O pioneirismo de uma médica pelotense

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas Curso de Licenciatura em História Trabalho de Conclusão de Curso O pioneirismo de uma médica pelotense Marcela Reinhardt de Souza Pelotas, 2010.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Instituto de Ciências Humanas

Curso de Licenciatura em História

Trabalho de Conclusão de Curso

O pioneirismo de uma médica pelotense

Marcela Reinhardt de Souza

Pelotas, 2010.

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MARCELA REINHARDT DE SOUZA

O pioneirismo de uma médica pelotense

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Curso de Licenciatura Plena em História da

Universidade Federal de Pelotas como requisito

parcial para a obtenção do título de Licenciado

em História.

Orientador: Prof. Ms. Mario Osorio Magalhães

Pelotas, 2010.

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Dedico este trabalho aos meus pais.

E a todos aqueles que de alguma forma

contribuíram para que eu chegasse aqui.

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Agradecimentos

Agradeço a todas as pessoas que sempre estiveram ao meu lado, me

auxiliando, aconselhando e deixando a vida mais leve.

Agradeço em primeiro lugar aos meus pais e à minha irmã, que sempre se

esforçaram para que eu pudesse estudar e ser quem eu sou. Não há palavras para

expressar a felicidade que sinto em partilhar com eles este momento tão feliz da

minha vida. Se hoje eu sei amar, foi com eles que aprendi. Ao meu pai, por sempre

pensar em me ajudar e estar sempre ao meu lado, nos momentos mais difíceis,

desde que eu nasci. E à minha mãe, pela preocupação e anos de dedicação. Amo

vocês!

Obrigada aos amigos que a faculdade me trouxe, amigos que para sempre

quero ter ao meu lado. Essas são pessoas que de simples colegas de faculdade se

tornaram grandes amigos! Ao Cristiano, que tem a loucura exata para caber na

minha loucura, amigo para todas as horas, minutos e segundos. À Luciana, amiga

inesquecível desde os primeiros dias de faculdade, fundamental para viver todas as

coisas boas que vivi nestes cinco anos. A faculdade não teria sido a mesma sem

vocês que farão falta no meu dia-a-dia! Também são importantes para mim aqueles

que foram mais que colegas de trabalho durante meu estágio no Museu da

Baronesa e os outros amigos que fiz na faculdade, Dimítrius, Rafael, Giovana,

Alberto e Nádia, que também me ajudou muito durante a minha graduação, desde o

empréstimo de fichamentos ao auxílio na pesquisa do TCC. Nunca esquecerei

vocês!

Às minhas poucas e valiosas amigas que trouxe do Assis Brasil e aos meus

amigos que por circunstâncias da vida acabaram ficando no passado, mas que

jamais esqueci.

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Ao meu namorado, Romaneli, que esteve sempre por perto me dando

carinho, atenção e amor, tendo paciência para me ouvir e sendo meu companheiro

em qualquer jornada. Não é à toa que eu te amo.

Obrigada ao meu orientador, professor Mario Osorio Magalhães, que sempre

esteve disposto a me ajudar, respondendo minha centena de e-mails e me

auxiliando em todas as etapas da minha pesquisa com a maior disposição. Sua

orientação foi essencial!

Aos professores que tive na graduação, alguns dos quais eu sempre irei

lembrar com carinho pelas aulas ministradas, como por exemplo, Beatriz, Lorena,

Pezat, e outros.

Ao Sr. Carlos Duarte, Sra. Cláudia Morpurgo e Sra. Maria Morpurgo, por

terem colaborado com suas memórias; à Karina Lopes, do Museu de Medicina do

RS, que me atendeu com muita gentileza, e à Sra. Anamaria Nunes, por ter

colaborado imensamente com o material que tinha sobre a Dra. Antonieta.

Por fim, agradeço a toda a minha família e tenho que pedir desculpas pela

correria do dia-a-dia me deixar ausente e agradecer pelo apoio, amor e

compreensão. Saibam que, mesmo distante, sempre tenho vocês no meu coração.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Antonieta Dias ......................................................................................... 40

Figura 2 – Antonieta Dias em foto de 1889 .............................................................. 40

Figura 3 – Tese defendida por Antonieta Cesar Dias em 1889 ............................... 41

Figura 4 – Anuncio publicado no Correio Mercantil em 1890 .................................. 41

Figura 5 – Engenheiro Eduardo Morpurgo, esposo da Dra. Antonieta .................... 42

Figura 6 – Eduardo Morpurgo, Admar Morpurgo e Antonieta Morpurgo .................. 42

Figura 7 – Dra. Antonieta Dias Morpurgo ................................................................. 43

Figura 8 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909..... 43

Figura 9 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909 .... 44

Figura 10 – Dr. Admar Morpurgo e Thereza Jesus Maria Vieira Ferreira ................ 44

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Sumário

Lista de Figuras ........................................................................................................ 5

Introdução ................................................................................................................. 7

1. Uma Jovem Precursora ....................................................................................... 9

2. Dra. Antonieta Dias Morpurgo .......................................................................... 25

Conclusão ............................................................................................................... 35

Referências Bibliográficas .................................................................................... 36

Fontes Primárias .................................................................................................... 38

Figuras .................................................................................................................... 39

Anexos .................................................................................................................... 45

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Introdução

Realizar uma pesquisa nem sempre é tarefa fácil. Encontrar dados

disponíveis em estados brasileiros diferentes se apresenta como uma grande

dificuldade. Mas mesmo assim aceitei o desafio de escrever um esboço de uma

biografia a respeito da terceira médica formada no Brasil, a Dra. Antonieta Dias

Morpurgo.

Foi por acaso que cheguei aos jornais que demonstram a participação da

futura médica, quando tinha 12 anos, em uma discussão pública entre dois

professores na imprensa pelotense. A partir daí fui encontrando mais dados sobre

ela, sobre sua formatura, recepção em Pelotas, até que descobri sua forte atuação

enquanto médica no Rio de Janeiro.

Meus objetivos são os de preservação da memória de uma mulher que além

de ter sido uma das primeiras médicas formadas no Brasil, foi uma das médicas

pioneiras em diversas pesquisas, sempre atuando em seu consultório e hospitais. É

o que veremos ao longo do trabalho.

Até então ela não havia sido tema principal de uma pesquisa como esta,

voltada para seu histórico, sua atuação e conquistas, trazendo novos dados a

respeito de sua vocação para a área médica.

A partir dos jornais comecei a investigação, buscando confirmar dados em

algumas datas já encontradas e buscando qualquer notícia ou citação sobre a Dra.

Antonieta. Depois busquei livros e teses que citavam em algum ponto o seu nome, e

por fim, através de uma busca na internet, descobri telefones de familiares da Dra.

Antonieta que foram fundamentais para revelar algumas informações sobre ela.

Assim, dividi o trabalho em dois capítulos. No primeiro, são relatados dados

sobre os estudos e a formação da jovem Antonieta Cesar Dias. E no segundo

dediquei-me a escrever sobre a médica, Dra. Antonieta Dias Morpurgo, que foi para

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o Rio de Janeiro exercer sua profissão e mesmo depois de casada permaneceu

estudando e desenvolvendo trabalhos na Medicina.

Este é um estudo a respeito da Dra. Antonieta Dias, sem a intenção de ser

uma biografia completa, até mesmo pelas dificuldades de pesquisa. Mas com a

pretensão de ser a pesquisa mais completa possível, com dados novos, sobre esta

mulher que marcou com sua presença feminina a história brasileira.

Para mim é um orgulho poder escrever este trabalho. Espero que se torne

fonte de referência sobre o tema.

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1. Uma jovem precursora

Natural de Pelotas, filha de Cesária Marques Dias e do português Antonio

Joaquim Dias, proprietário e redator do jornal Correio Mercantil, Antonieta Cesar

Dias iniciou seus estudos na cidade natal, cursou os preparatórios em Porto Alegre e

no ano de 1884 matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Defendeu sua tese, na área de obstetrícia, em 30 de agosto de 1889; no ano

seguinte à formatura, começou a atuar profissionalmente em Pelotas, transferindo-

se pouco depois para Rio de Janeiro, que recentemente havia se transformado de

capital do Império em capital da República brasileira. Neste capítulo abordaremos

aspectos, na sua maioria inéditos, da trajetória da jovem Antonieta, desde o

nascimento até à formatura.

Antonieta era neta paterna de José Maria Dias e de Benta Maria Gonçalves;

e neta materna de João José Cesar e de Maria Joaquina Marques1. Era afilhada de

batismo de Fernando Luís Osorio, filho e biógrafo do general Osorio, e de sua

esposa Ernestina de Assumpção Osorio, filha do Barão de Jarau, próspero

charqueador de Pelotas (Estado do Sul apud Correio Mercantil, 16 de janeiro de

1890).

Embora se trate da terceira mulher, na ordem cronológica, que se formou em

Medicina no Brasil, existem muito poucas informações a respeito da sua vida. Nesta

pesquisa, enveredamos por diversos caminhos a fim de chegar a um resultado mais

ou menos satisfatório. Além da investigação em jornais da época, foi necessário

contar com o auxílio e a memória de algumas pessoas que tiveram alguma ligação

com a própria Antonieta ou com os seus familiares, pessoas com as quais

1 Segundo dados fornecidos por Anamaria Nunes Vieira Ferreira. Ela é responsável pela pesquisa da árvore genealógica da família Nunes Vieira Ferreira.

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conseguimos contato por meio da internet. Foi buscando todo o tipo de rastros

deixados por ela que conseguimos montar o quebra-cabeças e formular um estudo

sobre a história da sua vida. Toda a pesquisa tem as suas dificuldades, mas neste

caso houve ainda um agravante: a circunstância de dividir-se a sua trajetória em

pelo menos dois espaços, Pelotas e Rio de Janeiro.

Os obstáculos começaram quando tentamos localizar a data correta do

nascimento de Antonieta. No livro de Alberto Silva, A Primeira Médica do Brasil,

consta: “Dra. Antonieta César Dias, nascida em Pelotas, no Rio Grande do Sul, ali

pelo ano de 1869.” (SILVA, 1954, p.59). Em artigo do jornal Correio Mercantil, de 3

de agosto de 1881, seu pai, Antonio Joaquim Dias, a respeito da filha afirma que

“apenas conta 12 annos de idade”. Contrariando os dados acima, o jornal carioca

Rua do Ouvidor, de 17 de agosto de 1901, registra: “A doutora Antonietta Dias

Morpurgo nasceu na cidade do Rio Grande, na então Província do Rio Grande do

Sul, em 12 de janeiro de 1868...”. Além de se equivocar com relação à sua cidade

natal e à grafia do nome, já que nela nunca o escreveu com “t” duplo, parece que

também há erro no que se refere ao ano de nascimento.

Se tivesse nascido em 12 de janeiro de 1868 não teria 12 anos, como

afirmou seu pai, em 3 de agosto de 1881: já teria completado 13 anos. Levantamos

a hipótese de que o nascimento teria se verificado em 12 de janeiro, como diz o

jornal, mas de 1869, como sugere o biógrafo de Rita Lobato. Claro, nada melhor,

para desfazer a dúvida, do que recorrer ao Bispado de Pelotas e conseguir uma

cópia da certidão de nascimento. No bispado de Pelotas, feito o pedido de análise

para o ano de 1869, não aparece nenhum registro, naquele ano, de uma recém-

nascida com o nome de Antonieta. O arquivo desta instituição é guardado por

apenas uma pessoa, o que significa que, se esta sai de férias ou precisa por algum

motivo se afastar do trabalho, não há quem a substitua, e este foi o problema

encontrado nesta pesquisa. Ao retornar ao arquivo para fazer o pedido de

verificação para o ano de 1868, a funcionária já estava de férias e só retornaria em

fevereiro, quando este trabalho já estaria entregue.

O pai de Antonieta, Antonio Joaquim Dias, nasceu em 1844 na província de

Trás os Montes, no reino de Portugal. Chegou ao Rio de Janeiro com 13 anos e, não

se habituando à cidade, mudou-se para Rio Grande. Em 1869, transferiu residência

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para a cidade de Pelotas, fundando em 1° de janeiro 1875 o jornal diário Correio

Mercantil. Neste jornal, em 10 de março de 1892, dois dias após sua morte, foi

publicada uma curta biografia do jornalista. Em seguida, aparece a constatação:

“São muito defficientes os dados biographicos que possuimos sobre a vida do nosso

finado chefe, que pouco fallava de si, quer na intimidade, quer em publico.”

Além de ser jornalista combativo e polêmico, Antonio Joaquim Dias deixou

seu nome ligado a dois empreendimentos institucionais: a fundação da Bibliotheca

Pública Pelotense, no mesmo ano de 1875; e do Asilo de Mendigos de Pelotas, em

1887.

Teve dois filhos, Antonieta Cesar Dias e Cesar Dias.

Antonieta desde a infância mostrou-se atenta aos estudos. Neste sentido foi

motivo de permanente orgulho para o seu pai, que a defendia sempre. No ano de

1879, frequentava a escola São Francisco de Paula, de Carlos André Laquintinie e

Benjamim Amarante, estudando para os preparatórios, exames prestados todos os

anos, no mês de dezembro, em Porto Alegre. No ano de 1881 foi aluna do professor

Bibiano de Almeida, do qual trataremos adiante.

Em 1881, quando, supõe-se, Antonieta contava 12 anos, envolveu-se em

uma discussão gramatical entre os conhecidos professores Bibiano Francisco de

Almeida e Hilário Ribeiro, publicada em dois jornais da cidade.

Hilário Ribeiro escrevia para o Jornal do Comércio, de propriedade de Artur

Lara Ulrich, e Bibiano de Almeida escrevia para o Correio Mercantil, ambos se

agredindo em alguns momentos e discutindo a respeito de livros didáticos e de

métodos de ensino. Hilário Ribeiro nasceu em 1847 em Porto Alegre e acabou por

se dedicar ao magistério após tentativas frustradas de ingressar numa faculdade de

Medicina. Também escreveu poesias e a peças teatrais, até se concentrar na

produção de trabalhos didáticos — cartilhas, livros de geografia, leitura e gramática.

Foi um dos fundadores do Partenon Literário, associação que reunia a nata da

intelectualidade rio-grandense. Bibiano Francisco de Almeida era dedicado

integralmente à profissão do magistério, mas antes disso chegou a frequentar um

Seminário, abandonando-o por lhe faltar vocação para o sacerdócio. Nasceu em

Belém, no ano de 1838, e quando veio para Pelotas, nesse ano de 1881, fundou um

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colégio, conhecido como Colégio Bibiano, juntamente com o filósofo João Affonso.

Ao mudar-se para Rio Grande, permaneceu lecionando, porém através de aulas

particulares. Escreveu notáveis obras pedagógicas, como por exemplo, Compendio

de Grammatica Portugueza.

As discussões entre os dois estudiosos de gramática prolongaram-se por

mais de um mês, de forma pública, nos jornais mencionados. Hilário Ribeiro citava

frases e publicações de Bibiano, deixando suas críticas abaixo e indicando melhores

métodos para lidar com os alunos; dizia que Bibiano usava técnicas superadas,

fazendo com que os alunos apenas decorassem os conteúdos. Bibiano respondia

em sua defesa, muitas vezes em tom agressivo, como podemos perceber em seu

artigo publicado no Correio Mercantil de 31 de julho de 1881:

Não é para discutir com o Sr. Hilário Ribeiro que volto a esta questão, pois que o Sr. Hilário é privado da aptidão necessária para argumentar com raciocinios mais ou menos respeitaveis em materia grammatical. Escrevo para o público illustrado e sensato da cidade de Pelotas. (Correio Mercantil, 31 de julho de 1881)

A agressividade também dominava as intervenções de Hilário, visível em

frases como “em destroços põe o Sr. Bibiano a lingua de Camões!”, publicada no

Jornal do Comércio de 2 de agosto de 1881. Nesse mesmo dia, Hilário relembra

outra desavença ocorrida entre os dois: “Quem, no Rio-Grandense de 16 de abril de

1868, escreveu aquelle artigo, que mereceu a condenação geral? Não foi o Sr.

Bibiano Francisco de Almeida?”. E prossegue transcrevendo matéria veiculada pelo

Jornal do Comércio de Porto Alegre, em 24 de maio de 1868:

Ao público. No Rio-Grandense de 16 de abril ultimo, fui injuriado pelo professor publico Bibiano Francisco de Almeida por haver este jornal noticiado que de seu quintal atiraram foguetes quando sahia o vapor que conduzia o Sr. Dr. Homem de Mello. Não respondo, porque não sei escrever em semelhante linguagem; a offensa, porem, precisava de uma reparação e essa fui buscal-a na lei que pune os abusos de liberdade de imprensa. (Jornal do Comércio, 02 de agosto de 1881)

Hilário Ribeiro chama Bibiano de Almeida de “o mais chulo dos prosadores”,

no Jornal do Comércio de 17 de julho de 1881. Os artigos de Bibiano intitulavam-se

“Questão Grammatical” e visavam responder aos ataques de Hilário, além de criticar

o colega e divulgar seu próprio trabalho, tentando mostrar aos pelotenses que suas

fórmulas de ensino eram as mais atualizadas e úteis.

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Os debates eram acalorados, e outras pessoas acabaram por se envolver,

defendendo ora um lado, ora outro. Um exemplo é o professor Heráclito Camargo,

que publicou críticas ao trabalho de Bibiano no Jornal do Comércio em 1881.

Bibiano de Almeida não costumava deixar as críticas sem resposta, e no Correio

Mercantil de 29 de julho de 1881 disse a Heráclito que estava muito ocupado

pensando nas aulas que lecionava, na cópia de um circular que fazia e nos estudos

referentes à Lagoa dos Patos para responder-lhe, mas deu-lhe o conselho de não se

meter “em questões alheias, principalmente n’aquellas em que o amiguinho vê como

cégo.”

No dia 31 de julho de 1881, a jovem Antonieta Dias se envolveu na

discussão, publicando um artigo no jornal de seu pai, o Correio Mercantil, para

defender o seu professor Bibiano de Almeida e manifestar que o errado era o Sr.

Heráclito Camargo, ao criticar uma afirmação, segundo ela correta, de Bibiano.

O artigo assinado por Antonieta Dias contém um amplo comentário a

respeito das correções feitas no artigo de Heráclito e a das próprias frases escritas

por este. Com respeito, a jovem explica nas primeiras linhas:

Ilm. Sr. Heráclito Camargo,Tendo V.S. no jornal de hoje, notado alguns erros em

diversos trechos de um artigo escripto por meu distincto e illustrado professor, o Sr. Bibiano Francisco de Almeida, erros esses, uns grammaticaes, outros de lingüística, com os quais eu não concordo, peço-lhe permissão para analysar, como entendo, os mesmos trechos, afim de demonstrar, que em minha fraca opinião, é V.S. quem está em erro. (Correio Mercantil, 31 de julho de 1881)

De forma extensa, Antonieta cita as frases que, segundo ela defende, foram

colocadas de forma errada por Heráclito, e demonstra profundo conhecimento

gramatical, analisando as orações de Bibiano criticadas por Camargo, dizendo

estarem corretas e colocando em análise os sujeitos dos períodos, citando verbetes

de dicionário, sinônimos, correções de cópias feitas erroneamente de frases de

Bibiano por Heráclito... Tudo para provar que seu professor, Bibiano, na verdade

estava sendo vítima de um ataque pessoal e intelectualmente desnecessário. O

artigo completo está transcrito no anexo I, ao fim do trabalho.

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Esse artigo demonstra coragem e ousadia, não só por parte de Antonieta, ao

se expor com tão pouca idade em um assunto de discussão pública, entre homens,

mas também por parte de seu pai, permitindo que ela participasse dessa discussão.

Além de ser do sexo feminino, a cujo universo muita coisa era vetada, ainda na

segunda metade do século XIX, era uma estudante de apenas 12 anos discutindo

gramática com professores consagrados, autores de livros didáticos. Mas é

importante lembrar que ela não usou de ataques ofensivos para com o Sr. Camargo,

ateve-se apenas a discussões gramaticais.

Certamente, o artigo assinado por Antonieta Dias causou repercussão.

Obteve, dois dias depois, em 2 de agosto de 1881, uma resposta publicada no

Jornal do Comércio, mas por pessoa de menor coragem, já que o artigo foi assinado

como “um discípulo de Janet”, ou seja, por um anônimo. Logo nas primeiras linhas,

percebe-se o tom agressivo com que o anônimo se refere a Antonieta:

Gentil menina,Ora, para que te metteste em camiza de onze varas, - tu,

uma menina que, bem encaminhada, pódes apparecer com alguma distincção entre o teu sexo!

É verdade que a culpa não é tua, meu amor, porque teu pai tem tão pouco juizo que não duvidou confiar o desenvolvimento de tua mentalidade infantil ao ex-professor publico Bibiano Francisco de Almeida, mas, apesar, d’isso, reveste-se de paciência para ouvires algumas lições.

E que isto sirva-te de exemplo, para não te metteres outra vez em assumpto alheio aos enfeites das tuas bonecas. (Jornal do Comércio, 2 de agosto de 1881)

O anônimo prossegue, acusando Antonieta de não ser a autêntica redatora

do artigo, apenas publicado com seu nome. Afirma: “Abordo sem mais preambulos o

que escreveu o teu encyclopedico professor no jornal de teu pai e que tu

inconscientemente assignaste.” No final, continuam os conselhos:

Uma vez que teu pai, apezar de jornalista, não se lembra que para testas de ferro são sempre escolhidos os Deus Te Livre e Zés Pereiras, conchega-te ao seio do anjo do lar, d’essa creatura sublime que nos cérca de affectos, que sente as nossas dôres e experimenta as nossas alegrias, e foge do fogo do contacto venenoso d’aquelle que está muito longe de comprehender a sagrada missão de preceptor da infancia... (Jornal do Comércio, 2 de agosto de 1881)

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No Correio Mercantil do dia seguinte, 3 de agosto de 1881, Antonio Joaquim

Dias, não deixando passar sem resposta essa ofensa à sua filha e a si mesmo,

publicou um artigo, assinado, com o título de “Há homens para tudo”. Neste artigo,

Dias entra em defesa da filha, dizendo que ela queria “prestar homenagem de

apreço ao seu distincto e illustrado professor” e que, tratando-se “de uma questão de

exercicios na lingua vernacula, e mais – de uma fineza ao mestre”, ele não viu

problemas em permitir que a mesma escrevesse o texto. Afirma que sua filha não

teve a intenção de ofender o Sr. Camargo, mas que mesmo assim foi chamada

publicamente de “testa de ferro” em uma publicação anônima. Ofendido, Antonio

Joaquim Dias parte para o ataque e chama o anônimo de “parasita dos cofres

publicos”. Afirma ter três testemunhas, além de Bibiano, que haviam comparecido,

coincidentemente, ao seu escritório no momento em que Antonieta elaborava o

Convida o anônimo, se este “não for charlatão”, “a certificar-se das suas habilitações

e talvez a sentar-se com ella a uma mesa de exames em portuguez”. Concluindo,

afirma que o Sr. Heráclito e o anônimo “faltaram com a verdade e falsificaram um

periodo de um artigo do Sr. Bibiano de Almeida afim de lhe notarem um erro de

grammatica. Há homens para tudo.”

Se o texto foi ou não produzido autenticamente por Antonieta Dias não há

como saber. De todo o modo, um artigo de jornal assinado por uma menina de 12

anos não era comum no período, e só foi possível para Antonieta em função de ela

ser filha do diretor do jornal e de seu pai ser um cidadão esclarecido e polêmico.

* * *

No século XIX, no Brasil, quase tudo era vedado às mulheres. Uma das

restrições era o ingresso em cursos de ensino superior. Esta realidade só foi

modificada no ano de 1879. Através da Reforma Leôncio de Carvalho, passou-se a

permitir a matrícula feminina nas faculdades nacionais.

Também conhecida como “Reforma do Ensino Livre”, foi transformada em

lei pelo Decreto 7.247, de 19 de abril de 1879. As mudanças que essa determinação

trouxe iam desde ações no ensino primário até ações no ensino superior, como por

exemplo, as que tornavam possível a colação de grau de acatólicos sem a obrigação

de fazer exame de direito eclesiástico; a permissão de que o juramento durante a

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colação de grau fosse de acordo com a religião do aluno; e a referida matrícula de

mulheres em cursos e faculdades, a liberação para estudarem no mesmo espaço

conferido aos homens e a consequente obtenção do título acadêmico.

Segundo Antonietta Nunes, em artigo publicado na Revista Gestão em Ação,

de Salvador (1999), as idéias de Leôncio de Carvalho eram muito avançadas para o

período e não foram totalmente implantadas.

No ano de 1881, logo após a aprovação da Reforma, algumas mulheres se

matricularam na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, como Ambrosina

Magalhães e Augusta Castelões Fernandes, mas não concluíram o curso.

Ambrosina acabou assumindo sua vocação poética e de Augusta não foi possível

encontrar maiores dados. Em 1883, Elisa Borges Ribeiro também se matriculou

nessa faculdade.

Elizabeth Rago, em artigo intitulado “A ruptura do mundo masculino da

medicina: médicas brasileiras no século XIX”, publicado no ano 2000 em Cadernos

de Pagu, revista que faz estudo de gêneros, retraça um histórico das mulheres que

se dedicaram aos cursos médicos no Brasil durante o século XIX, e é interessante

percebermos a sua análise nesse parágrafo da página 204: “Em meados do século

XIX, a oposição às mulheres que optavam pela medicina era muito maior do que

aquela feita em relação às profissões de menos prestígio, como a enfermagem e o

magistério.” (RAGO, 2000, p.204). Professoras no século XIX já existiam no Brasil,

mas mulheres ligadas à Medicina eram normalmente enfermeiras ou parteiras, não

existindo médicas formadas em escolas de nível superior até 1881, quando Maria

Augusta Generoso Estrela recebeu o diploma de médica pela universidade norte-

americana New York Medical College and Hospital for Women. (SILVA, 1954, p. 35-

36).

No ano de 1884, três jovens rio-grandenses se matricularam na Faculdade

de Medicina do Rio de Janeiro: Rita Lobato Velho Lopes, Ermelinda Lopes de

Vasconcellos e Antonieta Cesar Dias. Rita Lobato transferiu sua matrícula para a

Faculdade de Medicina da Bahia em 1885, onde concluiu o curso no ano de 1887,

conquistando o título de primeira médica formada em uma faculdade no Brasil, como

vemos comprovado no já citado livro de Alberto Silva. Ermelinda Lopes recebeu o

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título de segunda médica formada no Brasil em 1888, sendo a primeira a se formar

na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A tese de doutoramento de Rita

Lobato tem o título Paralelo entre os Métodos Preconizados na Operação Cezariana,

e a tese de Ermelinda Lopes possui o nome de Formas Clínicas das Meningites nas

Crianças – Diagnostico Diferencial. (SILVA, 1945, p.76-77).

Sobre a matrícula de Antonieta Dias, diz uma matéria de capa no jornal

Correio Mercantil de 22 de março de 1884 que ela já estava matriculada no curso de

Medicina. Só que, para ela, que tinha apenas 15 anos2 — a idade mínima era 18 —

não fora fácil conseguir autorização para se matricular na Faculdade: fez-se

necessária uma licença especial do Congresso, obtida através do deputado

Eleutério de Camargo (conforme Mario Osorio Magalhães em Opulência e Cultura,

livro publicado em 1993). Seu pai, Antonio Joaquim Dias, teria feito todos os

esforços para conseguir essa licença.

No livro de Alberto Silva é levantada a hipótese de grande concorrência

entre Rita Lobato e Antonieta Dias para conseguir o título de primeira médica do

Brasil, e esta concorrência seria estimulada por seus respectivos pais (o e Rita

chamava-se Francisco Lobato, e era charqueador em Pelotas) desde 1879, com a

aprovação da reforma, ou seja, cinco anos antes das alunas se matricularem no

curso. As duas futuras médicas haviam sido colegas na escola dos professores

Carlos André Laquintinie e Benjamim Amarante. Segundo Silva,

Os professores Laquintinie e Amarante receberam certa feita a seguinte ameaça do Sr. Antonio Joaquim Dias, escritor e jornalista pelotense, pai da aluna Antonieta Cesar Dias: ou eles dificultavam o estudo da aluna Rita Lobato ou ele Antonio Joaquim Dias, desmoralizaria o seu colégio pelo ‘Correio Mercantil’. Pretendia dar tempo à filha de galgar a dianteira da colega e matricular-se primeiro na Faculdade de Medicina do Rio. Tal, porém, não se deu porque Francisco Lopes transferiu a filha para Porto Alegre onde concluiu logo o curso. (SILVA, 1945, p. 88).

No entanto, o autor não mostra nenhuma prova documental do que afirma.

Magalhães acredita que as informações sobre o episódio sejam da própria Rita

Lobato. (MAGALHÃES, 1993, p.234). O livro escrito por Silva se utilizou das

2 Conforme cita Alberto Silva a respeito de Antonieta: “Era, entretanto, a mais moça das três, pois nascida em 1869, contava apenas 15 anos de idade ao iniciar o curso médico.” (SILVA, 1954, p.60)

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memórias de Rita, ainda viva durante a produção da obra. Muitos dados expostos no

livro provém de informações fornecidas pela própria médica. A justificativa usada

pelo autor para a produção do livro foi de conceder o título de primeira médica

formada em uma faculdade brasileira a Rita Lobato, pois conforme encontramos em

Barros Vidal, no livro Precursoras Brasileiras, de 1952, Ermelinda Lopes era

considerada dona deste título.

É importante perceber que todas estas primeiras médicas do Brasil

enfrentaram os preconceitos de sua sociedade e, como conclui Rago, essas

mulheres

(...) exerceram um papel histórico revolucionário se considerarmos que elas reverteram as pressões sociais ampliando o espaço público destinado às mulheres, demonstrando coragem, capacidade intelectual e se afirmando cada vez mais no campo através da competência. (RAGO, 2000, p.224)

Do pouco que sabemos, com precisão, em relação aos anos de faculdade

de Antonieta, é seguro afirmar que sua mãe, Cesária Dias era quem a

acompanhava, de início, na capital federal, mas só até que o final do ano de 1886,

quando veio a falecer. As dificuldades de pesquisa não nos permitiram saber as

causas da morte de Cesária. De acordo com matéria publicada no Correio Mercantil

de 10 de janeiro de 1890, o pai de Antonieta passou a acompanhá-la no Rio de

Janeiro, para que pudesse concluir o curso médico, após a morte de sua mãe.

Nessa mesma edição do jornal há uma relação de nomes de alguns professores que

Antonieta teve durante o curso: “(...) excelentes mestres como Feijó, Erico Coelho,

Brandão e Mme. Durocher.” (Correio Mercantil, 10 de janeiro de 1890, apud Correio

Paulistano, 24 de dezembro de 1889).

Enquanto a mãe de Antonieta viveu com ela no Rio de Janeiro, escrevia

cartas ao esposo que ficara em Pelotas. Em uma dessas cartas, redigida em 25 de

outubro de 1885, diz D. Cesária sobre a filha:

Antonieta está muito animada para os exames, talvez no dia 6 ou 7 de novembro, entre em fogo, tenha esperança que se sahirá muito bem, todos acham-na bem preparada.

Tem trabalhado muito, por que as materias deste anno são mui difficeis, o seu maior desejo é passar para o 3º anno e como tal regressar a Província para mostrar que a mulher tambem tem capacidade, para estudar, e tornar-se util a sua Patria e a

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19

humanidade. (Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS).

No Correio Mercantil de 29 de abril de 1886, a leitora (e escritora) Luiza

Cavalcanti Filha publica um artigo citando nomes de mulheres que estavam se

dedicando aos estudos neste período:

Julieta Monteiro, Revocata de Mello, Cândida Fortes, Cândida Isolina de Abreu, Honorina Torres – almas plenas de enthusiasmo e sensibilidade – Antonieta Cezar Dias – inspirada criança, que permuta as blandícias do lar pelo banco acadêmico, as magas ilusões da juventude pelo livro árduo da sciencia. (FILHA, Luiza Cavalcanti. Correio Mercantil, Pelotas, 29 de abril de 1886. In: GONÇALVES e PERES, 2007, p.10.)

Em 1887, enquanto Rita Lobato conquistava o título de primeira médica

formada no Brasil, o jornal A Ventarola, de 11 de dezembro, publicava na capa um

retrato de Antonieta Dias. (Fig. 1) E na página dois do jornal inseria uma matéria a

respeito da jovem, destacando seus méritos de estudante desde a infância e

lembrando ao público que a moça fora aprovada em todas as matérias do 4° ano do

curso de Medicina. Em companhia do pai, neste momento de férias Antonieta se

encontrava em Pelotas para repousar.

Antonieta Cezar DiasOrnamenta-se hoje a primeira página da Ventarola com o

retrato da jovem pelotense Antonieta Cezar Dias.Mostrando-se intelligentissima desde criança, educada com

todo esmero por seu progenitor e instruida por hábeis professores, conseguiu Antonieta Dias concluir os estudos preparatorios, matriculando-se, com apenas quinze annos, na Academia de Medicina da côrte.

Acaba de ser plenamente approvada em todas as materias que constituem o 4° anno medico. (A Ventarola, 11 de dezembro de 1887)

É possível perceber que o ano de 1889 foi muito significativo para a vida de

Antonieta (Fig. 2), justamente por ter sido o ano de sua conclusão de curso, de sua

formatura, e o ano de produção de sua tese, que a permitiu ser a terceira médica

formada no Brasil. Certamente uma vitória também conquistada por seu pai, com o

maior zelo possível. Os jornais rio-grandenses e fluminenses noticiaram amplamente

o ocorrido, desde a entrega da tese até sua aprovação e formatura.

Page 21: O pioneirismo de uma médica pelotense

20

A tese foi levada a vários jornais do Brasil por Antonieta, na companhia do

pai. Após receberem cópias, os jornais publicaram agradecimentos pelo presente e

parabenizaram a nova médica. As congratulações publicadas nos vários jornais se

estendem ao pai de Antonieta, citado na maioria das vezes junto ao nome de seu

jornal, Correio Mercantil.

Em 30 de agosto de 1889, Antonieta apresentou sua tese à Faculdade. O

trabalho recebeu o título de Hemorrhagias Puerperais, elaborada com o objetivo de

obtenção do título de Doutor em Medicina. (Fig. 3) Antes da apresentação da tese,

para que aprovasse todas as cadeiras finais do curso, foi necessário que realizasse

exames nas cadeiras de Toxicologia, Medicina Legal e Higiene. (Correio Mercantil,

24 de dezembro de 1889).

O tema das hemorragias puerperais foi estudado por Antonieta na cadeira

de Partos e Ginecologia. Hemorragia puerperal é uma perda superior a meio litro de

sangue durante ou após o momento de expulsão da placenta. (http://www.msd-

brazil.com/msd43/m_manual/mm_sec22_250.htm Disponível em 15 de janeiro de

2010).

O desenvolvimento da tese, de 71 páginas, foi realizado em três capítulos,

intitulando-se o primeiro Metrorrhagias dos seis primeiros mezes da prenhez; o

segundo, Metrorrhagias dos três últimos mezes da prenhez e o último Metrorrhagias

que complicam o delivramento. No corpo da tese, ainda, foi feito o histórico da

enfermidade, a explicação das causas da moléstia, citações, análise de opiniões e

casos para esclarecimento. (O Paiz, do Rio de Janeiro, apud Correio Mercantil, 4 de

janeiro de 1890)

Em 10 de setembro de 1889, o Correio Mercantil noticiou na capa a entrega

da tese por parte de Antonieta:

Antonieta Dias – A jovem rio-grandense D. Antonieta Cesar Dias, filha do proprietario d’esta folha, ja apresentou sua these de doutoramento á faculdade de medicina do Rio de Janeiro.

Escreveu sobre – Hemorrhagias Puerperaes –, ponto importantissimo e essencialmente pratico na especialidade a que sededica – partos e ginecologia. (Correio Mercantil, 10 de setembro de 1889)

Page 22: O pioneirismo de uma médica pelotense

21

Após três meses, no dia 17 de dezembro de 1889, foi publicada pela

primeira vez em Pelotas a notícia de que Antonieta já havia sido aprovada em seu

curso de Medicina. O Correio Mercantil, quase que diariamente, passou a

transcrever notícias publicadas em outros jornais a respeito do assunto e manter o

público pelotense informado da grande conquista de Antonieta Dias.

Mas os jornais do período são conflitantes com relação à data precisa de

defesa e aprovação da tese. No Correio Mercantil do dia 17 de dezembro de 1889,

afirma-se que o telegrama de aviso da aprovação da tese da de Antonieta datava do

dia 12 de dezembro. No jornal Onze de Junho, também de circulação local, consta

que “no dia 12 do corrente defendeu these perante a Faculdade de Medicina do Rio,

sendo plenamente approvada, a distincta estudante pelotense Exma. Sra. D.

Antonieta C. Dias...” (Onze de Junho, 19 de dezembro de 1889). Por sua vez,

porém, o jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, afirma que “Defendeu these hontem (11)

perante a respectiva comissão da faculdade de medicina, a jovem doutoranda D.

Antonieta Dias. (...) A sua defesa de these, que mereceu approvação plena, foi uma

revelação (...).” (O Paiz, 12 de dezembro de 1889 apud Correio Mercantil, 21 de

dezembro de 1889). É provável que o jornal Onze de Junho tenha se confundido

entre a data da aprovação e a data do recebimento em Pelotas do telegrama que

confirmava a aprovação. Sua defesa foi realizada certamente dia 11, pois no dia 12

o jornal carioca já dava notícia do acontecimento.

A colação de grau da jovem médica foi realizada no Rio de Janeiro em 22 de

dezembro de 1889. Com previsão de oito dias depois da cerimônia de colação de

grau, seria expedido a ela o título científico. (Correio Mercantil, 21 de dezembro de

1889). A respeito de sua formatura foi publicada a seguinte matéria:

Por telegramma, sabemos que ante-hontem, com as formalidades do estylo, recebeu o gráo de doutora em medicina pela faculdade do Rio de Janeiro, a nossa talentosa comprovinciana Sra. D. Antonieta Cezar Dias, filha do proprietário e diretor d’esta folha.(...)

De coração enviamos, tanto á illustre doutora como ao nosso amigo e collega os nossos sinceros parabens. (...) (Correio Mercantil, 24 de dezembro de 1889).

Page 23: O pioneirismo de uma médica pelotense

22

No dia 31 de dezembro de 1889, chegou a Pelotas a Dra. Antonieta Dias,

acompanhada do pai e do irmão. Seu irmão, Cesar Dias, no momento estava no 2°

ano do curso de Direito da academia de São Paulo. No jornal Correio Mercantil do

dia seguinte foi publicado este texto: “Por muitas distinctas familias e cavalheiros foi

hontem recebida na estação da estrada de ferro e acompanhada até a residência a

jovem doutora Antonieta Dias.” (Correio Mercantil, 1º de janeiro de 1890). Primeiro

chegaram a Rio Grande, onde jornalistas do Echo do Sul ofereceram-lhes um

almoço. Após a chegada em Pelotas, foi proporcionado à família um jantar no Hotel

Aliança, onde muitas pessoas da sociedade pelotense estiveram presentes. O jantar

foi oferecido pelo Sr. Fernando Negreira e se estendeu até à madrugada com

danças. As comemorações seguiram-se dia 1º de janeiro de 1890, quando seu

padrinho Fernando Osorio e sua esposa abriram sua casa para recepcionar e

festejar a conquista da Dra. Antonieta. Nesta casa, situada na Rua Quinze, defronte

à Catedral do Redentor, também “houve dança e banquete, sendo n’este

enthusiasticamente saudada a talentosa rio-grandense.” (Estado do Sul apud

Correio Mercantil, 16 de janeiro de 1890).

No jornal Vida Fluminense foi publicado um retrato da Dra. Antonieta,

segundo transcrição do Correio Mercantil de 10 de janeiro de 1890. Além da

imagem, há uma matéria de congratulação à doutora por ter combatido os

preconceitos de seus contemporâneos. Vemos o quanto foi lisonjeiro para ela haver

conquistado este título, que lhe trouxe dignas homenagens de vários periódicos e

uma excelente recepção em sua cidade natal.

* * *

Após todos os esforços do pai para que a filha conquistasse a vitória da

formatura, o próximo passo foi divulgar a tese e o título da agora Dra. Antonieta Dias

em todos os jornais a que teve acesso. Visitou em 1890 as redações dos jornais

gaúchos e cariocas, junto da filha, munido de uma cópia da tese e presenteando

com ela os redatores. Com certeza foi a forma que Antonio Dias elegeu de poder

divulgar o trabalho da filha e vê-lo definitivamente na mídia. Igualmente, foram

enviadas cópias da tese pelo correio às redações dos jornais de outras regiões. O

fato foi amplamente noticiado e no Correio Mercantil de Pelotas de 1889 e 1890 há

Page 24: O pioneirismo de uma médica pelotense

23

transcrições das matérias sobre a formatura e a tese da Dra. Antonieta que foram

publicadas nos jornais do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.

Em 4 de janeiro de 1890, foi publicado no Correio Mercantil um

agradecimento à atenção com que a imprensa do Rio de Janeiro recebeu um

exemplar da tese defendida por Antonieta, ao mesmo tempo explicando que o jornal

se sentia no dever de reproduzir os generosos conceitos desta mídia.

Em sua tese, Antonieta dedica o trabalho também à imprensa, dizendo: “À

imprensa rio-grandense – Agradeço os favores que sempre me dispensastes e

confio na tua protecção.” (Mercantil apud Correio Mercantil, 19 de janeiro de 1890).

E não era para menos. Afinal, se considerarmos apenas os jornais mencionados

pelo Correio Mercantil entre dezembro de 1889 e fevereiro de 1890, chegamos ao

número de 33 jornais gaúchos, 1 jornal paulista e 12 jornais cariocas com notícias

referentes a ela, totalizando 46 jornais diferentes nos três estados.

Há um texto escrito por uma mulher que demonstra o apoio oferecido a

Antonieta por algumas pessoas, principalmente aquelas que lutavam pela

independência feminina, e está publicado no jornal Família, do Rio de Janeiro:

A sua formatura traduz mais uma victoria para o sexo que representa, sobre os preconceitos brutaes da educação atrophiante, ainda, infelizmente em vigor.

Provando por todos os dotes intellectuais a competencia da mulher no concurso das profissões, de par com os homens, a formatura da Dra. Antonieta Dias vem reforçar tacitamente, o protesto mais vehemente contra as opiniões contrarias á nossa emancipação, ultimamente debatida até no theatro, de modo algumas vezes desairoso. (Família apud Correio Mercantil 10 de janeiro de 1890).

Mesmo em alguns textos publicados nos jornais em comemoração à

formatura de Antonieta, presenciamos expressões preconceituosas quanto às

mulheres, como por exemplo: “Antonieta Dias, como Rita Lobato e Ermelinda de

Vasconcelos, provam que no Rio Grande até o sexo fraco arca com todas as

dificuldades, simplesmente pelo desejo ardente de saber.” (Mercantil apud Correio

Mercantil, 19 de janeiro de 1890).

Page 25: O pioneirismo de uma médica pelotense

24

No ano de formatura de Antonieta, 1889, houve uma peça em cartaz no Rio

de Janeiro, chamada As Doutoras, escrita por Joaquim José de França Junior. Essa

peça era uma comédia com a tentativa de ridicularizar as médicas brasileiras.

(RAGO, 2000, 216). Vemos, assim, que nem todas as observações a respeito do

ingresso das mulheres no mundo da Medicina eram positivas, mas através dos

jornais pesquisados apenas foram encontrados elogios a Antonieta por sua

formatura. Sempre, porém, é importante lembrar que os jornais podem definir papéis

sociais e estabelecer relações de poder, em é feita uma representação do real com

um projeto da sociedade que eles tentam generalizar e fazer caminhos para

alcançá-lo. (VIEIRA, PEIXOTO, KHOURY, 1989, p.54-55).

Por isso, não sejamos ingênuos de acreditar que Antonieta não foi em algum

momento hostilizada. Em sua tese ela dedica a seguinte frase às suas colegas:

“Vencemos a resistência e o preconceito. Oxalá nos imitem o exemplo e compensem

o sacrifício”. (Correio do Povo do Rio de Janeiro apud Correio Mercantil, janeiro de

18903). Fica visível que não foram fáceis os anos de faculdade para aquelas

mulheres que no século XIX enfrentaram o preconceito e matricularam-se no ensino

superior. Coragem, força de vontade e resistência foram essenciais para que

concluíssem os estudos superiores.

3 Não foi possível visualizar a data deste jornal devido às más condições do mesmo.

Page 26: O pioneirismo de uma médica pelotense

25

2. Dra. Antonieta Dias Morpurgo

Neste capítulo serão abordadas informações referentes à vida e ao trabalho

da Dra. Antonieta Dias Morpurgo. Após sua formatura, em dezembro de 1889, a

jovem médica, ainda Antonieta Dias, ainda solteira, veio para Pelotas comemorar

sua vitória com amigos e familiares. Sendo muito bem recebida nesta cidade, em 22

de março inaugurou seu primeiro consultório, localizado à Rua São Miguel (atual

Quinze de Novembro), número 112.

Seu pai prontamente providenciou uma matéria do jornal Correio Mercantil

comunicando à sociedade pelotense que estava sendo inaugurado o gabinete de

consultas da Dra. Antonieta: “Tenho a honra de apresentar à sociedade pelotense,

na sua qualidade de médica pela Faculdade do Rio de Janeiro, minha filha Antonieta

Cesar Dias, que abre hoje seu consultório á rua S. Miguel n. 112.” (Correio

Mercantil, 22 de março de 1890). E com orgulho passa a descrever os méritos da

filha, afirmando que ela estava capacitada para exercer a profissão médica e

pedindo à sociedade que a acolhesse bem:

Embora suspeito para apreciar seus merecimentos scientificos, julgo do meu dever affirmar que durante o seu curso adquiriu os necessarios conhecimentos praticos e theoricos para exercer conscienciosamente a nobre profissão a que se consagra.

Durante os ultimos tres annos de estudos, frequentou diariamente as diversas enfermarias do hospital da Santa Casa de Misericordia do Rio de Janeiro e os consultorios da Polyclinica Geral, recebendo e aproveitando o mais possivel as lições dos illustres professores Feijó Junior, Eurico Coelho e Brandão, especialistas em partos e gynecologia, Martins Costa e Nuno de Andrade, clinica geral, visconde de Saboia e Lima Castro, operações, Moncorvo e Barata Ribeiro, molestias de creanças. – Particularmente, estudou tambem, durante dous annos, com a notavel e antiga parteira Mme. Durocher e com ela aprendeu em exercicios constantes o que a experiencia ensina em trabalhos de semelhante natureza.

Creio, portanto, que minha filha Antonieta Dias acha-se preparada para corresponder á confiança das distinctas familias

Page 27: O pioneirismo de uma médica pelotense

26

pelotenses, a quem a recommendo e de quem para ella solicito generoso acolhimento. (Correio Mercantil, 22 de março de 1890).

Podemos observar, por este artigo, que a única mulher a ministrar aulas a

Dra. Antonieta não era médica, mas parteira, ofício comum entre mulheres desde os

tempos mais remotos.

Após esta matéria, passou a aparecer no Correio Mercantil um anúncio com

horários de atendimento, especialidade e endereço do consultório da médica (Fig. 4)

Tal anúncio era publicado quase que diariamente e na maioria das vezes figurava na

capa do jornal. A especialidade médica escolhida pela Dra. Antonieta foi,

sintomaticamente, obstetrícia e ginecologia; atender à saúde da mulher foi desde o

início a sua escolha.

No dia 28 de março de 1890, surge um novo anúncio de atendimento da

Dra. Antonieta. Desta vez, é oferecida consulta gratuita aos pobres no consultório da

médica, mas com horário diferenciado: das 8h às 9 h, ao passo que a particulares

atendia das 13h às 15h.

Gratis aos pobres.Antonieta Dias, medica pela faculdade do Rio de Janeiro, dá

consultas grátis, a senhoras e creanças pobres, em seu consultorio á rua S. Miguel n.112, das 8 ás 9 horas da manha. (Correio Mercantil, 28 de março de 1890).

Um aspecto interessante dessa propaganda é que, diferentemente dos

outros médicos, continham a indicação da formação da Dra. Antonieta. Sendo a

única médica da cidade, havia necessidade de mostrar que também tivera formação

acadêmica e estava habilitada legalmente para atender à saúde da população.

Os atendimentos grátis aos pobres mudaram de endereço pouco depois, e

passaram a ser realizados no hospital da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas,

das 10h às 11h. Até o dia 11 de novembro, quando mudaram para o horário das 8h

às 9h. (Correio Mercantil, 3 de julho de 1890 e 11 de novembro de 1890). Seu

consultório também não permaneceu muito tempo no primeiro endereço, e em

setembro se transferiu para a Rua Felix da Cunha número 139, nas proximidades do

Clube Comercial. (Correio Mercantil, 11 de setembro de 1890). O local do primeiro

consultório da Dra. Antonieta ficou disponível para aluguel após a sua saída,

conforme mostra anúncio publicado em jornal: “ALUGA-SE o sobrado á rua S.

Page 28: O pioneirismo de uma médica pelotense

27

Miguel ns. 110 e 112, proprio para residência e escritorio.” (Correio Mercantil, 11 de

setembro de 1890).

Neste ano a Dra. Antonieta, através de suas consultas aos pobres, passou a

fazer parte do corpo médico da Santa Casa de Misericórdia, junto a médicos de

renome, como o Barão de Itapitocai – Dr. Miguel Rodrigues Barcelos –, Dr. Antonio

Augusto de Assumpção, Dr. Edmundo Berchon des Essarts, Dr. Antonio Francisco

da Rocha e Dr. Bruno Chaves. A respeito de seu trabalho, o Barão do Arroio Grande

– Francisco Antunes Gomes da Costa –, provedor do hospital, em seu relatório

referente ao período entre 1° de julho de 1889 e 31 de dezembro de 1890, faz

menção a Dra. Antonieta e ao seu trabalho:

A Exma. Sra. Dra. D. Antonietta Dias teve igualmente a gentileza de offerecer-se-nos para tomar a si as consultas gratuitas em favor das sras. e crianças desvalidas, o que agradecidos acceitamos, tendo ella com a maxima pontualidade e zelo desempenhado-se do seu generoso e expontaneo offerecimento. (Relatório de Administração hospital Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, 1889-1890).

De acordo com pesquisas feitas nos referidos relatórios, e diante dos dados

expostos no primeiro capítulo deste trabalho, chega-se à conclusão de que a Dra.

Antonieta Dias foi a primeira médica a trabalhar na Santa Casa de Misericórdia de

Pelotas.

Desde 1886, enquanto ainda estava na faculdade, a Dra. Antonieta

frequentava quotidianamente a Santa Casa do Rio de Janeiro. (Correio Paulistano

27 de dezembro de 1889 apud Correio Mercantil, 10 de janeiro de 1890). Chegando

a Pelotas, depois de formada, a Santa Casa local foi o primeiro hospital em que

trabalhou. Nos relatórios do hospital há registros de que seu pai havia feito doação

de 40$000 à Santa Casa entre os anos de 1881 e 1882, participando da lista de

benfeitores. Entre 1888 e 1889, o Correio Mercantil transferiu à instituição o valor de

20$000.

Em 1892, recebeu a Dra. Antonieta uma triste notícia. Seu pai havia falecido,

durante uma viagem no paquete Rio Pardo, no dia 8 de março. O destino da viagem

era Porto Alegre, com a intenção de deixar em um colégio de freiras de São

Leopoldo uma afilhada de 10 anos chamada Cezarlina Negreira, filha de Fernando

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28

Negreira. Este havia oferecido jantar à Dra. Antonieta no réveillon de 1889, conforme

descrito no primeiro capítulo, e certamente era muito amigo da família Dias.

O jornalista Antonio Joaquim Dias estava doente desde 1890. Seguindo

conselhos médicos, foi para o Rio de Janeiro, retornando a Pelotas em dezembro de

1891. Muitas foram as homenagens à sua memória publicadas no jornal fundado por

ele. No dia 15 de março, na Igreja Matriz, atualmente Catedral, foi realizada às 9h

uma missa de 7° dia. Sobre o caixão seus filhos depositaram uma coroa, com as

usuais palavras “Saudade eterna de seus filhos – Antonieta e Cesar.” (Correio

Mercantil, 10, 11 e 12 de março de 1892).

Foi Cesar Dias quem ficou responsável pelo jornal do pai após a sua morte.

Cesar recebeu a notícia de que era sucessor na propriedade do jornal através dos

redatores da folha, que prontamente lhe enviaram um telegrama, respondido da

seguinte forma: “Embarcarei familia quando possivel arranjos aqui. Dêem todas as

providencias, ficando obrigado pelas attenções. Confio tudo da vossa amizade e

espero que serão meus companheiros dedicados como foram de meu pai.” (Correio

Mercantil, 10 de março de 1892).

Não temos a data precisa em que a Dra. Antonieta mudou-se de Pelotas

para o Rio de Janeiro, transferindo inclusive seu consultório. Mas sem dúvida foi no

ano de 1891, e partiu acompanhada do pai e do irmão, que estudava direito em São

Paulo. (Correio Mercantil, 09 e 12 de março de 1892).

Na capital da República, a Dra. Antonieta casou-se com Eduardo Morpurgo

(fig. 5). Conforme aponta a matéria publicada no jornal carioca Rua do Ouvidor, em

17 de agosto de 1901, a Dra. Antonieta casou-se com Eduardo em 15 de novembro

de 1892. Após o casamento, passou a assinar-se Antonieta Dias Morpurgo.

Informações fornecidas pela escritora e pesquisadora Anamaria Nunes

Vieira Ferreira, após pesquisa no Relatório do Ministro do Interior, no Almanak

Laemmert, de 1891, dão conta de que Morpurgo naturalizou-se brasileiro entre 1889

e 1891. Nasceu em 1872 na Guiana Holandesa e foi o engenheiro responsável pela

iluminação da Avenida Central do Rio de Janeiro, durante a Reforma Pereira Passos

(1902-1906), que modificou vários aspectos desta avenida. Após a vinda para o

Brasil, conheceu a Dra. Antonieta Dias e com ela contraiu matrimônio.

Page 30: O pioneirismo de uma médica pelotense

29

No Dicionário das Famílias Brasileiras, há uma informação referente a

Eduardo Morpurgo dizendo que este teria se estabelecido no Rio de Janeiro em

1896, o que contrapõe os dados de seu casamento ter sido realizado em 1892. É

possível que este dicionário esteja com a data errada, pois já em 1889 e 1891 ele

naturalizou-se brasileiro e em 1892 casou-se.

Informações fornecidas, por telefone, pela bisneta da Dra. Antonieta, Cláudia

Maria Morpurgo Teixeira Álvares, indicam que Eduardo era um homem muito rico

por ocasião do casamento. Possuía cavalos de corrida, mas, em decorrência do

hábito de realizar apostas nos páreos do Jockey Clube, veio a perder sua fortuna. E,

conforme ainda Cláudia Morpurgo, faleceu empobrecido, poucos anos depois de sua

esposa.

O casal teve apenas um filho, o Dr. Admar Morpurgo (Fig. 6). Assim como a

mãe, especializou-se em ginecologia e obstetrícia. Foi coronel médico da Polícia

Militar, de acordo com informações de Cláudia e de Carlos Duarte. Este conheceu o

Dr. Admar por ser neto da madrinha do médico. Segundo informações de Anamaria

Nunes, o filho do casal nasceu em 16 de julho de 1897, contrapondo informações do

jornal Rua do Ouvidor, que assinala 16 de julho de 1894 como a data de seu

nascimento.

Em 24 de janeiro de 1893, o Asilo de Mendigos de Pelotas publicou no

Correio Mercantil notícias referentes às eleições para a sua diretoria. Encontra-se ali

o nome da Dra. Antonieta Dias como uma das Diretoras Internas concorrendo à

eleição em chapa única. A votação foi realizada no dia 26 de janeiro, no salão da

Praça do Comércio, atual Associação Comercial de Pelotas. No dia 02 de fevereiro,

por aclamação, ficou eleita a nova diretoria, que tomou posse no dia 5. Só não

conseguimos verificar, por ausência de informações, se a Dra. Antonieta esteve

presente nessa cerimônia.

Em 1896, na casa de Recolhimento Santa Rita de Cássia, localizada no Rio

de Janeiro, várias meninas foram abusadas e exploradas por Basílio de Moraes,

administrador da instituição. Ao desconfiarem da insalubridade a que as meninas

estavam sujeitas, os jornais locais passaram a publicar notícias a respeito da casa, e

Basílio foi acusado do crime de abuso sexual dessas meninas. Médicos foram

Page 31: O pioneirismo de uma médica pelotense

30

chamados para examiná-las. A Dra. Antonieta, consultada para examinar uma delas,

constatou que a menina havia sido deflorada. Algum tempo depois, ao serem todas

examinadas por outros médicos, foram encontradas no mesmo estado, concluindo-

se que Basílio, como único homem da casa, era responsável pelo crime. (SILVA,

2007, p. 125). Este caso nos chama a atenção para a exploração vivida por

mulheres no século XIX, mas também para a circunstância de que a Dra. Antonieta

atuava a favor dessas garotas que, ao invés de encontrarem apoio e moradia do

Recolhimento, eram exploradas e abusadas sexualmente.

Em 1901, o jornal Rua do Ouvidor, do Rio de Janeiro, publicou matéria

comentando que a Dra. Antonieta (Fig. 7) exercia a sua profissão em vários estados

do Brasil, entre eles Rio Grande do Sul, Minas e Espírito Santo. Demonstra que a

Dra. Antonieta mantinha viagens de estudo e trabalho não só por todo o Brasil, mas

por outros países da América e da Europa, de onde regressara nesse ano. (Rua do

Ouvidor, 17 de agosto de 1901).

Nos primeiros anos do século XX, a Dra. Antonieta realizou uma viagem

para a França, e de Paris trouxe um folheto sobre incubadoras da marca Lion.

Chegando ao Brasil, forneceu este folheto para maternidades do Rio de Janeiro, que

não possuíam ainda o material. Em parceria com o Dr. Jaime Silvado, pesquisou os

resultados obtidos com essas incubadoras no tratamento de bebês prematuros e,

seguindo orientação dos médicos, o Dispensário Moncorvo adquiriu duas

incubadoras em 1903. A Dra. Antonieta e o Dr. Jaime foram responsáveis por trazer

estes aparelhos para as maternidades cariocas, ampliando as possibilidades de

cuidado aos prematuros, pela possibilidade de mantê-los aquecidos nessas

incubadoras, e permitindo a produção de incubadoras no próprio país. (OLIVEIRA,

2004, p.461 e p.465)

O pioneirismo da Dra. Antonieta na Medicina pode ser constatado ainda ao

analisarmos sua participação como secretária na diretoria provisória da Cruz

Vermelha, quando de sua instalação no Brasil, entre 1907 e 1908. Nesta diretoria ela

foi a única mulher, e atuou ao lado do Dr. Oswaldo Cruz, presidente provisório.

Como secretário, estava o Dr. Jaime Silvado, que com ela fez as pesquisas, já

citadas, sobre as incubadoras. (http://www.cruzvermelhani.org.br/cvbr.htm

Disponível em 04 de janeiro de 2010.)

Page 32: O pioneirismo de uma médica pelotense

31

Nas pesquisas de Anamaria Nunes encontramos outra ligação da Dra.

Antonieta com a Cruz Vermelha, ela teria sido a fundadora do Hospital da Cruz

Vermelha na cidade de Lavras, no Rio Grande do Sul. As pesquisas de Anamaria

foram realizadas através de consulta a familiares, livros, jornais. Também teve

acesso à tese defendida por Antonieta em 1889.

A Dra. Antonieta também se envolveu em pesquisas sobre doenças

venéreas em crianças. A princípio, constatando-se a incidência desta moléstia em

crianças, suspeitava-se de defloração, mas após as pesquisas do Dr. Nina

Rodrigues passou-se a pensar que muitas dessas doenças podiam ser transmitidas

pela mãe durante o parto. Seguindo os estudos do Dr. Nina Rodrigues, a Dra.

Antonieta, em 1908, também realizou observações sobre o tema, o que foi

favorecido pelo avanço das técnicas laboratoriais. (ANTUNES, 1999, p.85-86).

Em 1913, a Dra. Antonieta escreveu um artigo intitulado Assistência

obstétrica domiciliaria, publicando-o na Revista de Ginecologia e d’Obstetrícia. Essa

revista era um periódico de especialidades médicas e, de acordo com Freitas, era

também um espaço de

...construção de conhecimento e de legitimação de saberes que reúne profissionais habilitados congregados numa classe. Logo, não é um lugar destinado a qualquer um. Segue um regimento e uma lógica própria (...). Por mais que os artigos escritos por mulheres sejam raros na revista ora analisada, constam os nomes da Dra. Antonieta Morpurgo, da Sociedade de Medicina e Cirurgia e a Mme. E. Morand, Ex. Assistente da Faculdade do Rio de Janeiro.(FREITAS, 2005, p.89).

Percebemos que a Dra. Antonieta, durante sua carreira médica, nunca

deixou os estudos de lado, sempre realizando novas pesquisas e se envolvendo em

tarefas nas quais, muitas vezes, acabava sendo a única mulher, mantendo a

coragem necessária para vencer os preconceitos que seu sexo lhe estabelecia

dentro da sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XIX.

Pelo menos desde 1909, a Dra. Antonieta já palestrava sobre o tema da

assistência obstétrica a domicílio, e participou do Quarto Congresso Médico Latino-

Americano, realizado no Rio de Janeiro do dia 1ª ao dia 8 de agosto, apresentando

uma comunicação com o título de Assistência obstétrica domiciliar, dentro da seção

referente à Higiene, Climatologia, Demografia e Assistência Pública. O Congresso

Page 33: O pioneirismo de uma médica pelotense

32

reuniu mais de 1500 pessoas de várias nacionalidades. Além de brasileiros, havia

inscritos provenientes da Argentina, do Uruguai, do Chile, do Paraguai, da Bolívia,

da Venezuela, do Equador, do Haiti, do Panamá e do México. (Fig. 8 e 9).

A respeito do falecimento de Dra. Antonieta Dias Morpurgo, não foram

encontrados dados muito precisos. Segundo Alberto Silva, ela teria falecido em 1920

(SILVA, 1954, p.61). Já as pesquisas de Anamaria apontam para o ano de 1917. No

relatório de administração do hospital Santa Casa de Misericórdia de Pelotas,

referente ao biênio 1917 e 1918, vemos pela última vez o nome da Dra. Antonieta

Dias no relatório das Irmãs sobrevivas4. No relatório seguinte, escrito pelo provedor

Dr. Bruno Chaves, referente ao biênio 1919 e 1920, não aparece mais o nome da

Dra. Antonieta entre as irmãs sobrevivas, mas também não aparece seu nome em

meio aos irmãos falecidos nesse período. Cláudia Morpurgo, bisneta de Antonieta,

ao questionar sua mãe, neta de Antonieta, revela que sua bisavó teria falecido em

decorrência de problemas cardíacos.

Antes do casamento do filho, a Dra. Antonieta viajou para Belo Horizonte,

Minas Gerais, onde visitou a faculdade de Medicina da cidade e foi recebida por

Alzira Nogueira Reis, única mulher estudante de medicina daquela faculdade. Na

viagem Antonieta foi acompanhada por seu filho Admar e por Joaquim Vieira

Ferreira Neto, irmão da futura esposa de seu filho, Thereza. Joaquim tinha 18 anos e

era estudante de Direito, palestrou sobre Filosofia e Psicologia e nessa ocasião

conheceu Alzira, sua futura esposa.

Em 1969, após a morte do Dr. Admar, Alzira escreveu uma carta para

Antonieta Morpurgo, filha do Dr. Admar, dizendo ter sentido profundamente a morte

do doutor, informando que em breve pretendia visitá-la e comentando o momento

em que conheceu seu marido, por intermédio da Dra. Antonieta.

“Não sei se você sabe que conheci Vieira através da Dra. Antonieta e do Morpurgo, em Belo Horizonte. Era eu estudante de Medicina e meu professor de cirurgia, Dr. Borges da Costa, incumbiu-me de convidar a Dra. Morpurgo a visitar a nossa

4 O Relatório de Irmãs e Irmãos sobrevivos era publicado junto aos relatórios de administração do hospital da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Havia também em todos estes relatórios uma relação dos irmãos e irmãs falecidos no biênio correspondente desta descrição.

Page 34: O pioneirismo de uma médica pelotense

33

faculdade. Na pensão quem me recebeu primeiro foi Vieira, cuja palestra sobre filosofia e psicologia prendeu-me logo a atenção. Nessa noite, num cinema, Vieira falou-me em casamento, e lá então,contrariando-me, a Dra. Brincou: ‘isso é filosofia ou namorosofia?’” (Disponível em http://notaveisdafamilia.blogspot.com/2009/01/alzira-nogueira-reis-1-parte.html )

A Dra. Alzira Nogueira Reis foi a primeira médica a se formar no estado de

Minas Gerais e primeira mulher a votar no Brasil. Formou-se em 1920 pela

Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e atuou na luta

contra a hanseníase.

Considerando as informações fornecidas por Anamaria Nunes, Carlos

Duarte e Cláudia Morpurgo, sabe-se que o filho da Dra. Antonieta e de Eduardo

Morpurgo, Dr. Admar Morpurgo, casou-se com Thereza de Jesus Maria Vieira

Ferreira em 1919 (Fig. 10). Faleceu em 1969 e deixou dois filhos, Antonieta

Inocência Vieira Ferreira Morpurgo e Augusto Comte Vieira Ferreira Morpurgo. O Dr.

Admar possuía ligação muito grande com a mãe, e isso é visível quando se constata

o mesmo nome da terceira médica do Brasil em uma de suas filhas. Ele também era

colecionador e pintor, tendo morado no bairro São Francisco, em Niterói.

Colecionava armas antigas, como espadas, sabres e lanças, e até uma armadura e

também objetos do mar, como estrelas do mar, crustáceos etc. Foi médico da

Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, enquanto Niterói foi capital. Foi

testemunha do nascimento de um filho de Orestes Barbosa – jornalista, cronista e

poeta, autor da letra de Chão de Estrelas, com melodia de Sílvio Caldas. Recebeu

de a seguinte dedicatória, em forma de poema:

“Chegou Maio a sorrir nas corolas das flores!

É a festa vegetal com harmonias e pompas.

Maio é o mês musical dos bardos sonhadores!...”(DIDIER, 2005, p.112).

As pesquisas a respeito da Dra. Antonieta carecem de materiais

documentais que comprovem determinados fatos, como datas de nascimento e de

falecimento. Este trabalho se torna importante por mostrar o valor desta médica

pelotense, não só por ter sido a terceira médica formada no Brasil, mas também por

ter atuado intensamente na sua profissão depois de formada, superando

preconceitos e demonstrando sempre ter coragem.

Page 35: O pioneirismo de uma médica pelotense

34

Como a história de Dra. Antonieta se divide entre Pelotas e Rio de Janeiro, a

pesquisa a respeito de sua vida em Pelotas é mais rica de fontes, até porque este

trabalho é realizado nesta cidade. Já as pesquisas sobre o trabalho da Dra.

Antonieta no Rio de Janeiro foram dificultadas pela distância entre as cidades,

dependendo do auxílio daqueles que possuem alguma memória sobre a terceira

médica formada no Brasil.

Page 36: O pioneirismo de uma médica pelotense

35

Conclusão

Após a finalização das pesquisas a respeito da Dra. Antonieta Dias

Morpurgo, podemos afirmar que ela não foi apenas importante por ter sido a terceira

médica formada no Brasil, mas também pela sua forte atuação dentro da área

médica após a sua formatura.

Os seus estudos iniciais foram completados no Rio Grande do Sul. Em 1884,

matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Nos primeiros anos foi

acompanhada pela mãe naquela cidade, e depois da morte de Cesária Dias seu pai,

Antonio Joaquim Dias, esteve presente até a sua formatura, em 1889. Antonieta

concluiu o curso médico sem ter repetido nenhum ano e para ela não foi possível ser

a primeira médica devido às dificuldades oriundas da pouca idade com que

ingressou na faculdade, apenas 15 anos. Após a sua formatura, voltou a Pelotas,

onde fora muito bem recebida.

Em 1890, abriu seu primeiro consultório e atendeu aos mais humildes na

Santa Casa de Misericórdia. A seguir partiu para o Rio de Janeiro transferindo para

aquela cidade o seu consultório. Seguiu clinicando, participando de congressos,

concluiu pesquisas, etc. Casou-se com o engenheiro Eduardo Morpurgo, com quem

teve um filho, o também médico Dr. Admar Morpurgo.

Ao descobrirmos sua intensa atuação depois de formada, nossa reação foi

de surpresa, pois ela sempre esteve presente na Medicina, atendendo seus

pacientes e prosseguindo os seus estudos. Foi a Paris e de lá trouxe folhetos das

incubadoras Lions que motivaram o Dispensário Moncorvo a adquirir 2 incubadoras

para os cuidados aos bebês prematuros; foi membro da primeira diretoria provisória

da Cruz Vermelha no Brasil e desempenhou muitas outras atividades, algumas

citadas aqui e outras ainda não descobertas.

Page 37: O pioneirismo de uma médica pelotense

36

Referências Bibliográficas

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DIDIER, Carlos. Orestes Barbosa: repórter, cronista e poeta. Rio de

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614p.

MAGALHÃES, Mario Osório. Opulência e Cultura na Província de São

Pedro do Rio Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas (1860-

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MORPURGO. In: BARATA, Carlos E. A.; BUENO, Antonio H. C. Dicionário

das famílias brasileiras. V.2. São Paulo: Árvore da Terra, S.d.1563p.

MORPURGO. In: BARATA, Carlos E. A.; BUENO, Antonio H. C. Dicionário

das famílias brasileiras. V.2 Tomo 2. São Paulo: Árvore da Terra, 2001. 1530p.

Page 38: O pioneirismo de uma médica pelotense

37

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NUNES, Antonietta De Aguiar. Uma avançada proposta de reforma

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OLIVEIRA, Isabel Cristina dos Santos. O advento das incubadoras e os

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VIDAL, Barros. Precursoras Brasileiras. Rio de Janeiro: A Noite Editora,

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Page 39: O pioneirismo de uma médica pelotense

38

Fontes Primárias

Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS – Fundo 50:

MD. Antonieta Cesar Dias - ACD

A Ventarola (1887) Pelotas, Rio Grande do Sul. (Caixa AP 214) Acervo:

Arquivo Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense.

Correio Mercantil (1881 – 1897) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV

– Bibliotheca Pública Pelotense.

Diário Popular (1897 – 1920) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV –

Bibliotheca Pública Pelotense.

Jornal do Comércio (1881) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV –

Bibliotheca Pública Pelotense.

Onze de Junho (1889) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV –

Bibliotheca Pública Pelotense.

Relatórios de Administração (1862 – 1920) do hospital Santa Casa de

Misericórdia de Pelotas. Fundos: ASCP 1A01; ASCP 1A02; ASCP 1A03; ASCP

1A04. Acervo: Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas

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39

FIGURAS

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40

Fig. 1 – Antonieta Dias.

Fonte: A Ventarola de 11 de dezembro de 1887.

Fig. 2 – Antonieta Dias em foto de 1889.

Fonte: Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS

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41

Fig. 3 – Tese defendida por Antonieta Cesar Dias em 1889.

Fonte: Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS

Fig. 4 – Anúncio publicado no Correio Mercantil em 1890.

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42

Fig. 5 – Engenheiro Eduardo Morpurgo, esposo da Dra. Antonieta.

Fonte: Acervo de Anamaria Nunes.

Fig. 6 – Eduardo Morpurgo, Admar Morpurgo e Antonieta Morpurgo.

Fonte: Acervo Anamaria Nunes.

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43

Fig. 7 – Dra. Antonieta Dias Morpurgo.

Fonte: Rua do Ouvidor 17 de agosto de 1901.

Fig. 8 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909.

Disponível em

http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/803/786

Page 45: O pioneirismo de uma médica pelotense

44

Fig. 9 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909.

Disponível em

http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/803/786

Fig. 10 – Dr. Admar Morpurgo e Thereza de Jesus Maria Vieira Ferreira.

Fonte: Acervo Anamaria Nunes.

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45

ANEXOS

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46

ANEXO I

Correio Mercantil, 31 de julho de 1881.

Ilm. Sr. Heráclito Camargo,Tendo V.S. no jornal de hoje, notado alguns erros em diversos trechos de

um artigo escripto por meu distincto e illustrado professor, o Sr. Bibiano Francisco de Almeida, erros esses, uns grammaticaes, outros de lingüística, com os quais eu não concordo, peço-lhe permissão para analysar, como entendo, os mesmos trechos, afim de demonstrar, que em minha fraca opinião, é V.S. quem está em erro.

1° período:<< Quando na opulenta e luminosa encyclopedia de obras didacticas

brasileiras, appareceu, etc.>>Pergunta V.S. o que quer dizer encyclopedia de obras.Respondo:ENCYCLOPEDIA, s.f. (de encyclia, e do grego paideo). Sciencia universao;

encadeamento de todas as sciencias.- Corpo didactivo de todas as artes e sciencias que se ensinam. – Livro que

as contém, obra que trata d’ellas. (Dr. Fr. Domingos Vieira).___

2° período:<<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilário não presta, e que

pouco se me dá que o meu seja por elle substituído.>>Pergunta V.S.<<Por elle quem? Pelo Sr. Hilario?Não, Sr.: Por elle, compendio.Analyso o período:1ª oração – Aqui concluo repetindo – é a oração principal, porque não só

exprime o juízo fundamental, como também porque a Ella se prendem todas as outras.

2ª, Que o compendio do Sr. Hilario não presta – é uma oração complementar objetiva, porque está servindo de complemento objectivo ao particípio repetindo;

3ª, E que pouco se me dá – é outra oração complementar subjectiva, por estar servindo de complemento objectico ao particípio repetindo;

4ª, Que o meu seja por elle substituído - é oração complementar subjectiva,por estar servindo de sujeito ao verbo da oração precedente.

Decomposição das orações, exame de seus termos essenciaes e dos mais complementos ou acessórios que n’ellas concorrem:

1ª oração. – Sujeito – eu; verbo concluo; o particípio repetindo é opposto ao sujeito.

3ª Sujeito – o compendio; complemento restrictivo pertencente ao substantivo compendio, do Sr. Hilario; verbo, presta;

4ª Sujeito – a oração seguinte; verbo, se dá; (importa) complemento terminativo me (a mim;)

4ª Sujeito – o meu, (compendio); verbo, seja substituído; complemento terminativo necessário, por elle (compendio;)

Em ordem:

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47

Aqui concluo eu repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que pouco se me dá (ou pouco me importa) que o meu (compendio) seja substituido por elle (compendio ou pelo compendio do Sr. Hilario.)

___3° período:<<O Illm. Sr. Dr. T. Abbott, moço honesto e de uma intelligencia superior,

soube evitar a astucia de meia dúzia de ensinadores ignorantes, invejosos e improductivos, que levantaram tendas da conspiração, etc.>>

Pergunta ao Sr. Heraclito o que quis dizer o Sr. Bibiano usando da figura tendas da conspiração?

Responde o Fr. Domingos Vieira:<<TENDA: Casa de vender viveres.<<TENDA: Levantar as tendas, armal-as para pousar, abarracar-se.<<TENDA INTEIRA: Tenda armada.<<TENDA de myrtos, de jasmins.<<TENDA: barraca de campanha. –E a elle lhe pareceo isto bem, para o que mandou logo chamar a mayor

parte dos nobres, e o fez ajuntar no campo em que estavão as tendas, onde em voz de cima de um Cavallo, lhes fez uma falla, em que lhes declarou a razão para que ali farão juntos, e sobre ella se altercou um grande espaço, com tanta variedade de pareceres, que por então se não pôde tomar conclusão em cousa alguma>> (Fernão Mendes Pintor Peregrinações, cap. 118.)

CONSPIRAÇÃO, s.f. (Lat. Conspiratioonis) conjuração, empreza occulta contra o estado ou contra o legitimo governo; trama, união de varias pessoas contra outra: - (fig) concurso de causas, de acções, ex. <<a indulgencia para com o vicio é uma – contra virtude>>; consenso; união, acção de concorrer para o mesmo fim.

<<Syn. Comp. Conspiração denota acôrdo de vontades, de sentimentos entre os conspiradores e um abjeto commum, dirigido por um ou mais chefes, contra instituições ou contra pessoa ou pessoas por numero considerável de sócios. (Corrêa Lacerda)

Temos, pois, por esta figura, que diversos conspiradores (ensinadores, ignorantes, invejosos e improductivos) se reuniram e levantaram tendas de conspiração contra o Sr. Bibiano.

___4° período:<<Um livro de escola deve avantajar se pela clareza, principalmente se,

como o do mestre, é destinado ás classes elementares.>>Acha o Sr. Heraclito que é isto uma boa lembrança e excellente portuguez.E é – excellente portuguez e bellisimo pensamento: O livro destinado ás

classes elementares, isto é, ás classes que aprendem, que principiam deve avantajar-se, recommenda-se - ,pela clareza.

___5° período:<<É tempo de deixarmos a pag. 33. Passemos pela pag. 34, onde

encontraremos ainda a família pronominal: Apertemo-LHES (!) as mãos e sigamos.>>

Perdão, Sr. Camargo,V.S. enganou-se na transcripção d’aquelle período.Lá não está apertemo-LHES. O que se encontra na 2ª columna, 3ª pag. do

Correio Mercantil de 28 de julho é o seguinte:

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48

<<É tempo de deixarmos a pag. 33. Passemos pela pag. 34, onde encontraremos ainda a família pronominal, APERTEMOS-LHE as mãos e sigamos.>>

Peço desculpa ao Ilm. Sr. Heraclito Camargo.Pelotas, Julho 30.Antonieta Dias.

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ANEXO II

Jornal do Comércio, 02 de agosto de 1881.

A pedido,Como resposta à menina Antonieta Dias discípula do ex-professor pulbico

Bibiano Francisco de Almeida e filha do Sr. Antonio Joaquim Dias, proprietário e redactor do Correio Mercantil.

Gentil menina, Ora, para que te metteste em camiza de onze varas, – tu, uma menina que,

bem encaminhada, pódes apparecer com alguma distincção entre o teu sexo!É verdade que a culpa não é tua, meu amor, porque teu pai tem tão pouco

juizo que não duvidou confiar o desenvolvimento de tua mentalidade infantil ao es-professor publico Bibiano Francisco de Almeida, mas, apesar d’isso, reveste-se de paciencia para ouvires algumas lições.

E que isto sirva-te de exemplo, para não te metteres outra vez em assumpto alheio aos enfeites das tuas bonecas.

Deixando mais para adiante alguns conselhos que preciso darte, abordo sem mais preambulos o que escreveu o teu encyclopedico professor no jornal de teu pai e que tu inconscientemente assignaste.

___Em má hora citou elle o sempre respeitavel Fr. Domingos Vieira, que

justamente veio deixar patentes as asneirolas publicadas com teu nome.Vejamos, segundo Fr. Domingos Vieira, a que fica reduzida uma das

expressões bibianicas:1° – ENCYCLOPEDIA: s f. Sciencia universal.Logo, o trecho do teu professor deve entender-se assim:<<Quando na opulenta e luminosa sciencia universal de obras didacticas,

etc!>>Asneira no caso, não é verdade, querida?2° – ENCYCLOPEDIA: encadeamento de todas as sciencias.Segundo o teu luminoso mestre, dirão os seus discípulos (...):<<Quando na luminosa e opulenta encadeamento de todas as sciencias de

obras didacticas, etc!>>Bobage incontestavel.3° – ENCYCLOPEDIA: corpo didactico de todas as artes e sciencias que se

ensinam.Substituindo a palavra encyclopedia, ficará assim o que escreveu o teu

incommensurabilissimo professor:<< Quando no opulento e luminoso corpo didactico de todas as artes e

sciencias DE OBRAS DIDACTICAS, etc.!>>Has de convir que só o teu sapientissimo professor seria capaz de fazer-te

subscrever semelhante desproposito!4° – ENCYCLOPEDIA: livro que contém todas as sciencias e artes que se

ensinam.Como quer o teu assombroso professor, teremos mais esta tolice:<<Quando no opulento e luminoso LIVRO que contém todas as sciencias e

artes que se ensinam, isto é, no livro de obras didacticas, etc.!>>

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50

Pois não é verdade, minha amiguinha, que Fr. Domingos Vieira diz que encyclopedia significa OBRA que trata das sciencias, etc.?

Ahi está, pois, a bestialidade do teu professor a entrar pelos olhos de um cego.

O que deves ficar sabendo é que se diz:<<Este livro é uma luminosa e opulenta encyclopedia!>>Ora, se a palavra ENCYCLOPEDIA significa obra que trata das sciencias,

etc.; livro que contem as sciencias, etc.; está patente a grande asneiras escrita pelo teu professor.

___Diz mais o teu fecundo mestre:<<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que

pouco se me dá que o meu seja PELO D’ELLE substituido>> e, não POR ELLE substituido.

Queres saber a que fica reduzida a rematada tolice do professor charlatã?Attende:<<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que

pouco se me dá (1) que o meu (2) compendio seja por elle Hilario substituido.>>Mas, admittindo que seja por elle compendio, não haverá ahi um portugues

macarronico?Isto não admitte duvida, e só mesmo um Bibiano poderia ensinar-te taes

disparates.___

Quanto á phrase – tendas de conspiração, apenas deixa ver que o teu professor já falhou um dia o diccionario de Fr. Domingos Vieira, porém que não comprehendeu o que lá estava escripto.

As conspirações fazem-se occultamente, e portanto nenhum conspirador se lembraria de armar tendas...

Tendas de guerra – é o que deveria escrever o alarve.___

Trataremos de outra sandice do teu ensigne professor, que disse:<<Um livro de ESCOLA deve avantajar se pela clareza (cousa que o Bibiano

Francisco nunca observou escrevendo e fallando), principalmente se, como o do mestre, é destinado ás CLASSES ELEMENTARES.>>

No entanto, tu, sempre ingenua, exclamaste:<<E é excelente portuguez e BELLISSIMO PENSAMENTO!>>

___Sobre o tal LHES, digo-te apenas:Recorre de novo ao jornal de teu papai e lá encontrarás – apertamo-LHES

as mãos, em referencia á familia pronominal.Eu não constumo mentir nem calumniar, pois não posso fazer concorrencia

ao teu professor.E, se teimares sobre este ponto, obrigo-me a expor em uma vitrine o numero

do Correio Mercantil em que está escripto o destampatorio bibianico.___

Concluo com os conselhos prometidos:Uma vez que teu pai, apezar de jornalista, não se lembra que para testas de

ferro são sempre escolhidos os Deus Te Livre e Zés Pereiras, conchega-te ao seio do anjo do lar, d’essa creatura sublime que nos cérca de affectos, que sente as nossas dores e experimenta as nossas alegrias, e foge do contacto venenoso

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d’aquelle que está muito longe de comprehender a sagrada missão de preceptor da infancia.

Os máos exemplos, filha, são um perigo enorme para as crianças, e tu és digna de um bello destino!

Um discipulo de Janet.Pelotas – 1881.

(1) Este se me dá tem muita graça!(2) Comeu o que? Bebeu é o que devia dize o tal Bibiano.

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ANEXO III

Correio Mercantil, 03 de agosto de 1881.

HÁ HOMENS PARA TUDONa secção – A pedidos- do Jornal do Commercio de sabbado ultimo, o Sr.

Heraclito Camargo, director de uma das aulas publicadas d’esta cidade, apresentou um escripto relativo á questão grammatical discutida entre os Srs. Bibiano Francisco de Almeida e Hilario Ribeiro, no qual (escripto) o Sr. Camargo notava diversos erros de officio em um artigo publicado pelo Sr. Bibiano de Almeida.

Minha filha, Antonieta Dias, que aprende com o Sr. Bibiano de Almeida differentes matérias do curso de preparatórios, lendo o escripto do Sr. Camargo e querendo prestar homenagem de apreço ao seu distincto e illustrado professor, manifestou-me desejos de contestar a opinião do Sr. Camargo na parte que se referia a grammatica portugueza, em que se julga, se não autoridade ainda, porque apenas conta 12 annos de idade e cinco de estudos, pelo menos regularmente adiantada.

Como se tratava de uma questão de exercícios na língua vernácula, e mais – de uma fineza ao mestre, annui aos seus desejos, e a contestação do escripto do Sr. Heraclito Camargo, boa ou não, foi publicada no Correio Mercantil de domingo passado com a assignatura de minha filha.

N’esta contestação, não havia o menos vislumbre de offensa ao Sr. Camargo, nem podia haver, porque partia de uma menina que tem um futuro a respeitar.

Entretanto...A minha filha (admirem esta coragem!) foi chamada hontem, em letra

redonda – testa de ferro!Sim, n’uma publicação anonyma estampada no Jornal do Commercio com o

pseudonymo Um discípulo de Jeanet, disse-se que o Sr. Bibiano fabricára o escripto em resposta ao Sr. Camargo e que minha filha lhe apresentara sua assignatura!

Semelhante infâmia, se mesmo um anonymo, algum desprezível parasita dos cofres públicos, podia articular, em letra redonda.

Felizmente, eu podia destruil-a, reduzir á expressão mais simples, porque nada menos de três cavalheiros distinctos e habilitados no assumpto, vindo casualmente ao meu escriptorio com o Sr. Bibiano, viram o trabalho de minha filha quando já estava na composição, seriam 11 horas do dia.

Mas não o faço, porque tanto não preciso, salvo se o anonymo Jeanet, que não é discípulo, bem o conheço, que se inculca mestre, deixar cahir a mascara e apresentar-se tal qual é.

Se com effeito ó um homem, um cavalheiro, que tenha um nome a zelar, e n’este nome algum credito, se não é algum charlatão ou especulador ou especulador, aceite o convite, deixe as trevas, venha p’ra luz, porque não só lhe provarei que minha filha não fez o papel triste de testa de ferro, como a convidarei a certificar-se das suas habilitações e talvez a sentar-se com ella a uma mesa de exame em portuguez.

Quanto ao Sr. Heraclito Camargo, lamento profundamente que se fizesse substituir por um anonymo em questão grammatical com um menina de 12 annos, e

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por essa maneira,que dispenso qualificar, corresponder-se á delizadeza com que foi tratado.

Concluindo, declaro que fica na Bibliotheca Publica, á disposição de todos, o Correio Mercantil de 30 do passado, para provar que o Sr. Heraclito Camargo e o anonymo seu substituto faltaram com a verdade e falsificaram um período de um artigo do Sr. Bibiano de Almeida afim de lhe notarem um erro de grammatica.

Agosto 2.A. J. Dias.