista. Em seu clssico debate com

    Bernstein Reforma ou Revoluo, afirma que a principal caracterstica dos oportunistas a

    hostilidade a teoria, pois a mesma se constitu nos princpios do socialismo cientfico,

    impondo a atividade prtica limites a respeito de suas finalidades e aos meios para atingi-

    19LOUREIRO.op.Cit.,p.57.

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    las,como tambm ao mtodo de luta. No clebre debate afirma inclusive que as formulaes

    de Bernstein so a primeira tentativa de [...] dar as correntes oportunistas na social-

    democracia uma base terica. [...] Est claro que, para manter-se contra os nossos princpios,

    tal corrente devia logicamente acabar investindo contra a prpria teoria, contra os princpios,

    em vez de ignor-los; havia de tentar abal-los e elaborar uma teoria prpria.20

    Lnin ao debater com Rosa21 alega que ela tem razo quando afirma que no se pode

    fabricar a revoluo, contudo se a revoluo estiver na ordem do dia necessrio proclam-la

    em nome da classe revolucionria, proclamando assim sem receio o programa do partido.

    Portanto cabe ao partido meditar sobre as aes sistemticas, coordenadas, prticas para fazer

    progredir a revoluo,

    Para Rosa o socialismo fruto da experincia proletria; as solues surgem junto comos problemas, mas para isso as massas precisam ter inteira liberdade de manifestao e

    organizao. Somente liberdades pblicas podem formar o povo politicamente,

    proporcionando-lhe autonomia intelectual e moral, pr-requisito imprescindvel para o

    socialismo, o qual exige uma transformao no esprito das massas, degradadas por sculos de

    dominao burguesa. Assim, as massas podero discutir e escolher o caminho apropriado,

    aprendendo com os prprios erros. O sujeito revolucionrio se forma medida que os fins se

    formam; a conscincia no resulta da organizao previamente constituda, mas a organizaoprovm da conscincia que se cria na luta.22

    A funo do partido ouvir, ser o porta-voz, traduzir os anseios ainda confusos,

    esclarecer as massas de seus interesses histricos. Quando as massas adormecem, cabe ao

    partido agitar, instigar ao. As massas tornam-se conscientes no processo de sua formao

    como classe, adquirem conscincia de sua situao de espoliadas e passam ao

    revolucionria, tornando-se sujeitos conscientes da histria.

    Rosa trabalha com a noo de conscincia latente na prpria classe; a classe em sitorna-se para si pela sua prpria experincia, atravs de suas vitrias e derrotas.23 Defendia a

    20LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revoluo? So Paulo: Expresso Popular, 1999.p.114.21

    Ver Lenine. V.I. In: ___________LUXEMBURG, Rosa. A Crise da Social-Democracia.So Paulo:MartinsFontes, s/d..22

    Em Rosa no h separao entre massa e vanguarda consciente, porque a prpria massa, ao formar-se comoclasse revolucionria, torna-se vanguarda. Assim, no existe um abismo entre dirigentes e dirigidos, maseducao e alimentao constante e recproca. Consequentemente, no possvel uma vanguarda iluminadacomandando as massas ou tirando do bolso do colete uma receita pronta para instaurar osocialismo.LOUREIRO. op.Cit.,p.71

    23Este o sentido da obra poltica de Rosa Luxemburg: o socialismo, o futuro, s poder concretizar-se pelaao autnoma, consciente das largas massas populares e, por isso mesmo, uma possibilidade, no umagarantia. Nisso consiste a sua concepo de socialismo democrtico: as massas, agindo livremente, instituemnovas formas de sociabilidade, diferentes das formas burguesas. Foi o que os conselhos mostraram de maneira

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    ditadura da classe e no a ditadura do partido, esclarecendo: ditadura da classe, [...] se exerce

    no mais amplo espao pblico, com a participao sem entraves, a mais ativa possvel das

    massas populares, numa democracia sem limites24 , e isso s possvel se houver liberdade

    democrtica, imprensa livre, direito de associao e reunio, apenas em uma vida poltica

    inteiramente livre, toda a massa pode educar-se e formar-se. Segundo Loureiro, Rosa via em

    Lnin o Estado como instrumento de coero, perspectiva que ela critica, por efetuar a leitura

    de que [...]o Estado burgus no serve seno para oprimir as massas, o Estado socialista seria

    tambm apenas um instrumento de coero sobre a burguesia 25

    Para Rosa a dominao burguesa no necessita de educao poltica das massas. O

    contrrio se d com a ditadura proletria, que exige essa educao como elemento vital para

    sobreviver.Quando a social-democracia alem passa a apoiar a guerra justificando se defender

    contra o absolutismo russo, Rosa percebe a falta de compreenso dos social-democratas

    alemes sobre o materialismo histrico, equvoco de anlise que influenciou as massas na

    adeso frentica a guerra. Um dos equvocos da social-democracia alem no entender de

    Rosa foi no compreender a lgica interna da sociedade burguesa. Para Rosa a desculpa da

    social-democracia alem de ter sido pega de surpresa pelas intrigas de bastidores e secretas do

    governo no se justificam, ou melhor transformam o seu erro em algo muito maior visto noterem aprendido uma das lies caras ao marxismo, ou seja, que necessria que a anlise se

    aprofunde para alm de suas aparncias pois

    Aqueles que dirigiam os destinos do Estado no eram ento, como sempre,

    seno pees manobrados sobre o tabuleiro de xadrez da sociedade burguesa

    por processos e movimentos que os ultrapassavam. E se algum se tinha

    esforado durante todo este tempo para compreender lucidamente esses

    processos e esses movimentos, era efetivamente a social-democracia alem [...]

    Por isso, quando os batalhes alemes penetraram na Blgica, [...], no havia

    razo para se ficar aturdido, porque no se tratava de uma situao nova e

    inaudita, porque no era um acontecimento que, tendo em conta o contexto

    poltico, pudesse surpreender a social-democracia alem. 26

    incipiente. Por conseguinte, a democracia s se concretizar no bojo da revoluo momento de completa

    liberdade e tendo-a como pr-requisito. LOUREIRO. op.Cit., p.71.24LUXEMBURG, R. apud LOUREIRO: op.Cit.,p.88

    25LOUREIRO.op.Cit.,p.89.26LUXEMBURG, Rosa. A Crise da Social-Democracia.So Paulo:Martins Fontes, s/d.p. 42,92.

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    Na anlise de Rosa a social-democracia alem se deixou enredar pelo discurso da

    classe dirigente27 trabalhando com a idia de que a guerra significaria libertao do povo

    russo da ditadura do tzarismo bem como impedir que uma possvel vitria russa colocasse em

    risco a liberdade conquistada pela Europa, principalmente pelos alemes. A despeito das

    experincias histricas a social-democracia alem se deixa enredar pelo discurso burgus e

    conclama as massas a lutar ao lado de burguesia, lhes escapa a especificidade do momento

    histrico, caracterizado pela luta imperialista e no mais derevoluo burguesa. Ao suspender

    a luta de classes enquanto durasse a guerra a social-democracia alem abandonou o

    proletariado se colocando de acordo com os deputados do governo e os partidos burgueses

    O voto dos crditos pelo grupo parlamentar deu o exemplo a todas asinstncias dirigentes do movimento operrio. Os chefes sindicais fizeram

    cessar imediatamente todas as lutas de salrios e comunicaram oficialmente a

    sua posio aos empresrios[...] A luta contra a explorao capitalista foi

    espontaneamente interrompida durante a guerra.[...] Sob a lei dos socialistas,

    o partido tinha, a maior parte das vezes, utilizado as eleies parlamentares

    para propagar as suas idias e afirmar a sua posio, no obstante todos os

    estados de stio e perseguies de que era objeto a imprensa social-

    democrata. Agora, [...] a social-democracia renunciou oficialmente a toda

    luta eleitoral, isto , a toda a agitao e direo ideolgica no sentido da luta

    da classe proletria e reduziu as eleies ao seu simples contedo burgus:

    reunir o maior nmero possvel de mandatos, sobre os quais estabelecia

    acordo amigvel com os partidos burgueses.28

    Ao renegar a luta de classes durante a guerra, a social-democracia renegou o

    fundamento da sua prpria existncia e da sua prpria poltica, despediu-se de si prpria como

    partido poltico ativo e representante da classe operria. Ao assegurar a calma durante o

    estado de stio, no s no garantiu o alargamento das liberdades polticas na Alemanha do

    futuro como minou as liberdades que existiam antes da guerra.

    Para Rosa "[...] um povo politicamente maduro pode tanto renunciar provisoriamente

    os seus direitos polticos, como um homem vivo pode renunciar a respirar" 29 , essa afirmao

    refora a importncia da conscincia de classe, para em momentos de crise no se deixar levar

    27Ver LUXEMBURG, Rosa. A Crise da Social-Democracia.So Paulo:Martins Fontes, s/d28LUXEMBURG, Rosa. A Crise da Social-Democracia.So Paulo:Martins Fontes, s/d.p. 113,114.29LUXEMBURG, Rosa. A Crise da Social-Democracia.So Paulo:Martins Fontes, s/d.p. 125.

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    por discursos inflamados de lderes. No entanto esse amadurecimento no se d

    espontaneamente atravs das experincias cotidianas, necessrio que prxis e teoria

    caminhem juntas, nesse sentido o partido atuaria como mediador. Portanto se reconhece que

    a massa foi arrastada ao apoio guerra pelos erros do partido, implicitamente est

    reconhecendo o papel de direo do partido como fundamental para a conscincia de classe.

    Em A Crise da Social-Democracia percebemos o desencantamento de Rosa com a

    postura que o partido tomou diante da guerra, no atuando como partido de classe,justamente

    no pas onde a insero parlamentar dos socialistas era to forte. Falhou na medida em que

    no efetuou uma leitura da realidade para a guerra transpondo discursos sem analisar a

    realidade concreta. Para Rosa, o papel do partido nessa conjuntura era mostrar os verdadeiros

    pontos secretos da guerra imperialista, rompendo com as mentiras diplomticas e patriticasque escondiam um verdadeiro atentado que se cometia contra a ptria, declarando ao povo

    que tanto a vitria com a derrota na guerra para o proletariado eram funestas.O partido

    deveria ter exigido que a representao popular deliberasse permanentemente durante a guerra

    assegurando assim um controle vigilante da representao popular sobre o governo e da

    populao sobre a representao popular, pois somente um povo livre pode defender o seu

    pas com sucesso. A social-democracia falhou naquilo que era sua tarefa principal.

    A grande hora histrica da guerra mundial reclamava manifestamente uma

    ao poltica resoluta, uma tomada de posio de vistas largas e profundas,

    uma orientao superior do pas que s a social-democracia era chamada a

    propor. Em lugar disto, assistiu-se a uma falha lamentvel e sem exemplo,

    por parte da representao parlamentar da classe operria, que tinha a

    palavra neste momento. Pela falta dos seus dirigentes, a social-democracia

    no s seguiu uma falsa poltica como fundamentalmente no seguiu

    poltica nenhuma; enquanto partido de uma classe dotado da sua prpriaviso do mundo, ela ps-se completamente fora de circulao; abandonou

    sem hesitar o pas a sorte impiedosa da guerra imperialista, ditadura [...], e

    mais, assumiu a responsabilidade da guerra.30

    Portanto, a ditadura do proletrio seria uma maneira de aplicar a democracia e no de

    suprimi-la, a qual permitiria ao proletariado intervir na vida poltica, modificando direitos

    adquiridos e relaes econmicas da sociedade burguesa.

    30LUXEMBURG, Rosa. A Crise da Social-Democracia.So Paulo:Martins Fontes, s/d.p. 154.

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    No entanto, isso no caracteriza Rosa como defensora da democracia como valor

    universal, como consenso da maioria; sua defesa da liberdade no indica uma volta ao

    liberalismo, mas sim um governo conselhista. Os conselhos deveriam ser uma nova forma

    de poder estatal, deveriam ser o nico poder pblico. Ainda segundo Rosa, o socialismo

    como estatizao dos meios de produo, sem o controle dos trabalhadores, caminharia para a

    burocratizao.

    Para Loureiro, as diferenas entre Rosa e Lnin so conjunturais, exceto no que se refere

    ao partido. Em Rosa, o partido no possui condies de desencadear a greve de massas, pois

    est preso disciplina, burocracia e aos compromissos parlamentares, e portanto, a deciso

    de lanar uma ao de massas s pode emanar da prpria massa.31 Nos momentos

    revolucionrios, as massas no organizadas tomam a iniciativa, arrastando o partido atrs desi.

    O ideal do partido para Rosa, principalmente em poca de refluxo, fazer propaganda

    da posio politicamente correta, esclarecendo as massas, despertando-lhes conscincia, para

    preservar a razo que se encontra ameaada. Na sua crtica ao Partido Social-Democrata

    Alemo-SPD, Rosa lamenta que o mesmo tenha-se entregado poltica dos ganhos imediatos,

    mesmo que seu objetivo tenha sido no perder o apoio imediato das massas.

    Como nessa viso, o partido pode superar as contradies entre o objetivo finalrevolucionrio e as reivindicaes prticas que fazem o movimento avanar? Para Rosa, o

    partido no deve estar ligado organizao da classe operria, mas ser o prprio movimento

    da classe operria. Mas como atingir esse objetivo?

    Reformas sociais limitadas, melhorias econmicas e uma certa tolerncia poltica

    acabam por integrar a massa poltica burguesa. muito presente em Rosa a necessidade de

    construo de uma nova cultura nas massas para que o socialismo possa ser vitorioso, no

    basta ganhar o poder.

    32

    Rosa reconhece o peso da ideologia burguesa sobre as massas, mas no considera esse

    processo irreversvel. Para ela, o perigo est na ausncia de interveno consciente do

    proletariado. No trabalha com a hiptese de uma assimilao positiva por parte das massas

    populares, da sociedade capitalista, visto a prpria lgica da acumulao impedir este fato. A

    revoluo no tarefa dos partidos socialistas; seu dever apenas mostrar s massas de

    maneira clara suas tarefas em um dado momento histrico, proclamar o programa de ao

    31Ibid.p.109.32[...] para que o socialismo possa avanar e vencer preciso um proletariado educado, forte, capaz de agir, emassas cujo poder reside tanto no seu nvel cultural quanto no seu nmero LUXEMBURG,R. ApudLOUREIRO. op.Cit., p.123.

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    poltica e as palavras de ordem que a situao exige. a prpria histria que ir definir o

    momento do levante revolucionrio de massas. O partido deve manter-se nesse posto mesmo

    quando as massas no lhe do ouvidos e negam-se a segui-lo, mantendo sua posio moral e

    poltica, pois receber os frutos na hora da realizao histrica. A funo do partido

    esclarecer e agitar e no organizar as massas.

    Com o apoio da massa Primeira Guerra Mundial, segundo Loureiro, percebe-se uma

    mudana na perspectiva de Rosa em relao ao partido. Em 1906, defendia que o partido tinha

    o papel de ser o porta voz do proletariado na luta, interpretando a vontade da massa; aps

    1910, a nfase recai na agitao e esclarecimento, mas em nenhum momento se inclina para a

    vanguarda, para a idia de partido que substitui a classe; no existe separao entre as duas

    instncias. Era necessrio esperar a classe despertar e assumir seu papel emancipador; nessaperspectiva uma derrota seria muito maior, se a classe derrotada, a vanguarda perece

    junto.33 Para Loureiro, a conscincia de classe em Rosa se funda no agir, torna-se

    revolucionria na luta.

    No pr-guerra, Rosa defendia a massa contra a moderao do partido e dos sindicatos

    adeptos de uma poltica de resultados, acusados como os nicos responsveis pelo

    reformismo. Defendia o impulso das massas contra o conservadorismo e a paralisia das

    organizaes. No ps-guerra, reconhece que as massas esto integradas ao capitalismo,alienadas e submissas; no se trata mais de opor as massas ao partido, mas esclarecer os

    proletrios buscando a viabilidade do socialismo, pois o partido no poder fazer a revoluo

    no lugar das massas. Era preciso fazer brotar no proletariado o germe de uma nova

    humanidade.

    Enquanto, para Lnin, o declnio do socialismo na Europa se dava pelo oportunismo,

    sendo portanto, o caminho derrotar os oportunistas com uma organizao altamente

    disciplinada e centralizada, para Rosa, o problema no consistia somente em mudar o planoorganizatrio, consistia em um esforo de auto conscientizao das massas.

    Lnin e Rosa divergem ainda na questo da interpretao do que seria a conscincia de

    classe. Para Loureiro, realidades diferentes levaram Rosa a examinar o fenmeno

    revolucionrio do ponto de vista da espontaneidade e iniciativa das massas, enquanto Lnin o

    analisa do ponto de vista da organizao, o que levou ambos a diferentes entendimentos do

    significado do partido operrio enquanto a organizao bolchevique, [...] leva de fora a

    33LOUREIRO. op.Cit., p.129.

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    conscincia classe, na perspectiva de Rosa o partido o prprio movimento da classe

    operria34

    Para Rosa, era necessrio que a prtica das massas se colocasse de acordo com a teoria

    revolucionria, mas, apesar de no ps-guerra passar a comungar da idia do partido enquanto

    agitador, ela continua discordando da idia de organizador.35

    Diferentemente em Lnin, a relao entre experincia e conscincia no imediata,

    precisa de uma mediao, mediao essa que deve ser exercida pelo partido, ligando a teoria

    ao movimento, j que essa teoria que permite ir alm da experincia imediata para saber

    neg-la dialeticamente para assumi-la, graas a uma anlise que vai alm do fenmeno em

    sua aparncia e o capta em sua essncia36 . Sem essa compreenso de movimento e partido, o

    prprio partido se torna incompreensvel. Sem a teoria o partido fica preso ao praticismo daao poltica, incapaz de compreender a relao orgnica que envolve a estrutura econmica

    da sociedade e o sistema de poder poltico.

    Considerar qualquer greve como expresso consciente do processo de luta de classes

    significa dizer que o partido revolucionrio engloba imediatamente, de uma s vez, toda a

    classe operria e a greve geral acabaria de uma s vez com toda a sociedade burguesa.

    Portanto, o partido para ser um interprete consciente deve estabelecer relaes que

    assegurem um certo nvel de conscincia e elevem sistematicamente esse nvel37

    Percebemos nessa formulao uma leitura de Marx sobre os sindicatos: os

    trabalhadores no devem esquecer jamais que em uma greve esto lutando contra os efeitos e

    no contra as causas desses efeitos, no devem ficar satisfeitos apenas em envolver-se nessas

    guerras de guerrilhas, pois na luta econmica o capital o mais forte.38

    34Ibid.p.132.35

    [...]a ao de massas cria as condies e permite o desenvolvimento da conscincia de classe, processo no qualseriam resolvidos os problemas da tomada do poder e do que fazer com ele aps a vitria. A ao supre planos,organizao, falta de clareza sobre as tarefas a cumprir: medida que os problemas surgem, com eles nascem asrespostas, desde que haja total liberdade de movimento. A vida, a dialtica histrica a varinha mgica alevar o proletariado pelo bom caminho.LOUREIRO. op.Cit., p. 176.

    36GRUPPI, Luciano. O pensamento de Lnin. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

    37[...] as greves s so vitoriosas quando os operrios j possuem bastante conscincia, quando sabem escolher

    o momento para desencade-las, quando sabem apresentar reivindicaes, quando mantm contato com ossocialistas para receber volantes e folhetos. [...]Esta a misso que devem cumprir os socialistas e os operriosconscientes, formando, para isso, o partido operrio socialista LENIN. V.Sobre as greves. Escrito:finais de1899. Primeira Edio: Revista Proletarskaya Revolyutsiya, No. 8-9, 1924. Publicado de acordo com ummanuscrito copiado por mo desconhecida. Fonte da Presente Traduo: On Strikes, Lenin Internet Archive(marxists.org), 2003. Traduo de: Alexandre Linares.HTML por Jos Braz para The Marxists Internet Archive. Direito de Reproduo: Lenin Internet Archive(marxists.org), 2002.38

    [...] as lutas da classe operria em torno do padro de salrios so episdios inseparveis de todo o sistemado salariado; que em 99 por cento dos casos, seus esforos para elevar os salrios no so mais que esforos

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    O partido, portanto, s poder ser politicamente autnomo se possuir um mtodo de

    investigao e uma concepo que desmistifique a falsa universalidade das idias no quadro

    de uma formao econmico-social, uma viso histrica das leis que guiam toda a formao

    social determinada, uma viso da relao entre estrutura e superestrutura, do contrrio no

    poder se propor a tarefa de alterar substancialmente as relaes sociais, no podendo por isso

    ser revolucionrio. atravs de seu programa poltico que o partido se caracteriza. Uma vez

    traada suas metas revolucionrias, poder aceitar em suas fileiras tantos quantos queiram se

    inscrever, desde que os mesmos aceitem seu programa. no programa do partido que se

    encontra organicidade, atravs da clareza das idias de seu programa poltico. O programa

    em si insuficiente se o partido no possuir um rgo de imprensa que lhe d voz. A

    propaganda das questes polticas e dos problemas da organizao do partido deve dirigir-ses mais amplas massas.

    Para Lnin, a ideologia ocupa um papel essencial na luta de classes e no processo de

    insero de conscincia na luta espontnea; afastar-se da ideologia socialista significa

    fortalecer a ideologia burguesa. O movimento espontneo dos operrios trade-unionismo39,

    o que implica uma escravizao dos operrios ideologia burguesa; sendo assim a tarefa do

    partido consiste em combater a espontaneidade, fazendo com que o movimento operrio se

    desvie da tendncia espontnea do trade-unionismo tirando-o da tendncia de acolher-se sob aasa da burguesia e atraindo-o para debaixo da asa [...] revolucionria.40 O fato de a

    ideologia burguesa ser muito mais antiga e possuir meios de difuso incomparavelmente mais

    numerosos leva a luta econmica dos operrios a estar ligada poltica burguesa. Cabe,

    portanto, ao partido da classe trabalhar para efetuar essa ruptura, situao possvel somente

    rompendo com a luta trade-unionista.

    destinados a manter de p o valor dado do trabalho e que a necessidade de disputar o seu preo com o capitalista inerente situao em que o operrio se v colocado e que o obriga a vender-se a si mesmo como umamercadoria. Se em seus conflitos dirios com o capital cedessem covardemente, ficariam os operrios, por certo,desclassificados para empreender outros movimentos de maior envergadura. Ao mesmo tempo [...] a classeoperria no deve exagerar a seus prprios olhos o resultado final destas lutas dirias. No deve esquecer-se deque luta contra os efeitos, mas no contra as causas desses efeitos; que logra conter o movimento descendente,mas no faze-lo mudar de direo; que aplica paliativos, mas no cura a enfermidade. No deve, portanto,deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitveis lutas de guerrilhas [...] A classe operria deve saber queo sistema atual, mesmo com todas as misrias que lhe impe, engendra simultaneamente as condies materiaise as formas sociais necessrias para a reconstruo econmica da sociedade. Em vez do lema conservador de :um salrio justo por uma jornada de trabalho justa, dever inscrever na sua bandeira esta divisarevolucionria: abolio do sistema de trabalho assalariado MARX, K., ENGELS, F., Obras Escolhidas:Crtica ao Programa de Gotha.Ed.Alfa Omega. So Paulo.p. 377,378.

    39

    Trade-unionismo porque se reporta as lutas das trade-unions inglesas. Traduz-se ao falar de luta trade-unionistaque o mesmo se refere as lutas de cariz sindical.40

    LENIN, Vladimir I.Que Fazer?. In:_______________Obras Escolhidas.So Paulo: Alfa Omega, 1979c Vol.1.p. 108.

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    Lnin no nega com isso que os primeiros meios de luta sero sempre os trade-

    unionistas e que a primeira ideologia ser a ideologia burguesa, como tambm no nega que

    em uma conjuntura diversa da conjuntura revolucionria a luta trade-unionista inescapvel.

    Tambm no nega a importncia do fenmeno do movimento de massas. A questo est em

    saber interpretar a realidade objetiva, interpretando as tarefas a serem executadas, o que pode

    ser feito de duas maneiras: cultuando a espontaneidade do movimento e reduzindo o partido a

    simples servidor do movimento, ou encarando o movimento como um movimento que coloca

    novas tarefas tericas, polticas e de organizao mais complexas do que as do perodo

    anterior ao aparecimento do movimento de massas.

    Para Lnin, imprimir luta econmica uma carter poltico significa dissimular a

    tendncia de rebaixar a poltica social-democrata41 ao nvel da poltica trade-unionista.Apesar de estar no quadro de atividades polticas do partido, a luta por reformas deve estar

    subordinada luta por liberdade e pelo socialismo. Colocar as lutas por reformas como uma

    tarefa especial arrasta o partido para trs fazendo o jogo do oportunismo tanto economicista

    como liberal.

    Sendo o Estado representante da classe dominante, atravs de concesses ou pseudo

    concesses que o mesmo ganha a confiana das massas. Portanto, o partido nunca deve

    deixar a massa pensar que aprecia mais as reformas econmicas. preciso que, aliadas importncia da luta econmica, as massas percebam que importante apoiar

    ativamente todo protesto contra a autocracia, inclusive os que no lhes promete

    absolutamente nenhum resultado tangvel.

    preciso no s que as grandes massas tenham conscincia da relao indissolvel

    entre o desemprego42 e o regime capitalista, e tenham, conseqentemente conscincia de que a

    luta por reformas econmicas pode em um determinado momento, minimizar as dificuldades,

    mas tambm que a total superao da explorao dos trabalhadores s ser possvel com asuperao da sociedade capitalista. Lutar contra o governo no plano econmico lutar

    maneira trade-unionista, que est muito longe da completude da luta poltica pelo socialismo.

    41 importante frisar que quando fala de poltica social-democrata ele est se referindo luta pelo socialismo.

    Por ocasio desses escritos no estava em questo o revicionismo que originou os chamados social-democratas(entendidos como aqueles que se propunham uma releitura das idias revolucionrias).42No apenas o desemprego que est nessa relao indissolvel com o regime capitalista, somente ele citadoneste momento em funo de a discusso em pauta ser a discusso da luta de cariz sindical.

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    Para Lnin, a ausncia de teoria leva ao praticismo da ao poltica.46

    O partido seria o que mais tarde Gramsci vai chamar de intelectual orgnico da classe.

    Para esse intelectual, a posse de instrumentos culturais deveria constituir-se em uma fuso

    ntima com a classe operria, e a vanguarda seria um todo orgnico a guiar a hegemonia da

    classe operria.

    Em grande medida, atribui-se teoria do partido em Lnin o germe da burocratizao

    do partido. Os argumentos contra essa crtica, se expressam na relao entre centralizao e

    descentralizao.47

    Discordamos das anlises que se faz de Lnin,como se ele pensasse o partido e as

    massas dessa maneira rgida. Se em um primeiro momento Lnin concorda com Kaustky

    sobre a conscincia levada de fora, quando nos reportamos discusso sobre centralizao edescentralizao do partido em Lnin, podemos verificar que ele se posiciona rigidamente em

    relao organizao do partido, mas ao mesmo tempo defende que todos devem possuir o

    sentimento de responsabilidade junto ao partido, pois, do contrrio, tornar-se-iam uma massa

    amorfa.

    Na perspectiva de Loureiro, Rosa era contrria idia leninista de um partido de

    vanguarda fortemente centralizado e disciplinado, introduzindo de fora a conscincia nas

    massas passivas, obedientes e desorganizadas.48

    Para Rosa, a massa sujeito do movimentooperrio organizado, ao passo que em Lnin, quando o partido se defronta com um

    movimento de massas, a questo que se apresenta se nos inclinamos espontaneidade

    desse movimento ou admitimos que o movimento nos impe novas tarefas polticas e

    tericas de organizao muito mais complexas que antes do surgimento desse movimento.

    Para Rosa, a conscincia de classe muito mais produto da ao revolucionria que do

    trabalho do partido. A greve de massa no uma ttica contrria luta quotidiana e

    parlamentar, mas o meio de criar condies para a conquista de direitos polticos,fundamentais para a emancipao da classe operria, no entanto aluta parlamentar deve ser

    entendida como um estgio da luta mais ampla no devendo se reduzir a luta poltica luta

    46Sem teoria revolucionria, no pode haver movimento revolucionrio. Nunca ser demais insistir sobre esse

    conceito, num perodo em que a pregao oportunista em moda se faz acompanhar pela exaltao das formasmais estreitas de ao prtica. (LENIN, V. apud GRUPPI: 1979, p.35)47

    Enquanto para a direo ideolgica e pratica do movimento e da luta revolucionria do proletariado necessria a mxima centralizao possvel [...] para a responsabilidade diante do partido necessrio a mxima

    descentralizao possvel (a descentralizao, ou seja, a ampliao das responsabilidades e da iniciativa ) umacondio necessria da centralizao revolucionria e seu indispensvel corretivo LENIN, V. apud GRUPPI.op.Cit., p.42,43.48LOUREIRO.op.Cit.,p.34.

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    parlamentar.49 A revoluo um movimento permanente, e como explicitado anteriormente,

    no existe uma fronteira ntida entre as reivindicaes econmicas e polticas, e em muitos

    casos as greves econmicas acabam por adquirir carter poltico.

    Nesse ponto encontramos uma diferena substancial entre seu pensamento e o

    pensamento de Lnin, para este existe a necessidade de romper com a luta meramente

    econmica, pois o proletrio precisa ter clareza no s da natureza poltica e econmica de

    sua classe, mas tambm da classe burguesa, bem como de todas as fraes de classe

    constitutivas de nossa sociedade, assim saber distinguir que interesses estas ou aquelas

    instituies e leis refletem. Ao partido caberia a tarefa de saber aproveitar dos vislumbres de

    conscincia poltica da luta econmica para elevar os operrios conscincia poltica. A tarefa

    do partido ir alm do espontanesmo das reformas econmicas. No nega sua importncia,porm deve, atravs da agitao econmica, buscar o fim de um governo autocrtico,

    fazendo reivindicaes em todos os terrenos, no ambito da vida econmica, poltica e social.

    Rebaixar a poltica ao nvel trade-unionista equivale a preparar o terreno para converter o

    movimento operrio em instrumento da democracia burguesa; a participao da classe

    operria pura e simplesmente na luta poltica no faz de sua luta poltica uma luta pelo

    socialismo.

    Cabe, portanto, ao partido exercitar o descontentamento poltico, estimulando efornecendo material abundante para desenvolver a conscincia poltica e a atividade poltica

    do proletariado. Esse trabalho deve contar com revolucionrios profissionais que no

    rebaixem as suas tarefas ao nvel de compreenso das camadas mais atrasadas das massas.

    Uma organizao que se prenda ao combate por reivindicaes polticas imediatas ou luta

    econmica contra os patres e o governo se desviam para o trade-unionismo, tanto nas tarefas

    de organizao como nas tarefas polticas. A luta deve ser muito mais ampla e complexa que a

    luta contra patres e governo. A organizao de um partido deve ser diferente da organizaodos operrios pela luta econmica, diversamente o partido se tornaria artesanal e preso aos

    seus mtodos de luta econmica.

    Para Rosa, o partido nunca deve ficar aqum do nvel das relaes de fora reais [...]

    explicando s largas camadas do proletariado a vinda inevitvel do perodo revolucionrio, os

    fatores que, no interior da sociedade, a suscitam e suas conseqncias polticas.50

    Entendemos haver, nesse momento uma aproximao entre Rosa e Lnin, ao afirmar que ter a

    49Ver BOGO: 2005.50LUXEMBURG, R. Apud LOUREIRO. op.Cit.,p.43.

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    direo poltica significa, por um lado, agitar e, por outro, explicar, esclarecer. Seu ponto de

    confluncia com Lnin est quando discorre sobre o papel do agitador e do propagandista.

    Mesmo afirmando que no atravs de panfletos que se educa a massa, ao defender a

    necessidade de manter acesso o debate pblico como meio de educar e conscientizar o

    proletariado, ela no est muito distante da noo leninista de agitador e propagandista. Para

    Lnin, de vital importncia a compreenso da diferena existente entre o papel do

    propagandista e do agitador no interior do partido. Um propagandista deve explicar a natureza

    das crises, assinalar a causa da inevitabilidade das mesmas, indicar a necessidade de

    transformar a sociedade capitalista em socialista. Deve dar muitas idias, tantas que todas

    essas idias, no seu conjunto, s podero ser assimiladas no momento por poucas pessoas. O

    agitador ao contrrio, quando tratar do mesmo problema, tomar um exemplo, o maisflagrante e mais conhecido, e, aproveitando esse fato conhecido por todos, far esforos para

    inculcar nas massas uma s idia, a idia da contradio entre o aumento da riqueza e o

    aumento da misria, despertando nelas o descontentamento, a indignao contra essa flagrante

    injustia, e deixando ao propagandista o cuidado de dar uma explicao completa desta

    contradio.

    por isso que o propagandista atua principalmente por meio da palavra impressa,

    enquanto o agitador atua de viva voz. Do propagandista exigem-se qualidades diferentes dasdo agitador. O propagandista dever viabilizar para a classe operria a compreenso de toda a

    sociedade e no somente de sua classe.Ao observar-se a outra classe social e outras fraes de

    classe em todas as suas manifestaes, sejam elas intelectuais, morais, polticas etc., estar-se-

    caminhando na formao de uma verdadeira conscincia de classe. Quem dirigir a ateno,

    [...] para si prpria, no um social-democrata, porque o conhecimento de si prpria, por

    parte da classe operria est inseparavelmente ligado a uma clara compreenso [...] sobre as

    relaes entre todas as classes da sociedade atual

    51

    Encontramos aqui outro ponto de confluncia, assim como Lnin, Rosa defende a

    necessidade de compreenso da lgica interna da classe burguesa como exposto

    anteriormente sobre a interpretao da social-democracia da 1 Guerra Mundial pois ficar

    preso a compreenso somente de sua prpria classe limita a compreenso do materialismo

    histrico.

    51LENIN.V.1979c.p.129.

  • 8/3/2019 O Partido dos Trabalhadores e os Ncleos de Base

    38/161

    38

    Rosa defende que o partido deve manter-se fiel a sua posio moral e poltica mesmo

    quando as massas se negam a segui-lo. Lnin defende que o partido deve instigar as massas a

    lutar, mesmo quando a situao no lhe promete absolutamente nenhum resultado tangvel.

    Encontramos em Gramsci a necessidade de harmonizar a centralidade da classe operria

    com a organizao interna do partido e a democracia interna. 52

    Para Del Roio, ao enveredar pela refundao comunista, Gramsci busca novas snteses

    tericas que lhe permitam formular uma concepo de partido revolucionrio. Sua base

    principal ser Lnin, quando elabora uma sntese entre as formulaes de Rosa e Lnin

    aliadas a sua experincia prtica. Em Cadernos do Crcere, a frmula poltica da frente

    nica seria a estratgia de construo da hegemonia e da transio socialista53

    Gramsci vai-se defrontar com um reformismo enraizado nos sindicatos e com umpartido operrio sem estrutura clandestina e habituado contenda parlamentar54 Embates

    personalistas em vez de poltica sria favoreciam a burocracia alienada por meio de posies

    administrativas que se tornam o verdadeiro partido poltico, com a hierarquia burocrtica

    substituindo a hierarquia intelectual e poltica. A direo dos partidos pode ser avaliada pelo

    desenvolvimento de sua vida interna; a adeso espontnea e sua vida interna deve mostrar a

    assimilao das regras. Os partidos devem ser escolas da vida estatal, na qual a necessidade

    se tornou liberdade sendo seus elementos carter (resistncia aos impulsos das culturasultrapassadas), honra (vontade intrpida ao sustentar um novo tipo de cultura e de vida),

    dignidade (conscincia de atuar para um fim superior).55

    Disciplina no entendida por Gramsci como a aceitao passiva e servil de ordens,

    mas como execuo de instrues, assimilao consciente e lcida da diretiva. Portanto, a

    disciplina no anula a personalidade orgnica, ela apenas limita o arbtrio e a impulsividade

    irresponsvel e impede a vaidade de sobressair; personalidade e liberdade no se colocam

    no nvel da