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O PET-SAÚDE NO SEMIÁRIDO BAIANO uma experiência transformadora no ensinar “fazendo saúde” NÍLIA MARIA DE BRITO LIMA PRADO EDI CRISTINA MANFROI ELVIRA CAIRES DE LIMA ORGANIZADORAS

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O PET-SAÚDE NO SEMIÁRIDO BAIANO uma experiência transformadora

no ensinar “fazendo saúde”

NÍLIA MARIA DE BRITO LIMA PRADOEDI CRISTINA MANFROI ELVIRA CAIRES DE LIMAORGANIZADORAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

reitor João Carlos Salles Pires da Silva

vice-reitor Paulo Cesar Miguez de Oliveira

assessor do reitor Paulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

diretora Flávia Goulart Mota Garcia Rosa

conselho editorialAlberto Brum NovaesAngelo Szaniecki Perret SerpaCaiuby Alves da CostaCharbel Niño El HaniCleise Furtado MendesEvelina de Carvalho Sá HoiselJosé Teixeira Cavalcante FilhoMaria Vidal de Negreiros CamargoMaria do Carmo Soares de Freitas

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O PET-SAÚDE NO SEMIÁRIDO BAIANO uma experiência transformadora

no ensinar “fazendo saúde”

NÍLIA MARIA DE BRITO LIMA PRADO

EDI CRISTINA MANFROI

ELVIRA CAIRES DE LIMA

Organizadoras

SALVADOR

EDUFBA

2017

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2017, AutoresDireitos dessa edição cedidos à Edufba.Feito o Depósito Legal

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

capa, ilustração e projeto gráfico

Gabriel Cayres

revisão

Juliana Lopes Roeder

normalização

Equipe EDUFBA

sistema de bibliotecas – ufba

Editora afiliada à

Editora da UFBARua Barão de Jeremoabos/n – Campus de Ondina40170-115 – Salvador – BahiaTel.: +55 71 3283-6164Fax: +55 71 [email protected]

P477 O PET-Saúde no semiárido baiano : uma experiência transformadora no ensinar “fazendo saúde” / Nília Maria de Brito Lima Prado; Edi Cristina Manfroi; Elvira Caires de Lima, organizadoras.- Salvador: EDUFBA, 2017.-

231 p.

ISBN: 978-85-232-1649-8

1. Profissional em Saúde (Bahia). 2. Mercado de trabalho. 3. Educação para o trabalho. 3. Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET). I. Prado, Nília Maria de Brito Lima. II. Manfroi, Edi Cristina. III. Lima, Elvira Caires de.

CDD: 362.10981.42

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SUMÁRIO

PREFÁCIO 9Sobre a ousadia da construção coletiva de novas práticas de educação na saúde

liliana santos

Apresentando um pouco da nossa história... 15nília maria de brito lima prado, edi cristina manfroi, elvira caires de lima

DIMENSÃO TEÓRICA: HORIZONTES E PROPOSIÇÕES

CAPÍTULO I

Pró-Saúde e PET-Saúde em Vitória da Conquista: avanços e desafios do modelo de formação 21

elvira caires de lima, josé patrício bispo júnior

CAPÍTULO II

Itinerários transformadores no semiárido baiano: o PET-Saúde e as mudanças na práxis 35

nília maria de brito lima prado, poliana cardoso martins

CAPÍTULO III

Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) – Redes de Atenção à Saúde (RAS): tecendo fios e construindo as redes de cuidado no SUS 51

adriano maia dos santos, aline benevides sá feres, ana paula steffens, helca franciolli teixeira reis, maria paula carvalho leitão

CAPÍTULO IV

Contribuições do PET-Saúde para os serviços de saúde 67michela macedo lima costa, karine brito matos santos, rodrigo santos damascena

CAPÍTULO V

Reorientando a formação em saúde: uma experiência exitosa no semiárido baiano sob o olhar discente 75

paulo souza monteiro, etna kaliane pereira da silva, gabriela dos santos vilasboas

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DIMENSÃO PRÁTICA: TERRITÓRIOS E AÇÕES

CAPÍTULO VI

Cuidado integral em um grupo hiperdia: visão holística e interdisciplinar na formação em saúde 85

edi cristina manfroi, arlinda gomes almeida , fernanda vilas boas ruas araújo, islane silva nascimento, ismar gobira, marcos dourado

CAPÍTULO VII

Loucos por cinema: saúde mental em unidade de saúde da família 95ialane monique vieira dos santos, patrícia baier krepsky, maria de lourdes freitas fontes

CAPÍTULO VIII

A ‘Ludicidade em Saúde’ no combate ao tabagismo: relato de experiência de um grupo tutorial interdisciplinar do Programa PET Saúde em Vitória da Conquista – BA 105

rodrigo santos damascena, maria de lourdes freitas fontes, nília maria de brito lima prado

CAPÍTULO IX

A experiência do PET-Saúde Pradoso em uma proposta de promoção da saúde de adolescentes rurais 117

alexsandra souza, camila dos santos chaves, danielle souto de medeiros, rebeca silva dos santos

CAPÍTULO X

O “olhar” multidisciplinar re(conhecendo) possibilidades e necessidades do território: contribuições para a formação em Saúde 127

nília maria de brito lima prado, etna kaliane da silva, rebeca pinheiro aguilar, amanda avelar lima, hellen dayane dos santos marinho, jéssika mendes reis

CAPÍTULO XI

A experiência do PET-Vigilância em Saúde e a Proposta de Educação Permanente em Saúde como estratégia de melhoria da informação e redução da mortalidade infantil no município de Vitória da Conquista – BA. 143

josé andrade louzado, mônica viera silva achy, arina ariadne freire carvalho, eric santos almeida, jéssica nunes moreno, patrícia serra dos reis rios, yanna andrade ferraz

CAPÍTULO XII

O PET-Vigilância em Saúde na construção do Plano Municipal de Saúde: um relato de experiência 153

josé andrade louzado, michela macedo lima costa, bruna luisa de sousa pereira, débora freire coutinho, carolina oliveira dos santos lima, hive santos dias, silas santos santana

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CAPÍTULO XIII

Natureza e cultura em saúde mental 163patrícia baier krepsky, bárbara emanuely de brito guimarães, péricles norberto matos, tamyla farias andrade

CAPÍTULO XIV

Hábitos saudáveis: intervenção multidisciplinar em um grupo de mulheres 177edi cristina manfroi, rebeca pinheiro aguilar, amanda avelar lima, etna kaliane pereira da silva, hellen dayane dos santos marinho, jéssika mendes reis

CAPÍTULO XV

A experiência do PET-Redes: é possível vislumbrar um processo de mudança no sistema de saúde? 185

maria paula carvalho leitão, amanda gomes barros, amanda taiza de araújo, jamille áurea batista, marianne oliveira gonçalves, raíssa amaral oliveira

CAPÍTULO XVI

Conhecimento popular e científico sobre plantas medicinas: diálogos no contexto da extensão universitária 203

patrícia baier krepsky, maura neves coutinho

PARÓDIAS – GRUPO PET 221

POSFÁCIO

Considerações finais: avanços, limitações e desafios no fazer profissional em saúde no sistema local 225

elvira caires de lima, edi cristina manfroi, nília maria de brito lima prado

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SOBRE A OUSADIA DA CONSTRUÇÃO COLETIVA DE NOVAS PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO NA SAÚDE

LILIANA SANTOS

A leitura do livro O PET-Saúde no semiárido baiano: uma experiência transforma-dora no ensinar “fazendo saúde” me possibilitou uma imersão em uma experiên-cia educativa com um potencial nitidamente transformador, tanto para os estu-dantes e docentes, quanto para profissionais da saúde e cidadãos que usufruem dos serviços relacionados com a experiência em questão. Duas universidades envolvidas com uma gestão historicamente comprometida com a Reforma Sa-nitária Brasileira e com as necessidades de saúde da população se articulam de forma singular, e, dessa parceria, nasce este livro.

A riqueza de cenários possibilitou a produção de vínculos entre estudan-tes, docentes, profissionais de saúde, cidadãs e cidadãos os quais vivenciam o cotidiano das unidades e serviços de saúde da região, em realidades que transi-tam entre a Atenção Básica, o conjunto das vigilâncias, a atenção psicossocial e questões como a violência, a promoção da saúde, agravos relacionados ao novo perfil epidemiológico da população brasileira, como câncer e as doenças crôni-cas. O aprendizado das Redes de Atenção à Saúde (RAS) também foi potencia-lizado pela experiência do PET Redes, que integrou à formação o componente da gestão regional e a articulação entre a produção do cuidado e a organização de sistemas locais e regionais de maneira singular.

PREFÁCIO

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O exercício relatado neste livro nos permite pensar e exercitar a formação pro-fissional com um olhar inquieto e transformador, como sabiamente os autores re-latam. Foi possível articular correntes teóricas e o diálogo com o Sistema de Saúde enquanto espaço de produção de cuidado e cenário de práticas acadêmicas, além de catalisar mudanças curriculares que se fizeram necessárias diante da análise conjunta dos projetos pedagógicos dos cursos que se envolveram na experiência.

A leitura traz à tona a questão da formação de profissionais da saúde em uma perspectiva inovadora, ou, parafraseando Santos (2005): uma formação com memória de inovação. Essa formação se orienta pelos princípios da mul-tidimensionalidade, da flexibilidade e da democracia. Agrega-se, ainda, a no-ção de transdisciplinaridade, desenvolvida por Almeida Filho (1997; 2000), que possibilita o avanço epistemológico em relação aos desafios apontados para a formação profissional em saúde.

A multidimensionalidade indica que a formação não pode e não deve cen-trar-se apenas no desenvolvimento de capacidades técnicas e científicas, mas também nas dimensões humanas, éticas, filosóficas, sociais, emocionais e polí-ticas. Atividades do âmbito das humanidades podem ser desenvolvidas na pers-pectiva de experiências culturais, com o valor de atividade acadêmica, o que Santos (1995) chama de “curricula informais”. Além de atividades de extensão universitária e pesquisa, oferecendo aos estudantes um conjunto de aprendiza-dos os quais transcendem o fazer específico de determinado exercício profissio-nal futuro, a vivência de distintos cenários e práticas de saúde, a busca de solu-ções para problemas concretos da população e do sistema de saúde criou uma miríade de possibilidades para a formação das pessoas envolvidas na experiên-cia contada neste livro. Distintas dimensões são abordadas por distintos olha-res, o que coloca o leitor quase em contato direto com cheiros, gostos, o calor do sol e o vento noturno do sudoeste baiano, certamente, lembranças que marcam a formação de protagonistas e leitores.

A flexibilidade permite aos estudantes fazerem opções sobre suas trajetó-rias de formação, tomando decisões que ampliem seu processo formativo para além daquilo que é proposto pela instituição formadora. Cada memória relata-da se traduz em um caminho possível: experiência vivida e compartilhada nos encontros de síntese e pesquisa torna vivos e reflexivos os processos formativos.

A democracia nos processos educativos se apresenta, de acordo com San-tos (2005), nas perspectivas interna e externa. Por democracia externa, o autor compreende “o vínculo político e orgânico entre a universidade e a sociedade”

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(p. 100), demarcando certa abertura institucional na perspectiva da responsa-bilização social da universidade. Questões como a relação desta última com o mercado de trabalho e com as demandas desse mercado em relação à produção de mão de obra também estão em jogo quando se fala de democracia externa. Nesse sentido, os diálogos e negociações estabelecidos entre as duas institui-ções de ensino as quais protagonizaram a experiência relatada junto à Secreta-ria Municipal de Saúde de Vitória da Conquista e com a população possibilita-ram o exercício da democracia no processo educativo, no qual distintos saberes têm valor equivalente e a troca/negociação desses saberes vai definindo pau-latinamente os destinos do projeto coletivo, o que Santos (2005) compreende como ecologia dos saberes: saber científico e saber popular dialogam na produ-ção de outros saberes.

Do conjunto de indicadores que compõem a ideia de uma formação com memória da inovação, pode-se retomar a noção de transdisciplinaridade pro-posta por Almeida Filho (1997; 2000). O foco de reflexão é deslocado dos cam-pos de conhecimento – típico de algumas versões teóricas as quais buscam con-ceituar interdisciplinaridade – para os representantes dos campos; ou seja, os primeiros, em circunstâncias muito restritas, são capazes de, ao se articula-rem, produzir um novo campo de conhecimento. Os axiomas e as concepções de cada campo de conhecimento e, consequentemente, as perspectivas teóricas daí decorrentes fazem parte do núcleo que, por definição, diferencia um campo de conhecimento do outro. Esses campos se articulam em torno da produção de um novo conhecimento, conectado a um problema que demanda certa com-plexidade de análise e solução, a exemplo de uma necessidade de saúde. Dessa forma, busca-se responder às necessidades demandadas ao trabalho na saúde, criando novas formas de produzir ciência e o próprio trabalho.

Em outra abordagem, é importante registrar que a área de Saúde traz pe-culiaridades e especificidades as quais se acrescentam ao debate a respeito da integração possível entre o mundo da universidade e o mundo do trabalho. Para Santos (1995), as atividades obrigatórias dos currículos devem “privilegiar a in-tervenção social, humanística, artística e literária” (p. 227), além de possibilitar aos estudantes o protagonismo nas cenas educativas, substituindo-se as formas de avaliação tradicional pela avaliação do aproveitamento social e artístico dos conhecimentos. Para pensar-se a formação dos profissionais de saúde, torna-se necessário considerar o diálogo entre as políticas das áreas de Saúde e de Edu-cação, tornando o cotidiano das escolas uma articulação permanente com os

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serviços e sistemas de saúde, bem como com a comunidade em geral. Assim, a discussão sobre o trabalho em saúde e a organização dos processos de trabalho referida anteriormente contribui para a análise do grau de relação entre o pro-cesso educativo em questão e o mundo do trabalho na saúde, ou seja, suas prá-ticas, saberes e fazeres.

Nesse sentido, Ceccim e Ferla (2008, p. 449) ressaltam a importância da re-lação educação-saúde-cidadania no cotidiano do ensino das profissões da saú-de, demarcando, inclusive, que, a partir deste imbricamento, surge o próprio movimento da Reforma Sanitária Brasileira. Os autores destacam que a forma-ção tradicional de profissionais de saúde distancia a clínica da política e frag-menta os atos de cuidado e de gestão. Defendem que se torna necessário que os educadores abandonem a segurança do modelo pedagógico tradicional e “assu-mam posturas criativas de construção do conhecimento, tendo como referência as necessidades dos usuários, que são extremamente dinâmicas, social e histo-ricamente construídas”.

Outro diálogo importante é o da intersetorialidade, especialmente quan-do nos referimos às políticas públicas e à relação da Saúde Coletiva com o co-tidiano dos serviços de Saúde. Como a universidade dialoga com os diversos setores da sociedade? Como se insere no cotidiano? Que tipo de conhecimen-to vem produzindo? Como, de fato, escuta e valoriza outros saberes? Como a prática acadêmico-científica instaurada historicamente nas universidades tem se configurado?

Esses desafios permeiam a discussão apresentada e suscitam alguns cami-nhos, no sentido de avançar na produção de conhecimento e, principalmente, na reorientação das funções e práticas no interior dos espaços acadêmicos e dos serviços.

Cabe ressaltar que a mudança de referencial e de práticas em saúde não acon-tece de forma repentina, nem exclusivamente por determinação institucional ou legal; é resultado de constantes discussões e experimentações de coletivos os quais refletem cotidianamente suas práticas, para além das transformações le-gais. Não basta a oferta de disciplinas isoladas, ou campos de estágio que ofere-çam pequenas incursões pelo cotidiano social, ou, ainda, uma pretensa neutrali-dade científica a qual mascara históricas dificuldades de interação entre o campo científico e o conjunto das relações sociais. É preciso pensar uma formação in-tegral e que dê conta de estabelecer conexões entre a produção de conhecimen-to, a prática profissional e a transformação das condições de vida das pessoas,

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levando em consideração que os sujeitos do processo de ensino-aprendizagem são também os estudantes que, em conexão e diálogo com distintos universos e formas de produzir conhecimento, assumem uma função de protagonismo.

A formação dos profissionais da área de Saúde está tradicionalmente dire-cionada para as ações de controle de doenças, cura e reabilitação, enquanto a vida busca outras coisas. Como, então, pensar uma formação que cuide sem controlar? E que organize sem impor? Que ofereça sem restringir? Enfim, que seja generosa o suficiente para acolher a própria contradição da vida humana? Talvez a compreensão da complexidade do ser humano auxilie na produção de outra ciência, que abrigue em si respostas às necessidades humanas e permita uma validade também ética e estética.

A despeito da própria constituição da Saúde Coletiva brasileira e da defi-nição constitucional da saúde como um direito, o ensino das profissões da área de Saúde continua reproduzindo os modos hegemônicos de se fazer saúde, tal como mantendo ordens e processos que, longe de contribuir para a melhoria das condições de vida da população, perpetuam lógicas de desigualdade e exclu-são. A experiência relatada neste livro aponta caminhos e possibilidades para a superação desse modelo e para a construção cotidiana, viva e entusiasmada de um novo desenho de universidade, em que a integração e o aprendizado coletivo e cotidiano são constantes.

Sou grata pela leitura privilegiada e em primeira mão, e desejo que a expe-riência permaneça nos corações e práticas de quem viveu e no aprendizado de quem, como eu, teve o privilégio de ler.

Que a luta cotidiana seja permeada de sonho e alegria!Boa leitura!

REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade em Saúde Coletiva: formação ou subversão (ou um barato?). Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1-2, 1997.

ALMEIDA FILHO, N. Intersetorialidade, transdisciplinaridade e saúde coletiva: atualizando um debate em aberto. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, nov./dez. 2000.

ALMEIDA FILHO, N. Universidade nova: textos críticos e esperançosos. Brasília: UnB, 2007.

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14 sobre a ousadia da construção coletiva de novas práticas de educação na saúde

CECCIM, R. B.; FERLA, A. A. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, 2008.

SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.

SANTOS, B. S. A universidade no século XXI. São Paulo: Cortez, 2005.

SANTOS, L. Educação e trabalho na saúde coletiva brasileira: estudo de caso sobre a criação dos cursos de Graduação na área de Saúde Coletiva nos cenários nacional e local. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA). Salvador, 2014.

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APRESENTANDO UM POUCO DA NOSSA HISTÓRIA...

“Aqui vos venho falar de uma terra distante, difícil de encontrar.Um povo acolhedor com carinho e muito amor para dar e emprestar.

É uma gente diferente, de vários setores carentes, mas muito de se admirar... ‘apôis’Que não é fácil a ‘lida’, ainda há quem não tenha água e comida e assim a delatar.

O trabalho é puxado, sol a sol, no capinado e pouco tempo para se cuidar.Apesar de pequena, só para exemplificar, já veio roubar os problemas da nossa ‘capitá’.

Mas o cuidado com devoção usa a fé e a tradição e o saber popular.A gente ensina e aprende, conhecimento é para compartilhar.”

(Yuri Dias da Silva, ex-aluno UFBA/IMS, ex-petiano e enfermeiro).

Foi na região sudoeste do estado da Bahia, no sertão, no semiárido, que tudo começou... Um município que se destacou no cenário nacional, pela inovação e avanços nos serviços de saúde desde o final da década de 1990, devido à expan-são dos serviços da Atenção Primária a Saúde (APS) como eixo estruturante de um novo modelo de atenção. Com a implantação, em 2006, de um campus avan-çado da Universidade Federal da Bahia – o Instituto Multidisciplinar em Saúde, Campus Anísio Teixeira (IMS/UFBA) – somado às ações já desenvolvidas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), o município de Vitória da Conquista tornou-se um polo de educação e referência no setor saúde para todo o interior da Bahia.

Desse modo, não poderia ser diferente seu envolvimento na proposta de mudanças no modelo de formação em Saúde e de (re)significação das práticas profissionais sustentadas pelo ideal da integralidade da atenção e da longitudi-nalidade do cuidado. Assim, estabelecida a parceria entre as Instituições de En-sino Superior (IES) e a Secretaria Municipal de Saúde, deu-se início, em 2008,

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o processo de mudança do modelo de formação em saúde vigente e de qualifica-ção dos profissionais da rede Sistema Único de Saúde (SUS) municipal.

Será relatada neste livro a experiência exitosa do Pró-Saúde e do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), vivenciada por atores so-ciais locais que estão em constante construção.

As vivências aqui apresentadas buscaram a consolidação da integração ensi-no-serviço-comunidade, de modo a favorecer a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, os pilares das IES. Nessa perspectiva, o caminho percor-rido pelas histórias aqui contadas se propôs a reorientar o processo de forma-ção dos futuros profissionais de saúde, de modo a responder as necessidades de saúde loco-regionais, bem como potencializar os processos de educação perma-nentes dos profissionais da rede SUS e ampliar a duração da prática educacio-nal na rede pública de serviços básicos de saúde, tripé que rege os princípios da proposta do Pró-Saúde.

A inserção de discentes dos cursos de graduação em Saúde nos serviços da APS e em outros níveis do sistema local de saúde, orientados por preceptores que se constituíam de profissionais da rede SUS do município e por tutores do-centes das IES, impulsionou o estabelecimento da relação de rede entre os ser-viços, além de permitir aos estudantes a compreensão da lógica da universali-zação, descentralização, hierarquização, integralidade, continuidade dos cuida-dos e responsabilização.

Durante a execução das propostas do PET, também foram desenvolvidas pesquisas conduzidas pelos docentes das IES em parceria com os profissionais da rede de serviços e discentes.

O grande diferencial dessa proposta é fomentar pesquisas e produção de novos saberes em uma lógica a qual rompe com o modelo científico tradicional positivista. Um novo modo de fazer ciência que valoriza a realidade e necessida-des de saúde da população local. Desse modo, as pesquisas desenvolvidas pro-duziram novos conhecimentos a partir da APS e em outras áreas estratégicas, de acordo com as necessidades em saúde regional.

O objetivo deste livro é proporcionar um registro da experiência do Pró--Saúde e PET no município de Vitória da Conquista e estimular as discussões sobre a formação em saúde.

O Pró-Saúde e PET são instrumentos para a consolidação das mudanças atuais no processo formativo para os cursos, permitindo a formação focada em dimensões históricas, econômicas, sociais e culturais da população.

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apresentando um pouco da nossa história... 17

Durante as vivências, foi possível desenvolver habilidades com os docen-tes, profissionais de saúde e discentes para conduzir atividades com a comu-nidade que potencializaram práticas de promoção da saúde. Os discentes ti-veram a oportunidade de, durante o seu processo de formação, vivenciar a realidade dos serviços de saúde adequando sua prática para atender as neces-sidades da comunidade.

As relações de parcerias estabelecidas entre as IES, os serviços, a gestão e a sociedade possibilitaram o desenvolvimento de novas formas de interven-ção, incorporação de novas tecnologias e desenvolvimento de indicadores para o monitoramento da resolubilidade da atenção, fazendo com que esses atores atuem como corresponsáveis pela consolidação do SUS.

Outro avanço foi a expansão das universidades para além dos seus muros, extrapolando os limites dos laboratórios e salas de aula, fortalecendo e valori-zando as atividades de extensão. No sentido inverso, o acolhimento da socieda-de dentro do espaço da universidade com a participação da comunidade externa à mesma em atividades como seminários, sessões comentadas de cinema e fei-ras expositivas estimulou a aproximação do cidadão a um novo espaço coletivo de divulgação de novos conhecimentos.

Dessa forma, as histórias aqui reunidas foram escritas por discentes, do-centes, profissionais da saúde, gestores da saúde, conselheiros municipais, a fim de “dar vida” as “experimentações coletivas” vivenciadas na articulação entre a academia, os serviços e a comunidade.

Este livro foi dividido em duas partes.Na primeira parte, denominada “Dimensão teórica: horizontes e proposi-

ções”, relata-se, em cinco capítulos, a história do Pró-Saúde e PET no municí-pio de Vitória da Conquista, discutindo a dimensão ideológica desta desafia-dora proposta de tentar contribuir com a consolidação de uma atenção à saúde contínua e integral, tendo os serviços de APS como coordenadores dessa rede. Ainda nessa parte do livro, são apresentadas as contribuições do PET para o fortalecimento do SUS municipal e o “olhar discente” sobre essa nova forma de “aprender fazendo”, a qual permeabiliza novos formatos de relações pedagógi-cas entre o professor e o aluno em busca de uma lógica do aprender e ensinar, comprometida com os aspectos sociais.

Na segunda parte do livro, intitulada “Dimensão prática: territórios e ações”, são revelados os relatos de experiências vivenciados e conduzidos pe-los grupos tutoriais do PET. Nela, expõe-se a condução de trabalhos educativos

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realizados com grupos específicos: experiências inovadoras de fazer educação em saúde que extrapolam o formato de palestras e salas de espera. São apresen-tados, também, os desafios de se trabalhar em um território de saúde na lógica da Estratégia Saúde da Família (ESF), as especificidades em saúde nas áreas ru-rais e a diversidade desse público, a fitoterapia e o saber popular tradicional e o olhar do cinema no desenvolvimento de discussões temáticas inerentes à saúde mental, a redes de atenção à saúde. Além disso, relata-se a inovação de incorpo-rar discentes em atividades de planejamento, avaliação e monitoramento con-duzidas em parceria com a gestão municipal de saúde.

Assim, busca-se, no decorrer dos capítulos, apresentar as propostas e ações desenvolvidas no sistema local em atividades de vivência e pesquisa nos cená-rios de prática, refletir os seus impactos na formação discente, a qualificação do profissional de saúde no seu cotidiano, a ressignificação do papel do tutor/pro-fessor e o despertar para a necessidade de mudanças curriculares e pedagógicas nos cursos de graduação das IES.

Esperamos que a leitura deste livro desperte no leitor a motivação em ten-tar fazer diferente, em reconstruir sua história enquanto profissional, em es-tabelecer um novo modelo de ensino, com novas relações pedagógicas entre o professor e o aluno, em desejar e trabalhar para ser um profissional o qual faz a diferença e acredita que, apesar da luta árdua e contínua, trabalhando em cole-tividade, é possível fazer acontecer um SUS que dá certo... Como nas histórias aqui contadas.

A comissão organizadora,

Nília Maria de Brito Lima PradoEdi Cristina ManfroiElvira Caires de Lima

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DIMENSÃO TEÓRICAHORIZONTES E PROPOSIÇÕES

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ELVIRA CAIRES DE LIMA, JOSÉ PATRÍCIO BISPO JÚNIOR

Seria impossível pensar a existência de sistemas de saúde sem a presença dos profissionais da saúde. Ainda que as práticas sanitárias envolvam um conjunto elevado de recursos e insumos – a exemplo de equipamentos, aparelhos diagnós-ticos, medicamentos e outros –, estes ocupam sempre lugar secundário frente à primazia da conduta dos profissionais. Existe uma assertiva bastante difundida entre trabalhadores e gestores do setor que aponta: não se faz saúde sem gente. Tal expressão ilustra de maneira clara e direta que o principal recurso e instru-mento do fazer em saúde são os trabalhadores.

Conforme destacam Campos e colaboradores (2008), o trabalho em saú-de se baseia, necessariamente, no elemento humano, ou seja, na capacidade de escutar, refletir, agir e ter a sensibilidade para entender a dinamicidade e com-plexidade dos determinantes do processo saúde-doença-cuidado. Frente a esse contexto, a formação dos profissionais de saúde apresenta-se como de essen-cial importância para o desenvolvimento e manutenção de um sistema público de saúde. É durante o período de formação que o futuro profissional adquirirá habilidades e conhecimentos básicos os quais o acompanharão durante toda a vida, embora esse saber não possa, de forma alguma, ser considerado comple-to e acabado. Espera-se também que, nesse período, além das especificidades e

PRÓ-SAÚDE E PET-SAÚDE EM VITÓRIA DA CONQUISTAavanços e desafios do modelo de formação

CAPÍTULO I

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domínios técnicos de cada profissão, o estudante possa compreender os propó-sitos e a dinâmica do sistema de saúde, e, sobretudo, desenvolver atitudes e va-lores ético-sociais inerentes às profissões de saúde.

Assim, como afirma Bispo Júnior (2009), a formação dos profissionais de saú-de deve estar em sintonia com a realidade dos modelos de atenção à saúde, com o perfil epidemiológico da população e ocorrer articulada com os profissionais dos serviços e em diálogo com as comunidades. Entretanto, isso não ocorre de manei-ra automática. Não raro, as instituições de ensino em saúde ainda reproduzem um modelo de formação baseado na realidade de décadas passadas e, portanto, des-contextualizado das necessidades e desafios contemporâneos. Por exemplo, a rea-lidade dos novos problemas de saúde é radicalmente diferente dos agravos preva-lentes há 30 ou 40 anos. Hoje, as doenças crônicas não transmissíveis exigem abor-dagens e intervenções diferentes das doenças infecciosas e parasitárias. O foco da intervenção em saúde não se restringe mais à abordagem curativa, medicamentosa e focada no ambiente hospitalar. Para as doenças da modernidade não se busca a cura, mas, sobretudo, o cuidado contínuo, o que demanda uma lógica diferente de organização da atenção à saúde e das abordagens dos profissionais.

Era de se esperar que o ensino da saúde acompanhasse rapidamente todas essas mudanças. No entanto, se observa ainda grande defasagem entre o que se ensina nos cursos de graduação em saúde e a realidade vivenciada no cotidiano dos serviços ou no seio das comunidades. (CAMPOS et al, 2008) Nesse senti-do, a reorientação da formação dos profissionais de saúde apresenta-se como condição essencial para o aprimoramento dos níveis de saúde da população e para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, embora sem-pre tenha existido a preocupação sobre a importância da formação dos profis-sionais de saúde, as parcas iniciativas governamentais e a lentidão da academia sempre se constituíram em entraves para uma educação articulada com a reali-dade dos serviços, conforme destaca Bispo Júnior (2009).

Em períodos mais recentes, a publicação das novas diretrizes curriculares dos cursos de graduação em Saúde se constituiu em importante avanço na for-mação dos profissionais. A partir de 2002, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou diretrizes curriculares para todas as 12 graduações em saúde. Não obstante as especificidades de cada curso, em todas as diretrizes aparecem como elementos comuns da formação: o perfil generalista, a adoção da integra-lidade como eixo orientador e a necessidade de formar profissionais compro-metidos com os princípios do SUS.

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Todavia, a simples publicação de novas diretrizes curriculares, por si só, não se constitui em garantia de efetivação das mudanças. Com um novo governo ini-ciado em 2003, ocorreram alterações significativas na direcionalidade das polí-ticas de formação e desenvolvimento para a qualificação do trabalho em saúde. (TEIXEIRA et al., 2012) A criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde constitui-se em marco indutor para orientação de políticas nacionais com maior nível de instituciona-lidade e, principalmente, estimulou a adoção de mecanismos desencadeadores de políticas de formação dos profissionais de saúde sintonizada com os novos modelos de atenção. (PINTO, 2014)

Na agenda da educação superior, as políticas passam a se articular na lógica do binômio ensino-serviço. Observa-se nesse período a aproximação e o desen-volvimento de ações conjuntas entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação (MEC). Embora possa parecer lógica e natural a atuação organizada entre os dois ministérios, até então, cada um atuava de maneira independente com ações fragmentadas e desconexas. Tal distanciamento mostra-se incompa-tível com o desenvolvimento de políticas de formação superior contextualiza-das com a realidade do SUS.

Por sua própria natureza, a formação dos profissionais de saúde guarda a peculiaridade de necessariamente desenvolver-se na articulação dos sistemas educacional e da saúde. Isso porque as universidades são componentes do sis-tema educacional, no entanto, os profissionais são formados para atuar no sis-tema de saúde. Por outro lado, de acordo com a própria Lei Orgânica da Saúde, cabe ao SUS atuar na formação de recursos humanos. Por sua vez, as atividades práticas do processo de formação, embora sejam de responsabilidade das insti-tuições de ensino, são desenvolvidas nas unidades e serviços de saúde. Assim, a educação superior em saúde não pode prescindir da articulação entre ensino e serviço. (BRASIL, 1990)

A partir dessa compreensão é que foi criado, em 2005, o Programa de Reo-rientação da Formação dos Profissionais de Saúde (Pró-Saúde), numa articula-ção entre a SGTES do Ministério da Saúde e a Secretaria de Educação Superior (SESu) do MEC. Silva e colaboradores (2012) explicam que a proposta levou em conta os pressupostos apontados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo CNE para as profissões de saúde, bem como o desenvolvi-mento de práticas sanitárias mais contextualizadas às necessidades da popula-ção, contribuindo para uma atenção à saúde de melhor qualidade.

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Em 2007, o Ministério da Saúde, em parceria com o MEC, lançou a publi-cação “Pró-Saúde: objetivos, implementação e desenvolvimento potencial”. De acordo com a obra, o Pró-Saúde surge numa perspectiva de desempenhar papel indutor na transformação do ensino em saúde no Brasil. A lógica de atuação baseia-se principalmente no apoio técnico e financeiro às instituições de ensi-no que estejam dispostas a enfrentar os processos de mudança. Tem como eixo central a integração ensino-serviço, com a consequente inserção dos estudantes no cenário real de práticas, que é a rede SUS, com ênfase na Atenção Primária à Saúde (APS), desde o início da formação.

Segundo a publicação, os principais objetivos do Pró-Saúde são: 1) reorien-tar o processo de formação dos profissionais da saúde, de modo a oferecer à so-ciedade profissionais habilitados para responder às necessidades da população brasileira e à operacionalização do SUS; 2) estabelecer mecanismos de integra-ção entre os serviços de saúde e as instituições de ensino, visando à melhoria da qualidade e à resolubilidade da atenção prestada, e potencializar os proces-sos de educação permanentes dos profissionais da rede; 3) ampliar a duração da prática educacional na rede pública de serviços básicos de saúde.

Ainda no texto, três eixos de ações são propostos para a estruturação do Pró-Saúde:

• Eixo A – orientação teórica;

• Eixo B – cenários de prática;

• Eixo C – orientação pedagógica.

Vejamos do que se trata cada um deles:O eixo da orientação teórica pressupõe transformar a formação centrada

nos aspectos biológico-curativos para um modelo de formação orientado para promoção da saúde. A maior parte dos cursos de Saúde ainda mantém a for-mação focada na doença e desarticulada do sistema de saúde público vigente. Esse modelo mostra-se limitado para abordar a complexidade do processo saú-de-doença-cuidado e, na maioria das vezes, está dissociado do contexto social. Assim, a orientação teórica dos cursos deve embasar-se nos aspectos relativos aos determinantes sociais da saúde e levar em consideração o conceito ampliado de saúde, com o propósito de abordar os problemas de saúde de maneira abran-gente e integral.

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O eixo do cenário de práticas pressupõe uma diversificação no locus onde ocorre o aprendizado prático dos estudantes, com a progressiva desospitaliza-ção do ensino em saúde. Assim como a lógica dos novos modelos de assistên-cias pressupõe a mudança do cenário hospitalar-curativo para o ambulatorial e de acompanhamento continuado, também as práticas formativas em saúde de-vem enfocar o ambiente da Atenção Primária como cenário privilegiado para o aprendizado. Tal tendência desencadeia a diversificação dos espaços de apren-dizagem, visto que as práticas poderão desenvolver-se nas unidades de saúde, nas comunidades e nos domicílios. Dessa forma, esse eixo possibilita uma for-mação coerente com os atuais modelos de atenção, assim como possibilita uma formação mais contextualizada com realidade socioeconômica e com os proble-mas de saúde locais. A vivência e interação dos estudantes nas unidades de saú-de e com as populações deve ocorrer desde o início do processo formativo e não apenas ao final do curso, o que possibilita reflexões e atitudes sobre problemas reais e amplos das comunidades.

O eixo da orientação pedagógica busca superar as práticas de transmissão vertical do conhecimento para as metodologias ativas de aprendizagem. Nas prá-ticas tradicionais, o professor “dador de aula” é aquele que sabe e tem a respon-sabilidade de transmitir os conhecimentos aos estudantes, tido como elementos passivos na prática do ensino. As metodologias ativas propõem a inversão dessa lógica, em que os estudantes passam a ocupar o lugar de sujeitos na construção do conhecimento e o professor passa a ocupar a função de facilitador e orienta-dor desse processo. O aprendizado a partir de situações e problemas reais verifi-cados no cotidiano dos serviços orientará a busca do conhecimento e habilidades necessárias para as intervenções dos casos, tanto do ponto de vista da clínica in-dividual quanto sobre os determinantes sociais do problema.

A partir da articulação e integração entre esses três eixos, o Pró-Saúde bus-ca provocar uma inflexão no modelo de formação tradicional que se mostra inadequado e pouco efetivo frente à realidade epidemiológica e social do país. Além de apoiar as instituições de ensino superior no processo de reorientação da formação dos profissionais de saúde, o Pró-Saúde também estimula o de-senvolvimento de pesquisas e a produção de novos conhecimentos na Atenção Primária e no ambiente comunitário. Além do mais, a maior presença de pro-fessores e estudantes nos serviços de saúde proporciona a ampliação da oferta de serviços na rede do SUS, contribuindo para o atendimento integral e resolu-tividade do sistema.

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PRÓ-SAÚDE E PET-SAÚDE EM VITÓRIA DA CONQUISTA – BA

O Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMS/UFBA) foi criado em 2006, no bojo da proposta de expansão das universidades pú-blicas federais. O Instituto nasce com o propósito de formar profissionais de saúde comprometidos com os princípios do SUS. O IMS/UFBA pretende se constituir como cenário que extrapole os limites técnico-científicos do ensino das graduações e forme profissionais imbuídos de responsabilidade social e sujeitos crítico-refle-xivos. Atualmente, o instituto oferece à comunidade da macrorregião sudoeste da Bahia seis cursos de graduação (Enfermagem, Nutrição, Psicologia, Biologia, Far-mácia, Biotecnologia), e está em fase de implantação do curso de Medicina. O IMS/UFBA possui, também, dois programas de pós-graduação strictu sensu nas áreas de Ciências Fisiológicas e Biociências, além do recente mestrado em Saúde Coletiva.

A opção pelo município de Vitória da Conquista para acolher o campus uni-versitário se deu em virtude da representatividade do município na macrorre-gião sudoeste e pelos considerados avanços do SUS municipal. O município, desde 1997, promoveu uma reorganização dos seus serviços de saúde. Foi prio-rizada a APS como eixo estruturante de um novo modelo de atenção. (VITÓ-RIA DA CONQUISTA, 2014)

Atualmente, Vitória da Conquista é a terceira maior cidade do estado da Bahia, com população estimada em 340 199 habitantes. (IBGE, 2015) É muni-cípio de referência para prestação de serviços de saúde para aproximadamente 73 municípios circunvizinhos e população de influência de cerca de 2 milhões de habitantes. (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2014) Também se destaca como referência na área da educação por possuir, além do IMS/UFBA, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e o Instituto Federal de Ensino, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), além de quatro outras instituições de ensino su-perior privadas com cursos de graduação na área de saúde.

Os três primeiros cursos do IMS/UFBA – Enfermagem, Farmácia e Nutri-ção – foram implantados utilizando-se de matrizes curriculares tradicionais e rígidas. Era nítida a contrastante dicotomia entre o desejo de se formar profis-sionais orientados pelo modelo de promoção da saúde e comprometidos com SUS e a estrutura curricular vigente. Com o início das atividades, percebeu-se a necessidade de promover reformulações curriculares e estimular ações as quais viabilizassem a formação de profissionais habilitados a trabalhar com as reais necessidades de saúde da população.

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Assim, frente à necessidade de mudança no modelo de formação em saúde, o IMS/UFBA, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), ade-riu, em 2007, a proposta do Pró-Saúde II. Essa primeira experiência foi marca-da pela aproximação entre gestores municipais e a Universidade. A cooperação entre as entidades proponentes visava à inserção precoce dos estudantes no co-tidiano dos serviços de saúde e melhoria da qualidade dos serviços prestados a comunidade. Pode-se afirmar que a grande contribuição do Pró-Saúde II foi promover a articulação entre os cursos de graduação do IMS/UFBA e estimular a criação e ampliação, dentro das disciplinas curriculares, de vivências na rede de serviços do SUS. Para tanto, foram realizadas atividades de sensibilização dos docentes e estudantes por meio de rodas de conversa e seminários. Essa estratégia buscou despertar a compreensão da necessidade de novas práticas educacionais capazes de contribuir não apenas com a formação técnica de exce-lência do profissional, mas que possibilite uma formação contextualizada com a realidade social da população brasileira.

Em 2008, o Ministério da Saúde e o MEC instituíram o PET-Saúde como es-tratégia para ampliar as ações do Pró-Saúde. O IMS/UFBA também aderiu a essa proposta, manteve a parceria com a SMS e incluiu a participação da UESB. Foram envolvidos nessa proposta os cursos de graduação em Enfermagem, Nutrição e Farmácia do IMS/UFBA e o curso de Medicina da UESB. Com a criação de gru-pos tutorias, a proposta de um novo modelo de formação em saúde se fortaleceu. Isso porque a inserção dos alunos na rede de serviços, a partir da articulação com as disciplinas curriculares dos cursos de graduação, enfrentou várias dificuldades decorrentes da estrutura disciplinar fragmentada e da rigidez dos horários de sala de aula. Ademais, havia dificuldades de supervisão e acompanhamento dos discen-tes nos campos de prática. Como os grupos Programa de Educação pelo Trabalho e Saúde (PET-Saúde) são constituídos por um professor-tutor, por preceptores da rede de serviços do SUS e por estudantes, a vivência e acompanhamento dos estu-dantes no serviço foram facilitados. Associado a isso, desencadeou-se um proces-so de qualificação dos profissionais da rede SUS, especialmente os preceptores dos discentes, os quais passaram a estar em constante contato com a academia.

Com a estruturação do PET-Saúde, houve um estímulo ao desenvolvimento de atividades interdisciplinares, pois suas ações envolviam os estudantes dos di-versos cursos de graduação das IES, diferentes categorias entre os profissionais dos serviços e docentes. Essa experiência incita a reflexão sobre o modelo peda-gógico que, corriqueiramente, vem sendo adotado pelas instituições de ensino.

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O modelo ensino-aprendizagem tradicional se estrutura a partir de barreiras rígidas do conhecimento, demarcada por campo de saberes com limites bem definidos e, muitas vezes, inflexíveis. O ensino-aprendizagem construído nesse molde resulta na formação de profissionais com visão restrita a sua área de co-nhecimento, inflexível a mudanças e distante da realidade dos serviços de saúde. O PET-Saúde viabilizou aos docentes envolvidos a possibilidade de repensar os limites disciplinares e diversificar os cenários de aprendizagem, promovendo a desinstitucionalização dessas práticas. (BRASIL, 2007) Do mesmo modo, per-mitiu aos estudantes e profissionais de saúde vivenciar, no cotidiano dos servi-ços, a construção interdisciplinar do cuidado em saúde.

As experiências positivas do PET-Saúde foram ampliadas com a adesão ao PET-Saúde da Família, em 2009, e ao PET-Vigilância em Saúde (PET-VS), em 2010. O PET-Saúde da Família foi constituído por cinco grupos tutorais e suas ações estavam estruturadas em dois vetores principais: 1) as vivências dos estudantes na realidade da Estratégia de Saúde da Família (ESF), o que possibilitou o aprendizado pela prática, a maior oferta de serviços, o desen-volvimento de ações de educação em saúde, dentre outros; 2) desenvolvimen-to de um leque de pesquisa sobre os serviços de atenção primária e as condi-ções de saúde das comunidades.

Por sua vez, o PET-VS foi constituído por três grupos tutoriais. O primei-ro grupo teve como eixo de atuação a vigilância epidemiológica da violência doméstica e sexual, com a proposta de implementar uma rede de notificação e atenção às vítimas da violência. O segundo grupo trabalhou com a vigilância ambiental, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento e implementa-ção do Plano de Gerenciamento de Resíduos em Serviços de Saúde (PGRSS) do município. O último grupo contemplado no PET-VS também atuou na área de vigilância epidemiológica e realizou o monitoramento de famílias com histó-rico de sífilis na gestação entre os anos 2000 e 2008.

A inovação que o PET-VS possibilitou foi a inclusão de mais três cursos de graduação do IMS/UFBA (Psicologia, Biologia e Biotecnologia) e a ampliação dos cenários de vivência para além da ESF. Os estudantes passaram a vivenciar a experiência do setor da vigilância à saúde, com atividades na vigilância epide-miológica, vigilância sanitária, vigilância ambiental e no Centro de Referência DST/HIV/AIDS (Caav). Foi possível estabelecer a articulação entre os serviços de vigilância à saúde e da APS, incorporando a abordagem integral ao processo saúde doença e estimulando a construção do trabalho em rede.

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A reorientação do processo de formação proposto pelo Pró-Saúde, fortale-cida pela estruturação dos grupos PET-Saúde, foi ampliada e robustecida com a articulação das duas propostas em um único edital, em 2012. Com a manu-tenção das articulações já estabelecidas entre o IMS/UFBA, a UESB e a SMS, o novo projeto do Pró-Saúde/PET-Saúde de Vitória da Conquista foi aprovado e contemplado com cinco grupos de aprendizagem tutorial. Quatro deles man-tiveram seus cenários de aprendizagem na ESF, em que foram desenvolvidas vivências no cotidiano das práticas profissionais e pesquisas a partir das deman-das e necessidades dos serviços. Outro grupo estabeleceu como eixo de atuação práticas na vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, através da preven-ção e monitoramento da dengue no município. Destaque-se que entre os gru-pos que mantiveram vivências na ESF, dois deles conseguiram expandir seus cenários de prática incorporando outros níveis de assistência, através de práti-cas em um hospital especializado em saúde da mulher e da criança e no Centro de Apoio Psicossocial (Caps).

A proposta articulada do Pró-Saúde e PET-Saúde impactou de forma po-sitiva na condução do processo da reorientação curricular dos cursos de gra-duação envolvidos. Uma vez que, com sua consolidação enquanto política ins-titucional, passou a existir maior envolvimento acadêmico com a proposta de novas práticas de ensino. Somado a isso, foi desencadeado por todos os cursos de graduação do IMS/UFBA processos de reformulação de suas respectivas matrizes curriculares.

As experiências positivas do Pró-Saúde/PET-Saúde foram utilizadas como estratégia para sensibilizar a comunidade acadêmica da necessidade de novos modelos ensino-aprendizagem os quais promovam a integração disciplinar, aprendizagem ativa e integração da universidade com os serviços de saúde. Para tanto, foram realizados, de maneira sistemática, seminários com objetivo de dar visibilidade a novos modelos pedagógicos, promover a qualificação dos profis-sionais de saúde e avaliar as atividades desenvolvidas. Com essas experiências, pretendeu-se fortalecer o processo de educação permanente e integrar os pro-fissionais do serviço e novos docentes na proposta desafiadora de mudança no modelo de formação profissional.

Paralelo à execução do Pró-Saúde/PET-Saúde, foram aprovados mais dois projetos: o PET-VS e PET-Redes de Atenção. O PET-VS foi contemplado com dois grupos tutoriais que trabalham com a vigilância do câncer na APS e com a melhoria da informação e redução da mortalidade infantil. O PET-Redes

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foi contemplado com quatro grupos tutoriais. São eles: 1) Rede de atenção às pessoas com doenças crônicas: cuidado integral para a prevenção e tratamen-to em cânceres cérvico-uterino e digestivo; 2) Rede de atenção às urgências e emergências: acolhimento com classificação de risco; 3) Rede cegonha: direi-tos reprodutivos e sexuais através do acesso ao planejamento familiar na APS; 4) Rede de atenção psicossocial: prevenção e controle do tabagismo – ênfase em ações de descentralização à saúde mental.

O PET-Redes surge como uma estratégia que visa contribuir na construção e consolidação de uma rede de atenção à saúde integrada, com cuidados coor-denados por profissionais da APS. Desse modo, os grupos tutoriais integram obrigatoriamente profissionais da ESF e dos demais níveis de atenção. Outra inovação refere-se à ampliação da parceria entre as IES e a rede SUS, incluindo, além da SMS, a Secretaria Estadual de Saúde da Bahia (Sesab). Assim, observa--se uma nova configuração do trabalho do Pró-Saúde/PET-Saúde muito mais articulado e com amplitude dos serviços de saúde em que ocorrem as vivências dos estudantes, o que também potencializa a abordagem integral sobre o pro-cesso saúde-doença-cuidado.

Outro ponto que fortalece a proposta do Pró-Saúde/PET-Saúde é a Comis-são Gestora Local (CGL), que é um órgão deliberativo o qual integra represen-tantes docentes, discentes, preceptores, gestores, usuários do serviço e repre-sentante dos colegiados dos cursos de graduação. A CGL tem funcionado como um espaço de discussão, negociação e deliberação relacionadas a demandas dos grupos de aprendizagem tutorial, utilização de recurso do Pró-Saúde, seleção de estudantes e preceptores e articulação com os colegiados de curso. Apesar da conquista de um espaço democrático e deliberativo de negociação, a CGL ainda precisa ser fortalecida e reconhecida no espaço acadêmico como indutora de mudança no processo de formação.

Percebe-se com o Pró-Saúde/PET-Saúde um crescente movimento de re-estruturação dos modelos de ensino-aprendizagem e das práticas dos profis-sionais da rede SUS em Vitória da Conquista: os espaços de trabalho foram ampliados, a articulação entre universidade e os serviços de saúde aumentaram, a autonomia dos estudantes fortaleceu, estimulando a formação de profissio-nais critico-reflexivos e o processo de educação permanente dos profissionais de saúde foi estimulado. Desse modo, se reconhece a contribuição da proposta do Pró-Saúde/PET-Saúde com a construção de um novo modelo de formação pautado em metodologias ativas, inserção precoce do estudante nos cenários

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do SUS e qualificação profissional. Não obstante aos avanços e conquistas ob-servados, são ainda enormes os desafios para consolidação dos novos modelos e ensino aprendizagem.

AVANÇOS E DESAFIOS PARA A CONSOLIDAÇÃO DOS NOVOS MODELOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Ao longo dos cinco anos de consolidação da experiência do Pró-Saúde/PET--Saúde, tem-se percebido os impactos na condução de novos modelos pedagó-gicos de educação. A inserção precoce do estudante de graduação em saúde nos cenários do SUS tem permitido um aprendizado construído em vivências reais – educação pelo trabalho – e produzido como resultado um profissional mais sensível às demandas da comunidade e mais preparado para enfrentar os desa-fios inerentes a consolidação do sistema de saúde brasileiro.

Os novos métodos de ensino-aprendizagem construídos pelas experiências dos grupos tutoriais estimularam a construção de novas práticas pedagógicas dentro das disciplinas curriculares dos cursos de graduação. No entanto, a ex-pansão desses caminhos alternativos de aprendizagem ainda se limita a discipli-nas ministradas por docentes vinculados ao Pró-Saúde/PET-Saúde. Portanto, faz-se necessário intensificar o processo de discussão do modelo de formação dentro dos processos de reformulas curriculares dos cursos de graduação.

É importante destacar que, apesar dos avanços, ainda é um desafio supe-rar o modelo de aprendizagem fragmentado, disciplinar fundamentado no pa-radigma flexneriano. Essa forma de construção do conhecimento tem provoca-do a valorização das superespecialidades e das tecnologias duras. Esse formato pedagógico de ensino se opõe as novas demandas dos serviços de saúde e, nesse contexto, emerge com urgência a necessidade de alinhar a prática de formação a proposta de valorização da promoção da saúde e da abordagem integral do pro-cesso saúde doença. (SILVA et al., 2012)

Uma alternativa para superar a fragmentação do ensino na área da saúde é a proposta da integração curricular. Os currículos integrados visam promo-ver a articulação entre teoria e prática, entre os conteúdos do ciclo básico e os profissionalizantes. Para tanto, nos processos de reformulação curriculares dos cursos do IMS/UFBA, estão propostos componentes curriculares integrado-res, com o objetivo de articular e integrar os diversos saberes das disciplinas de um mesmo período letivo.

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Outro avanço conquistado com a experiência do Pró-Saúde/PET-Saúde foi a aproximação entre a universidade e os serviços de saúde. O aprimoramento dessa interlocução contribuiu para fortalecer o equilíbrio do tripé ensino-pes-quisa-extensão, no qual se fundamenta a universidade. A consolidação das vi-vências nos cenários do SUS robustece e promove visibilidade das práticas de extensão universitária, muitas vezes desvalorizada em detrimento das práticas de pesquisas e de ensino.

Os resultados já alcançados com o Pró-Saúde/PET-Saúde também têm moti-vado e instigado os profissionais da rede SUS a aprimorarem suas práticas e se en-volverem em atividades de pesquisa e produção do conhecimento científico. To-davia, apresenta-se ainda como desafio a necessidade de estruturação e desenvol-vimento de uma política municipal de educação permanente em saúde, a fim de intensificar o aprendizado em serviço, não apenas com as experiências da precep-toria. O aprendizado a partir da prática pressupõe a utilização das vivências como ato educativo, contudo, isso deve ocorrer de maneira sistematizada e com suporte técnico pedagógico da secretária municipal de saúde e das instituições de ensino.

Diante das grandes conquistas promovidas pela experiência do Pró-Saúde/PET-Saúde, é evidente a necessidade de manutenção e ampliação desse novo mo-delo de ensino-aprendizado. Todavia, existe uma inquietação em relação à susten-tabilidade dessa proposta, tendo em vista que sua execução até o momento envol-veu o financiamento de suas ações por intermédio de recursos do Ministério da Saúde destinados às universidades e aos serviços de saúde, assim como a dispo-nibilização de bolsas para docentes, discentes e profissionais da rede. Acredita-se que uma das alternativas para a sustentabilidade da integração ensino-serviço-co-munidade seja fortalecer os mecanismos de participação social como conselhos de saúde e a CGL e buscar a institucionalização da proposta através da inserção desta como política estrutural das universidades e secretarias de saúde.

REFERÊNCIAS

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PINTO, I. C. M. De recursos humanos a trabalho e educação na saúde: o estado da arte no campo da saúde coletiva. In: PAIM, J.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde Coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: MedBook, 2014.

SILVA, M. A. M. da et al. O Pró-Saúde e o incentivo à inclusão de espaços diferenciados de aprendizagem nos cursos de odontologia no Brasil. Interface – Comunicação Saúde, Educação, Botucatu, SP, v. 16, n. 42, 2012.

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NÍLIA MARIA DE BRITO LIMA PRADO, POLIANA CARDOSO MARTINS

REFLETINDO AS NECESSIDADES EM SAÚDE NA FORMAÇÃO SUPERIOR EM SAÚDE

Diante dos desafios do mundo globalizado, a educação manifesta a necessida-de de romper com modelos tradicionais para o ensino. Na sociedade atual, a formação profissional em Saúde tem sido pautada pelo paradigma flexneriano, como herança de um modelo de ensino médico, que prioriza a fragmentação do indivíduo e a consequente superespecialização profissional. Nesse exercício, evidencia-se uma dissociação entre teoria e prática, entre o ciclo básico e clíni-co, com predomínio de aulas teóricas e acúmulo de conhecimentos especializa-dos, desumanização no cuidado e descontextualização da prática, característi-cas que vêm definindo a estrutura das matrizes curriculares de muitos cursos de formação superior no Brasil e no mundo. (ALMEIDA FILHO, 2011)

Esse “modelo” de formação profissional em saúde passou a nortear pri-mordialmente a formação do graduando em Medicina, contudo, vem continua-mente sendo impresso no próprio processo de trabalho médico, com reflexo na formação e exercício dos demais profissionais de saúde. Como consequência,

ITINERÁRIOS TRANSFORMADORES NO SEMIÁRIDO BAIANOo PET-Saúde e as mudanças na práxis

CAPÍTULO II

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formam-se profissionais de Saúde passivos, com uma atuação predominante-mente centrada nas práticas hospitalares, individualistas e com enfoque na es-pecialização e subespecialização, e com atitudes que favorecem a “mercantiliza-ção da saúde” e incentiva a medicalização excessiva. (LAMPERT, 2002)

Tendo em vista os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), faz-se necessário estabelecer uma nova lógica. Nesse sentido, a integralidade deve ser um dos pilares que alicerça a formação em saúde, oportunizando a vi-vência da prática acadêmica e favorecendo a reflexão sobre a realidade, ou seja, instigando mudanças no cotidiano das práticas de saúde.

O atual processo de reorganização do sistema de serviços de saúde no Brasil favorece a discussão e implementação de estratégias com o objetivo de preparar os futuros profissionais de saúde para atender a uma nova práxis sanitária. Pro-picia, portanto, uma formação de sujeitos capazes de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações e em sua complexidade. Uma formação em saúde que perceba o valor da interdisciplinaridade e a necessida-de de situar a importância da educação nos desafios, dúvidas e interrogações da atualidade. (ALMEIDA FILHO, 2011)

A partir de 1988, com a intensificação do movimento de Reforma Sanitária e a implantação do SUS, a discussão sobre direcionamento da prática dos pro-fissionais de saúde para a atuação no SUS evidenciou a necessidade de inclusão de estratégias pedagógicas que valorizassem o vínculo entre a universidade e o serviço de saúde.

A busca pela formação de um profissional com perfil generalista, crítico e reflexivo, capacitado para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, incenti-vou o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação (MEC), a perceber a relevância de um novo olhar para a formação em saúde. Nesse sen-tido, no ano de 2000, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), como uma proposição a ruptura com o modelo tradicional e garantia de recursos humanos qualificados para o trabalho em saúde (BRASIL, 2001), fazendo com que, tanto as instituições formadoras, quanto os órgãos governa-mentais, assumissem o desafio de implementar diretrizes as quais orientem a formação profissional para atenção às necessidades sociais da população brasi-leira, com ênfase no SUS.

Nessa perspectiva, o espaço de formação profissional, deveria se transfor-mar em um locus privilegiado para a reflexão sobre as práticas de saúde. Uma das principais iniciativas governamentais para a qualificação de recursos humanos

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para a Saúde na Atenção Primária à Saúde (APS) e outros níveis de atenção, foi o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), regulamen-tado pela Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010. Essa propos-ta foi estabelecida por meio da parceria do Ministério da Saúde, por intermédio das Secretarias de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), da Secretaria de Atenção à Saúde e do Ministério da Educação, por meio da Secre-taria de Educação Superior (SESu), e propõe a efetivação do eixo “cenários de prática”, no sentido de tornar o SUS um importante componente de uma rede de ensino aprendizagem na prática do trabalho em saúde. (BRASIL, 2010)

A partir de 2012, o programa foi estendido a outros níveis de atenção à saú-de, segundo proposto à organização de ações em redes de atenção, reforçando uma abordagem integral e ampliada do conceito de saúde. O PET-Saúde apre-sentou como pressupostos a consolidação da integração ensino-serviço-comu-nidade e a educação pelo trabalho, a qualificação em serviço dos profissionais da saúde e a inserção precoce dos estudantes de graduação ao trabalho e vivência no sistema de saúde, tendo em perspectiva a qualificação da atenção e a inserção das necessidades dos serviços como fonte de produção de conhecimento.

Os atores sociais incluídos no programa eram organizados em grupos de aprendizagem tutorial, formado por tutores (docentes), preceptores (profissio-nais de saúde dos serviços) e estudantes, tendo as práticas permeadas pela inter-disciplinaridade e a integração ensino/serviço, incluindo o desenvolvimento de pesquisas conformadas pela necessidade loco regional.

No Brasil, um processo ainda lento vem ocorrendo no que diz respeito aos aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos que exigem do profissional de saúde uma nova postura crítica: sujeitos com potencial para transformar o processo de cuidado em saúde. Nesse novo contexto, as matrizes curriculares tradicionais precisam ser redesenhadas, possibilitando que os cenários e as es-tratégias de ensino-aprendizagem possam ser repensados e reestruturados, e o processo de aprendizagem consiga alcançar uma total ressignificação. (FEU-ERWERKWER, 2002)

Contudo, muitas instituições de ensino superior em Saúde ainda persistem com a estrutura rígida de formatos curriculares tradicionais. Esse modelo de formação é incapaz de atender as demandas atuais como ampliação do acesso com qualidade à atenção à saúde e do grau de satisfação dos usuários do SUS. Para que seja possível uma transformação, é imprescindível a qualificação dos profissionais e trabalhadores da saúde.

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Este capítulo relata a experiência institucional do programa Pro/PET-Saúde no município de Vitória da Conquista, desenvolvido em parceria entre o Insti-tuto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMS/UFBA) Campus Anísio Teixeira, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e a Secretaria Municipal de Saúde de Vitória da Conquista (PMVC).

VIVENCIANDO O COTIDIANO E “APRENDENDO COM QUEM FAZ”: ITINERÁRIOS TRANSFORMADORES

O Pro/PET-Saúde foi desenvolvido de 2012 a 2014 em âmbito nacional, como uma estratégia inovadora para unir em um único edital a proposta do Pró-Saúde com a do PET-Saúde. O projeto propunha estimular mudanças no modelo de formação dos graduandos da área de saúde e promover processos de educação permanente dos profissionais de saúde os quais atuam na rede de serviços SUS. A grande novi-dade desse referido edital foi a disponibilidade de recursos para as Instituições de Ensino Superior (IES) e Secretarias de Saúde, com o objetivo de facilitar a organi-zação das ações dos grupos tutoriais e qualificar os serviços da rede SUS.

A experiência do Pro/PET-Saúde no município de Vitória da Conquista possibilitou inovações em relação a sua organização nas IES por incluir os cur-sos de graduação em Psicologia e Ciências Biológicas do IMS/UFBA, os quais não haviam sido contemplados em propostas anteriores. Desse modo, abran-geu os cursos de graduação em Farmácia, Nutrição, Enfermagem, Psicologia e Ciências Biológicas do IMS/UFBA, além do curso de Medicina da UESB.

Em relação aos serviços de saúde da rede SUS, manteve-se a atuação nas Unidades de Saúde da Família (USF), mas ampliou-se os cenários de práticas para além da APS. Incluiu um Centro de Atenção Psicossocial (Caps II); a Fun-dação de Saúde de Vitória da Conquista (Hospital Municipal de referência Ma-terno Infantil); gestão municipal em saúde/vigilância epidemiológica e vigilân-cia sanitária. Assim, essa proposta inovadora buscou ampliar a compreensão do cuidado em rede, estimular a produção de saúde e o cuidado humanizado na formação de profissionais da área da saúde e (re)significar os processos de tra-balho dos profissionais que já atuavam na rede SUS local.

O programa constituiu-se, também, em um instrumento importante para instigar, a partir das experiências bem sucedidas de novas práticas pedagógicas, as mudanças curriculares já iniciadas no IMS/UFBA. A proposta foi estrutura-da em cinco grupos tutoriais com atividades desenvolvidas para a implantação

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da Rede Cegonha: 1) ações direcionadas à Saúde da População Negra com ênfa-se nos adolescentes da zona rural; 2) práticas integrativas em saúde (fitoterapia na APS e no Caps); 3) acolhimento no SUS; 4) acompanhamento e avaliação de doenças crônicas não transmissíveis; 5) prevenção e controle da dengue e ges-tão de indicadores em saúde.

Cada grupo tutorial foi composto por um tutor, quatro preceptores e 14 alu-nos, dos quais 12 eram bolsistas e dois, voluntários. As atividades dos grupos tutoriais foram organizadas em atividades de vivência na rede assistencial e de pesquisa, tendo como foco as demandas da rede. Os discentes tiveram a opor-tunidade de, durante o seu processo de formação, experimentar a realidade dos serviços de saúde e da gestão em saúde, o que tem permitido a formação de ato-res com potencial para atuar como corresponsáveis na consolidação do SUS. Outro aspecto positivo foi o desenvolvimento de pesquisas e produção de novos saberes a partir da APS e nas demais áreas estratégicas, contemplando uma aná-lise prévia das necessidades em saúde regionais.

As atividades de vivência nos cenários de prática foram conduzidas consi-derando a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade, em que o discente era acompanhado por todos os profissionais da equipe de saúde da unidade, inde-pendente do curso de graduação a que estava vinculado. Ao acompanhar o pro-cesso de trabalho e desenvolver atividades com profissionais de áreas distintas da sua área de formação profissional, os discentes puderam vivenciar as ações nos serviços de saúde, através de um “olhar integral”.

As principais atividades de vivência nas USF desenvolvidas pelos grupos tu-toriais, compreenderam atividades educativas em salas de espera, grupos edu-cativos com usuários, atividades intersetoriais em escolas e outras instituições governamentais, campanhas de vacinação, visitas domiciliares, interconsultas com os profissionais das USF e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), feiras de saúde, elaboração de projetos terapêuticos para os usuários e para a comunidade, avaliação e orientação nutricional, aferição de parâmetros clíni-cos como pressão arterial e laboratoriais (glicemia capilar), organização dos serviços farmacêuticos nas USFs, orientação quanto ao uso correto e racional de medicamentos, confecção de materiais informativos e educação em saúde, participação em reuniões de planejamento mensal das equipes de saúde e dos conselhos locais de saúde.

Essas atividades foram programadas em reuniões mensais de cada grupo tutorial, considerando as demandas e necessidades locais e buscando garantir a

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integração ensino-serviço-comunidade, e a transformação da USF e demais ce-nários de prática, em espaços sociais participativos, e o cuidado em saúde mais efetivo aos usuários do SUS. Esse processo demonstra que a realização do tra-balho em parcerias intrassetoriais e extra-setoriais, subsidiada por estudos, re-flexões e diálogo, tem sido espaços propícios para a aprendizagem coletiva.

As práticas extensionistas são traduzidas pelo enfoque humano que se bus-ca dar à formação do profissional de saúde, visto que seus pressupostos vão além da teorização intelectual e acadêmica. Desse modo, a inserção de alunos (monitores estudantis), preceptores (profissionais de saúde dos serviços com função de supervisão) e tutores (função de supervisão docente assistencial e orientador de referência para os profissionais e estudantes da área da saúde) na Atenção Básica e em outros níveis do sistema tem permitido aos graduandos a compreensão da lógica da universalização, descentralização, hierarquização, integralidade, continuidade dos cuidados e responsabilização. (FREIRE, 2008; BRASIL, 2007)

Além das atividades de extensão desenvolvidas nos cenários de práticas, alguns “encontros teóricos mensais” envolveram todos os grupos tutoriais, a coordenação local do programa Pro/PET-Saúde, a gestão em saúde do muni-cípio, a comunidade local e comunidade acadêmica. Esses encontros tiveram o propósito de discutir a organização do sistema de saúde municipal, os indi-cadores de saúde municipal, os resultados de “salas de situação” (indicadores locais de saúde), dados epidemiológicos, assim como as temáticas e resultados preliminares das pesquisas desenvolvidas pelos grupos tutoriais. Esses momen-tos teóricos visaram fortalecer o conhecimento científico e técnico, facilitan-do o (re)conhecimento de necessidades e determinantes sociais em saúde, e permitindo um reforço a reflexão permanente acerca da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão.

Orientados pela necessidade de transpor práticas setorializadas e fragmen-tadas e facilitar os processos de sociabilização, comunicação e construção do conhecimento, foram articuladas com outros órgãos institucionais, tais como escolas nos territórios, Caps e Centro de Referência de Assistência Social (Cras), algumas atividades com abordagem lúdica. Essas atividades permitiram a percepção dos discentes, do “prazer pelo aprender”, ao buscar e transformar o “conhecimento” de uma maneira prazerosa, traduzindo-o e concretizando-o em uma ação, possibilitando o processo de ensino-aprendizagem do próprio grupo frente ao percurso e resultados da própria ação educativa.

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PESQUISANDO O COTIDIANO E CONSTRUINDO “PONTES DE SABERES”

As pesquisas desenvolvidas pelos grupos tutoriais do programa Pro/PET-Saúde tiveram enfoques diferenciados, em consonância com áreas estratégicas da Po-lítica Nacional de Atenção Básica em Saúde, bem como os programas estraté-gicos e de acordo com as necessidades em saúde regionais. O programa buscou ampliar a articulação das pesquisas desenvolvidas na atenção básica com os ou-tros níveis de atenção. As principais temáticas discutidas e pesquisadas foram:

1. Implantação de oficinas para reestruturação do acolhimento em uni-dades de saúde da família – buscou analisar a percepção da comuni-dade da USF Nestor Guimarães, acerca da prática do acolhimen-to, procurando conhecer os modos de acolher a demanda espon-tânea que chega à APS.

2. Vivência em Unidades Rurais de Saúde da Família: um olhar sobre a saúde da população adolescente quilombola – visou compreender e atuar sobre os determinantes do processo saúde-doença dessas populações.

3. Plantas medicinais como tema articulador de ações em promoção de saúde – tem como objetivo contribuir com o uso coerente de fito-terápicos e plantas medicinais, e formação de estudantes e profis-sionais na área da fitoterapia.

4. Implantação da Rede Cegonha municipal: desenvolvimento dos vín-culos iniciais no contexto da Rede Cegonha e envolvimento dos estu-dantes do PET-Saúde na consolidação da estratégia – procurou inse-rir alunos em situações que permitam, na prática, a integralidade da atenção à saúde da mulher e da criança dentro dos princípios da Rede Cegonha.

5. Território e Saúde: o olhar do graduando (re)conhecendo possibili-dades e necessidades – teve o intuito de possibilitar ao discente e ao profissional de saúde re (conhecer) as necessidades locais em saúde a partir do mapeamento do território de saúde, análise de diagnóstico e planejamento de ações mais efetivas e resolutivas em saúde.

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Os projetos foram acompanhados pela Comissão Gestora Local (CGL), do Pro/PET-Saúde, constituída por representantes dos docentes, gestores mu-nicipais de Saúde, discentes e tutores dos PETs (Pro/PET-Saúde, PET-Redes e PET-Vigilância em Saúde), além de um representante dos usuários no Conselho Municipal de Saúde (CMS).

É importante salientar que as pesquisas desenvolvidas envolveram, além dos tutores, preceptores e estudantes, toda a equipe de saúde e a comunidade, e visaram à produção de novos saberes, com capacidade de impactar na realidade local, aprimorar e ampliar as ações dos serviços incluindo a promoção, proteção e recuperação da saúde. Alguns relatos de experiências advindas dessas pesqui-sas serão detalhados na dimensão prática deste livro.

“BRAÇOS DADOS” POR UMA TRANSFORMAÇÃO: A INTERDISCIPLINARIDADE, O PRO/PET-SAÚDE E OS “REFLEXOS” NOS PROCESSOS DE REORIENTAÇÃO CURRICULAR

A reorganização curricular estruturada pelos princípios pedagógicos da inter-disciplinaridade, da contextualização da identidade e da diversidade e autono-mia vai redefinir a formação em saúde. A proposta da interdisciplinaridade é es-tabelecer ligações de complementaridade, convergência e interconexões entre os conhecimentos.

Do ponto de vista da formação interdisciplinar, destaca-se a importância da parceria entre as três instituições, a saber, PMVC, UFBA e UESB, uma vez que as duas IES utilizam as mesmas unidades de saúde como campos de prática, au-las, cenários de pesquisa e vivências dos estudantes.

As propostas de reorientação curricular foram discutidas pressupondo conteúdos e estratégias de aprendizagem as quais capacitassem o aluno para a vida em sociedade, para a atividade produtiva e experiências subjetivas, visando à integração. É nessa fase que se encontram os currículos dos cursos envolvi-dos no PET-Saúde, refletindo a necessidade de enfatizar a interdisciplinaridade como um eixo integrador, para que os discentes e docentes aprendam a olhar o mesmo objeto sob perspectivas diferentes, sendo decisiva na formação do su-jeito social.

O curso de medicina da UESB está estruturado a partir de metodologia ativa de aprendizagem, através do Aprendizado Baseado em Problemas (ABP), o qual se contrapõe ao modelo verticalizado de ensino. Dessa forma, o envolvimento

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dos alunos do curso de Medicina e de tutores da UESB nos grupos tutoriais foi uma experiência que, além de agregar a multidisciplinaridade às ações e plane-jamento de atividades, fomentou a reflexão dos estudantes e tutores sobre as possibilidades de vivenciar na prática as mudanças no processo de formação.

No IMS/UFBA, a inserção do Pro/PET-Saúde contribuiu para as discus-sões sobre formação em Saúde, de modo que as novas matrizes curriculares estão sendo construídas para contemplar e articular reflexões sobre os determi-nantes sociais, econômicos e biológicos do processo saúde-doença, em todo o processo formativo, com articulação entre os diversos componentes. Assim, as ações do Pró-Saúde e PET-Saúde têm acompanhado as expectativas dos docen-tes, discentes e direção da instituição e promovido o incentivo ao processo de reorientação curricular nos cursos do IMS/UFBA.

O curso de Nutrição está em fase de finalização da sua reestruturação cur-ricular e pretende incorporar à matriz, desde o primeiro semestre, disciplinas integradoras tendo como principal cenário as USF e demais serviços SUS.

O curso de Farmácia propõe estágios de vivência obrigatórios desde o pri-meiro ano do curso, os quais acontecerão em unidades do SUS, permitindo a inserção precoce e a experimentação da vivência de uma realidade global, nas experiências cotidianas do aluno e do professor, assim como uma redução de carga horária de disciplinas “duras”, como a Química Teórica, e ampliação da carga horária de disciplinas práticas e estágios profissionalizantes.

A formação do psicólogo do IMS/UFBA encontra-se, também, em proces-so de reorientação curricular, com a inclusão de mudanças no que diz respeito à flexibilização curricular, a exemplo dos Projetos Integrados de Trabalho (PITs), com ampliação dos campos de prática, integração com a comunidade e maior ar-ticulação teoria-prática, como os Modelos de Integração Teoria Prática (MIAPs).

A reorientação curricular do curso de Enfermagem organiza-se no sentido de criar mecanismos progressivos de integração dos conteúdos teóricos com as práticas de campo. Propõe-se minimizar a dicotomia entre teoria e prática vi-gente na matriz atual. No momento, mesmo com as dificuldades impostas pela matriz curricular rígida, o curso de Enfermagem já mantém uma interlocução considerável com a realidade local em atividades articuladas com serviços de saúde do município.

O curso de Ciências Biológicas finalizou sua reforma curricular. Pautado nas novas discussões sobre formação em Saúde e da necessidade de formar profissionais os quais atendam as demandas dos serviços de saúde, a reforma

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curricular trouxe, como inovação para o curso, a implantação de componentes curriculares direcionados a área da saúde. Novidade para a área de ciências bio-lógicas que, até então, detinha sua formação direcionada para licenciatura ou la-boratórios. Assim, no IMS/UFBA, após a reforma curricular do curso de Ciên-cias Biológicas, têm sido ofertados componentes curriculares como “Biologia Sanitária e Ambiental”, “Saneamento e Saúde”, “Educação em Saúde” e “Vigi-lância à Saúde”. Outra importante aquisição na matriz refere-se ao componente “Biologia de Campo III – Sistemas de Saúde”, o qual visa inserir o graduando no campo prático da Saúde, desenvolvendo e acompanhando ações na área da vigilância à saúde e vigilância sanitária.

Destaca-se que todos os cursos de graduação do IMS/UFBA realizaram “seminários integrativos” com o intuito de discutir com a comunidade univer-sitária, profissionais de saúde da rede e gestores, o processo de reforma cur-ricular e os anseios dos envolvidos em relação ao perfil dos futuros profissio-nais. Esses seminários foram espaços ricos de troca de experiências e, princi-palmente, estímulo à reflexão sobre a importância do envolvimento de toda a comunidade acadêmica para uma formação focada para a prática profissional. Esses encontros instigaram o espaço universitário para propor o deslocamento do eixo de formação para um processo que atenda harmonicamente as necessi-dades sociais.

Essa articulação ressaltou a perspectiva institucional de um alinhamento entre as áreas de conhecimento e as atividades pedagógicas nos cenários das práticas das redes de serviços, desencadeando um processo de reflexão e reo-rientação curricular, direcionada a interdisciplinaridade. As novas matrizes curriculares estão sendo construídas para contemplar e articular os diversos componentes, possibilitando aos discentes uma formação de elevada qualifica-ção técnica, científica, tecnológica e acadêmica, bem como a atuação profissio-nal pautada pelo espírito crítico, pela cidadania e pela função social.

AVANÇOS E DESAFIOS: REFLEXÕES EM PAUTA

As avaliações institucionais ministeriais anuais do Pro/PET-Saúde demonstra-ram que as atividades realizadas pelo programa, tanto por estudantes quanto por tutores e preceptores, foram positivas, uma vez que possibilitou o apro-fundamento da integração ensino e serviço; o aperfeiçoamento da capacidade dos estudantes de comunicação horizontal com os usuários, a compreensão do

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complexo sistema de saúde e do processo de trabalho multiprofissional e inter-profissional, a autonomia diante de situações de resolução complexa, a qualifi-cação dos profissionais dos serviços e o estímulo à capacitação dos educadores ao ensino na área de saúde com ênfase no SUS.

Outro avanço consiste na atuação articulada entre as IES e a gestão em saúde municipal. As relações de parcerias estabelecidas entre as universidades, os ser-viços, a gestão e a sociedade possibilitaram o desenvolvimento de novas formas de intervenção, incorporação de novas tecnologias e o desenvolvimento de indi-cadores para o monitoramento da resolubilidade da atenção, fazendo com que os agentes envolvidos atuassem como corresponsáveis pela consolidação do SUS.

Algumas vitórias, como a sensibilização dos demais professores externos ao PET, principalmente, das disciplinas do ciclo básico de formação, frente à necessidade de contextualizar as disciplinas com problemas reais vividos no SUS e desenvolvimento de atividades práticas nos serviços, tem sido almejadas. Como estratégia, está o processo de estruturação de atividades a serem desen-volvidas nos serviços, previstos nas matrizes curriculares.

Diversas dificuldades ainda são enfrentadas no cotidiano. A estrutura física de algumas unidades de saúde interfere na organização de vivências e desenvol-vimento de projetos, prejudicando o desenvolvimento de ações. Mesmo diante dessa dificuldade, a pesquisa e a integração ensino, serviço e comunidade con-tribuem de forma positiva para a formação do profissional de saúde, uma vez que capacitam futuros profissionais com perfil adequado às necessidades e às políticas públicas de saúde do país.

O maior desafio é a consolidação da interdisciplinaridade, eliminação da di-cotomia entre a teoria e prática e concretização das mudanças curriculares de-sencadeadas e, sobretudo, o desenvolvimento e aperfeiçoamento de um modelo de formação pautado na integralidade das ações, articulação com os serviços e valorização do discente como sujeito do processo de aprendizagem, transfor-mando o processo de “aprender fazendo saúde”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: SEM CONSIDERAR O FIM, APENAS O INÍCIO DE NOSSO “CAMINHAR TRANSFORMADOR”

Embora o SUS, através da Constituição federal de 1988, tenha como uma de suas diretrizes a ordenação da formação de recurso humano para o trabalho em saúde, ele, sozinho, ainda não é capaz de alcançar tal objetivo, necessitando da

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atuação e mobilização das IES, profissionais de saúde e dos usuários para uma construção coletiva.

As IES enfrentam o desafio de mudar a lógica da construção do conheci-mento, compreendendo que a aprendizagem é um ato contínuo ao longo da vida. A implantação do PET-Saúde constitui um avanço rumo aos pressupos-tos das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação na área de saúde, representando uma proposta inovadora para a consolidação do SUS na reorganização do modelo pela estratégia de saúde da família.

O modelo de educação médica ainda predominante treina, na melhor das hipóteses, técnicos competentes, porém pouco comprometidos com as políti-cas públicas de saúde. Profissionais com essa formação, em geral, mostram-se resistentes às mudanças e tendem a defender o “status quo vigente”. (ALMEIDA FILHO, 2010) Na prática, ansiamos por profissionais com um “perfil científi-co-técnico e ético-político” (TEIXEIRA; VILASBOAS, 2010), mas persistimos formando profissionais predominantemente direcionados ao modelo hegemô-nico, acrítico e sem potencial transformador.

O processo de aprendizagem nos serviços apresenta aspectos diferenciados da educação verticalizada, pois a aproximação ao cotidiano torna a educação significativa, uma vez que permite a incorporação de aspectos técnicos, cultu-rais, éticos necessários para uma atuação profissional humanizada. Assim, o docente tem a atribuição de mediar o ato de aprendizagem, desconstruindo e reconstruindo o cotidiano, articulando elementos teóricos à prática, exigindo uma mudança de postura de “informante” para estimulador da busca de conhe-cimentos e da autonomia dos graduandos. Dessa forma, o docente/tutor será um “ser em construção permanente” refletindo mediante a “ação”, de forma ati-va e não apenas mediado pela “técnica” científica.

Através do desenvolvimento de ações interdisciplinares com iniciação ao trabalho, observamos estudantes motivados, participativos e ávidos pelo apri-moramento profissional, profissionais interessados e qualificados em serviço e docentes em constante processo de reinserção nos campos de práticas, possibi-litando que o processo de formação esteja em fase de transformação, com inclu-são de metodologias ativas de aprendizagem na “pauta do dia”.

O Pro/PET-Saúde oportunizou o resgate das necessidades sociais em saúde e valorizou o contexto, a coletividade e a pluralidade dos sujeitos (usuários dos serviços de saúde), minimizando as falhas e desigualdades das políticas de saú-de de nosso país, e possibilitado repensar e reconstruir a educação fundada na

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prática cotidiana do trabalho, com futuras repercussões na qualificação e valo-rização profissional. (PRADO, 2012) 

Vale destacar que, além das mudanças e intenção de mudanças discutidas ao longo deste capítulo, deve existir uma transformação permanente e sustentada da relação educador/educando em que não exista uma simples verticalização de conteúdo, e sim uma mediação do processo de aprendizagem, assim como um maior protagonismo dos educandos na construção do conhecimento.

É possível vislumbrar um processo de mudança, “um decidido esforço para ver” mais além do horizonte que nos tem deixado a Saúde Coletiva convencio-nal, uma profunda vocação para transformar a nossa ação num certo “fazer hu-mano” profundamente comprometido com a vida e o cuidado à saúde de nossa população, uma tentativa de criar espaços de aprendizagem para multiplicar as forças do compromisso. (GRANDA, 2003)

Dessa forma, mesmo diante da globalização e da ideologia neoliberal triun-fante, seria possível apostar “em novas forças sociais e políticas que aparecem no horizonte” embasado por inovações teóricas e práticas. Mas essa discussão encontra-se longe de receber um ponto final. Antes, expressa reticências, no sentido de que há muito mais a ser dito, escrito, discutido e praticado. Essas reticências devem traduzir-se em tempos e espaços de reflexão e ações perma-nentes em direção a uma polifonia das vozes dos diversos atores envolvidos e da qualificação profissional, rumo a um processo de transformação cotidiano.

REFERÊNCIAS

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ADRIANO MAIA DOS SANTOS, ALINE BENEVIDES SÁ FERES, ANA PAULA STEFFANS,

HELCA FRANCIOLLI TEIXEIRA REIS, MARIA PAULA CARVALHO LEITÃO

PONTO DE PARTIDA: O FOMENTO MINISTERIAL

O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), com enfo-que nas Redes de Atenção à Saúde (RAS), é mais um dos incentivos do Ministé-rio da Saúde, por intermédio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educa-ção na Saúde (SGTES) e da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), para fomen-tar mudanças no processo de formação das graduações em saúde, articulando--se com a política de Educação Permanente em Saúde (EPS).

O PET-Saúde/Redes de Atenção, segundo o Ministério da Saúde, tem como pressupostos a promoção da integração ensino-serviço-comunidade e a educa-ção pelo trabalho, por meio do fomento de grupos de aprendizagem tutorial no âmbito do desenvolvimento das RAS, e caracteriza-se como instrumento para qualificação em serviço dos profissionais da saúde, para elaboração de novos desenhos, aprimoramento e promoção de redes de atenção à saúde, bem como de iniciação ao trabalho e formação dos estudantes dos cursos de graduação na área da saúde, de acordo com as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, o programa tem como perspectiva o desenvolvimento de in-tervenções na modelagem das RAS visando à qualificação das ações e serviços

PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PELO TRABALHO PARA A SAÚDE (PET-SAÚDE) – REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE (RAS): tecendo fios e construindo as redes de cuidado no SUS

CAPÍTULO III

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de saúde oferecidos à população nos diversos pontos de atenção e a inserção das necessidades dos serviços no contexto das redes como fonte de produção de co-nhecimento e pesquisa nas instituições de ensino. (BRASIL, 2013a)

Para atender ao projeto, o Ministério da Saúde apoia-se em três importan-tes documentos, a saber, o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011 (BRASIL, 2011), a Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010 e a Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. De posse desses instrumentos norma-tivos e indutores de políticas, é lançado o Edital nº 14, de 8 de março de 2013 (BRASIL, 2013a) que convida as Instituições de Ensino Superior (IES) para, em conjunto com Secretarias Municipais e/ou Estaduais de Saúde, participa-rem do PET-Saúde/Redes de Atenção com apresentação de projetos interco-nectados e partilhados.

REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE (RAS): TECENDO OS FIOS TEÓRICOS

A organização de redes de atenção à saúde sustenta-se na necessidade de res-ponder as demandas complexas de saúde dos brasileiros, as quais envolvem uma tripla carga de doenças manifestada em condições agudas, carecem de res-postas rápidas e reativas, condições crônicas e doenças transmissíveis de curso longo que, por sua vez, precisam de cuidados prolongados e contínuos, além de problemas relacionados à pobreza, ao estilo de vida e aos agravos decorrentes das causas externas, que necessitam de intervenções intersetoriais. (MENDES, 2010; BRASIL, 2010)

A defesa de um sistema de saúde organizado em redes justifica-se por existir um rompimento na coerência entre a situação de saúde da população, nos que-sitos demográficos e epidemiológicos, e as respostas de enfrentamento apre-sentadas pelos modelos de atenção à saúde, em escala global, que estão “volta-dos para atenção às condições agudas e às agudizações de condições crônicas” (MENDES, 2010, p. 2299), resultando em sistemas fragmentados.

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPS)1 destaca a problemática dos sistemas fragmentados, apontando que:

1 The fragmentation of health service provision systems is the coexistence of several non-integrated units or establishments within a care network. The presence of numerous health agents operating in a disintegrated manner does not allow adequate regulation of content, quality and cost of care and lea-

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A fragmentação dos sistemas de provisão de serviços de saúde é a coe-xistência de várias unidades ou estabelecimentos não integrados dentro de uma rede assistencial. A presença de numerosos agentes de saúde que operam em forma desintegrada não permite a adequada normatização dos conteúdos, a qualidade e o custo da atenção e conduz a formação de redes de prestação de serviços que não funcionam de maneira coordena-da, coerente ou sinérgica, além disso, tendem a ignorar-se ou competir entre si, o que gera aumento dos custos de transação e promove alocação ineficiente de recursos no sistema como um todo. (OPS, 2007, p. 319, tradução nossa)

Além disso, mesmo a fragmentação não pode ser compreendida como um fenômeno possível de apreensão e de natureza única, pois, na prática, apresen-ta-se com distintas nuances a depender do amadurecimento político-institucio-nal, bem como da estrutura analisada. Assim, para Mendes (2001, p. 73), a frag-mentação pode se dar em quatro dimensões:

A fragmentação da atenção à saúde, onde cada ponto de atenção é uma peça solta de um quebra-cabeça; a fragmentação entre sistemas clínicos e os sistemas administrativos; a fragmentação entre o sistema de servi-ços de saúde e de assistência social e a fragmentação entre o sistema de serviços de saúde e outros sistemas econômicos e sociais.

As RAS, por conseguinte, são estratégias organizacionais de políticas de saúde para enfrentar e superar a fragmentação dos sistemas de serviços de saú-de. Portanto, a necessidade de superação de problemas oriundos à fragmenta-ção deu origem às propostas de redes de atenção à saúde que, numa vertente mais instrumental, ou seja, na perspectiva da estrutura da organização de ser-viços, ancoram-se na literatura e no debate internacional sob o manto genéri-co dos sistemas integrados (integrated care). Contudo, tal perspectiva represen-ta modelagens diversificadas as quais se assemelham nas estratégias utilizadas e nos arranjos organizacionais resultantes, mas que se distinguem no campo ideológico, a depender da natureza do sistema de proteção social (KUSCH-NIR; CHORNY, 204) e, sobretudo, dos sujeitos (stakeholders) envolvidos no

ds to the formation of networks that provide services that do not function in a coordinated, coherent or synergistic way, moreover , tend to ignore or compete with each other, which increases transaction costs and promotes inefficient allocation of resources in the system as a whole. (OPS, 2007).

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contexto e que desafiam toda “racionalidade gerencial contemporânea”. (CAM-POS, 2010, 2009, 2000) Para Campos (2000, p. 26), a “Racionalidade Geren-cial Hegemônica vale-se de métodos disciplinares e de controle que, em nome da produtividade e da concorrência, procuram instituir distintas expectativas quanto a felicidade, a realização pessoal e o acesso ao poder”.

Nessa óptica, a concepção das RAS apresentada neste capítulo coaduna com Mendes (2008, p. 6), no sentido de que:

São organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vin-culados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela Atenção Primária à Saúde (APS) – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa e de forma humanizada –, e com responsabilidades sanitárias e econômicas por esta população.

Segundo Mendes (2010), as redes de atenção à saúde possuem como ele-mentos constitutivos, a população, a estrutura operacional e o modelo de atenção. Para o autor, a população é o elemento central à rede, portanto, suas necessidades sociossanitárias devem ser conhecidas e mapeadas na forma de territórios sanitários (território-processo), sob a responsabilidade da APS. A estrutura operacional, por sua vez, é representada por cinco componentes: 1) A APS (o centro de comunicação); 2) outros níveis de densidade tecnológi-ca (secundário e terciário); 3) os sistemas de apoio; 4) os sistemas logísticos; e 5) sistema de governança. Por fim, o modelo de atenção é a racionalidade sis-têmica que estampa a modelagem da rede, incidindo e sendo incidida dialeti-camente nos/pelos planos político, ideológico e cognitivo-tecnológico.

Nesse sentido, entende-se que o modelo de atenção é político posto que envolve distintos atores sociais em situação, portadores de diferentes projetos devendo, para hegemonizar-se, acumular capital político. Por outro lado, tem, também, uma dimensão ideológica, uma vez que ao se estruturar na lógica da atenção às necessidades de saúde da população, implicitamente opta por nova concepção de saúde-doença e por novo paradigma sanitário, cuja implantação tem nítido caráter de mudança cultural. E, finalmente, o modelo apresenta uma dimensão cognitivo-tecnológica que exige a produção e utilização de conheci-mentos e técnicas coerentes com os supostos políticos e ideológicos do projeto da produção social da saúde. (MENDES, 1999)

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programa de educação pelo trabalho para a saúde (pet-saúde) – redes de atenção à saúde (ras) 55

Ressalta-se, por fim, que as redes de atenção à saúde têm suas origens na década de 1920, no Reino Unido, a partir da concepção dawsoniana de sistemas públicos de saúde (Relatório Dawson). Todavia, essa estratégia toma forma, contemporaneamente, com os sistemas integrados de saúde, uma proposta sur-gida no início dos anos 1990, nos Estados Unidos. Isso significa que foi gesta-da modernamente no ambiente de um sistema segmentado, com hegemonia do setor privado. Dos Estados Unidos foi levada, com as adaptações necessárias, a sistemas de saúde públicos e privados de outros países. (MENDES, 2007)

PET-SAÚDE/REDES DE ATENÇÃO: A QUE(M) SERÁ QUE SE DESTINA?

A organização de RAS articuladas às IES é uma estratégia para fortalecimento e qualificação da gestão, da organização dos serviços e das práticas em saúde, assim como para envolvimento dos estudantes nos cenários de práticas e nas necessidades reais dos usuários de maneira precoce. Apesar dos esforços, ainda encontra-se dificuldade para superar a fragmentação na organização dos servi-ços de saúde, além disso, a coordenação da rede por equipes de APS constitui-se num grande desafio.

O projeto PET-Saúde/Redes busca atender a necessidade premente de ges-tores, profissionais de saúde e IES na busca por consolidar a rede de serviços com a participação dos diferentes sujeitos envolvidos e, ainda, estimular os es-tudantes (futuros profissionais da rede) na construção de alternativas que im-pactem na melhoria da integração e coordenação dos serviços e no processo de trabalho dos profissionais para produção do cuidado.

A articulação entre ensino-trabalho busca consolidar ou recuperar o senti-do de cidadania, ou seja, a responsabilidade social e a defesa de um sistema de saúde público, universal e resolutivo, por meio da integralidade do cuidado. Per-cebe-se que os paradigmas os quais tentam explicar as organizações pedagógi-cas podem ser compreendidos a partir da forma como os instrumentos analíti-cos, teóricos e metodológicos articulam-se para compreendê-las. Assim, pode--se assentar tal discussão em dois pilares paradigmáticos: um funcionalista e um crítico. O primeiro, privilegiando a estabilidade, a unidade, a integração, a con-formação, a alienação, orientado para a manutenção do status quo. Na vertente oposta, o segundo apresenta uma inclinação ao conflito, à mudança, à desinte-gração, numa perspectiva libertária, orientando as práticas pedagógicas para

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um modelo de autogestão e autonomização, colocando os sujeitos em primeiro plano. (SANTOS et al., 2006)

Para Feuerwerker (2003), vive-se um momento de tensão paradigmática, no qual a universidade (organização) busca ampliar sua relevância social, mas a produção de conhecimento e a formação profissional estão marcadas pela es-pecialização, pela fragmentação e pelos interesses econômicos hegemônicos. Assim, a educação nas escolas de saúde permanece reproduzindo o paradigma flexneriano (funcionalista/positivista), em contraposição ao paradigma da in-tegralidade (crítico/dialético), subtraindo as possibilidades de diálogo entre as diferentes áreas do saber.

A integralidade, entendida como um novo paradigma nos cursos de gra-duação na área de saúde, parte do pressuposto de que é preciso compreendê--la como um pensamento em ação, um processo de construção que envolve a si mesmo, o outro e os entornos, além dos conhecimentos formais e as sen-sações, e considera a produção e a transformação de saberes e práticas um campo de forças históricas. (PINHEIRO; CECCIM, 2006) Tal complexida-de aponta para a necessidade de práticas de ensino, extensão e pesquisa as quais atendam às necessidades apresentadas na coletividade e que ofereçam ao discente e ao trabalhador da saúde a possibilidade do desenvolvimento de competências profissionais: no campo da tomada de decisões, no campo da comunicação e da liderança, no campo da administração e do gerenciamento e, finalmente, na capacidade de aprender continuamente, tanto na formação, quanto na prática (na EPS).

PET-SAÚDE/REDES DE ATENÇÃO EM VITÓRIA DA CONQUISTA: INTERAÇÕES ENSINO-SERVIÇO-COMUNIDADE

A proposta do PET-Saúde/Redes de Atenção, com vigência no período entre 2013-2015, foi uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia (UFBA) Campus Anísio Teixeira, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) Campus Vitória da Conquista, Secretaria Municipal de Saúde de Vitória da Conquista e Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), aprovada pela Portaria Conjunta nº 9, de 24 de junho de 2013. (BRASIL, 2013b)

Para o projeto, foram contemplados quatro grupos temáticos de traba-lho: 1) Rede Cegonha; 2) Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas; 3) Rede de Atenção Psicossocial e 4) Hospitais SOS Emergência. Na estrutura

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organizacional, há um coordenador geral (professor de IES), e cada grupo é com-posto por um tutor (professores de IES), seis preceptores (profissionais de saúde da rede), 12 estudantes da graduação bolsistas e dois estudantes da graduação vo-luntários, com diferentes formações, perfazendo 85 participantes no projeto, o qual teve suas atividades iniciadas em 01 de agosto de 2013.

Os quatro grupos do PET-Saúde/Redes de Atenção vislumbram articular--se com os demais projetos PET-Saúde em andamento, bem como envolver no-vos sujeitos no processo de construção de uma rede de atenção à saúde integra-da com cuidados coordenados por profissionais da APS. Além disso, buscam incorporar à matriz pedagógica e ao processo formativo os elementos teórico--práticos para superação da fragmentação entre as práticas de Atenção Primá-ria e demais níveis de atenção, reposicionando a atenção primária à saúde como centro de comunicação da rede. Para tanto, os projetos selecionados procuram estreitar os fluxos entre os diferentes profissionais de distintos níveis de aten-ção, para permitir o cuidado continuado e a longitudinalidade, sobretudo em resposta as velhas e “novas” condições de adoecimento que requerem serviços de saúde organizados para acolher demandas episódicas e, particularmente, condições crônicas e as comorbidades.

A viabilização de uma rede SUS integrada não é de simples execução, re-querendo o esforço permanente da sociedade e, sobretudo, das instituições e su-jeitos diretamente envolvidos. Assim, o PET-Saúde/Redes de Atenção torna-se mais um dispositivo para fortalecimento do SUS regional, servindo para fomen-tar o aprendizado de professores, estudantes, gestores e trabalhadores da saúde, visto que a fragmentação está arraigada no processo formativo, no processo de trabalho e na organização dos serviços, e a construção de novos modos de ensi-no-aprendizagem e outras formas de produção do cuidado em saúde, nas políti-cas e nas práticas, requerem incessantes investimentos que incidam nos planos político, ideológico e cognitivo-tecnológico. Além disso, alguns problemas como dificuldade na atração e fixação de médicos, especialização precoce e desarticu-lada das necessidades da rede SUS, a valorização distorcida das tecnológicas de alta densidade em detrimento do cuidado compartilhado, tal como a excessiva hierarquização da rede, apontam para a necessidade de processos formativos em todos os pontos da rede de maneira a incentivar a participação das distintas ins-tituições e diferentes profissionais no debate e na construção de alternativas viá-veis e criativas para lidar e superar os entraves que dificultam o acesso e/ou com-prometem a qualidade da atenção prestada.

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Por fim, o projeto PET-Saúde/Redes de Atenção pretende trazer melhorias para população de toda região de Saúde, pois os serviços envolvidos são de refe-rência locorregional, e buscam o estreitamento com a APS, essencialmente por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF) e, assim, vislumbra a experimenta-ção de tecnologias de gestão para viabilizar uma rede que tem os profissionais da APS envolvidos com todo o processo de cuidado e com fluxos comunicacio-nais entre os diferentes níveis de atenção para garantia de processos terapêuti-cos resolutivos e compartilhados.

GRUPOS PET-SAÚDE/REDES DE ATENÇÃO: A TRAVESSIA PARA A INTERDISCIPLINARIDADE E INTEGRALIDADE DO CUIDADO

A seguir, de forma resumida, são apresentadas as propostas iniciais dos quatro gru-pos temáticos em atividade no PET-Saúde/Redes de Atenção, as quais se estrutu-ram em três eixos: orientação teórica, orientação pedagógica e cenários de prática. Os eixos dos projetos buscam, em conjunto, trabalhar um conceito-chave do mode-lo pedagógico, que é o de aprender fazendo, e pressupõe a inversão da clássica sequ-ência teoria-prática na produção do conhecimento, assumindo que acontece de for-ma dinâmica por intermédio da ação-reflexão-ação, além de promover a integração entre os ciclos básico e clínico. A problematização orienta a busca do conhecimento e habilidades que respaldam as intervenções para trabalhar as questões apresenta-das, tanto do ponto de vista da clínica quanto da saúde coletiva. (BRASIL, 2007)

Grupo 1: REDE CEGONHA – Um olhar para a garantia dos direitos reprodutivos e sexuais por meio do acesso ao Planejamento Familiar na Atenção Primária à Saúde

Introdução: A Rede Cegonha é uma estratégia do Ministério da Saúde, carac-terizada como uma rede de cuidados a qual assegura às mulheres direito ao pla-nejamento reprodutivo, atenção humanizada durante a gravidez, parto e puer-pério. O projeto tem como um dos princípios a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos por meio da operacionalização de programas educativos relaciona-dos à saúde sexual e reprodutiva, prevenção e tratamento das Doenças Sexual-mente Transmissíveis/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (DST/AIDS), orientação e oferta de métodos contraceptivos. Nada obstante, dialogando en-tre o princípio supracitado e as ações de planejamento familiar executadas na APS, é possível constatar uma demanda reprimida, ou não aderente, aos serviços

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de planejamento reprodutivo. A não aderência pode estar relacionada a tabus, medo, insuficiência de conhecimento ou pouca valorização dos serviços ofereci-dos na APS. Constata-se fragilidade na “busca ativa” desse público por parte das equipes de saúde da família, limitando-se, muitas vezes, a atender usuários que buscam o serviço com consultas agendadas. Portanto, é patente a necessidade de implementação de estratégias de melhoria do acesso e adesão ao planejamento familiar, por meio de identificação da população de interesse, busca ativa, ativi-dades de sensibilização e educação em saúde, tal como qualificação da referência e contra referência entre APS e atenção especializada, visando à integralidade, cuidado longitudinal e acessibilidade, com a coordenação da APS na RAS.

Objetivo geral: Contribuir para melhorar a adesão e acesso da população ao planejamento familiar e a informação sobre saúde sexual e reprodutiva, por meio de busca ativa e qualificação das referências e contra referências entre os níveis de atenção à saúde.

Objetivos específicos: 1) Identificar a população adscrita na área de abran-gência da Saúde da Família e população atendida pelo serviço de planejamento familiar; 2) conhecer o perfil socioeconômico e cultural da comunidade; 3) rea-lizar pesquisa como ferramenta de identificação das causas de não aderência ao serviço de planejamento familiar; formar grupos de adolescentes.

Metodologia: Trata-se de um projeto de pesquisa e intervenção, dividido em duas fases. Na primeira fase, houve a formação de um grupo de estudos com os estudantes, preceptores e tutores para aproximação do tema, seguido da vivência nos serviços, por meio da inclusão dos estudantes nas atividades desenvolvidas pelas equipes, com foco na saúde sexual e reprodutiva, além da identificação e comparação entre população adscrita e população atendida no planejamento fa-miliar por meio dos sistemas de informação, roda de conversa com a equipe para reconhecimento do perfil socioeconômico e cultural da comunidade, concluindo com entrevista semiestruturada, análise e discussão dos resultados da pesquisa. E na segunda fase, foram apresentados os resultados da pesquisa para a equipe e gestão, atividades de sensibilização e educação em saúde, sobre o referido tema.

Cenários de prática: Unidade de Saúde da Família (USF) Solange Hortélio/Centro Social Urbana (CSU), USF Nossa Senhora Aparecida, USF Capinal, Fundação Esaú Matos, Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).

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Grupo 2: REDE DE ATENÇÃO ÀS PESSOAS COM DOENÇAS CRÔNICAS – Cuidado integral para a Prevenção e Tratamento em Cânceres Cérvico-Uterino e Digestivo

Introdução: As neoplasias constituem um importante problema de saúde pú-blica, enfrentado tanto em países desenvolvidos quanto em países em fase de desenvolvimento. (MELO; NUNES; LEITE, 2012) Embora a tecnologia te-nha avançado bastante nos últimos anos e aumentado o prognóstico do pa-ciente oncológico, anualmente, cerca de 12,5% do total das mortes do mun-do são ocasionadas pelo câncer. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 11 milhões de pessoas por ano são diagnosticadas com algum tipo de câncer no mundo. (MAGALHÃES et al., 2008) No Brasil, em 2013, apontou-se a ocorrência de aproximadamente 518 510 casos novos de câncer. Dentre os principais tipos de câncer no Brasil, destacam-se cólon, reto e estômago para o sexo masculino; e colo uterino, cólon e reto para o sexo feminino. (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GO-MES DA SILVA, 2011) No Brasil, encontra-se um processo de transição dos tipos de câncer: dos associados com altas condições socioeconômicas – câncer de próstata, de mama, de cólon e reto – para os que estão associados à con-dição de pobreza – gástrico, pênis, colo de útero e cavidade oral. (GUERRA; GALLO; MENDONÇA, 2005) As estimativas para 2014, ano abrangido pelo projeto, segundo o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), eram de 576 mil novos casos de câncer. A in-clusão das ações de controle de câncer estava entre os objetivos estratégicos do Ministério da Saúde para o período 2011-2015, com destaque para as ações de ampliação de acesso, diagnóstico e tratamento em tempo oportuno dos cânce-res de mama e do colo do útero, assim como a publicação da nova Política Na-cional de Prevenção e Controle de Câncer na Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas (PNPCC-RAS), por meio da Portaria nº 874, de 16 de maio de 2013, são exemplos destacados de prioridades em termos de saúde pública. O grande desafio ainda é que as necessidades da população sejam priorizadas e atendidas pela política pública de saúde, conforme preconizado no Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Trans-missíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022. (INCA, 2013) O câncer gera elevado consumo de recursos financeiros e sobrecarga ao SUS. As repercussões socio-econômicas e familiares desta doença evidenciam a necessidade de ações multi

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e interdisciplinares que fortaleçam a prevenção e intervenções clínicas, assim como os tratamentos e os cuidados paliativos.

Objetivo geral: Fortalecer as ações voltadas ao diagnóstico, prevenção e tra-tamento dos cânceres de colo do útero e digestivo por meio de ações de ensino, pesquisa e extensão com enfoque na epidemiologia de risco, na gestão do cuida-do e articulação entre diferentes pontos da rede de atenção.

Objetivos específicos: 1) Elaborar diagnóstico epidemiológico de risco e co-bertura das ações preventivas sobre condições de uso de agrotóxicos em Lagoa das Flores; 2) promover campanhas educativas no Centro de Referência à Saúde do Trabalhador (Cerest) para monitoramento e controle do uso de agrotóxicos, reduzindo a exposição ocupacional e também a contaminação dos segmentos ambientais e, consequentemente, o prejuízo à saúde humana; 3) incentivar ações científicas voltadas ao estímulo e orientação do auto aprendizado e raciocínio crí-tico-reflexivo dos acadêmicos; 4) promover ações interligadas de educação per-manente à saúde, com vistas à prevenção dos cânceres; 5) implementar interven-ções em níveis secundário e terciário para manejo adequado do tratamento em oncologia; 6) propiciar suporte social e psicológico aos pacientes e cuidadores.

Métodos: Na primeira fase, houve a inserção dos acadêmicos nos cenários de prática para análise da situação, diagnóstico epidemiológico de risco e cobertu-ra das ações. Na segunda fase, educação permanente envolvendo gestão, profis-sionais, acadêmicos e usuários. E na terceira fase, houve a execução das inter-venções assistenciais.

Cenários de prática: USF de Lagoa das Flores, Cerest, Vigilância Sanitária, Centro Regional de Referência Crescêncio Silveira, Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia de Vitória da Conquista (Unacon), Hospital Geral de Vitória da Conquista (HGVC).

Grupo 3: REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – Prevenção e controle do tabagismo em Vitória da Conquista- Bahia: ênfase em ações de descentralização à saúde mental

Introdução: O tabagismo é uma doença epidêmica, em função da depen-dência à nicotina, classificado como transtorno mental e comportamental,

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decorrentes do uso de substâncias psicoativas. Devido a alta prevalência de fumantes e mortalidade decorrente das doenças relacionadas ao tabaco, constitui-se um problema de saúde pública. O Ministério da Saúde ampliou a abordagem do tabagismo para a atenção primária e média densidade tec-nológica ao enfatizar o processo de descentralização das ações. Os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD) assumem um papel es-tratégico na organização do cuidado e direcionamento das políticas públicas voltadas ao tabagismo, como unidades retaguarda para as equipes de Saúde da Família. Assim, o projeto prevenção e controle do tabagismo no município de Vitória da Conquista enfoca a qualificação das ações e serviços oferecidos à população.

Objetivo geral: Desenvolver estratégias de prevenção e controle do tabagismo na ESF, colaborando para a descentralização das ações de saúde.

Objetivos específicos: 1) Sensibilizar e empoderar equipes de Saúde da Famí-lia para o desenvolvimento de ações de promoção à saúde e prevenção de danos para o controle do tabagismo; 2) implementar, na ESF, grupos com usuários dos serviços para a promoção da saúde e prevenção do tabagismo; 3) traçar o perfil epidemiológico dos usuários de tabaco atendidos na ESF; 4) supervisio-nar e colaborar com as atividades de tratamento ao tabagismo as quais serão re-alizadas na ESF; 5) promover a integração ensino-serviço-comunidade e a edu-cação pelo trabalho, visando a vivência de práticas de saúde voltadas para a pre-venção e controle do tabagismo em rede.

Metodologia: 1) Criação de grupos nos serviços direcionados à educação em saúde, com ênfase na prevenção e controle do tabagismo; 2) criação de grupos de apoio ao abandono do tabagismo; 3) utilização de instrumentos específicos para avaliar o tabagista: o modelo de DiClemente, Prochaska e Gibertini (1985) e escala de avaliação de dependência (FAGERSTRÖM; SCHNEIDER, 1989); 4) orientação aos profissionais para que desenvolvam anamnese direcionada ao tabagismo e avaliem, clinicamente, a existência de doenças tabaco-relacionadas, no direcionamento do cuidado.

Cenários de prática: Caps-AD, Nasf, USF Pedrinhas, USF Solange Hortélio Franco/Centro Social Urbana (CSU).

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Grupo 4: HOSPITAIS SOS EMERGÊNCIA – Acolhimento com classificação de risco

Introdução: Embora a atenção primária deva ser a porta de entrada do usuá-rio nos serviços de saúde, as unidades de urgência e emergência têm abarcado parte dessa demanda. São vários os motivos que levam a isso, dentre os quais se destacam a falta de cobertura e acesso consistente da população ao acompanha-mento real de suas necessidades de saúde, a mudança no perfil de morbi-morta-lidade e o forte incremento das lesões por causas externas que ameaçam a vida. Dessa forma, esse tipo de serviço tem atuado de forma sobrecarregada, com lotação elevada das unidades e recursos físicos e materiais, excesso de trabalho para os profissionais, os quais não conseguem atingir a demanda. A classifica-ção de risco vem ao encontro dessa situação, promovendo uma avaliação inicial do usuário, por meio de protocolo específico na entrada do serviço, minimizan-do o tempo de espera das situações mais graves e prevendo o tempo de espera para os demais usuários do serviço, dentro de sua situação clínica.

Objetivo Geral: Fortalecer e/ou implantar a classificação de risco nos diferen-tes cenários da rede de atenção às urgências e emergências do município.

Objetivos específicos: 1) Inserir o estudante na dinâmica dos serviços de ur-gência e emergência, de modo a possibilitar a vivência e a execução da classifica-ção de risco, sob acompanhamento dos preceptores; 2) implantar a classificação de risco nos serviços das redes de atenção que ainda não utilizam esta ferramen-ta; 3) sensibilizar a população para a importância desta ferramenta.

Metodologia: 1) Capacitação os estudantes acerca da classificação de risco re-comendada pelo Ministério da Saúde; 2) debate sobre a estrutura organizacio-nal e funcionamento do acolhimento com classificação de risco nos serviços en-volvidos; 3) elaboração de propostas para melhoria da realidade; 4) criação de grupos de sala de espera para sensibilizar a população em relação à metodologia de classificação de risco.

Cenários de prática: Hospital Geral de Vitória da Conquista, Fundação Esaú Matos, Hospital UNIMEC, Centro de Saúde Régis Pacheco.

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REFERÊNCIAS

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MICHELA MACEDO LIMA COSTA, KARINE BRITO MATOS SANTOS,

RODRIGO SANTOS DAMASCENA

INTRODUÇÃO

No final de 2011, a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) lançou um edital conjunto do Pró-Saúde e PET-Saúde. O edital in-centivou a apresentação de propostas que contemplassem as políticas e as prio-ridades do Ministério da Saúde, tais como: Rede Cegonha, Rede de Urgência e Emergência, Rede de Atenção Psicossocial, Ações de Prevenção e Qualificação do Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Colo de Útero e Mama, Plano de Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis.

No município de Vitória da Conquista, para atender a esse edital, foi de-senvolvido um projeto coordenado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Campus Anísio Teixeira, em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e com a Secretaria Municipal de Saúde. Uma comissão cons-tituída por docentes, profissionais dos serviços e da gestão municipal de saúde, redigiram e submeteram a proposta que foi aprovada.

O desenvolvimento das ações previstas nessa edição do projeto Pro/PET--Saúde teve como objetivo propiciar maior integração ensino-serviço, a centra-lidade na produção de saúde e no cuidado humanizado na formação da gradua-ção na área da saúde, persistindo a ênfase no trabalho em equipe no âmbito da

CONTRIBUIÇÕES DO PET-SAÚDE PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE

CAPÍTULO IV

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Atenção Básica, sob a supervisão direta de profissionais dos serviços (precepto-res) e a orientação de docentes (tutores).

Nesse edital, os cenários de prática foram ampliados para outros espaços da rede municipal de saúde, tais como a gestão municipal de saúde, especificamen-te nos serviços de vigilância epidemiológica, vigilância nutricional e diretoria da Atenção Básica. A inserção dos discentes em atividades de planejamento e gestão, permitiu a reflexão acerca da atuação multiprofissional no envolvimen-to com a análise dos dados enviados pelas unidades de saúde e prestadores de serviço de saúde do município, e o processo de utilização desses dados como subsídio para o planejamento de ações em saúde, sendo possível, ainda, fomen-tar discussões e atividades visando melhorar o processo de construção de in-dicadores de resultados, oportunizando aprender, dentre tantas outras coisas, como trabalhar com o modelo de gestão implementado no município, tornando possível uma associação mais efetiva entre teoria e prática.

No âmbito da Estratégia de Saúde da Família (ESF), a vivência dos discen-tes destinou-se ao trabalho na lógica da promoção da saúde, buscando a inte-gralidade do cuidado ao usuário no território de atuação das equipes. Dessa forma, o Pro/PET-Saúde na ESF tornou-se uma possibilidade de estruturação dos serviços e de novas práticas de intervenção na atenção à saúde. Conhecer o território implica na apropriação do espaço local para desencadear processos de mudança das práticas de saúde, tornando-as mais adequadas aos problemas da realidade local. (BRASIL, 2006)

A vivência do PET-Saúde no município tornou-se uma dupla via: o servi-ço contribui na formação profissional e a academia contribui na qualificação do serviço, através da capacitação e da orientação de ações nos espaços sociais com propostas inovadoras fundamentadas nos princípios e diretrizes do Siste-ma Único de Saúde (SUS), além de estimular o desenvolvimento de habilida-des e competências dos futuros profissionais que já atuavam nos serviços. Além disso, o PET-Saúde representou uma ampliação da força e qualificação do pro-cesso de trabalho, permitiu a identificação das reais necessidades de saúde da população nos locais de prática e o emprego de indicadores de avaliação dos im-pactos das ações em saúde.

Este capítulo objetiva apresentar a experiência dos grupos PET nas Uni-dades de Saúde e gestão da rede municipal, refletindo sobre a sua contribui-ção para os serviços. O capítulo está organizado em três dimensões analíticas: 1) Os sujeitos na construção de um novo saber: facilidades e dificuldades na

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operacionalização das atividades nos cenários de prática; 2) Semeando novos conceitos e práticas: contribuições do PET-Saúde para os serviços de saúde; 3) Novas fronteiras: a relevância da inserção na gestão para a formação pro-fissional em saúde.

OS SUJEITOS NA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO SABER: FACILIDADES E DIFICULDADES NA OPERACIONALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES NOS CENÁRIOS DE PRÁTICA

Os grupos tutoriais do PET-Saúde foram organizados segundo uma lógica in-terdisciplinar, incluindo discentes, preceptores e tutores de campos disciplina-res distintos, unidos pela lógica de compartilhamento de saberes os quais levem a compreender os fenômenos de maneira não fragmentada, e buscando a inte-gralidade do cuidado na atenção e gestão em saúde.

Nesse sentido, para os preceptores nos diversos cenários de prática, o PET--Saúde promoveu, através da construção coletiva e humanizada do conheci-mento, troca de experiências para potencializar a ação interdisciplinar, através de um processo de discussão-ação-reflexão-transformação, o qual contribuiu ativamente para a formação de profissionais da área de saúde articulados com as necessidades sociais e de saúde, apontadas pelas políticas de saúde do país.

A atuação dos tutores teve o intuito de criar espaços de reflexão acerca das necessidades locais, individuais e coletivas de cada território de atuação, esti-mular o debate interdisciplinar e o planejamento de ações as quais buscassem apreender os principais problemas identificados, assim como delinear propos-tas de promoção e prevenção de saúde.

A iniciação dos discentes com a prática nos serviços possibilitou o desen-volvimento de competências e habilidades alinhadas às diretrizes curriculares em saúde, pautado em princípios éticos e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade.

O processo de construção das atividades nos cenários de prática exigiu uma articulação dos sujeitos envolvidos, em que as atividades e ações foram previa-mente planejadas, considerando as necessidades locais da comunidade, discuti-das em reuniões de equipe e dos conselhos locais de saúde. A aproximação entre os profissionais, especialmente entre os preceptores e os discentes, foi crucial para estabelecer compromissos entre os membros da equipe e a comunidade.

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Para a equipe, essa aproximação foi imprescindível para a operacionalização do cotidiano do processo de trabalho, propiciando a redefinição de atribuições e responsabilidades para o desenvolvimento de antigas e novas atividades no ser-viço. A comunidade conseguiu reestabelecer uma conexão com a equipe, o que permitiu uma abertura ao diálogo e a consolidação de uma relação de confiança com os serviços, tornando-os mais resolutivos.

Com a grande adesão da comunidade, da gestão, da equipe e dos alunos às propostas do PET-Saúde, as intervenções na comunidade se tornaram cada vez mais produtivas e, com isso, os campos de vivência e de pesquisa foram amplia-dos e diversificados, tornando-se significativos.

Contudo, algumas dificuldades foram identificadas durante o desenvolvi-mento do programa. Entre elas, destacam-se a dificuldade de articulação ini-cial dos diversos saberes, pela lógica multidisciplinar e interdisciplinar, devido a fragmentação do conhecimento acadêmico; a necessidade de “reorientação do fazer” dos profissionais atuantes em uma perspectiva integrada; a necessidade de alinhamento de conceitos teóricos com a prática e a dificuldade dos tutores e alunos de entender novas possibilidades de atuação profissional. A reflexão e condução dessas atividades permitiu a transformação de práticas engessadas, por meio de discussões e planejamento coletivo.

SEMEANDO NOVOS CONCEITOS E PRÁTICAS: CONTRIBUIÇÕES DO PET-SAÚDE PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE

Durante a vigência do PET-Saúde 2012-2014, houve a necessidade de traba-lhar diversos conceitos fundamentais para a reorganização do trabalho em saúde nos cenários, destacando-se discussões acerca da integralidade do cui-dado, do acolhimento aos usuários e da interdisciplinaridade. Esse foi um es-paço importante de compartilhamento de saberes, o qual fomentou questio-namentos sobre o porquê, para quê e como fazer saúde em equipe, na lógica da integração profissional.

A organização das ações de cada grupo tutorial constituído por tutores, pre-ceptores e discentes ocorreu por meio de reuniões, que permitiram o aprofun-damento teórico de questões diagnosticadas como prioritárias, possibilitando um planejamento de atividades fundamentadas por princípios teóricos e ne-cessidades locais. Nesse sentido, a prática interdisciplinar relaciona-se com o compartilhamento de poder entre os membros da equipe, a busca de objetivos

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pactuados, a participação ativa e o envolvimento da equipe nos processos de trabalho coletivo. (MATUDA; AGUIAR; FRAZÃO, 2013)

A Unidade de Saúde da Família (USF) é um local de grande complexidade visto à variedade de problemas de saúde enfrentados pela equipe. A presença do Núcleo de apoio à Saúde da Família (Nasf) visa aumentar o escopo das ações realizadas pelas ESFs.

Seguindo a lógica de planejamento articulado com as necessidades locais, alguns projetos foram viabilizados. Dentre esses, pode-se ressaltar os grupos de tabagismo, que possibilitaram aos participantes uma compreensão geral de todos os malefícios do cigarro e das estratégias da indústria do tabaco para pro-movê-lo, e as oficinas de diabéticos “insulino conscientes”, nas quais foram dis-cutidos os principais pontos relacionados à insulinoterapia, aspectos gerais da doença, uso correto do glicosímetro, hipoglicemia x hiperglicemia, aplicação da insulina, alimentos diet x light x zero, saúde bucal e aspectos emocionais x diabe-tes. Destaca-se, também, a participação do PET em feiras de saúde promovidas de forma articulada com a USF.

Portanto, o PET-Saúde contribuiu para o aprimoramento das práticas vol-tadas para mudança do modelo assistencial, fortalecimento das políticas de saú-de, o que favoreceu a aprendizagem de todos os sujeitos envolvidos usuários, gestores, tutores, preceptores e discentes, por meio da inserção de novas refle-xões e ações na rotina dos serviços.

NOVAS FRONTEIRAS: A RELEVÂNCIA DA INSERÇÃO NA GESTÃO PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE

Após as experiências anteriores do PET-Saúde da Família e do PET-Vigilância em Saúde, e a partir das avaliações das ações desenvolvidas, decidiu-se inserir o cenário da gestão municipal de saúde para o desenvolvimento de vivências dos discentes.

Desse modo, a inclusão dos discentes do PET em vivências realizadas nos setores da gestão local teve por objetivo propiciar aos estudantes uma visão crítica e reflexiva sobre os sistemas locais de saúde e o processo de planeja-mento das ações e serviços de saúde. Para tanto, foram utilizados como refe-rencial teórico conceitos da planificação em saúde, gestão da assistência, po-líticas estratégicas, vigilância em saúde, gestão colegiada e rede de cuidados.

A aproximação dos grupos tutoriais com o referencial teórico necessário para o início das atividades práticas no cotidiano da gestão em saúde se deu a

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partir de oficinas de estudos e discussões, as quais tiveram como subsídio textos teóricos de apoio que dispararam processos de reflexão crítica com o propósito de subsidiar a vivência prática.

Foram definidos, como campos de atuação das vivências do PET, a Direto-ria da Atenção Básica e a Diretoria de Vigilância em Saúde nos serviços de vigi-lância epidemiológica, vigilância nutricional e vigilância sanitária. As atividades realizadas pelos discentes eram acompanhadas por um preceptor, que era pro-fissional do nível central da Secretaria Municipal de Saúde.

No período de vivência na diretoria de Atenção Básica, foi possível acom-panhar o processo de trabalho das equipes de saúde da ESF no sistema local de saúde, realizar monitoramento dos indicadores da sala de situação desenvolvida pelas equipes de saúde da família, pôr em prática ações de educação permanen-te, atuando na construção de protocolos e fluxogramas de acesso para a conso-lidação das linhas de cuidado da saúde do idoso, e participar, orientados pelos preceptores, de atividades de supervisão das ações de planejamento e avaliação em saúde das equipes de saúde da família. Durante o desenvolvimento dessas atividades, os discentes conseguiram perceber a necessidade e importância da articulação dos serviços da Atenção Básica com as demais ações programáticas do Ministério da Saúde.

Uma das grandes conquistas nas atividades desenvolvidas na Diretoria de Vigilância em Saúde foi a familiaridade que os discentes estabeleceram com os Sistemas de Informação em Saúde e sua importância. Foi possível acompanhar o fluxo das informações, alimentar dados e avaliar a qualidade das informações, com destaque para o Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) e Sis-tema de Informação em Saúde de Vigilância Nutricional (Sisvan).

Merecem destaque as atividades desenvolvidas no serviço de Vigilância Sa-nitária, pois estas são pouco discutidas nas graduações em saúde e se restrin-gem a uma discussão teórica dos seus objetivos e contribuições para a saúde e sociedade. Durante as atividades do PET, foi possível acompanhar a precepto-ra (inspetora da Vigilância Sanitária Municipal) em suas atividades de rotina. Paralelo a isso, conseguiu-se realizar atividades de educação popular em saúde contra o tabagismo e acompanhar as ações da vigilância sanitária no controle de qualidade da água para consumo humano.

A inserção de vivências do PET nos serviços de gestão em saúde represen-tou uma oportunidade de relacionar conhecimentos teóricos – planejamento, gestão colegiada, liderança, trabalho em equipe, supervisão etc. – com a prática

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de gestão em saúde. Associado a isso, possibilitou a ampliação do olhar discente para a diversificação de campos de atuação profissional, assim como a expansão dos cenários de ensino-aprendizagem no âmbito do SUS.

A formação de profissionais de saúde aptos para atuar no sistema de saúde tem sido um desafio. Permitir a aproximação dos discentes com a realidade e a “prática do dia a dia” de profissionais, usuários e gestores mostrou-se funda-mental para a resolução dos problemas encontrados na assistência à saúde para a qualificação e gestão do cuidado prestado aos sujeitos. Essas práticas privile-giaram um enfoque o qual possibilitou aos alunos e aos profissionais a oportu-nidade de vivenciar ativamente a aprendizagem como construção de conheci-mento por meio da reflexão sobre suas próprias experiências.

Vale ressaltar o importante papel que os preceptores desempenharam na formação dos futuros profissionais de saúde, através do exemplo prático de suas ações no serviço e pela supervisão e orientação dedicada aos alunos. O desen-volvimento de conhecimentos e habilidades especiais ou o interesse em viven-ciar a realidade na gestão dos serviços de saúde permitiu um novo campo do “agir e saber fazer saúde” para os futuros profissionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência do PET nos campos dos serviços de saúde e da gestão em saúde potencializou a formação dos profissionais a partir da experiência multidisci-plinar e interdisciplinar, favorecendo o crescimento e o fortalecimento da rela-ção entre tutores, discentes, preceptores e gestores.

As práticas aqui relatadas indicam que os referidos campos de atuação cons-tituem eixos temáticos importantes para a formação em saúde na área de polí-ticas, gestão e planejamento. Esses saberes devem, de igual modo, configurar uma ferramenta conceitual que possibilite a relação entre a clínica e a gestão do trabalho em saúde nos macros e microespaços do cotidiano.

Vale destacar o empenho dos gestores e o compromisso ético dos precepto-res como fatores essenciais para se concretizar o desenvolvimento das ações e aprendizado de todos os participantes. O compartilhamento da gestão no pro-cesso de ensino-aprendizagem, bem como a instituição de espaços coletivos e sistemáticos de debates e de avaliação foram essenciais nesse processo.

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O projeto PET-Saúde retratou o processo de ensino-aprendizagem em que a transformação das práticas acontece de maneira reflexiva, criativa e inovado-ra, o que irá refletir na educação em serviço e na qualificação dos profissionais.

O serviço e a academia, juntos, irão transformar o obrigatório em prazero-so e formar profissionais mais humanizados, mais produtivos e mais compro-metidos para a coletividade: o serviço procurará implementar um modelo de atenção condizente com os princípios do SUS e a academia contribuirá para a formação adequada dos profissionais, resultando na melhoria da qualidade de vida da população.

O PET representou para o município um dispositivo para a interação dos profissionais, discentes, docentes e gestores no processo de reorientação do modelo assistencial, e revelou um processo de construção coletiva, com maior integração do ensino ao SUS e incentivo à educação permanente dos profissio-nais que atuam na rede, sendo uma experiência considerada exitosa.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 648/GM, de 28 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prtGM648_20060328.pdf>. Acesso em: 16 out. 2016.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 1802, de 26 de agosto de 2008: Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde). Brasília, DF, 2008.

MATUDA, C. G; AGUIAR, D. M. L; FRAZÃO, P. Cooperação interprofissional e a Reforma Sanitária no Brasil: implicações para o modelo de atenção à saúde. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 22, n. 1, p. 173-186, jan./mar. 2013.

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PAULO SOUZA MONTEIRO, ETNA KALIANE PEREIRA DA SILVA,

GABRIELA DOS SANTOS VILASBOAS

Dentre as demandas contemporâneas no âmbito da Saúde Coletiva, a necessi-dade de reorientação da formação em saúde superior aparece como urgente no sentido de proporcionar uma formação ampla e crítica e que possibilite o forta-lecimento e efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS) como direito universal de todo cidadão brasileiro, garantido na Constituição federal de 1988. (FEU-ERWERKER, 2001)

Entretanto, ainda é evidente uma hegemonia dos “modelos flexneriano e hospitalocêntrico”, permeando a formação nas instituições de ensino superior inclinadas em preservar os saberes tecnicistas e biomédicos, descompromis-sados com os novos paradigmas da Saúde Coletiva. (CANÔNICO; BRÊTAS, 2008) Na contramão dos modelos hegemônicos, algumas estratégias têm sido utilizadas para aproximar o graduando do trabalho e da vivência em saúde, proporcionando a qualificação da mão de obra de acordo com a realidade dos serviços, atendendo, assim, às diretrizes que regem a legislação do SUS e apon-tam o papel do mesmo no direcionamento do processo de formação profissio-nal superior na área da saúde.

REORIENTANDO A FORMAÇÃO EM SAÚDEuma experiência exitosa no semiárido baiano sob o olhar discente

CAPÍTULO V

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Entre essas estratégias, encontra-se o Programa de Educação pelo Traba-lho para a Saúde (PET-Saúde), instituído pela Portaria Interministerial nº 421, de 03 de março de 2010. O PET-Saúde surgiu com a finalidade de reordenar a formação superior em saúde, inserindo os discentes no cotidiano dos serviços de saúde, na Atenção Básica e demais níveis de atenção à saúde, trabalho das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), segundo as necessidades desta, enriquecendo o processo ensino-aprendizagem e fortalecendo a qualificação profissional no SUS. Compete, também, ao programa fomentar a articulação ensino-serviço-comunidade na área da saúde. (BRASIL, 2010)

No Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMS/UFBA), em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e a Secretaria Municipal de Saúde de Vitória da Conquista, o PET-Saú-de foi gestado em 2008, permanecendo até o final de 2014. O programa se es-truturou em grupos tutoriais, constituídos mediante a lógica da multidisciplina-ridade com discentes dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Nutrição, Ciências Biológicas, Medicina e Psicologia, preceptores (profissionais de saúde dos ser-viços de saúde, campo de prática) e um tutor (professor da universidade). Foram desenvolvidas, em paralelo, atividades de pesquisa e vivências nos serviços, com quatro equipes atuando na zona urbana e uma na zona rural.

O objetivo deste capítulo é compartilhar as principais facetas da experiên-cia local dos discentes no seu processo de formação em saúde a partir do rela-to de dez indivíduos (discentes e profissionais recém-formados) os quais par-ticiparam do programa em diferentes épocas, entre os anos de 2008 e 2014. O capítulo está estruturado em quatro partes que conduzirão a discussão dos aspectos considerados relevantes, além das considerações finais: 1) O SUS sob a ótica petiana; 2) Interdisciplinaridade e multidisciplinaridade como espaços exitosos; 3) Há que se extensionar a universidade à comunidade, há quem inten-cionar a comunidade à universidade; 4) O SUS como escola: a clareza da neces-sidade de reorientar os currículos a partir da experiência no PET-Saúde.

O SUS SOB A ÓTICA PETIANA

Ainda que o objetivo deste capítulo não seja observar a captação da realidade do SUS sob a ótica dos petianos e das petianas, foi possível identificar nos discur-sos dos mesmos distintas possibilidades de contribuição do SUS no processo de formação. Na percepção de alguns petianos(as), o SUS aparece como um

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contínuo desafio, seja na efetivação das suas potencialidades, seja no enfrenta-mento de suas mazelas. Para uma recém-bacharel em Nutrição e ex-petiana,“é preciso tornar o SUS real”. Segundo ela, através do reconhecimento da amplitu-de e alcance do sistema no âmbito prático, é possível aos profissionais de saúde e discentes implementar no plano concreto “o que já existe no papel”. Na mesma perspectiva, encontra-se a visão de um petiano e estudante de Psicologia, ao fa-lar da visão acurada da Saúde Coletiva proporcionada pelo PET-Saúde: “O pro-grama ofereceu-me uma visão acurada da saúde coletiva em sua dimensão prática, da teoria psicológica e da proposta de interdisciplinaridade, nas suas deficiências e eficiências; nos descasos e nos profissionalismos; nas suas clarezas e antagonismos”.

Outra questão importante evidenciada pelos(as) petianos(as) deu-se no to-cante às querelas que perpassam recursos estruturais dos locais de vivência e recursos humanos. São pontuadas as dificuldades na ausência de espaços ade-quados para realização de atividades de educação em saúde, principalmente as atividades coletivas, além da percepção de certa “mecanização” do trabalho dos profissionais de saúde, imersos numa lógica enrijecida e burocrática de atendi-mento a uma demanda espontânea, muitas vezes sem realizar diagnóstico da si-tuação local ou identificação do perfil epidemiológico no planejamento de ações no território de atuação.

INTERDISCIPLINARIDADE E MULTIDISCIPLINARIDADE COMO ESPAÇOS EXITOSOS

A multidisciplinaridade, de acordo com os(as) petianos(as), proporciona uma visão acurada acerca da complexidade do trabalho em saúde, assim como do próprio conceito ampliado de saúde. Em sua dimensão prática, a multidiscipli-naridade promove melhor resolutividade das ações, bem como melhor direcio-namento e planejamento de ações de longa duração. De acordo com um estu-dante de Farmácia,

ter trabalhado com estudantes e profissionais de outras áreas ajudou mui-to a ter uma melhor dimensão do conceito de saúde. Observar diferentes vi-sões ajuda a construir uma percepção mais complexa e melhor estruturada de situações, problemas, projetos, do cuidado aos pacientes etc. Além de ter melhorado muito a questão do trabalho em equipe onde muitas vezes pensa-mentos e opiniões diferentes podem se complementar para se ter um resulta-do final melhor.

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Para além do trabalho multidisciplinar, a interdisciplinaridade aparece como um desafio na dimensão compreensiva do papel das diversas áreas de graduação em saúde e a sua interação, tanto no âmbito do ensino universitário quanto dos serviços de saúde. Tais questões são referenciadas pelos estudantes de Medicina e Psicologia, respectivamente:

lidar com vários estudantes de diversas graduações consolida essa ideia, além dos estudantes conhecerem entre si as potencialidades de cada curso”. Por-tanto, “o que mais contribuiu para a minha formação foi o desafio de articu-lar áreas do conhecimento por vezes segregadas no âmbito universitário, mas exigidas na vida prática, no dia a dia da saúde pública.

A questão da interdisciplinaridade é referenciada principalmente no que concerne a integração de conhecimentos técnicos oriundos de formações es-pecíficas para a identificação e planejamento de ações resolutivas. As experi-ências vivenciadas durante o PET proporcionaram aos estudantes trocas de conhecimentos, as quais são veneradas como proporcionando uma formação diferenciada, inclusive na sua dimensão pessoal e cidadã, como declara uma estudante de Nutrição: “o PET-saúde me mostrou a importância de cada área, assim como maior conhecimento da atuação destas, e do trabalho em conjunto. E o contato com todos os estudantes do PET é uma experiência à parte, de tão im-portante, inesquecível”.

Finalmente, os conceitos de interdisciplinaridade e multidisciplinaridade aparecem como imprescindíveis, e até mesmo inseparáveis, no que diz respeito à atuação do profissional de saúde na esfera pública. Ao ser questionada sobre a importância do trabalho em equipe no âmbito formativo, uma ex-petiana e, agora, nutricionista, salienta:

Com certeza [foi importante], pois possibilitou compartilhar e aprender conhecimentos desconhecidos ou pouco conhecidos. Além disso, a atuação multiprofissional e interdisciplinar alcança melhores resultados, visto que o indivíduo que procura o serviço de saúde carrega consigo uma bagagem e não pode ser visto, apenas, como um problema de saúde isolado, mas um ser múltiplo afetado por um contexto amplo que exige um olhar amplo e dife-renciado. Dessa forma, cada ciência isolada não será capaz de produzir saú-de em seu sentido real.

Tais palavras certamente coadunam com a máxima defensora da construção de um pensamento coletivo, o qual diz que “juntos seremos mais fortes”.

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HÁ QUE SE EXTENSIONAR A UNIVERSIDADE À COMUNIDADE, HÁ QUEM INTENCIONAR A COMUNIDADE À UNIVERSIDADE

Segundo os(as) petianos(as), a educação pelo trabalho na comunidade pro-porciona um aprendizado singular e valioso, principalmente no âmbito das relações que abarcam ensino-serviço-comunidade. A comunidade como es-cola pluraliza-se na interpretação dos estudantes, ao ponto de, até mesmo, superar os conhecimentos trazidos da universidade, haja vista que a vivên-cia com a comunidade foi muito marcante, pois permitiu uma troca de sa-beres que não constam em livros didáticos. Uma farmacêutica e ex-petiana relata: “Ainda me lembro de muitas histórias e o quanto aprendi com cada uma delas. Com a comunidade, acho que aprendi muito mais do que ensinei nas ati-vidades de educação em saúde”. Este insight certamente encheria os olhos do exímio educador e difusor da educação popular de sobrenome Freire, o qual defendeu em suas obras que os saberes populares e comunitários dever-se--iam funcionar inexoravelmente como direcionadores de quaisquer ativida-des educativas. (FREIRE, 2011) Assim, seria evitada qualquer possibilidade de o saber científico, no âmbito da Saúde Coletiva, funcionar como invasor cultural na esfera comunitária.

A atividade desenvolvida pelos estudantes no domínio comunitário permite vislumbrar outras perspectivas de atuação dos diversos profissionais, ao enten-derem como possibilidade de fortalecimento do território o empoderamento da comunidade, como descreve o ex-petiano e estudante de Medicina: “A par-ticipação dele [o médico] na comunidade e sua responsabilidade na prevenção de doenças e promoção de saúde, estímulo à participação popular nos conselhos locais de saúde e estratégias de educação em saúde, constituíram um outro olhar do fazer médico para mim”.

A experiência com os serviços e comunidade enaltece o processo de for-mação humanizada em Saúde e a afirmação do usuário como ator principal nesse processo, o que pode ser verificado com a fala de um estudante de Far-mácia: “é nesse contato que o ‘paciente’ ganha nome e uma história individual, isso contribui muito com a formação mais humanizada dos estudantes”.

Para além dessa compreensão, o mais importante, na concepção dos estu-dantes, é o entendimento da integralidade do cuidado, e de que o usuário é indi-visível e é mais do que sua enfermidade, morbidade ou doença: é um ser integral e muito mais do que simplesmente “as somas de suas partes”, pois traz consigo

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uma bagagem cultural, uma história de vida social e subjetiva, singularizada na sua forma de vivenciar e enxergar o mundo. Nesse sentido, e acerca da sua in-serção no território, uma ex-petiana e estudante de Nutrição revela: “vivenciar o meio de vida, adentrar no modo de vida daquelas pessoas, me mostrou um outro lado do ‘fazer saúde’, e a importância de como devemos olhar para a pessoa, para o seu meio de vida e não apenas para morbidade que ela apresenta”.

Tudo o que foi dito até aqui pode ser sintetizado na fala de uma estudante de Psicologia:

Evidencia-se a necessidade do estreitamento das relações entre comunida-de-serviço-universidade. Só esse emaranhado dialético é capaz de desvendar as mazelas e vulnerabilidades sociais, apontar os rumos da prática do pro-fissional de saúde e da formação de futuros profissionais. A extensão talvez seja o que mais enaltece essa relação de mão-tripla, no sentido de libertar as Universidades das pesquisas ‘vampiristas’ para as quais a dimensão social se torna muitas vezes um dado, uma fonte para exímias carreiras científicas. Há que extensionar a Universidade para a comunidade, há quem intencionar a comunidade à Universidade.

O SUS COMO ESCOLA: A CLAREZA DA NECESSIDADE DE REORIENTAR OS CURRÍCULOS A PARTIR DA EXPERIÊNCIA NO PET

O SUS aparece como um exímio campo de formação, contudo, pouco apro-veitado pelas matrizes curriculares dos diversos cursos. A experiência com o PET clarificou, na concepção dos estudantes, a urgência de reformas curricu-lares, as quais deveriam direcionar a formação e inserção precoce do profissio-nal de saúde no SUS. Nas palavras de uma estudante de Nutrição: “As discipli-nas necessitam de maior ligação com a prática profissional, levando ao estudante o conhecimento e a clareza de como as coisas acontecem na prática. Acho que meu curso acaba sendo muito teórico e não contempla a vivência no serviço de maneira adequada. Outra questão complicadora é o fato das vivências oportunizadas pelo currículo acontecerem tardiamente – apenas nos últimos semestres”. Coadunando com isso, uma farmacêutica e ex-petiana expressa: “Deveria haver disciplinas de atividade comunitárias em saúde as quais proporcionassem vivência similares, tan-to de aprendizado específico quanto multiprofissional. É uma pena que ainda não se tenha nada assim, e apenas os estudantes que têm a oportunidade de participar do PET sejam privilegiados”.

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Observa-se, a partir das experiências petianas, a representação do SUS como um campo vasto de aprendizado, apesar de pouco utilizado para esse fim. Contudo, a inserção tardia nos cenários de prática, apenas no final do curso de graduação, nos estágios profissionalizantes/obrigatórios, comum à maioria dos estudantes que não teve a oportunidade de participar do programa, dificulta a reflexão crítica acerca do sistema de saúde, do processo de cuidado e gestão em saúde e das abordagens teórico-práticas. Assim, a lógica hegemônica das gra-des curriculares aumenta a chance de inércia do conhecimento, destituindo-o da possibilidade de tornar-se, continuamente, ação-reflexão. Tal práxis é refe-renciada na fala de um dos petianos, estudante de Psicologia:

Ratifica-se, a partir da minha experiência, a grandeza proporcionada pelo programa, no sentido de promover uma inserção precoce no território da saúde pública, a qual para além da aprendizagem prática funcionou como uma via de mão dupla da vivência em sua relação com a teoria – ora ratifi-cando-a, ora desmistificando-a; por vezes sendo orientada por ela, por vezes orientando-me a outras perspectivas teóricas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na concepção dos(as) petianos(as), o PET-Saúde no município de Vitória da Conquista mostrou-se exitoso, principalmente no que concerne ao objetivo de reorientar a formação de seus participantes, promovendo desenvoltura de pen-samento crítico e vivência prática multidisciplinar, a qual consolidou ações in-terdisciplinares, valorização do conhecimento popular/comunitário e motiva-ção dos profissionais de saúde e docentes envolvidos para atuação que propicie o fortalecimento do SUS. Assim, salienta-se a necessidade de ampliação de pro-gramas de educação pelo trabalho que fortaleçam e/ou promovam novos elos entre universidade, serviço e comunidade, e possam influenciar a própria ges-tão local na continuidade de um projeto de consolidação do sistema de saúde.

Finalmente, propõe-se, mediante a reflexão acerca desta experiência de re-orientação da formação, a possibilidade de extrapolar o âmbito do programa e institucionalizar a inserção de componentes curriculares e atividades práticas contínuas nos serviços de saúde do SUS e nas matrizes de todos os cursos de formação em saúde, garantindo a expansão da formação de atores sociais crí-ticos e reflexivos que contribuirão para o fortalecimento permanente do SUS.

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REFERÊNCIAS

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CANÔNICO, R. P.; BRÊTAS, A.C.P. Significado do Programa Vivência e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde para formação profissional na área de saúde. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 256-261, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n2/a04v21n2.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2015.

FEUERWERKER, L. C. M. Estratégias para a mudança da formação dos profissionais de saúde. Caderno Currículo e Ensino, Rio de Janeiro, v. 3, n. 4, 2001.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido.50. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

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DIMENSÃO PRÁTICATERRITÓRIOS E AÇÕES

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EDI CRISTINA MANFROI, ARLINDA GOMES ALMEIDA,

FERNANDA VILAS BOAS RUAS ARAÚJO, ISLANE SILVA NASCIMENTO,

ISMAR GOBIRA, MARCOS DOURADO

INTRODUÇÃO

O número de pacientes portadores de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Diabetes Mellitus (DM) apresenta alto índice e grande risco de morbimortalida-de. Além disso, esse número tende a aumentar nos próximos anos, não somente devido ao envelhecimento da população e à crescente urbanização, mas, sobre-tudo, pelo estilo de vida pouco saudável adotado pela população. (OSTER; MA-TERSON; EPSTEIN, 1990) Essas patologias são geralmente assintomáticas, sendo, portanto, negligenciadas, e apresentam baixa adesão ao tratamento pe-los pacientes. Como base nisso, foi criado pelo Ministério da Saúde, em 2002, um Plano de Reorganização da Atenção à HAS e DM, denominado Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (Hiperdia).

O programa Hiperdia foi criado com intuito de realizar cadastramento e acompanhamento constante de pacientes hipertensos e diabéticos, estabelecer metas e diretrizes para ampliar ações de prevenção, diagnóstico, tratamento e controle da hipertensão e diabetes mellitus, através da reorganização do tra-balho de atenção à saúde e das unidades da rede básica dos serviços de saúde. (BRASIL, 2002)

CUIDADO INTEGRAL EM UM GRUPO HIPERDIAvisão holística e interdisciplinar na formação em Saúde

CAPÍTULO VI

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A HAS tem alta prevalência e baixas taxas de controle, e é considerada um dos principais fatores de risco modificáveis e um dos mais importantes problemas de saúde pública. Estima-se que 7,1 milhões de pessoas no mundo morram anualmente por causa de pressão sanguínea elevada e que 4,5% da carga de doença no mundo sejam causadas pela HAS. (SOCIEDADE BRA-SILEIRA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, 2010) Em relação ao diabetes mellitus, estimativas apontam que 347 milhões de pessoas têm diabetes, sen-do, também, um problema de saúde pública. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2013)

Por serem doenças que, em sua fase inicial, podem ser assintomáticas, a informação em saúde é primordial para uma melhor qualidade de vida e para o processo de mudança nos fatores de risco. Sendo assim, Meyer e colabora-dores (2006) propõem uma educação em saúde não como “estratégia de ali-ciamento”, mas como “eixo orientador de escolhas político-pedagógicas sig-nificativas para um dado grupo e contexto” (p. 1341). Dessa forma, o grupo Hiperdia pode funcionar como metodologia diferencial para uma capacitação coletiva sobre HAS e DM, tornando o usuário consciente da sua condição, e, também, como um potente transformador de suas práticas individuais a partir da troca de saberes coletivos.

A educação em saúde tem sido valorizada como uma possibilidade de trans-formação da prática atual de atenção à saúde. Corroborando essa ideia, surgem alguns estudos que enfatizam sua importância no processo de cuidado, espe-cialmente, no cuidado da pessoa com HAS. Alguns exemplos são: Chaves e co-laboradores, 2006; Pires; Mussi, 2009; Rodrigues; Chiesa, 2007; Santos; Lima, 2008; Toledo; Silva e colaboradores, 2006.

A educação em saúde é considerada um recurso utilizado por profissionais de saúde para atuarem na vida cotidiana das pessoas por meio do conhecimen-to científico produzido no campo da saúde. Todavia, para que esse processo se dê de maneira eficaz, e não impositiva, deve-se primar por práticas as quais res-peitem as diferenças dos atores envolvidos, tornando a educação em saúde uma verdadeira ferramenta de empoderamento do indivíduo. (ALVES, 2005)

Sob a lógica do princípio da integralidade, pode se alcançar resultados satis-fatórios em um grupo de cuidado em saúde, através de dois sentidos: primeiro, pela visão do indivíduo em sua totalidade, ou seja, reconhecendo aspectos bio-lógicos, psicológicos, social e espiritual, abandonando a visão fragmentada do cuidar (FRACOLLI et al., 2011); segundo, pela interdisciplinaridade, na qual os

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diversos profissionais de saúde estão incluídos na potência do processo de cui-dado que consiga contemplar às múltiplas dimensões das necessidades huma-nas. (SEVERO; SEMINOTTI, 2010)

O trabalho em equipe é visto como uma maneira de dividir as responsabi-lidades e de se alcançar mais rapidamente a recuperação da saúde do paciente. Essa visão é justificada com o fato de que cada profissional tem uma percepção diferente da situação, e a união das diferentes percepções facilita a compre-ensão do todo, permitindo vislumbrar o paciente na sua totalidade. (SAAR; TREVIZAN, 2007)

O atendimento integral extrapola a estrutura organizacional hierarquiza-da e regionalizada da assistência em saúde, se prolonga pela qualidade real da atenção individual e coletiva assegurada aos usuários de saúde, requisita o com-promisso com o contínuo aprendizado e com a prática multiprofissional. (MA-CHADO, 2007) Nesse sentindo, entende-se que os grupos de orientação cum-prem um papel importante na educação dos indivíduos.

Este capítulo apresenta a experiência com um grupo Hiperdia, buscando mapear e descentralizar os grupos de orientação por microáreas, criar vínculo com comunidade e com Agente Comunitária de Saúde (ACS), melhorar a ade-são aos grupos, diminuir a demanda desnecessária na unidade e emergências no SUS, facilitar os encaminhamentos para os diversos profissionais de saúde, pôr em prática o trabalho interdisciplinar e realizar atividades educativas com intuito de aprimorar o conhecimento da comunidade acerca da importância do tratamento e esclarecimento de dúvidas sobre a doença.

METODOLOGIA

Este relato de experiência é fruto do planejamento de atividades de vivência direcionadas às práticas dos discentes do Programa de Educação pelo Traba-lho para Saúde (PET-Saúde), no cotidiano da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de uma Unidade de Saúde da Família (USF) situada no município de Vi-tória de Conquista-BA. A unidade conta com a participação dos estudantes do PET-Saúde, Agentes Comunitários de Saúde (ACS), profissionais do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (Nasf) e da equipe de Saúde da Família.

A USF em questão localiza-se na zona oeste da cidade e caracteriza-se como um bairro periférico, com população estimada em 5 284 habitantes, sendo 2 719 mulheres e 2 565 homens, e em sua maioria de classe baixa. De uma forma

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geral, na porção mais baixa do bairro, a população tem um poder econômico maior, já na porção mais alta, a população é mais carente economicamente. A área de abrangência da unidade de saúde é composta por oito microáreas, e abarca três bairros da zona oeste da cidade. Os bairros têm características dis-tintas em relação a aspectos sociais e de infraestrutura, que é coincidente com as características geográficas da área.

A sistematização de ações do grupo Hiperdia é orientada, inicialmente, na reunião de equipe, na qual o “mediador” – quem exerce esse papel – informa à enfermeira sobre a necessidade do grupo, mediante demanda ou necessidade percebida na territorialização ou avaliação de dados epidemiológicos locais. O enfermeiro é responsável por acionar o agente comunitário, o qual convida-rá a comunidade hipertensa e diabética para participar do grupo. Nessa oca-sião, também são informados o dia, a hora e local do encontro. No grupo, pri-meiramente, é realizada a identificação dos hipertensos e diabéticos previa-mente mapeados pela ACS.

Há também o processo de seleção de usuários, utilizando um formulário semiestruturado para caracterização do perfil social do paciente, coletando in-formações como: idade, gênero, hábitos de fumar ou ingerir bebida alcoólica. No mesmo momento, avalia-se a prescrição médica, considerando a necessida-de de sua renovação e efetividade dos medicamentos, assim como a necessidade de encaminhamento para outros profissionais de saúde, como médico, nutri-cionista, educador físico, fisioterapeuta, psicólogo, farmacêutico, parceiros ou outro profissional da rede.

Esses pacientes são, ainda, acompanhados mensalmente para avaliar a evolução da condição clínica. Além disso, é também realizada uma visita do-miciliar aos pacientes acamados ou aos faltosos, na premissa de preservar o princípio da integralidade do cuidado, garantindo o acesso aos serviços de saúde a toda comunidade.

No momento da triagem, também são realizadas as medidas antropo-métricas. Depois, é realizado o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), utilizando a fórmula: IMC= massa (Kg)/altura2(m2), cujas interpretações são baseadas nos dados preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para os pacientes que precisam de intervenções, é agendado um dia de retorno para avaliar se houve alguma melhora, ação crucial para manter o vínculo com o paciente e que também contribui para adesão e o seguimento do tratamento.

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Mediante conhecimento prévio do número de hipertensos e diabéticos ma-peados na microárea, tem-se a noção de quantos pacientes não estão sendo atendidos no grupo, principalmente os pacientes que não podem comparecer por motivo de trabalho nos turnos de funcionamento do serviço de saúde. Com intuito de ampliar o acesso à saúde, o grupo recorre a estratégias de busca ativa desses pacientes por meio de visitas domiciliares e mutirões de saúde (feiras de educação em saúde) realizadas em finais de semana.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização do “local da experiência” e “a experiência”

Os grupos aqui apresentados representam duas microáreas do bairro em que a USF em estudo está situada. Foram escolhidas duas microáreas (A e B) as quais apresentam muitas disparidades sociais, com o intuito de comparar regiões tão próximas, mas que apresentam condicionantes e determinantes de saúde distin-tos, os quais refletem diferentes resultados na saúde.

Em relação à caracterização das microáreas, pode-se afirmar que a micro-área A possui 97 hipertensos cadastrados e 20 diabéticos (adultos e idosos). Hipertensão e diabetes são, inclusive, os principais e mais predominantes pro-blemas de saúde, segundo a ACS da unidade de saúde. Em geral, a população é de renda média e são, em sua maioria, funcionários públicos e comerciários. O índice de analfabetismo é baixíssimo, sendo que a maioria dos moradores possui ensino fundamental completo. Uma pequena parcela da população pos-sui plano de saúde, outra parcela frequenta a USF, porém, de forma irregu-lar, por considerar que a mesma não é acessível, principalmente pela distância. Os moradores relatam, também, o número limitado de vagas para atendimen-to. A microárea A possui acesso fácil ao transporte público e ruas pavimenta-das e aparentemente limpas, sendo que a coleta de lixo é realizada através do caminhão da prefeitura em dias alternados. Além disso, apresenta estrutura de rede de esgoto, contudo, a maioria da população ainda não realizou a ins-talação. O abastecimento de água dos domicílios é feito através de encanação realizada pela empresa Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), e a boa parte dos moradores trata a água através da filtração. A microárea, em sua totalidade, possui rede elétrica. A maioria das residências é feita de tijo-los/blocos. Desse modo, a microárea A apresenta benefícios em relação às ou-tras microáreas do bairro em que a Unidade está alocada, o que sugere menor

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contaminação e infecção de doenças devido à presença de rede de esgoto e abastecimento de água.

Em contrapartida, a microárea B apresenta uma população predominan-temente adulta. A maioria das pessoas é analfabeta, e os que frequentaram escola apresentam um nível de escolaridade menor que quatro anos completo de estudo. Além disso, a área possui um elevado índice de tráfico de drogas e violência. Os principais problemas de saúde relatados pela ACS são hiperten-são, parasitoses e diabetes. Nessa microárea, encontram-se cadastrados 70 hipertensos e 17 diabéticos. Em geral, a população possui uma renda menor que um salário mínimo por família, renda essa que provém, basicamente, da coleta de lixo e reciclagem. Uma grande parcela da população de idosos e de mulheres utiliza os serviços oferecidos pela USF, a outra parcela da microá-rea não frequenta a unidade, usando como justificativa a falta de vagas, além da dificuldade de acesso, principalmente por causa da inclinação geográfica do bairro. A microárea possui coleta seletiva de lixo em carroças, entretanto, as ruas ficam com grande quantidade de lixo entulhado. A maioria das ruas não possui pavimentação, por esse motivo, é difícil a circulação do transporte coletivo. A maioria da população utiliza rede elétrica de energia. O abasteci-mento de água dos domicílios é feito através de encanação realizada pela em-presa Embasa, e grande parte dos moradores trata a água através da filtração. O tipo de casa existente no bairro é de tijolo/adobe, taipa revestida e material reaproveitado. A microárea apresenta estrutura de rede de esgoto, entretanto, a maioria da população ainda não realizou a instalação, fazendo uso de fos-sas e depósito em céu aberto para o destino de fezes e urina. A falta de rede de esgoto, tal como o destino inadequado dos lixos, gera grandes impactos na saúde da população, uma vez que acarreta inúmeras doenças. Observa-se uma necessidade de implantação de ações de educação em saúde nesse aspecto.

O desenvolvimento do grupo Hiperdia na microárea A foi realizado numa igreja local. No primeiro encontro, foi feita a triagem, com aferição de pressão arterial, medidas antropométricas, preenchimento de questionário e consulta com a nutricionista. No encontro seguinte, aconteceram atividades educati-vas, constituídas de apresentações sobre o que é hipertensão arterial, quais os sinais e sintomas e importância do tratamento. Já no terceiro encontro, hou-ve a participação do educador físico, que realizou alongamentos e atividades físicas com os hipertensos. Nesse mesmo dia, foi feita orientação com o far-macêutico e também a marcação de retorno para melhor acompanhamento

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dos pacientes. Também foram realizadas, na microárea A, visitas domiciliares para os pacientes acamados.

Na microárea B, os encontros foram todos realizados na USF. No primeiro en-contro, foi realizada a triagem dos pacientes hipertensos, a troca de receitas, con-sulta com a nutricionista e preenchimento do questionário. O segundo encontro teve a participação dos pacientes os quais haviam agendado retorno e a triagem dos pacientes que não foram ao primeiro encontro. Nessa microárea, foram rea-lizados vários encontros do grupo para que abrangesse um maior número de hi-pertensos e diabéticos. Também foram feitas visitas domiciliares para acamados. Como atividade educativa, foi realizada uma palestra com a psicóloga do Nasf.

Como estratégia para atingir a população masculina, que por diferentes motivos não participou do grupo, foi realizada uma feira de saúde na USF. Nes-se dia, os hipertensos que pertenciam às microáreas A e B participaram da tria-gem e foram acompanhados posteriormente.

CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

No grupo B, foi observado um número maior de participantes do que o grupo A. Em relação ao gênero, em ambos os grupos, houve predominância de mu-lheres. Em um estudo, Gomes e colaboradores (2007) explicaram que vários são os fatores os quais influenciam a falta da procura masculina aos serviços de saúde, e dentre esses fatores, pode-se citar uma questão de cultura em que o au-tocuidado está associado à figura feminina, ou ao próprio medo em encontrar uma nova doença, ou mesmo à falta de campanhas de saúde pública voltadas a esse segmento. No que diz respeito à escolaridade, a microárea A apresentou uma taxa de indivíduos alfabetizados significativamente maior do que na mi-croárea B, entretanto, esse resultado não influenciou no uso adequado do me-dicamento, visto que, na microárea A, a taxa de erros relacionados ao uso do medicamento foi maior do que na micro área B, embora a avaliação de erros de medicamentos ter sido por meio de auto relato. No grupo A, os pacientes informaram omitir dose de medicamento para hipertensão após resultado de aferição de pressão se encontrar dentro dos parâmetros preestabelecidos. Já na microárea B, os pacientes informaram ter dúvidas sobre o uso. Esse fator é de-sencadeante de erros no momento da administração.

A complexidade dos esquemas medicamentosos, juntamente com a falta de entendimento, esquecimento, diminuição da acuidade visual e destreza manual

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que ocorrem nos idosos, contribui para que haja grande quantidade de erros na administração de medicamentos. Além disso, acrescenta-se, em nossa realida-de, alto índice de analfabetismo, o que pode comprometer o entendimento e le-var ao uso incorreto do medicamento. (MARIN, et al. 2008)

Em relação aos dados antropométricos, foi possível observar que a micro-área A, cuja condição social é melhor, apresentou melhores índices, sendo que nenhum participante apresentou o IMC maior do que 30. Já no grupo B, a re-alidade foi diferente: um total de 40,74% dos participantes apresentou índice maior do que 30, enquadrados na classificação de obesidade grau I. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990) Esses dados influenciaram diretamente na taxa de pressão arterial descompensada, visto que, no grupo B, o número de pacientes com pressão descompensada foi maior do que no grupo A.

Vale ressaltar, também, que a realização do grupo Hiperdia permitiu maior facilidade nos encaminhamentos, já que foi possível um trabalho multiprofis-sional. Os encaminhamentos foram realizados para o fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista e médico. Com base nos dados levantados com a análise dos re-sultados dos grupos, observou-se que, nas duas microáreas, a nutricionista teve o maior número de encaminhamentos, seguido pelo psicólogo, fisioterapeuta e, por fim, o médico. A partir disso, observa-se que o encaminhamento para o profissional adequado, o qual atenderá a necessidade do paciente, reduz os atendimentos médicos desnecessários, diminuindo filas no atendimento e, con-sequentemente, melhorando a qualidade dos serviços oferecidos.

Em relação aos usuários, o grupo contribuiu para melhoria nos conheci-mentos acerca da doença e do tratamento, além de aumentar satisfação na ra-pidez nos encaminhamentos, possibilitando resolução dos problemas de saúde de forma mais efetiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estruturação do grupo de educação Hiperdia por microárea foi uma experi-ência exitosa, posto que melhorou a articulação entre os profissionais e o acesso da população aos serviços de saúde. Destaca-se como principal motivo a facili-dade de acesso ao grupo em um local mais próximo das suas residências.

A realização do grupo em microáreas distintas também permitiu uma me-lhor reflexão sobre as reais necessidades dos pacientes, as quais podem apre-sentar variações a depender do contexto social em que vivem, haja vista que

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microáreas diferentes apresentaram disparidades. Assim, conhecer as peculia-ridades e os determinantes de saúde permitiu um planejamento das ações de saúde mais eficazes e direcionadas às necessidades da população.

REFERÊNCIAS

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IALANE MONIQUE VIEIRA DOS SANTOS, PATRÍCIA BAIER KREPSKY,

MARIA DE LOURDES FREITAS FONTES

INTRODUÇÃO

A história da “loucura” é marcada por uma forte segregação associada a estig-mas sociais que recaíram e ainda recaem sobre as pessoas em sofrimento men-tal de maneira negativa e excludente. Com a reforma psiquiátrica, que ganhou força no Brasil durante a década de 1970, congregaram-se questionamentos so-bre o modelo asilar de tratamento da doença mental. Esses esforços buscam promover a inclusão psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico pautada na cidadania. A proposta da reforma foi fortalecida pelos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e regulamentada pela Lei n º 10.216, de 2001, a qual se baseia em novos olhares e perspectivas sobre a “loucura”, a fim de superar pro-blemas sociais arraigados na cultural manicomial. (BRASIL, 2001)

A segregação do “louco” da sociedade manifestou-se através de múltiplas formas de humilhação, violência e opressão, como o enclausuramento em ma-nicômios e as naus dos loucos, nas quais, por volta do século XV, os doentes mentais eram exportados para o mar e entregues a própria sorte. Com a políti-ca capitalista, fortaleceu-se a ideologia de isolamento da “loucura”, considerada inútil para produção econômica. (FOUCAULT, 1975) No entanto, a psiquiatria mostrou sua própria falência e contradição ao expulsar o doente mental de seu

LOUCOS POR CINEMAsaúde mental em unidade de saúde da família

CAPÍTULO VII

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contexto social, excluindo-o de sua própria humanidade, sujeitando-o a humi-lhações e mortificações, produzindo intenso sofrimento mental ao invés de pro-cessos terapêuticos. (BASAGLIA, 2001) A institucionalização da “loucura” no modelo asilar é, em essência, também contraditória: exclui-se para incluir, ou seja, na tentativa de curar, acentua-se o sofrimento mental ao invés de aliviar. (AMARANTE, 2010) Diante dos modos de abordar e vivenciar a doença men-tal, fica evidente que o problema maior não é a doença em si, mas sim as relações as quais se estabelecem com a mesma, que, geralmente, assumem um sentido estigmatizante e a perda de valor social. (BASAGLIA, 2001)

O processo de reforma psiquiátrica é um movimento com influência das ideias da psiquiatria democrática em comunidade terapêutica de Franco Basa-glia. Além disso, a reforma psiquiátrica brasileira teve uma íntima relação com os ideais do movimento pela reforma sanitária, a qual levou à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), visando a reorientação do modelo de atenção também aos portadores de sofrimento mental.

O Programa de Saúde da Família (PSF), constituído com o objetivo de forta-lecer os princípios do SUS de universalidade, equidade e integralidade na aten-ção básica, promovendo recuperação, prevenção e promoção em saúde, apre-senta-se como instância apropriada para o acolhimento das pessoas em sofri-mento mental e democratização dos conhecimentos acerca do processo saúde--doença, dos direitos de saúde e de cidadania. O programa faz parte da rede de atenção à saúde mental, contribuindo para a consolidação da reforma psiquiá-trica, pois visa a atenção centrada na família em seu contexto social, com am-pliação das práticas de atenção, compreensão do processo saúde-doença que pretende ultrapassar as práticas curativas.

Embora atualmente haja uma desvalorização do trabalho no PSF e desarticu-lação entre os diferentes níveis de atenção, o programa apresenta grande potencial de promoção da saúde, pois se configura como uma atenção continuada e holística, com possibilidades amplas de compreensão das necessidades dos usuários. Meta-foricamente podemos dizer que o PSF assemelha-se a um filme em comparação a atenção hospitalar, que, por sua vez, assemelha-se a uma fotografia por ser pontual centrada no momento do sujeito isolado do seu contexto social. (CUNHA, 2005; FRANCO et al., 2007) Pode-se considerar que uma das demandas da Atenção Bá-sica, no caso do PSF, seria acolher as pessoas em sofrimento mental de modo hu-manizado, promovendo sua inclusão na família e comunidade, e as encaminhar para outras unidades de saúde da rede de saúde mental quando necessário.

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Basaglia (2001) argumenta a forte necessidade de negar e descristalizar os modos de violência, opressão e institucionalização do corpo e da vida das pes-soas em sofrimento mental, para a criação da corresponsabilização, indo em direção a uma atitude ética e política. Além disso, o autor defende a necessida-de de se enfrentar dialeticamente as contradições inerentes às relações sociais ao invés de ignorá-las, encobri-las, ou encarcerá-las na tentativa de mostrar um mundo ideal. Todavia, a dialética só pode existir quando há diversidade de pos-sibilidades, caso contrário, o doente torna-se prisioneiro do território psiqui-átrico e do mundo externo, aderindo a ordens preestabelecidas por códigos e rótulos os quais pretendem representar o normal e o patológico. A rede de cui-dados em saúde mental visa contribuir para inclusão da diversidade.

Diante disso, é necessária a presença de atores que possam protagonizar ações rumo à produção de novos sentidos para as ações de saúde, assim como múltiplas ferramentas conceituais e operacionais, transdisciplinares, centradas no usuário e suas necessidades, inclusive de autonomia e direito a singularidade e a ser diferente. (FRANCO et al., 2007)

Os lugares de atenção à pessoa em sofrimento mental devem ser lugares de acolhimento, vínculo de confiança, de troca e construção da subjetividade, no próprio território, usando os recursos da própria comunidade. (AMARANTE, 2007) Como ainda existe no imaginário dos familiares e da comunidade a ideia de exclusão da pessoa em sofrimento mental, de sua incapacidade de relação com o outro, ações de sensibilização para os princípios da reforma psiquiátrica precisam estar presentes em unidades de Atenção Básica, quando se deseja con-tribuir para o fortalecimento da reforma visando qualidade de vida e autonomia possível aos portadores de transtornos mentais.

A sociedade busca produzir sentidos em torno das vivências que passam a ser uma representação coletiva quando compartilhadas. (AMARANTE, 2007) Assim, a psiquiatria contribuiu muito para a representação da “loucura” como perigosa. Da mesma forma como o estigma foi construído coletivamente, é co-letivamente que se deve buscar modos de rompimento com a lógica de exclusão do portador de sofrimento mental. O recurso proposto para tal foi a exibição de filmes os quais abordam o tema sofrimento mental de diferentes formas, segui-da de discussão sobre as impressões causadas nos participantes.

Consideramos que a maneira como a pessoa em sofrimento mental é rece-bida nos dispositivos de saúde, vista e entendida pela comunidade, colabora, ou não, para a consolidação da reforma psiquiátrica e para o prolongamento do

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modelo manicomial e hospitalocêntrico. Na tentativa de contribuir para a inclu-são social e promover a aceitação e o respeito à pessoa em sofrimento mental, organizamos encontros mensais na área de abrangência de uma unidade de saú-de da família de Vitória da Conquista – BA, para discussão de filmes temáticos relacionados à inserção social da pessoa em sofrimento mental.

DISCUTINDO A LOUCURA

Para viabilizar a experiência, algumas estudantes de Psicologia, inseridas no Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), na tentativa de solidificar os princípios da reforma psiquiátrica, propuseram aos usuários da unidade de saúde da família da Urbis V, em Vitória da Conquista – BA, a exibi-ção de filmes com temas relacionados a inserção social do indivíduo com trans-torno mental.

Os filmes foram empregados como formas de expressão artística com a fi-nalidade de usar a potencialidade transformadora inerente à arte. Moura (2011) fala da possibilidade da arte como linhas subjetivas, para expressar e criar um mundo. A arte com a potencialidade de fomentar processos de resistência às adversidades, de modo que a arte inerente à sensação atua na constituição da subjetividade, e inventa modos de vida e resistência em meio à crise, ao caos, e a adversidade. O estudioso sugere, ainda, olhar e compreender os sintomas do sofrimento mental não de forma reducionista, mas sim integral.

Os filmes foram exibidos mensalmente pelas alunas com a participação, em algumas sessões, da preceptora ou tutora do programa na Unidade de Saúde da Família (USF) em questão. O local escolhido para esses momentos foi um salão paroquial que fica próximo à unidade de saúde. Esse salão é rotineiramente uti-lizado para realizar atividades do PSF devido à falta de sala disponível para ati-vidades em grupo na unidade de saúde.

Inicialmente, o objetivo era abarcar familiares de indivíduos com transtor-no mental, para que pudessem compartilhar as experiências, vivências, angús-tias, e discutir a necessidade de inclusão e aceitação do indivíduo com transtor-no. Entretanto, devido à baixa adesão, as exibições dos filmes foram abertas para toda a comunidade, com o intuito de abranger um maior contingente de pessoas e despertar reflexão, sensibilidade, indignação e participação coletiva e corresponsável no engajamento afetivo e político para romper com condições de encarceramento, estigmas e preconceitos em toda comunidade, na tentativa

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de que o portador de transtorno mental seja tratado com humanidade, respeito e que seja acolhido pela própria comunidade.

Como estratégia de divulgação da ação, foram confeccionados convites in-dividuais contendo as informações sobre data, horário e local de cada sessão, e entregues aos usuários da unidade de saúde por profissionais, especialmente agentes comunitários de saúde, enfermeiras e médicas, além das próprias estu-dantes envolvidas.

Após a exibição dos filmes, era aberto um momento de discussão espontâ-nea sobre variados temas os quais emergiam da relação entre a experiência de cada espectador com o filme assistido.

Rainone e Froemming (2008) relatam atividade semelhante: a experiência de utilizar o cinema como abertura de um espaço para a problematização de-sencadeadora de processos discursivos e criativos em usuários do Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Os autores destacam que o filme implica um ape-lo narrativo, visual e auditivo, estabelecendo uma comunicação singular com cada espectador, que, por sua vez, preenche as lacunas com os pensamentos e experiências próprias, transformando significados e deixando se transformar na relação com a arte, gerando expressões, projeções e identificações, median-te as cenas cinematográficas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O primeiro filme exibido foi A Garota Ideal, o qual retrata a história de um ho-mem solitário que tinha delírios e lidava com uma boneca de silicone como se fosse real. Ao invés de estigmatizá-lo, toda a comunidade se mobilizou para acei-tar o seu delírio e passou a tratar a boneca como se, de fato, nela houvesse vida.

A partir da produção, foi possível mencionar, na discussão, a aceitação so-cial do indivíduo com transtorno mental, o envolvimento comunitário necessá-rio na luta antimanicomial, bem como o compartilhamento de experiências dos familiares com o transtorno. A médica da USF e preceptora do PET também contribuíram para complementar a discussão trazendo relatos e experiências.

O filme apresentado na comunidade posteriormente foi Bicho de Sete Cabe-ças. Ele aborda assuntos como o uso de drogas, a vida no hospital psiquiátrico, o abuso do poder, o uso irresponsável de medicamentos, a internação compulsó-ria, as relações familiares etc., e foi possível abrir uma discussão que envolvesse todos esses assuntos.

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Menos que Nada foi o filme seguinte. A produção conta a história de um indivíduo com transtorno psiquiátrico internado em um hospital, e transcor-re através de uma longa investigação feita pela psiquiatra da instituição sobre a vida do paciente. Através dessa investigação, surgiram diferentes problemá-ticas, como sexualidade e luta antimanicomial. No grupo, esses temas foram abordados a partir de reflexões e questionamentos levantados pelos partici-pantes. Priorizou-se a conversa horizontal pautada na escuta e considerando as contribuições trazidas pelos integrantes do grupo, o que aconteceu também nas demais sessões.

O quarto filme foi Uma Mente Brilhante, o qual apresenta uma história, baseada em fatos reais, de um homem diagnosticado com esquizofrenia que, apesar dos sofrimentos enfrentados, com o apoio da esposa, consegue lidar com a angústia mental e desenvolver suas potencialidades, tornando-se um professor universitário vencedor do premio Nobel. Com esse filme, emergi-ram temáticas relacionadas às potencialidades artísticas, culturais e cogniti-vas das pessoas em sofrimento psíquico, além disso, fortaleceu-se a compre-ensão relacionada à importância do acolhimento e apoio familiar em situa-ções de crise e sofrimento psíquico.

O Lado Bom da Vida também foi exibido. O filme mostra a história de um homem diagnosticado com transtorno bipolar, que, após uma separação ma-trimonial, desencadeada por suas situações de crise, consegue ressignificar sua história e encontrar novas possibilidades de amor com o apoio de amigos, fa-miliares e terapeuta. Desse filme, surgiu a discussão sobre as consequências do sofrimento mental nas relações interpessoais afetivas, despertando nos partici-pantes declarações acerca da necessidade de empatia, coexistência, compreen-são e amizade para com as pessoas em situação de sofrimento psíquico.

Estiveram presentes nas exibições cerca de oito pessoas de ambos os sexos e diferentes idades. Em um dos dias, porém, apenas uma pessoa, além dos or-ganizadores, participou. Mesmo nesse dia, a discussão, com base nas falas dos participantes, foi intensa.

Através do cinema, foi possível proporcionar momentos de conversa e escu-ta das percepções dos participantes sobre os transtornos mentais, assim como momentos de democratização do conhecimento relacionado à reforma psiqui-átrica brasileira.

Logo após a exibição, os participantes manifestavam suas impressões so-bre o filme, gerando uma conversa entre eles com intervenções das estudantes

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e profissionais, no sentido de favorecer a compreensão dos princípios da refor-ma psiquiátrica, especialmente no que se refere ao acolhimento das diferenças. Agregou-se a arte cinematográfica, a expressão das diferenças e a voz de pesso-as da comunidade para contribuir no acolhimento das pessoas em sofrimento psíquico e seus cuidadores, assim como desconstruir a ideia de exclusão, discu-tindo as possibilidades de vida em comunidade e em família dos portadores de transtornos mentais.

A experiência aqui relatada foi criativa, protagonizando ações rumo à pro-dução de novos sentidos quanto a forma de ver, compreender e se relacionar com as pessoas em sofrimento psíquico, usando o cinema como ferramenta. Portanto, considera-se que a dimensão sociocultural atingida pela exibição e discussão de filmes, com temática relacionada à reforma psiquiátrica, tenha fa-vorecido a produção de sentidos e significado para os participantes.

Consideramos que as sessões de cinema seguidas de discussão podem ser classificadas como tecnologia leve de trabalho em saúde, que, de acordo com Merhy (2007a), são tecnologias pautadas na produção de vínculos. Por isso, entendemos que tais tecnologias podem abrir possibilidades de cuidado para pessoas em sofrimento mental, as quais envolvam a comunidade. Além disso, durante a realização dos momentos de encontro para discussões fílmicas, cria--se um ambiente propício ao movimento da vida, como proposto por Merhy (2007b), indo além dos limites do instituído, propiciando aos usuários maior grau de liberdade e autonomia nos seus modos de caminhar no mundo, assim como o respeito pela vida, a motivação criadora e o empenho improvisador a favor da vida.

Desse modo, as discussões temáticas relacionadas à reforma psiquiátrica possibilitaram democratização do entendimento relacionado ao sofrimento mental e as necessidades de inclusão social, contribuindo para atenuar o sofri-mento e marcas de exclusão resultantes das estruturas sociais opressoras e pa-togênicas (AMARANTE, 2007), em um processo social aberto e dialético, o qual visa à valorização das vivências, tanto das pessoas em sofrimento mental, quanto dos seus familiares e demais membros da comunidade.

Assim, com o uso da imagem cinematográfica, atrelada à escuta qualifica-da e o olhar ampliado, ficaram evidentes muitas potencialidades no campo da saúde mental, mostrando que, através do cinema, é possível trabalhar a reelabo-ração de complexos temas em saúde psíquica, resultados esses também aponta-dos por Rainone e Froemming (2008).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho foi uma tentativa de fortalecer a participação da comunidade na luta pela consolidação dos princípios da reforma psiquiátrica a partir de: a) co-nhecimento dos princípios da reforma a partir das falas dos participantes esti-mulados pela exibição dos filmes; b) maior compreensão por parte dos partici-pantes da situação de sofrimento mental; c) estímulo ao respeito às diferenças e singularidades, dignidade, cidadania. Foi o início de um processo de superação da intolerância quanto ao sofrimento mental.

Assim, dentro das possibilidades limitadas, esse trabalho favoreceu a des-construção de representações equivocadas e rotuladas sobre o sofrimento men-tal, modos de preconceitos, estigmas, cárceres e marginalização que perduram, no contexto da reforma psiquiátrica: tendência perigosa que há tempos gerou, e continua a gerar, profunda exclusão e intenso sofrimento. Com tudo isso, pode-mos dizer que o nosso esforço contribuiu para a participação da comunidade na inclusão social dignidade e saúde das pessoas em sofrimento mental.

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RODRIGO SANTOS DAMASCENA, MARIA DE LOURDES FREITAS FONTES,

NÍLIA MARIA DE BRITO LIMA PRADO

INTRODUÇÃO

O tabagismo é considerado, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a principal causa de morte evitável em todo o mundo, e um dos mais importantes fatores de risco para doenças cardiovasculares, câncer e doenças respiratórias. A OMS estima que um terço da população mundial adulta, isto é, 1 bilhão e 200 milhões de pessoas – entre as quais 200 milhões de mulheres, sejam fumantes. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011)

Alguns estudos comprovam que aproximadamente 47% de toda a popula-ção masculina e 12% da população feminina no mundo fumam. Enquanto nos países em desenvolvimento os fumantes constituem 48% da população mascu-lina e 7% da população feminina, nos países desenvolvidos, a participação das mulheres mais do que triplica: 42% dos homens e 24% das mulheres têm o com-portamento de fumar. (AZEVEDO E SILVA, 2014) O total de mortes devido ao uso do tabaco atingiu a cifra de 4,9 milhões de mortes anuais, o que corres-ponde a mais de 10 mil mortes por dia. (BRASIL, 2004a)

No Brasil, a prevalência de fumantes vem reduzindo desde os anos 1980. Da-dos de inquéritos nacionais mostram a importante queda do tabagismo nas últi-mas décadas: em 1989, a prevalência era de 34,8%, passando para 17,2% em 2008.

A “LUDICIDADE EM SAÚDE” NO COMBATE AO TABAGISMOrelato de experiência de um grupo tutorial interdisciplinar do Programa PET-Saúde em Vitória da Conquista – BA

CAPÍTULO VIII

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(CARVALHO, 2013; MONTEIRO et al, 2007) Esse fato se deve às campanhas e fiscalização intensa quanto ao uso indevido, principalmente pelo Instituto Nacio-nal do Câncer (Inca), do Ministério da Saúde (Inca/MS), o qual coordena e articu-la as ações, em parceria com as três instâncias governamentais, federal, estadual e municipal, abrangendo as áreas da educação, legislação e economia, desenvolven-do estratégias para a redução da prevalência de fumantes.

Contudo, é no cenário municipal que as ações educativas são operacionali-zadas, e a Atenção Primária à Saúde (APS) têm sido um relevante espaço nesse processo de cessação do tabagismo e conscientização dos indivíduos sobre os riscos desta prática para a saúde, por alcançar a comunidade de forma contínua e nos territórios da sua realidade concreta. Por meio da Estratégia Saúde da Fa-mília (ESF) e de uma equipe multiprofissional, caracterizada por um compor-tamento compartilhamento de saberes (STARFIELD, 2002; VILLASBOAS; TEIXEIRA, 2014), viabiliza-se um entrelaçamento de práticas comunitárias, promovendo um olhar holístico para os desafios encontrados no cotidiano que permite direcionar os pontos críticos primordiais para a práxis. (BRASIL, 2001)

Esse atual processo de reorganização do sistema de serviços de saúde no Brasil vem favorecendo a discussão e implementação de estratégias, com o ob-jetivo de preparar os futuros profissionais de saúde para atender a uma nova práxis sanitária (ALMEIDA FILHO, 2011), sendo incentivada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais as quais norteiam as bases curriculares dos cursos de graduação na área da saúde, ou seja, uma formação em Saúde, que constitua su-jeitos capazes de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações, em sua complexidade, e percebam o valor da interdisciplinaridade e a necessidade de situar a importância das necessidades da coletividade nos desa-fios, dúvidas, e interrogações da atuação profissional. (HADDAD et al., 2009)

O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), criado pela cooperação conjunta entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educa-ção (MEC), e regulamentado pela Portaria Interministerial nº 421, de 3 de mar-ço de 2010, caracteriza-se como uma estratégia pedagógica que potencializa uma formação generalista/holística com práticas formativas contextualizadas e reflexivas sobre o trabalho em equipe focado na assistência comunitária, im-prescindível para a formação de recursos humanos na perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS). (BRASIL, 2004c; BRASIL, 2010)

Nessa perspectiva, o Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMS/UFBA), campus Anísio Teixeira, implantado no ano de

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2006 como parte do processo de expansão e interiorização do ensino superior federal do país, aderiu ao PET-Saúde no ano de 2008, estabelecendo parcerias com a Secretaria Municipal de Saúde do município de Vitória da Conquista, e outra Instituição de Ensino Superior (IES), a Universidade Estadual do Sudo-este da Bahia (UESB), e envolvendo os cursos de graduação em Enfermagem, Farmácia, Nutrição, Psicologia, Biologia e o curso de Medicina da UESB, tendo como preceito a interdisciplinaridade.

As iniciativas do PET-Saúde no município foram reforçadas e contribuíram para a consolidação do SUS municipal, reconhecido nacionalmente como exi-toso na organização das práticas de saúde na APS. A inserção precoce dos dis-centes nos cenários de práticas colaborou para o desenvolvimento de um pensa-mento crítico e reflexivo, o qual permitiu desvelar a realidade e apresentar ações transformadoras que levassem o indivíduo a uma emancipação enquanto sujei-to histórico e social capaz de propor e opinar nas decisões de saúde da coletivi-dade. (CALDAS, 2012; SANTOS; ALMEIDA; REIS, 2013)

As ações educativas, inclusive com impacto na redução e iniciação à cessa-ção de tabagismo, foram sistematizadas e desenvolvidas nas unidades de saú-de. Essas ações foram idealizadas através da formação de grupos educativos e terapêuticos, nos quais o tema tabagismo foi inserido nas rotinas desses espa-ços, conscientizando os indivíduos tabagistas de um território, contando com a participação de profissionais da ESF, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e discentes do PET-Saúde.

Orientados pela necessidade de transpor práticas setorializadas e fragmen-tadas, algumas atividades desenvolvidas são permeadas pela abordagem lúdica e educativa em saúde, a qual possibilita o processo de aprendizagem, o desen-volvimento pessoal, social e cultural, facilitando os processos de sociabilização, comunicação e construção do conhecimento, o que nos faz vislumbrar uma “convergência entre o saber e o fazer”.

Este capítulo resgatou a experiência exitosa de um grupo terapêutico de combate ao tabagismo, que buscou interrelacionar as práticas e ações de saú-de de uma equipe multiprofissional com a ludicidade, com o intuito de facilitar a compreensão do usuário sobre o problema e permitir a sua percepção como sujeito autônomo capaz de enfrentar a sua realidade. Além disso, possibilitou reflexões e a problematização sobre a necessidade de mudanças no perfil de for-mação acadêmica dos estudantes e da conduta multiprofissional. Foi desenvol-vida no município de Vitória da Conquista – BA com a participação de tutores,

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preceptores e estudantes do Programa PET-Saúde e outros profissionais da USF e Nasf.

A EXPERIÊNCIA

Primordialmente, os profissionais da ESF e do Nasf que compunham os gru-pos foram capacitados para o cuidado e atenção em saúde ao tabagista, pelo Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD) do município, e receberam o suporte de materiais educativos e medicamentos disponibilizados por esse serviço. As atividades preconizadas foram baseadas no “Consenso de Abordagem e Tratamento do Fumante” (BRASIL, 2001) e no “Programa Dei-xando de Fumar sem Mistério”, do Inca. (BRASIL, 2004b)

O “Grupo Terapêutico de Abordagem ao Fumante” foi coordenado e con-duzido por uma equipe de profissionais de saúde da USF (médica e enfermei-ra) e do Nasf (farmacêutico, nutricionista, profissional de educação física, fisio-terapeuta e psicólogo), alguns desses, preceptores do PET-Saúde. Além disso, participaram das atividades dos grupos, estudantes bolsistas e voluntários do PET-Saúde, os quais receberam orientações dos profissionais da unidade capa-citados previamente.

A equipe executou um planejamento das atividades que aliou sessões te-rapêuticas, conduzidas por uma equipe multidisciplinar, e atividades lúdicas. O Grupo realizou suas atividades na USF da Urbis V, no município de Vitória da Conquista – BA, no ano de 2013. Foram feitos, ao todo, quatro grupos te-rapêuticos, nos quais, aproximadamente, 60 tabagistas, divididos em 15 par-ticipantes por grupo, foram acompanhados.

Para auxiliar a condução dos grupos terapêuticos, a equipe utilizou cartilhas disponibilizadas pelo Caps-AD, contendo o resumo de cada temática discutida por sessão, entregues aos participantes ao final de cada encontro. Além disso, foram elaborados cartazes para facilitar a compreensão das temáticas.

Nesses encontros, foram distribuídos, também, o tratamento terapêutico disponibilizado pelo Ministério da Saúde, constituído por adesivos de nicoti-na (contendo 7, 14 e 21 mg) e bupropiona (comprimido 150 mg). O tratamento seguido foi baseado no Consenso de Abordagem e Tratamento do Fumante. (BRASIL, 2001)

Os participantes dos grupos terapêuticos foram usuários tabagistas, identifi-cados, principalmente, pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), ou aqueles

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que manifestavam aos demais profissionais de saúde, o desejo de parar de fumar. Outros usuários participantes foram incluídos após se informarem sobre o gru-po por meio de cartazes de divulgação. A maioria dos participantes era morador da área de abrangência da Unidade, embora alguns fossem moradores de áreas de outras unidades, em que o grupo não era realizado, buscando no grupo da USF da Urbis V um meio para abandonar o seu vício.

As atividades da equipe condutora dos grupos terapêuticos eram estrutura-das em duas etapas: uma entrevista inicial, seguida de quatro sessões terapêuti-cas que obedeceram as seguintes temáticas: 1) Entender por que se fuma e como isso afeta a saúde; 2) Os primeiros dias sem fumar; 3) Como vencer os obstá-culos para permanecer sem fumar; 4) Benefícios obtidos após parar de fumar.

A ENTREVISTA INICIAL

Os participantes foram convocados a participar de uma entrevista individual inicial, a qual teve como objetivo levantar dados demográficos e clínicos, in-cluindo doenças pré-existentes e outros vícios, avaliar o grau de dependência, orientar sobre a organização do grupo, avaliar a disponibilidade de participação das sessões, e dados complementares para adequar o tratamento de acordo com o perfil do participante.

As entrevistas iniciais foram realizadas pelos profissionais da ESF da Urbis V e pelos profissionais do Nasf, contando com a participação dos discentes do PET-Saúde.

O questionário utilizado foi disponibilizado pelo Caps-AD do município de Vitória da Conquista – BA.

AS SESSÕES TERAPÊUTICAS

Após a entrevista inicial, os participantes foram orientados a comparecer em data, horário e local marcados para início das atividades em grupo. O crono-grama do grupo terapêutico foi estruturado em quatro sessões, de acordo com o “Programa Deixando de Fumar sem Mistério” do Inca, com algumas adapta-ções que consideraram o perfil dos usuários, com duração de aproximadamente uma hora e meia, uma vez por semana, durante quatro semanas.

As sessões continham os elementos considerados significativos para auxi-liar os tabagistas a pararem de fumar e permanecerem sem o uso do cigarro.

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Assim, foram abordados os comportamentos, pensamentos e sentimentos dos fumantes. Ademais, buscou-se a interação do grupo com o intuito de incentivar e apoiar as mudanças, sem, no entanto, estimular a dependência dos participan-tes às atividades do grupo.

Vejamos com mais detalhes, a seguir, os temas específicos de cada sessão.

PRIMEIRA SESSÃO: ENTENDER POR QUE SE FUMA E COMO ISSO AFETA A SAÚDE

Nessa sessão inicial, todos os profissionais e estudantes do PET se apresenta-ram, expondo novamente a proposta do grupo terapêutico, a organização e sis-tematização dos encontros em quatro semanas consecutivas, o turno em que se-riam realizados, e o tempo de duração de cada sessão (1h e 30min). Os partici-pantes também se apresentaram, respondendo a perguntas do tipo “quanto você fuma?”, “o que faz você fumar?”, “qual o obstáculo mais difícil para você parar de fumar?” e “quanto tempo depois de levantar você acende o primeiro cigarro?”.

Com o intuito de associar abordagens não terapêuticas e compartilhar in-formações de uma forma lúdica, foi encenada uma peça de curta duração intitu-lada “O julgamento do cigarro”, criada pela médica da unidade e pelos discentes do PET. A encenação teve como base um júri no qual o cigarro – um cooperador fantasiado – era o acusado e fazia a sua própria defesa. Do outro lado, havia o advogado de acusação, e, no centro, o juiz. A peça iniciou com o juiz expondo os motivos daquele julgamento e passando a palavra para que “o cigarro” fizes-se sua defesa.

Naquele momento, “o cigarro” expôs suas opiniões na tentativa de compro-var a sua inocência. Dentre os argumentos, destacou o fato de “dar prazer”, ser “companheiro”, não forçar ninguém a comprá-lo, assumindo uma postura de ví-tima diante de “uma sociedade injusta”, pois, segundo o mesmo, “ele não causava tantos males assim”. Após expor sua defesa, a palavra foi passada ao advogado de acusação, o qual expôs os motivos para que o cigarro fosse condenado, ressal-tando como principais pontos os problemas à saúde causados pelo tabagismo, os gastos com a aquisição de cigarros e a dependência gerada pelo mesmo.

Esses pontos foram apresentados de forma bem dinâmica, com a interrup-ção frequente do “cigarro” tentando se defender, e a intervenção do juiz procu-rando retomar a ordem. Por fim, o juiz, juntamente com os participantes, dá a sentença final ao “cigarro”: condenado.

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A peça durou em torno de 20 minutos, e teve como objetivo facilitar o co-nhecimento sobre os malefícios do cigarro, tanto para a saúde quanto financei-ramente. Entretanto, o principal ponto foi levá-los a refletir, a partir dos argu-mentos do “cigarro”, quais são os argumentos utilizados por eles mesmos, em seu subconsciente, para continuarem fumando, tais como, “o cigarro traz pra-zer”, “ele não faz tão mal assim”, “olha quantas pessoas fumam e não morrem de câncer?”, dentre outros.

Após a encenação, foram apresentados os malefícios causados pelo cigarro, com suas substâncias tóxicas, e os métodos para cessação do vício do tabaco (parada abrupta e parada gradual). Os participantes foram estimulados a refle-tir e debater sobre qual o método de cessação do tabagismo seria mais adequado ao seu perfil.

Ao final da sessão, foi agendado, com os presentes, o encontro posterior.

SEGUNDA SESSÃO: OS PRIMEIROS DIAS SEM FUMAR

A segunda sessão iniciou-se com os participantes externando suas escolhas em relação ao método de cessação e elegendo uma data para início. Caso a es-colha fosse gradual, os estudantes do PET ajudavam no cálculo da redução ou do adiamento.

Posteriormente, foram apresentados os sintomas da abstinência e orienta-ções sobre os quatro procedimentos práticos para vencer a “fissura”, a tensão e o ganho de peso: beber muita água, se alimentar de alimentos de baixa caloria, fazer exercício físico e respirar profundamente.

Ao término da exposição, os participantes foram estimulados a participa-rem de um debate que objetivava aprofundar a compreensão dos presentes acer-ca das temáticas abordadas e, nesse processo, favorecer o (re)conhecimento das suas fragilidades e potencialidades diante do vício. Ao final do encontro, foram distribuídas as cartilhas contendo as informações explanadas na sessão.

TERCEIRA SESSÃO: COMO VENCER OS OBSTÁCULOS PARA PERMANECER SEM FUMAR

Nessa sessão, os participantes foram encorajados a iniciar o encontro com-partilhando suas experiências. Os discentes do PET-Saúde foram orientados a anotar as dificuldades de cada participante para auxiliá-los individualmente em

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outro momento. Os relatos foram diversificados, desde melhoria no condicio-namento físico após parar de fumar até ganho de peso, após a cessação. Na si-tuação, os profissionais de saúde informaram sobre o uso de bebidas alcoólicas como outra forma de vício e a importância do apoio interpessoal no processo de cessação do tabagismo.

Nesse momento, os participantes já estavam utilizando adesivo de nicotina para auxiliar no processo de cessação, e os discentes auxiliaram na dispensação do tratamento terapêutico, fornecendo orientações sobre o uso correto.

Como medida auxiliar à terapia medicamentosa, foram confeccionados pe-los discentes do PET-Saúde alguns “cofrinhos”, utilizando latas de leite forradas com papel EVA, e distribuídos aos participantes para que estes “poupassem” o dinheiro que, antes, seria gasto com o cigarro. Os participantes foram incenti-vados a descrever algum desejo que visavam realizar com o dinheiro “poupado”, como uma viagem, por exemplo, ou a compra de algum bem material. O re-sultado foi surpreendente. Ao final do grupo terapêutico, foi demonstrado que apenas economizando o que eles gastavam com cigarros, alguns participantes poderiam comprar, por exemplo, uma televisão, fogão ou geladeira.

Os participantes perceberam, através dessa abordagem, que a cessação do vício poderia trazer outras recompensas, tanto para sua saúde quanto para a economia doméstica, através da realização de sonhos, antes muito mais distan-tes, sendo essa abordagem lúdica, um fator estimulador para a cessação do vício.

QUARTA SESSÃO: BENEFÍCIOS OBTIDOS APÓS PARAR DE FUMAR

Nessa última sessão, os participantes foram estimulados a compartilhar suas ex-periências mais recentes. Além disso, foram apresentados os benefícios indire-tos da cessação do tabagismo e orientações referentes à prevenção de recaídas.

Posteriormente, foram agendadas as novas datas para os participantes re-ceberem os adesivos de nicotina e receberem novas orientações sobre o uso dessa terapêutica.

Os acompanhamentos posteriores foram realizados em caráter individual ou em grupos, com o intuito de dispensar os adesivos nicotínicos e aconselhar os participantes.

Ao final do acompanhamento, entre 30 e 40% dos tabagistas deixaram de fumar, sendo este um percentual semelhante ao relatado pelo “Programa Dei-xando de Fumar sem Mistério”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem ao tabagista em um grupo terapêutico no âmbito da APS é impres-cindível, uma vez que propicia o entendimento de cada participante sobre as cau-sas de sua dependência, ao tempo que estimula a interação entre os participantes e a percepção que seus problemas são comuns, aumentando a possibilidade de motivação para a cessação ao sentirem que não estão sozinhos nessa jornada.

As abordagens lúdicas, associadas à terapia, permitem a instrumentaliza-ção sobre o “brincar”, sendo pertinentes para um engajamento profissional em ambientes onde se propõe um trabalho em equipe multiprofissional, o qual visa à humanização das instituições de saúde. Esse tipo de abordagem está sendo bastante discutida em todos os espaços em que a Política Nacional de Humani-zação (BRASIL, 2004) vem sendo efetivada e a multidisciplinaridade aparece como a primeira e, talvez, a única forma de organizar e planejar as instituições de saúde dentro dessa perspectiva.

O indivíduo, seja o usuário ou o profissional de saúde (graduado ou gradu-ando), após a participação em um grupo de educação em saúde, percebe que a palavra autonomia, em seu sentido etimológico, impera, pois o objetivo desses encontros é pensar os indivíduos como sujeitos autônomos, como protagonis-tas nos coletivos de que participam, protagonistas e corresponsáveis pelo pro-cesso de produção de saúde.

O trabalho com a unidade dialética da subjetividade e objetividade gera re-flexão problematizadora e ação sobre uma dada realidade, visando transformá--la. Essa pedagogia permite, portanto, a reflexão crítica sobre as situações con-cretas de vida, levando o sujeito ao engajamento na luta por sua libertação, luta que é forjada com ele, e não para ele. (FREIRE, 2009)

Essa reflexão nos faz debater acerca do cuidado em saúde, o qual tem sido institucionalizado nos serviços de saúde, de forma tradicional, verticalizada, sem perceber as necessidades do indivíduo ou “usuário”, as condições e as ra-zões as quais os levam a adotar comportamentos ou atitudes imbuídas no vício ou dependência química, permanecendo à margem das preocupações da maio-ria dos profissionais dos serviços e dos técnicos com responsabilidade gerencial. Mais do que isso, nos faz entender que essas ações não devem ser perpetuadas.

Vale ressaltar, ainda, a participação dos discentes do PET-Saúde e a transfor-mação da formação em saúde, propiciada com a participação ativa dos alunos du-rante todo o processo, desde o planejamento das atividades, sistematização, até a

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operacionalização das ações propostas, de forma criativa e dinâmica. Ou seja, a inserção dos discentes no cotidiano dos serviços permitiu a formação de sujeitos capazes de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de re-lações, em sua complexidade.

O processo de aprendizagem nos serviços apresenta aspectos diferenciados da educação verticalizada, como o aperfeiçoamento da capacidade dos estudan-tes de se comunicarem com os usuários e uma maior compreensão do complexo processo de trabalho multiprofissional, gerando atitudes baseadas em autono-mia diante de situações de resolução complexa, além da qualificação permanen-te dos profissionais dos serviços e o estímulo à capacitação dos educadores das Instituições de Ensino Superior (IES) na área de saúde, com ênfase no SUS.

Por fim, é possível perceber que esse processo de educação terapêutica, o qual busca aliar conhecimento cientifico e ludicidade no âmbito dos serviços e do sistema de saúde, orientados de modo a garantir ações de saúde integral, resulta, de fato, em melhores formas de encaminhar, minimizar ou resolver os problemas de saúde, garantindo qualidade de vida à população e contribuindo para a integralidade das ações, um dos objetivos dos sistemas universais de saú-de, inclusive o brasileiro.

REFERÊNCIAS

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ALEXSANDRA SOUZA, CAMILA DOS SANTOS CHAVES,

DANIELLE SOUTO DE MEDEIROS, REBECA SILVA DOS SANTOS

INTRODUÇÃO

Definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma fase do de-senvolvimento situada entre 10 a 19 anos, a adolescência é caracterizada como uma etapa em que acontecem importantes transformações biológicas, físicas, emocionais, cognitivas e sociais. (VIEIRA et al., 2008) Esse período de duração variável, localizado entre a infância e a fase adulta, tem seu início fortemente in-fluenciado pelas manifestações da puberdade. Conforme Ceitlin e colaborado-res (2001), as transformações físicas passam a estimular mudanças psicológicas e sociais, sendo motivadas pelo contexto social, cultural, histórico e familiar em que o adolescente está inserido.

Essas diversas transformações ocorridas na adolescência, associadas à de-terminantes sociais, políticos e econômicos, repercutem direta ou indiretamen-te no processo saúde-doença dos adolescentes. No Brasil, apenas no ano de 1996, surgiram os primeiros rascunhos de uma política de atenção à saúde do adolescente através do Programa de Saúde do Adolescente (Prosad). Porém, sua ênfase na atenção às questões relacionadas ao crescimento e desenvolvimento, sexualidade, saúde bucal, mental e reprodutiva ainda apresentava-se de manei-ra fragmentada e desarticulada, não atendendo as especificidades desse grupo populacional. (MELO; COELHO, 2011)

A EXPERIÊNCIA DO PET-SAÚDE/PRADOSO EM UMA PROPOSTA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE DE ADOLESCENTES RURAIS

CAPÍTULO IX

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Em 2006, através da Política de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens, reafirmou-se a necessidade da atenção à saúde desse segmento da popu-lação, através da construção de estratégias integradas interfederativa e interse-torialmente às ações, programas e políticas em desenvolvimento no país. Mais especificamente, para a promoção da saúde, na prevenção aos agravos e enfer-midades resultantes do uso abusivo de álcool e de outras drogas e dos proble-mas resultantes das violências e na prevenção às doenças sexualmente trans-missíveis, inclusive a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), e para a melhoria do atendimento ao crescimento e ao desenvolvimento, à saúde sexual e à saúde reprodutiva, notadamente à gravidez na adolescência e ao planejamen-to sexual e planejamento reprodutivo. (BRASIL, 2010)

A promoção à saúde é conceituada pela Carta de Ottawa como um processo de capacitação da comunidade para atuar na sua melhoria da qualidade de vida e saúde, incluindo sua maior participação no controle desse processo. Dessa forma, a promoção da saúde, entendida como o processo que permite às pes-soas adquirir maior controle sobre sua saúde por meio de conhecimentos, ati-tudes e comportamentos favoráveis à manutenção e aquisição dela (SANTOS, et al., 2012), pode, portanto, ser utilizada como importante mecanismo de em-poderamento dos indivíduos e corresponsabilização dos mesmos na produção do seu cuidado. Sendo assim, essa compreensão levou-nos a optar por desen-volver uma proposta de atuação pautada na perspectiva da promoção da saúde dos adolescentes.

COMO O PET-SAÚDE SE INSERE NESSA PROPOSTA?

O processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS), fundamentado em ideais democráticos da saúde enquanto direito de todos, caracterizou-o como um sistema o qual trabalha com diretrizes, conceitos e propostas de prá-ticas que são contra-hegemônicos na sociedade. Logo, sua consolidação como um sistema de saúde usuário-centrado implica a superação de conceitos e de práticas sociais há muito predominantes. Uma área crítica nesse processo é a formação dos profissionais de saúde, ainda distante das necessidades do SUS. (BRASIL, 2008)

Assim, na tentativa de reorientar a formação superior, o Ministério da Saú-de vem criando dispositivos que integrem o processo de ensino-aprendizagem à rede de serviço, dentre os quais está o Programa de Educação pelo Trabalho

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para a Saúde (PET-Saúde). Essa experiência exitosa do Programa aconteceu na Unidade de Saúde da Família de Pradoso (USF/Pradoso), em que havia um gru-po PET composto por 13 discentes dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Me-dicina, Nutrição e Psicologia, os quais desenvolviam suas atividades sob orien-tação de uma tutora, docente da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e cin-co preceptores, profissionais de nível superior da USF e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf).

A USF/Pradoso está localizada em uma comunidade da zona rural do muni-cípio de Vitória da Conquista, no Distrito do Pradoso, e atende à 4464 pessoas divididas em 13 microáreas, das quais fazem parte, também, algumas comuni-dades quilombolas. Por se tratar de uma comunidade rural, possui peculiarida-des de costumes e tradições as quais originam e sustentam tabus sociais e mitos no cuidado à saúde.

Sabe-se que, no Brasil, as áreas rurais são marcadas por desigualdades que dificultam o acesso a serviços públicos de saúde, educação e lazer, condições relevantes ao considerar saúde em seu conceito ampliado. Para os adolescen-tes rurais, essas iniquidades expressam-se em dificuldades de acesso ao ensino formal, submissão a condições precárias de trabalho, na maioria das vezes, in-formal, falta de perspectiva de desenvolvimento pessoal e profissional, início precoce e exercício desprotegido de atividade sexual, e, ainda, uso abusivo de álcool e outras drogas.

Dentre as atividades propostas pelo PET, priorizou-se a realização dos tra-balhos de educação em saúde com grupos. Assim, através de parcerias interse-toriais e comunitárias, espaços do território como escolas, igrejas e associações foram utilizados para a realização dessas ações, uma vez que a Atenção Primá-ria à Saúde (APS), aqui representada pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), constitui espaço privilegiado para o desenvolvimento das ações de promoção da saúde e prevenção de doenças.

Em uma atividade desenvolvida pelos estudantes do PET, juntamente com estudantes do 9º ano, da Escola Municipal José Rodrigues do Prado, a qual aten-de alunos do Ensino Fundamental I e II, no território de abrangência da USF/Pradoso, despertou-nos o interesse pela atenção à saúde dos adolescentes que, até então, não eram alvo de ações direcionadas ao seu segmento populacional. Percebeu-se que, diante da alta demanda por atendimento aos demais grupos priorizados pela APS, como crianças, gestantes e idosos, bem como a necessi-dade de atenção aos agravos crônicos como hipertensão e diabetes, a atenção à

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saúde dos adolescentes é “descuidada”, por serem considerados saudáveis, sen-do foco apenas de ações pontuais relacionadas à saúde sexual e reprodutiva, por vezes trabalhadas de modo vertical e moralista.

Após esse diagnóstico inicial e conversas informais com os profissionais da equipe de saúde, percebeu-se que havia consenso da equipe quanto à necessida-de de ações voltadas para esse segmento populacional, baseados, principalmen-te, em constatações empíricas dos profissionais e agentes comunitários de saú-de quanto à ocorrência de gravidez precoce, uso abusivo de drogas e alto índice de evasão escolar nos adolescentes do território.

Em reunião mensal dos estudantes, tutora e preceptores desse grupo PET, essa inquietação foi apresentada, e, após ampla discussão, surgiu a proposta de realização de um grupo de adolescentes na escola. Com o critério de disponibi-lidade de tempo e interesse pelo tema, foram designados cinco alunos dos cur-sos de Enfermagem, Psicologia e Nutrição, sob orientação da enfermeira e da cirurgiã dentista da USF, para, inicialmente, responsabilizarem-se pela organi-zação do grupo e apresentação da proposta para a direção da Escola.

Ao avaliar a proposta, a diretoria da Escola mostrou-se acessível para reali-zação da parceria, disponibilizando espaço físico, equipamentos de audiovisual, e demais suportes materiais, além de ceder duas aulas (período de aproximada-mente uma hora e meia) a cada 15 dias para a realização do grupo.

COMO ACONTECEU?

O “Grupo de Adolescentes” aconteceu em cinco encontros quinzenais com as duas turmas do 9º ano da Escola Municipal José do Prado. Os temas dis-cutidos foram escolhidos livremente pelos próprios adolescentes através da “Caixa da Dúvida”.

No primeiro encontro, foram apresentados aos alunos os objetivos do pro-jeto, e realizou-se uma dinâmica a fim de conhecer o perfil do grupo.

No método escolhido, os adolescentes colocaram em uma caixa todas as dú-vidas que tinham em relação à sua saúde. O propósito era proporcionar, aos adolescentes, liberdade para expressar suas dúvidas, sem que houvesse cons-trangimento quanto ao assunto questionado ou a possibilidade de crítica e desa-provação por parte dos outros colegas os quais participavam do grupo.

Após analisadas, as perguntas foram divididas em quatro eixos temáticos: 1) mudanças psicológicas da adolescência; 2) alimentação saudável, corpo e

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saúde (prática de exercícios físicos e autoimagem corporal); 3) álcool e drogas; 4) saúde sexual e reprodutiva. Estes foram os temas trabalhados nos encontros posteriores, sendo que, ao final de cada encontro, os alunos tinham a possibili-dade de depositar, na “Caixa da Dúvida”, suas impressões em relação àquele en-contro, fazer sugestões e críticas ou até mesmo outras perguntas.

Além da exposição dialogada, a utilização de dinâmicas de grupo consti-tuiu-se como agente facilitador para a criação de um espaço de discussão em que os alunos fossem não apenas expectadores, mas participantes do processo. A utilização de músicas, desenhos e pequenos vídeos nas dinâmicas foram úteis tanto para descontrair um inicio de conversa, quanto para trabalhar assuntos como timidez e autoimagem. Assim, as questões discutidas foram direcionadas pelos próprios adolescentes, que apesar de tímidos, por vezes arriscavam-se a dar depoimentos e fazer questionamentos durante os encontros.

Ao discutir o tema “mudanças físicas e psicológicas da adolescência”, a utilização do autorretrato foi uma alternativa para perceber como os adoles-centes se enxergavam e qual estereótipo adotavam de “corpo perfeito”. Du-rante observação dos desenhos, e ao abrir espaço para que falassem sobre o que haviam desenhado, foi possível estabelecer o diálogo sobre a falsa ideia do corpo perfeito vendido pela mídia e idealizado por muitos que, na busca por aceitação social, comum na adolescência, não medem esforços e, até mesmo, colocam sua saúde em risco para ter o estereótipo físico ideal. A participação efetiva das meninas foi evidente, por vezes trazendo contribuições de suas vi-vências nesse assunto.

Visando conhecer hábitos alimentares e as relações estabelecidas pelos adolescentes com a alimentação, foi proposta a dinâmica “Que alimento sou eu?”, a qual consistiu em distribuir papel e lápis colorido, e solicitar aos ado-lescentes que desenhassem um alimento o qual os representava. Logo após, colocamos todos os desenhos no centro da sala e pedimos que eles explicas-sem sobre o desenho. Assim, além de conhecer quais alimentos faziam par-te de seus hábitos alimentares diários, foi possível perceber quais relações estabeleciam com os alimentos, por exemplo, um adolescente que desenhou um pêssego, fruta atípica da região, afirmando ter desejo de poder conhecer tal fruta.

Para discutir com os adolescentes sua percepção e vivências quanto ao uso de álcool e outras drogas, utilizou-se uma metodologia expositiva e participa-tiva, em que os adolescentes descreviam, no quadro branco, quais aspectos

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consideravam positivos e negativos no uso das drogas mais comuns na região, álcool e tabaco. Os jovens demonstraram bastante sinceridade ao expor a fa-cilidade de acesso a essas substâncias e motivos pelos quais fazem uso das mesmas, dentre os quais se destacam a coerção e busca pela aceitação por par-te dos seus pares. Ao final, fizemos uma breve apresentação sobre o uso das substâncias psicoativas na adolescência e suas consequências para o indivíduo e a sociedade.

A roda de conversa sobre saúde sexual e reprodutiva foi desafiadora e di-vertida. Inicialmente, preparamos uma curta apresentação visual com figuras sobre o corpo do homem e corpo da mulher e as diferenças no sistema ge-nital e reprodutor de ambos, e, ao final, a pergunta “o que é o amor?”, como geradora da discussão sobre reprodução e sexualidade. Após calorosa discus-são, no qual se evidenciaram, principalmente, as questões relacionadas a gê-nero, passamos a “Caixa da Dúvida” para que os adolescentes depositassem perguntas. Pela grande quantidade e complexidade das questões abordadas, foi preciso que destinássemos mais um encontro para discutir o tema saúde sexual e reprodutiva. Dúvidas relacionadas tanto a questões afetivas, como a idade certa para namorar e ter relações, por exemplo, quanto outras questões mais “técnicas”, tal como qual melhor método anticoncepcional para a adoles-centes, foram problematizadas com os adolescentes, de modo a permitir que exerçam suas escolhas autonomamente, porém com as informações necessá-rias e adequadas.

Além dos eixos temáticos anteriormente estabelecidos para discussão no grupo, um dos principais questionamentos depositados na “Caixa da Dúvida” foi “como vencer a timidez?”. Para tratar desse assunto, além da exposição dia-logada, propomos uma dinâmica em que, de olhos vendados, eles dançavam em pares ao som de uma música. Enquanto dançavam, deveriam conversar com a pessoa e tentar descobrir quem era. Ao final da dinâmica, foi interessante per-ceber como os adolescentes se assustavam quando percebiam estar dançando tão alegremente com alguém que comumente não conversavam. A existência de pequenos grupos de afinidade, em uma sala com aproximadamente 30 alunos, que, apesar de conviverem em média dois anos, não tinham laços mais estabele-cidos de convívio, conforme afirmação dos próprios adolescentes, também foi percebida por nós. Alguns adolescentes afirmaram ainda não ter conseguido descobrir como vencer a timidez, mas reconheceram que aquele espaço seria importante para lidar com essa questão.

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E OS DESAFIOS?

Inicialmente, assustou-nos a possibilidade de estar em uma sala de aula com um grupo de aproximadamente 30 adolescentes, discutindo assuntos relacionados à sua saúde, principalmente aqueles relativos à sexualidade, os quais, geralmen-te, carregam em si tabus e constrangimentos apenas ao mencioná-los. A aber-tura ao diálogo franco e desprovido de preconceitos mostrou-se como um exce-lente caminho para lidar com essa questão. Optou-se pela escuta na maior parte do tempo, em detrimento de falas prescritivas e moralistas, por vezes distantes da realidade vivenciada pelos adolescentes.

A adequação do conteúdo a ser discutido às especificidades dos adolescen-tes rurais tornou-se um desafio instigante, contudo, de complexa resolução, posto que a realidade vivenciada pelas pessoas por vezes mostra-se distante das apreensões teóricas produzidas na universidade. Assim, ao trabalhar temas como alimentação saudável e prática de exercícios físicos, deparamo-nos com iniquidades não pertencentes ao setor saúde – como baixas condições socioeco-nômicas e ausências de áreas públicas de lazer, que nos levaram a discutir com os adolescentes seu papel de cidadãos e participação social na busca por melho-rias nas condições de vida da comunidade.

Por fim, a comunicação constante com as preceptoras e a tutora, as quais co-ordenavam os discentes responsáveis pelo grupo, possibilitou desenvolver me-canismos para lidar com tensões pontuais, como a desatenção e inquietação dos adolescentes durante os encontros, além de lidar com as especificidades desse grupo, como a timidez, e conseguir estimular a discussão e a participação dos adolescentes durante os encontros, pois, como a maioria dos adolescentes havia referido, a timidez era um dos aspectos que os caracterizava, dificultando não apenas suas relações interpessoais, mas também o desenvolvimento de ativida-des escolares, tais como seminários, dentre outras que demandassem a necessi-dade de falar em público.

E OS RESULTADOS?

Não foi possível a construção de um instrumento avaliativo especifico para ava-liação das contribuições do grupo para os adolescentes. Entretanto, no último encontro, passamos a “Caixa da Dúvida” para que depositassem suas percep-ções e críticas sobre o grupo. A maioria dos adolescentes afirmou ter sido po-derem conversar sobre saúde, um assunto que pensam apenas quando estão

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doentes. Ainda, declararam ter sido “legal poder falar de assuntos que a gente não conversa em casa”, como disseram alguns deles.

Para a escola, conforme conversa com professores e direção, o grupo foi de elevada importância ao possibilitar a discussão de assuntos que muitos profes-sores não se sentem preparados para trabalhar, mesmo porque nem sempre re-cebem formação teórica ou técnica para lidar com assuntos os quais fogem ao setor educação.

Apesar de não ser passível de avaliação, acredita-se que a presença dos pro-fissionais e estudantes de Saúde na referida Escola sirva como elo de aproxima-ção e fortalecimento de vínculos para que os adolescentes tenham interesse em buscar atendimento na USF, e sintam liberdade em considerar aquele espaço como referencial para o cuidado à sua saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Promover saúde efetivamente não se configura numa tarefa simples, principal-mente quando direcionada a adolescentes rurais, os quais vivem uma ambigui-dade de realidades, em que transitam entre as tradições rurais e as modernida-des da zona urbana. Logo, o sucesso da experiência aqui relatada deve-se muito ao estabelecimento de parceria intersetorial.

O apoio da escola foi essencial para o bom êxito das atividades propostas. A colaboração da direção e dos docentes, bem como a disponibilização de ins-talações físicas e recursos materiais, possibilitou melhor organização, maior qualidade e abrangência das ações desenvolvidas.

Para a finalização das atividades, realizamos a “I Feira de Saúde Adoles-cente”, com o objetivo de apresentar a proposta do “Grupo de Adolescentes” a todos os escolares do Ensino Fundamental II, 6º ao 9º ano, e, ao mesmo tem-po, proporcionar um momento de lazer, arte e cultura, divididos em oficinas de saúde bucal, exercícios físicos e saúde, planejamento familiar, saúde sexual, artesanato, orientação vocacional, orientação nutricional e primeiros socor-ros. Ao final da Feira, foram sorteados brindes doados pela comunidade para os adolescentes e um cantor local realizou uma apresentação musical, promo-vendo, também, um espaço de interação para todos.

Por fim, a impossibilidade de ter acesso aos demais adolescentes, não es-colares, inquietou-nos para a necessidade de conhecer o perfil dos adolescen-tes atendidos pela USF/Pradoso e, assim, propor outras ações de promoção

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da saúde e prevenção de doenças para esse grupo populacional. Diante disso, propôs-se a construção do Projeto ADOLESCER: Avaliação da Saúde do Ado-lescente da Zona Rural e dos seus Condicionantes, ainda em andamento, com vistas à investigação dos determinantes sociais, as condições de saúde e a utili-zação dos serviços de saúde pelos adolescentes, buscando traçar o perfil epide-miológico dessa população.

Esperamos, através deste relato, sensibilizar outros atores da Saúde a olha-rem com mais atenção às necessidades de saúde dos adolescentes, pois acredi-tamos e defendemos o que preconiza as Diretrizes Nacionais para Saúde Inte-gral de Adolescentes e Jovens, ao afirmar que investir na saúde da população de adolescentes e de jovens é custo-efetivo, uma vez que garantir a qualidade de vida é garantir também a energia, o espírito criativo, inovador e construtivo da população jovem, a qual deve ser considerada como um rico potencial capaz de influenciar de forma positiva o desenvolvimento do país. (BRASIL, 2010)

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Curso de formação de facilitadores de educação permanente em saúde: unidade de aprendizagem – análise do contexto da gestão e das práticas de saúde. Rio de Janeiro: 2008. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/curso_facilitadores_unidade_trabalho.pdf

BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde. Brasília, DF, 2010. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).

CEITLIN, L. H. F. et al. A puberdade. In: C. L.; KAPCZINSKI, F.; BASSOLS, A. M. S. (Org.). O ciclo da vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. Porto Alegre: Artmed, 2001.

MELO, M. C. P.; COELHO, E. A. C. Integralidade e cuidado a grávidas adolescentes na Atenção Básica. Ciência e saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 16, n. 5, jan./ maio 2011. MELO, Mônica Cecília Pimentel de; COELHO, Edméia de Almeida Cardoso. Integralidade e cuidado a grávidas adolescentes na Atenção Básica. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 16, n. 5, p. 2549-2558, May 2011 . 

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OLIVEIRA, A. R; LYRA, J. Direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes e as políticas de saúde: desafios à atenção básica. In: LYRA, J.; MEDRADO, B.; OLIVEIRA, A. R.; SOBRINHO, A. (Org.). Juventude, mobilização social e saúde: interlocuções com políticas públicas. Recife: Instituto PAPAI, MAB, Canto Jovem, 2010.

SANTOS, A. A. G. et al . Sentidos atribuídos por profissionais à promoção da saúde do adolescente. Ciência esaúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 17, n. 5, p. 1275-1284, May 2012.

VIEIRA, P. C. et al. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do sul do Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 11, p. 2487-2498, nov. 2008.

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NÍLIA MARIA DE BRITO LIMA PRADO, ETNA KALIANE DA SILVA,

REBECA PINHEIRO AGUILAR, AMANDA AVELAR LIMA,

HELLEN DAYANE DOS SANTOS MARINHO, JÉSSIKA MENDES REIS

O TERRITÓRIO PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIA

A territorialização é um dos pilares operacionais para a efetiva implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) no Sistema Único de Saúde (SUS), cujo pres-suposto é a reorganização da Atenção Primária à Saúde (APS) e do modelo assis-tencial. Esse pilar é decisivo para a caracterização da população e de seus determi-nantes de saúde, para a identificação de vulnerabilidades das populações expostas e seleção de problemas prioritários para as intervenções da equipe de saúde.

A organização do território1 de abrangência de uma Unidade de Saúde da Família (USF) deve considerar as características geográficas, sociais, econômi-cas, culturais e epidemiológicas, e se pautar em um diagnóstico situacional, con-tribuindo para o planejamento de ações e serviços mais resolutivos. (BEZERRA, 2012; BRASIL, 1997; BRASIL, 1988; BRASIL, 2007; GIL, 2006; FRANCO; MERHY, 2003; MERHY, 1997; MULLER; PAIM, 2006; QUEIROZ, 2012)

1 Território é entendido como o espaço onde vivem grupos sociais, suas relações e condições de sub-sistência, de trabalho, de renda, de habitação, de acesso à educação e seu saber preexistente, como parte do meio ambiente, possuidor de uma cultura, de concepções sobre saúde e doença, de família, de sociedade etc. (PAIM, 2006)

O “OLHAR” MULTIDISCIPLINAR RE(CONHECENDO) POSSIBILIDADES E NECESSIDADES DO TERRITÓRIOcontribuições para a formação em Saúde

CAPÍTULO X

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128 nília prado, etna silva, rebeca aguilar, amanda lima, hellen marinho, jéssika reis

Esse (re)conhecimento possibilita a compreensão de como se articulam as condições de saúde, os seus atores sociais e como se processam as relações nes-ses espaços sociais. (GOLDSTEIN et al., 2013)

A (re)emergência do território como categoria analítica dos eventos saúde--doença não é recente, mas nos convida a novas ideias e a elaborações práticas, inspirando-nos a pensar não no território em si, mas demonstrando a sua im-portância, pois é nesse espaço que se constroem as relações intra e extra fami-liar, e onde se desenvolve a luta pela melhoria da qualidade de vida. (AGUER-RE, 2012; FERNANDES, 2009; IIZUKA; GONÇALVES-DIAS;)

Contudo, a análise de situação local em saúde, apesar de imprescindível como estratégia rápida para reconhecimento e entendimento integral do ter-ritório, considerando as condições de infraestrutura, acessibilidade, recursos sociais e características culturais (ROSELLINE et al., 2008), direcionando a identificação das necessidades e situações de risco à saúde e o planejamento das atividades, é pouco utilizada como ferramenta de gestão na APS.

Diversas dificuldades são apontadas pelas equipes na tentativa de justificar a não incorporação dessa prática de forma contínua nas ações cotidianas dos ser-viços (MERHY, 1998), a despeito dos problemas de superposição, ou seja, domi-cílios cobertos por dois Agentes Comunitários de Saúde (ACS), espaços vazios, em que a população cadastrada nem sempre corresponde à população adscrita.

Nesse ínterim, Andrade e colaboradores (2013) apontam que o território tem sido trabalhado de forma parcial, com enfoque estritamente gerencial dos serviços de saúde, ou seja, basicamente para a demarcação de limites das áreas de atuação do serviço, o que revela o entendimento do território como algo fixo. Para Monken e colaboradores (2008), a concretização das ações e práticas so-ciais conduzidas por um entendimento diferenciado do uso do território pode revelar contextos vulneráveis para a saúde e possíveis contribuições para a to-mada de decisão.

Outros estudos revelam que o estabelecimento de vínculos da ESF com a população indica uma concepção ampliada do processo saúde-doença na com-plexidade do sócio espaço contemporâneo, reafirmando o propósito do mapea-mento territorial. (BARCELLOS; PEREIRA, 2006)

Segundo Pessoa e colaboradores (2013), apesar do esforço empreendido na prática da APS na realização da territorialização em saúde, seja no modelo tradicional, seja por meio dos mapas vivos, ou falantes, há uma lacuna consis-tente em publicações científicas, as quais subsidiem os profissionais da APS e

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o “olhar” multidisciplinar re(conhecendo) possibilidades e necessidades do território 129

possibilitem identificar, analisar e propor ações individuais e coletivas conside-rando a determinação social da doença.

Esses aspectos tornam possível a reflexão acerca do processo de formação dos profissionais de saúde, e como, na maioria dos casos, o tema da territoriali-zação na APS e mapeamento geográfico é tratado de forma isolada e descontex-tualizada, por influência do modelo hegemônico e positivista, o qual implica e persiste na formação de sujeitos acríticos, que reproduzem e reduzem as ações em saúde apenas ao agir determinado pelos programas verticalizados, influen-ciando, consequentemente, a interface com o processo de trabalho.

Sabendo que a territorialização na ESF permite eleger prioridades para o enfrentamento dos problemas identificados nos territórios de atuação, é im-prescindível o (re)conhecimento e mapeamento do território, segundo a lógica das relações e condições de vida, saúde e acesso às ações e serviços de saúde.

A experiência descrita neste relato propiciou a reintrodução da discussão e operacionalização do processo de territorialização em uma USF de um municí-pio da região sudoeste do estado da Bahia.

A reinserção da temática e de ações pautadas na problematização das neces-sidades dos sujeitos referentes à saúde e qualidade de vida, e na reorganização da atenção e das práticas sanitárias locais no processo de formação em saúde, integrando prática e teoria, problematizando a realidade, possibilitou uma re-flexão sobre a prática multiprofissional, estimulando a discussão crítica e refle-xiva da inserção do ensino e educação permanente no cotidiano dos serviços.

Diante do exposto, este capítulo tem como objetivo descrever e discutir as características contraditórias identificadas por meio da vivência prática do ma-peamento territorial em dois territórios microáreas distintos, adstritos a uma USF, no período de junho de 2012 a junho de 2013, pelos estudantes do Pro-grama de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) e profissionais da equipe de saúde da família da USF, permitindo a compreensão da dinâmica dos “espaços sociais”, envolvidos em práticas de cuidado multiprofissional e na pro-dução de conhecimento a partir da realidade local.

O TERRITÓRIO PERCORRIDO: DIVERGÊNCIAS E POTENCIALIDADES

Para subsidiar esse relato de experiência, foram escolhidas duas microáre-as, pertencentes a uma área de abrangência de uma USF a qual possui oito

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microáreas, localizada na zona oeste de um município da região Sudoeste da Bahia – referência na organização dos serviços de saúde na APS. A área pos-sui aproximadamente 4,5 km², caracteriza-se como um bairro periférico de po-pulação estimada de 5 284 habitantes, sendo 2 719 mulheres e 2 565 homens, composta por 1 419 famílias.

A equipe de saúde da USF é constituída por uma médica, uma enfermeira, oito ACS, um auxiliar administrativo, três técnicas em enfermagem, uma odon-tóloga e uma técnica em Saúde Bucal, e por uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), contendo um farmacêutico, um nutricionista, um psi-cólogo e um educador físico. As práticas de saúde eram realizadas por meio da demanda espontânea do território.

A EXPERIÊNCIA: A REALIDADE A PARTIR DO TERRITÓRIO

Após uma avaliação inicial do processo de trabalho da equipe de saúde e do Nasf, em uma reunião de equipe na USF, com o objetivo de levantar pontos frágeis e dificuldades locais, foi proposta aos discentes do PET-Saúde uma ati-vidade prática: mapear o território de saúde da unidade de saúde. Os mesmos acompanharam as visitas domiciliares em duas microáreas do território, acom-panhados das ACS, com o objetivo de realizar uma análise exploratória do ter-ritório, aferir a pressão arterial (PA) e desenvolver diálogos com os núcleos fa-miliares sobre as condições de saúde e de adoecimento no sistema local.

Os dados foram coletados por meio de busca ativa e preenchimento das fi-chas que estruturam o trabalho das Equipes de Atenção Básica (EAB), as quais produzem os dados que compõem o Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab), e são utilizadas para realizar o cadastramento (Ficha A), acompanha-mento domiciliar e registro de atividades (Ficha B) e controle de hipertensos e diabéticos (Ficha B-DIA) nos territórios de atuação das EAB. Um formulário proposto pelos discentes do PET-Saúde com informações acerca da utilização e acesso dos usuários das duas microáreas aos serviços de saúde foi adotado pela ESF e pelo Nasf.

Os alunos participantes do PET-Saúde acompanharam os ACS e profis-sionais de saúde da ESF (enfermeiro, médico) e do Nasf (farmacêutico, nu-tricionista) nas visitas domiciliares em duas microáreas do território, com o intuito de realizar uma análise de situação. Os dados foram coletados por meio das fichas da Atenção Básica, da aferição da pressão arterial de todos os

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membros das famílias cadastrados, maiores que 18 anos, da coleta de dados acerca da utilização e acesso aos serviços de saúde e do mapeamento gráfico do território/área (aspectos geográficos e disposição dos equipamentos so-ciais, comerciais e de lazer das duas microáreas). As variáveis estão descritas no Quadro 1 abaixo:

Quadro 1 – Variáveis e perguntas utilizadas nos instrumentos de coleta de dados nas visitas domiciliares da ESF e do Nasf nas duas microáreas

Ficha A Cadastramento das famílias

Data de nascimento, idade, sexo, grau de instrução, ocupação, doença ou situação de saúde autorreferida.

Situação da moradia e saneamento

Tipo de casa, tratamento de água no domicílio, abastecimento de água, destino de fezes e urina.

Outras informações Plano de saúde para membros da família, estabelecimento de saúde o qual procura em caso de doença, participação em grupos comunitários, meios de comunicação e transporte que mais utiliza.

Ficha B Diabéticos Uso de insulina e hipoglicemiante oral

Hipertensão arterial Mensuração da pressão arterial e uso de anti-hipertensivos

Formulário proposto pelo grupo tutorial do PET Saúde para a coleta de informações

Acesso e utilização dos serviços de saúde

Tempo gasto pelo usuário para o deslocamento a pé entre o domicilio e o serviço de saúde, número de pessoas da família que procuram a USF, utilização da USF no último ano, recebimento de informações na USF sobre saúde e fatores de risco, participação em alguma atividade educativa no último mês.

Fonte: elaborado pelo autor.

Para o mapeamento territorial, utilizou-se o aplicativo Google Earth, com o intuito de facilitar a identificação e sinalização do território coberto e descober-to pelo serviço.

Após a coleta de dados, o grupo procedeu à categorização analítica e poste-rior análise dos resultados. Os dados foram analisados através do software SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 22.0, utilizando procedimentos estatísticos de análise descritiva e de correlação de Spearman. Os dados das en-trevistas foram utilizados para atualizar as fichas de acompanhamento das fa-mílias residentes nas duas microáreas e para subsidiar a análise de situação do

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território, permitindo a compreensão de significados contextuais com possíveis implicações coletivas no território.

A análise exploratória do território permitiu a caracterização dos dois ter-ritórios/microáreas, identificando contradições sociais, comerciais e educacio-nais, as quais possibilitaram uma análise comparativa entre os dois espaços, que será detalhada, a seguir, na Tabela 1.

Os dados coletados em 274 fichas A e B, formulário para coleta de dados de acesso e utilização dos serviços de saúde e a análise exploratória do territó-rio permitiram a caracterização de dois territórios/microáreas, a percepção dos discentes e a valorização da equipe da ESF, quanto à necessidade do reconheci-mento desse território para a caracterização da população e dos determinantes sociais em saúde do local. O mapeamento territorial permitiu a identificação de equipamentos sociais, comerciais, educacionais que possibilitaram uma análise comparativa entre as duas microáreas analisadas.

Tabela 1 – Distribuição da frequência dos dados sociodemográficos dos indivíduos nas duas microáreas distintas em uma USF de um munícipio do sudoeste baiano

VariáveisMicroárea 1 (%)

Microárea 2 (%)

Frequência da amostra total (%)

Sexo Masculino 31,1 28,6 29,9

Feminino 68,9 71,4 70,1

Idade 18 -25 8,8 20,6 14,7

26-35 18,2 20,6 19,4

36-45 14,9 19,8 17,35

46-55 23,6 16,7 20,15

56-65 16,2 11,9 14,05

66 -> 16,9 9,5 13,2

Idoso   24,3 16,7  

Raça Branca 11,5 5,6 8,55

Negra 8,8 7,1 7,95

Pardo 29 18,3 23,65

Amarela 0,7 0 0,35

Outra 50 0 25

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Ocupação Empregado 31,8 17,5 24,65

Desempregado 1,4 4,8 3,1

Dona de casa 29,7 45,2 37,45

Autônomo 11,5 11,9 11,7

Aposentado 18,2 11,9 15,05

Outros 7,4 4 5,7

Grau de alfabetização

Iletrado 9,5 19 14,25

Alfabetizado 4,7 11,1 7,9

Ensino Fundamental (I) Incompleto 14,9 9,5 12,2

Ensino Fundamental (I) Completo 4,1 3,2 3,65

Ensino Fundamental (II) Incompleto 2 6,3 4,15

Ensino Fundamental (II) Completo 4,7 2,4 3,55

Ensino Médio Completo 16,2 4 10,1

Ensino Médio Incompleto 6,8 5,6 6,2

Ensino Superior Completo 4,7 0.8 4,7

Ensino Superior Incompleto 3,4 0 1,7

Fonte: elaborada pelo autor.

Como vemos, na microárea 1, havia 148 usuários (31,1% masculino e 68,9% feminino), e, na microárea 2, 126 usuários (28,6% masculino e 71,4% femini-no). A microárea 1 apresenta, em sua população, 24,3% de idosos, e a microárea 2, apenas 16,6%. Obteve-se, na microárea 2, 45,2% de indivíduos que afirma-ram serem donas de casa. Em relação ao grau de alfabetização, a microárea 1 demonstrou ter um maior grau de alfabetização em relação a microárea 2.

Com relação à existência de energia elétrica no domicílio, 93,5% da microá-rea 1 e 77,8% da microárea 2 possuíam esse serviço. No que diz respeito ao des-tino final do lixo, na microárea 2, acontece a queimada, diferente da microárea 1, em que 95,9% do lixo é coletado. Além disso, a questão do tratamento de água para consumo difere-se entre as duas microáreas, pois, na microárea 1, 94,6% é por filtração, já na microárea 2, o tratamento de água ocorre 57,1% por filtra-ção, 0,8% por fervura, 8,7% por coloração e 19,3% da água não possui nenhum tratamento. Na amostra geral, o sistema de esgotamento sanitário não abrange todo o território de abrangência da USF, sendo que 84% da população utiliza o sistema de fossa. Vejamos a Tabela 2.

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Tabela 2 – Características dos domicílios em duas microáreas distintas em uma USF de um munícipio do sudoeste baiano

Variáveis Micro área 1 (%)

Micro área 2 (%)

Frequência da Amostra total (%)

Número de membros na família

Média 3,97 9,99 6,98

Tipo de casa Tijolo / Adobe 95,9 80,2 88,05

Taipa revestida 0 0 0

Taipa não revestida 0 0 0

Madeira 0 0 0

Material aproveitado 0 0,8 0,4

Outros 4,1 0 2,05

Existência de energia elétrica

  95,3 77,8 86,55

Destino do lixo Coletado 95,9 77 86,45

Queimado 0 0,8 0,4

Céu aberto 0 0 0

Tratamento da água Filtração 94,6 57,1 75,85

Fervura 0,7 0,8 0,75

Coloração 0 8,7 4,35

Sem tratamento 0 19,3 9,65

Abastecimento de água Rede Publica 95,3 77,8 86,55

Poço ou nascente 0.7 0,8 0,8

Outros 0 0 0

Destino das fezes Esgotamento 7,4 0,8 4,1

Fossa 87,8 80,2 84

Céu aberto 0 0 0

Fonte: elaborada pelo autor.

No que diz respeito à hipertensão arterial, 35,8% dos usuários da microá-rea 1 e 22,2% da microárea 2 informaram ser hipertensos, não havendo grande diferença nessa variável. Em relação à diabetes mellitus, 10% dos usuários resi-dentes na microárea 1 informaram ser diabéticos, e somente 4,8% da microárea 2 informaram ter a mesma doença.

Nos resultados de mensuração da pressão arterial, 36,4% dos usuários apresentaram pressão arterial ótima no momento da visita, e somente 1,5% com hipertensão arterial grau 3. Com relação à participação em grupos de edu-cação em saúde para hipertensos, 20,9% dos usuários na microárea 1 e 15,9%

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da microárea 2 apresentam necessidade de participar dos grupos. Se tratando da amostra total, somente 18,4% tiveram a necessidade de participar de grupos de educação em saúde ou terapêutico direcionado aos usuários hipertensos. É o que vemos na Tabela 3.

Tabela 3 – Características em relação ao tratamento de hipertensão arterial e diabetes mellitus em usuá-rios residentes em duas microáreas distintas em uma USF de um munícipio do sudoeste baiano

Variáveis Microárea 1 (%) Microárea 2 (%)Frequência da amostra total (%)

Medida de pressão arterial

Ótima 28,4 44,4 36,4

Normal 31,1 18,3 24,7

Limítrofe 17,6 11,9 14,75

Has1 16,2 16,7 16,45

Has2 3,4 4,8 4,1

Has3 0,7 2,4 1,55

Sistólica 2 0 1

Necessidade de participar de grupo de hipertensos

20,9 15,9 18,4

Tempo que o usuário é portador DM(> que 1 ano)

13,7 4 8,85

Tempo portador de HAS (> que 1 ano)

13,17 9,11 11,14

Uso de Hipoglicemiantes orais 6,1 0,8 3,45

Nome dos Hipoglicemiantes orais

Metformina 3,4 0,8 2,1

Glibenclamida 2 0 1

Metformina e Glibenclamida 0,7 0,8 0,75

Tratamento farmacológico diário 34,5 20,6 27,55

Armazenamento adequado dos medicamentos

17,6 9,5 13,55

Quantidade de medicamento de Hipertensão

2,43 5,51 3,97

Dose diária 25 14,3 19,65

Posologia do medicamento anti-hipertensivo

24/24 horas 18,2 10,3 14,25

12/12 horas 4,7 4 4,35

8/8 horas 0,7 0 0,35

Fonte: elaborada pelo autor.

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Em relação à utilização e acesso ao serviço de saúde dos usuários acompa-nhados, é possível perceber a diferença entre as duas microáreas: na microárea 1, 20,3% dos indivíduos possuíam plano de saúde, número bastante superior aos 2,4% da microárea 2. Na microárea 1, 52,7% da população informou que o hos-pital é o serviço de saúde mais utilizado, já na microárea 2, somente 6,3% infor-mou utilizar preferencialmente o mesmo serviço. Se tratando da utilização da USF, percebe-se uma inversão: apenas 3,1% dos usuários cadastrados da micro-área 1 afirmaram utilizar, preferencialmente, a USF, contrapondo-se a microá-rea 2, em que 71,4% afirmaram que o serviço de saúde mais utilizado é a USF.

Quanto à procura dos usuários à USF, 41,9% da microárea 1 procuram quando estão doentes, e 61% dos usuários da microárea 2 procuram por esse mesmo motivo; 4,7% da microárea 1 e 4,9% da microárea 2 procuram a USF para efetuar a troca de receitas. Nessa variável, é possível observar que não exis-te diferenças entre as duas microáreas.

Quanto à utilização da USF no último ano, 74,4% dos usuários na microá-rea 1 e 90,2% da microárea 2 afirmaram que compareceram a unidade no últi-mo ano. Em relação à última visita feita pela ACS, 58,1% e 41,5% dos usuários na microárea 2 informaram ter recebido a visita da ACS na última semana. So-bre a utilização de serviços privados, 79,1% dos residentes na microárea 1 in-formaram utilizar serviços privados de saúde; em contrapartida, na microárea 2, 46,3% informaram utilizar o serviço privado de saúde.

Já para o deslocamento até a USF, 46,5% dos usuários os quais residem na microárea 1 levam em média dez minutos para se deslocarem das suas residên-cias até a USF, e 34% dos pesquisados que residem na microárea 2 informa-ram levar aproximadamente 15 minutos para se deslocarem até a USF. Com relação ao uso do transporte público para o deslocamento até a USF, somente 2,3% dos entrevistados da microárea 1afirmam utilizar, contrapondo os 7,3% da microárea 2.

Aliado a esses dados, cabe ressaltar que a maioria dos usuários da microárea 2 (61%) procura a USF apenas quando já estão doentes, reforçando o atendimento a demandas espontâneas e dificultando a ampliação das ações da ESF e do Nasf, inclusive no que se refere à promoção da saúde. Outro aspecto relevante levanta-do pelos usuários é a inexistência do terceiro turno (noturno) de funcionamento da USF, o que dificulta o acesso de uma boa parcela da população a qual não pode frequentar o serviço em horário comercial, apesar de apenas 2% da população da microárea 2, por exemplo, possuir um plano de saúde privado.

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Quanto à localização territorial e equipamentos sociais, na microárea 1, a casa mais distante até a USF fica a 954 969 m. No tocante ao comércio e equipamen-tos sociais, a microárea possui uma distribuidora de alimentos, um minimercado com venda de alimentos, uma fábrica de roupas moda íntima, um salão, um bar, uma fábrica de estofados, uma fábrica de bolsas, uma igreja, um salão de beleza, uma serralharia, uma pizzaria, uma fábrica de biscoitos e padaria, uma lanchone-te, um ateliê de artesanato, um comércio de revenda de móveis usados, uma loja de materiais de construção, uma loja de cosméticos, uma loja de confecções e uma papelaria. Entretanto, o mapeamento territorial sinalizou a ausência de escolas municipais e estaduais.

Na microárea 2, a casa mais distante até a USF fica a 866 718 m. A maioria das ruas não possui pavimentação e apresenta declive, por conta disso, é difícil o acesso ao transporte público coletivo. Em relação ao comércio e equipamentos sociais, possui apenas uma igreja evangélica e um depósito de reciclagem, dois bares, uma creche, duas mercearias e uma serralharia.

No que diz respeito às correlações estatísticas, a correlação de Pearson, fo-ram consideradas as correlações moderadas e fortes, devido à quantidade de variáveis. As correlações do mapeamento do acesso a USF demonstram que houve correlação positiva, significativa e moderada. Em relação à utilização de serviços privados de saúde (r= 0,491). Além disso, obteve-se correlação entre o número de pessoas na família e a procura a USF (r=0,434), e em relação à obtenção de informações da equipe da USF sobre a doença (r=0,415). Por fim, houve correlação entre os indivíduos possuírem plano de saúde e participarem de atividades educativas na USF (r=0,408).

Sobre o mapeamento de hipertensos, percebe-se correlações moderadas ou fortes e significativas, entre acamado e raça (r=0,382), acamado e grau de alfa-betização (r=0,641), acamado e última consulta (r=0,449), sexo e ocupação (r= -0,424), idade e quantidade de medicamentos (r= -0,412), idade e hipertensão ar-terial (PA) (r=0,453), idoso e mensuração da pressão arterial (r=0,408), idade e medida de PA (r=0,402), PA e necessidade de atendimento individual (r= 0,846), PA e necessidade de participação de grupos de hipertensos (r=0,837), PA e ar-mazenamento adequado (r= -0,334), PA e tratamento farmacológico (r= -0,869) e PA e quantidade de medicamento (r= -0,855).

As observações do espaço social possibilitaram a verificação de conota-ções divergentes, tanto materiais quanto simbólicos, entre duas microáre-as de um mesmo território. O território como processo contínuo passa a ser

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compreendido, na lógica da ESF, como um espaço dinâmico, em permanente construção e reconstrução e aponta a imprescindibilidade da inclusão e inter-pretação dos fatores relacionados à diversidade geográfica, sociodemográfica, densidade populacional e acessibilidade aos serviços, entre outros fatores, na adscrição da população, delimitação das áreas e possibilidade de atuação das equipes na atenção à saúde.

A reativação da inclusão do diagnóstico situacional do território adscrito a USF, evidenciou aspectos físicos, ambientais e localização dos equipamentos so-ciais desfavoráveis na microárea 2. Os aspectos referentes à falta de pavimentação das ruas e alocação do lixo para posterior reciclagem no interior dos domicílios podem agregar fatores de risco para o adoecimento. A precariedade do transpor-te público coletivo na referida microárea pode contribuir para as dificuldades re-lativas ao acesso geográfico ao serviço de saúde, permitindo agregar novas infor-mações que, muitas vezes, não estão presentes nas bases de dados oficiais.

REFLEXÕES FINAIS: O APRENDIZADO “REAL” A PARTIR DO “TRABALHO REAL”

A atuação sobre o território, a partir de sua concepção processual, constitui um dos pilares da ESF, devendo ser uma prática incentivada no processo de forma-ção e gestão em saúde na APS. É possível concluir que essa experiência reitera a necessidade de reflexão acerca das práticas, estratégias e ações de saúde em uma práxis local contextualizada, consonante às necessidades do território, a qual fa-vorece a resolutividade das ações em uma equipe multiprofissional, capazes de impactar nos determinantes sociais do processo saúde doença.

A deficiência ou inexistência de estrutura básica, como saneamento básico e abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos do-miciliares, têm impacto direto na saúde da população, revelando a necessidade dos gestores e profissionais de saúde em visualizar novas estratégias que inclu-am o mapeamento territorial, de fato, como diretriz contínua aliada às ações lo-cais no cotidiano dos serviços de saúde.

As informações levantadas por meio das visitas familiares para cadastra-mento das famílias servem para análise das situações de saúde, condições de moradia, educação do indivíduo, da família e da comunidade. É imprescindível ressaltar que as informações coletadas avaliam apenas o trabalho realizado com a população cadastrada. Contudo, esse resultado aponta que o levantamento

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dessas informações deve atingir a parcela da população ainda descoberta pela unidade de saúde e não contabilizada pela USF, ampliando a população adstrita e o acesso e utilização da população ao serviço.

Quanto à formação em saúde, ao percorrer o território “vivo”, identifican-do as fragilidades e potencialidades, e mapeando os pontos críticos em discus-sões multidisciplinares, os discentes puderam ampliar o foco de atenção que passa a ser o indivíduo inserido na coletividade dos espaços sociais, no con-texto familiar e em seu ambiente físico e social, por meio de um aprendizado significativo2. O resultado dessa experiência permitiu aos discentes dos diver-sos cursos de graduação em saúde um aprendizado sobre o trabalho em equipe multiprofissional, considerando a lógica de atuação das equipes na identifica-ção de características sociais e epidemiológicas do território, os determinantes sociais em saúde, propiciando uma valorização do processo de trabalho como espaço de aprendizagem, a superação da dicotomia entre teoria e prática e a or-ganicidade com os princípios do SUS e da APS.

Sensibilizados pela atuação da equipe multiprofissional, do farmacêutico com seu olhar para o uso racional de medicamentos e acompanhamento far-macoterapêutico individual e coletivo, do nutricionista para a atenção dietética e a segurança alimentar e nutricional, do psicólogo sobre as relações biopsicos-sociais, do médico generalista e do enfermeiro no cuidado direto ao paciente e gestão de ações e serviços, os estudantes (re)conheceram as práticas desenvol-vidas, que visam, através da flexibilização das competências profissionais, pro-porcionar uma ação integral das necessidades em saúde da população conside-rando os atos de fala, escuta, vínculo e negociação e ressignificando a constru-ção dos saberes por meio do ato compartilhado.

A experiência permitiu a ampliação do olhar dos discentes, e a percepção de que o território, na práxis da APS, precisa ser desvelado pelos profissionais e comunidades além dos limites das áreas adscritas e dos problemas emergenciais os quais alteram a vida das pessoas.

A identificação de duas microáreas com situações distintas, sensibilizou a equipe da USF quanto à obrigatoriedade do embasamento das ações e das

2 A teoria da aprendizagem de Ausubel (1982) propõe que os conhecimentos prévios dos alunos se-jam valorizados, para que possam construir estruturas mentais utilizando como meio mapas concei-tuais os quais permitem descobrir e redescobrir outros conhecimentos, caracterizando, assim, uma aprendizagem prazerosa e eficaz.

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intervenções necessárias ao cuidado à saúde, mediando às ações com informa-ções advindas de um melhor diagnóstico da situação de saúde nos territórios cobertos pela ESF. Essa situação evidenciou a necessidade de reaproximação e organização das práticas embasadas pelas necessidades sociais em saúde, com a inserção de discussões de análise de situação do território nos conselhos lo-cais de saúde, apontando para a possibilidade futura de uma maior equidade das ações no sistema local.

Vale destacar outros aspectos que apresentam relevância para reflexão, são eles: 1) o planejamento das ações em saúde, realizados com o apoio das fichas da Atenção Básica, são voltados apenas para grupos prioritários (hipertensos, dia-béticos, gestantes, crianças, mulheres em idade fértil e população idosa, dentre outros), os adolescentes e homens jovens em idade adulta não eram incluídos, no período que o estudo foi realizado; 2) as estratégias para a melhor condução dos sistemas locais de saúde terão que se adequar, necessariamente, às diferen-ças ambientais, físicas, geográficas em um mesmo território, pois não existe um padrão único e imutável; 3) para atuar junto à diversidade de grupos populacio-nais, faz-se necessário o reconhecimento dos seus contextos de vida por meio de processos de territorialização, o qual permite identificar as singularidades da vida social, observando os usos e as diferentes apropriações do território e entendendo a comunidade de forma holística; 4) avaliar alternativas para a su-peração dos processos contribuintes para a insuficiência das práticas da APS, a despeito da inclusão da avaliação das ações em saúde realizadas pela USF, com a inclusão, nos formulários oficiais, de variáveis referentes ao acesso e utilização dos serviços pelos usuários, que influenciam na organização e planejamento es-tratégico da ESF e do Nasf.

Pode ser apontada, como limitação desta análise, a inclusão de apenas duas microáreas. Recomenda-se que este estudo seja ampliado com uma amostra mais robusta, a qual permita extrapolações mais significativas (estatisticamente) a outras populações. Contudo, os aspectos discutidos aqui permitem reflexões importantes para os gestores locais e contribuem com a reflexão acerca do pro-cesso de formação em saúde das Instituições de Ensino Superior (IES).

Nesse sentido, essa vivência permitiu aos discentes a compreensão integral da prática multiprofissional de saúde no SUS, e o entendimento de que esta não está concentrada somente nos conhecimentos técnicos específicos de sua área de formação, mas requer uma dimensão transdisciplinar e uma atitude crítico--reflexivo, com valorização dos diversos saberes e práticas na perspectiva de

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uma abordagem integral e resolutiva, indicando a importância da reorientação da formação em saúde, referente à articulação precoce entre o ensino e a práti-ca profissional na área da saúde, e a imperiosidade de que o ensino no lócus da APS esteja presente, com inserções significativas de aprendizado real e a partir do trabalho.

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JOSÉ ANDRADE LOUZADO, MÔNICA VIERA SILVA ACHY,

ARINA ARIADNE FREIRE CARVALHO, ERIC SANTOS ALMEIDA, JÉSSICA NUNES MORENO,

PATRÍCIA SERRA DOS REIS RIOS, YANNA ANDRADE FERRAZ

INTRODUÇÃO

A Educação Permanente em Saúde (EPS) é um conceito pedagógico no setor de saúde, o qual estabelece a relação entre ensino, ações e serviço, e entre docência e atenção à saúde, baseado na relação aprendizagem-trabalho, e tem como obje-tivo transformar as práticas dos profissionais e a gestão do cuidado para quali-ficar o sistema de saúde. A EPS promove processos formativos tomando como referência os problemas enfrentados no cotidiano do trabalho, e desenvolve so-luções com base nos conhecimentos e experiências adquiridas.

De acordo com a Portaria nº 1.996, a condução da Política Nacional da Edu-cação Permanente se dá por meio dos Colegiados de Gestão Regional (CGRs), com a participação das Comissões Permanentes de Integração Ensino-Servi-ço (Cies). O primeiro tem como função a formulação, condução e desenvolvi-mento dessa Política, enquanto o segundo tem como papel articular instituições

A EXPERIÊNCIA DO PET-VIGILÂNCIA EM SAÚDE E A PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE COMO ESTRATÉGIA DE MELHORIA DA INFORMAÇÃO E REDUÇÃO DA MORTALIDADE INFANTIL NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA – BA

CAPÍTULO XI

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para propor estratégias de intervenção no campo da formação e desenvolvi-mento dos trabalhadores, além de impulsionar à adesão cooperativa e solidária de instituições de formação e desenvolvimento dos trabalhadores, expandindo a habilidade pedagógica em toda a rede de saúde e educação.

A EPS parte do pressuposto da aprendizagem significativa, a qual promove e produz sentidos, sugerindo que a transformação das práticas profissionais es-teja baseada na reflexão crítica sobre as práticas do cotidiano dos profissionais em ação na rede de serviços. (BRASIL, 2004) Dessa forma, a qualificação dos profissionais ocorrerá de acordo com as necessidades de saúde da população considerando as especificidades regionais, inclusive a capacidade instalada de ofertar educação em saúde.

A transformação proposta pela EPS para a formação e gestão do trabalho em saúde não podem ser consideradas questões simplesmente técnicas, visto que promove uma fissura no Modelo de Atenção, na medida em que a saúde pas-sa a ser trabalhada como um conjunto de serviços (Rede de Atenção), no qual o acesso aos diversos níveis de atenção à saúde passa a ser definido pelas neces-sidades individuais ou de grupos populacionais. Segundo Silva, Leite e Pinno (2014), a EPS destina-se à qualificação dos trabalhadores, no sentido de desen-volver potencialidades pessoais, sociais e profissionais, ou seja, o desenvolvi-mento integral dos sujeitos, o que transcende o aperfeiçoamento técnico e co-loca o trabalhador como protagonista que tem direito à cidadania, garantias de saúde, condições dignas de trabalho e possibilidades de ascensão profissional.

Apesar de todos os processos de transformação social que o Estado tem sofrido, a formação em saúde continua a ser pouco problematizada, tendo per-manecido alheia a organização setorial e, muitas vezes, distante das reais neces-sidades do Sistema Único de Saúde (SUS). A formação em saúde ultrapassa o domínio da educação formal e modifica a construção do conhecimento técnico--científico e prático das profissões, o que contribui para a elevação da qualidade da assistência prestada à saúde da população, tanto nos aspectos epidemiológi-cos do processo saúde-doença/saúde-riscos, quanto nos aspectos de gestão do cuidado em saúde.

Uma proposta de ação estratégica para transformação da organização dos serviços e dos processos formativos, das práticas de saúde e práticas pedagógicas implica num trabalho articulado entre o sistema de saúde e as instituições for-madoras. Torna-se, então, imprescindível promover a articulação e aproxima-ção do ensino para com os serviços de saúde, possibilitando o estabelecimento

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do diálogo e garantindo que o processo de formação em saúde seja condizente com os princípios e diretrizes do SUS. (CECCIM; FEUERWERKER, 2004)

O Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde – Vigilância em Saúde (PET-Vigilância em Saúde) tem como fio condutor a integração ensino-serviço--comunidade, busca fomentar grupos de aprendizagem tutorial no âmbito da Vigilância Epidemiológica e tem como pressuposto a educação pelo trabalho, caracterizando-se como instrumento para qualificação em serviço dos profis-sionais de saúde, bem como a iniciação ao trabalho e vivências direcionadas aos discentes dos cursos da área de saúde, de acordo com as necessidades do SUS.

Segundo Pagani e Andrade (2012), o processo de aprendizagem deve partir da reflexão sobre o que acontece no serviço e o que precisa ser transformado. É preciso problematizar as situações do cotidiano que promovam e produzam sentido de realidade para fomentar a qualidade da atenção à saúde, adequada às necessidades de saúde da população. Diante desse cenário, iniciativas que promovam a integração ensino-serviço no tocante ao desenvolvimento do pen-samento crítico, comprometimento ético e fortalecimento da atenção pautada nas demandas sociais têm sido elementos balizadores da educação permanente. Nesse contexto, propostas como o PET-Vigilância em Saúde se constituem não apenas como oportunidade de inserção dos discentes no cotidiano dos serviços de saúde, mas estabelece uma relação pedagógica teórica e prática no cenário das práxis dos serviços, o que favorece a transformação do processo de trabalho em saúde, através da aproximação entre a formação em saúde e o SUS.

Seguindo essa lógica, o grupo PET-Vigilância em Saúde, no município de Vitória da Conquista, tem como linha de trabalho “A Melhoria da Informação e Redução da Mortalidade Infantil em Vitória da Conquista”. Vale destacar que essa temática foi priorizada, tendo em vista que a situação epidemiológica da Bahia registrou a quinta pior taxa em mortalidade infantil entre os estados bra-sileiros, segundo dados de mortalidade do Ministério da Saúde, baseadas no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Foram registradas 23,1 mortes de crianças por mil nascidas com idade de até um, sen-do, a grande maioria, óbitos evitáveis.

No que se refere ao indicador de mortalidade infantil, o município de Vitó-ria da Conquista apresenta taxas inferiores à nacional, que em 2013, fixou-se em 19,6 enquanto a microrregião apresentava um coeficiente de 16,17 (indi-cadores ainda sujeitos a modificações). No entanto, o número ainda é elevado quando comparado a outro município nordestino com semelhantes dimensões

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demográficas: Caruaru, cidade pernambucana com 337 416 habitantes, e uma taxa de mortalidade infantil em torno de 14,05. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014)

A fragilidade na qualidade da informação dos óbitos infantis e da assistên-cia ofertada às gestantes do pré-natal ao puerpério fomenta a necessidade de se pesquisar, discutir e elaborar ações para enfrentar e reduzir a mortalidade infantil. Diante desse contexto, é de grande relevância analisar o perfil epide-miológico da Mortalidade Infantil (MI), com identificação dos fatores os quais interferem tanto na qualidade da informação como na ocorrência dos óbitos in-fantis, para que possa desenvolver ações que proporcionem a redução da MI e a qualificação das informações.

CAMINHO PERCORRIDO

Uma vez inseridos na rotina da Vigilância em Saúde (VS), mais especificamente no cotidiano da Vigilância Epidemiológica, os discentes têm a oportunidade de conhecer e aprender, por meio da vivência nos serviços, elaboração de propos-tas e implementação das ações de vigilância ao óbito infantil, nos diversos cená-rios e contextos de práticas dos serviços de saúde.

Após a realização do processo seletivo para composição do grupo PET- Saúde/VS, sucedeu a etapa de estudos e discussão teórico-conceitual acerca da mortalidade infantil, que permitiu a instrumentalização dos discentes sobre os principais conceitos empregados no contexto da vigilância ao óbito infan-til. Nesse momento, foi realizada uma visita à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com o objetivo de apresentar a organização e funcionamento do proces-so de trabalho da Vigilância em Saúde. Ainda nos primeiros momentos do PET, foi promovida uma “Oficina de Construção de Indicadores de Saúde”, a fim de introduzir e familiarizar os discentes com os principais instrumentos de vigi-lância e Sistemas de Informação em Saúde (SIS).

Posteriormente à teorização e instrumentalização, iniciou-se a inserção dos discentes nas vivências das práticas de investigação do óbito infantil no contex-to ambulatorial – nas Unidades de Atenção Primária à Saúde (Uaps) – e domi-ciliar com a aplicação dos respectivos inquéritos. A investigação epidemioló-gica (investigação de óbito infantil) é um trabalho de campo realizado a partir de casos notificados, e tem como objetivos a identificação das causas as quais levaram ao óbito, dos grupos mais vulneráveis, dos fatores determinantes, e a

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determinação das principais características epidemiológicas. (ALMEIDA FI-LHO; ROUQUAYROL, 2003) Os discentes foram acompanhados pelas pre-ceptoras durante as investigações, e transportados até às Unidades de Saúde da Família (USF)/Unidades Básicas de Saúde (UBS) por veículos da SMS.

O PROCESSO

No cotidiano das investigações ambulatorial e domiciliar do óbito fetal e infan-til, são empregadas as fichas de investigação de óbito infantil, as quais são os principais impressos próprios utilizados pela Vigilância Epidemiológica como instrumentos de coletas de dados e informação, no que compreende a vigilân-cia do óbito infantil. A investigação de óbito infantil no âmbito hospitalar ainda encontra inúmeras dificuldades na inserção dos discentes nessa etapa do pro-cesso, ficando restrita a apenas realização de uma visita ao setor de Vigilância Epidemiológica Hospitalar de um dos hospitais da rede própria que é cenário de práticas do PET.

Após a coleta dos dados e informação, as fichas devidamente preenchidas são encaminhadas para discussão na Câmara Técnica de Investigação do Óbito Materno e Infantil, a qual se constitui como espaço de caráter eminentemente educativo e formativo, formado por profissionais de saúde (pediatra, ginecolo-gista, enfermeira, gestão etc.), e que tem como papel a avaliação da qualidade da assistência prestada à gestante durante o parto, nascimento e à criança no primeiro ano de vida, subsidiando a elaboração de políticas públicas, ações de intervenção e recomendações aos serviços. Os estudantes possuem participa-ção ativa na Câmara Técnica, contribuindo diretamente na discussão das fichas, conclusão dos casos e elaboração das recomendações juntamente com a equipe.

Paralelo às vivências de campo por meio da investigação de óbito infantil, os discentes participaram da construção de um banco de dados no programa EpiInfo, software que permite trabalhar dados e informações referentes aos ser-viços de saúde, digitando as informações contidas nas Declarações de Óbito In-fantil (DO), as quais, posteriormente, servirão de base para a elaboração de es-tudos e análises de saúde.

Durante os primeiros meses de vivências em campo (Investigação de Óbi-to) e participação na Câmara Técnica, os discentes conheceram a rotina e flu-xo do serviço de Vigilância do Óbito Infantil, e, estando munidos da instru-mentalização teórico-conceitual necessária, puderam refletir acerca das ações

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e práticas propostas e levantaram inúmeras demandas e obstáculos encontra-dos em suas operacionalizações, o que culminou na proposição da modifica-ção das fichas de investigação e realização de um encontro sobre vigilância do óbito infantil.

ATIVIDADES E ESTRATÉGIAS ADOTADAS

A experiência do PET-Vigilância em Saúde no Município possibilitou a reflexão da prática dos profissionais da rede de atenção municipal, por meio da educação permanente, visto que o serviço contribui na formação profissional e a acade-mia contribui na qualificação do serviço, através da capacitação e da orienta-ção de ações nos espaços sociais com propostas inovadoras, desenvolvimento de habilidades e reflexões críticas do processo de trabalho, fundamentadas nos princípios e diretrizes da Política de Educação Permanente.

Através das atividades de campo, os estudantes identificaram, nas fichas de investigação, inúmeras questões que dificultavam a realização dos inquéritos domiciliar e ambulatorial, tornando-os extremamente cansativos e burocráti-cos. Diante disso, sugeriram a discussão das fichas para fundamentação e levan-tamento de pontos os quais tornavam sua aplicação morosa. Propostas de alte-rações em campos específicos das fichas surgiram após diversas observações e leituras do instrumento, o que transcorreu durante os encontros semanais do grupo PET e resultou numa ficha de investigação que, além de preservar a es-trutura original, se adequou à realidade local e se tornou de mais fácil preenchi-mento, facilitando a investigação do óbito infantil. A versão final da ficha modi-ficada foi encaminhada para a Câmara Técnica para apreciação e, após algumas correções, foi aprovada e incorporada na rotina dos serviços.

Diante demandas encontradas, a SMS, por meio da Diretoria da Atenção Básica, da Escola de Formação em Saúde, Diretoria de Vigilância em Saúde e PET-Vigilância em Saúde, promoveu o I Encontro de Vigilância do Óbito Infan-til na Atenção Básica, um momento de encontro e diálogo dos diversos atores (profissionais) que atuam na Atenção Básica do município com a Gestão, e en-volvendo os estudantes do PET-Vigilância em Saúde, o que favoreceu a discus-são acerca da implementação das ações de vigilância do óbito infantil no âmbito da Atenção Básica, e problematização das principais dificuldades encontradas pelos profissionais em seu cotidiano. Os discentes não apenas participaram da organização do evento, mas foram inseridos na discussão, contribuindo com a

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troca de experiências baseadas nas vivências no cotidiano das práticas da vigi-lância do óbito infantil no contexto da Atenção Básica.

A construção da Rede de Atenção a Saúde (RAS) e suas ações sinalizam para a necessidade de utilizar a EPS como estratégia de gestão qualificada e inte-grada às necessidades locorregionais. (LEMOS; FONTOURA; LEMOS, 2009)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Provavelmente, o maior diferencial desse grupo PET tenha sido a possibilidade do estabelecimento do diálogo com a Gestão, uma vez que esse campo por ve-zes se encontra impermeável ao acesso e discussão. Por meio de sua proposta de atuação, a qual incorpora os estudantes diretamente no escopo das ações e rotinas da Vigilância em Saúde, o PET-Vigilância em Saúde propõe a estrutura-ção de um modelo de integração ensino-gestão-serviço, que contribui para apri-moramento das práticas, fortalecimento e adequação das políticas de saúde e reorientação da formação, baseada nas necessidades do sistema de saúde local.

Os índices de mortalidade infantil refletem diretamente o padrão de desen-volvimento e qualidade de vida de um país. No Brasil, apesar da tendência de-crescente do CMI, o índice de mortalidade infantil, em 2000, era de 30,1/1000 nascidos vivos e, em 2010, de 21,6/1000. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014) O país ainda continua com níveis ele-vados, se comparado a outros como Canadá, Japão, Cuba e Chile com taxas en-tre 3 e 10/1000. A redução da mortalidade infantil é prioridade de governo de diversos países.

A Vigilância em Saúde se estabelece como ferramenta eficaz de enfrenta-mento desse problema, pois fornece instrumentos que permitem o conheci-mento, controle e avaliação da situação de saúde, possibilitando a elaboração de intervenções as quais visem reduzir a mortalidade infantil. Entretanto, ainda existem muitos desafios, como o mau preenchimento das declarações de óbito, a inadequada qualidade da informação em saúde, a fragilidade assistencial da rede de cuidado à gestação e puerpério, e o subfinanciamento do SUS.

Esses desafios devem ser expostos aos profissionais de saúde de modo que estes conheçam a importância de se ter acesso e informação em saúde de qua-lidade, garantindo, assim, um adequado sistema de coleta e repasse de dados, além de permitir construir a Atenção Integral à Saúde proposta na Política Nacional de Educação Permanente em Saúde.

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O grupo PET-Vigilância em Saúde surge com o papel de articular a forma-ção e o serviço, por meio da aproximação dos estudantes com o cotidiano da vigilância do óbito infantil, permitindo o aprimoramento das práticas e proces-so de trabalho, o que favorece a aprendizagem a partir da inserção na rotina da vigilância. É imprescindível salientar que toda proposta do PET não seria possí-vel sem a efetiva participação e envolvimento da Gestão, a qual se apresenta de maneira comprometida com a melhoria e aprimoramento do sistema de saúde.

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JOSÉ ANDRADE LOUZADO, MICHELA MACEDO LIMA COSTA,

BRUNA LUISA DE SOUSA PEREIRA, DÉBORA FREIRE COUTINHO,

CAROLINA OLIVEIRA DOS SANTOS LIMA, HIVE SANTOS DIAS, SILAS SANTOS SANTANA

INTRODUÇÃO

O planejamento no setor de saúde é um instrumento de gestão e tem sido adota-do no contexto brasileiro com o intuito de atender aos pressupostos de direcio-namento, racionalização e permitir amenizar as adversidades administrativas. Nessa lógica, o planejamento é um importante meio de consolidação da gestão nas diversas instâncias institucionais que compõem o Sistema Único de Saúde (SUS). (BRASIL, 2009) No modelo atual de gestão pública, implementado nas últimas décadas, o qual prioriza ações direcionadas à descentralização e a re-gionalização, o planejamento é essencial para a garantia da autonomia dos entes federados, desde o âmbito central ao local.Segundo Matus (1993), o planejamento é o cálculo situacional estratégico que relaciona o presente com o futuro e o conhecimento com a ação. Numa pers-pectiva participativa, o planejamento pode contribuir para elevar a consciência crítica e a responsabilidade social dos atores envolvidos na planificação, estabe-lecendo uma corresponsabilidade no processo de gestão e facilitando a mobili-zação política dos interessados pela questão saúde.

O PET-VIGILÂNCIA EM SAÚDE NA CONSTRUÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SAÚDEum relato de experiência

CAPÍTULO XII

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Nesse cenário, o Plano Municipal de Saúde (PMS) é uma ferramenta de consolidação das políticas de saúde. Construído a partir da Análise da Situação de Saúde (Asis), o plano contém diretrizes, objetivos e metas que são elabora-dos para um período de quatro anos, contudo, não é estático e permite reavalia-ção do seu conteúdo normativo periodicamente.

Teixeira (2001) afirma que, para chegar-se a um consenso, ainda que pro-visório, na elaboração do PMS, é necessário que a análise da situação de saúde do município tenha a participação de todos os sujeitos sociais – dirigentes e téc-nicos do nível político administrativo do governo, profissionais de saúde da as-sistência e representante dos diversos grupos da população – responsáveis pela promoção, preservação e recuperação da saúde da população.

Nesse interim, a capacidade de governo não se restringe apenas à perícia da equipe dirigente, composta pela conjunção de conhecimentos, experiência, exercício da liderança e competência técnica operacional para o processo da planificação, mas inclui, também, a gestão do sistema e todas as variáveis estru-turais (intersetorial e intrasetorial) as quais interferem diretamente no planeja-mento de saúde municipal. (VILASBÔAS; PAIM, 2008)

Partindo dos pressupostos explicitados, segundo a Asis, a mortalidade in-fantil (MI) tem se configurado como crescente preocupação para a saúde públi-ca no Brasil e no mundo. A sua importância é tão notória, que reduzir tal indi-cador está entre os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), es-tabelecidos como prioridades pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000, ao analisar os maiores problemas mundiais. Diante da magnitude desse problema, as ações de planejamento em saúde no nível municipal, direcionadas para esse indicador, poderão contribuir para que se evite o óbito infantil.

No que se refere ao indicador de mortalidade infantil, o município de Vitó-ria da Conquista apresenta taxas inferiores à nacional, que, em 2013, apresen-tou 19,6 (sujeito a modificações). Nesse mesmo período, a microrregião apre-sentava um coeficiente de 16,17 (sujeito a modificações), embora esse valor ain-da seja considerado elevado nos países desenvolvidos (INSTITUTO BRASI-LEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014), o que justifica a inclusão de metas e objetivos relacionados a esse problema no PMS.

Na construção do capítulo específico sobre essa temática, os discentes de diversos cursos de graduação os quais participaram do PET-Saúde tiveram a oportunidade de vivenciar cada etapa desse processo coletivo de planejamento. Fica evidente que o processo de construção de um PMS é um desafio tanto para

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a gestão quanto para a academia, e, para os discentes, a possibilidade de parti-cipar de uma atividade prática/pedagógica a qual permitiu associar a teoria e a prática dentro de um cenário (território) dinâmico e influenciado por variáveis econômicas, epidemiológicas, ambientais e, sobretudo, políticas, foi uma expe-riência enriquecedora.

Este capítulo tem como propósito relatar a experiência dos discentes, precep-tor e tutor integrantes do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde – Vigi-lância em Saúde (PET-Vigilância à Saúde) Linha Redução da Mortalidade Infantil e Fetal em Vitória da Conquista – BA, na Construção do PMS 2014/2017 dessa cidade, especificamente nas ações voltadas para a redução da MI.

CARACTERIZAÇÃO DO CENÁRIO DE PRÁTICAS

Muitas ações vêm sendo implementadas na cidade com o objetivo de reduzir os índices de mortalidade infantil, um exemplo disso é a reestruturação do sistema de saúde, com a habilitação do município na condição de Gestão Plena do Sis-tema Municipal de Saúde, em 1999, e a consequente ampliação da rede de aten-ção básica. A atenção primária foi montada com base na Estratégia de Saúde da Família (ESF) e atua, hoje, com 42 unidades, 44 postos de saúde e uma unidade móvel. O Sistema Municipal de Saúde conta, ainda, com quatro hospitais que prestam assistências ao parto e nascimento, sendo a Fundação de Saúde Vitó-ria da Conquista referência regional em saúde materno-infantil, oferecendo os serviços de pré-natal de alto risco, Unidade de Terapia intensiva (UTI neona-tal), Unidade de Cuidados Intermediários (UCI neonatal), alojamento conjunto e método “mãe canguru”, banco de leite humano, serviço de cirurgia pediátrica e neonatal, além dos serviços de diagnóstico por imagem. Apesar disso, o coefi-ciente de mortalidade infantil de Vitória da Conquista vem resistindo à redução.

O PROCESSO

O grupo PET-Vigilância Sanitária é formado por discentes dos cursos de Enfer-magem, Farmácia, Medicina, Nutrição e Psicologia, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Durante dois meses, o grupo identificou e priorizou três problemas de saúde da população e três problemas do sistema de saúde como aqueles que geravam maior impacto no indicador de mortalidade infantil. Para realizar a priorização

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dos problemas identificados além da relação causal, foram utilizado os seguin-tes critérios: relevância, urgência, factibilidade e viabilidade para os “problemas de saúde da população”, e magnitude, transcendência, vulnerabilidade e custo para os problemas do sistema de saúde. (BAHIA, 2013) A partir de então, fo-ram estabelecidos objetivos gerais e específicos, metas, responsáveis e ações.

O material construído foi submetido ao Conselho Municipal de Saúde (CMS) para análise, discussão e validação e, assim, compor o PMS, na ses-são da Vigilância em Saúde no tópico relativo à redução da mortalidade infan-til. Os passos seguintes foram: a elaboração uma resolução a ser anexada ao documento normativo (PMS), para posterior encaminhamento às instâncias deliberativas do SUS e, finalmente, a utilização do PMS como principal do-cumento normativo de planejamento, sendo que as ações programáticas da secretaria de saúde deverão ter como foco o cumprimento de todas as metas dentro do período estabelecido.

O grupo PET se propôs a identificar, em sua vivência na vigilância, agravos relevantes que impactam na mortalidade infantil, a fim de auxiliar a elabora-ção do PMS de Vitória da Conquista. Os discentes estiveram em contato dire-to com os instrumentos de planejamento em gestão pública. O contato com os elementos teóricos do planejamento e a vivência com as atividades da vigilância do óbito infantil e fetal (investigação ambulatorial, domiciliar e hospitalar) sub-sidiaram a confecção do plano. Entretanto, foi necessário que os discentes tives-sem o entendimento do processo de construção do PMS, uma vez que este não é discutido no meio acadêmico. Assim, foi realizada uma oficina de introdução aos conceitos básicos de Gestão e Planejamento em Saúde, ministrada pelo tu-tor acadêmico. O nivelamento do grupo prosseguiu com conceitos apresenta-dos pelos membros discentes, num processo horizontal de trocas e experiências que demandou tempo significativo.

O mapeamento dos problemas de saúde e o caminho a ser seguido, em bus-ca da redução da mortalidade infantil do município, demanda esforços de diver-sos atores sociais para a materialização dos resultados almejados, os quais po-derão ser balizados por uma gestão estratégica e participativa.

Sendo assim, como primeira etapa do processo de trabalho, foram elenca-dos problemas de saúde da população e problemas do serviço em si, no que se refere à mortalidade infantil, e estabelecidas as suas causas e consequências, através da construção da Árvore de Problemas, que é um recurso pedagógico o qual permite, através de um diagrama, identificar os problemas de saúde seus

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determinantes e condicionantes. (TEIXEIRA, 2001; BAHIA, 2013) A vivência no âmbito da vigilância permitiu que os discentes, em contato com a prática co-tidiana das investigações dos óbitos infantis e fetais, participassem das análises realizadas desses óbitos pela câmara técnica de investigação do óbito infantil. Isso fez com que os discentes, os preceptores e o tutor priorizassem os proble-mas mais prevalentes nas análises realizadas na câmara técnica. Como forma de direcionar as ações e otimizar os resultados, foram priorizados três problemas de cada categoria, como explicitado no Quadro 1.

Quadro1 – Problemas de saúde no âmbito da mortalidade infantil no município de Vitória da Conquista – BA

Problemas de saúde da população Problemas do sistema e serviço de saúde

1. Elevada taxa de infecção urinária materna.1. Ausência de escuta qualificada no acolhimento à gestante na rede própria e hospitais conveniados.

2. Elevada taxa de óbito infantil devido a inadequada abordagem obstétrica à gestante a termo.

2. Qualidade insatisfatória da atenção à gestante nas unidades básicas de saúde.

3. Elevado número de gestações não planejadas no município de Vitória da Conquista.

3. Baixa captação precoce de gestantes para adesão e realização do pré-natal no primeiro trimestre.

Fonte: elaborado pelo autor.

Para aqueles referentes à saúde da população, os critérios utilizados foram relevância (importância do problema), urgência (intensidade da ameaça que re-presenta à estabilidade do sistema), factibilidade (disponibilidade de recursos para a execução das ações) e viabilidade (capacidade política, técnica e financei-ra para o desencadeamento das ações). Já para os problemas do sistema de saú-de, utilizaram-se as variáveis de magnitude (tamanho do problema), transcen-dência (importância política, cultural e técnica dada ao problema), vulnerabili-dade (existência de conhecimento e recursos materiais para enfrenta-lo) e custo da operação (recursos financeiros necessários). (BAHIA, 2013)

Definidos os problemas a serem enfrentados, foi elaborado o plano de ações para cada problema priorizado. Nele, encontravam-se as proposições a serem desenvolvidas, os objetivos esperados, assim como responsabilida-des, apoio e prazos para a sua concretização. Nesse segundo momento de identificação dos fatores de relevância da mortalidade infantil do município, sua abordagem ideal e o setor competente por realizar essas mudanças, foi

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realizado na dinâmica de small working groups1, ou seja, o grupo foi subdividi-do em núcleos de trabalho os quais ficaram responsáveis por confeccionar as Planilhas do Planejamento Municipal.

As planilhas são ferramentas que sintetizam dados os quais nortearão a im-plementação das ações em saúde. Elas apresentam as seguintes informações, exemplificadas no Quadro 2, abaixo: o problema a ser trabalhado, o objetivo geral e a meta do objetivo geral para resolução do problema, os objetivos espe-cíficos a serem empregados para se alcançar a resolução, as metas dos objetivos específicos, os setores responsáveis pela implementação das ações e os percen-tuais que devem ser atingidos anualmente até o fim do PMS em vigor.

Quadro 2 – Planilha para construção do PMS

Problema Elevado número de gestações indesejadas em Vitória da Conquista no ano de 2013

Diretriz

Objetivo geral Reduzir o número de gestações indesejadas em Vitória da Conquista nos anos de 2014-2018

Meta do objetivo geral Reduzir em 20% o número de gestações indesejadas em Vitória da Conquista entre 2014 e 2017

Objetivos específicos Metas Responsáveis Ano

2014 2015 2016 2017

Ampliar a adesão da comunidade às atividades de planejamento familiar

Elaborar estratégias que promovam a captação da comunidade à encontros quinzenas de planejamento familiar

Atenção Básica 5% 5% 5% 5%

Ampliar a adesão ao uso de contraceptivos

Ampliar em 10% o número de profissionais capacitados em sensibilizar a comunidade sobre as opções de contraceptivos

Assessoria de planejamento e Educação Permanente; Atenção Básica

2,5% 2,5% 2,5% 2,5%

Fonte: elaborado pelo autor.

1 Conceito pedagógico aplicado principalmente no método “aprendizado baseado em problemas” Learning with Peers: From Small Group Cooperation to Collaborative Communities (Aprender com os pares: da cooperação de pequenos grupos às comunidades colaborativas).

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Cada small working group apresentou suas planilhas, de forma que todas fo-ram amplamente discutidas e trabalhadas por todos os membros até chegarem a sua conformação final. A experiência prática do grupo, sua formação multidisci-plinar e a coleta de dados domiciliares e ambulatoriais do óbito infantil levaram a uma ampla discussão acerca da implementação de ações. A colaboração de di-versos conhecimentos profissionais voltadas especificamente para a realidade de Vitória da Conquista, e a vivência da investigação de óbito realizada pelo grupo PET no setor de Vigilância da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), resultou em planilhas minuciosamente debatidas, as quais sugerem atuações interdisci-plinares, desde o âmbito administrativo até a prática cotidiana da área de saúde.

Durante o reconhecimento dos pontos de vulnerabilidade a serem encami-nhados para a construção do PMS, o grupo PET se deparou com alguns desa-fios, como por exemplo, como colocar em prática a teoria, na formulação dos problemas e expressá-las na elaboração das planilhas, uma vez que a habilidade de trabalhar com o planejamento em saúde estava sendo construído simultane-amente à elaboração da árvore de problemas. Amadurecer essa habilidade em tempo viável para enviar uma colaboração ao PMS foi, sem dúvida, o principal entrave e superação desse grupo PET.

Além disso, devemos destacar que os conhecimentos adquiridos durante os estudos aliados às atividades de vigilância de óbito fetal e infantil realizadas pelo grupo PET foram fundamentais e subsidiaram a construção do plano, pois, em suas experiências práticas (de vigilância) no território da Atenção Básica, os discentes puderam identificar as reais demandas de saúde da população, assim como detectaram alguns problemas no sistema de saúde que exercem influência no indicador de mortalidade infantil do município.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A elaboração do PMS e dos instrumentos que o norteiam deve ser entendida como um processo dinâmico o qual permite a revisão permanente dos objeti-vos, prioridades, estratégias e ações, seja pela superação de problemas, seja pe-las mudanças de cenários (epidemiológicos, econômicos, ambientais e políti-cos). Esse processo de planejamento na saúde compatibiliza a percepção de go-verno com as necessidades e os interesses da sociedade.

O ensino da teoria da planificação em saúde articulado com a prática tem um forte aspecto pedagógico ao permitir que o discente, em contato direto com

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o cenário de prática, vivencie os problemas de saúde e seus determinantes e con-dicionantes, fundamentados na gestão da informação em saúde para a tomada de decisões.

O PMS também deve ser entendido como uma representação concre-ta dos anseios da comunidade, uma vez que as demandas aprovadas na CMS são incorporadas no documento após criteriosa análise de viabilidade técnica e epidemiológica.

A inclusão dos discentes no desenvolvimento de atividades de planejamen-to permitiu a reflexão acerca de um dos maiores desafios inerentes à gestão de ações e serviços no SUS: o de executar as ações que estão descritas no PMS. Além disso, a gestão da saúde articulada com a participação e controle social, capaz de mobilizar as capacidades técnica, administrativa e política da máqui-na pública municipal, permite elencar prioridades e viabilizar a materialização do plano. O entendimento da importância da participação popular qualificada (controle social) durante o processo de formação em saúde, permitiu aos dis-centes concretizar a necessidade dessa participação na construção do PMS e refletir sobre a validação do documento normativo para a sociedade.

Por fim, essa experiência foi de fundamental importância na formação de profissionais de saúde aptos a planejar ações passíveis de operacionalização no tempo administrativo e fundamentadas na real necessidade locorregional.

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PATRÍCIA BAIER KREPSKY, BÁRBARA EMANUELY DE BRITO,

PÉRICLES NORBERTO MATOS, TAMYLA FARIAS ANDRADE

Este capítulo relata a experiência vivenciada no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II), em Vitória da Conquista – BA, da manutenção da oficina de plantas medicinais e horticultura, abrangendo: 1) o período anterior à parceria entre universidade e serviço de saúde – antes de 2011; 2) o início dessa cooperação – de março de 2011 a julho de 2012; 3) a inclusão desta oficina como ação de-senvolvida no contexto do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) – de agosto de 2012 a dezembro de 2013. O relato envolve as ativi-dades em campo e em sala de oficina.

A DINÂMICA DOS CAPS

Foucault, em A história da loucura, assim como a reforma psiquiátrica aconte-cida na Itália, com Basaglia, e ainda outros movimentos da antipsiquiatria em todo mundo, trouxeram à tona a problemática da loucura e da exclusão, criti-cando o encarceramento dos “loucos”, a medicalização excessiva, os maus tra-tos, promovendo um novo formato de abordagem e acompanhamento em saúde mental, que implica no relacionamento social, familiar e territorial do usuário

NATUREZA E CULTURA EM SAÚDE MENTAL

CAPÍTULO XIII

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dos serviços, diminuindo, assim, radicalmente, os hospitais psiquiátricos, bem como as internações em psiquiatria. (COOPER, 1979)

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) foram criados a partir da refor-ma psiquiátrica como ferramentas nucleares, com potencial para irradiação e formação de uma rede em saúde mental de apoio a indivíduos, familiares e gru-pos sociais. Um dos objetivos dos Caps, do ponto de vista do cuidado, é trabalhar a questão da ressignificação da vivência nas relações entre indivíduos, em famí-lia, em sociedade, que inclui a miséria, a exclusão ou ainda a violência. O serviço visa acolhimento das diferenças, da dor e desesperos, com suas conotações sub-jetivas e objetivas, da loucura e suas tremendas implicações na relação intersub-jetiva e em sociedade, além de contribuir para empoderamento e autonomia pos-sível dos usuários, sem desconsiderar as perspectivas neurobiológicas disfuncio-nais associadas. (ALMEIDA, 2003; LEAL, 2001; MORIN, 1999)

Nesses locais, são oferecidos serviços de atendimento individual, como con-sultas médicas, acompanhamento em psicoterapia e visitas domiciliares, assim como acolhimento grupal, como oficinas e grupos terapêuticos.

As oficinas são construídas através da realização de atividades manuais, cor-porais, teatrais, musicais, entre outras, as quais remetem ao desenvolvimento de potenciais, à inclusão e à criação de espaço para ação terapêutica: momento de criatividade, expressividade, acolhimento das diferenças e desenvolvimento de autonomia. Essas práticas têm crescido com potencial para transformar-se em uma das principais formas de assistência terapêutica à saúde mental, uma vez que sustentam vínculos com uma autonomia possível, reforçando a ideia de rede, território e indivíduo numa noção de circularidade que alimenta a possi-bilidade e capacidade do sujeito de gerar normas para a sua vida a partir de suas relações. Nesse sentido, as oficinas terapêuticas, entendidas como espaços de encontro, tomam uma conotação ativa em que se pretende protagonismo e rela-ção. (LEAL, 2001; RIBEIRO, 1994)

O encontro é compreendido aqui como acontecimento fundamental na re-lação com o outro, surgindo à medida que se percebe o outro, de acordo com a filosofia Gestalt e de Martin Buber. (PADOIM, 2009; RIBEIRO, 1994)

A Gestalt-terapia faz do diálogo entres duas pessoas à dimensão central do processo de cura, sendo que todo o ser deve estar predisposto para o contato e todos os sentidos são considerados canais de contato. O fenômeno do encontro favorece as percepções. Em Gestalt, a presença no “aqui e agora” fundamen-ta a observação do fenômeno e se torna guia para as atualizações terapêuticas.

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natureza e cultura em saúde mental 165

Todo esse espectro e complexidade se estabelecem nos processos individuais, tal como nas relações grupais. O que acontece se institui como guia num exercí-cio interno e externo espontâneo o qual flui na direção de experiências vividas e significantes entre os participantes. Nesse sentido, tudo pode acontecer, con-siderando o processo da confiança e das fronteiras que também vão se fixando, sempre lembrando que os verdadeiros encontros se fazem aí, nas fronteiras, no corpo, fundamentado como totalidade. O respeito cria vínculos, confiança, en-trega, possibilidades, desafios, sensações, presença e “cura”. (RIBEIRO, 1994)

A importância fundamental do encontro se faz presente, também, na filoso-fia de Martin Buber:

A relação acontece quando o EU (homem) se presentifica diante do TU (qualquer outra pessoa, animal, coisa ou Deus), ou seja, o homem se apresenta na atitude de ser-com-o-outro e ser-com-o-mundo. O ho-mem existe apenas no modo de ser-com, não há homem sozinho, inde-pendente; ele existe apenas na relação. Nesse encontro, ambos podem mostrar-se em sua totalidade e se reconhecer reciprocamente, instituin-do um mundo compartilhado. (PADOIN; DE PAULA; SCHAURICH, 2009, p. 913)

O CAPS II DE VITÓRIA DA CONQUISTA

Em Vitória da Conquista, o Caps II funciona desde o ano de 2002, sob a gestão municipal, constituindo um serviço de saúde multidisciplinar de atenção diária para atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes. Compõem a equipe, nesse município: artista plástico, assistente social, enfer-meira, farmacêutica, médico homeopata/acupunturista, pedagoga, psicólogos, psiquiatras, terapeuta floral e técnicos de enfermagem, atendendo uma média de 300 pacientes por mês. A assistência prestada aos pacientes inclui atendi-mento individual, atendimento em grupos terapêuticos, oficinas terapêuticas, visitas domiciliares, atendimento à família, atividades focando a integração do paciente em sofrimento mental na comunidade e sua inserção familiar e social. Trata-se de um serviço bem avaliado por usuários e profissionais, entretanto, faz-se necessário dinamizar a criação efetiva da rede de atenção em saúde men-tal, através de múltiplas ações complexas, culturais, organizacionais e multisse-toriais. Dentre os setores que podem ter melhor articulação, podemos citar as

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unidades básicas de saúde, hospital psiquiátrico e geral, Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado de Assistên-cia Social (Creas), entre outros. Adicionalmente, existe demanda para aumento de vagas no Caps II e criação do Caps III.

A implantação do Caps foi um diferencial na abordagem municipal no cam-po da saúde mental, levando em conta a reforma psiquiátrica e “revalorização da loucura”. Logo, se fez sentir a necessidade de mudança geográfica do ser-viço para acolher as crescentes demandas por área livre, áreas para realização das oficinas terapêuticas, bem como uma localização mais periférica e tranquila quando comparada àquela ocupada inicialmente, no centro da cidade.

Esse evento de mudança se deu no ano de 2008, ao tempo em que acontecia uma especialização em Saúde Mental, numa parceria da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória da Conquista, via coordenação de Saúde Mental, com o Minis-tério da Saúde e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Importante e criativo, o curso foi mobilizador de vários setores afins na direção da criação de rede em saúde mental, acionou várias unidades de saúde da Atenção Básica, assim como o Hospital Psiquiátrico Afrânio Peixoto, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (Caps-AD), bem como a equipe do Caps II. Profissionais de toda a região partici-param. Foi no bojo desse “fermento do pensar e do fazer” que se deu uma visita ao Hospital Crescêncio Silveira, o qual dispunha de uma convidativa área livre, que motivou o projeto embrionário da oficina terapêutica de horticultura. Estavam mobilizados em desenvolver uma oficina terapêutica ligada ao cuidado com plan-tas, dois médicos, um artista e um artesão e um estudante de psicologia.

A OFICINA DE PLANTAS MEDICINAIS E HORTICULTURA

Durante o processo de planejamento da oficina de plantas medicinais e horti-cultura, houve liberdade e mobilização para sua criação, sendo envolvidos no processo a coordenação do Caps, a associação de amigos, usuários e familiares da saúde mental de Vitória da Conquista e região, o poder executivo, a Secre-taria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (Seagri) e, claro, os profissionais e usuários dinamizadores do processo, fortalecidos na relação que acontecia.

Após tentativas iniciais emperradas, já com outros profissionais participan-tes e com apoio da associação de amigos, usuários e familiares da saúde mental,

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a oficina nasceu em 2010. No ano seguinte, uma parceria importante foi esta-belecida com o Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMS/UFBA), Campus de Vitória da Conquista, e, em conjunto, realizou--se o primeiro seminário sobre a horticultura e plantas medicinais no Caps II, em março de 2011, com participação de usuários, profissionais, estudantes, profes-soras. Foram envolvidos os cursos de Farmácia e Biotecnologia do IMS/UFBA.

Em agosto de 2012, o Caps II passou a fazer parte do PET-Saúde, contando, inicialmente, com apenas um preceptor psicólogo, sendo posteriormente incor-porada como preceptora a farmacêutica, a qual já participava como voluntária. Dessa forma, estudantes do PET passaram a ter a oportunidade de atuar tanto na oficina de plantas medicinais e horticultura como em outras atividades do Caps II.

Ao se pensar na oficina de plantas medicinais e horticultura, buscou-se agregar as atividades com plantas com os princípios da reforma psiquiátrica brasileira, sobretudo a desinstitucionalização e percepção do indivíduo em so-frimento mental de forma integral.

As relações e cuidados em saúde mental passaram por posturas e entendi-mentos diversos ao longo da história. Mesmo as oficinas terapêuticas com hor-tas, jardins, entre outras, foram utilizadas, inicialmente, no contexto da lógica da exclusão. Acreditava-se, naquele momento, que as pessoas em sofrimento mental precisavam desenvolver atividades para sair da ociosidade, como forma de ocupação do tempo ou da mente. Nesse sentido, pode não haver encontro, como descrito por Martin Buber.

Na oficina proposta no Caps II, pretendeu-se estabelecer um fazer e um criar a fim de mobilizar e provocar processos, relações e interações com os pre-sentes, sejam estes outros usuários, profissionais ou estudantes, tendo como ca-talisador a vivência com as plantas – o plantar, o cuidar, o molhar, o colher, o distribuir, o retirar o mato, o irrigar, o desenvolver a compostagem, o tratar a terra e as “pragas”, o cultivar de modo orgânico, o esperar pela chuva, o traba-lhar ao sol, o sentir a terra, o cheirar – do ponto de vista cultural, medicinal, emocional, ecológico.

Essa oficina também teve como objetivo a realização de encontros com abordagem multidisciplinar e potencial dinâmico que sirvam como parte do processo terapêutico dos usuários, além de resgatar e valorizar o uso tradicio-nal das plantas e promover o diálogo entre o conhecimento científico e o conhe-cimento tradicional, contribuindo para o uso coerente de plantas medicinais e

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fitoterápicos. Mais do que isso, a oficina pretendeu colaborar com a formação de estudantes, professores e profissionais na área de fitoterapia e saúde mental. Buscou-se abordagem complexa e multidisciplinar, a qual envolveu encontros semanais em campo, na horta do Caps II, e bimensais em sala de oficina, onde eram realizadas as discussões sobre plantas medicinais e alimentícias entre usu-ários, profissionais, estudantes e professora.

A coordenação da oficina foi compartilhada por profissionais do serviço (farmacêutica, médico e psicólogo) e uma docente da Universidade Federal da Bahia (UFBA), farmacêutica e tutora do PET-Saúde até dezembro de 2013. Par-ticiparam, também, estudantes de Psicologia, Farmácia e Biologia, bolsistas do PET-Saúde.

Os encontros em campo contaram com a coordenação do psicólogo e apoio dos estudantes do PET-Saúde. Os usuários foram encaminhados para oficina pelos profissionais do Caps II quando esta era incluída no projeto terapêutico. Com certa frequência, também participaram o médico e, eventualmente, a far-macêutica do serviço e a tutora do PET-Saúde. As atividades aconteceram nos canteiros localizados no próprio Caps II. Os encontros semanais foram realiza-dos nas sextas-feiras, quando se concentravam a maior parte dos participantes. No entanto, alguns usuários contribuíram com o cuidado do local em outros momentos durante a semana, de forma espontânea.

Em média, seis usuários do Caps II participaram de cada turno em campo, desde setembro de 2011. O máximo de usuários presentes foi de 13, e o mínimo de dois.

Durante os encontros, foram realizadas atividades de preparação da ter-ra, adubação, irrigação, plantio, poda, retirada de plantas daninhas, colheita e partilha da produção. Enquanto tais atividades eram desenvolvidas, surgiam perguntas, provocações, alguns temas eram compartilhados, tanto pelos pro-fissionais, quanto pelos usuários, sendo essa dinâmica enriquecida e partilha-da num movimento solidário, mas também, por vezes, conflituoso ou insti-gante. Dentre os conflitos, podemos citar as diferentes formas de organizar as espécies: em forma de mandala, separadas umas das outras, misturadas, refletindo as formas de agricultura existentes em nossa sociedade. Houve, também, conflitos relacionados às diferenças de personalidade, especialmen-te quando havia autoritarismo ao invés de cooperação. Outra divergência foi quanto ao uso de restos de beneficiamento de café, pelo risco de contamina-ção da horta com agrotóxicos.

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Manifestações espontâneas aconteceram: mudas foram doadas por partici-pantes, tanto por usuários, quanto pela coordenação da oficina; canteiros line-ares deram lugar a plantios diversos, numa perspectiva que lembra técnicas de agroecologia, assim como a opção pelo não emprego de herbicidas, fungicidas e outros defensivos agrícolas não permitidos em cultivos orgânicos. Além disso, foram empregadas técnicas de compostagem, as quais também fazem parte da agroecologia, usando restos de hortaliças e espécies invasoras para produção de terra vegetal.

Em alguns momentos, as colheitas foram relativamente abundantes, mo-tivando os participantes e trazendo alegria. Por outro lado, a produção em si não era o objetivo. O trabalho toma um formato de ação e interação em cam-po, visando produção de sentido, observação dos ciclos de cuidado, aprendiza-do, sendo que, muitas vezes, acontecem atritos e desabafos, assim como diver-gências entre os participantes. Polaridades emocionais, performances às vezes opostas, formas, jeitos e gestos são apresentados no fazer. Nas relações, estão presentes as experiências vividas. Nesse sentido, a coordenação, em ação, dialo-ga, interfere, interage, valorizando a experiência.

De acordo com Angerami-Camon e colaboradores (2002):

É na experiência do mundo que todas as nossas operações lógicas de significação devem fundar-se; e o próprio mundo é, portanto, uma certa significação, comum a todas as experiências, que teríamos através delas, uma idéia que viria animar a matéria do conhecimento. (ANGERAMI--CAMON et al., 2002, p. 3)

Além da oficina semanal em campo, na horta do Caps II, foram realizados encontros na sala de oficina. Geralmente, participavam todos os coordenadores (professora, psicólogo, farmacêutica, médico, usuários e estudantes). Esses mo-mentos eram abertos a todos os usuários do Caps II e aconteceram sem rigidez quanto às datas. Entre agosto de 2012 e fevereiro de 2014, foram realizados sete encontros com participação de 16 usuários em média, com um máximo de 22, mínimo de 12. Cada encontro teve duração de cerca de duas horas.

Durante o planejamento desses encontros, foram selecionadas duas a três espécies vegetais medicinais. As espécies eram sugeridas pelos usuários e co-ordenação, orientando-se, principalmente, por aquelas já plantadas na hor-ta do Caps, de modo que fossem momentos em que se discutisse sobre o que era cultivado, e que os temas abordados estimulassem a criatividade, tendo

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um significado para os usuários. Foram discutidas espécies similares em cada ocasião, seja por seus efeitos terapêuticos ou características botânicas. Existiu abertura para outros temas, de acordo com a demanda dos usuários, como ali-mentos e cosméticos. A importância da seleção adequada das espécies foi ob-servada durante as oficinas, sendo o grau de participação dos usuários menor quando discutidas espécies menos conhecidas na região, mesmo quando esta-vam presentes na horta, como o guaco.

Nos encontros em sala de oficina, usuários, profissionais, docente e estu-dantes sentavam-se em círculo para favorecer a interação e a não hierarquiza-ção. Os coordenadores estimulavam uma dinâmica de maneira que as experiên-cias dos usuários fossem relatadas, comunicando eventos, vivências, histórias, intercaladas com conhecimentos científicos e populares trazidos pelos profis-sionais, sempre fazendo dialogar as diversas formas de construção do conheci-mento. (MORIN, 1999; ALMEIDA, 2003) Visou-se o uso coerente de plantas medicinais, respeitando-se as tradições, assim como os conhecimentos acadê-micos. Foram levadas para a oficina amostras das espécies vegetais e, algumas vezes, fotos eram projetadas ou eram realizadas demonstrações sobre prepara-ções caseiras.

Todos os participantes tinham a oportunidade de expor suas experiências com cada espécie, priorizando os relatos dos usuários, os quais incluíram culti-vo, preparações caseiras, uso medicinal ou alimentício, e problemas que podem acontecer em função do uso inadequado. Quando existiam questões relaciona-das às precauções, geralmente, os próprios usuários apontavam os cuidados ne-cessários, cabendo aos profissionais coordenar a discussão e contribuir com co-nhecimentos complementares. Adicionalmente, incentivava-se o relato das pro-priedades organolépticas das plantas, o que, muitas vezes, despertavam sensa-ções as quais remetiam a lembranças e histórias vividas. Trocas de receitas acon-teciam espontaneamente, incluindo remédios caseiros, cosméticos e alimentos.

É através da cultura que o homem estabelece suas vivências e caracteriza seu grupo. Nesse sentido, podemos fazer menção aos fundamentos da etnobotânica, a qual pode ser entendida como o estudo da inter-relação direta entre pessoas de culturas viventes e as plantas do seu meio, aliando-se fatores culturais e ambien-tais, bem como as concepções desenvolvidas por essas culturas sobre as plantas e o aproveitamento que se faz delas. Os estudos etnobotânicos visam compreender como as pessoas relacionam-se com as plantas e quais os relacionamentos produ-zidos nos diversos sistemas culturais. (ALBULQUERQUE, 2005)

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A oficina no Caps II não envolveu a realização de um estudo etnobotânico, no entanto, assim como em tais estudos, tem-se como objetivo, de modo con-comitante com a questão terapêutica, o resgate e a preservação dos conheci-mentos tradicionais, os quais vêm sendo construídos ao longo dos séculos no contexto de diferentes grupos populacionais por todo o mundo, considerando o valor cultural das plantas nos diversos espaços, cada comunidade tem seus costumes e peculiaridades. (PASA; SOARES; GUARIM NETO, 2005; MAR-TINS et al., 2005) Valorizar os saberes tradicionais sobre plantas medicinais acumulados por seus membros e perpetuá-los amplia as vivências dos mem-bros das comunidades, auxiliando-os nas questões por eles enfrentadas no dia a dia. (LOPES et al., 2011) Nesse sentido, a oficina visa tanto a valorização do conhecimento tradicional, sem hierarquia em relação ao conhecimento científi-co, quanto sua aplicação, considerando o contexto local.

As plantas têm um importante papel nos mais variados domínios das ati-vidades humanas, como alimentação, medicina, rituais sagrados, folclore etc. As plantas usadas como remédio quase sempre têm posição predominante e significativa nos resultados das investigações etnobotânicas de uma região ou grupo étnico. Os tratamentos de saúde por meio da medicina popular coexis-tem paralelamente aos serviços de saúde, fundamentados pelos próprios valo-res encontrados pela população local e também pela transmissão da herança cultural. (PASA; SOARES; GUARIM NETO, 2005)

Segundo Albuquerque (2005), onde existem pessoas e plantas interagindo em um mesmo sistema, também haverá uma forma de pensar quais motivações especiais determinam o comportamento e percepção das pessoas em relação às plantas. Além disso, desenvolve-se um equilíbrio em que o ser humano racio-naliza o seu ambiente botânico de uma forma consistente e ordenada, com uma lógica que é interna, mas apreensível ao observador ocasional, desde que esse se proponha a abandonar seus próprios conceitos, suas categorias culturais para apreciar um discurso numa outra linguagem. Observação atenta é essencial no acompanhamento das atividades em campo e das discussões em sala de oficina, a fim de possibilitar a compreensão, por parte dos coordenadores, das formas como os usuários lidam com as plantas, assim como com conhecimento sobre seus usos medicinais, cosméticos e alimentares.

Em alguns momentos, a discussão em sala iniciou-se com avaliações. No quin-to encontro, foi estimulado o depoimento de todos os usuários presentes quan-to à sua visão sobre as atividades as quais foram realizadas até então na oficina.

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Nesse momento, foi possível perceber que os encontros são significantes para os participantes, o que era um dos questionamentos levantados pelos coordenado-res. Estes se reuniam após as oficinas a fim de avaliar e planejar ações.

Estima-se que os momentos da oficina convidem a uma vivência reflexiva. São oportunidades para manifestação de crenças, experiências, diferenças, in-dividualidade, religiosidade, contextos sociocultural, ambiental e psicossocial. Desse modo, desenvolve-se ambiente de resgate da história de cada usuário, re-lacionando temas abordados com as singularidades afetivas.

Para fins de registro, após cada encontro, os usuários registravam presen-ça em livro específico. Esses encontros foram gravados e os áudios transcritos, servindo de base para a produção de uma cartilha educativa sobre o uso de plan-tas medicinais. Informações complementares foram incluídas, sendo as fontes consultadas listadas ao final da cartilha e citadas no texto. Portanto, trata-se de uma cartilha bem fundamentada e contextualizada.

Assim, estabeleceu-se a oficina terapêutica. Seus parâmetros e sua lógica envolveram a mescla do fazer e do pensar na dimensão da prática do cuidado, com resgate de conhecimentos e memórias, ao tempo em que se revivenciavam formas de uso dos cultivos (plantas medicinais e hortaliças, nas quais a memó-ria cognitiva e afetiva é buscada), seja do ponto de vista do cozinhar ou do fazer uso das plantas como remédios, ou ainda nas suas formas “mágicas”, rebuscam--se as formas em que se davam os laços afetivos, com suas crenças e conheci-mentos antepassados e presentes, em que se faz e se fala ou se fez e se disse. (CERTEAU, 1998; MORIN, 1999)

A oficina terapêutica é um fazer continuado, pois nela se estabelecem rela-ções que irão definir sua caminhada.

Na oficina de horticultura e plantas medicinais, a partir de um determina-do momento, passou a acontecer certo esvaziamento. Os profissionais envol-vidos foram se desarticulando. Suas questões ocupacionais, suas prioridades, contribuíram para tal. Isso refletiu diretamente na presença dos usuários e no entusiasmo do grupo. Seria importante que se incluíssem outros profissionais do Caps na oficina, assim como seria preciso mais dedicação, particularmente nos demais dias da semana que não a sexta-feira, pois o cuidado com as plantas deve ser contínuo. Adicionalmente, a articulação com os demais profissionais não foi efetiva no sentido de colocar a oficina no contexto das indicações tera-pêuticas. Logo, isso se estendeu para falta de materiais e, na própria sexta-fei-ra, o esvaziamento era evidente. Foi sentida a falta de adubo animal, sementes,

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a tela protetora, de água, devido a longa estiagem regional que durou cerca de dois anos, e de uma caixa d’agua, a qual foi implementada no final de 2013, sen-do uma conquista importante de nossa caminhada.

Nos encontros em sala de oficina, ainda havia presença e participação, po-rém menos intensa que aquela observada no início. A falta de mobilização foi sentida pelo grupo também nesse momento, reforçando a necessidade de cons-tante inovação.

O imobilismo contrastava com as conquistas na ação: momentos de presen-ça, momentos de ausência, apatia participativa, a não ação política institucional, nossa micro ação política local, nosso contato com a associação de amigos, usu-ários e familiares da saúde mental, nossa história de surgimento como grupo. Tudo isso revelou a necessidade de pensarmos em fortalecimento da memória e ação de grupo de uma forma mais vigorosa. “O relato é a língua das operações, abre um teatro de legitimidade para ações efetivas”. (CERTEAU, 1998) São ne-cessárias ações mais efetivas e oportunidades para dar continuidade a uma ofi-cina relevante como essa, desafio com o qual nos comprometemos a estar aten-tos e em contribuição.

Através desta escrita e das avaliações realizadas durante e após os encon-tros, foi possível refletir sobre a oficina e, assim, repensar a prática, reforçando a necessidade de mudanças a fim resgatar os objetivos originais. Foram levanta-dos diversos questionamentos: o que ficou? O que foi efetivo? O que foi ilusão? Como recriar a oficina a cada encontro? O que de significativo para todos traz os encontros, o fazer, o partilhar? Estas perguntas não podem ser respondidas de um modo objetivo neste momento, são questões para a continuidade deste trabalho, e mostram necessidade de constante reflexão teórica sobre a prática, seguida de ações direcionadas para a mudança.

Apesar das dificuldades, alguns usuários com significativa afinidade pelo trabalho com a terra, mantêm participação constante e demonstram interes-se na continuidade da oficina, o que foi constatado também em recente assem-bleia de usuários, quando foi considerada importante a sua revigoração. Além disso, usuários e profissionais utilizam a horta com diversas finalidades, como obtenção de plantas medicinais para preparação de remédios caseiros, preparo de chás para uso no serviço, coleta e distribuição de hortaliças, como também coleta de mudas e sementes que contribuem para o desenvolvimento de outras hortas. A horta tem, também, uma função estética na unidade e já foi local des-tinado a atividades didáticas para estudantes da UFBA.

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Embora seja um espaço planejado para uma oficina terapêutica, percebe--se que existem outras possibilidades de aproveitamento: jardinagem, plantio e cultivos de flores foram sugeridos em vários momentos. No contexto atual do serviço, avaliamos que será necessária uma rediscussão entre a equipe do Caps, para redimensionar sua prática envolvendo outros técnicos afins, dada a com-plexidade que sentimos para sua manutenção como atividade de campo, cuja necessidade diária de cuidado tem implicações na saúde, vigor e entusiasmo, tanto das plantas como dos cuidadores.

Enfim, todo o percurso foi extremamente válido tanto para processo terapêu-tico dos usuários quanto para o desenvolvimento profissional da equipe. O gru-po, com suas diferenças, soube aproveitar os momentos da oficina e, no contato, soube criar. A sensação do inacabado sugere a possibilidade de recriar a oficina, reinventá-la com novos atores de caminhada. Podemos afirmar e sentir seus lados positivos, bem como seus momentos de fragilidade, todos somando. Vivencia-mos plenamente possibilidades de relação em um Caps II, crescemos como pes-soas e profissionais que aprendem continuamente no ato do fazer, relacionando teoria e prática.

Compartilhando nossa vivência, esperamos contribuir para que outros gru-pos se inspirem.

Concluímos com uma fala do Péricles Norberto Matos (médico homeopa-ta/CAPS II da rede municipal): “Há pessoas que cuidam e partilham, há humanos que caminham e se veem com o olhar que encontra, que descobre, descortina, e onde se revela o frágil e o que não se sabe. Há encontro. Quanta ternura. Veículos que so-mos. Momentos de presença, momentos de passagem. Oficina de encontro. Frágil desafio de náufragos. Passaram e ficaram as medidas. Avaliem e qualifiquem. Que importa. Memórias, relações...”.

Agradecimentos: ao psicólogo Átila Patez Lemos, pela coordenação da ofi-cina de horticultura e plantas medicinais; à professora Ana Carolina Rodrigues Cunha, pela identificação botânica de espécies vegetais e participação no pri-meiro seminário de horticultura e plantas medicinais no Caps II; ao professor Eduardo José Borges Farias dos Reis, por suas valiosas contribuições durante a revisão deste texto.

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EDI CRISTINA MANFROI, REBECA PINHEIRO AGUILAR, AMANDA AVELAR LIMA

ETNA KALIANE PEREIRA DA SILVA, HELLEN DAYANE DOS SANTOS MARINHO,

JÉSSIKA MENDES REIS

INTRODUÇÃO

A obesidade é considerada um grande problema de saúde pública. A sua pre-valência vem aumentando em todo o mundo, atingindo todas as idades. (AN-TIPATIS; GILL, 2001) Fisiologicamente, a obesidade pode ser definida como uma condição anormal de acúmulo de gordura no tecido adiposo, por desequi-líbrio entre a energia consumida e a energia gasta, acarretando, assim, riscos e prejuízos para a saúde. (ANTIPATIS; GILL, 2001; MOORE et al., 2003) A die-ta hipercalórica e os hábitos sedentários são, portanto, os maiores colaborado-res para o aumento do peso corporal. (MELLO; LUFT; MEYER, 2004) Segun-do a Organização Mundial de saúde (OMS) (2000), o sobrepeso e a obesidade podem ser expressos pela relação da massa corporal pelo quadrado da altura, denominado Índice de Massa Corporal (IMC).

Em relação aos fatores psicossociais, a obesidade reduz a autoestima e a auto-confiança, produz isolamento social, sentimentos de rejeição e depressão. (MOU-RÃO-CARVALHAL, 2008) Além dessas alterações psíquicas, o sobrepeso e a obesidade são considerados fatores de risco para patologias graves, como a diabe-tes mellitus do tipo II, doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, distúrbios

HÁBITOS SAUDÁVEISintervenção multidisciplinar em um grupo de mulheres

CAPÍTULO XIV

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reprodutivos em mulheres, alguns tipos de câncer, doenças ortopédicas, resistên-cia à insulina/intolerância a glicose, síndrome metabólica, dislipidemias, proble-mas respiratórios entre outros. (ADES; KERBAUY, 2002)

Pesquisas de abrangência nacional revelam que as prevalências de excesso de peso e obesidade aumentaram na população adulta de forma diferenciada entre os sexos, sendo superior no sexo feminino. De acordo com dados recen-tes, 64,9% das mulheres brasileiras apresentam algum grau de excesso de peso, quando considerados o excesso de peso e a obesidade, o que demonstra a mag-nitude desse agravo na população feminina. (LINS et al, 2013)

Devido a essa dimensão, são necessárias ações intersetoriais as quais visem desde a prevenção até o tratamento da obesidade. As práticas de promoção e prevenção devem ser pautadas na reeducação alimentar associada à prática de exercícios físicos. (OMS, 2000)

O estado nutricional reflete um processo dinâmico de relações entre fatores de ordem biológica, psíquica e social. Nesse sentido, as práticas para reduzir a obesidade precisam correlacionar questões sociais, psicológicas, orgânicas e comportamentais, tanto individuais quanto em grupos. (BURLANDY, 2004) Dessa forma, para Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Sín-drome Metabólica (Abeso) (2010), o tratamento da obesidade fundamenta-se nas intervenções para modificação do estilo de vida, na orientação dietoterápi-ca, no aumento da atividade física e em mudanças comportamentais.

Segundo a OMS (1998), a terapia medicamentosa deve ser utilizada somen-te em “pacientes obesos de alto risco”, sob estrita supervisão médica e de acor-do com avaliação permanente dos efeitos obtidos, nos usuários em que as mu-danças na dieta e o incremento na atividade física não foram capazes de surtir efeito de redução da massa corporal. Já a cirurgia bariátrica pode ser indicada a sujeitos com obesidade grau II (IMC acima de 35) com comorbidades como hipertensão, diabetes, dislipidemias, ou grau III (IMC acima de 40) que tenham passado por tratamento dietoterápico e medicamentoso sem sucesso, apresen-tando outras doenças associadas as quais representem ameaça à vida.

Portanto, devem-se concentrar ações para promoção da alimentação saudá-vel e da atividade física com a finalidade de prevenir a obesidade e o sobrepeso. Essas medidas podem ser tomadas de forma diferente dependendo da fase do curso da vida – crianças, escolares, adolescentes, homens, mulheres, gestantes e idosos. (BRASIL, 2010) Para tanto, há um programa de monitoramento do per-fil nutricional da população nas diferentes fases do curso da vida, o Sistema de

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Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), o qual tem como finalidade auxiliar no planejamento e na avaliação das ações de promoção da saúde. Sendo assim, como estratégias que visem à promoção da saúde e a prevenção da obesidade/sobrepeso, têm-se os grupos educativos às pessoas com sobrepeso e obesidade, a fim de realizar ações de educação em saúde.

Com o objetivo de auxiliar na redução gradativa da massa corporal, preve-nir ou controlar as comorbidades, incentivar os hábitos de vida saudáveis e troca de saberes, foi desenvolvido um grupo educativo com os usuários da Unidade de Saúde da Família (USF). Através desse grupo, esperou-se que os usuários par-ticipantes atingissem algumas metas, tais como: prática regular de atividades físicas, aumento da ingesta hídrica e substituição de alimentos industrializados com maior aporte calórico e lipídico por alimentos naturais e mais saudáveis.

Nesse sentido, o presente relato de experiência tem como objetivo descre-ver a realização de grupos educativos multidisciplinares dentro da Estratégia de Saúde da Família (ESF), uma vez que as execuções de intervenções em equipe tendem a apresentar um caráter mais resolutivo.

ORGANIZANDO O GRUPO E AS ATIVIDADES

Este capítulo relata a experiência do grupo educativo com equipe multiprofis-sional desenvolvida pelos integrantes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e os estudantes do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), em parceria com a equipe da USF de um bairro no município de Vitoria de Conquista – BA.

O trabalho em equipe multiprofissional consiste numa modalidade de traba-lho coletivo que se configura em relação recíproca entre as múltiplas interven-ções, técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais. Quan-do se trata da promoção da saúde, torna-se evidente a importância do trabalho multiprofissional, o que vai garantir a integralidade na assistência. A ação mul-tidisciplinar apresenta-se como uma forma promissora de atendimento na área da saúde. A formação diversificada da equipe resulta em mais efetividade, em um atendimento de melhor qualidade e na segurança do paciente. O trabalho em grupo com mais engajamento dos membros foi associado com a promoção de serviços, com um escopo mais amplo o qual abarca não apenas as necessidades clínicas dos pacientes, com um leque mais diversificado de doenças e severidade, mas também com funções estratégicas e educacionais. (PEDUZZI, 2001)

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A USF em que foi desenvolvido o grupo atende 5 748 habitantes de um bair-ro cuja população, em sua maioria, é caracterizada por grande vulnerabilidade socioeconômica. Além disso, o bairro periférico oferece poucas opções de lazer e incentivo à vida saudável, sendo ainda mais necessária a conscientização da po-pulação sobre os benefícios de hábitos saudáveis para a melhoria de suas vidas.

O público-alvo do grupo foram os usuários da USF que estivessem na situ-ação de sobrepeso ou obesidade. Os mesmos foram convidados a participar do grupo através dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) ou por livre deman-da na USF. O referido grupo contou apenas com a presença usuários do sexo feminino, com idade entre 24 e 62 anos, em sua maioria com uma faixa de IMC com a classificação de obesidade (IMC de 30 á ≥ 40 Kg/m2) em seus diferentes níveis, além disso, algumas já tinham doenças crônicas não transmissíveis diag-nosticadas, como hipertensão, diabetes e dislipidemia.

O grupo educativo recebeu o nome “Mudança de Hábito”, visto que a mu-dança de hábitos foi seu objetivo principal. As atividades do grupo aconteceram no período de agosto a setembro de 2013, com encontros semanais às segun-das-feiras, totalizando seis encontros.

No primeiro dia, foram realizadas atividades de apresentação geral das pro-postas e perspectivas do grupo, além disso, foi aplicado um questionário a res-peito dos hábitos alimentares, as Escalas Beck de Ansiedade (BAI) e de Depres-são (BDI), aferição de medidas antropométricas (peso e altura) e da pressão ar-terial sistêmica.

Já o segundo encontro aconteceu em formato de roda de conversa, assim também como os encontros subsequentes. Estes eram iniciados com o relato das participantes descrevendo como havia sido a semana desde o último en-contro até o atual, e só após o momento de escuta é que o condutor iniciava a conversa a respeito do tema escolhido para ser trabalhado no dia. Em todos os encontros, foram privilegiados a interação com as participantes, ouvindo suas principais dificuldades em adotar hábitos saudáveis e propondo estratégias de mudanças gradativas, combinadas com o grupo em forma de tarefas as quais deveriam ser cumpridas durante a semana e relatadas no encontro subsequente.

Os principais temas discutidos durantes os encontros foram: orientações nutricionais e alimentação saudável, ansiedade/autoestima, benefícios da inges-tão de água e importância da atividade física.

Após a realização dos encontros, foram realizados os atendimentos indi-viduais com as participantes do grupo, a fim de atender as especificidades de

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cada uma. Foram efetuadas, também, visitas domiciliares durante o mês de ja-neiro de 2014, nas quais foi feita uma entrevista semiestruturada, tendo como objetivo questionar as participantes sobre o que as motivaram a participar do grupo, como avaliaram a condução do mesmo e a presença e permanência de mudanças de hábitos no período de realização do grupo e posterior a esse. Além disso, foram realizadas visitas domiciliares para as participantes as quais não compareceram a todos os encontros, com o intuito de averiguar os moti-vos que as levaram a desistência. No total, foram feitas seis entrevistas durante as visitas domiciliares.

REEDUCANDO OS HÁBITOS ALIMENTARES

A maioria das mulheres entrevistadas tomou conhecimento do grupo através do ACS, o que reforça ainda mais a importância deste para o processo de tra-balho em saúde, posto que o mesmo funciona como um conectivo entre a co-munidade e o serviço de atenção à saúde. Nesse aspecto, torna-se notória a ne-cessidade de formar parcerias com os ACS e desenvolver estratégias que visem garantir maior adesão da comunidade aos grupos educativos.

Das seis mulheres entrevistadas, três revelaram que a motivação para par-ticipação do grupo adveio da necessidade de mudar os hábitos alimentares, alegando que uma alimentação saudável, além de contribuir para a redução do peso, pode auxiliar no controle de morbidades, como a diabetes mellitus, citada em um dos discursos.

Diversos autores apontam que os aspectos mais evidenciados relacionados aos hábitos alimentares têm sido o aumento do consumo de alimentos com alto teor energético, como as gorduras, excesso de açúcar, sal e estilo de vida seden-tário. (GARCIA, 2003) Como consequência, esse balanço energético positivo acarreta repercussões à saúde, tais como doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade, trazendo redução tanto na qualidade como em anos de vida. Segun-do a OMS, uma dieta alimentar com poucas gorduras saturadas, açúcar e sal e muitos legumes e frutas, aliada a uma atividade física regular, poderá promover um grande impacto no combate à mortalidade e prevenção de doenças relacio-nadas aos hábitos alimentares.

As demais mulheres citaram como principal motivação para participarem do grupo o fato de não se sentirem bem com o peso apresentado. A questão da de-preciação da autoimagem se torna bastante presente quando se fala em mulheres

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com diagnóstico de obesidade/sobrepeso. Isso foi verificado nas discussões reali-zadas entre as participantes, as quais expressaram a dificuldade de aceitar a apa-rência e a condição física. As mensagens educativas dirigidas à sociedade estimu-lam a ideia de que uma boa imagem é suficiente para a obtenção de êxito tanto na vida social como profissional e familiar. Dessa forma, quando o indivíduo perce-be não corresponder a esse padrão e não é aceito socialmente, muitas dificuldades são encontradas no dia a dia, como pôde ser abordado em alguns encontros.

Na avaliação da ansiedade e depressão, apenas uma participante apresen-tou, nas escalas BAI e BDI, um escore considerado clínico, sendo encaminhada para um atendimento individual com a equipe multiprofissional.

A literatura traz relação entre a prevalência de obesidade/sobrepeso e os transtornos emocionais. No entanto, muitas vezes os problemas emocio-nais são geralmente percebidos como consequências da obesidade gerando um círculo vicioso. A obesidade cria uma enorme carga psicológica em ter-mos de sofrimento, esta carga pode ser o maior efeito adverso da obesidade. (STUNKARD; WADDEN, 1992) Portanto, no caso do sobrepeso/obesidade, emagrecer não é apenas uma questão de controle alimentar, mas uma busca pelo equilíbrio físico e emocional.

Ainda, duas mulheres do total de entrevistadas não conseguiram acompanhar todos os encontros, devido às obrigações familiares. As mulheres, em sua maioria, são sobrecarregadas de afazeres domésticos, encargos familiares e tantas outras tarefas que muitas vezes inviabilizam a sua participação em atividades as quais de-mandam tempo, como os grupos educativos. Nesse sentido, salienta-se a necessi-dade de se refletir em busca de estratégias que venham abranger essa população.

Durante a realização dos encontros individuais, percebeu-se uma redução de peso em torno de 2 kg, na maioria das participantes do grupo. Além disso, a mudança no estilo de vida também foi observada nas famílias das participantes, uma vez que adotaram as recomendações de mudanças de hábitos trabalhadas no grupo. Entretanto, uma boa parcela mostrou-se insatisfeita quanto à falta de espaço físico estável para realização do grupo, o que se manifesta como um pro-blema de estrutura física, reforçando a necessidade de reflexões tanto em rela-ção à estrutura das unidades de saúde, do qual não oferecem espaços privativos para realização de grupos, quanto à possível realização de grupos em espaços comunitários, como igrejas por exemplo.

Corroborando com pensamento de Toledo (2006) sobre o atendimento grupal, pode-se afirmar que a proposta foi eficaz e, de fato, funcionou como

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potencial de apoio e de contato entre os participantes, tendo, assim, propor-cionado a troca de experiências que favoreceu a reflexão de posturas adotadas diante da mesma situação. 

A EXPERIÊNCIA DO GRUPO: A IMPORTÂNCIA DA MUDANÇA DE HÁBITOS DE VIDA

A experiência relatada elucidou a importância de abordar todos os aspectos que norteiam um quadro de obesidade e sobrepeso, favorecendo, assim, uma visão mais ampla do individuo por meio de um atendimento multidisciplinar, visto que a obesidade tem etiologia multifatorial.

Os objetivos da proposta inicial foram alcançados com a uma mudança de hábitos de vida – prática regular de atividades físicas, aumento da ingesta hídri-ca e substituição de alimentos industrializado com maior aporte calórico e lipí-dico por alimentos naturais e mais saudáveis; redução de peso das participantes e melhora na sua autoestima, trazendo resultados satisfatórios aos encontros e levando-nos a concluir que o atendimento grupal, ao possibilitar que os partici-pantes compartilhem vivências e debatam sobre suas atitudes, facilita a reflexão sobre as posturas adotadas e contribui para mudanças mais duradouras.

No entanto, algumas limitações podem ser destacadas: a falta de algumas participantes em alguns encontros, impedindo a continuidade desejada e exi-gindo o retorno ao tema anterior, causando prejuízo nos objetivos propostos; a falta de um espaço físico adequado, com condições de receber um grupo, ofere-cendo um ambiente privativo, dificultou a condução das atividades.

Mesmo frente às dificuldades destacadas, percebe-se a importância das ati-vidades educativas grupais com equipe multidisciplinar na ESF, visando à pro-moção da saúde e na prevenção de agravos, incentivando à adoção de hábitos de vida saudáveis.

REFERÊNCIAS

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ANTIPATIS, V.; GILL, T. Obesity as a global problem. In: BJORNTORP, P. International Textbook of Obesity. New Jersey: JonhnWiley & Sons, Ltd, 2001.

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA – ABESO. Atualização das diretrizes para o tratamento farmacológico da obesidade e do sobrepeso. Posicionamento Oficial da ABESO/SBEM – 2010. Revista da ABESO, São Paulo, n. 47, 2010. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica Diretrizes brasileiras de obesidade 2009/2010 / ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. – 3.ed. – Itapevi, SP: AC Farmacêutica, 2009.

BRASIL. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2009: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília, DF, 2010.

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GARCIA, R.W.D. Reflexos da globalização na cultura alimentar: Considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Revista de Nutrição Campinas, v. 16, n. 4, p. 483-492, out./dez. 2003.

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MOURÃO-CARVALHAL, I. O papel da atividade física no combate à obesidade. In PEREIRA, B.; CARVALHO, G. (Coord.). Actividade, física saúde e lazer: modelos de análise e intervenção. Lisboa: LIDE, 2008.

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MARIA PAULA CARVALHO LEITÃO, AMANDA GOMES BARROS,

AMANDA TAIZA DE ARAÚJO, JAMILLE ÁUREA BATISTA,

MARIANNE OLIVEIRA GONÇALVES, RAÍSSA AMARAL OLIVEIRA

INTRODUÇÃO

As neoplasias constituem um importante problema de saúde pública, enfrenta-do tanto em países desenvolvidos quanto em países que ainda estão em fase de desenvolvimento. (MELO; LEITE, 2012)

A inclusão das ações de controle de câncer entre os objetivos estratégicos do Ministério da Saúde para o período 2011-2015, com destaque para as ações de ampliação de acesso, diagnóstico e tratamento em tempo oportuno dos cânceres de mama e do colo do útero, assim como a publicação da nova Política Nacional de Prevenção e Controle de Câncer na Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas (PNPCC-RAS), por meio da Portaria nº 874, de 16 de maio de 2013, são exemplos destacados de prioridades em termos de saúde pública. (INSTITU-TO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2013)

O grande desafio é que as necessidades da população sejam priorizadas e atendidas pela política pública de saúde, conforme preconizado no Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Trans-missíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022, do Ministério da Saúde (INCA, 2013).

As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são definidas como arranjos organi-zativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas que,

A EXPERIÊNCIA DO PET-REDESé possível vislumbrar um processo de mudança no sistema de saúde?

CAPÍTULO XV

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integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado. (BRASIL, 2010)

As RAS buscam garantir a integralidade, as relações horizontais, cuidados multiprofissionais, centralidade em necessidades de saúde da população, aten-ção contínua e integral, resultados sanitários e econômicos, participação social, gestão compartilhada, problematização da realidade e, em linhas gerais, preven-ção, promoção e recuperação de saúde nos respectivos níveis de atenção à saú-de: primário, secundário e terciário.

Essa lógica de organização dos serviços em redes de atenção à saúde coadu-na com os objetivos do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET--Saúde), e propõe a articulação entre universidades federais ou estaduais – Insti-tuições de Ensino Superior (IES) – com as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, na perspectiva de promover uma integração entre ensino-serviço-comu-nidade, através de grupos de aprendizagem que possam desenvolver atividades em uma RAS. Essa iniciativa beneficia os serviços de saúde e estudantes dessa área que têm a oportunidade de aprimorar conhecimentos para uma formação alinhada com as necessidades do SUS e o princípio da integralidade em saúde.

A Universidade Federal da Bahia (UFBA), Campus Anísio Teixeira, foi a ins-tituição proponente e formou parcerias com a Universidade Estadual do Sudo-este da Bahia (UESB), Campus Vitória da Conquista, e com a Secretaria Muni-cipal de Saúde do município de Vitória da Conquista, coordenando o projeto local a partir de 2013, e sistematizando encontros semanais para estudo de as-pectos teóricos e conteúdos relacionados a associação entre o uso de agrotóxi-cos e o desenvolvimento de câncer de colo uterino.

Em parceria com a Secretária de Saúde, investigou-se, através do Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (Siscolo), sistema do Ministério da Saúde utilizado para coleta de dados das mulheres com câncer cérvicouterino, as informações necessárias para o direcionamento do projeto quanto às inter-venções para o câncer de colo uterino nos diferentes graus de complexidade.

A Unidade de Saúde da Família (USF) Lagoa das Flores, a Vigilância Sa-nitária e Ambiental (Visa), o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), o Hospital Geral de Vitória da Conquista (HGVC), a Unidade de Assistência de Alta Complexi-dade em Oncologia de Vitória da Conquista (Unacon) e o Ambulatório de On-cologia do Centro Regional de Referência Crescêncio Silveira compuseram os

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cenários de práticas. Também foi estabelecida uma parceria com o Micro Servi-ço de Anatomia Patológica e Citopatologia.

Este capítulo descreve a primeira etapa dos trabalhos do grupo PET-Redes de Atenção, a partir da descrição e discussão das atividades executadas nos ce-nários de prática.

CENÁRIO DE PRÁTICA 1: A USF LAGOA DAS FLORES

Com a participação de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), realizou-se uma vi-sita de todo o grupo PET-Redes à USF Lagoa das Flores e às propriedades de culti-vo de hortaliças e flores do bairro, para conhecimento prévio do cenário de prática.

O conhecimento da rotina da USF e das propriedades agrícolas propiciou o planejamento de ações a serem desenvolvidas ao longo do período de vigência do projeto.

Parte significativa da população desse bairro é composta por pequenos pro-dutores de hortaliças e flores. A produção abastece a cidade de Vitória da Con-quista e outras cidades do estado da Bahia.

Também foram realizadas intervenções relacionadas a demandas da USF que não estavam relacionadas ao tema abordado neste projeto. Os alunos desenvolve-ram intervenções, juntamente com os profissionais da Equipe de Saúde da Famí-lia (ESF), relacionadas a saúde bucal, atendimento médico de rotina, vacinação, distribuição de medicamentos, alimentação saudável, além de visitas domiciliares.

PLANEJAMENTO DAS AÇÕES NO CENÁRIO DE PRÁTICA

O grupo PET-Redes realizou reuniões quinzenais para discutir e planejar ativi-dades relacionadas ao enfrentamento do câncer de colo uterino, bem como so-bre a investigação das condições de uso de agrotóxicos nesse local.

Foram planejadas as seguintes atividades: 1) busca ativa de mulheres que não realizavam o exame preventivo do câncer de colo uterino, assim como mulheres que apresentaram alterações em seus resultados de Papanicolau e não retornaram à USF para tratamento; 2) estudos do fluxograma da USF; 3) tabulação dos dados dos preventivos; 4) sala de espera; 5) grupos de mulhe-res; 6) visitas domiciliares; 7) reunião com os ACS; 8) atividades educativas em escolas; 9) palestra com adolescentes; 10) atividades relacionadas às reper-cussões do uso de agrotóxicos para a saúde humana.

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Essas atividades foram desenvolvidas pelo grupo e continuam a ser realiza-das, uma vez que muitas mulheres desconhecem a relevância do exame preven-tivo Papanicolau. Assim, a orientação é extremamente importante para usuá-rias da USF Lagoa das Flores, sobretudo acerca dos riscos da doença e aspectos importantes do tratamento.

BUSCA ATIVA PARA O EXAME PREVENTIVO PAPANICOLAU

Foram identificadas as demandas relacionadas ao exame preventivo, como o não retorno à USF para a busca do resultado do exame e a necessidade de reali-zação de novo exame, quando o primeiro detecta alguma alteração.

A partir dessas informações, realizou-se a busca ativa, mediante visitas do-miciliares a mulheres residentes nas microáreas da USF, como Periperi, Choça, Guarani e outras. Participaram dessas visitas discentes dos cursos de graduação em Psicologia, Nutrição e Medicina. As mulheres receberam orientações sobre os procedimentos para agendamento do exame e prosseguimento do tratamen-to do câncer de colo uterino.

As usuárias foram receptivas e comentaram a importância da ação para mo-bilizar a comunidade para frequentar a USF, não só para a realização do Papa-nicolau, mas para outras necessidades.

As mulheres com resultados alterados para câncer de colo uterino foram encaminhadas para tratamento. Também foram promovidas atividades educa-tivas para facilitar a continuidade e adesão ao tratamento. Para isso, foram ela-borados panfletos e cartazes para grupos específicos, com ênfase aos riscos e prevenção desse tipo de neoplasia.

ESTUDO DO FLUXOGRAMA

Realizou-se um estudo do fluxograma da USF, objetivando conhecer as normas de condutas para mulheres com alterações citopatológicas do colo uterino, a partir das recomendações propostas pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), no ano de 2011.

LEVANTAMENTO DE DADOS DO EXAME PREVENTIVO

A partir do levantamento de dados do exame preventivo, foi possível verificar que alguns dados dos exames preventivos eram registrados incorretamente na ficha

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de acompanhamento. Diante disso, foram utilizados os prontuários das pacien-tes e visitas domiciliares para obtenção de informações necessárias ao preenchi-mento correto da ficha. Para a obtenção de informações necessárias a investiga-ção do estudo, foi elaborado o Quadro 1, no qual foram digitados os dados.

Quadro 1- Realização de exame preventivo em usuárias da USF Lagoa das Flores, segundo número de família e idade

Nome

Família

Idade

Penúltimo preventivo Resultado

Último preventivo Resultado

Período em que deve repetir

Marcação Realização

Fonte: elaborado pelo autor.

A tabulação e análise desses dados possibilitou o conhecimento do perfil da população, frequência com que as mulheres faziam o exame preventivo, núme-ro de exames com resultado alterado, identificação de mulheres as quais obti-veram exames com alterações e não deram o seguimento adequado, verificação das mulheres que nunca fizeram o exame, entre outras informações. Além dis-so, essa organização facilitou o acesso a essas informações para os demais pro-fissionais da equipe de saúde e propiciou a realização da busca ativa das mulhe-res que, por algum motivo, não estavam realizando os exames e/ou seguimento conforme preconizado.

Foram digitadas 34 laudas com essas informações. A partir da elaboração desse instrumento e identificação das demandas, foram iniciados os grupos de mulheres por microárea, na USF.

REALIZAÇÃO DE SALA DE ESPERA

Foram realizadas atividades de sala de espera na USF Lagoa das Flores. Seguin-do os princípios da educação em saúde, questionou-se às usuárias sobre os tópi-cos abordados, a fim de proporcionar uma bilateralidade do discurso e moldar o conhecimento do tema a partir do seu conhecimento prévio.

A discussão foi direcionada a partir das seguintes questões: o que é câncer de colo, como se desenvolve, sua relação com o HPV; objetivo do exame preven-tivo, período em que deve ser realizado, faixa etária de risco, precauções antes

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do exame; importância de retornar à unidade de saúde e o que deve ser feito quando há alguma alteração.

Por fim, as usuárias da USF esclareceram dúvidas sobre o assunto abordado com os discentes, sendo distribuídos folders informativos em seguida. A ausên-cia de figuras ilustrativas foi uma dificuldade encontrada, visto que possibilita-ria um melhor entendimento do assunto.

O GRUPO OPERATIVO DE MULHERES

O Grupo Operativo de Mulheres é uma técnica de trabalho que consiste em “orga-nizar os processos de pensamento, comunicação e ação entre os membros do gru-po”. (DIAS; SILVEIRA; WITT, 2009, p. 223) Assim, os condutores do grupo têm por objetivo favorecer as interações e as discussões em relação a um tema específi-co, promovendo processos de mudança de comportamento e aprendizagem.

Davim e colaboradores (2005) apontam as principais causas para não reali-zação do exame preventivo do câncer de colo uterino, como, por exemplo, as di-ficuldades de acesso às Unidades de Saúde, a falta de espaços nos quais a mulher possa conversar sobre sua sexualidade, o desconhecimento sobre o que é o cân-cer, bem como preconceitos e crenças sobre os procedimentos que envolvem o exame. Desse modo, o grupo busca não apenas informar, mas discutir e reela-borar crenças as quais permeiam o imaginário coletivo das mulheres, sendo ins-trumento potente de trocas de experiências, desmistificação e aprendizagem.

A utilização dos grupos operativos como estratégia para prevenção do cân-cer de colo uterino na USF Lagoa das Flores objetivou a conscientização das mulheres a respeito da importância da realização do exame Papanicolau/Pre-ventivo e do diagnóstico precoce, uma vez que, segundo dados do Inca (2000), este tem sido o terceiro tumor mais frequente em mulheres no Brasil.

Os grupos aconteceram semanalmente em diferentes microáreas da USF. Eles foram planejados de modo a acontecer em três etapas: 1) apresentação e dinâmica de entrosamento; 2) roda de conversa sobre o câncer de colo uterino; 3) dinâmica com perguntas sobre o tema.

A apresentação e a dinâmica de entrosamento foram utilizadas como estra-tégias de acolhimento, para que as participantes do grupo se sentissem a vonta-de para sanar dúvidas, contar experiências e sinalizar em qual período foi feito o último exame preventivo.

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Em seguida, as pessoas se organizaram em círculos e foram ressaltadas algumas informações importantes sobre o câncer de colo uterino, como, por exemplo, quais suas causas, como o exame é realizado, faixa-etária de risco, pre-cauções a serem tomadas antes do exame e importância da realização do pre-ventivo, sendo que as mulheres eram sempre estimuladas a compartilharem um pouco das suas experiências.

Por fim, foi realizada uma dinâmica com objetivo de assimilar o conteúdo discutido e esclarecer dúvidas.

Durante a experiência com os grupos de mulheres, o número de partici-pantes variou bastante, devido a cada uma das atividades acontecerem em dife-rentes microáreas, umas mais populosas que outras. No entanto, foi evidencia-do um aumento progressivo do número de mulheres por grupo, tendo, inicial-mente, uma média de 15 mulheres por grupo, e, ao final, aproximadamente 20 participantes. Os grupos foram realizados nas microáreas do Choça, Guarani, Cedro, Periperi e Vale das Flores.

Foi possível perceber que a maioria das mulheres não realizava o exame no período de tempo preconizado pelo Ministério da Saúde, demonstrando, tam-bém, um desconhecimento em relação à importância do exame Papanicolau. Sentimentos de medo e vergonha também foram expressos pelas participantes, o que nos mostra que o grupo não é efetivo apenas como meio informativo, mas como estratégia de cuidado e humanização da saúde.

VISITAS DOMICILIARES

As visitas domiciliares, segundo Albuquerque e Bosi (2009), são instrumento importante para que se possa conhecer a realidade da população, ao passo em que colabora para a construção de vínculos e compreensão de aspectos impor-tantes do funcionamento individual e familiar do sujeito.

Para investigação sobre os motivos da não realização do exame preventivo, foram realizadas visitas domiciliares. Os ACS escolheram os domicílios a se-rem visitados, segundo identificação das famílias em que mulheres haviam rea-lizado o exame no período previsto.

Diante da necessidade de obtenção de algumas informações, elaborou-se um questionário para investigação das dificuldades encontradas pelas mulheres para o diagnóstico e tratamento do câncer de colo uterino.

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REUNIÃO COM OS ACS

Realizou-se uma reunião com os ACS da USF Lagoa das Flores com o objeti-vo de discutir sobre as principais dificuldades/queixas relatadas pelas pacien-tes em relação à realização do exame preventivo, bem como conhecer quais os principais desafios encontrados pelos ACS durante o processo de marcação desses exames.

De acordo com os relatos dos agentes, foi possível verificar que, entre as principais justificativas para a não realização do exame preventivo, estão o medo do exame, a vergonha de se expor e a desinformação a respeito da importância e objetivo do mesmo (ex.: “não sinto nada, pra quê fazer esse exame?”). Algumas mulheres alegaram, também, que o horário de funcionamento da USF não coin-cide com o horário livre das mesmas – muitas mulheres trabalham em algumas indústrias existentes na região e/ou com a agricultura e venda dos seus produtos em feiras livres, e o horário de folga seria à noite e/ou nos finais de semana.

Os ACS acrescentaram, ainda, que outra grande dificuldade é a oferta de va-gas. No mês de dezembro/2013, por exemplo, cada ACS teve uma cota de duas vagas para preventivos, sendo que o número de famílias por ACS varia entre 57 a até 213 famílias.

Observou-se uma média de aproximadamente 170 famílias para cada ACS. Com isso, não se pode negar que duas vagas para 170 é um número bas-tante pequeno.

Os critérios utilizados pelos ACS para priorizar a marcação do exame são: idade entre 25-64 anos, estar em seguimento (resultado anterior com alguma alteração) e nunca ter feito o exame anteriormente.

Outro problema citado foi a grande quantidade de faltosas no dia do exame, o que acaba por prejudicar ainda mais o processo.

Depois dessa coleta de queixas, foi discutido o que poderia ser feito para melhorar o quadro apresentado, traçando e solidificando as próximas metas, estratégias e desafios.

Para 2014, com a divisão da USF Lagoa das Flores em duas ESF, foram au-mentados os números de vagas para o exame Papanicolau para uma média de 6 a 8 vagas por ACS.

A educação em saúde é uma das estratégias mais utilizadas para a prevenção e promoção da saúde, uma vez que serve como estimuladora do autocuidado, da autonomia e do potencial de saúde da população. Tais ações possibilitam que os

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indivíduos conheçam fatores que podem ser determinantes para sua saúde ou ausência dela.

Quanto ao câncer de colo uterino e a experiência de educação em saúde, percebe-se uma aproximação das mulheres com a USF, devido ao melhor aces-so às informações sobre prevenção e cuidado, resultando em comportamentos mais condizentes com a promoção da saúde, o que implica em hábitos de vida mais saudáveis e na diminuição dos fatores de risco.

No entanto, essa estratégia se torna insuficiente quando esbarramos com algumas limitações. Na USF Lagoa das Flores, cada agente comunitário é res-ponsável, em média, por 170 famílias, tendo disponíveis duas vagas mensais para realização do preventivo. Se imaginarmos que em cada família exista duas ou mais mulheres, esse número se torna ainda mais irrisório, impossibilitando o alcance de toda população.

Assim, as dificuldades de acesso constituíram desafios para a prevenção e tra-tamento do câncer de colo uterino em Lagoa das Flores. Somado a isso, está o fato de que o número de profissionais na USF é reduzido e poucos deles são capaci-tados para realizar tais procedimentos: apenas o médico e o enfermeiro. Como resultado, existe um desânimo das mulheres em procurar os serviços de saúde, o que pode aumentar a representação negativa associada ao exame Papanicolau e, consequentemente, a fragilidade para o enfrentamento do câncer em estudo.

RODA DE CONVERSA COM ADOLESCENTES

A adolescência é uma fase da vida repleta de mudanças, desafios, conflitos e des-cobertas e, muitas vezes, o indivíduo se expõe a riscos e perigos comuns à fase. A falta de informação e orientação tanto da família, quanto da escola, deixam o adolescente vulnerável diante dos mais diversos agravos à saúde. (RAMOS et. al, 2012)

Considerando esses aspectos comuns à fase da adolescência, foram promo-vidos encontros com adolescentes do sexo feminino, com idades entre 11 e 17 anos, os quais frequentam o Ensino Fundamental em escolas municipais de La-goa das Flores. A intervenção foi realizada com seis grupos, com uma média de 30 participantes por grupo.

Nos encontros, as adolescentes receberam orientações sobre uso de preser-vativo, a fim de evitar doenças sexualmente transmissíveis, como alguns sub-tipos do papilomavírus humano, o HPV, principal causador do câncer de colo

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uterino, assim como sobre outros riscos relacionados à vida sexual precoce, como múltiplos parceiros, o que também constitui fator de risco para esse tipo de câncer. (INCA, 2000) Também foram orientadas quanto à importância da vacinação contra o vírus HPV.

Essa ação constituiu-se como um espaço importante para o diálogo e refle-xão, contribuindo para o início da vida sexual com responsabilidade e cuidado com a saúde.

MUTIRÃO PARA REALIZAÇÃO DO EXAME PREVENTIVO

O mutirão foi uma estratégia utilizada para atender às mulheres que não con-seguem comparecer à Unidade Básica de Saúde (UBS) durante a semana para realizar o exame Papanicolaou, o que distancia as usuárias da USF.

Foi promovido um mutirão em um sábado, nos turnos matutino e vespertino. Houve a participação de 46 mulheres das microáreas da USF Lagoa das Flores. Foram realizadas atividades educativas sobre a prevenção do câncer de colo uteri-no e a importância da realização do exame preventivo, e foram realizados exames Papanicolau por uma enfermeira e avaliação das mamas por um médico.

A partir dessa ação, evidenciou-se maior procura do serviço pelas mulhe-res. O mutirão foi uma das estratégias utilizadas na Atenção Primária à Saúde (APS) e teve como objetivo abranger uma parcela significativa da população a partir da oferta de determinados serviços de saúde.

No cenário de Lagoa das Flores, considerando o pouco número de vagas para a realização do exame preventivo, o mutirão de saúde da mulher se mos-trou como instrumento capaz de alcançar um grande número de mulheres, con-tando, também, com atividades de sala de espera, orientação, pesagem, dentre outros, abandonando as ações meramente tecnicistas e procedimentais, para o cuidado integral.

Além disso, o mutirão possibilitou a aproximação entre a equipe de saúde e a comunidade, fazendo com que os profissionais conhecessem mais de perto a especificidade de cada mulher e discutissem estratégias para melhorar a adesão ao exame. Desse modo, o mutirão deve ser reconhecido enquanto ação contínua e não pontual, capaz de produzir resultados significativos no cuidado não só à mulher, mas à população.

Ressalta-se a importância de estratégias que melhorem as condições de acesso para a população feminina da USF em estudo.

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O CEREST – VIGILÂNCIA EM SAÚDE

O Cerest é um dos cenários de prática do PET-Redes, grupo 2. O centro presta assistência especializada aos trabalhadores acometidos por agravos relaciona-dos ao trabalho, realiza ações de vigilância em ambientes e processos de traba-lho, formação em saúde do trabalhador e controle social.

A Vigilância Ambiental em Saúde é outro cenário de prática do PET-Redes, grupo 2, e está integrada à Visa, em Vitória da Conquista, assim como a Divisão de Vigilância Sanitária do Estado da Bahia (Divisa). Compete à Vigilância Ambien-tal em Saúde realizar um conjunto de ações que promovem o conhecimento e a detecção nas mudanças dos fatores os quais são determinantes e condicionantes ambientais que podem agravar a saúde da população, tal como identificar medidas preventivas e controle dos riscos do meio ambiente relacionado à saúde humana.

ELABORAÇÃO DE INSTRUMENTO PARA INVESTIGAÇÃO DO USO DE AGROTÓXICO

Foi elaborado um questionário para mapeamento dos riscos referentes à utiliza-ção de agrotóxicos na comunidade Lagoa das Flores. A coleta de dados foi reali-zada posteriormente pelos ACS da USF, em parceria com os alunos.

Os principais desafios encontrados foram o registro dos produtores rurais, o monitoramento e controle do uso de agrotóxicos e conscientização dos traba-lhadores sobre os riscos da exposição ocupacional, contaminação dos segmen-tos ambientais e consequentes prejuízos à saúde humana.

Portanto, desenvolveu-se parceria com vários órgãos envolvidos com a questão do uso de agrotóxicos, para fortalecimentos das ações planejadas. Es-sas ações possibilitaram a participação ativa das preceptoras e estudantes no processo de diagnóstico epidemiológico de risco e planejamento das ações pre-ventivas sobre condições de uso de agrotóxicos em Lagoa das Flores.

CAPACITAÇÃO DOS ACS

Foi realizada capacitação direcionada aos ACS, abordando os temas contidos no questionário e orientações para aplicação do mesmo. Os temas relacionados aos agrotóxicos foram apresentados por meio de slides, e a orientação sobre a aplicação do questionário realizou-se em forma de diálogo com os ACS, regis-trando os depoimentos e sugestões dos mesmos.

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ANÁLISE DA SITUAÇÃO DE SAÚDE DO TRABALHADOR

Houve participação discente em oficina para a construção da Análise da Situa-ção de Saúde dos municípios da área de abrangência do Cerest, realizada pela coordenadora do órgão, com objetivo de capacitar e orientar os técnicos para o levantamento do perfil epidemiológico e produtivo de cada município, a fim de ser inserido no Plano Municipal de Saúde (PMS) para que sejam traçadas estratégias de saúde que atendam as necessidades da saúde dos trabalhadores. Nessa oficina, foram coletados dados referentes a agravos relacionados ao tra-balho, perfil sociodemográfico, dados sobre morbimortalidade da população trabalhadora, capacidade instalada dos serviços de saúde e rede de apoio social dos respectivos municípios participantes. Com os dados referentes à cidade de Vitória da Conquista, foram elaborados os gráficos para Boletim Epidemiológi-co de Agravos relacionados a Acidentes de Trabalho, o qual será divulgado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O Cerest realizou o acolhimento aos trabalhadores portadores de doen-ças profissionais encaminhados pelo SUS ou sindicatos, que se caracteriza como a escuta dos trabalhadores de uma forma mais atenciosa e humana. Houve acompanhamento discente para uma dessas atividades que foi reali-zada por fisioterapeuta.

Uma discente do grupo participou como ouvinte das oficinas para levanta-mento de problemas e construção de objetivos e ações de saúde do trabalhador para o PMS que compreende o período de 2014 a 2017, e também participou como ouvinte da reunião do Conselho Municipal de Saúde (CMS) no qual foi apresentado o referido instrumento de gestão.

AÇÃO EDUCATIVA PARA O CONTROLE DO ESCORPIÃO EM VITÓRIA DA CONQUISTA

Uma das atividades realizadas pela Vigilância Ambiental é a ação educativa de combate ao escorpião nas residências, devido à alta incidência desse aracnídeo no município de Vitória da Conquista.

Os discentes acompanharam o atendimento em algumas dessas visitas aos moradores que fizeram denúncia sobre o aparecimento de escorpião em sua re-sidência, com o objetivo de orientar sobre a eliminação dos focos e mudanças de comportamento para evitar esse tipo de acidente.

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GRUPOS DE TRABALHO DO AGROTÓXICO

Foi realizada uma reunião a cada mês do Grupo de Trabalho sobre Agrotóxico, composto pela Vigilância Ambiental, Vigilância Sanitária, Atenção Básica, Ce-rest, 20ª Diretoria Regional de Saúde Geral (Dires), Agencia Estadual de Defe-sa Agropecuária da Bahia (Adab), Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrí-cola (EBDA) e o PET-Redes, grupo 2.

O evento sobre Agrotóxicos: Saúde e Meio Ambiente foi realizado para agricultores, no segundo semestre de 2014, na Escola Municipal Marlene Flo-res localizada na comunidade Lagoa das Flores, por meio da articulação entre os diversos órgãos envolvidos.

ANÁLISE DE PLANO DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

De acordo com a RDC 306/04, o Plano de Gerenciamento de Resíduos de Ser-viços de Saúde (PGRSS) é o documento que aponta e descreve todas as ações relacionadas ao manejo dos resíduos dos estabelecimentos de saúde, desde o momento da sua produção até a disposição final dos mesmos, baseado em suas características e seus riscos.

Em Vitória da Conquista, o referido plano é apresentado à autoridade sa-nitária competente no momento da solicitação do Alvará Sanitário Inicial ou renovação do Alvará, para que o estabelecimento seja analisado pela equipe da Vigilância Sanitária e Saúde Ambiental, as quais emitirão um parecer de deferi-mento ou indeferimento do documento.

O Plano deve seguir as disposições da RDC nº 306/04, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 358/05.

No município de Vitória da Conquista, a análise dos estabelecimentos é realizada por técnicos da Vigilância Sanitária e Ambiental, uma bióloga e uma farmacêutica. Assim sendo, sob a orientação e supervisão da bióloga, duas discentes do PET-Redes, grupo 2, realizaram a análise de PGRSS de hospitais, clínicas e consultórios do município observando criteriosamente se o mesmo contemplava os aspectos referentes à geração, segregação, acondicionamento, coleta, armazenamento, transporte, tratamento e disposição final dos resíduos gerados, bem como se os estabelecimentos em questão realizam as ações neces-sárias de proteção à saúde pública, do trabalhador e do meio ambiente.

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UNIDADE DE ASSISTÊNCIA DE ALTA COMPLEXIDADE EM ONCOLOGIA

A Unacon de Vitória da Conquista – BA realiza o serviço de quimioterapia no município de Vitória da Conquista, atendendo pacientes do município e região, e também é cenário de prática do grupo 2, PET-Redes.

O serviço prestado na Unacon quimioterapia é realizado pelo Instituto Conquistense de Oncologia (Icon), com um sistema informacional bem de-finido, espaço físico adequado com espaços direcionados, equipe de profis-sionais qualificada. O acesso ao local ainda é um pouco difícil, porque, ape-sar de próximo e isolado do HGVC, não há ponto de ônibus próximo e a rua não é pavimentada.

Na Unacon, realizou-se busca de pacientes com câncer cérvico uterino, com enfoque em pacientes de Lagoa das Flores. Foram identificadas 19 pacientes em tratamento de câncer cérvico uterino na Unidade, sendo oito pacientes de Vitó-ria da Conquista, uma delas de Lagoa das Flores.

Foi elaborado um questionário com 26 perguntas relacionadas aos fatores de risco relacionados a esse tipo de câncer. O objetivo do questionário foi iden-tificar, observando-se os fatores de risco, por que essas mulheres ainda estão deixando a doença avançar de modo que precisam de atendimento de alta com-plexidade. A partir disso, elaborou-se intervenções educativas como palestras, salas de espera, atividades em grupos, que estão sendo aplicadas.

Houve um seminário com os gestores profissionais da Unacon e profissio-nais do HGVC para apresentação do projeto PET-Redes, grupo 2, atenção se-cundária e terciária, sendo também um momento de discussão e contribuições do serviço para adequação do plano de ação.

CENTRO REGIONAL DE REFERÊNCIA CRESCÊNCIO SILVEIRA

No Centro Regional de Referência Crescêncio Silveira, há atendimento de se-gunda a sexta-feira a várias especialidades como ginecologia, otorrinolaringo-logia, perícia médica, serviço de asma.

Os desafios enfrentados pelo centro são: a ampliação de ofertas de consul-tas e maior diversidade de especialidades, necessidade de informatização, pron-tuário único, falta de equipe multidisciplinar, falta de estrutura para realizar pe-quenos procedimentos cirúrgicos, fluxo incorreto, falha na comunicação entre os setores, falta de divulgação do serviço.

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Existia, no Centro Regional, um ambulatório de cirurgia oncológica (Una-con), que foi transferido no início de março de 2014 para o HGVC.

Foi elaborado um questionário para caracterizar a população usuária dos serviços do Unacon.

Através da parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), foi reali-zado um levantamento de dados cadastrais, de diagnóstico e tratamento para comparar com os dados do Micro Laboratório, HGVC e Unacon.

Como os serviços de oncologia não apresentavam sistema de informação com dados de pacientes atendidos, criou-se uma planilha com registro de cirurgia dos pacientes e dos atendimentos no Unacon, todas foram obtidas do caderno de cirur-gia do HGVC e dos prontuários dos pacientes do ambulatório de cirurgia Unacon.

Em parceria com o Micro Laboratório, foi utilizado um banco de dados para diagnóstico dos cânceres uterino e digestivo abrangendo o período de 2005 a 2014.

Também foi realizado um levantamento dos pacientes com cânceres de colo uterino e digestivo que foram atendidos no ambulatório a partir de 25 de setem-bro de 2012 para investigar os motivos da falta de retorno ao serviço.

Foram elaborados protocolos de atendimento e seguimento, ou redistribui-ção, verificação, utilização e efetividade eprotocolos de fluxo de atendimento, os quais envolverão rotinas do HGVC e Unacon, também foi construído um prontuário único, com interligação com os demais cenários de prática, além de serem revistas as ofertas de consultas cirúrgicas.

Esse estudo investigou as dificuldades enfrentadas pelos pacientes para en-contrar o tratamento adequado e ainda irá verificar a existência de registro do número de óbitos de pacientes oncológicos, para registro dos óbitos dos casos de cânceres de colo uterino. Foram realizadas visitas ativas aos pacientes em tratamento para cânceres de colo uterino na unidade, e orientações envolvendo as áreas de Enfermagem, Medicina, Nutrição, Psicologia e Biologia.

HOSPITAL GERAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA (HGVC)

Para esse cenário de prática realizou-se o levantamento dos pacientes com sus-peita de câncer que realizaram coleta de material para biópsia no Centro de He-morragia Digestiva (CHD). Também foi feito o levantamento sobre o sistema de informação dos pacientes oncológicos e todos os procedimentos em cirurgia oncológica que foram realizados no HGVC nos anos de 2011 a 2013.

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Avaliou-se os pacientes pré, intra e pós-operatório, além do acompanhamento dos leitos disponíveis para internamento, cirurgia eletiva e marcação do mapa ci-rúrgico para realização das cirurgias oncológicas, bem como a vistoria com identi-ficação e marcação dos prontuários de pacientes oncológicos com o selo Unacon, para facilitar o faturamento. Ainda será realizado levantamento de anatomo-pato-lógicos, identificando os positivos, criando e buscando o paciente na Rede.

Identificou-se algumas dificuldades, como a necessidade de rediscutir o flu-xo existente do serviço Unacon do momento do diagnóstico ao tratamento on-cológico, número insuficiente de leitos para os pacientes oncológicos (dez lei-tos na clínica oncológica), falta de uma estrutura adequada para recebimento dos pacientes oncológicos em urgência/emergência, além da falta de condições de instalações físicas, equipamentos e recursos humanos, entre outros desafios que pretendemos superar.

Diante das dificuldades expostas, identificou-se como importante a colabo-ração para organização de um fluxo interno, as sugestões na criação de um sis-tema de informatização interno para cirurgias eletivas e implantação e/ou am-pliação de protocolos existentes, referente ao atendimento oncológico. A fim de melhorar o serviço, pretende-se criar fluxo de recebimento dos pacientes para cirurgia eletiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa parceria entre as IES e as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde pos-sibilitou o compartilhamento de experiências no modelo de formação e práticas comuns entre os discentes envolvidos no projeto. O desenvolvimento de ativida-des interdisciplinares, com o envolvimento dos estudantes/professores das uni-versidades e profissionais/gestores de saúde da rede SUS, permitiu o alargamen-to da formação acadêmica dos estudantes, bem como, envolvimento com pro-cessos de Educação Permanente em Saúde (EPS) para os profissionais da rede.

A iniciação ao trabalho para os estudantes de diversos cursos da área de saú-de e do curso de Biologia e o aprimoramento dos profissionais de saúde das Redes de Atenção constituem importante instrumento para a interação ensino--serviço-comunidade e a educação pelo trabalho.

Há desafios quanto à problemática do uso de agrotóxicos, como a conscien-tização dos trabalhadores e demais envolvidos no processo. Um dos desafios é a ampliação o número de vagas para realização do exame preventivo.

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a experiência do pet-redes 201

Para o cuidado ao câncer de colo uterino, é necessária a ampliação de ofertas de consultas e maior diversidade de especialidades, elaboração de prontuário único e estrutura adequada para realização de procedimentos.

Nessa perspectiva, é relevante a continuação das intervenções relatadas, vi-sando à qualificação das ações e serviços de saúde oferecidos à população usuá-ria dos cenários envolvidos no projeto, enfatizando a inserção das necessidades dos serviços no contexto das Redes como fonte de produção de conhecimento e pesquisa. Também se faz necessária a ampliação do número de leitos, e de equi-pe multidisciplinar específica para oncologia.

A organização das ações relacionadas a cânceres de colo uterino, assim como o cuidado à saúde do trabalhador exposto ao uso de agrotóxicos, têm contribu-ído para a prevenção, promoção e recuperação da saúde, nos diferentes níveis de atenção. Essa organização é uma estratégia para a interconexão dos conheci-mentos de todas as áreas envolvidas, visando o fortalecimento e qualificação das práticas em saúde, garantindo, assim, a integralidade do cuidado à saúde.

O câncer gera elevado consumo de recursos financeiros e sobrecarga ao SUS. As repercussões socioeconômicas e familiares desta doença evidenciam a necessidade de ações multidisciplinares que fortaleçam a prevenção primária, secundária e terciária, assim como, os tratamentos e os cuidados paliativos.

REFERÊNCIAS

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PATRÍCIA BAIER KREPSKY, MAURA NEVES COUTINHO

INTRODUÇÃO

O uso de plantas medicinais permite compreensões diversas, abrangendo co-nhecimentos populares e científicos. Esse tema, na extensão universitária, é vasto e favorável à identificação das suas diversas abordagens, tanto a indicação de preparações caseiras, por conhecedores populares ou profissionais da saúde, quanto a indicação ou prescrição de fitoterápicos1 por profissionais da saúde, incluindo terapeutas. Vislumbramos a necessidade de atuar de modo inclusivo, abrangente e valorizando conhecimentos populares.

Partimos de dois pressupostos: o primeiro é que o ensino, a pesquisa e a extensão universitária têm a dívida de reconhecer os sujeitos em suas diferen-tes compreensões sobre o uso de plantas medicinais, especialmente os usuários

1 Medicamentos fitoterápicos são definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2010, p.1) como medicamentos “obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais, cuja efi-cácia e segurança são validadas por meio de levantamentos etnofarmacológicos de utilização, do-cumentações tecnocientíficas ou evidências clínicas. Os medicamentos fitoterápicos são caracteri-zados pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade. Não se considera medicamento fitoterápico aquele que inclui na sua composição substâncias ativas isoladas, sintéticas ou naturais, nem as associações dessas com extra-tos vegetais”.

CONHECIMENTO POPULAR E CIENTÍFICO SOBRE PLANTAS MEDICINAIS1

diálogos no contexto da extensão universitária

CAPÍTULO XVI

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de plantas medicinais e os conhecedores tradicionais e populares. A dívida com os detentores e geradores de conhecimentos não científicos decorre do não reconhecimento de práticas populares por parte do meio acadêmico e da sua inferiorização frente ao conhecimento científico. Considera-se que tal atitude tem força ideológica e prática, pois deslegitima, subestima, desvaloriza, desperdiça e ofende a dignidade. Destacamos que não se trata de supervalorizar os conhecimentos populares ou depreciar a ciência, mas buscar a possibilidade de diálogo justo entre as diferentes formas de se construir o conhecimento.

O segundo pressuposto é que os conhecimentos não científicos sobre uso de plantas medicinais são importantes para aumentar as possibilidades de apli-cação desse sistema terapêutico, visando melhoria na qualidade de vida dos usu-ários de tratamentos de saúde não convencionais, também denominados alter-nativos, complementares ou integrais, visto que, atualmente, pequena porcen-tagem das plantas medicinais tiveram sua eficácia e segurança avaliadas por mé-todos científicos.

Objetiva-se, dessa forma, desenvolver e divulgar a fitoterapia em suas diver-sas abordagens, no meio acadêmico e fora dele, o que traz destaque às atividades de extensão, através das quais é possível fomentar o reconhecimento e o res-peito aos processos diversos de sistematizar conhecimentos, sobretudo aqueles mais adequados à realidade dos lugares e dos seus sujeitos. Assim, compartilha-mos a ideia de que é preciso romper com o desperdício do conhecimento, deno-minado epistemicídio por Santos e Meneses (2009). Para Cássio (2008, p. 09), “a ciência perde saber ao ocultar as vozes do mundo, assim como sua diversi-dade epistemológica: a produção científica desconsidera a sabedoria ambiental das comunidades, dos lugares onde se dá a existência, onde a vida se desenvolve [...]”. Sobretudo, quem perde são os sujeitos do mundo que veem reduzidas as possibilidades de melhorar sua qualidade da vida, para o que deve ser o conhe-cimento, colocado a favor. Embora esteja em franco declínio, o epistemicídio acontece no Brasil desde o período colonial, e foi reforçado em meados do sécu-lo XX com o desenvolvimento da indústria farmacêutica. No século passado, as práticas populares passaram a ser consideradas ultrapassadas frente aos avan-ços na pesquisa de novos medicamentos, mesmo aquelas incluídas em sistemas tradicionais de medicina, como a medicina tradicional chinesa e ayurvédica.

Ademais, pretende-se valorizar os sujeitos detentores do conhecimento popular sem hierarquizar os conhecimentos, pois todos são passíveis de er-ros e acertos. Trata-se de um desafio, pois, frequentemente, ao se pensar no

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conhecimento, criam-se, pelo menos, duas vertentes: a do conhecimento cientí-fico e do conhecimento popular. Além de dividir o conhecimento, o confronto entre as partes determina certa classificação e hierarquização. Ao conhecimen-to científico, atribuem-se prerrogativas diante do popular. A maior destas é ser o único detentor do método que produz conhecimento verdadeiro, portanto, válido. A ciência se afirmou como a palavra que pretende se elevar sobre todas as demais; como o conhecimento hegemônico que, para existir como ciência e hegemonia, exclui ou deslegitima todas as outras formas de saber. Sublinha-se portanto, a ciência moderna. (HISSA, 2007) O conhecimento produzido pela ciência moderna é concebido como o único que tem valor quando se deseja pro-duzir efeitos no mundo. Minayo (2007) acrescenta que muitos críticos consi-deram a hegemonia da ciência um mito da atualidade ao pretender ser o único critério para alcançar a verdade. A autora menciona duas razões para a manu-tenção desta hegemonia: o poder da ciência de dar respostas técnicas e tecno-lógicas a problemas e o fato de os cientistas terem estabelecido uma linguagem universal. Embora um olhar mais criterioso para a primeira razão demonstre que problemas cruciais como pobreza, miséria, fome e violência continuam a nos desafiar apesar dos avanços técnicos e tecnológicos.

Compreendemos que o conhecimento popular difere do científico por de-senvolver-se de modo empírico e sem uma metodologia específica, através das experiências vividas, fazendo ou não parte de sistemas complexos de tratamen-to como a medicina tradicional chinesa e a medicina ayurvédica. Portanto, en-globa o conhecimento tradicional, o qual foi sistematizado e acumulado ao lon-go de séculos ou milênios. Conhecimento popular é o conhecimento adquirido através da prática ou, de acordo com visões que muitas vezes prevalecem no meio acadêmico, à prática sem influência da reflexão teórica, ao fazer sem saber. Entretanto, consideramos que existe a reflexão sobre a prática também no de-senvolvimento do conhecimento popular, especialmente quando referimos ao conhecimento do raizeiro, da parteira, do conhecedor de plantas medicinais, do produtor agrícola – rural e urbano. Estes estão nas aldeias, nas pequenas vilas e cidades do interior do Brasil ou nas periferias segregadas das grandes cida-des e são herdeiros de tradições transmitidas oralmente ao longo das gerações. (COUTINHO, 2010)

No discurso hegemônico, o conhecimento popular não garante a validade de suas conclusões por ser produzido sem a aplicação do método científico. Assim, os conhecimentos não científicos são julgados como mais propensos ao erro e às

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conclusões equivocadas. Em alguns casos, o conhecimento popular poderia ser validado pela ciência: discurso que evidencia uma proposta de subordinação do conhecimento. A validação científica submete o conhecimento popular ao méto-do científico a fim de comprovar sua veracidade. Em última instância, o popular não sabe, portanto, seu agir é precário, não transforma o mundo ou o transforma de modo ineficiente. Essa compreensão, herdada do projeto da modernidade, foi reproduzida, posterior e historicamente pela universidade e, também, por mui-tos que estão fora dela.

O conhecimento popular também é chamado de conhecimento local por ser validado pelos usuários do conhecimento em determinado contexto, ou seja, no território onde foi desenvolvido. Santos e Menezes (2009) desenvolvem a ideia de uma epistemiologia do sul, na qual as soluções para as questões são localiza-das, argumentando que os conhecimentos os quais têm contribuído para o de-senvolvimento dos países da Ásia, Europa e América do Norte podem não ser os mais adequados ao desenvolvimento da América Latina e que é preciso de-senvolver soluções próprias, locais. (SANTOS; MENEZES, 2009)

Entende-se, porém, o conhecimento tradicional como o conhecimento po-pular sistematizado ao longo de séculos ou milênios, repassado de geração em geração e sujeito a modificações, visando aperfeiçoamento. Outra possibilidade de definição para o conhecimento tradicional é entendê-lo como aquele atrela-do a sistemas complexos de tratamento, como a medicina tradicional chinesa e a medicina ayurvédica. (BRASIL, 2012)

A forma como se trabalha uso de plantas medicinais no meio acadêmico tem como fator limitador para o seu desenvolvimento a restrição do conheci-mento científico a poucas espécies em comparação com a abundância da socio-biodiversidade mundial. Além disso, porções importantes desta biodiversidade, inclusive presente no território brasileiro, são degradadas e desvalorizadas, as-sim como o seu povo e o conhecimento acumulado, o que é ainda mais dramáti-co em regiões de cerrado e caatinga, cujas espécies medicinais, apesar de serem extensamente empregadas pela população local, são pouco estudadas do ponto de vista científico.

Nesse contexto, o diálogo entre as formas de saber é fator enriquecedor para o uso de plantas medicinais, pois o número de espécies empregadas pela popu-lação é vasto, superando o conhecimento cientificamente comprovado. Con-siderando a possibilidade de esses conhecimentos serem complementares uns aos outros, tem-se maior número de espécies e modos de empregá-las. Assim, o

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uso de plantas medicinais poderá incorporar tanto o uso de espécies validadas pela ciência, quanto aquelas cujo conhecimento tem sido desenvolvido e difun-dido por seus usuários.

O CONHECIMENTO HERDADO NÃO TEM DONO

São vários os caminhos no sentido da valorização dos conhecimentos popu-lares sobre plantas medicinais. Muitos autores entendem que um desses cami-nhos é tomá-los como o ponto de partida para o desenvolvimento de medica-mentos fitoterápicos e convencionais, pois, baseando-se em conhecimentos po-pulares, tem-se maior chance de sucesso nas pesquisas das áreas de farmacolo-gia experimental e clínica.

Desejamos ir além ao defender a tese de que valorizar o conhecimento po-pular sobre plantas medicinais significa ter como legítima a validação desses co-nhecimentos por métodos próprios, o que prescinde a sua submissão aos es-clarecimentos da ciência. Ressaltamos que esse reconhecimento não cria im-pedimentos para a aplicação de métodos científicos e procedimentos para se conhecer benefícios e limitações associadas ao uso de plantas medicinais. O que se pretende é o reconhecimento de um saber popular o qual presta um serviço público de saúde para que as possibilidades de intercâmbio e diálogo aconteçam pautadas em valores de justiça e equidade.

Uma ação de reconhecimento dos conhecimentos populares no uso de plan-tas medicinais, nativas do cerrado, foi a elaboração da primeira edição da Far-macopeia Popular do Cerrado, pautada no entendimento de que esses conhe-cimentos são eficientes e passíveis de serem validados pelos próprios usuários. Foi um esforço coletivo dos conhecedores populares, profissionais da saúde e do Governo Federal para valorizar e sistematizar, em linguagem escrita, os co-nhecimentos popular e tradicional, para que sejam mantidos no tempo e não sofram apropriações indevidas. Dentre as 264 espécies levantadas, 34 foram selecionadas, em oficinas, para estudo mais aprofundado. Dessas 34 espécies, nove constam na primeira edição, na qual são descritos, em linguagem popular: os benefícios, as precauções, a identificação botânica, o ambiente em que a plan-ta se desenvolve, as plantas companheiras, a relação com os animais, as formas de manejo, as partes usadas e a forma de uso. (DIAS; LAUREANO, 2010)

Para a elaboração da Farmacopeia Popular, representantes das comunida-des foram capacitados para a realização de entrevistas, registro e socialização

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de informações. Houve uma inovação quanto aos critérios de autoria, o que está relacionado com o reconhecimento de que, independentemente da titu-laridade, é justo que todos os pesquisadores sejam autores. Sendo assim, essa edição conta com 258 autores. Nessa opção política, pessoas sempre vistas como objeto ou destinatário de pesquisas são reconhecidas como aquelas com quem se faz a pesquisa. Vale ressaltar que esses autores compreendem que o conhecimento pertence a todos, portanto, à comunidade. A raiz dessa posi-ção ética é que “os conhecimentos tradicionais não têm dono, têm herdeiros”. (DIAS; LAUREANO, 2010)

A fim de esclarecer quanto ao termo farmacopeia, salientamos que existem diversos conceitos conforme o contexto em que ele é empregado. De acordo com o dicionário Michaelis, as possibilidades de significado são: 1) livro que en-sina a preparar os medicamentos; 2) coleção ou repositório de receitas de medi-camentos; 3) relação de substâncias naturais com a indicação de suas proprieda-des farmacodinâmicas. (WEISZFLOG, 2007) A Farmacopeia Popular do Cer-rado abrange os conceitos descritos.

Por sua vez, no contexto acadêmico e tecnológico da área da saúde, com maior destaque para Farmácia, o termo farmacopeia tem outro significado. Tra-ta-se do compêndio oficial de um país sobre os métodos de análise das matérias--primas para medicamentos convencionais, fitoterápicos e/ou homeopáticos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) define farmacopeia como: “código oficial farmacêutico do país, onde se estabelecem, dentre outras coisas, os requisitos mínimos de qualidade para fármacos, insumos, drogas vegetais, medicamentos e produtos para a saúde” (ANVISA, 2010). A Farmacopeia Po-pular do Cerrado não inclui todos os métodos de análise de drogas vegetais, pre-visto pela Anvisa, contudo, em cada monografia, consta a descrição botânica, em termos populares, e os cuidados na coleta e manipulação tendo como preocupa-ção garantir a qualidade das plantas empregadas popularmente.

Outra experiência em uso popular de plantas medicinais é o Centro Nor-destino de Medicina Popular, uma Organização Não Governamental (ONG), coordenada pelo doutor Celerino Carriconde, médico fitoterapeuta. O Centro foi fundado em 1988, com o objetivo de resgatar o uso das plantas medicinais e promover a educação popular em saúde, incluindo hábitos saudáveis de vida, o que vai além do uso de plantas medicinais apenas como alternativa terapêutica. Um dos resultados deste trabalho é a valorização das pessoas e de seu conhe-cimento, o que promove autoestima. (CARRICONDE et al, 1996) Nesse caso,

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assim como para a elaboração da Farmacopeia Popular do Cerrado, foi realiza-da ampla discussão sobre o uso popular de plantas medicinais.

Uma das formas de mudar a visão de superioridade do meio acadêmico para com o conhecimento popular, fazendo com que o primeiro passe a enxergar o último com olhos de respeito e admiração, é a “extensão ao contrário”, ou seja, dar a palavra de modo que as vozes do mundo tenham o direito de ser ouvidas, sobretudo àquele para quem raramente é dada a palavra: o iletrado, o camponês, o morador da vila ou aglomerado. A extensão ao contrário é um esforço de me-diação com o mundo (HISSA, 2008), visa o intercâmbio e favorece o desejo sin-cero de aprender com o outro. Trata-se, ainda, de um esforço de positivar a ideia de que muitos conhecimentos construídos fora do contexto da pesquisa cien-tífica são relevantes e válidos na construção de um mundo capaz de lidar com problemas complexos os quais se imbricam como o monopólio da terra urbana e rural, a degradação de ecossistemas e dos povos que neles vivem, sobretudo os não-brancos pobres. Tais ideias já fazem parte da Política Nacional de Extensão Universitária, publicada em 2012. Uma de suas diretrizes é a interação dialó-gica com a sociedade, incluindo a troca de saber no sentido de construir novos conhecimentos que gerem transformações no mundo. Essa política deixa cla-ro que não se trata simplesmente de estender à sociedade o conhecimento aca-dêmico. (FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS INSTITUI-ÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PÚBLICAS BRASILEIRAS, 2012)

Assim, através do diálogo entre saberes, desejamos produzir novos conhe-cimentos que combinam ou alternam as suas origens, sejam os lugares cotidia-nos, como quintais e praças públicas, ou laboratórios de alta tecnologia. Com a ideia de origem, explicitamos que o lugar onde o conhecimento é produzido in-fluencia seu reconhecimento social, o que está diretamente relacionado às vozes que os pronunciam. Nem todas as pessoas e grupos têm o direito adquirido de ser ouvido, pois as suas práticas, costumes, saberes e interesses não aparecem na agenda de prioridades. Para adquirir o direito de falar e ser ouvido, é neces-sário que a sociedade civil se organize para reivindicá-lo, e para criar estratégias para colocar suas demandas nas agendas políticas, tornando-as políticas públi-cas. Uma demanda tornada ação é a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. (BRASIL, 2006)

O lugar legitimado para a produção do conhecimento aceito como váli-do é a universidade e os institutos de pesquisa. Estes, muitas vezes, fecham-se ao conhecimento produzido fora deles. Esse isolamento faz com que aqueles

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formados para pensar e encaminhar as ações públicas, nem sempre aprendem sobre a importância de se considerar outras formas de produzir conhecimento. O que nos remete à ideia de Hissa (2011), de que aqueles os quais desejam trans-formar o mundo devem antes transformar a si mesmos. Essa transformação po-derá vir do esforço para uma formação mais qualificada e atenta aos processos que se desenrolam no mundo atual.

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: A EXPERIÊNCIA DO PET-SAÚDE EM VITÓRIA DA CONQUISTA

Desde o início de 2009, no município de Vitória da Conquista, acontecem ativi-dades que buscam o desenvolvimento da fitoterapia através da integração entre ensino, pesquisa e extensão, promovendo o diálogo entre conhecimentos popu-lares e científicos. As ações são coordenadas e executadas por uma professora universitária, com apoio de estudantes do Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMS/UFBA) e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), assim como por profissionais de Unidades de Saú-de da Família (USF) e do Centro de Atenção Psicossocial (Caps). No Caps, os profissionais também atuam como coordenadores das ações em decorrência de suas experiências com fitoterapia. Quanto aos vínculos institucionais, as ações fazem parte de disciplinas do curso de Farmácia e do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde).

Enquanto atividade de ensino, são ministradas três disciplinas: Farmacobo-tânica, Farmacognosia I e Farmacognosia II, que objetivam habilitar o estudante para a realização de análises botânicas e químicas, assim como para a orientação farmacêutica sobre o uso de plantas medicinais, incluindo preparações caseiras e medicamentos fitoterápicos. A forma como as disciplinas de Farmacognosia são ministradas no Brasil vem sendo alterada, de modo a se adequar às neces-sidades atuais, as quais estão relacionadas ao desenvolvimento da habilidade de orientar sobre os efeitos terapêuticos e precauções de fitoterápicos. (RATES, 2001) No IMS/UFBA, incluímos, no conteúdo da disciplina, também, as prepa-rações caseiras, por entender que são opções terapêuticas válidas no contexto em que foram desenvolvidas, tem a potencialidade de estimular o autocuidado e o resgate das tradições locais.

Enquanto preparações caseiras, são incluídos os infusos, também denomi-nados abafados, com pouco tempo de decocção prévia, como é bastante comum

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na região, os decoctos ou cozimentos, os diversos tipos de xarope, as tinturas, os banhos de corpo inteiro, os banhos de assento e a inalação.

Os cursos de Enfermagem, Farmácia e Nutrição do IMS/UFBA aderiram ao Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) em 2009. O Programa intensifica a relação entre o ensino na gra-duação e os serviços de saúde no contexto no Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de formar profissionais melhor preparados para atuar em saúde coletiva e equipes multidisciplinares. (BRASIL, 2009) Em função dessas adesões, são realizadas, como parte das atividades de ensino desenvolvidas em disciplinas, ações em unidades de saúde envolvendo profissionais e/ou usuários do SUS, ou em hortas. Portanto, tais ações têm conexão com as atividades de extensão.

A diferença entre os estudantes os quais participam das ações somente atra-vés das disciplinas e aqueles que fazem parte de projetos de extensão é que estes têm oportunidade de adquirir mais experiência. Tal constatação levou a um pro-cesso de mudança nas matrizes curriculares, através do qual se esperam resulta-dos positivos quanto à inserção de mais tempo dedicado à vivência em campo, ampliando as possibilidades de mediação com o mundo. O objetivo das altera-ções propostas é que, mesmo os estudantes os quais não participam de progra-mas ou projetos de extensão, tenham a oportunidade de vivenciar atividades em unidades de saúde de forma contínua.

Para o curso de Farmácia, a fim de minimizar a distância entre ensino e ex-tensão, foi proposta a inserção de estágios de vivência obrigatórios desde o pri-meiro ano. Um desses estágios possivelmente terá como tema as práticas inte-grativas2, com foco em uso de plantas medicinais e homeopatia.

Através das ações realizadas em campo, pretende-se despertar os estudan-tes para o fato de que os conhecedores de plantas medicinais não se encontram apenas entre acadêmicos e profissionais, mas também entre pessoas que, ge-ralmente, são classificadas como leigas ou não especialistas. Apesar de serem

2 As práticas integrativas contemplam sistemas médicos complexos recursos terapêuticos, os quais são também denominados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de medicina tradicional e complementar/alternativa. Tais sistemas e recursos envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias efi-cazes e seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade. Outros pontos compartilhados pe-las diversas abordagens abrangidas nesse campo são a visão ampliada do processo saúde-doença e a promoção global do cuidado humano, especialmente do autocuidado. (BRASIL, 2006)

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assim classificadas, no contexto do trabalho que vem sendo realizado, têm sido consideradas (o que pode avançar para o reconhecimento) como portadoras de conhecimentos sobre plantas medicinais. São conhecedores populares em di-ferentes níveis de qualificação de acordo com as experiências e o modo de vida.

Nesse escopo, identifica-se uma limitação: nem sempre é possível interagir suficientemente para ter clareza sobre o nível de conhecimento de cada partici-pante. Não obstante, nas atividades em grupo, determinadas pessoas se desta-cam em função da fundamentação de seu conhecimento, o que evidencia e de-corre do fato do uso de plantas medicinais ser uma prática presente na região, as-sim como o é em grande parte do mundo. Dentre os participantes, são os idosos que geralmente mais demonstram conhecimento, discutindo diferentes aspectos do uso de plantas: cultivo, modo de preparo, precauções, indicações. Agriculto-res urbanos os quais atuam em hortas comunitárias, assim como alguns morado-res de bairros periféricos ou da zona rural, também têm se destacado.

Esse contato fora da universidade entre estudantes e conhecedores popu-lares é uma oportunidade para que os estudantes percebam que o seu conheci-mento, restrito à fundamentação teórica, ou seja, o saber sem fazer, é insuficiente para efetivar trocas com os participantes. Tal constatação evidencia a necessida-de de a reflexão teórica vir imbricada com as práticas da vida cotidiana.

O aumento do acesso à informação e do intercâmbio entre os estados bra-sileiros, devido à maior mobilidade das pessoas, tem como resultado a mes-cla entre conhecimentos de diversas origens, sejam locais ou veiculados pela mídia de massa, o que, geralmente, difunde o plantio de espécies diversas, in-cluindo exóticas. Esse processo demonstra o dinamismo dos conhecimentos populares, complexificando a identificação de plantas e conhecimentos locais. Esse contexto torna fundamental a importância do aprendizado por parte dos estudantes e profissionais da área de saúde sobre a forma como o uso de plan-tas medicinais acontece nas diferentes regiões do país.

Além disso, os diferentes nomes populares para uma mesma espécie vege-tal, assim como a coincidência entre nomes populares para espécies diferentes, resultam em mais um argumento favorável ao contato precoce de estudantes com as espécies usualmente empregadas medicinalmente, para que ele use a no-menclatura adequada à região de atuação. Por exemplo, a espécie conhecida nas regiões sul e sudeste como capim-limão ou capim-cidreira, na Bahia, é capim--santo ou capim-da-lapa; a espécie conhecida na Bahia como boldo é, no Ceará, denominada sete dores.

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Em sala de aula, a cada semestre, os estudantes são questionados em re-lação aos seus conhecimentos e práticas sobre plantas medicinais e a quem, na família, detém esses conhecimentos. Verifica-se que conhecem apenas su-perficialmente espécies medicinais muito comuns na região sudoeste da Bahia, como o hortelã-grosso, boldo, erva-cidreira, capim-santo e erva-doce. Os avós comumente são apresentados como detentores de conhecimentos, contudo, muitos jovens estudantes evidenciam que não aprenderam tudo o que seria possível com os seus avós. O desinteresse e o impasse intergeracional são vari-áveis que contribuem para a perda, no tempo, dos conhecimentos populares e tradicionais sobre plantas medicinais. Tais conhecimentos não são transmiti-dos, em toda a sua complexidade, para as novas gerações, conforme descrevem Mendonça e Meneses (2003) e Marinho, Silva e Andrade (2011), ao discuti-rem os conhecimentos sobre plantas medicinais em Ilha Grande – RJ e na Para-íba, respectivamente. Esse comportamento dos jovens expressa a forma como está enraizada a concepção de que somente na Universidade ou em outras ins-tituições reconhecidas no meio acadêmico pode-se encontrar o conhecimento válido. A resistência é profunda e multifacetada.

A extensão universitária, no contexto do PET-Saúde, entrelaçada com as atividades de ensino, é realizada através de oficinas, palestras, discussões em sala de espera e em grupos de usuários, conforme demanda dos profissionais da área de saúde os quais atuam no SUS. Considerando que algumas ativida-des envolvem profissionais, contribui-se também para a educação continuada. Por exemplo, foi realizado um minicurso sobre o uso de plantas medicinais na UFBA para profissionais que atuam na Atenção Básica: enfermeiros, farmacêu-ticos, nutricionistas e médicos.

O PET-Saúde é um programa do Governo Federal que visa contribuir para a maior adequação da formação dos profissionais da área da saúde para a atua-ção no SUS. O programa é constituído por grupos tutoriais formados por tuto-res (professores universitários da UFBA e UESB, coordenadores), profissionais (Atenção Básica e especializada da Secretaria Municipal de Saúde) e estudantes (UFBA e UESB). O grupo coordenado por uma das autoras engloba os seguin-tes cursos de graduação: Biologia, Enfermagem, Farmácia, Medicina, Nutrição e Psicologia. Os estudantes realizam atividades de extensão e pesquisa, com maior carga horária para a extensão, em unidades de saúde, de modo interdisciplinar.

O objetivo das ações é enriquecer as práticas de uso de plantas medicinais através da troca de conhecimentos, locais, tradicionais, populares e científicos

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sobre plantas medicinais entre facilitadores (professora, estudantes e profissio-nais) e participantes (usuários e profissionais com menor experiência em uso de plantas medicinais). As oficinas aconteceram nas unidades de saúde, quando havia espaço destinado às atividades em grupo, em locais próximos, como es-colas e igrejas, ou na própria universidade. Inicialmente, apenas os profissionais das USF localizadas na zona urbana foram envolvidos. Em um segundo mo-mento, o Caps II e Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (Caps-AD) e algumas unidades da zona rural foram incluídos através de convi-tes dos próprios profissionais que lá atuam.

Esses intercâmbios dialógicos entre conhecimentos de várias origens possi-bilitam aos facilitadores o contato com o conhecimento local sobre plantas me-dicinais. Procurou-se favorecer a relação dialética entre os participantes, o que geralmente acontece com facilidade devido à familiaridade dos mesmos com o uso de plantas medicinais, diferentemente do que ocorre com estudantes, tal como apresentado acima.

Todavia, por vezes, percebe-se um distanciamento entre os participantes e os facilitadores, o que pode estar relacionado à ideia de hierarquia a qual per-meia os conhecimentos científicos e populares: o que sabe e o que não sabe. Procurou-se romper com tal hierarquia, buscando inserir nas discussões as ex-periências dos participantes, assim como através da promoção de diferentes encontros em uma única unidade de saúde, favorecendo a criação de vínculos. Esse ato de trazer as pessoas para mais perto cria condições para despertar o sentimento mútuo de que existe abertura ao diálogo. Uma situação em particu-lar ilustra a importância do vínculo: uma agente de saúde, com quem foi esta-belecida uma relação de simpatia e respeito mútuo, explicou que, em uma das oficinas, percebeu que a maneira como era demonstrada a preparação caseira de chás era diferente da maneira empregada pelos agentes e por muitas outras pessoas. A partir deste e outros relatos, e da constatação de que a forma de preparo descrita não poderia ser associada a nenhum prejuízo quanto às pro-priedades terapêuticas, incorporou-se mais uma maneira às possibilidades de preparação de chás.

Em outras situações, é possível perceber que alguns usuários reconhecem o valor do seu conhecimento e, por não se colocarem em posição de inferioridade em relação ao facilitador, dialogam de modo enriquecedor com esse, estabele-cendo-se, desse modo, uma relação de diálogo entre conhecedores. Em uma das últimas oficinas realizadas, em um dos Centros de Referência em Assistência

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Social (Cras), a convite da psicóloga coordenadora do grupo de idosos, uma das usuárias argumentou que, dada a qualidade do conteúdo dos relatos dos parti-cipantes, sobre plantas medicinais, seria vantajoso incorporá-los aos encontros posteriores, o que demonstra confiança em sua experiência com as plantas.

Diferentes formatos são aplicados às oficinas: apresentação de fotos de plantas medicinais e/ou das próprias plantas in natura como ponto de partida para as discussões sobre as formas de uso e identificação das espécies.

Em outros momentos, discutir os modos de cultivo de plantas medicinais é uma estratégia para incentivar a troca de conhecimentos sobre as indicações, precauções e o acesso às plantas, especialmente aquelas que podem ser cultiva-das em quintais e jardins. Nesse caso, por vezes, o espaço onde o evento aconte-ce são as hortas de plantas medicinais e alimentícias localizadas em unidades de saúde. Nesses locais, acontecem, também, aulas práticas de Farmacobotânica sobre o reconhecimento de espécies, o cultivo e as possíveis relações entre as unidades de saúde e o uso de plantas medicinais.

Como parte das ações do Pró-Saúde, foram implantadas hortas em três USF, dentre as quais apenas uma teve maior desenvolvimento, chegando a con-tar com 51 espécies vegetais.

No Caps, integrado ao Programa PET-Saúde em 2012, existe uma horta, mantida enquanto local para a realização de oficina ofertada aos usuários des-de 2011. São promovidos, também, eventos em que usuários, profissionais e acadêmicos reúnem-se para discutir sobre suas experiências e conhecimentos com o uso de plantas medicinais e outros assuntos conforme demanda. Essas atividades realizadas no Caps não propõem transmitir, mas favorecer a troca de conhecimentos. Não se trata de um serviço prestado. Todavia, a extensão, quando não é legada ao segundo plano, é compreendida, muitas vezes, no meio acadêmico, como sinônimo de prestação de serviço universitário para a comu-nidade em geral.

A extensão universitária na área da saúde, tendo o viés de prestação de ser-viço, pode contribuir para a melhoria na saúde comunitária e para a capacitação dos estudantes, contudo, geralmente, não resulta em maior autonomia das pes-soas atendidas, em maior preparação dos acadêmicos (professores e estudan-tes) para compreensão das realidades locais ou para resolver problemas com-plexos, tampouco reduz as distâncias entre os conhecimentos científicos e po-pulares. Nesse escopo, outra questão que se coloca é a valorização da pesqui-sa universitária em detrimento da extensão e do ensino. Vale um esforço para

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entendermos por que a universidade se separa do trato social, ao desvalorizar a extensão, e quais as consequências para o ensino e a formação de universitários que, quando profissionais, deverão lidar com problemas factuais e complexos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Importa destacar que é urgente a mudança de pensamento para que sejam fei-tos trabalhos de extensão universitária no campo da saúde, tendo em vista as diferentes abordagens sobre o uso de plantas medicinais: popular e científico. São muitas as resistências, no entanto, já é possível apontar avanços, como a Farmacopeia Popular do Cerrado, o Centro Nordestino de Medicina Popular, o PET-Saúde o Programa de Reorientação da Formação em Saúde. São inicia-tivas exitosas as quais envolvem a universidade, o poder executivo e o terceiro setor, indicando que o tema está na agenda pública orientando ações políticas. Ainda há muito em que avançar. Além de valorizar e recuperar o conhecimento sobre as plantas medicinais, faz-se necessário aproveitar e fazer uso adequado de todo o conhecimento disponível (popular e científico) para fins terapêuticos.

A extensão universitária é um espaço intermediador do diálogo entre as abordagens que não são duais, mas plurais. São plurais porque são diferentes as concepções entre profissionais (JUNGES et al., 2011), pesquisadores, bem como entre conhecedores populares. As concepções variam conforme as expe-riências vividas e dos lugares institucionais (universidades, laboratórios) e ter-ritoriais (cerrado, caatinga, vilas e favelas) a partir de onde se fala.

Nesse processo de recuperação, o uso de plantas medicinais popular tem papel importante porque é um campo considerável do ponto de vista qualita-tivo e quantitativo, fundamentado, coerente e que exerce importante papel na promoção da saúde coletiva. Entendemos a saúde coletiva como aquela que é promovida para benefício de todos, para a valorização das pessoas em sua in-tegralidade, melhora da autoestima e estímulo do autocuidado. Portanto, são conhecimentos que ampliam as nossas opções terapêuticas e podem ser mais adequados em relação àqueles produzidos em lugares distantes e pretendem ser portadores de uma linguagem universal. Quando o recurso terapêutico for bem fundamentado e eficiente, justifica-se sua aceitação e validação no contexto em que acontece seu uso.

O reconhecimento do conhecimento popular aqui proposto não pretende a supervalorização desse conhecimento ou considerá-lo menos sujeito a erros do

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que o conhecimento científico. Em ambos os casos, é necessária a dúvida me-tódica e a análise crítica das informações. O que se defende é o intercâmbio e a complementariedade. Trata-se de reconhecer que o método empírico empre-gado no desenvolvimento de conhecimentos associados às plantas medicinais pode ser validado pelo seu histórico de utilização, o que, muitas vezes, inclui populações diferentes e territorialmente distribuídas.

Entendemos que o reconhecimento, pelo meio acadêmico, favorece o in-tercâmbio entre o conhecimento popular e científico, portanto, o avanço e di-fusão do uso de plantas medicinais, seja pela complementação ou identifica-ção das incoerências.

As atividades em questão, desenvolvidas no contexto do PET-Saúde e Pró-Saúde, na UFBA, baseiam-se nesse entendimento. Contudo, as resistên-cias permanecem, pois as concepções modernas ainda são atraentes e hege-mônicas: aquela em que o conhecimento científico é o único o qual tem valor, portanto, é universal e superior aos demais. Alimentado por essa concepção, o conhecimento tradicional tem sido, erroneamente, associado àquilo que é ultrapassado, sendo que não se trata de conhecimento imutável. Comparti-lhando do entendimento de Attuch (2006), trata-se de um conhecimento que é dinâmico, vivo, atual, sujeito a inovações e com raízes profundas no pas-sado. Diferentemente, as novas tecnologias são consideradas o motor para a promoção do desenvolvimento da humanidade, a despeito da manutenção de problemas cruciais como a pobreza, a fome e a violência, o que denuncia que o avanço tecnológico não veio acompanhado do avanço social e político.

Em síntese, a extensão, especificamente, pode ser instrumento favorável à conversação, portanto, à familiaridade entre os sujeitos detentores de conheci-mentos que se diferenciam epistemologicamente, mas podem se complementar na produção de conhecimento favorável à coletividade.

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PARÓDIA “CUIDADO, MARIA CHIQUINHA”

(Grupo PET-Saúde/Bruno Bacelar)

Que que você foi fazer no Hiper, Maria Chiquinha?Que que você foi fazer no Hiper?Eu precisava de um queijo ricota, Genaro, meu bem.Eu precisava de um queijo ricotaMas o que, quer isso na sua sacola, Maria Chiquinha?Isso não é só queijo ricota.Tá certo, eu confesso comprei umas coisinhas, Genaro, meu bem.Tá certo, eu confesso comprei umas coisinhasAqui na sacola só tem doce e torta, Maria Chiquinha.Como é que fica a sua dieta.Um dia só não tem problema, Genaro, meu bem.Um dia só não faz diferençaMas isso não é bom para sua saúde, Maria ChiquinhaObesidade não é brincadeira

Então tá certo eu não vou comer isso, Genaro, meu bem.Então tá certo não como essas coisas.Você precisa cuidar da saúde, Maria ChiquinhaDê preferência a fruta, verdura.Fique tranquilo eu vou me cuidar, Genaro, meu bem

PARÓDIAS – GRUPO PET

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Eu já sei os riscos são grandesAinda mais na nossa idade, Maria Chiquinha O cuidado tem que ser redobradoComida saudável e caminhada são fundamentaisComida saudável e caminhada.O que cocê vai fazer com a sacola, Genaro, meu bem? O que cocê vai fazer com essa sacola?A sacola? A sacola pode deixar que eu fico para mim.

(Paródia baseada na música Maria Chiquinha – Sonia Mamede e Evaldo Gouveia)

PARÓDIA MINHA SAÚDE É DE OURO

(Grupo PET Saúde/Bruno Bacelar)

Quem disse que eu não transoPorque a idade já chegou?Minha saúde é de ouroSó preciso me cuidarVocê diz que eu não sou de nadaIsso tudo é preconceitoVocê ri da minha idade Diz que sou gagáVocê ri da minha casa

Não quer acreditarEu ainda dou no couroEles querem me pegarAs “gatosas” estão soltasA camisinha vou usarPego uma por diaDST vou evitarMinha saúde é de ouro (4x)

(Paródia baseada na música Olhos Coloridos – Sandra de Sá)

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paródias – grupo pet 223

PARÓDIA: HIPERTENSÃO

(Grupo PET Saúde/Bruno Bacelar)

Hipertensão, fala para mimFala o que você quer fazer em mim. Oi OiOiOhhhDiga! O que será, será...Se o tratamento abandonarNão fico legalMe da logo uma tonteiraA mão suada, o braço dormenteNão é brincadeira... Oi OiOiTirando o sal e as gordurinhasFazendo caminhada minha pressão fica boazinhaEu vou me cuidar Assim minha pressão eu vou controlar(Repete toda a música)

(Paródia baseada na música Preta – Beto Barbosa)

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ELVIRA CAIRES DE LIMA, EDI CRISTINA MANFROI,

NÍLIA MARIA DE BRITO LIMA PRADO

As experiências descritas neste livro relatam vivências do ensinar e aprender em saúde em uma perspectiva inovadora, em que foi possível visualizar na prá-tica as possibilidades do “fazer saúde” de forma multiprofissional, integrada, dinâmica e direcionada às necessidades reais e sociais da comunidade, na defini-ção e reformulação dos modelos de atenção e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com os preceitos do mesmo.

Os grupos tutoriais do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), no município de Vitória da Conquista – BA, foram organizados seguindo a lógica da interdisciplinaridade, com o intuito de integrar e articular, na práxis, docentes, estudantes e profissionais de saúde, de distintas áreas de graduação em Saúde, o que permitiu a construção de um processo de trabalho em saúde norteado por constante troca de saberes.

Essa experiência foi desafiadora para todos os integrantes do grupo PET e provocou o repensar sobre o modus operandi do fazer profissional, e a necessidade de sair da zona de conforto, romper as rígidas barreiras dos seus espaços tradicio-nais de conhecimento e permitir (re)significar seu processo de trabalho, tornan-do-o mais dinâmico e constituído por relações de poder mais horizontalizadas.

CONSIDERAÇÕES FINAISavanços, limitações e desafios no fazer profissional em saúde no sistema local

POSFÁCIO

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Durante os últimos sete anos de experiência do Programa Nacional de Re-orientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e PET (Saúde/Vi-gilância em Saúde/Redes de Atenção), em Vitória da Conquista, ocorreram di-versos avanços relacionados à articulação ensino-serviço, de forma a aprimorar e qualificar a formação em saúde e a atenção prestada nos serviços de saúde. Destaca-se a relevância da vivência interprofissional, a qual impulsionou essas mudanças. Ao ultrapassar a lógica disciplinar na formação em saúde e gerar es-paços multidisciplinares, essa vivência possibilitou a construção de modifica-ções de práticas, com redefinição de atribuições e atuação coletiva dos profis-sionais e discentes de diversas áreas, com um objetivo comum: a integralidade das ações dos serviços de saúde.

O trabalho interprofissional surgiu como uma ferramenta para implemen-tação da abordagem biopsicossocial, imprescindível para atender a todas as ne-cessidades de saúde dos indivíduos, e para a efetivação da interação entre dife-rentes núcleos profissionais, elemento fundamental para fortalecer a atenção integral à saúde.

Os discentes, ao interagir com profissionais e outros estudantes de diversas áreas da saúde, reconheceram a importância do trabalho interprofissional e o papel de cada um, preparando-os previamente para uma tendência do futuro profissional, tendo em vista a crescente complexidade da organização e da pres-tação do cuidado em saúde, o que contribui para aproximar o discente da reali-dade social e sanitária da população, extrapolando os limites da teoria por meio do contato com o cotidiano.

Sob a mesma ótica, como a integração ensino-serviço é uma via de mão du-pla, há que se evidenciar a contribuição dessa interface para a formação peda-gógica dos profissionais, sobretudo dos preceptores, viabilizando o aperfeiçoa-mento e especialização em serviço destes.

Foi possível intensificar o processo de educação permanente e da educação continuada em serviço, da troca de experiência e saberes nas relações estabeleci-das entre docentes, discentes, profissionais e usuários, mediado pelos diversos en-contros teóricos promovidos pela coordenação do PET. Esses encontros estimula-ram a discussão e reflexão de temáticas direcionadas às dificuldades dos serviços, permitindo aos discentes desenvolver protagonismo em sua formação e, ao traba-lhador de Saúde, uma nova vitalidade para reorganizar seu processo de trabalho.

Apesar dos avanços e conquistas promovidos e alcançados pelo Pró-Saú-de e PET, faz-se necessário refletir a luz dos propósitos iniciais, os desafios e

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limitações da sua operacionalização, como uma estratégia para repensar a for-mação em Saúde, a articulação entre a universidade e os serviços de saúde, a qualidade dos serviços da rede SUS e, de modo especial, discutir a valorização e capacitação dos profissionais da rede de atenção primária em saúde e demais locus da prática.

Quanto ao primeiro objetivo do Pró-Saúde, o qual se expressa em “reorien-tar o processo de formação dos profissionais da saúde, de modo a oferecer, à sociedade, profissionais habilitados para responder às necessidades da popu-lação brasileira e à operacionalização do SUS”1, observou-se, na realidade des-sa experiência, que aconteceram inovações importantes no processo de ensino--aprendizagem, pautado por uma formação produzida a partir da experimenta-ção e do exercício de aprender no espaço do trabalho.

O Pró/PET-Saúde tem como pressupostos a consolidação da integração, para tanto, as atividades realizadas pelos discentes foram sistematicamente de-finidas a partir da cartografia territorial e da análise da situação de saúde local, através da avaliação de indicadores e de reuniões com a comunidade e represen-tantes dos conselhos locais de saúde, como forma de atender às necessidades locais. Essa sistematização é um indício de que implantar um novo modelo de atenção deve estar articulado com o processo de formação profissional, condi-zente com as novas necessidades das práticas em saúde no SUS.

No entanto, permanece como um dos grandes desafios do Pró-Saúde ex-trapolar os limites dos grupos tutoriais do PET e modificar as práticas do pro-cesso de ensino e aprendizagem para toda a comunidade acadêmica, envol-vendo os demais docentes e discentes não envolvidos diretamente com essa proposta de extensão.

Nessa experiência, que envolvia duas universidades, observou-se como um fator limitante a inexistência de bagagem teórico-prática dos docentes para inserção de metodologias ativas de ensino no seu processo de trabalho, assim como currículos engessados os quais se mantêm divididos em áreas bá-sicas e profissionalizantes e que dificultavam a integração disciplinar. Ainda,

1 Brasil . Portaria Interministerial nº 3019, de 26 de outubro de 2007, Dispões sobre a o Programa Na-cional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde – para os cursos de gradua-ção da área da saúde. Brasília , DF, 2007, Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2007/pri3019_26_11_2007.html>.

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visualiza-se a predominância e valorização da educação tecnicista na qual os próprios docentes mantêm-se resistentes para modificar suas práticas.

Frente a essas dificuldades, questiona-se: como os discentes e docentes que tiveram a experiência no PET podem contribuir para a introdução mais sistema-tizada nas Instituições de Ensino Superior (IES) sobre a utilização de metodo-logias ativas de ensino e aprendizado, em contraponto ao contexto atual de for-mação dos profissionais de saúde centrado no modelo biomédico hegemônico?

Emerge a necessidade de intensificar os processos de reformas curricula-res dos cursos de graduação em Saúde em resposta a essa demanda contra he-gemônica. Essa não é uma tarefa fácil. Em nossa realidade local, tem-se enfren-tado inúmeras dificuldades: o quadro de professores reduzido no campus avan-çado e nos cursos oriundos da interiorização do ensino pela Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Pode-se ressaltar, além disso, a alta carga horária de atividades em sala de aula com currículos conteudistas, envolvimento em projetos de pesquisa, extensão e em cargos e atividades ad-ministrativas, principalmente diante da complexidade e da burocracia exigida na prática. Esses são, sem dúvida, barreiras para a implementação do processo integrado de reorientação curricular.

Quando se conseguiu construir projetos pedagógicos mais inovadores e com currículos integrados, nem sempre a execução se deu, de fato, com altera-ções expressivas nos métodos de ensino, correndo-se o risco de, na prática, re-produzir o mesmo modelo de formação anterior. Desse modo, é nítida a neces-sidade de ofertar capacitações aos docentes para adoção de novas abordagens de ensino, pois, ao produzir a modificação dos atores (docentes), modifica-se o processo de formação dos futuros profissionais de Saúde.

Nesse sentido, o novo edital do PET-Saúde Gradua SUS, lançado no mês de setembro de 2015, propõe incentivar mudanças nos cursos de ensino supe-rior na área da saúde com vistas à formação qualificada para o SUS, alinhadas às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). O edital sugere, ainda, o reforço à qualificação dos processos de integração ensino-serviço-comunidade de for-ma articulada entre o SUS e as IES. Esse propósito reafirma uma preocupação com a operacionalização de ações que envolvam os atores do SUS e da comu-nidade acadêmica, como professores, estudantes, usuários, gestores e profis-sionais da saúde, e corrobora com as reflexões apontadas em seminários e rela-tórios mensais e anuais dos últimos anos do programa no município de Vitória da Conquista.

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Em relação ao segundo objetivo do Pró-Saúde, que consiste em “estabelecer mecanismos de integração entre os serviços de saúde e as instituições de ensino, visando à melhoria da qualidade e à resolubilidade da atenção prestada, e po-tencializar os processos de educação permanentes dos profissionais da rede”2, podemos dizer que, como apresentado no início deste capítulo e no decorrer do livro, houve avanços importantes e uma articulação constante entre a gestão municipal e as universidades, estabelecida através de um diálogo aberto. A in-serção da universidade nos serviços de saúde através do PET permitiu ampliar a oferta de serviços, aproximar a comunidade dos serviços da universidade, valo-rizar e intensificar a extensão universitária, um dos pilares das IES, e facilitar os processos de educação permanente em serviço em parceria com as IES.

Um dos mecanismos de integração entre as instituições de ensino e os ser-viços de saúde e comunidade promovidos pelo Pró-Saúde/PET foi a Comissão Gestora Local (CGL), órgão deliberativo o qual integra representantes docen-tes, discentes, preceptores, gestores, usuários do serviço e representantes dos colegiados dos cursos de graduação.

Destaca-se que a CGL local, além dos representantes dos grupos tutorias do PET, contava, também, com representantes do Conselho Municipal de Saú-de (CMS), da Assessoria de Educação Permanente do município e do Núcleo Regional de Saúde. Esse espaço de discussão favoreceu o diálogo entre as uni-versidades e o serviço, no entanto, foi pouco valorizado pela própria comunida-de acadêmica, com uma participação dos membros que não percebeu o prota-gonismo e a corresponsabilização das IES pela saúde no território, para a qua-lificação do cuidado aos usuários. Contudo, acredita-se que esse espaço possa ser mantido, repensando suas representações, como forma de manter reflexões e planejamento de ações de cunho democrático que favoreça a comunicação en-tre a universidade, gestão local e usuários do serviço.

Em relação à educação permanente dos profissionais da rede de servi-ços, observou-se uma ampliação nos espaços de trabalho dos profissionais, em um processo de educação continuada, e nos encontros teóricos promovi-dos pela universidade. A partir do trabalho no PET, percebeu-se maior mo-tivação dos profissionais de saúde e preceptores em retomarem seus estudos

2 Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2007/pri3019_26_11_2007.html>.

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investindo em aperfeiçoamento profissional como especializações lato sensu e stricto sensu (mestrado).

Apesar da constante parceria estabelecida entre a assessoria de educação permanente do município e a universidade no processo de qualificação dos pro-fissionais da rede de serviços, acredita-se que esta ainda precisa ser aprimorada. Como forma de viabilizar e investir na qualificação dos profissionais da rede, pensa-se na estruturação de cursos de curta duração e extensão mediados pela plataforma virtual, com fomento dos ministérios da saúde e educação.

Quanto ao último objetivo do Pró-Saúde, que é “ampliar a duração da práti-ca educacional na rede pública de serviços básicos de saúde”3, ressaltamos que, desde a década de 1960, um movimento transformador almeja mudanças nos cursos de graduação da área de saúde e apresenta uma coerência identificada na sequência histórica de eventos e documentos os quais surgem com o movimen-to da reforma sanitária. Uma reforma que resulta de uma série de reformas as quais abarcam o sistema de atenção à saúde, no qual estão incluídos o cuidado primário em saúde e a formação de recursos humanos, tornando indispensável que a produção de conhecimento, a formação profissional e a prestação de ser-viços sejam tomados como elementos indissociáveis dessa nova prática.

No cenário da Atenção Primária à Saúde (APS), a inserção dos acadêmicos dos cursos de Enfermagem, Medicina, Nutrição e Farmácia não gerou tantas dificuldades nas vivências nos cenários de prática beneficiados pelo PET-Saú-de, visto que esses profissionais já têm suas práticas tradicionalmente articula-das com a realidade local. No entanto, evidenciaram-se algumas dificuldades no processo de inserção dos discentes e docentes do curso de Psicologia e Biologia na APS.

Em relação ao curso de Psicologia, em maio de 2004, ocorreu a aprovação das DCN para os cursos de graduação, firmando nacionalmente que a forma-ção do profissional de saúde deve contemplar o sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção à saúde. Também, a partir da Portaria In-terministerial nº 2118, de 3 de novembro de 2005, dos Ministérios da Educação e da Saúde, que objetiva a formação de recursos humanos em Saúde coerentes com o SUS, com as DCN e com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação

3 Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2007/pri3019_26_11_2007.html>.

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Superior (Sinaes), os cursos de Psicologia iniciaram uma organização curricu-lar para atender a essa demanda.

No campus Anísio Teixeira, o curso de Psicologia conta com disciplinas no eixo Psicologia e Saúde que abordam a prática profissional na APS e estendem a prática aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) municipais, os quais possuem em sua equipe, desde 2008, o profissional psicólogo. No entanto, o processo de trabalho ainda está centrado na perspectiva individual, o que difi-culta o planejamento pautado para as necessidades da coletividade. Se, por um lado, a formação ainda passa por adaptações do modelo anterior a 2004, por outro, temos um cenário no qual o psicólogo é um profissional novo, dentro da APS, buscando construir seu espaço e seu modus operandi profissional. Consi-derando os aspectos citados, a Psicologia, entendendo a lógica contra-hegemô-nica proposta pelo PET-Saúde, buscou formas para atuar nesse cenário.

Com o curso de Biologia a realidade não foi diferente. Apesar de a reorien-tação curricular ter sido finalizada, com inserção de novas disciplinas que in-tegram a reflexão da saúde coletiva, a maioria dos discentes que participou do PET-Saúde não se identifica como profissionais de saúde. Essa realidade de-monstra a dificuldade das equipes de saúde em inserir novos profissionais cujas práticas no âmbito dos serviços de saúde não são tradicionais.

Algumas amarras oriundas da formação tecnicista ainda não foram supe-radas para que as práticas possam ser reinventadas e reconstruídas, de forma que atendam as características necessárias para uma atuação em saúde a qual contemple a interação ensino-serviço-comunidade de forma multidisciplinar e interdisciplinar.

Diante desse panorama, reconhecendo a importância dos projetos e das ati-vidades desenvolvidas, é preciso refletir sobre o quanto se avançou em relação à integração ensino-serviço-comunidade e, também, o quanto a priorização das necessidades de saúde da população influenciou nas mudanças dos currículos dos cursos em saúde.

Se, por um lado, houve avanços, há que se reconhecer que muito ainda pre-cisa ser feito para efetivar os novos avanços (atuais desafios). O principal é o entendimento mútuo dos serviços e das IES do seu papel social na construção de profissionais de saúde qualificados para a atuação e construção cotidiana do SUS, e a efetivação de condições para que as IES possam fortalecer o seu papel na consolidação da transformação social, por meio da inovação na atuação crí-tica para a construção do saber.

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E ste livro foi produzido em formato 180 x 240 mm e utiliza as tipografias DTL Haarlemmer e TT Norms, com miolo impresso na Edufba, em papel Alta

Alvura 75g/m2 e capa em Cartão Supremo 300g/m2, impressa na I. Bigraf.

Tiragem: 400 exemplares

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A integração ensino-serviço tem sido preconizada com o objetivo de reorientar a formação dos recursos humanos na área da saúde no Brasil, em uma perspectiva que atenda os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, este livro traduz as experiências de organização de propostas articuladas pelas instituições de ensino superior e a gestão em saúde local, que propiciaram o desenvolvimento de ações de pesquisa e extensão, com o intuito de possibilitar a inserção dos estudantes nos serviços de saúde e na gestão do SUS e imprimir uma nova ressignificação para a natureza e os conteúdos das práticas em saúde em um município do semiárido baiano.