O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO

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O PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO Viviane Masotti Advogada. Mestranda em Direito Previdenciário pela PUC-SP. Professora da Escola Paulista de Direito (EPD). SUMÁRIO 1. Introdução – 2. Evolução da proteção social no contexto do Estado do Bem-Estar – 2.1. Das finalidades do Estado – 2.2. Sistema de seguridade social – 2.3. Previdência social – 3. Relação jurídica de proteção – 3.1. – Natureza jurídica da prestação previdenciária – 3.2. Elementos da relação jurídica de prestação previdenciária – 4. Regime jurídico adminis- trativo – 5. As vias técnico-jurídicas de ação administrativa – 5.1. Ato administrativo – 5.2. Processo ou procedimento administrativo – 6. Processo administrativo previdenciários de prestações – 6.1. Fontes formais – 6.2. Fases do processo administrativo previdenciário de prestações – 7. Conclusões 1. INTRODUÇÃO A doutrina revela-nos a evolução dos sistemas de proteção social, desde o mutualismo, passando pelo seguro privado, até chegar à fase do seguro social público, objetivando sistemas puros de seguridade social, no contexto do Estado do Bem-Estar. Uma vez estabelecido o sistema protetivo público, de caráter obrigatório, o Estado precisa criar uma estrutura que possibilite o atendimento do segurado, concretizando a proteção social desde que ocor- rido o risco ou configurada a necessidade. 16 16 16 16 16 16 16

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O PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO

Viviane MasottiAdvogada.

Mestranda em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

Professora da Escola Paulista de Direito (EPD).

SUMÁRIO

1. Introdução – 2. Evolução da proteção social no contexto do Estado do Bem-Estar – 2.1. Das finalidades do Estado – 2.2. Sistema de seguridade social – 2.3. Previdência social – 3. Relação jurídica de proteção – 3.1. – Natureza jurídica da prestação previdenciária – 3.2. Elementos da relação jurídica de prestação previdenciária – 4. Regime jurídico adminis-trativo – 5. As vias técnico-jurídicas de ação administrativa – 5.1. Ato administrativo – 5.2. Processo ou procedimento administrativo – 6. Processo administrativo previdenciários de prestações – 6.1. Fontes formais – 6.2. Fases do processo administrativo previdenciário de prestações – 7. Conclusões

1. INTRODUÇÃO

A doutrina revela-nos a evolução dos sistemas de proteção social, desde o mutualismo, passando pelo seguro privado, até chegar à fase do seguro social público, objetivando sistemas puros de seguridade social, no contexto do Estado do Bem-Estar. Uma vez estabelecido o sistema protetivo público, de caráter obrigatório, o Estado precisa criar uma estrutura que possibilite o atendimento do segurado, concretizando a proteção social desde que ocor-rido o risco ou configurada a necessidade.

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O Sistema de Seguridade Social, definido pela Constituição, caracteriza-se como um sistema de proteção social de participação obrigatória. Embora um dos seus princípios seja a Universalidade de Cobertura e Atendimento, parte da população está excluída do sistema, por razões diversas entre as quais o descrédito em função das deficiências do atendimento e da demora no procedimento administrativo. Se parte da população está excluída do sistema e a outra parte é mal atendida em suas necessidades, é questionável se o sistema de seguridade social brasileiro atinge seu objetivo final.

2. EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DO ESTADO DO BEM-ESTAR

2.1. Das finalidades do Estado

Conforme Dalmo de Abreu Dallari,1 há uma estreita relação entre os fins do Estado e as funções que ele desempenha.

O que se encontra em maior ou menor grau nas sociedades políticas modernas são Estados que têm como finalidade geral constituir-se um meio de realização dos fins particulares dos indivíduos e demais sociedades. Dalmo de Abreu Dallari acredita que o fim do Estado é o bem comum, no sentido utilizado pelo papa João XXIII, ou seja, “o conjunto de todas as condições da vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”. Assim, o Estado Moderno caracteriza-se pela busca do bem comum de certo povo, situado em determinado território.

O preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, pro-mulgada em 05 de outubro de 1988, indica quais as finalidades do tipo de Estado adotado, com reflexos em suas atividades. Assim estabelece:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Na-cional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem precon-ceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”

Pode-se concluir do preâmbulo acima e também da análise do art. 193 da Constituição Federal, que estabelece que a Ordem Social tem como base o primado do trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça sociais, que o Brasil procura seguir os moldes do Estado do Bem-Estar.

1 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado.

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Para Amartya Sen,2 a natureza do Estado de Bem-Estar consiste em oferecer algum tipo de amparo às pessoas que, sem ajuda do Estado, podem não ser capazes de ter uma vida minimamente aceitável, de acordo com os critérios da sociedade moderna. E que a idéia fundamental gira em torno da interdependência entre os seres humanos, o que podemos encontrar na Constituição Brasileira quando prevê uma sociedade fraterna.

2.2. Sistema de Seguridade Social

Em função das finalidades do Estado, tem-se um menor ou maior grau de intervenção na economia e nas relações individuais. Stuart Mill, citado por Feijó Coimbra,3 afirmava “que o único fim que justifica uma autorização para a humanidade, individual ou coletivamente considerada, intervir com a liberdade de ação de qualquer um dos seus membros é a sua autoproteção (grifo nosso)”.

Celso Barroso Leite,4 ao analisar o fenômeno da expansão das atividades do Estado como origem do sistema protetivo previdenciário, explica a ori-gem do intervencionismo social:

“Um dos aspectos mais evidentes da ampliação da órbita estatal é o in-tervencionismo econômico, consubstanciado em medidas que levam o Estado a atuar cada vez mais na ordem econômica, condicionando-a, re-gulamentando-a procurando discipliná-la e orientá-la e até participando dela. E como não se pode cogitar da ordem econômica sem se cogitar da ordem social, de tal maneira se acham interligadas, quase concomitan-temente esse intervencionismo econômico se tornou também interven-cionismo social.”

“A separação de funções está vocacionada a atender aos fins do Estado. As funções estão configuradas, pelo direito positivo de cada país, como estruturas operacionais aptas a instrumentalizarem o Estado a fim de que este cumpra o seu destino: promover o bem de todos.

É, a seguridade social, o instrumental de que dispõe o Estado, na Ordem Social, para, mediante duas vias de acesso — a previdenciária (seguro social) e a assistencial (integrada pelos setores de saúde e de assistência) — e com a cooperação dos atores sociais, resolver a questão social.” 5

Um dos mecanismos de política social utilizado pelo Estado para atingir seus objetivos do Bem-Estar social é o Sistema de Seguridade Social. O modelo ideal de Seguridade Social, conforme delineado por Beveridge, teria “por objeto abolir o estado de necessidade”.

2 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. 3 COIMBRA, J. R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 4 LEITE, Celso Barroso, VELLOSO, Luiz Paranhos. Previdência social. 5 BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário: benefícios.

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Seguridade Social, no conceito de Wagner Balera,6 é “o conjunto de medidas constitucionais de proteção dos direitos individuais e coletivos concernentes à saúde, à previdência e à assistência social”, considerado já no âmbito do modelo estabelecido pela Constituição Federal de 1988 no Brasil.

O art. 6º da Constituição Federal de 1988 traz como direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desampara-dos.

Parte desses direitos são atendidos pelo Sistema de Seguridade Social, conforme art. 194 da Constituição Federal, formado pela Saúde, Previdência Social e Assistência Social, através da ação integrada dos Poderes Públicos e da sociedade, atendendo aos seguintes objetivos: universalidade da cobertu-ra e do atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação do custeio; diversidade da base de financiamento e caráter democrático e descentralizado da administração.

Assim, estão protegidas pelo Sistema de Seguridade Social brasileiro as seguintes contingências: doença, invalidez, morte, idade avançada, desem-prego involuntário, maternidade, carência financeira. Essa proteção ocorre em vários níveis, em caráter contributivo ou não contributivo.

2.3. Previdência Social

A Previdência Social, definida no art. 6º da Constituição Federal de 1988 como um dos direitos sociais garantido, adquire caráter de estrutura conforme o art. 194, quando definida como um dos componentes do Siste-ma de Seguridade Social.

Na definição de Celso Barroso Leite, Previdência Social seria o

“conjunto de medidas, a cargo do poder público, destinadas a proteger as classes assalariadas e tanto quanto possível a população em geral contra determinadas situações que afetam a capacidade econômica individual ou familiar, seja pela cessação dos rendimentos, seja pela superveniência de necessidades especiais. PREVIDÊNCIA SOCIAL propriamente dita só começou a existir quando o Estado a trouxe para sua órbita de ação, tornando-a serviço público”.7

Em sentido semelhante a definição de Wagner Balera:8

6 BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 7 LEITE, Celso Barroso, VELLOSO, Luiz Paranhos. Previdência social.8 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário.

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“A previdência social é antes de tudo, uma técnica de proteção que de-pende da articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente con-tribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes no trabalho e desemprego.”

O modelo da Previdência Social brasileira é de participação obrigatória, contributivo, com sistema de repartição simples, no qual as contribuições sociais originam um fundo único, do qual saem os recursos para o paga-mento de prestações a qualquer beneficiário que, tendo sido atingido pela contingência prevista, atenda os requisitos da legislação previdenciária. O modelo descrito é o Regime Geral de Previdência Social.

Também integra a Previdência Social brasileira o Regime Facultativo Complementar de Previdência Social, no qual não nos deteremos nesse es-tudo, por tratar-se de relação jurídica privada, com características de seguro, sem qualquer relação com o serviço público aqui abordado.

A natureza, enquanto Regime Geral da Previdência Social, é essencial-mente de serviço público. Ao Estado cabe a função de administrar a Pre-vidência Social. Essa tarefa não caberia nas operações rotineiras da admin-istração pública, por isso a administração é feita de forma descentralizada através de uma autarquia, estrutura teoricamente mais dinâmica. Assim, o Decreto-lei 72 de 21-11-1966 criou o INPS – Instituto Nacional de Pre-vidência Social – hoje denominado INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, autarquia responsável pela administração do sistema previdenciário brasileiro.

“No Brasil, é a Constituição que define a seguridade social como serviço público. Chamada a intervir no interior da Ordem Social, a Administra-ção Pública assume tarefas peculiares no contexto do Estado Social (tam-bém chamado de Estado-providência, ou Welfare State) e se vê forçada a remodelar seus modos clássicos de atuação. Trata-se de serviço público que, por igual, se expressa através de duas espécies de prestações: os be-nefícios e os serviços. Mas, nesta área da seguridade social, serviços são aquelas prestações instrumentais ou acessórias que se destinam a garantir o pleno exercício do direito ao benefício.” 9

As fontes normativas da Previdência Social Brasileira são, além da Con-stituição Federal de 1988, as Leis 8.212/91 (Plano de Custeio) e 8.213/91 (Planos de Benefícios da Previdência Social), e o Decreto 3.048/99 (Regula-mento da Previdência Social).

A proteção previdenciária é feita através da concessão de prestações, benefícios ou serviços, elencados no art. 18 da Lei 8.213/91, aos segurados ou seus dependentes, que atingidos pelas contingências previstas cumpram os requisitos determinados na legislação, sendo:

9 BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário: benefícios.

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I - quanto ao segurado: aposentadoria por invalidez; aposentadoria por idade; aposentadoria por tempo de serviço; aposentadoria especial; auxí-lio-doença; salário-família; salário-maternidade; auxílio-acidente; pecú-lio (Revogado pela Lei nº 8.870, de 15-4-94).

II - quanto ao dependente: pensão por morte e auxílio-reclusão;

III - quanto ao segurado e dependente: serviço social e reabilitação pro-fissional.

3. RELAÇÃO JURÍDICA DE PROTEÇÃO

Relação jurídica é uma espécie de relação social, na qual os homens, buscando atingir um fim, entram em contato entre si, em situações fáticas com significado jurídico, ou seja, inseridas numa estrutura normativa.10 No caso da relação jurídica de proteção a que nos referimos, as situações perten-cem à estrutura das normas previdenciárias.

A relação jurídica de proteção surge quando se cogita uma inexistência ou insuficiência de renda que seria necessária para fazer face a um estado de necessidade, decorrente do acontecimento de uma contingência (risco so-cial), que atinge um beneficiário da Previdência Social em situação na qual a lei estabeleça o direito à uma prestação previdenciária. 11

Há duas correntes doutrinárias na classificação da relação jurídica pre-videnciária. A primeira é a Teoria Unitária ou da Relação Bilateral, que en-tende a relação previdenciária nos mesmos moldes e pressupostos da relação securitária privada. A corrente que acreditamos mais acertada para definir as relações presentes no sistema de seguridade social e, conseqüentemente, em um de seus elementos, na Previdência Social, é a Teoria Escisionista.

A Teoria Escisionista compreende o fenômeno previdenciário a partir de relações jurídicas distintas e autônomas. Haveria pelo menos duas relações jurídicas previdenciárias, sem sinalagmaticidade entre elas: a relação de cus-teio e a relação de prestações.

3.1.  Natureza jurídica da prestação previdenciária

A prestação previdenciária é direito subjetivo público. O direito sub-jetivo constitui um poder, atribuído pela norma objetiva, de postular o in-teresse.12 Se direito subjetivo público é a faculdade conferida por norma jurídica, a partir de um fato jurídico ocorrido a um sujeito ativo, de exigir do Estado um comportamento determinado, com a finalidade de obter um

10 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 11 COIMBRA, J. R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 12 BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria geral da previdência social.

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interesse juridicamente protegido, a definição de Feijó Coimbra bem ilustra a natureza jurídica da prestação previdenciária:

“É, portanto, a prestação previdenciária o objeto material da obrigação do Estado, sempre que ocorra um risco social previsto em lei como obje-to da ação protetora estatal.”13

3.2. Elementos da relação jurídica de prestação previdenciária

Os elementos da estrutura interna da relação jurídica são: o fato ju-rídico, os sujeitos, o objeto e a garantia.

3.2.1.  Fato jurídico previdenciário

O fato jurídico abstrato é aquele previsto no modelo normativo, é dever ser. A ocorrência desse fato jurídico abstrato gera o fato jurídico concreto, ou seja: a concretização fenomênica da hipótese descrita na norma jurídica, através da subsunção – o encaixe perfeito do fato ocorrido no fato previsto.

O fato jurídico da relação de prestação previdenciária é a ocorrência da contingência (risco social) ensejadora de diminuição ou extinção da geração de renda, geradora de necessidade social, em função da perda da capacidade laboral.

Pode ser classificado como fato jurídico necessário,14 não dependendo da vontade humana, e sendo intimamente ligado ao ciclo de vida, como, por exemplo: nascimento, idade, morte.

3.2.2.  Sujeitos da relação de prestação previdenciária

Tendo a prestação previdenciária status de direito subjetivo público, e sendo o INSS a autarquia responsável pela administração previdenciária, este se constitui o principal Sujeito Passivo da maioria das relações previ-denciárias, sempre enquanto representante da União. Assim, o Estado é o sujeito passivo da relação de prestação previdenciária, ainda que tenha trans-ferido a outros entes a capacidade de concessão dessas prestações.

“Outras pessoas, físicas ou jurídicas, podem figurar no pólo passivo da relação jurídica de proteção previdenciária, instrumentalizando a compe-tência jurídica da União. O artigo 117 da Lei nº 8.213/91 regulamenta essa hipótese, determinando que a empresa, o sindicato ou a entidade de aposentados devidamente constituída poderá, mediante convênio com a

13 COIMBRA, J. R. Feijó. Op. cit.14 BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Op. cit.

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entidade gestora, substituir a União, na condição de sujeito passivo, na relação jurídica de proteção.” 15

Nos casos de salário-maternidade e salário-família, a própria norma de-termina que os sujeitos passivos serão os empregadores. No entanto, sendo a proteção um direito subjetivo público, a União sempre terá responsabili-dade solidária na relação.

O sujeito ativo da relação de prestação previdenciária é o titular do di-reito subjetivo, ou seja, o beneficiário hipotético. A Lei 8.213/91 determina quem serão esses beneficiários hipotéticos, nos artigos 11, 12, 13 e 16, de-finindo os segurados e seus dependentes.

Fábio L. V. Berbel classifica os sujeitos ativos da relação previdenciária de proteção em: filiado direto, ex-filiado direto e filiado indireto, conforme o fato gerador e as prestações a que terão direito.

3.2.3.  Objeto jurídico da relação de prestação previdenciária

O objeto da relação jurídica é a “coisa” o “fim” que se busca através do poder conferido pelo direito subjetivo.

Assim, o objeto da relação jurídica de prestação previdenciária é a con-cessão do benefício ou serviço devido pelo Estado na relação de proteção.

“As prestações administrativas de benefícios constituem o objeto da rela-ção jurídica na qual o beneficiário é o sujeito ativo e o Instituto Nacional do Seguro Social é o sujeito passivo. Como é cediço, não há natureza contratual nessa relação jurídica, de conteúdo manifestamente publicís-tico.” 16

3.2.4.  Garantia

A norma jurídica que institui relação jurídica, necessariamente, deve prever forma de garantir o cumprimento do direito subjetivo instaurado. Essa garantia consiste na faculdade de o titular do direito subjetivo descum-prido ou ameaçado pleitear, junto ao Estado, medida sancionatória contra o sujeito passivo, em face do descumprimento da obrigação jurídica.

No caso da relação jurídica de prestação previdenciária, que consiste em direito subjetivo público, cujo sujeito passivo é o próprio Estado, há mecanismos administrativos e judiciais para garantir o cumprimento dessa obrigação, sob pena de crime de responsabilidade.

15 BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Op. cit.16 BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário: benefícios.

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4. REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO

Sendo a prestação previdenciária um direito subjetivo público, também caracterizada como um serviço público, cumpre-nos a análise do regime jurídico administrativo, no qual em última instância se dará a execução do direito em questão e ao qual se sujeita o ramo do Direito Previdenciário.

O sistema de uma disciplina jurídica, seu regime, constitui-se do con-junto de princípios que lhe dão especificidade em relação ao regime de out-ras disciplinas. O Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que disciplina o exercício da função administrativa e os órgãos que a desempen-ham.

Função pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade exer-cida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem ju-rídica.17

“O poder político do Estado Democrático de Direito brasileiro é uno e indivisível. Todavia, o texto constitucional (art. 2º) consagra a divisão funcional desse poder em três: executivo, legislativo e judiciário.” 18

Dentre as funções públicas, que podem ser legislativas, judiciais ou administrativas, interessa definir essa última.

Função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vez-es, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos  infralegais  ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, sub-missos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário.19

“A função administrativa previdenciária consistirá na qualificação da ne-cessidade vital e, baseada nessa medida, na concretização do objeto da prestação.”20

No Direito Administrativo, algumas noções ou princípios são catego-riais em relação a outros. Assim se processa uma cadeia descendente de princípios e categorias até os níveis mais específicos. Alguns alicerçam todo o sistema; outros, destes derivados, dizem respeito ora a uns, ora a outros institutos, interligando-se todos, não só em plano vertical, como horizon-tal, formando uma unidade, um complexo lógico, a que se pode chamar de regime administrativo.

17 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18 PORTA, Marcos de Lima. Processo administrativo e o devido processo legal. 19 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op.cit.20 BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário: benefícios.

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No entender de Celso A. Bandeira de Mello, todo o sistema de Direito Administrativo se constrói sobre dois princípios fundamentais, que se des-dobram e refletem em outros: princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e indisponibilidade do interesse público pela Administração.

Da supremacia do interesse público sobre o particular derivam as seguintes conseqüências ou princípios subordinados:

a) posição privilegiada do órgão encarregado de zelar pelo inter-esse público e de exprimi-lo, nas relações com os particulares;

b) posição de supremacia do órgão nas mesmas relações.Explica ainda o autor citado acima que

“uma vez que a atividade administrativa é subordinada à lei, e firmado que a Administração assim como as pessoas administrativas não têm dis-ponibilidade sobre os interesses públicos, mas apenas o dever de curá-los nos termos das finalidades predeterminadas legalmente, compreende-se que estejam submetidas aos seguintes princípios:a) da legalidade, com suas implicações ou decorrências; a saber: princí-

pios da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motiva-ção e da responsabilidade do Estado;

b) da obrigatoriedade do desempenho de atividade pública e seu cogna-to, o princípio de continuidade do serviço público;

c) do controle administrativo ou tutela;d) da isonomia, ou igualdade dos administrados em face da Adminis-

tração;e) da publicidade;f) da inalienabilidade dos direitos concernentes a interesses públicos;g) do controle jurisdicional dos atos administrativos.”

A administração pública, na relação jurídica de proteção previdenciária, deve agir em conformidade com o regime jurídico administrativo em geral. Deve respeitar os mesmos princípios constitucionais e específicos que carac-terizam esse regime ou sistema. Apenas a matéria será específica, particular. As particularidades do Direito Previdenciário fazem com que este possa ser estudado como um ramo autônomo do direito, mas ainda assim constitui-se em um direito público, e assim sujeito, no tocante ao processo administra-tivo, ao regime jurídico do Direito Administrativo.

5. AS VIAS TÉCNICO-JURÍDICAS DE AÇÃO ADMINISTRATIVA

5.1. Ato administrativo

Ato administrativo é um ato jurídico, a manifestação de um sujeito que acarreta efeitos jurídicos. Segundo Agustín Gordillo,21 atos jurídicos são as

21 GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. t. 3, El acto adminis-trativo.

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decisões ou declarações que produzem um efeito jurídico, que produzem o nascimento, modificação ou extinção de um direito ou um dever.

O Estado desenvolve diversas atividades para cumprir sua função ad-ministrativa, por meio de seus agentes, os quais tomam decisões expressas em atos que produzem efeitos jurídicos. Assim, o ato administrativo é um dos modos de expressão das decisões tomadas por órgãos e autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos com observância da legalidade. 22

O ato administrativo tem como requisitos de validade ou elementos constitutivos: agente competente, objeto, forma, motivo e fim. É caracter-izado ainda como declaração de vontade expressa ou tácita do Estado ou de quem lhe faça as vezes; sujeição ao regime jurídico de direito público, aos princípios constitucionais e aos próprios do direito administrativo; produção de efeitos jurídicos imediatos e possibilidade de controle jurisdicional.23

Alguns de seus atributos elencados pela doutrina são: presunção de le-gitimidade e veracidade, imperatividade, auto-executoriedade e tipicidade.

O ato administrativo, ou decisão, nem sempre é editado de imediato. Por vezes necessita de uma série de etapas inter-relacionadas até chegar-se à edição de um ato final.

“O ato administrativo é o resultado em si do método dinâmico da pro-cessualidade jurídico-administrativa.”24

“A decisão que concede o benefício, ou aquela que resolve denegá-lo, é ato unilateral do órgão administrativo. Identificando, claramente, dois atos unilaterais: i) o requerimento e; ii) a decisão do Poder Público. Orlando Gomes afirma que esse modo de operar o direito social se faz presente nas chamadas prestações administrativas, como a previdenciária.”25

5.2 Processo ou procedimento administrativo

A denominação que se dá à sucessão de atos através da qual se exterior-izam as relações entre a Administração e os administrados tem sido objeto de estudo e polêmica entre os doutrinadores. O termo processo era tradi-cionalmente utilizado em referência à função jurisdicional. Assim, alguns preferem o uso do termo procedimento.

Resumidamente, a diferença que se pode apontar entre os dois concei-tos é a seguinte:

Procedimento: significa a sucessão encadeada de atos. Podem existir vários procedimentos no interior de um mesmo processo administrativo.

22 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno.23 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo.24 PORTA, Marcos de Lima. Processo administrativo e o devido processo legal.25 BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário: benefícios.

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Processo: significa, além da sucessão encadeada de atos, a existência de vínculos jurídicos entre os sujeitos, envolvendo direitos, deveres, poderes, faculdades, dentro da relação processual; havendo a presença do contraditório entre as partes. A solução desse contraditório é a decisão que se espera como resultado do processo administrativo.

A expressão procedimento nos parece correta com relação ao encadeam-ento de fases para a obtenção de uma decisão final. E a expressão processo foi consagrada pela Constituição Federal de 1988, com o significado de proces-sualidade administrativa, como se depreende do texto do inciso LV do art. 5°: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo (grifo nosso), e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Em outros artigos constitucionais, o termo processo também é utilizado para referir-se a outras atividades típicas da função estatal administrativa, como o processo de licitação ou o processo administrativo disciplinar. A Lei Federal 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública da União, também utiliza a expressão processo, e não procedimento, aderindo a esse entendimento.

“Em sentido dinâmico [fieri), a processualidade se traduz como movi-mento rumo a uma finalidade, a um produto. Em sentido estático [fac-tum), significa o resultado ou o produto obtido em razão de um movi-mento [fieri). Esses dois sentidos formam a matriz da processualidade e devem estar presentes em todos os processos jurídico-estatais. Não há como se aceitar a existência de apenas um deles, pois o fieri envolve a noção de finalidade: é o fenômeno dinâmico que consiste em movimen-tar-se em direção a algum lugar. Esse lugar é o factum, que, por sua vez, somente é possível de ser obtido por intermédio de um fieri. A pro-cessualidade jurídico-estatal envolve necessariamente uma série de atos, jurídicos ou não, que compõem a dinâmica desse fenômeno. A forma em que esses atos devem estar dispostos caracterizará a processualidade jurídico-estatal.” 26

O procedimento encontra-se ligado à função administrativa. O essencial nele é a constituição do ato administrativo. Os particulares e outros órgãos da administração que sejam parte em face da Administração que emitirá o ato administrativo final não têm poderes para abrir o procedimento, são meros colaboradores no sentido de requerê-lo quando necessário.

Um dos requisitos para o requerimento que inicia o procedimento ad-ministrativo é que o pedido seja possível, que o direito pleiteado esteja pre-visto normativamente. Por isso necessário indicar-se logo no primeiro mo-mento as razões de fato e de direito que originaram aquele requerimento.

O procedimento administrativo terá, a partir do requerimento, diversas fases, encadeadas logicamente, que podem classificar-se da seguinte manei-ra: preparatória, constitutiva, integrativa de eficácia.27

26 PORTA, Marcos de Lima. Processo administrativo e o devido processo legal.27 CUNHA, Paulo Ferreira da. O procedimento administrativo: estrutura.

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Paulo Ferreira da Cunha, analisando a estrutura interna do procedimen-to administrativo, o define da seguinte maneira: complexo de atos, de di-verso caráter material e diversa função, com sujeitos produtores ou interve-nientes distintos, entre si dotados de autonomia relativa, encadenados numa evolução lógica e temporal, direcionados a um fim (interesse público) de que são elementos instrumentais, embora algum desses atos intermediários possa ter importância autônoma suficiente para que se tente impugná-los.

Existem nexos procedimentais de legitimação e de eficácia, que funda-mentam o encadeamento dos atos. Dentre esses nexos pode-se analisar as fases do procedimento administrativo. No caso em questão, sob as regras específicas do Direito Previdenciário.

6. PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO DE PRESTAÇÕES

“A tutela do direito material ao benefício compete ao Estado que, no exer-cício da função administrativa, valendo-se de adequado procedimento, define a existência e extensão de direitos subjetivos públicos, no plano formal. De fato, desde a formulação do pedido de benefício, até a deci-são final exarada pelo Poder Público, estaremos posicionados no âmbito administrativo por excelência — o do procedimento — cujo escopo con-siste na busca da individualização da prestação devida, nos termos da lei, ao beneficiário, titular do direito subjetivo.”28

6.1. Fontes formais

As fontes do direito previdenciário, onde encontramos as normas relati-vas tanto ao direito quanto ao procedimento administrativo para pleiteá-lo, são: a Constituição Federal de 1988, as Leis 8.212/91 e 8.213/91, o De-creto 3.048/99, a Lei 9.784/99, a Portaria 88/2004 e a Instrução Normativa 118/2005.

Embora não consideremos a Instrução Normativa uma fonte formal por tratar-se de mero “manual de procedimento” para a administração, em al-guns casos precisamos analisá-la, pois o servidor público está vinculado a ela, tem obrigação de executá-la, mesmo que suas regras não estejam em conformidade com a lei, em função da presunção de legitimidade e de le-galidade dos atos administrativos. Assim, devemos levá-la em consideração, mesmo que seja para apontar eventuais ilegalidades.

28 BALERA, Wagner. Op. cit.

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6.2. Fases do processo administrativo previdenciário de prestações

“A individualização da prestação pode não se concretizar por intermédio de ato único ou de um único órgão da administração. É certo, mesmo assim, que há (deve haver) entre atos, atores e fases, entrosamento per-feito, expressando de modo total o itinerário procedimental rigidamente formulado pelas normas.

Cada um dos atos que, em coordenação funcional, induzirão a resultante de proteção social, não é dotado de autonomia. O procedimento é en-cadeado. Um ato sucede o outro. E, cada ato se vincula aos anteceden-tes e aos subseqüentes para a dirimência final da questão. Interessam as diversas etapas que integram o itinerário procedimental do pedido de benefício, confeccionando certo produto.”29

A doutrina divide-se sobre quantas fases podem ser identificadas na estrutura do processo administrativo. Aldo M. Sandulli reconhece três fases comuns a todos os processos administrativos: a preparatória, a constitutiva e a integrativa de eficácia. Paulo Ferreira da Cunha reconhece as mesmas três fases de Sandulli, mas acrescenta ao longo de sua análise outros momentos aos quais chama de subfases. Essas subfases, para outros autores, assumem a denominação de fases, de acordo com a importância que cada um lhes dá. A fase preparatória, por exemplo, inclui as fases de instauração e de instrução. Alberto Xavier entende haver cinco fases: inicial, instrutória, decisória, complementar e de impugnação. Hely Lopes Meirelles descreve cinco mo-mentos: a instauração, a instrução, a defesa, o relatório e o julgamento.

“Considerada a natureza alimentar dos benefícios, o legislador imprimiu celeridade a todo o procedimento, fixando rígidos prazos para a respec-tiva conclusão. Assim é que, entre a data da entrada do requerimento, instruído com os documentos pertinentes, e a data do primeiro paga-mento, não poderá ser ultrapassado o prazo de quarenta e cinco dias, de-termina o art. 41, § 6a, da Lei n. 8.213, de 1991. Sempre que, por razões de ordem prática, houver atraso no pagamento do benefício, as parcelas respectivas deverão ser atualizadas monetariamente, conforme comanda o § 7º, do mesmo artigo 41.”30

A Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo federal, deve ser aplicada de forma subsidiária à legislação previdenciária no que toca seus procedimentos. Ela prevê as fases de instauração (arts. 5º ao 8º), instrução (arts. 29 a 46), defesa (arts. 36 a 41, 44 e 46), relatório (art. 47) e julga-mento (arts. 48 a 50).

“Na rotina administrativa, são raras as ocasiões em que o tema de benefí-cios tenha solução liminar. Em geral, o procedimento em que se concre-

29 BALERA, Wagner. Op. cit.30 BALERA, Wagner. Op. cit.

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tiza a concessão (ou denegação) de benefício estende-se por diversas fases ou momentos em que se objetiva, respectivamente, qualificar o segura-do e o beneficiário; verificar a carência; enquadrar a situação de fato no tipo de prestação cabível; apurar o salário-de-benefício; calcular a renda mensal e, finalmente, expedir a comunicação da decisão ao interessado. Pode-se dizer que, o itinerário procedimental, terá seu ponto culminante com o despacho no qual é lavrada a decisão administrativa sobre o pedido. Mas, cada ato integrante da seqüência é, de per si, relevante e, a respecti-va exteriorização, deve se dar de modo objetivo e fundamentado.” 31

6.2.1.  Fase de instauração

“Para pôr em movimento o órgão previdenciário, o beneficiário deve demonstrar que o risco social (o evento ou contingência previsível, a situação de fato típica definida pelo direito objetivo) ocorreu e o atingiu concretamente, produzindo, como efeito, o direito a certo e determinado benefício.” 32

A fase de instauração irá começar com a iniciativa. Por iniciativa en-tende-se o requerimento, quando são apresentados por escrito os fatos e in-dicados os direitos que motivaram o processo administrativo.

“O requerimento é um pressuposto indispensável à constituição do crédito previdenciário do beneficiário. Sem que essa providência esteja formalizada, o Poder Público, representado pela autarquia legalmente incumbida de fornecer as prestações — o Instituto Nacional do Seguro Social — não pode, salvo situações excepcionalíssimas de outorga de ofício do benefício, exercer a função administrativa.” 33

O requerimento da prestação previdenciária pode ser feito pelo interes-sado ou de ofício (nos casos de auxílio-doença).

“O pleito do interessado se expressa, via de regra, em formulário — o pedido de benefício — que, sob o aspecto formal, deve, a um só tem-po, descrever o estado de necessidade (caracterizando a situação de fato definida em lei como risco social); demonstrar a qualidade jurídica do requerente e indicar a espécie de prestação que se postula.”

É feito pessoalmente, ou através de procurador, na Agência da Previ-dência Social mais próxima de sua residência ou através da Internet (nos casos de auxílio-doença e pensão por morte). A facilidade de acesso à Pre-vidência está inserida nos princípios constitucionais da universalidade do atendimento e da descentralização da administração.

31 BALERA, Wagner. Op. cit.32 BALERA, Wagner. Op. cit.33 BALERA, Wagner. Op. cit.

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Têm capacidade para requerer os maiores de 18 anos. Os civilmente incapazes devem ser representados por responsável, tutor ou curador.

“É imprescindível, via de regra, que para fruir benefício, o interessado provoque a Administração Pública.”34

O requerimento no processo administrativo deve ser formulado por es-crito e deve conter: órgão a que se dirige; identificação do interessado ou seu representante; endereço para correspondência; formulação do pedido com exposição de fatos e fundamentos; data e assinatura. No processo adminis-trativo previdenciário, há impressos próprios para facilitar o requerimento do interessado.

No momento do requerimento, o interessado deve juntar os documen-tos que demonstrarão os fatos e o direito. Por exemplo: os comprobatórios do vínculo com a Previdência, do tempo de contribuição, da ocorrência de acidente do trabalho, de falecimento de segurado, de recolhimento à prisão, de exposição a agentes prejudiciais à saúde, de incapacidade laboral, con-forme a contingência que se queira comprovar. Além dos documentos de identificação pessoais e qualificativos.

A apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, conforme art. 176 do Decreto 3.048/99.

“Apresentado o pedido de benefício, a peça, que dá início ao processo, será obrigatoriamente recebida, mesmo quando não instruída com toda a documentação necessária à respectiva apreciação. Eis que determina, adequadamente, o art. 105, da Lei n. 8.213, de julho de 1991, in ver-bis: Art. 105. A apresentação de documentação incompleta não consti-tui motivo para recusa do requerimento de benefício. Tendo diante de si o requerimento do beneficiário, compete ao Poder Público examinar os elementos que lhe estão sendo submetidos e pronunciar-se sobre o direito. Se existe ou não algo a conceder, de tudo deve a autoridade ad-ministrativa atestar, formal e regularmente, inclusive opondo obstáculos legais ao deferimento do que foi requerido.”35

Essa disposição encontra-se de acordo com o direito de petição, garan-tido pelo art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal de 1988.

“A base constitucional para o direito à manifestação da autoridade pú-blica, sobre questões nas quais certo interesse está em jogo, é o direito de petição, garantia sempre presente nas Normas Fundamentais do Brasil. Voltemos nossos olhos para o teor da garantia expressa no art. 5a, inciso XXXIV, da Lei Magna. Eis como se encontra grafado o referido precei-to:

Art.5Q.......................................................................

34 BALERA, Wagner. Op. cit.35 BALERA, Wagner. Op. cit.

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XXXIV — são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direi-tos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; (...).” 36

A data em que é feito o requerimento tem efeitos sobre a data de início de alguns benefícios e seu respectivo pagamento, bem como sobre o cálculo da renda mensal inicial.

6.2.2.  Fase de instrução

Nessa fase, ocorre a elucidação dos fatos apresentados, com produção de provas, depoimento da parte, oitiva de testemunhas, inspeções, perícias, juntadas de documentos, laudos e pareceres necessários.

Durante essa fase, identificam-se alguns dos princípios pelos quais deve se pautar a administração na condução de suas atividades. O devido processo legal deve estar presente em todas as fases. O contraditório e a ampla defesa, a publicidade, o acesso aos autos e informações, aparecem aqui com ênfase, para dirimir quaisquer dúvidas necessárias à obtenção da decisão final. 

“Pode ser que, ausente o documento, o Poder Público não possa exami-nar o direito. Suponha-se que pedido de pensão não tenha sido lastreado com certidão de casamento (cônjuge) ou de nascimento (filho). Sem estar instruído com a certidão, o pedido não trará para o bojo do processo administrativo a prova da relação de dependência existente entre o segu-rado, cuja morte gerou o benefício, e o postulante. Suponhamos, porém, que o tal papel não seja de fácil obtenção por parte do requerente. Ao invés de recusar-se a dar andamento ao pleito, cumpre antes ao INSS, de ofício, pôr em campo os agentes do serviço social para que estes provi-denciem a certidão ou qualquer outro documento que seja considerado indispensável à obtenção do benefício. Essa atividade instrumental se concretiza por intermédio da assistência complementar de natureza jurí-dica a que faz jus o sujeito de direitos.”37

A instrução termina quando todas as informações necessárias à decisão final estiverem disponíveis.

Durante a fase de instrução, no processo administrativo previdenciário, o INSS fará em primeiro lugar a verificação do vínculo ou filiação do inter-essado com a Previdência. Há três possibilidades: segurado, ex-segurado, dependente de segurado ou ex-segurado. O ex-segurado apenas terá direito a qualquer prestação previdenciária se comprovado o direito adquirido em

36 BALERA, Wagner. Op. cit.37 BALERA, Wagner. Op. cit.

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data anterior à perda da qualidade de segurado, ou no caso de aposentadoria por idade amparada pela Lei 10.666/03.

O segundo passo é, considerada a prestação requerida, verificar se houve o cumprimento do requisito carência, prevista nos artigos 25 e 26 da Lei 8.213/91. O período de carência é o número mínimo de contribuições in-dispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício. Independem de carência os benefícios de pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente de qualquer natureza, salário-maternidade (para as segu-radas empregada, empregada doméstica e avulsa).

Outra análise pertinente é verificar se o interessado que pleiteia benefi-cio já não está em gozo de outro benefício previdenciário não acumulável. O art. 167 do Decreto 3.048/99 enumera os benefícios cujo recebimento conjunto não é permitido, salvo casos de direito adquirido. Identificado um desses casos, o interessado deve ser chamado para esclarecimento, antes da eventual decisão de indeferimento do pleito.  

As informações contidas nos documentos apresentados serão compara-das com aquelas constantes dos bancos de dados oficiais da Previdência e outros órgãos estatais, se necessário. Um dos procedimentos autônomos que podem ocorrer dentro do processo administrativo de prestações é a correção de dados cadastrais ou retificação de informações nos bancos de dados ofici-ais. Por isso o interessado deve ser informado de qualquer divergência que afete seu direito.

A crescente informatização dos instrumentos de controle estatais tem por finalidade aumentar sua confiabilidade e eficiência. A utilização das in-formações contidas nos bancos de dados oficiais tem por objetivo facilitar a análise dos fatos e do direito no processo administrativo. Mas os bancos de dados estão sujeitos a erro, já que são alimentados por diversas fontes. O segurado poderá, a qualquer momento, solicitar a retificação das informa-ções constantes no CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais – com a apresentação de documentos comprobatórios sobre o período divergente, conforme previsto no § 2º do art. 29-A da Lei 8.213/91.

A correção dessas informações é essencial para a configuração do direito do interessado, pois os vínculos e salários-de-contribuição do período a par-tir de julho de 1994 ali constantes serão presumidos verdadeiros para fins de contagem de tempo de contribuição e de cálculo de renda mensal inicial de benefícios.

Da análise da documentação apresentada, durante a fase de instrução, podem surgir outros processos intermediários ou solicitações da administ-ração.

Pode-se solicitar a apresentação de novos documentos que auxiliem a instrução e a comprovação do direito pleiteado.

A administração pode realizar entrevista com os beneficiários para es-clarecimentos de dúvidas ou divergências. Pode ser solicitada perícia médica para comprovação de incapacidade.

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No caso de haver documentos inacessíveis ao beneficiário, a administra-ção pode realizar diligências em empresas ou em outros órgãos públicos para complementar a instrução do processo administrativo.

A Lei 8.213/91 prevê no artigo 108 a Justificação Administrativa, um processo intermediário para comprovação de fatos alegados com documen-tação insuficiente para ser considerada prova plena, em que se admite a prova testemunhal.

6.2.3.Fase de defesa

A fase de defesa é mais específica de processos administrativos de punição, disciplinar e fiscal. Mas pode ocorrer durante o processo previdenciário, em procedimentos autônomos que o compõem. Por exemplo, durante a análise da documentação apresentada para a concessão de determinada prestação, a administração pode verificar em seu sistema que não foram pagas algumas contribuições, ou alegar falta de carência. O administrado tem o direito de defender-se e apresentar provas contrárias a essas alegações, que podem originar-se de falhas nos bancos de dados do INSS.

6.2.4.Fase de relatório

Analisadas todas as informações disponíveis no processo, avaliadas as provas, os fatos e o direito pleiteado, a administração normalmente faz um relatório, que servirá de orientação para a decisão final, bem como de docu-mentação da mesma para futura consulta. Esse relatório não tem força de-cisória, mas certamente dará subsídios à motivação do ato final, embora não vincule a autoridade julgadora.

O relatório pode aparecer em diversas fases do processo administrativo, seja na análise inicial, seja em fase recursal, seja ao final de uma perícia.

“É bem possível que, atentando ao elementar princípio de divisão do trabalho, ou para que opere com maior eficiência o processar do pedido, a função administrativa previdenciária se manifeste com a intervenção dinâmica de diversos órgãos e setores, cada qual cumprindo tarefa es-pecífica, preparatória da decisão final sobre o requerimento. Operação técnica destinada a estimar o valor da prestação, será processado pela DATAPREV o cálculo da renda mensal que, depois, será acostado ao expediente que tramita junto ao órgão local do INSS. A perícia médica, quando exigível, poderá ser objeto de intervenção de especialistas, até mesmo de fora dos quadros da instituição previdenciária.”38

38 BALERA, Wagner. Op. cit.

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6.2.5  Fase de julgamento

Alguns autores a consideram a última fase do processo, pois dada a de-cisão final, emitido o ato administrativo desejado, qualquer requerimento de modificação deste seria um novo processo.

“O provimento administrativo requerido produzirá efeitos importantes na esfera jurídica do beneficiário. Ao administrador público cumpre, por conseguinte, pronunciar-se objetivamente sobre a postulação.” 39

O processo administrativo previdenciário apenas terá sua fase final quando decidido pela concessão ou não da prestação pleiteada, esgotada toda a fase recursal administrativa.

“Recebendo o pedido de benefício e não reconhecendo a ocorrência da contingência social que gera a necessidade de proteção previdenciária, ou, ainda, reputando incompletos os elementos fornecidos pelo bene-ficiário, o Instituto Nacional do Seguro Social já está, de certo modo, denegando o pedido.” 40

A fase decisória é aquela em que a autoridade competente, unipessoal ou colegiada, estabelece o objeto do ato que emite a decisão, com as devidas formalidades.

“A decisão a ser proferida pelo Instituto, ao cabo do procedimento su-mário que se descreveu, individualizará a prestação previdenciária, indi-cando pressupostos e elementos objetivos e subjetivos que a identificam. Todos os atos procedimentais até então praticados cooperam para que o ato administrativo decisório seja proferido.” 41

É nela que se dá a notificação, publicação, homologação ou aprovação do que foi decidido.

“Via de conseqüência, a controvérsia se instaura a partir do instante em que o beneficiário toma conhecimento do despacho da autoridade com-petente. Esse ato administrativo, ao qual o direito anterior conferia sin-gela eficácia — tratando-o como um mero ‘comprovante da recusa para ressalva de direitos’ — deve obrigatoriamente consignar, com riqueza de detalhes formais, quais e quantos documentos indispensáveis ao proces-samento do pedido deixaram de ser acostados ao requerimento.” 42

Todas as decisões da administração no processo previdenciário devem estar de acordo com os princípios constitucionais e os específicos adminis-trativos e previdenciários.

39 BALERA, Wagner. Op. cit.40 BALERA, Wagner. Op. cit. 41 BALERA, Wagner. Op. cit.42 BALERA, Wagner. Op. cit.

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“Os princípios inseridos na Carta Magna devem ser rigorosamente re-speitados por todas as formas de exteriorização do poder estatal, onde está incluída a atividade administrativa.” 43

O princípio da legalidade é preceito básico. As decisões devem ser motivadas e devidamente fundamentadas. Qualquer ato decisório, final ou intermediário, deve trazer qual a norma em que está baseado. Isto é funda-mental também para garantir o controle desses atos, tanto judicial quanto em instância administrativa recursal, garantindo os princípios da ampla de-fesa e do contraditório.

“O princípio da legalidade é fundamental para nosso ordenamento ju-rídico porque põe fim à obrigatoriedade de os administrados fazerem ou deixarem de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal). Do ponto de vista da Administração Pública, esse princípio determina que ela somente deve agir de ofício quando a lei lhe permitir. Isso se justifica porque o princípio da legalidade configura-se como um pressuposto do Estado Democrático de Direito, imprescin-dível, pois, para a sua existência. Por isso, ele é um postulado do Estado Democrático de Direito.” 44

É fundamental que a decisão tenha por base as provas e informações constantes no processo administrativo, bem como se interprete devidam-ente a legislação vigente. 45

A decisão final do processo administrativo de prestação previdenciária pode ser: conceder o benefício desejado conforme o pedido; conceder o bene-fício que melhor se conforme ao requerente mesmo que diverso; conceder o benefício divergente do que foi pedido (com erro de cálculo ou de tempo de contribuição considerado, por exemplo); negar o benefício.

“Assiste ao beneficiário o direito de rebelar-se contra cada ato e, após receber a comunicação oficial, interpor o recurso cabível.”46

Proferida a decisão, se o beneficiário dela discordar poderá interpor o re-curso cabível. O processo administrativo prevê uma fase recursal. O recurso será interposto face o CRPS, o Conselho de Recursos da Previdência Social.

Em alguns casos, a decisão da qual se recorre é intermediária. A decisão de capacidade laboral após uma perícia médica, por exemplo, constitui uma decisão intermediária, essencial para a decisão final, que constitui um pro-cesso próprio dentro do processo principal. O recurso dessa decisão é carac-terizado por uma nova perícia, dessa vez feita por uma junta médica, que se negado novamente estará sujeito a encaminhamento ao CRPS.

43 PORTA, Marcos de Lima. Processo administrativo e o devido processo legal. 44 PORTA, Marcos de Lima. Op. cit. 45 COSTA, Nelson Nery. Processo administrativo e suas espécies.46 BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário: benefícios.

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Essa interposição de recurso é feita perante a Agência da Previdência Social responsável pelo processo administrativo inicial. Esta fará um re-exame da documentação e do ato decisório antes de encaminhar o recurso para o CRPS. Verificado qualquer erro, a decisão poderá ser reformada nessa primeira instância. Se a autoridade mantiver sua decisão, então encaminhará o recurso, devidamente relatado e instruído, para as Juntas de Recursos.

As decisões do CRPS se darão em forma de acórdão. São feitas por órgão colegiado, com participação democrática, conforme preceito constitucional, de trabalhadores, empresas e governo. A finalidade é uma decisão garantida no interesse público.

Não há necessidade de esgotamento da via administrativa para a defesa dos interesses do administrado na via judicial. Uma das causas usuais de acesso ao poder judiciário para dirimir as divergências do processo adminis-trativo é a não-observância dos prazos legais para emissão de atos decisórios. A Lei 9.784/99 prevê um prazo de 30 dias para esses atos, e a Lei 8.213/91 prevê 45 dias. É razoável então que, passados 45 dias sem qualquer pronun-ciamento da administração, o beneficiário ingresse com reclamação no poder judiciário.

“Por fim, deve o ato administrativo ser passível de controle pelo Poder Judiciário, já que esse órgão é, por nosso sistema jurídico, o responsável por uma das formas de controle externo exercido sobre a Administração Pública. Além disso, o controle judicial, no Brasil, assume uma impor-tância muito maior do que em certos países da Europa continental, como França, Espanha e Itália, pois nesses países a jurisdição é dual, enquanto no Brasil é una. No Brasil, nenhuma lesão ou ameaça de direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal); já naqueles países nem toda lesão ou ameaça de direito pode ser apreciada pelo Poder Judiciário, uma vez que, na esfera administrativa, em certos casos, as decisões fazem coisa julgada material, intangíveis até mesmo pelo Poder Judiciário.”47

Por outro lado, mesmo após as decisões em nível recursal, o beneficiário pode manter a convicção de seu direito, diverso daquilo que foi decidido. As decisões administrativas não fazem trânsito em julgado para o adminis-trado, que pode recorrer judicialmente. Mas fazem trânsito em julgado para a Administração, o que numa análise coerente pode ser identificado como uma desigualdade frente ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

6.2.6.  Fase integrativa de eficácia

Concedida a prestação previdenciária, há outras fases que entendemos componentes do mesmo processo, pois referentes às mesmas partes e ao mes-mo objeto, relativas à manutenção da prestação.

47 PORTA, Marcos de Lima. Processo administrativo e o devido processo legal.

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“O Ato administrativo existe, está perfeito, no momento do termo da fase constitutiva. Por isso, a fase integrativa de eficácia é auxiliar, secun-dária, face à também chamada ‘essencial’ (ALESSI), aquela em que o tipo legal do ato fica preenchido. Daqui que não só a fase integrativa de eficá-cia seja eventual, podendo de todo não ocorrer, não ser necessária, e não existir, portanto. No caso normal da produção desta fase num tempo ter-minal do P. A., é ela portadora de simples efeitos declarativos, pelo que a eficácia que permite ao ato é naturalmente contada desde o momento em que este atingiu a sua completude, desde o fim da fase constitutiva (eficácia ex tunc). A eficácia, lembremo-lo, é a aptidão de um ato para a produção de efeitos jurídicos, para operar modificações jurídicas: de índole constitutiva, declarativa ou preclusiva, sob o plano substancial ou processual Só no caso da concreta anulação do ato, em que ele é banido do mundo do direito, só então a eficácia perderá com a invalidade, me-lhor, com o retirar prático das suas conseqüências jurídicas.”48

Entre os procedimentos integrantes da fase integrativa de eficácia, en-contram-se: a implantação do benefício concedido e a efetivação do paga-mento da renda mensal e eventuais valores atrasados, relativos à demora na concessão do mesmo; as perícias periódicas obrigatórias previstas nos benefícios por incapacidade; a auditoria periódica prevista para controle de concessão realizada pela Administração; os reajustes anuais para preservação do valor real das prestações previdenciárias; o procedimento de renovação de benefícios por incapacidade; a transformação ou conversão de benefício de incapacidade temporária para benefício de incapacidade permanente; o cancelamento de benefícios por irregularidade devidamente comprovada; o procedimento de cessação de benefício por falecimento do beneficiário ou por desaparecimento da contingência ou necessidade (no caso de incapaci-dades).

Dos atos relativos à integração de eficácia citados acima também cabe recurso caso o beneficiário deles discorde. Esse recurso também seguirá as instâncias previstas na via administrativa e a possibilidade de recurso judi-cial, conforme citado acima.

7. CONCLUSÕES

Após a análise das características do processo administrativo previden-ciário de prestações, a conclusão a que se chega é pela adequação do mesmo aos preceitos constitucionais e administrativos.

No entanto, há problemas diversos. São estes relacionados mais à ex-ecução do processo administrativo que à sua estrutura legal. Os problemas podem ser resumidos numa palavra: gestão.

48 CUNHA, Paulo Ferreira. Op. cit.

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Para atender aos objetivos da Previdência Social, em conformidade com os princípios constitucionais da Seguridade Social de universalização de atendimento e cobertura, há necessidade de uma gestão eficiente da “má-quina administrativa”. A “demanda” será mais intensa à medida que se ampliar a cobertura previdenciária à maioria da população. Para atendê-la com eficiência é essencial uma administração com quantidade e qualidade suficientes, com bancos de dados consistentes, servidores treinados, equipa-mentos não obsoletos.

Não se pode esquecer que o objetivo principal da prestação previden-ciária é a substituição da renda do trabalhador num momento de neces-sidade causado por uma contingência legalmente prevista. A fim de não agravar a situação de necessidade, a concessão dessa prestação é urgente. Pouco resolve, por exemplo, a concessão de um auxílio-doença, cuja carac-terística básica é uma incapacidade temporária, ser feita vários meses após o requerimento, se nesse momento encontrar o beneficiário já recuperado, mas que ficou sem condições de sustentar a si e a sua família enquanto esteve incapaz.

Há que se cuidar para que seja atingido o objetivo primordial da presta-ção previdenciária. Porque este é a própria razão de ser de toda a estrutura institucional específica, criada exatamente para atender as necessidades do segurado.

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