EMBRAER BANDEIRANTE 40 ANOS DE PIONEIRISMO

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EMBRAER BANDEIRANTE 40 ANOS DE PIONEIRISMO Roberto Portella Bertazzo, Bacharel em História pela UFJF, Membro da Sociedade Latino Americana de Historiadores Aeronáuticos (LAAHS) e Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”da UFJF. [email protected] No início da década de sessenta, o principal transporte leve da FAB era o Beechcraft D-18, que já estava no fim de sua vida útil. Um substituto deveria ser encontrado, mas no Brasil daquela época, a possibilidade de um avião nacional, maior que um treinador primário, não era sequer considerado. Quando assumiu o Departamento de Aeronaves (PAR), subordinado ao Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), o Major Aviador Engenheiro Ozires Silva viu a possibilidade de concretizar o seu antigo sonho de construir aeronaves no Brasil. Em março de 1964, Ozires se reuniu com José Carlos de Barros Neiva (Presidente da Indústria Aeronáutica Neiva) e o projetista francês Max Holste, que tinha planos de trabalhar no Brasil, mas Barros Neiva considerava que as empresas privadas não poderiam desenvolver novas aeronaves a curto prazo. Holste, que já havia projetado o avião Broussard e o Nord 262, tinha a intenção de desenvolver em princípio um monomotor de asa alta, com motor à pistão para até seis passageiros. Porém, Ozires tinha em seu poder estudos que indicavam que o mercado brasileiro demandava um avião de transporte de maiores dimensões, que atendesse com eficiência as cidades que haviam deixado de ser servidas pelo transporte aéreo regular. Ambos concordaram que essa aeronave deveria ser pelo menos equipada com motores turbo-hélice e com capacidade de transportar de nove a doze passageiros. A contratação de Max Holste foi financiada por um projeto que pretendia instalar motores turbo-hélice nos North American T-6 da frota da FAB. A intenção era projetar um avião para o qual deveria haver compradores e poucos concorrentes. A autorização para a execução do projeto IPD 6504 foi dada pelo Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, em 25 de junho de 1965, com a condição de que o projeto seria executado sem verbas adicionais.

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EMBRAER BANDEIRANTE 40 ANOS DE PIONEIRISMO

Roberto Portella Bertazzo, Bacharel em História pela UFJF, Membro da Sociedade Latino

Americana de Historiadores Aeronáuticos (LAAHS) e

Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas

“Paulino Soares de Sousa”da UFJF.

[email protected]

No início da década de sessenta, o principal transporte leve da FAB era o

Beechcraft D-18, que já estava no fim de sua vida útil. Um substituto deveria ser encontrado, mas no Brasil daquela época, a possibilidade de um avião nacional, maior

que um treinador primário, não era sequer considerado.

Quando assumiu o Departamento de Aeronaves (PAR), subordinado ao Instituto

de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), o Major

Aviador Engenheiro Ozires Silva viu a possibilidade de concretizar o seu antigo sonho

de construir aeronaves no Brasil.

Em março de 1964, Ozires se reuniu com José Carlos de Barros Neiva

(Presidente da Indústria Aeronáutica Neiva) e o projetista francês Max Holste, que tinha

planos de trabalhar no Brasil, mas Barros Neiva considerava que as empresas privadas

não poderiam desenvolver novas aeronaves a curto prazo.

Holste, que já havia projetado o avião Broussard e o Nord 262, tinha a intenção de desenvolver em princípio um monomotor de asa alta, com motor à pistão para até seis

passageiros. Porém, Ozires tinha em seu poder estudos que indicavam que o mercado

brasileiro demandava um avião de transporte de maiores dimensões, que atendesse com

eficiência as cidades que haviam deixado de ser servidas pelo transporte aéreo regular.

Ambos concordaram que essa aeronave deveria ser pelo menos equipada com

motores turbo-hélice e com capacidade de transportar de nove a doze passageiros. A

contratação de Max Holste foi financiada por um projeto que pretendia instalar motores

turbo-hélice nos North American T-6 da frota da FAB.

A intenção era projetar um avião para o qual deveria haver compradores e poucos

concorrentes. A autorização para a execução do projeto IPD 6504 foi dada pelo Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, em 25 de junho de 1965, com a

condição de que o projeto seria executado sem verbas adicionais.

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Com uma equipe de aproximadamente cem técnicos, sob a orientação de Max

Holste, foi iniciado o projeto do que seria no futuro o Bandeirante. Para propulsar o novo avião, um novo tipo de motor foi escolhido, o Pratt & Whitney PT-6A20 de

550HP. A escolha deste grupo propulsor foi muito acertada e seria determinante para a

aceitação futura do Bandeirante no mercado norte americano.

Desde o início do programa IPD 6504 houve a decisão de não verticalizar a sua produção, ou seja, não se fabricaria o que se pode adquirir de outros fornecedores.

No início de 1967 foram fabricadas as primeiras peças do IPD6504, e o primeiro vôo foi realizado em 22 de outubro de 1968. O avião recebeu a matrícula FAB 2130 e a designação YC-95. Esta aeronave, atualmente, encontra-se preservado no Museu Aeroespacial no Rio de Janeiro. Coincidentemente, o autor deste artigo nasceu no dia

treze de outubro de 1968, nove dias antes do primeiro vôo do Bandeirante.

Em 1969, não acreditando no futuro do projeto, Max Holste se separou da equipe

e desistiu de seus direitos a royalties sobre a aeronave.

Após o vôo do primeiro protótipo, foram feitas inúmeras viagens de

demonstração para convencer as autoridades a iniciar a produção industrial do modelo.

Inúmeras reuniões foram feitas com funcionários e ministros do governo, havendo voado

no protótipo até mesmo o Presidente da República.

Em 19 de agosto de 1969, pelo decreto-lei nº 770, assinado pelo presidente

Arthur da Costa e Silva, foi criada a Embraer, que deveria ser uma empresa de capital misto e teria benefícios fiscais.

Em 19 de outubro de 1969 voou o segundo protótipo do Bandeirante, matriculado FAB 2131. O terceiro protótipo do BEM-100 Bandeirante foi homologado e vendido para a Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), e

recebeu a matrícula PP-ZDF e voou até 1979.

O primeiro protótipo do Bandeirante preservado no Museu Aeroespacial, no Rio de Janeiro e alçando o seu primeiro vôo em 22 de outubro de 1968. (Fotos: autor e Embraer)

Em maio de 1970, a Força Aérea Brasileira – FAB fez a primeira encomenda de

oitenta Bandeirantes à Embraer, que modificou o projeto do avião, aumentando sua

fuselagem em quase dois metros e com um nariz mais aerodinâmico. Este novo modelo

foi designado EMB-110 pela Embraer e C-95 pela FAB. Esta primeira versão de produção tinha motores mais potentes, o P&W PT-6A-27 de 620HP e capacidade de transportar até 15 passageiros.

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O FAB 2132 foi o primeiro Bandeirante de série, entregue à FAB. (Foto Embraer)

O primeiro operador civil do Bandeirante em todo o mundo, foi a Transbrasil, que recebeu o primeiro de seis EMB-110C Bandeirante em abril de 1973, seguida pela VASP que comprou seis em agosto. Posteriormente, os Bandeirantes da Transbrasil foram transferidos para a Nordeste e os da VASP para a companhia TAM.

À esquerda, Bandeirante da Nordeste e à direta o bandeirante da Rico, ainda em operação. (Fotos: Embraer e autor)

Em agosto de 1975, após uma visita do Presidente do Uruguay à Embraer, cinco

Bandeirantes foram vendidos à Força Aérea Uruguaia que se tornou o primeiro cliente

internacional. Em 1976, foi a vez do Chile que adquiriu três EMB-110 e seis EMB-111 de patrulha marítima para a aviação da marinha.

O Embraer 110K1 tinha motores P&W PT-6A-34 de 750HP e é denominado C-95A pela FAB. Em 1976, a Embraer lançou a versão EMB-110P que tinha motores mais potentes, de 750HP e capacidade de transportar até 16 passageiros.

Bandeirante ainda em operação na FAB. (Foto: autor)

As versões seguintes foram as EMB-110 P1 e EMB-110P2. O EMB-110P1 era

conversível para carga ou passageiros e tinha uma porta de cargas com acionamento

hidráulico. A versão militar foi denominada EMB-110P1K denominado C-95B e C-

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95C pela FAB. A vserão EMB-110P2 tinha capacidade para até 21 passageiros, mas não tinha porta de carga.

Os EMB-110P1 e P2 foram homologados nos EUA em 1978, para surpresa dos técnicos da própria FAA que no início do processo não acreditavam que o avião

brasileiro poderia vir a atender as normas desta agência.

O Embraer 110P1A tinha o leme horizontal com diedro de 10 graus e voou em 1983. Em 1977 foi lançado o EMB-110B/1 de aerofotogametria denominado R-95 pela FAB, do qual nove foram fabricados.

Também existiram versões do Bandeirante para transporte VIP o EMB-110E e J, calibração EMB-110P1K denominado EC-95 pela FAB, e uma versão para prospecção de minerais EMB-110S1 e socorro EMB-110P1K SAR denominado SC-95 pela FAB.

A versão mais especializada do Bandeirante foi o EMB-111, chamada “Bandeirulha”, destinada à patrulha marítima. Esta versão possui um radar de busca NA/APS 128 e tanques de combustível nas pontas das asas e é armado com foguetes não

guiados.

À esquerda, EMB-110 da Força Aérea Colombiana e à direita, EMB-111 Bandeirulha da Aviação Naval do Chile. (Fotos: FAC e autor)

O Bandeirulha voou pela primeira vez em 1977 e vinte exemplares foram comprados pela FAB em dois lotes. Outros usuários do EMB-111 foram o Chile, com seis aeronaves e o Gabão que recebeu um avião.

Na Guerra das Malvinas (1982), dois Bandeirulha da FAB foram emprestados para a Marinha Argentina e utilizados na localização da frota britânica.

Com aproximadamente 500 unidades produzidas, o Bandeirante é um marco para

a indústria aeronáutica brasileira, pois para produzi-lo, é que foi criada a Embraer.

À esquerda, EMB-110 C-95A e à direita, EMB-111 P-95A. (Fotos: autor e Embraer)

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Quarenta anos após o vôo do primeiro protótipo, 111 Bandeirante ainda operam

comercialmente em todo o mundo. Na região amazônica, os Bandeirantes da Rico ainda

prestam um valioso serviço à população local.

A FAB, que planejava a substituição dos Bandeirantes pelo avião espanhol Casa 212, decidiu acertadamente pela modernização do avião nacional, que deverá operar no Brasil ainda por muitos anos. Uma sábia decisão.

Á esquerda: Frederico Fleury e Osires Silva diante do Bandeirante. À Direita: O Segundo protótipo do Bandeirante sobrevoando a Cidade do Rio de Janeiro na década de setenta. (Fotos: Embraer)

O programa de modernização dos Bandeirantes da FAB será gerenciado pela

Embraer e deverá contemplar cerca de oitenta aeronaves, que receberão aviônicos da

Elbit Systems. Os motores deverão ser substituídos, bem como a fuselagem receber

reforças estruturais. O sistema elétrico também deve ser todo mudado.

No dia 19 de outubro de 2008, foi comemorado nas instalações da Embraer o vôo

inaugural da aeronave, quando foi apresentado o segundo protótipo do Bandeirante,

inteiramente restaurado pela Embraer. Durante o evento, o atual presidente da

Companhia, Frederico Fleury Curado, homenageou o coronel-aviador e engenheiro

Ozires Silva.