O posicionamento do Serviço Social brasileiro sobre a questão do aborto

4
O posicionamento do Serviço Social brasileiro sobre a questão do aborto. Fabrício A. Araújo Ribeiro A categoria do Serviço Social é reconhecida no Brasil por sua extrema organização classista, por sua unidade entre seus órgãos constituintes e pela contínua e contundente defesa dos interesses da classe trabalhadora no país e no mundo. Assim, seria surpreendente se os órgãos da categoria não encampassem a luta das mulheres pelo fim da criminalização do aborto no sentido de reconhecer a realidade social das mulheres que abortam, defendendo que se legalize e se efetive políticas públicas de saúde e assistência para que o Estado atenda com qualidade e gratuidade este público feminino que hoje está ao largo do Estado e da legalidade. Como já é característico dos órgãos da categoria, antes de se posicionar sobre o tema, o CFESS realizou em março de 2009 um debate sobre a Legalização do Aborto, onde as visões polarizadas tiveram espaço para expor à categoria seus argumentos, fomentando assim a discussão dentro da categoria com a contribuição de demais entidades classistas, publicas e de movimentos sociais. Como resultado deste debate, no dia 28 de setembro, Dia Latino- Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto o CFESS lançou seu manifesto público em defesa da causa. No Manifesto de 2009 o Conselho afirmou que: O fato de o aborto ser considerado crime no Brasil penaliza diretamente as mulheres pobres, principalmente as mulheres negras, que têm menos acesso aos serviços de saúde e métodos contraceptivos. Segundo dados do IPAS (2008), estima-se que a cada ano, mulheres, ricas e pobres realizam cerca de 1.042.243 abortamentos inseguros. Para aquelas que têm recursos, o aborto está disponível em clínicas particulares com métodos tecnologicamente avançados, com acompanhamento posterior do/a ginecologista. Para mulheres pobres, o aborto representa um grave perigo, uma vez que é praticado em clínicas clandestinas, em condições extremamente precárias. (CFESS, 2009. P. 1) Segundo o documento “dados do IPAS (2008), estima-se que a cada ano, mulheres, ricas e pobres realizam cerca de 1.042.243 abortamentos inseguros”, o que constitui uma outra forma de negócio clandestino com forte lucratividade uma vez que cada procedimento com totais condições de higiene, saúde e segurança custa em média mil reais. Como razões que induzem as mulheres a optar pelo aborto o CFESS indica a questão socioeconômica e trabalhista. Outro fator determinante é a recorrente situação de abandono que as mulheres vivem em relação aos seus companheiros, que ao descobrirem a paternidade, não assumem a responsabilidade pela gravidez. Isto como expressão do machismo e do patriarcalismo brasileiros.

description

 

Transcript of O posicionamento do Serviço Social brasileiro sobre a questão do aborto

Page 1: O posicionamento do Serviço Social brasileiro sobre a questão do aborto

O posicionamento do Serviço Social brasileiro sobre a questão do aborto. Fabrício A. Araújo

Ribeiro

A categoria do Serviço Social é reconhecida no Brasil por sua extrema organização

classista, por sua unidade entre seus órgãos constituintes e pela contínua e contundente

defesa dos interesses da classe trabalhadora no país e no mundo. Assim, seria surpreendente

se os órgãos da categoria não encampassem a luta das mulheres pelo fim da criminalização do

aborto no sentido de reconhecer a realidade social das mulheres que abortam, defendendo

que se legalize e se efetive políticas públicas de saúde e assistência para que o Estado atenda

com qualidade e gratuidade este público feminino que hoje está ao largo do Estado e da

legalidade.

Como já é característico dos órgãos da categoria, antes de se posicionar sobre o tema,

o CFESS realizou em março de 2009 um debate sobre a Legalização do Aborto, onde as visões

polarizadas tiveram espaço para expor à categoria seus argumentos, fomentando assim a

discussão dentro da categoria com a contribuição de demais entidades classistas, publicas e de

movimentos sociais. Como resultado deste debate, no dia 28 de setembro, Dia Latino-

Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto o CFESS lançou seu

manifesto público em defesa da causa. No Manifesto de 2009 o Conselho afirmou que:

O fato de o aborto ser considerado crime no Brasil penaliza diretamente as mulheres

pobres, principalmente as mulheres negras, que têm menos acesso aos serviços de saúde e

métodos contraceptivos. Segundo dados do IPAS (2008), estima-se que a cada ano, mulheres,

ricas e pobres realizam cerca de 1.042.243 abortamentos inseguros. Para aquelas que têm

recursos, o aborto está disponível em clínicas particulares com métodos tecnologicamente

avançados, com acompanhamento posterior do/a ginecologista. Para mulheres pobres, o

aborto representa um grave perigo, uma vez que é praticado em clínicas clandestinas, em

condições extremamente precárias. (CFESS, 2009. P. 1)

Segundo o documento “dados do IPAS (2008), estima-se que a cada ano, mulheres,

ricas e pobres realizam cerca de 1.042.243 abortamentos inseguros”, o que constitui uma

outra forma de negócio clandestino com forte lucratividade uma vez que cada procedimento

com totais condições de higiene, saúde e segurança custa em média mil reais.

Como razões que induzem as mulheres a optar pelo aborto o CFESS indica a questão

socioeconômica e trabalhista. Outro fator determinante é a recorrente situação de abandono

que as mulheres vivem em relação aos seus companheiros, que ao descobrirem a paternidade,

não assumem a responsabilidade pela gravidez. Isto como expressão do machismo e do

patriarcalismo brasileiros.

Page 2: O posicionamento do Serviço Social brasileiro sobre a questão do aborto

Como conclusão do CFESS Manifesta (2009) o documento afirma que como categoria

profissional que se congrega pela defesa irrestrita da liberdade e da emancipação política dos

sujeitos,

Acreditamos que a legalização do aborto supõe o reconhecimento das mulheres como

sujeitos éticos capazes de decidir com consciência e liberdade quanto à interrupção da

gravidez e compromete o Estado brasileiro a efetivar uma política reprodutiva séria,

impedindo a morte de mulheres e evitando que milhares de mulheres de baixa-renda,

predominantemente negras, permaneçam com a saúde ameaçada por práticas inseguras. [...]

O CFESS MANIFESTA seu compromisso ético-político em defesa dos direitos sexuais e reprodu-

tivos das mulheres e apoia o movimento feminista e de mulheres na luta pela

descriminalização e legalização do aborto, e conclama a categoria de Assistentes Sociais a

também se somar nesta luta, por reconhecer que o aborto inseguro é uma gravíssima questão

de saúde pública e que as mulheres constituem seres éticos capazes de fazer escolhas de

forma consciente e responsável. (CFESS, 2009. P. 3).

Ao fim do 38º Encontro Nacional CFESS/CRESS, a categoria lançou seu primeiro

documento público em defesa da regulamentação do aborto, a MOÇÃO DE APOIO AO

MANIFESTO CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DAS MULHERES QUE PRATICAM ABORTO (2009),

onde afirma-se que,

A maternidade deve ser uma decisão livre e desejada e não uma obrigação das

mulheres. Deve ser compreendida como função social e, portanto, o Estado deve prover todas

as condições para que as mulheres decidam soberanamente se querem ou não ser mães, e

quando querem. Para aquelas que desejam ser mães devem ser asseguradas condições

econômicas e sociais, através de políticas públicas universais que garantam assistência a

gestação, parto e puerpério, assim como os cuidados necessários ao desenvolvimento pleno

de uma criança: creche, escola, lazer, cultura, saúde.

As mulheres que desejam evitar gravidez devem ter garantido o planejamento

reprodutivo e as que necessitam interromper uma gravidez indesejada deve ser assegurado o

atendimento ao aborto legal e seguro no sistema público de saúde. (38º Encontro Nacional

CFESS/CRESS. 2009).

O posicionamento da categoria retirado do 38º encontro Nacional foi fortalecido nos

encontros subsequentes e anualmente no dia 28 de setembro o CFESS lança Manifestos

atualizados sobre a questão do aborto, reforçando seu posicionamento em favor da

descriminalização e da regulamentação do aborto como se pode verificar por exemplo no

relatório final do 41º Encontro Nacional CFESS-CRESS em 2012, nos Manifestos de 2011 e

2012. Ainda no relatório final do 42º Encontro Nacional em 2013.

Não diferente disso a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social, a ENESSO

tem papel fundamental para o avanço progressista do Serviço Social brasileiro, e desde sempre

integra os movimentos feministas e populares em defesa da regulamentação do aborto livre e

Page 3: O posicionamento do Serviço Social brasileiro sobre a questão do aborto

consciente, contra a criminalização da pratica, que atinge milhares de mulheres pobres e

negras de todo país. Não se pode esquecer que a questão do aborto é também permeada por

fortes discursos machistas e patriarcalistas, elementos estes que compõe o núcleo das

opressões vividas pelo povo nos regimes capitalistas. A ENESSO se organiza nos movimentos

de mulheres e feministas pela ENESSO FEMINISTA, e em março de 2013 lançou a Cartilha

ENESSO Feminista com os posicionamentos da Executiva sobre as políticas públicas para

mulheres, o debate da violência de gênero, a questão do aborto, em conformidade às

deliberações do Encontro Nacional de Estudantes de Serviço Social – ENESS – 2012, do eixo de

Combate Às Opressões.

Na Cartilha, a ENESSO afirma que, “uma vez que a descriminalização e legalização do

aborto são condicionantes para a emancipação da mulher, o aborto se torna um dos temas

mais importantes e urgentes para o feminismo brasileiro”. Isto num contexto de forte

moralismo conservador machista e patriarcal na qual estão inseridas as mulheres brasileiras.

“Neste sentido, a desconstrução dos valores patriarcais são imprescindíveis para o resguardo

da liberdade de escolha e do direito ao corpo da mulher”. (ENESSO FEMINISTA, 2013. P 21).

Nesta publicação a ENESSO chama a atenção para os desdobramentos dos

procedimentos “legais” da criminalização do aborto, ou trazer o depoimento de uma militante,

onde afirma que

não podemos desconsiderar a força simbólica dessa interdição penal sobre o imaginário social

e subjetivo de quem o pratica, já que há notificações policiais, processos penais, enfim, todo

um aparato criminal disponível em torno do aborto (...) Há igualmente que considerar o

significado simbólico da interrupção de uma gravidez indesejada, o qual coloca em questão a

realização da maternidade” conceito construído socialmente e culturalmente pelo patriarcado.

(Idem).

Dando fundamental contribuição ao debate no interior da categoria, do Movimento

Estudantil de Serviço Social – MESS, do Movimento Estudantil geral, dos movimentos

feministas e demais movimentos sociais, a ENESSO qualifica o debate ao esclarecer as

diferenças e limites entre as defesas isoladas da descriminalização do aborto e da legalização.

A ENESSO defende que

Descriminalizar o aborto não é o suficiente para garantir que todas as mulheres

tenham o procedimento realizado pela rede pública de saúde, e também não garantiria

políticas públicas de qualidade. Portanto, defender apenas a descriminalização é muito viável

para as mulheres que disponham de relativa autonomia financeira e política, mas não para as

mulheres que dependem dos serviços da rede pública de saúde, que são em sua maioria

negras provenientes dos setores populares da sociedade, que continuarão sem as condições

objetivas para realizar um aborto seguro. (ENESSO FEMINISTA, 2013. P 22).

A ENESSO defende que a luta deve se dar em torno da legalização do aborto, por

entender que isto significa a garantia de políticas públicas sócioassistencias e de saúde, com

Page 4: O posicionamento do Serviço Social brasileiro sobre a questão do aborto

primazia do SUS no atendimento às mulheres que fizerem a opção pela interrupção da sua

gravidez.

Isto significa lutar pela legalização do aborto, pois isto representa a possibilidade da

construção de uma nova mentalidade que não condene moralmente e/ou psicologicamente as

mulheres que decidam por abortar. Sendo assim, o debate que deve ocorrer em torno da

questão do aborto deve ser o da defesa intransigente dos direitos das mulheres, pelo direito

delas de existir, pensar e decidir. A soberania da mulher sobre sua vida e sobre seu próprio

corpo é o que realmente deveria ser pautado. (ENESSO FEMINISTA, 2013. P 21).

Como entidade histórica e de extrema qualidade do movimento estudantil brasileiro, a

ENESSO possui grande acúmulo, propriedade e tradição na defesa da radicalização da

liberdade e da democracia no Brasil, em diálogo continuo com os movimentos sociais, diz:

A questão do aborto não deve ser enfrentada apenas pelo movimento feminista, esta

também é uma luta que o Movimento Estudantil de Serviço Social deve assumir como uma de

suas pautas centrais, pois vem ao encontro do nosso projeto éticopolítico, que tem na

liberdade, o seu valor central. (ENESSO FEMINISTA, 2013. P 23).

Uberaba, 2013.

Links:

http://www.cfess.org.br/arquivos/relatorio-nacional-2013-.pdf"

�http://www.cfess.org.br/arquivos/relatorio-nacional-2013-.pdf�).

http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/859"

�http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/859�)

http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta2011_legalizacao_abortoFINAL.pdf"

�http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta2011_legalizacao_abortoFINAL.pdf�)

http://www.cfess.org.br/arquivos/relatorio-en-2012-versao-final-outubro.pdf"

�http://www.cfess.org.br/arquivos/relatorio-en-2012-versao-final-outubro.pdf�)