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Juliana Wierman Baptista O PROCESSO CRIATIVO À LUZ DA PSICANÁLISE DE MELANIE KLEIN E DONALD WINNICOTT Pontifícia Universidade Católica São Paulo 2008

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Juliana Wierman Baptista O PROCESSO CRIATIVO À LUZ DA PSICANÁLISE DE MELANIE KLEIN E

DONALD WINNICOTT

Pontifícia Universidade Católica São Paulo

2008

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Juliana Wierman Baptista O PROCESSO CRIATIVO À LUZ DA PSICANÁLISE DE MELANIE KLEIN E

DONALD WINNICOTT

Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação no curso de Psicologia, sob orientação da Profa. Maria Claudia Vieira.

Pontifícia Universidade Católica São Paulo

2008

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Agradecimentos

Agradeço à minha mãe, por sua presença amorosa, que me acalmou nos momentos de

insegurança, e celebrou comigo as conquistas.

À Profª. Marilza Savioli, por seu olhar.

Ao meu irmão Gustavo, pelo companheirismo.

Ao Eduardo, por nossas tantas comunicações.

À Profª. Maria Claudia Vieira, por suas orientações ao longo do processo.

E aos meus amigos, pelas risadas, pelas horas de estudo, e por terem feito da faculdade

muito mais que uma experiência acadêmica.

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Juliana Wierman Baptista: O Processo Criativo à luz da Psicanálise de Melanie Klein e

Donald Winnicott, 2008.

Orientadora: Profª. Maria Claudia Vieira

Palavras-chave: criatividade, psicanálise, processos criativos.

Resumo

O presente trabalho trata sobre a criatividade procurando refletir sobre o que

possibilita seu surgimento no ser humano e, uma vez presente, o que ela possibilita que

os indivíduos produzam.

O tema é trazido a partir das obras de Melanie Klein e Donald Winnicott, em

uma reflexão teórica sobre como os autores apresentam suas compreensões sobre a

criatividade humana. Para Klein a criatividade está relacionada ao impulso de reparação

e à gratidão ao seio da mãe. A partir do sentimento de culpa por ter ferido um objeto,

surge na criança o desejo de reparar os danos feitos, e é daí que provém o impulso

criador. Na teoria kleiniana a capacidade de reparação permite a criação artística e

também a possibilidade que o ser humano tem de interessar-se pelas coisas cotidianas, e

envolver-se com elas. Winnicott fala sobe a presença de uma criatividade originária que

está presente desde o nascimento e está relacionada ao viver humano e ao

relacionamento do homem com o mundo e não apenas à criação de obras de arte. Em

sua teoria, ele relaciona as criações artísticas ao campo da cultura, que se encontra no

âmbito do espaço potencial. Assim, ambos – dadas as diferenças teóricas – se referem à

criatividade como proveniente do desenvolvimento emocional do homem, e como

possibilitadora de criações artísticas e de um viver criativo cotidiano.

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Sumário

Introdução..........................................................................................................................6

Metodologia.....................................................................................................................15

Capítulo I: Klein e a criatividade.....................................................................................16

Capítulo II: Winnicott e o viver criativo.........................................................................26

Discussão.........................................................................................................................40

Considerações Finais.......................................................................................................45

Referências Bibliográficas...............................................................................................46

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Introdução

“Criar não é imaginação, é

correr o grande risco de se ter a realidade”.

Clarice Lispector

A criatividade é um tema presente na psicanálise, tanto como conceito teórico

quanto relacionado a criações artísticas como pintura, literatura, música. Muito foi dito

sobre o processo de criação das obras de arte, e sobre a criatividade como parte dos

processos humanos.

Ao pensar sobre a produção de um trabalho, primeiramente refleti sobre os

possíveis temas que me interessariam, mas, ao fazer isso, percebi uma grande

dificuldade na escolha do mesmo, e outra em começar a trabalhar com ele. Imersa nas

dificuldades de criação, de começar a escrever e a produzir algo, escolhi finalmente a

criatividade e os processos criativos.

Deparei-me com Clarice Lispector em “A Descoberta do Mundo” (1992),

falando sobre o início de sua atividade como escritora. Em “Escrever” (p.304), ela conta

que, quando tomou posse de sua vontade de escrever, sentiu-se em um vácuo que

somente ela poderia compreender e do qual apenas ela poderia se reerguer. Narra que,

no início de seu processo de criação, o sentido das coisas se contradizia e que tinha

medo de não poder, não conseguir fazer aquilo que gostaria. Ao final ainda rasgou o que

produziu, e, durante este tempo não contou a ninguém o que fazia, “vivia aquela dor

sozinha” (Lispector, 1992, p. 304.). Diz ainda que, para ela, escrever sempre foi difícil.

A compreensão do processo de criar, sua origem e o que ele possibilita, foi o que me fez

interessar por este tema e o que se tornou a questão trazida neste trabalho.

Diversos autores da psicanálise postularam concepções sobre este tema, desde

surgimento da mesma com Sigmund Freud, e outros como Melanie Klein e Donald

Winnicott também abordaram o assunto em suas teorias. Uns se voltaram à

compreensão do processo de criação de obras de arte e obras literárias, outros, como

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Winnicott, a compreenderam como a atitude do indivíduo frente ao universo que o

cerca.

Neste trabalho vou me aprofundar nas idéias de Klein e Winnicott para seguir a

linha da escola inglesa da psicanálise e porque ambos os autores dedicaram artigos

sobre o tema, ao longo de seus escritos. Ao estudar o assunto percebi que a reflexão

sobre o que a criatividade possibilita e o que a viabiliza abre caminhos para

compreendermos as questões humanas mais diversas. Alguns autores psicanalistas

brasileiros como Andrade (1997) e Persicano (2002) relacionam o aparecimento da

criatividade no humano com o próprio início da espécie, a partir do qual começou-se a

desenvolver os campos da cultura e civilização, desde a pré-história com as pinturas nas

cavernas e o início dos rituais religiosos. Outros a relacionam com importantes aspectos

do psiquismo humano; para Klein, por exemplo, está relacionada ao desenvolvimento

emocional infantil, com o aparecimento da capacidade de reparação; já para Winnicott,

ela envolve o amadurecimento pessoal do indivíduo, possibilitando, ao longo de seu

desenvolvimento, a expansão de seus interesses do brincar para todo o campo da cultura

e daquilo que é compartilhado entre os humanos. Outeiral (2002), no livro Paixão e

Criatividade, fala sobre o fascínio que o tema desperta por abordar questões

relacionadas ao nosso viver e por sermos tocados pelas obras de arte e sentirmos que

elas falam conosco e que, elas, ao mesmo tempo nos proporcionam uma experiência

universal e íntima. Diante disso, apresento a seguir um passeio pela bibliografia

levantada sobre o tema.

Nas origens dos estudos sobre a criatividade, Freud, ao utilizar o termo

criatividade em “Escritores Criativos e Devaneio” (1908) se refere à capacidade do

escritor criativo de despertar emoções no leitor, e faz o questionamento sobre o que

determina a natureza da arte de criação imaginativa. O autor se pergunta se deveríamos

buscar na infância os primeiros traços de atividade imaginativa. Ele ainda descreve a

atividade artística e a investigação intelectual como principais atividades de

sublimação. (Laplanche, 1992).

Segundo Freud, tanto o escritor criativo como a criança brincando estão fazendo

a mesma coisa. Em ambos há muita emoção no que fazem, criando um mundo de

fantasia, mas mantêm este mundo nitidamente separado da realidade. O adulto deixa de

brincar, mas substitui tal atividade pelo devanear e fantasiar. No entanto,

diferentemente da criança quando brinca, o adulto não mostra suas fantasias a outras

pessoas, envergonha-se delas. Isto acontece pois suas fantasias são infantis e proibidas,

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motivadas por desejos eróticos ou ambiciosos, e estas fantasias conscientes e devaneios

são satisfações onipotentes de desejo, ignorando a realidade interna e o conflito mais

profundo, já que possuem caráter egocêntrico. Ou seja, quando o indivíduo devaneia,

na maior parte das vezes ele mesmo é o personagem principal, que consegue tudo o que

deseja em sua mente.

Desta forma, Freud descreve que a obra literária, assim como o devaneio, é uma

continuação ou um substituto do brincar infantil, mas a criação artística é algo que é

realizado no mundo externo em que o artista procura entrar em contato com seu

conflito e resolvê-lo em sua criação (Segal, 1993), diferentemente do devaneio, que é

uma satisfação onipotente, não é mostrado a ninguém e evita o contato com os conflitos

ao ignorar a realidade externa para satisfazer egocentricamente o desejo do devaneador.

Andrade (1997) afirma que Freud atribui a origem da criatividade ao processo

de elaboração da perda do narcisismo primário e à convivência com a frustração, ou

seja, à passagem do psiquismo do princípio de prazer – em que há uma realização

alucinatória e onipotente do desejo – para o de realidade, em que há a presença do

mundo externo e dos objetos. Desta forma, o princípio de prazer passa a buscar

satisfação por meio da fantasia, que é “um intermédio entre a alucinação e o

pensamento” (Andrade, 1997, p. 583). Dependendo da capacidade do ego, a fantasia

pode tomar diferentes rumos, entre os quais, dois que dizem respeito à criatividade: o

do pensamento e o da sublimação. Segundo Andrade (1997), o pensamento é o

responsável pelas criações científicas, e a sublimação pelas criações culturais como a

religião e a arte.

Joel Birman (2002), em seu artigo no livro Psicanálise, Arte e Estéticas de

Subjetivação, também utiliza a teoria freudiana para falar sobre a criatividade. Ele diz

que Freud, ao introduzir o conceito de sublimação, afirma que ela é conseqüência do

recalque da sexualidade perverso-polimorfa, e, assim, ao se criar uma obra de arte, a

pulsão erótica é sublimada. Pensando desta maneira, haveria uma oposição entre criar e

erotizar, dando a idéia de que toda criação é da ordem da espiritualização e do sublime.

No entanto, Birman (2002) diz que Freud muda estas concepções alterando a teoria da

sublimação a partir do texto sobre Leonardo da Vinci em 1910, em que a sublimação

suporia a presença da erotização e não mais seria decorrente do recalque da

sexualidade. A partir deste texto ele também coloca que o que está por trás dos

processos sublimatórios de da Vinci é a pulsão de saber, a mesma da qual se refere

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quando fala sobre as teorias sexuais infantis que procuram responder de onde vêm os

bebês.

Sobre a diferença entre criações científicas e criações artísticas, Birman (2002) a

atribui à presença do “falo” na criação científica, que proporcionaria um sentimento de

completude – sentido por Leonardo da Vinci em suas criações científicas – em oposição

a um sentimento de incompletude com relação a suas criações artísticas.

O conceito de sublimação é ampliado na obra de Freud a partir de “Totem e

Tabu”, de 1913. Desde então, Freud introduz a religião e a filosofia como campos do

processo de sublimação, além da ciência e da arte. Birman (2002) continua explicitando

que mais tarde, em 1915 em “As Pulsões e seus Destinos”, Freud reafirma a mudança

com relação à primeira explicação sobre o conceito de sublimação, dizendo que a

sublimação e o recalque são dois diferentes destinos da pulsão – e não que a sublimação

se dá a partir deste. Isto também reafirma a concepção de que a sublimação tem como

substrato a pulsão sexual.

Birman (2002) continua expondo o desenvolvimento do conceito ao longo da

obra de Freud. Ele afirma que com o aparecimento do conceito de pulsão de morte, em

1920, há uma nova mudança:

Diante da morte como possibilidade e imperativo real da condição humana, o psiquismo se valeria de duas modalidades complementares para a sua evitação e regulação, quais seja, a erotização e a sublimação. Assim, erotizar seria uma forma verbal intransitiva do psiquismo na qual esse se oporia ao movimento de ser para a morte, pela ligação que seria promovida da força pulsional aos objetos de satisfação propiciados pelo outro. Sublimar, em contrapartida, implicaria a reutilização da força pulsional, agora erotizada, na criação de novos objetos de satisfação possível. (p. 114)

Ele considera, portanto, que a sublimação permite criar novos objetos e novas

ligações pulsionais. Ela seria, desta maneira, uma renovação do erotismo, pois

possibilita a reabertura de novos campos de investimento objetal.

Ele compreende ainda o psiquismo como sendo capaz de movimento e criação –

ou seja, ele faz “processamentos”, se movimenta, no sentido do confronto permanente

entre conflitos, originando as produções psíquicas –, sendo o movimento o que

possibilita a criação. Em outras palavras, os conflitos são o substrato para que o

psiquismo possa funcionar criativamente e continuar se transformando. Assim, a

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criatividade a que Birman (2002) se refere é uma produção do psiquismo, uma

subjetividade criadora. Esta subjetividade criadora é o que possibilitaria a experiência

de criação artística, pois não pode haver experiência de criação sem um agente criador;

ele acredita que isto é necessário, no entanto não é condição suficiente para a criação

artística e que, as outras condições fogem do campo da psicanálise e outras disciplinas é

que devem procurar compreendê-las.

Amati-Mehler (1997), apresenta a visão da psicanalista Castellano-Maury sobre

o impulso criador relacionado à compulsão à repetição a que Freud se refere e descreve

como uma pulsão independente do princípio de prazer. Segundo Mehler (1997),

Castellano-Maury considera a compulsão à repetição como “força pulsional primária de

criatividade” (p. 615) que, no entanto, é modificada por diversos fatores que afetam o

indivíduo, como o ambiente em que ele foi criado, mecanismos inatos que ele possua, e

pela própria sucessão de processos criativos ao longo da vida. Assim, esses diferentes

fatores contribuem com a compulsão de criar, fazendo com que ela não se torne

repetitiva e permitindo que o artista se inove a cada criação.

Ainda com relação à teoria freudiana, Perestrello (1997), psicanalista e escritora

carioca, explica a relação entre os processos primários, regidos pelo id – e pelo

princípio do prazer –, e os processos secundários, que envolvem o consciente e o pré-

consciente – regidos pelo princípio de realidade –, na criatividade. Ela, no entanto,

apresenta uma nova visão proposta pelo psiquiatra Silvano Arietti, em que haveria uma

integração entre este dois processos, denominada processo terciário. Neste processo,

durante a criação, apareceriam combinados elementos de um e de outro – do primário e

do secundário –, como a “mente e a matéria, a realidade psíquica e a externa e muitas

vezes o racional com o irracional” (Perestrello, 1997 p. 568). Perestrello também cita

Pinchas Noy, psicanalista da Europa central, outro autor que se utiliza deste conceito de

processo terciário, afirmando que a experiência estética da arte depende destas

combinações particulares. Para ele o processo primário não permanece estático e sem

modificações como dito na psicanálise de Freud; ele está sempre presente e se

modificando junto com outras funções mentais.

Andrade (1997) apresenta uma outra contribuição sobre o tema da criatividade:

ele faz uma relação entre o início do estabelecimento da estrutura psíquica no ser

humano na pré-história e o desenvolvimento da cultura. Ele afirma que a criatividade

surge como forma de promover adaptações nos seres humanos e manter sua

sobrevivência. Isto mostra a importância do tema, já que o aparecimento da criatividade

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é associado à origem do psiquismo e o início de tudo aquilo que faz parte do humano,

como a cultura e a civilização.

Persicano (2002) também apresenta uma visão da criatividade como nascida

junto com o aparecimento da espécie humana. Ela propõe que o próprio processo de

subjetivação do homem é um processo criativo, que a constituição de uma subjetividade

acontece junto com a criação do aparelho psíquico.

Segundo a autora:

A arte é coetânea ao aparecimento da humanidade, é a explosão criativa que ocorreu na vida. E a história da humanidade é contemporânea à história da criatividade humana. [...] O despontar na vida da capacidade de criar, ou criatividade, é o que caracterizará a espécie humana. Tudo o que o humano faz é parte desta capacidade de criação, de que a arte é a concentração explosiva. (p. 196, 197)

A autora parte disso e apresenta uma teoria neurológica sobre o aparecimento da

criatividade como a utilização de novas partes do cérebro humano, fazendo com que

novas relações entre partes deste e com estímulos do exterior – entre um humano com o

outro – fizesse com que o instinto humano se tornasse pulsão. A própria autora diz que

esta idéia pode ser uma “aberração biológica ou irreverência psicanalítica” (Persicano,

p.197), mas a partir desta interdisciplinaridade, desenvolve sua idéia abarcando as

diversas criações psíquicas, como o brincar, os sonhos, o viver humano cotidiano, e que

estes processos envolvem os mesmos mecanismos da criação artística. Ao falar sobre

isto, a autora se apóia nas teorias da psicanálise da escola inglesa, com Melanie Klein,

Hanna Segal e Donald Winnicott.

Segundo Segal (1993), para Freud, a criação do artista diferencia-se do

devaneio, pois o artista realiza algo no mundo externo e real. A autora relaciona isto

com o que Melanie Klein diz sobre a conquista da posição depressiva, em que o bebê

tem que aceitar que a mãe é uma figura externa e existe independentemente dele

próprio. Em “Situações de Ansiedade Infantil Refletidas em uma Obra de Arte e no

Impulso Criativo” (1929), Klein relaciona pela primeira vez a necessidade de reparação

com a origem do impulso criador, ou seja, a necessidade do artista seria recriar algo que

sente em seu mundo interno. Neste artigo ela fala sobre a fusão dos impulsos eróticos e

destrutivos como sendo representante de saúde, e sobre os conceitos de culpa e

reparação ligados à criatividade. Ela afirma que o impulso de restaurar o objeto ferido

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depois de uma crítica destrutiva resulta no criar. A criança, nesta fase inicial do

desenvolvimento, expressa seu sadismo através de ataques contra os pais e outros

objetos. Assim, quando os objetos são introjetados, o ataque feito contra eles faz com

que o sujeito tenha medo de sofrer um ataque semelhante dos objetos externos e

internalizados. Isto é superado quando a criança é capaz de criar um amor objetal,

vencendo seu sadismo através da compaixão. A partir disso, Segal (1993), afirma que:

O ato de criação, no fundo, tem que ver com uma memória inconsciente de um mundo interno harmonioso e com a experiência de sua destruição – isto é, com a posição depressiva. O impulso é de recuperar recriar esse mundo perdido. (p.103)

Assim, para se tornar compatível com a arte, a fantasia do artista deve perder seu

caráter egocêntrico, integrando a percepção da realidade externa e a percepção da

relação com os outros. Desta forma, pode-se dizer que para a imaginação se tornar mais

rica e poder criar algo do âmbito da arte – diferentemente do devaneio típico,

egocêntrico – o artista necessita abandonar a satisfação onipotente de seu desejo e

enfrentar, de certa forma, a posição depressiva.

Uma outra contribuição ao tema da criatividade partiu de Donald Winnicott.

Segundo este autor, a idéia de criatividade refere-se às atitudes do indivíduo com

relação ao mundo, ao estar vivo, e não apenas a uma obra de arte ou a uma criação bem

sucedida. Segundo Winnicott, esta capacidade de olhar o mundo criativamente é

denominada apercepção, e é o que nos traz o sentimento de que a vida é digna de ser

vivida, e isto constitui um estado saudável. Por outro lado, há um estado doentio de se

colocar perante a vida, submisso, em que o sujeito sente que apenas deve se adaptar à

realidade externa, apenas ter percepção sobre os objetos externos, levando-o a

experienciar um sentido de inutilidade.

O impulso criativo, portanto, é algo que pode ser considerado como uma coisa em si, algo naturalmente necessário a um artista na produção de uma obra de arte, mas também algo que se faz presente quando qualquer pessoa – bebê, criança, adolescente, adulto ou velho – se inclina de maneira saudável para algo ou realiza deliberadamente alguma coisa, desde uma sujeira com fezes ou o prolongar do ato de chorar como fruição de um som musical. (Winnicott, 1959-64, p. 100).

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Assim, a criatividade a que Winnicott se refere relaciona-se com a visão do

indivíduo em relação à realidade externa. Para o autor, a interação entre a realidade

externa, objetivamente percebida, e a realidade interna, subjetivamente concebida, é

muito importante. Isto pode ser percebido pelas primeiras experiências da mãe com seu

bebê. O bebê cria o seio da mãe quando tem necessidade, e a mãe – suficientemente

boa – lhe apresenta o seio real no momento exato em que ele está preparado para criá-

lo. Assim, ela permite que seu bebê tenha a ilusão de que seu seio foi criado por ele, ou

seja, que a realidade externa corresponde à sua capacidade de criar. Ao longo do

desenvolvimento do bebê, a mãe deve aos poucos desiludi-lo, para que ele possa

agüentar as frustrações do desmame. Winnicott afirma que estes primeiros estádios do

uso da ilusão permitem que os fenômenos transicionais possam ocorrer:

Os objetos transicionais e os fenômenos transicionais pertencem ao domínio da ilusão que está na base do início da experiência. Este primeiro estádio do desenvolvimento é tornado possível pela capacidade especial, por parte da mãe, de efetuar adaptações às necessidades de seu bebê, permitindo-lhe assim a ilusão de que aquilo que ele cria existe realmente. (Winnicott, 1953, p.30).

Winnicott afirma ainda que há casos extremos em que o indivíduo não é capaz

de perceber a realidade externa, mantendo-a como fenômeno subjetivo e alucinando.

Há também indivíduos tão enraizados

no mundo externo, objetivo, que perdem o contato com o mundo subjetivo e suas

riquezas, e não são capazes de viver criativamente.

Winnicott (1959-64) aponta sua diferença com Freud e Klein ao colocar como

fundamental a provisão ambiental que atende o bebê, que, se é suficientemente boa,

torna o bebê capaz de enfrentar a perda da onipotência. Assim, para ele, viver

criativamente e sentir que a vida vale a pena ser vivida, ou o contrário – não viver

criativamente e possuir dúvidas sobre o valor de viver – está relacionado às provisões

ambientais recebidas pelo bebê nas fases mais primitivas de sua experiência de vida.

Desta forma, Winnicott (1959-64) afirma que “o teórico tem que levar em conta

o meio ambiente, e nenhuma afirmação que se refira ao indivíduo como ser isolado

pode tocar o problema central da fonte da criatividade.” (p.103).

Winnicott, como Freud (1908), também relaciona o brincar com os processos

criativos. Sobre isto, ele afirma:

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É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self). (Winnicott, 1975, p.80).

O brincar possui uma área que não é o mundo interno nem tampouco o externo;

é um espaço potencial entre o bebê e a mãe. As experiências culturais do adulto são

uma evolução do brincar, que, por sua vez, são uma evolução direta dos fenômenos

transicionais. O brincar no adulto pode ser encontrado em sua escolha de palavras e no

seu senso de humor, e o espaço potencial envolve tudo aquilo que diz respeito à cultura

humana, às artes e à ciência.

Alguns autores fazem ainda uma reflexão sobre o papel da análise na

criatividade, como aquela influenciaria nesta: há constantemente questões sobre se a

análise faria os artistas pararem de criar ou se os ajudaria a se sentirem mais livres para

isto. Este assunto é material que estimula pesquisa, no entanto, não há espaço aqui para

discuti-lo. 1

Relembro que o objetivo deste trabalho está na apresentação de como a

criatividade é compreendida nas teorias kleiniana e winnicottiana, buscando neles a

questão de sua origem no ser humano, quais mecanismos a viabilizam e, se

conquistada, o que ela pode possibilitar para os indivíduos.

1 Indico aqui os autores e artigos em que estas reflexões podem ser encontradas: ANDRADE, Victor Manoel. Criatividade, Cultura e Estrutura Psíquica. Revista Brasileira de Psicanálise, Psicanálise e Criatividade. São Paulo, v.31, n.3, p.587, 1997. BIRMAN, Joel. Fantasiando sobre a Sublime Ação. In: BARTUCCI, Giovanna. (org). Psicanálise, Arte e

Estéticas de Subjetivação. Rio de Janeiro: Imago, 2002. p.94. PERESTRELLO, Marialzira. O Artista e a Psicanálise. Revista Brasileira de Psicanálise, Psicanálise e Criatividade. São Paulo, v.31, n.3, p.573, 574.

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Metodologia

Este estudo tem como finalidade uma reflexão teórica acerca do que possibilita o

surgimento da criatividade no ser humano e o que ela possibilita ao viver humano, à luz

da psicanálise de Melanie Klein e Donald Winnicott.

Na Introdução, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o tema, em

que foram apresentadas as reflexões de alguns autores sobre o assunto, dentre eles

Freud, que dedicou diversos artigos a respeito das criações artísticas. Em seguida foram

aprofundadas, em dois capítulos, as idéias de Klein e Winnicott, que são dois autores de

relevância e de referência para muitos outros que os sucederam, e que se dedicaram ao

estudo da criatividade no desenvolvimento humano. Ambos fazem parte da escola

inglesa de psicanálise e suas teorias dialogam, já que Winnicott foi um estudioso da

obra de Klein e pôde tecer suas aproximações e divergências.

No capítulo destinado às contribuições da obra de Klein sobre a criatividade, os

artigos foram lidos de acordo com o que, em sua teoria do desenvolvimento emocional,

relacionava-se com o surgimento da criatividade. Assim, iniciou-se com a leitura de

“Situações de Ansiedade Infantil Refletidas em uma Obra de Arte e no Impulso

Criativo” (1929) e, a partir de sua afirmação de que o impulso criador está relacionado à

capacidade de reparação, buscou-se traçar outros aspectos relacionados a isso que

possibilitassem a compreensão do tema. O procedimento foi o mesmo no capítulo de

Winnicott: os artigos foram lidos de acordo com sua relevância para a compreensão das

idéias deste autor sobre a criatividade.

Assim, pôde-se levantar, na literatura destes autores, como eles compreendem a

questão do surgimento da criatividade e o que ela possibilita, e refletir sobre como suas

idéias respondem à questão. Também foi feita uma breve articulação entre suas idéias,

não com o intuito de compará-los, mas levando em conta os pontos em que eles se

aproximam ou se afastam.

É importante ressaltar que, a partir deste trabalho, procurou-se fazer um recorte

possível sobre a criatividade na obra destes autores, não sendo possível abranger todos

os seus aspectos.

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Capítulo I: Klein e a Criatividade

“De quanto deixei escrito nas páginas

se desprenderão sempre – como nos arvoredos do outono

e como no tempo das videiras – as folhas amarelas

que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.

Minha vida é uma vida feita de todas as vidas:

as vidas do poeta”.

Pablo Neruda

Na teoria kleiniana, a criatividade está ligada ao impulso de reparação, ou seja,

ao aparecimento da posição depressiva. Tal ligação é descrita em “Situações de

Ansiedade Infantil Refletidas em uma Obra de Arte e no Impulso Criativo” (1929).

Neste artigo, a autora estabelece uma relação direta entre a necessidade de reparação e a

origem do impulso criador, ou seja, a necessidade do artista seria recriar, no mundo

externo, o que sente em seu mundo interno. Ela coloca a fusão dos impulsos eróticos e

destrutivos como sinal de saúde e inclui os conceitos de sentimento de culpa e

reparação. Klein estabelece pela primeira vez uma ligação entre criatividade e as

profundas ansiedades arcaicas. Ela afirma que o ato de criar é resultado do impulso de

restaurar, reparar o objeto ferido depois de uma crítica destrutiva e exemplifica isto

através do menino da ópera de Ravel baseada no libreto de Collete, em que, após

destruir a sala e ser perseguido pelos objetos, cuida de um esquilo ferido como modo de

reparar os danos feitos. Ao longo do desenvolvimento de sua teoria, Klein modifica a

importância da reparação para o surgimento da criatividade, afirmando, após 1957, que

ela é apenas secundária ao processo que leva da gratidão – conceito introduzido em

“Inveja e Gratidão” – à criatividade.

Torna-se necessário, para a compreensão da idéia do impulso criador ligado à

posição depressiva, um esclarecimento a respeito do desenvolvimento emocional

infantil e como se dá o início dos sentimentos de culpa e reparação.

Em “Amor, Culpa e Reparação” (1937), Klein descreve, de maneira informal, –

pois o texto teve origem a partir de uma série de palestras – a situação emocional do

bebê. Segundo a autora, a mãe é, desde o início, para o bebê, seu objeto de amor e ódio.

Ele a ama quando ela satisfaz suas necessidades de alimentação, oferecendo-lhe o seio

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que cessa sua fome e dá o prazer da sucção, prazer este que demonstra a primeira

expressão da sexualidade da criança. No entanto, quando seus desejos não são

satisfeitos e ele sente o desconforto da fome e outros incômodos físicos, o bebê passa a

odiar a mãe, desejando destruí-la. Quando a mãe satisfaz as necessidades de seu bebê,

os sentimentos de ódio e agressividade são aliviados, promovendo nele a sensação de

segurança. “Assim, o seio da mãe que traz a gratificação ou a nega adquire, na mente da

criança, as características do bem e do mal” (Klein, 1936 p.331). A isto estão

relacionados os mecanismos de projeção e introjeção. O bebê volta seu ódio ao seio

quando este não se apresenta, e atribui tal ódio a ele, que adquire características

persecutórias e retaliadoras, que ameaçam o bebê com os mesmos ataques sádicos que

este cometeu contra aquele – este é o mecanismo de projeção. Ao mesmo tempo o bebê

também absorve, na fantasia, os acontecimentos do mundo externo – introjeção. Por

meio deste mecanismo, ele introjeta as experiências de prazer, registrando-as como

objetos bons. Ele também registra objetos maus, através das experiências de desprazer e

pelas projeções agressivas que faz contra estes.

Segundo Klein, os impulsos e fantasias do bebê são acompanhados pela

construção da fantasia ou pensamento imaginativo. O bebê pode imaginar a presença do

seio da mãe quando ele não está presente e imaginar também a satisfação que o seio lhe

traria. O bebê pode também possuir fantasias destrutivas, em que sente que realmente

destruiu o objeto. Para lidar com o medo de ter destruído o objeto, o bebê possui

fantasias onipotentes restauradoras. No entanto, essa reparação onipotente é

característica de uma defesa maníaca – como reparar obsessivamente, negar ou aniquilar

o objeto, por exemplo –, não podendo ser considerada, portanto, bem-sucedida e ter

como conseqüência o impulso criador. É somente quando a reparação permite superar o

sadismo – que está presente desde o início e que acompanha o desenvolvimento da

libido – é que se dá a passagem para a posição depressiva e que se pode de fato possuir

o impulso criador.

Neste início da vida emocional, a mãe não é vista pelo bebê como um objeto

inteiro separado dele, mas sim como uma extensão de si mesmo e algo a ser consumido.

Este modo de relacionar-se com o objeto é denominado, por Klein, de relação de objeto

parcial. Os objetos parciais estão divididos, na mente da criança, entre bons e maus.

Nesta etapa, há o predomínio do sadismo e se vive sob o domínio das etapas pré-

genitais, que são regidas pela “lei da selva”, em que o objeto é algo a ser devorado,

destruído e controlado. Esta colocação perante o objeto gera o medo de ser perseguido

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por ele, devorado, ou seja, uma angústia paranóide; isto caracteriza o que Klein

denomina de posição esquizo-paranóide.(Cintra, 2004).

Ao longo do desenvolvimento, o bebê vai reconhecendo o objeto como separado

de si, ou seja, a mãe como sujeito autônomo e desejante, em outras palavras, como um

objeto total. A noção de objeto total envolve a união, por parte do bebê, das

características boas e más do objeto. Ele agora percebe que tais características fazem

parte do mesmo objeto, ou seja, que “o objeto de amor é o mesmo que o objeto de ódio”

(Klein, apud Petot, 1982, p. 5).

Segundo Klein (1935),

A passagem da introjeção de objetos parciais para a de objetos amados totais, com todas as suas implicações, aparentemente tem uma importância crucial para o desenvolvimento. Seu sucesso, é verdade, depende em grande parte da maneira como o ego conseguiu lidar com seu sadismo e sua ansiedade no estágio anterior do desenvolvimento. (p. 329).

Tais mudanças do ego frente ao objeto caracterizam o que Klein vem a chamar

de posição depressiva, em que há o reconhecimento do objeto como um outro desejante

e separado de si, em que há a possibilidade de identificar-se com ele e o desejo de

preservá-lo, ao mesmo tempo em que há o medo de perdê-lo. O medo de perder o objeto

amado e ter feito danos a ele gera uma angústia depressiva. No entanto, durante a

posição depressiva a angústia paranóide não desaparece, ela continua presente, agora ao

lado da angústia depressiva.

O reconhecimento do objeto como autônomo culmina no desmame, momento

em que há a perda deste objeto primário.

Desta forma,

Quando a criança quer o peito e ele não está lá, ela se sente como se o tivesse perdido para sempre; como a idéia que tem do seio se estende à mãe, a sensação de ter perdido o peito leva à sensação de ter perdido a mãe amada como um todo – não só a mãe real, mas a mãe boa interiorizada. De acordo com minha experiência, esse medo da perda total do objeto bom (internalizado ou externo) se mistura ao sentimento de culpa por tê-lo destruído (devorando-o). A criança, então, percebe sua perda como punição pelo ato terrível que cometeu. (Klein, 1936, p.336).

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Assim, para lidar com estes sentimentos de culpa por ter destruído o objeto,

surge na criança o desejo de restaurar e reparar, o que caracteriza o primeiro contato

com a posição depressiva infantil. No entanto, se tais sentimentos forem muito intensos,

ele também pode inibir interesses e atividades.

Para Klein, a culpa é resultado das introjeções dos objetos amorosos edipianos,

ou seja, é produto da formação do superego, que tem início a partir de identificações

que possuem ao mesmo tempo caráter bondoso e caráter contraditório.

Sobre a introjeção dos objetos amorosos edipianos e a formação do Complexo

de Édipo precoce, Klein, no artigo “Estágios Iniciais do Conflito Edipiano” (1928),

conceitua que o complexo de Édipo tem início nos primeiros anos de vida do bebê, no

período do desmame, em que há a mistura de impulsos sádico-orais e sádico-anais. Por

ter início tão cedo, o complexo de Édipo se dá quando o ego do bebê ainda não está

totalmente desenvolvido e também ocorre na presença de um superego arcaico severo.

Posteriormente, no artigo de 1945, “O Complexo de Édipo à luz das Ansiedades

Arcaicas”, no entanto, Klein não acredita mais que o complexo de Édipo se inicie

apenas pelas frustrações do desmame e nem que seu impulso principal seja o ódio, mas

sim que ele se dá juntamente com o início da posição depressiva, em que o medo da

perda dos objetos bons dá origem aos conflitos edipianos, no momento em que a criança

está tentando integrar sentimentos amorosos ao ódio. Ou seja, ele tem início quando a

criança, que já começou a perceber a mãe como objeto total, a reconhecê-la como um

outro, percebe sua perda e a presença de um terceiro, instalando-se aí a triangularidade

edípica.

Para Klein, desde o início os desejos edipianos estão relacionados ao medo da

castração e a sentimentos de culpa. Ou seja, a culpa não aparece apenas ao final do

Complexo de Édipo, mas está presente desde o início, moldando e afetando seu

resultado. A culpa é, portanto, resultado das introjeções dos objetos edipianos e, por

isso, produto da formação do superego. Dito de outra forma, a formação do núcleo do

superego se dá através da introjeção das imagos do seio da mãe e do pênis do pai no

ego. Essas imagos são as primeiras identificações do ego e representam ao mesmo

tempo as figuras protetoras e persecutórias.

Desde o início da vida, a agressividade é misturada à libido, e ela interfere no

desenvolvimento desta. Tal desenvolvimento implica na busca de novas fontes de

gratificação. Assim, o bebê satisfeito com o seio da mãe pode buscar outros objetos

como, por exemplo, o pênis do pai. No entanto, há sempre a frustração, já que o que o

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bebê procura no seio é uma satisfação absoluta. Desta forma, a frustração com o seio

também faz com que o bebê busque gratificação oral no pênis do pai. Pode-se dizer,

então, que tanto o seio como o pênis são objetos primários dos desejos orais do bebê.

Para Klein, o sadismo acompanha o movimento de desenvolvimento da libido –

que também se une às pulsões agressivas durante o processo – do estágio oral ao sádico-

anal até o genital infantil. Petot (1979) afirma que paralela a esta teoria do sadismo

encontra-se a teoria da evolução das situações de ansiedade

A cada fantasia sádica específica corresponde uma fantasia de ansiedade que lhe é idêntica em seus mínimos detalhes e na qual o sujeito sofre aquilo que, nas fantasias sádicas, submete a seus objetos. Assim, cada descoberta de uma nova fonte de agressividade sádica acarreta a descoberta de uma ansiedade típica correspondente. (p.115).

Em outras palavras, a formação do superego primitivo envolve mecanismos de

cisão entre as imagos primitivas projetadas em cada posição do desenvolvimento

libidinal. Klein postula que o superego primitivo é tirânico, ou seja, é montado sobre o

padrão das etapas pré-genitais. Isso quer dizer que a formação do superego se dá a

partir, primeiramente, de experiências de devorar e ser devorado, ou seja, de desejos de

incorporações voltados a si mesmo, - a criança deseja destruir o objeto, mordê-lo,

devorá-lo, e isso causa ansiedade. Ao introjetar o objeto, ela teme agora ser destruída

por ele, ser devorada por ele – e depois por várias outras imagos iniciais que são

introjetadas sob a influência dos outros pontos de fixação libidinal – sádico-anais,

uretrais e fálicos. (Cintra, 2004). Assim, as mudanças da libido entre diferentes objetos

e finalidades envolve tanto o desenvolvimento do superego como o curso tomado pelo

Complexo de Édipo. Klein ainda postula a diferença do curso do complexo de Édipo no

menino e na menina. No entanto, tais diferenças não serão abordadas aqui já que não

interferem no aparecimento da posição depressiva e sentimentos de reparação e,

portanto, no aparecimento do impulso criador. Ela também, a partir de 1958, muda sua

concepção sobre a formação do superego, afirmando que as figuras aterrorizadoras não

fazem parte do seu núcleo, mas ocupam outro lugar na mente do bebê. No entanto esta

mudança não altera significativamente o que ela havia postulado até então. (Cintra,

2004).

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Além de envolver o desenvolvimento do superego e o curso tomado pelo

Complexo de Édipo, o curso da libido é também influenciado pela ansiedade, culpa e

sentimentos depressivos. Sobre isso, Klein afirma:

O núcleo dos sentimentos depressivos infantis, i.e., o medo que a criança tem de perder seus objetos amados como conseqüência de seu ódio e agressividade, participa das suas relações de objeto e de seu complexo de Édipo desde o início. (Klein, 1945, p.454).

Segundo Klein, uma conseqüência direta da ansiedade, da culpa e dos

sentimentos agressivos é o desejo de reparação:

Dominado pela culpa, o bebê é levado a anular o efeito de seus impulsos sádicos através de meios libidinais. Desse modo, sentimentos amorosos, que convivem com impulsos agressivos, são reforçados pela pulsão de reparação. (Klein, 1945, p.454).

Para Melanie Klein, a elaboração da posição depressiva é um importante ponto

do desenvolvimento infantil, pois implica em a criança ter conseguido uma firme

introjeção do objeto bom, tornando-a capaz de amar e reparar. Quando tal processo é

bem-sucedido, esta posição predomina sobre a posição esquizo-paranóide; no entanto,

ambas as posições vão coexistir durante toda a vida do indivíduo. (Cintra, 2004).

Outra contribuição de Klein a respeito da criatividade provém de suas

considerações a respeito do processo de luto. Este processo se caracteriza pela difícil

tentativa de reinstalar dentro de si a pessoa perdida, na forma de um bom objeto. Difícil

por que no início vêm à tona sentimentos persecutórios, de haver sido roubado e lesado,

pois junto com a perda da pessoa, há o sentimento de perda também dos objetos bons

internalizados. Ao passar por este processo, a pessoa reativa os lutos vividos na

infância: a situação edípica, a perda do seio, entre outras. Desta forma, as ansiedades e

culpa da posição depressiva arcaica são reativadas. (Cintra, 2004). No entanto, há uma

diferença entre o luto sentido pelo adulto e o luto sentido pelo bebê quando este perde o

seio – que representa o objeto bom: o bebê sente a perda mesmo quando a mãe está

presente; o adulto perde algo referente ao mundo externo e real.

Para que possa haver esta reinstalação da pessoa perdida como objeto bom, é

necessário o aparecimento e a atuação do mecanismo de reparação, para a reconstrução

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dos objetos bons do mundo interno. Quando isto é possível, a persecutoriedade dos

objetos diminui, e a pessoa resgata sentimentos amorosos em relação à pessoa perdida.

Assim, “os sentimentos e objetos internos voltam a ganhar vida, os processos de

recriação têm início e a esperança surge novamente”. (Klein, 1940, p.402).

É isto o que pode impulsionar desejos de criação. Klein (1940) afirma:

Sabemos que experiências dolorosas de todos os tipos às vezes estimulam as sublimações, ou até despertam novas habilidades nas pessoas, que começam a pintar, escrever ou iniciam outras atividades produtivas de uma maneira diferente: mais capazes de apreciar as coisas e pessoas, mais tolerantes na sua relação com os outros, elas se tornam mais sábias. (p. 403)

A autora continua afirmando que “todo avanço no processo do luto resulta num

aprofundamento da relação do sujeito com seus objetos internos, na felicidade de

reconquistá-los depois que eles foram considerados perdidos.” (p.403). Assim, a

possibilidade de reinstalar os objetos internos bons traz a possibilidade de se interessar

novamente pelo mundo, o que muitas vezes pode envolver alguma criação artística.

Podemos refletir sobre tais considerações com a história de Frida Kahlo, pintora

mexicana. Frida começa a pintar após um acidente de autocarro em que quase não

sobreviveu e que a deixou muito ferida. Durantes meses, ela ficou engessada e

permanecia imóvel na cama. Neste momento, começou a pintar, como forma de lidar

com a possível perda de seus movimentos corporais. Pode-se pensar que ela fazia um

luto pelo corpo que conhecia, um corpo móvel e sem dor. Frida também elabora,

posteriormente, o luto de um aborto que sofre - devido aos danos em sua coluna e pélvis

por causa do acidente – pintando o quadro “O hospital Henry Ford” ou “A cama

voadora”, 1932. (Kettenmann, 1994).

Posteriormente em sua obra, principalmente a partir de 1957, em “Inveja e

Gratidão”, Klein discorre sobre os sentimentos de inveja e gratidão, postulando que

ambos estão presentes desde o início da vida emocional, e que o primeiro objeto, para

ambos, é o seio bom e nutridor. Na teoria kleiniana, tais sentimentos estão ligados à

pulsão de vida e de morte, e são considerados inatos, ou seja, o bebê já nasce munido se

certa dose de pulsão de vida e de morte, e, assim, com mais ou menos propensão aos

sentimentos de inveja e gratidão. Tais novas concepções se relacionam ao tema da

criatividade pois o seio é visto pelo bebê como fonte de vida e de criatividade, e a inveja

dirigida a ele pode ser danosa à capacidade criadora. O pênis também é alvo de inveja,

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pois também representa a capacidade criadora e é símbolo da vida; forma-se aí uma

equação seio-pênis, em que ambos os órgãos representam a capacidade de gerar e criar.

A inveja é uma manifestação dos impulsos destrutivos que ataca o objeto bom,

impedindo o surgimento da gratidão. Há sempre espaço para o aparecimento deste

sentimento já que o seio real nunca dará a satisfação ideal procurada, o que gera

ressentimento, ódio e o sentimento de estar sendo lesado, que faz com que o bebê queira

destruir o seio, ou seja, que ele queira destruir a criatividade da mãe.

Klein afirma:

Se a identificação com um objeto internalizado bom e propiciador de vida puder ser mantida, ela se torna uma força propulsora para a criatividade. Embora superficialmente isso possa manifestar-se como cobiça por prestígio, riqueza e poder que outros tenham alcançado, seu objetivo real é a criatividade. A capacidade de dar e preservar a vida é sentida como dom máximo e, portanto, a criatividade torna-se a causa mais profunda de inveja. (Klein, 1957, p.233-4).

A gratidão, por sua vez, está ligada à capacidade do bebê para o amor, para a

capacidade de obter satisfação e apreciá-la. Se o objeto bom “está bem estabelecido, a

identificação com ele fortalece a capacidade de amor, as pulsões construtivas e a

gratidão”. (Klein, apud Petot, 1982, p. 153).

Tais novos conceitos implicam em uma modificação do que Klein havia

afirmado em seus artigos anteriores sobre a importância da reparação para a

criatividade. Após “Inveja e Gratidão” (1957), o mecanismo de reparação se torna

secundário para a compreensão do surgimento do impulso criador humano. Ele não é

um mecanismo essencial “no processo que conduz da gratidão à criatividade” (Petot,

1982, p.53). Isto porque este processo da gratidão à criatividade envolve a introjeção do

seio bom: a gratidão ao seio bom faz com que o bebê possa identificar-se com ele. A

identificação com o seio que é fonte de vida é o que capacita a criatividade. Desta

forma, quando a identificação ocorre, a relação objetal com o seio bom é parcial, e

ainda não está sob influência das manifestações de ódio e ansiedade. Sobre isso, Petot

(1982) afirma:

É a clivagem binária que, separando o bom e o mau objeto, o amor e o ódio, prepara a possibilidade de viver, no contexto da oralidade satisfeita, esta relação confiante com o seio bom, da

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qual depende o desenvolvimento ulterior. A qualidade das sublimações posteriores e das tendências reparadoras são predeterminadas pela intensidade das gratificações objetais recebidas e aceitas com gratidão no decorrer das primeiras semanas de vida. O sucesso do acionamento da reparação ao longo segundo semestre de vida depende, portanto, daquela clivagem binária no curso do primeiro trimestre. (p. 154)

Assim, a criatividade encontra-se ligada à gratidão e à capacidade de usufruir do

prazer que o objeto pode proporcionar, sem fazer contra ele ataques invejosos.

Todos os mecanismos da vida psíquica que fazem parte da teorização kleiniana

– alguns dos quais foram explicitados no presente capítulo – são articulados como

fantasias inconscientes: os mecanismos de introjeção e projeção, as defesas, ansiedades,

desejos, e, por fim, também todas as experiências de prazer e desprazer. A fantasia

inconsciente (phantasia) é uma expressão da vida pulsional. Ela está presente em toda a

vida mental, e segundo Klein, sua influência na “arte, no trabalho científico e nas

atividades da vida cotidiana nunca será exageradamente estimada.” (Klein, apud Cintra,

2004, p.150).

Hanna Segal, em “Sonho, Fantasia e Arte” (1993), também traz contribuições

sobre o tema da criatividade sob a perspectiva kleiniana. Ela afirma que é impossível

falar sobre fantasias sem falar sobre simbolismo inconsciente, já que aquelas se

expressam por meio deste. Para Segal (1993), a formação de símbolos é a própria

essência da criatividade artística, em outras palavras, a arte é a busca de expressão

simbólica. Ela diferencia dois tipos de formação de símbolos: a equação simbólica, que

faz parte do pensamento concreto do esquizofrênico, em que o símbolo e o objeto

simbolizado são sentidos como idênticos; e a representação simbólica, em que o

símbolo representa o objeto. Segal (1993) relaciona estes dois tipos de simbolismo

com as posições esquizo-paranóide e depressiva, respectivamente. Isto se relaciona ao

processo criativo, pois, para ela, o artista tem uma grande capacidade de expressar suas

fantasias inconscientes pelo uso dos símbolos, além de também possuir uma boa idéia

sobre as características do material que vão utilizar para realizar seu trabalho no mundo

externo.

Ela, assim como Klein, relaciona o impulso criativo à posição depressiva,

afirmando que:

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A percepção interna do sentimento mais profundo da posição depressiva – o sentimento de que seu mundo interno está estilhaçado – é o que leva o artista a precisar recriar algo que seja sentido como um mundo completamente novo. Isso é o que todo grande artista faz – cria um mundo. (Segal, 1993, p.96).

O sentimento de “estilhaçamento” é o que leva à reparação e ao impulso criador.

Segal diz que a reparação verdadeira envolve o reconhecimento da agressividade, e que

não pode haver arte sem agressividade. Ela descreve o que Adrian Stokes, em The

Invitation in Art (1965), narra sobre a agressividade ao martelar o mármore, ao dar a

primeira pincelada na tela em branco ou escrever a primeira palavra na página. Isto é

sentido pelo artista como uma violação a algo impecável – a página em branco, por

exemplo –, e por isso tem de ser reparado. A autora continua afirmando que todo ato

reparador encontra-se ligado à criação do símbolo, que é o objeto criado de outra forma

“o mundo que o artista cria é criado de outra forma” (Segal, 1993, p. 104). Esta

recriação simbólica se relaciona com as vivências do artista com sua realidade interna –

onde sente seu mundo estilhaçado – e externa. Ele conhece sua realidade interna, mas

nunca se desliga da realidade externa, tendo grande habilidade em diferenciá-las (e isto

é uma das características que difere criatividade de delírio). O artista tem uma apurada

percepção da realidade externa, pois é onde produz sua obra, conhecendo os limites e

potencialidades do material que utilizará, já que, para que possa sentir ter concluído a

reparação, tenha que produzir algo no mundo externo.

Assim, da perspectiva kleiniana, o sentimento de gratidão, a capacidade de

reparação (revivida também no luto) e as fantasias inconscientes estão intimamente

ligadas ao impulso criativo. O impulso de reparar proveniente da culpa de ter ferido os

objetos da fantasia infantil é a base para a capacidade de interessar-se pelas coisas, que

influencia o viver cotidiano, os trabalhos que realizamos e também as produções

artísticas e científicas.

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Capítulo II: Winnicott e o viver criativo

“O impulso puro – mesmo sem tema. Como se eu

tivesse a tela, os pincéis e as cores – e me faltasse o grito

de libertação, ou a mudez essencial que é necessária para

que se digam certas coisas”.

Clarice Lispector

Na teoria Winnicottiana, a criatividade está relacionada às atitudes do indivíduo

frente a seu mundo e à maneira como se relaciona com ele em sua vida cotidiana. Isto

está relacionado, para Winnicott, a como se deu o amadurecimento pessoal desde o

início da vida, que envolve a tendência à integração e a presença de um ambiente que

facilite tais processos de amadurecimento. Winnicott postula a presença de uma

criatividade originária, idéia original para a psicanálise, criatividade que nasce com os

indivíduos e está relacionada à capacidade de ilusão, à espontaneidade e à construção de

um si-mesmo unitário.

É necessário lembrar que esta criatividade originária não está relacionada apenas

à criação de obras de arte ou científicas. O autor diz que é improvável que possamos

explicar o impulso criativo em si, para um artista que faz uma obra. O que ele propõe é

estabelecermos um vínculo entre o viver e o viver criativo. Ele também se questiona

sobre o que pode fazer com que as pessoas percam o sentimento de que a vida é

significativa. Ao falar sobre as criações artísticas, Winnicott as relaciona com o espaço

potencial, que envolve também o âmbito cultural. O espaço potencial surge em um

momento posterior do desenvolvimento emocional, em que o bebê começa a se

relacionar com objetos transicionais, que se encontram no meio do caminho entre

relacionar-se com objetos subjetivos e objetivamente percebidos. Para a compreensão

destes aspectos referentes à criatividade na obra de Winnicott – tanto a criatividade

originária quanto a criatividade artística, que é decorrente da primeira, pois se encontra

no âmbito do espaço potencial – é necessária a descrição de como se dá o

desenvolvimento do bebê para este autor. Segundo Dias (2003), além de ser importante

em si mesma e contribuir para a compreensão dos fenômenos da saúde, do

desenvolvimento emocional e de conceitos relativos a distúrbios psíquicos, a teoria do

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amadurecimento é “o quadro teórico a partir do qual podem ser desenvolvidos vários

aspectos do estudo da natureza humana – por exemplo, os que dizem respeito às

realizações culturais e todo o domínio da criatividade”. (p. 14). Para compreender a

criatividade na obra de Winnicott, torna-se necessário discorrer sobre a teoria do

amadurecimento.

O amadurecimento pessoal, segundo Winnicott, depende da tendência inata ao

amadurecimento e de um ambiente facilitador. Para o autor, a tendência inata ao

amadurecimento é uma concepção que se baseia no fato de o homem constituir-se um

ser temporal, ou seja, pode-se dizer que a teoria do amadurecimento explicita tal

temporalidade por meio das etapas e tarefas que são impostas ao indivíduo ao longo de

sua vida. (Dias, 2003).

Assim sendo, o homem possui uma tendência inata à integração em um todo

unitário, a um “eu”, que vai ocorrendo ao longo do processo de amadurecimento. Isto é,

segundo Winnicott, essencialmente, a natureza humana.

Winnicott, a partir de seu trabalho, formula uma fase inicial da vida em que não há

um “eu” constituído, mas há um estado de não-integração, que vem de uma solidão

essencial. Esta solidão essencial representa o isolamento absoluto do indivíduo como

parte da unidade ambiente-indivíduo. Para ele, nesse início, há uma cisão entre a

tendência de relacionar-se com o mundo e a solidão, isolamento essencial. O processo

de integração deve permitir o diálogo, a coexistência entre esses dois aspectos: a solidão

e o encontro com o outro. (Dias, 2003).

Em “Natureza Humana” (1990) o autor explica este estado fazendo uma analogia

com uma bolha. Se a pressão externa for igual à interna, a bolha continua existindo – ou

seja, o bebê pode continuar sendo, e isto significa saúde – representando, neste estado,

o isolamento absoluto. Se a pressão externa for maior, o bebê reagirá a esta intrusão,

modificando-se não por um impulso próprio, mas por uma mudança no ambiente, o que

interromperá seu estado de continuidade de ser. Esta analogia com a bolha exemplifica

os modos como o bebê vai aos poucos interagindo com o ambiente que, no início se

caracteriza pelos cuidados maternos. Desta forma, ao nascer, a primeira necessidade do

bebê é a de continuar a ser, sem que haja muitas intrusões do meio às quais ele tenha

que reagir, o que interrompe sua continuidade. As intrusões acontecem quando o

ambiente antecipa as necessidades do bebê e já age sobre ele, causando reações e

interferindo no estado em que ele estava. Quando a intrusão pára, o bebê pode parar de

reagir, e restabelece-se a continuidade de ser. Exemplos de intrusão do ambiente podem

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ser: uma mãe ansiosa acorda seu bebê para dar o seio antes que ele tenha necessidade

ou um barulho externo muito alto, ou seja, movimentos do ambiente em um momento

em que o bebê não o está buscando.

Para que não haja intrusões, o ambiente (cuidados maternos) deve acompanhar

as necessidades do bebê, seus instantes de quietude e movimento, possibilitando que ele

vá construindo memórias corporais e experiências pessoais. Segundo Dias (2003)

Se o contato é feito a partir do gesto espontâneo do bebê, o fato de ele estar vivo e a própria experiência são sentidos como reais, e o acúmulo dessas experiências pessoais começa a integrar-se na personalidade; quando, entretanto, a reação à intrusão subtrai algo da sensação de um viver verdadeiro, esta só pode ser recuperada por meio do retorno ao isolamento, à quietude. (p. 160)

No estado de não-integração, o si-mesmo do bebê ainda não foi constituído, e se

encontram desorganizadamente “fenômenos sensório-motores reunidos pelo suporte do

ambiente” (Winnicott, apud Dias, 2003, p.128). Estes fenômenos vão aos poucos sendo

elaborados imaginativamente e se tornando experiências para o bebê.

A experiência é um trafegar constante na ilusão, uma repetida procura da interação entre a criatividade e aquilo que o mundo tem a oferecer. A experiência é uma conquista da maturidade do ego, para qual o ambiente fornece um ingrediente indispensável. Não é, de modo algum, alcançada sempre. (Winnicott, apud

Dias, 2003, p. 123).

Desta forma, neste início, o bebê encontra-se em dependência absoluta. Nestes

estágios iniciais, o ambiente deve dar apoio e facilitar os processos de amadurecimento,

para que o bebê possa separar o “eu” do “não-eu” – saindo dos estágios iniciais – e

conquistar uma identidade unitária.

A dependência absoluta significa que ele depende totalmente de sua mãe. Isso

significa que ele depende dela para realizar sua tendência inata à integração. Bebê e

mãe formam uma unidade e somente aos poucos o ambiente vai ser tornando algo

externo e separado dele e ele vai incorporando os cuidados ambientais como aspectos

do si-mesmo, pois, neste início, o sentido de externo e interno não foi constituído pelo

bebê. A partir desta relação com o ambiente é que o bebê pode construir a ilusão do

contato com o mundo externo.

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No entanto, mesmo sendo uma unidade mãe-bebê, já há um espaço de separação

entre eles, que se efetivará ao longo do amadurecimento, no estágio da

transicionalidade. Essa “fenda”, separação existente na unidade mãe-bebê –

exemplificada pela analogia com a bolha –, é o que faz com que os indivíduos

vivenciem o isolamento absoluto, a ausência de contato. É esse isolamento, por sua vez,

o que possibilita o aparecimento da ilusão do contato e, mais tarde, o espaço potencial.

Dias (2003) ainda afirma: [e] “no devido tempo, esse espaço será preenchido pelos

fenômenos e objetos transicionais que são, simultaneamente, parte do bebê e parte do

ambiente.” (p.132).

Neste período inicial do amadurecimento, o bebê alterna estados de excitação

com estados de tranqüilidade. Estes estados se relacionam com as necessidades do

bebê, assim como a espontaneidade e a reatividade. Os estados excitados estão

relacionados com o início do estabelecimento do contato com a realidade, enquanto os

estados tranqüilos relacionam-se a atividades de integração – no tempo e espaço, da

psique no corpo.

O estado excitado começa quando surgem no bebê impulsos que vêm da

instintualidade e da motilidade. O bebê busca algo a partir do seu gesto espontâneo,

mas é algo indeterminado, já que ainda não sabe de sua existência e de suas

necessidades e nem da existência de objetos, tanto internos como externos.

A instintualidade no homem é algo que busca uma ação. Ela se difere dos

instintos de outros animais pois, no homem, ela passa pela elaboração imaginativa. Isso

faz com que elas sejam dotadas de sentido desde o início, mesmo quando o bebê ainda

não tem maturidade para apropriar-se delas.

A motilidade é o outro fator que impulsiona os estados excitados. Ela também –

junto com uma destrutividade contida nos impulsos instituais – é, na teoria

winnicottiana, uma das raízes da agressividade. Para que os impulsos agressivos

possam produzir experiências para o bebê, eles precisam de oposição. Esta oposição

deve ser fornecida pela mãe, através do contato físico com seu bebê, moldando sua

coordenação motora. A mãe novamente deve estar atenta às necessidades do bebê,

esperando que o movimento venha dele; caso contrário, se a mãe sempre tomar a

iniciativa de movimento, a motilidade é sentida como reações a invasões, ao invés de

ser sentida como experiências. Assim, pode-se dizer que:

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Se, durante os estados de excitação, a mãe permite que a vivacidade do bebê se expresse conjuntamente pela voracidade instintual e pela livre movimentação que acompanha a excitação, a motilidade funde-se, aos poucos, à tensão instintual; isso favorece a elaboração imaginativa das funções corpóreas e, consequentemente, a tarefa de alojamento da psique no corpo é facilitada. (Dias, 2003, p. 183).

Durante os estados tranqüilos, o bebê volta a ficar no estado de não-integração,

podendo relaxar e sentir-se sustentado. Se, quando ele apresentar novamente um gesto,

a mãe estiver lá para manejá-lo, ele vai podendo ter o sentimento de confiança de que o

mundo continua lá. O bebê pode então descansar, ficar em quietude, e isto constitui a

base para, na idade adulta, o indivíduo poder retirar-se do mundo em momentos de

repouso e poder conquistar a capacidade para estar só na presença de alguém (esta

capacidade é importante na teoria winnicottiana, pois é uma conquista do

amadurecimento emocional, já que permite à criança descobrir sua vida pessoal e

devanear). No entanto, se o bebê vivenciar constantes intrusões, ele só pode retomar

sua continuidade de ser após retornar ao isolamento. Mas isto não propiciará

experiências nem beneficiará o bebê, pois ele se retirará neste estado por defesa, e não

por uma possibilidade de descanso proveniente da confiança.

Ao longo do desenvolvimento, quando a integração vai se tornando mais

consistente, o retorno à não-integração vai deixando de ser possível. O indivíduo

integrado torna-se capaz de descansar de outras maneiras, como, por exemplo,

recolhendo-se em seu mundo subjetivo em tarefas imaginativas, concentração lúdica ou

artística e ao trabalho criativo. (Dias, 2003).

Experiências de integração vão repetidamente acontecendo nos estados excitados. A

repetição torna as experiências de integração mais estáveis, permitindo ao bebê

integrar-se em uma unidade, tornando-se capaz de sentir-se real.

O amadurecimento pessoal, além de depender da tendência inata à integração –

como já mencionado acima – também depende de um ambiente facilitador, que seja

suficientemente bom para que isto ocorra.

Para Winnicott, no período inicial, o ambiente facilitador é a mãe

suficientemente boa. A mãe suficientemente boa é aquela capaz de atender às

necessidades do bebê, pois ela se liga intimamente a ele, sabendo do que ele precisa e

providenciando. Ela é dedicada, percebe seus movimentos, sabe quando é preciso

segurar seu bebê e tocá-lo, e quando é preciso deixá-lo quieto, pois está envolvida com

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ele. Ela atende às necessidades exatas do bebê e não às suas próprias e sabe como fazê-

lo não intelectualmente, mas por causa de sua própria experiência de ter sido cuidada e

atendida quando bebê, pelas brincadeiras de mamãe e filhinha de que participava

quando criança, tudo isso a faz saber como ser mãe, não precisando ler em livros como

segurar seu bebê no colo ou olhar para ele.

Ao final da gravidez e nos primeiros meses de vida do bebê, a mãe entra em um

estado denominado “preocupação materna primária”, em que se torna extremamente

sensível ao bebê, capaz de identificar-se com ele e saber do que ele precisa. Conforme o

bebê vai amadurecendo, a mãe suficientemente boa torna sua adaptação a ele cada vez

menos absoluta, permitindo algumas falhas graduais, o que o faz caminhar rumo à

independência.

O conjunto dos cuidados maternos constitui o ambiente total em que o bebê

vive, seu mundo subjetivo, que deve ser confiável e previsível, ou seja, a mãe deve

evitar que haja intrusões. A mãe é, ao mesmo tempo, um objeto a ser encontrado pelo

bebê – a mãe-objeto – e o ambiente em que o encontro com o ambiente pode acontecer:

mãe-ambiente. “Por manter o ambiente constante, regular, simples, monótono,

previsível e por permitir que ele crie o objeto que encontra, ela o provê da ilusão de

onipotência que, como veremos, é a base da crença em...” (Dias, 2003, p.168). Quando

o ambiente permite a ilusão de onipotência, ele propicia a capacidade para a

experiência. Isto é uma base necessária para o bebê começar a acreditar na realidade do

si-mesmo. “A capacidade para a experiência está relacionada, portanto, à

espontaneidade, à criatividade originária, à raiz do si-mesmo verdadeiro, em suma, ao

ser.” (Dias, 2003, p. 124).

Os cuidados maternos envolvem a amamentação, que é uma situação que

permite ao bebê esta experiência de criar o objeto que encontra. A primeira mamada

teórica é uma expressão que se refere às experiências provenientes da amamentação

durante os primeiros meses de vida do bebê.

O bebê, possuindo alguma necessidade e precisando de um objeto para

satisfazê-la, pode encontrar – criar – este objeto no momento exato em que necessita

dele, pois a mãe está lá para apresentá-lo a seu bebê. Em outras palavras, o bebê cria os

objetos à medida que a mãe suficientemente boa pode apresentá-los a ele – de forma

adequada e de uma maneira que eles possam fazer sentido ao bebê - quando ele está

preparado para criá-lo, mantendo a ilusão de onipotência. Isto acontece, por exemplo,

na primeira mamada teórica: o bebê, provido de sua criatividade originária, a partir de

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sua necessidade de saciar a fome, busca, através de um gesto espontâneo, um objeto.

Neste momento, a mãe suficientemente boa lhe apresenta o seio, introduzindo o bebê à

ilusão de ter criado o mundo; assim, o bebê sente que o seio foi algo que surgiu de seu

próprio gesto criativo, ele cria algo que estava presente. Isto representa um paradoxo,

de criar algo que já está ali. No entanto, isto é necessário para que o bebê possa

desenvolver o sentimento de que o mundo contém coisas de que ele precisa, e coisas

que possuem um sentido para ele.

A mãe que vai repetidamente apresentando os objetos à medida que o bebê

precisa deles, permite que ele permaneça na área de ilusão de onipotência, preservando

seu mundo subjetivo. No entanto, se no momento da amamentação a mãe não olha seu

bebê, não está presente ali com ele para fazê-lo ver-se a si mesmo em seu rosto (a isto

Winnicott (1967) denomina “papel de espelho da mãe”), o bebê começa a perder sua

capacidade criativa2, pois passa a ter uma percepção do mundo, procurando ler o que

sua mãe está pensando e sentindo, ao invés de se ver e ter uma apercepção que o faria

ter uma troca significativa com o mundo.

Somente a partir da experiência de ilusão é que a criança pode ser, aos poucos,

desiludida e saber que o mundo existe anteriormente a ela. No entanto, para poder

aceitar esta desilusão sem sentir-se aniquilada, a criança deve possuir suas raízes no

mundo imaginativo e poder continuar sentindo que possui uma capacidade criadora.

Desta forma, a capacidade para criar, na teoria de Winnicott, existe no bebê

desde o momento em que ele nasce, juntamente com a tendência inata ao

amadurecimento. Esta idéia da criatividade como algo que está presente desde o início

é algo que surge na psicanálise na teoria winnicottiana. Para o autor, a criatividade

originária está ligada à espontaneidade básica, que é oposta à reatividade, a reagir a

intrusões, e é o movimento que parte dos impulsos do bebê a partir do estado tranqüilo,

de relaxamento, e à construção do si-mesmo unitário.

A criatividade, segundo ele, está ligada ao modo como o indivíduo se relaciona

com o mundo, com a realidade externa e não apenas a criações artísticas. Ela é o que

possibilita o sentimento de estar vivo e de que vale a pena viver, e envolver-se com

atividades do dia-a-dia e com a comunidade. Ele afirma: “A criatividade é a

2 A meu ver, uma imagem que exemplifica a importância do olhar da mãe e o relacionamento que é estabelecido durante a amamentação é o quadro de Frida Kahlo “A Minha Ama e Eu” ou “Eu a Mamar”, de 1937. Neste quadro a ama de leite usa uma máscara, o que passa a impressão de distanciamento entre elas.

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manutenção, através da vida, de algo que pertence à experiência infantil: a capacidade

de criar o mundo” (Winnicott, apud Dias, 2003, p. 170).

Durante todo este período, o bebê está envolvido com a realização de tarefas

que dependem dos cuidados maternos para serem realizadas e tornarem-se conquistas

do amadurecimento. As tarefas do bebê são: a temporalização e espacialização, ou seja,

a realização das experiências de integração no espaço-tempo; a personalização – o

alojamento da psique no corpo -; e o início das relações objetais, que capacitará o bebê

à criação e ao reconhecimento de um mundo externo (tarefa chamada de realização).

Os cuidados maternos específicos a cada tarefa do bebê são: o holding (para a

integração no espaço-tempo), o handling ou manejo, relativo aos cuidados físicos (para

a personalização) e a apresentação de objetos.

A integração no tempo e no espaço é uma tarefa fundamental do

amadurecimento, pois não pode haver sentido de realidade sem que haja um espaço e

um tempo, uma memória de si, um mundo onde os objetos podem ser encontrados. Esta

tarefa se inicia com o começo da vida do bebê. Neste período a temporalização refere-

se à continuidade de ser do bebê. Ele ainda vive no mundo subjetivo, então se deve

cuidar para que o tempo e o espaço deste mundo também sejam subjetivos, respeitando-

se os ritmos naturais do bebê e não he impondo os ritmos do tempo externo. Aos

poucos o bebê e a mãe vão se ajustando podendo fazer um acordo entre as necessidades

dos dois; o tempo, no mundo subjetivo, é sentido como a permanência da presença da

mãe, sua continuidade nos cuidados com ele, que lhe apresentam o mundo. Isto é

importante no que diz respeito à criatividade pois:

Os impulsos criativos apagam-se, a não ser que sejam confrontados com a realidade externa [externa para o observador e matéria-prima para o mundo subjetivo]. Cada criança precisa recriar o mundo, mas isso só é possível se, pouco a pouco, o mundo for se tornando presente nos momentos de atividade criativa da criança. A criança estende a mão e lá está o seio, e o seio é criado. (Winnicott, apud Dias, 2003, p. 197).

Assim, se a mãe se ausenta muito, o bebê perde a memória de sua presença e

sente-se aniquilado, perde todo o sentido do real. Por isso ela deve ausentar-se somente

durante o tempo em que ela sabe que o bebê é capaz de guardá-la na memória, e deve

apresentar-se e apresentar o mundo continuamente ao bebê sempre que ele precisar da

apresentação, no momento do gesto espontâneo. Desta forma ele pode continuar

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vivendo e registrando novas experiências, familiarizando-se cada vez mais com

sensações corpóreas – elaborando-as imaginativamente – e guardando-as em um espaço

e tempo que vai começando a construir.

A datação no tempo é operada, portanto, pelos cuidados maternos que, inicialmente, se ajustam ao ritmo fisiológico, que tem um tempo próprio, e pela elaboração imaginativa desse funcionamento e das sensações corpóreas. Fazendo assim, a mãe propicia que o bebê seja iniciado na periodicidade do tempo, tendo como matriz o seu próprio ritmo, o ritmo corpóreo. (Dias, 2003, p.199).

A tarefa de personalização, ou alojamento da psique no corpo, pode ocorrer

quando o bebê está se sentindo seguro pelos cuidados da mãe, quando ele está envolto

em seus braços e sua psique pode elaborar imaginativamente as sensações corpóreas.

assim, a psique vai gradativamente habitando o corpo.

Dias aponta que mais tarde em sua teoria Winnicott – em “O Brincar e a

Realidade” (1975) – acrescenta uma nova idéia à experiência de integração que

acontece durante a primeira mamada teórica: esta experiência de integração envolve um

primeiro sentido de identidade. Isto é, ao criar o objeto subjetivo e encontrar-se com

ele, o bebê se identifica com ele, torna-se ele. O bebê, neste momento, é o seio. Assim,

ao criar o seio o bebê cria-se a si mesmo. A isto Winnicott denominou “elemento

feminino puro”, e diz respeito a uma experiência de ser com identidade, presente tanto

em homens quanto em mulheres. Ele diz: “No crescimento do bebê humano, à medida

que o ego começa a organizar-se, isso que chamo de relação de objeto do elemento

feminino puro estabelece o que é talvez a mais simples de todas as experiências, a

experiência de ser.” (Winnicott, 1959-64, p. 114). Há também o “elemento masculino

puro” que, segundo Winnicott, relaciona com o fazer. Esta relação pressupõe já uma

separação eu e não-eu, uma organização do ego que permite que o bebê dê ao objeto a

qualidade de separado. Esta distinção é uma nova maneira de abordar a diferença entre

objeto subjetivo e objeto objetivamente percebido. Segundo Dias (2003): “é este

sentido de ser que faz o bebê sentir-se não apenas real, como também integrado numa

identidade incipiente, que é o si-mesmo primário”. (p. 219).

Depois do estágio de dependência absoluta o bebê vai, aos poucos, passando

para a dependência relativa. Nesta etapa, inicia-se a desilusão, em que a mãe vai saindo

da preocupação materna primária e deixa de estar totalmente adaptada a seu bebê, o que

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permite o início da separação da unidade mãe-bebê e o início do estabelecimento das

relações com o mundo externo. O desmame é um aspecto importante do processo de

desilusão.

Este processo de desilusão deve ser gradativo, e este movimento de separar-se

da mãe inicia-se efetivamente no estágio da transicionalidade. A descrição dos

fenômenos transicionais, assim como a da criatividade originária, foi uma contribuição

original da obra de Winnicott.

A etapa da transicionalidade é o início de uma nova fase do amadurecimento

que propicia um novo sentido de realidade aos indivíduos, e ela surge a partir do mundo

subjetivo do bebê, dependendo da resolução das tarefas características deste estágio

anterior do desenvolvimento.

Mais tarde, após ter vivido tempo suficiente no mundo subjetivo, o bebê irá habitar no espaço potencial, cuja área será preenchida inicialmente pelos fenômenos transicionais e, aos poucos, sucessivamente, pelo brincar, pelas atividades culturais e artísticas, ou seja, por tudo o que está livre do julgamento regido pela objetividade. (Dias, 2003, p. 206, 207).

Os fenômenos transicionais estão relacionados ao estabelecimento de contato

com a realidade externa. Eles se encontram no meio do caminho entre relacionar-se

com os objetos subjetivamente e relacionar-se com os objetos da realidade

objetivamente percebida. Eles são decorrentes da ilusão de onipotência – em que o bebê

está se relacionando com objetos subjetivos –, no entanto só começam a ocorrer depois

que o processo de desilusão já teve início e que o bebê já começa a perceber a realidade

externa.

Os fenômenos transicionais caracterizam o início da capacidade de

simbolização, desenvolvem-se na capacidade de brincar e, posteriormente, dizem

respeito a todo o âmbito da cultura, religião e arte. Winnicott diz que os fenômenos

transicionais vão se difundindo e se espalhando por todo o território intermediário entre

a “realidade psíquica interna” e o “mundo externo, tal como percebido por duas pessoas

em comum” (Winnicott, 1953, p.19). Ele continua dizendo que

Neste ponto, meu tema se amplia para o do brincar, da criatividade e apreciação artísticas, do sentimento religioso, do sonhar, e também do fetichismo, do mentir e do furtar, a origem

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e a perda do sentimento afetuoso, o vício em drogas, o talismã dos rituais obsessivos, etc. (p.19).

Nesta etapa da transicionalidade, os bebês se apegam a um objeto transicional.

O bebê tem o impulso de chegar a um objeto, tocá-lo, criá-lo. É observado que eles se

apegam a um objeto. Não é o objeto em si que é transicional, mas ele representa a

transição entre um estado em que o bebê está fundido com a mãe para um estado em

que se relaciona com algo externo e separado.

Quando a criança é capaz de eleger um objeto transicional, o mundo externo

está começando a fazer parte das experiências; o objeto se adapta às necessidades dela,

mas não totalmente, como a mãe fazia. Assim, a onipotência começa a diminuir e o

bebê passa a não mais ser o objeto, mas a possuí-lo. Os objetos transicionais passam a

substituir a mãe que desilude o bebê, sendo sentidos por ele como algo que dá amparo.

A transicionalidade dá início à separação da unidade mãe-bebê, pois o bebê cria

o espaço potencial, que é o primeiro espaço de separação entre eles. (Espaço este que já

existia em possibilidade, devido ao isolamento fundamental do estado de não-

integração). É no espaço potencial que o objeto transicional pode existir, e ele

representa ao mesmo tempo a separação com a mãe e a união com ela.

O objeto transicional possui algumas características. Segundo Winnicott, ele

vem do exterior a partir do nosso ponto de vista, mas não do ponto de vista do bebê;

mas ele também não vem apenas de dentro, do mundo subjetivo. O bebê assume

direitos sobre ele, mas já não é completamente onipotente. O objeto é ao mesmo tempo

amado e mutilado e nunca deve mudar ou ser lavado – pois isso constituiria uma

ruptura na experiência do bebê. Sobre isso, Dias (2003) afirma: “Se o bebê perde o

objeto transicional, que está apoiado nos subjetivos correspondentes, ele perde, ao

mesmo tempo, a boca e o seio, a criatividade e o caminho para a percepção objetiva”

(p. 241).

O objeto também deve parecer ao bebê que possui realidade própria, por isso

deve possuir textura, parecer que se move ou dá calor, como por exemplo a ponta de

um cobertor ou um ursinho de pelúcia. O destino dele é ser descatexizado – não

esquecido nem reprimido – ele vai perdendo significado quando os fenômenos

transicionais vão se ampliando para os outros âmbitos da vida cultural.

Neste momento do desenvolvimento, o brincar tem um papel importante; ele é o

desenrolar do conceito de fenômenos transicionais. Segundo Winnicott, o brincar tem

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um tempo e um espaço, que é o espaço potencial, é um playground em que se dá o

interjogo entre a realidade psíquica pessoal e o controle de objetos reais. (Winnicott,

1975, p.71). Ele é uma “experiência, sempre uma experiência criativa, uma experiência

na continuidade espaço-tempo, uma forma básica de viver”. (Winnicott, 1975, p. 75). O

espaço potencial, lugar onde se encontra a experiência cultural e o brincar criativo, é

vivido por cada indivíduo de maneira diferente; isso porque nele há uma sobreposição

entre as experiências individuais e o meio ambiente em que a pessoa se encontra. Há

uma variabilidade na maneira em que cada indivíduo efetua suas experiências culturais

e brincadeiras.

Para o autor, é no brincar que a criança ou o adulto podem usufruir de sua

capacidade de criação e manifestar esta criatividade. Poder ser criativo está relacionado

a utilizar sua personalidade integral e descobrir o verdadeiro eu (self)3. Winnicott diz

que o gesto espontâneo é o “self verdadeiro em ação” (Winnicott, 1960, p.135) Ele

ainda diz:

É com base no brincar, que se constrói a totalidade da existência experiencial do homem. Não somos mais introvertidos ou extrovertidos. Experimentamos a vida na área dos fenômenos transicionais, no excitante entrelaçamento da subjetividade e da observação objetiva, e numa área intermediária entre a realidade interna do indivíduo e a realidade compartilhada do mundo externo aos indivíduos. (Winnicott, 1975, p. 93).

Desta forma, Winnicott afirma que a busca do self só pode ser alcançada através

da criatividade expressa no brincar. No entanto, há pessoas que buscam o self no

produto de suas experiências criativas e não na experiência do viver em si. Segundo

Winnicott, essa busca do self nos produtos finais, mesmo que este seja uma obra de

arte, será fracassada. O self não pode ser encontrado em construções da mente, por mais

belas que elas possam ser. Ele diz:

Se o artista através de qualquer forma de expressão está buscando o eu (self), então pode-se dizer que, com toda probabilidade, já existe um certo fracasso para esse artista no campo do viver geral criativo. A criação acabada nunca

3 Elsa Oliveira Dias (2003) usa, em seu livro, o neologismo “si-mesmo” para traduzir o termo self utilizado por Winnicott e traduzido, em muitos de seus artigos por “eu (self)”. Não farei aqui diferenciação entre as traduções, e utilizarei as duas formas para me referir ao mesmo conceito.

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remedia a falta subjacente do sentimento do eu (self). (Winnicott, 1975, p.81)

Dando continuidade ao amadurecimento, o bebê passa ao estágio do uso do

objeto, que inicia um novo sentido de realidade. Este estágio é posterior ao estágio das

relações de objeto – que envolve as relações com os objetos subjetivos e com os objetos

transicionais. Aqui a criança é capaz de reconhecer a existência de um objeto externo a

ela, que faz parte da realidade compartilhada e existe independentemente de sua escolha

– encontra-se, portanto, fora de seu controle onipotente. Ela alcança tal capacidade

através da destruição de seus objetos subjetivos. É, portanto, a partir do impulso

destrutivo que se dá a externalidade. No entanto, o objeto deve poder sobreviver à

destruição (o que demonstra que ele tem existência independente), para que o impulso

se transforme na capacidade de usar o objeto que sobreviveu e para que o indivíduo

possa continuar destruindo seus objetos na fantasia inconsciente. Isto é percebido

quando o bebê começa a morder o seio e a machucá-lo e a ser cruel com seu objeto

transicional. O bebê destrói mesmo os objetos bons pois o importante é poder destruir e

depois continuar criando a partir da criatividade originária e da solidão essencial, pela

vida afora.

Depois de realizar tantas tarefas, o bebê atinge o estágio do eu sou, que é a etapa

do amadurecimento em que se dá a integração do eu em uma unidade. “O eu que é

alcançado, neste momento, é o resultado do longo processo de integração que teve

início no si-mesmo primitivo e não-integrado” (Dias, 2003, p. 254).

Ainda continuando o amadurecimento, agora o bebê está caminhando “rumo à

independência”, e atinge o estágio do concernimento, em que começa a se preocupar

com o resultado de seus impulsos. Estes impulsos começam a ser integrados como seus

e o bebê se dá conta do que eles podem causar, o que pode gerar culpa. É necessário

para a criança sentir-se confiante em sua capacidade reparadora, para que ela possa

suportar a culpa e tornar-se mais livre para o amor instintual. A elaboração da

capacidade para o concernimento ocorre ainda somente com relação aos estragos

provocados pelos impulsos, na mãe. Este estágio relaciona-se com a posição depressiva

de Klein, mas há algumas diferenças teóricas que serão abordadas na discussão deste

trabalho. Este aspecto do amadurecimento relaciona-se com a criatividade e com o

viver criativo pois “Conviver com a construção e destruição inerentes à natureza

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humana é, também, o fundamento para a capacidade de brincar e, mais tarde, de

trabalhar e encontrar satisfação e realização no trabalho” (Dias, 2003, p. 265).

Ainda continuando o amadurecimento, a criança entra no estágio edípico após

ter alcançado a identidade unitária. Existe agora um mundo interno em que há fantasias

e sentimentos. O amadurecimento continua, agora com os conflitos edípicos e a

genitalidade, e o aumento, cada vez mais, das relações interpessoais. Depois vem a

puberdade e a adolescência, em que há o ressurgimento da sexualidade junto com novas

ansiedades típicas desta fase, com as quais o indivíduo lida dependendo do padrão que

foi estabelecido na infância.

Depois deste longo caminho pelo amadurecimento, na idade adulta os

indivíduos continuam amadurecendo e mantendo-se vivos, através da preservação da

criatividade originária, da capacidade de ser tocado pelas coisas e ser sensibilizado por

elas. O amadurecimento envolve o viver humano, o sentimento de estar vivo, existir e

sentir as experiências como reais. E ao sentimento de estar vivo e sentir que vale a pena

viver, é que está ligada a criatividade. O adulto maduro tem a capacidade de se

envolver com a objetividade do mundo sem perder o contato com seu mundo subjetivo

e suas riquezas. Ele aceita as imperfeições do mundo e sua impotência, o que o faz

entrar em fases depressivas por vezes, mas que fazem parte de seus sentimentos e da

capacidade de ver o mundo. No entanto, o sentido da vida permanece, a possibilidade

de um viver que seja colorido e não sempre repetitivo, que as coisas possam ser vistas

de diferentes maneiras a cada momento, este é o viver criativo. Uma personagem que

pode exemplificar esse viver criativo é Amélie Poulain, do filme “O Fabuloso Destino

de Amélie Poulain”, de Jean-Pierre Jeunet. Amélie é garçonete em um pequeno café de

Paris. Em seu dia-a-dia ela não perde o contato com a riqueza de seu mundo interior,

vendo as coisas sempre com um novo olhar imaginativo. Ela anda pela rua percebendo

cores, cheiros e texturas. Ela gosta de colocar as mãos em um saco de grãos, jogar

pedras no rio e sentir o vento. Relaciona-se com os objetos do mundo de maneira

particular, e assim pode colocar-se frente ao mundo de maneira criativa, sentindo suas

experiências como reais.

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Discussão

O presente trabalho tem como questão a criatividade, refletindo sobre o que a

possibilita, ou seja, quais suas possíveis origens, e o que ela possibilita para o ser

humano, a partir das obras de Melanie Klein e Donald Winnicott.

A partir das duas linhas teóricas aqui apresentadas é possível uma reflexão

aprofundada sobre a criatividade, procurando responder às questões a que me propus

pensar.

Da leitura da teoria kleiniana pode-se dizer que a criatividade é decorrente do

processo de desenvolvimento emocional infantil, que resulta no aparecimento do

sentimento de culpa e a possibilidade de reparação. Klein desenvolve estes conceitos

postulando que, desde o início, o bebê é capaz de amar sua mãe quando ela o satisfaz

com o seio, e odiá-la quando ela o frustra, desejando destruí-la. Ele projeta no seio estes

sentimentos, tornando-o um objeto bom quando é amado, ou mau quando é odiado.

Quando, para o bebê, o seio estiver possuindo as características más, aquele irá temer

ataques retaliadores deste; estes ataques sádicos do bebê provocam nele o medo de ter

realmente destruído o objeto e, para lidar com isso, o bebê recorre a fantasias

onipotentes reparadoras. No entanto tais fantasias ainda não vão despertar nele o

impulso criador, pois ainda estão repletas de sadismo.

Enquanto tudo isto acontece, a mãe ainda é vista pelo bebê como uma extensão

dele mesmo, ou seja, como um objeto parcial, o que caracteriza as vivências da posição

esquizo-paranóide. Ao longo de seu desenvolvimento, o bebê passa a perceber a mãe

como um objeto inteiro e separado dele, um objeto total. Isto implica em o bebê ter

unido no mesmo objeto as características boas e más. A partir daí é que o bebê começa a

sentir culpa por ter ferido o objeto que é ao mesmo tempo bom e mau, e por isso pode

surgir nele o impulso de reparar os danos feitos, marcando a entrada na posição

depressiva. Este impulso reparador é o que, para Klein, possibilita o aparecimento do

impulso criador.

Além disso, Klein também diz, em sua teoria, que um impulso criativo pode

surgir depois de um processo de luto, pois este processo reativa os mecanismos de

reparação para poder restaurar a pessoa perdida como objeto interno bom.

Klein ainda relaciona a criatividade com os sentimentos de inveja e gratidão, que

o bebê sente desde o nascimento, no início da vida emocional. O seio e o pênis são

percebidos pelo bebê como fontes de vida e criatividade, e por isto podem ser alvo de

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sua inveja. Ao mesmo tempo, o bebê pode sentir-se gratificado e apreciar amorosamente

o objeto bom. Desta forma o bebê pode identificar-se com o seio bom, e é esta

identificação e capacidade de usufruir do prazer que ele pode proporcionar que são

propiciadoras de criatividade no bebê.

Segal utiliza-se da teoria kleiniana para investigar o tema da criatividade. Ela

também relaciona os processos de criação com a entrada na posição depressiva, e

enfatiza o papel das fantasias e do simbolismo inconsciente, que são a forma através da

qual aquelas se expressam. Ela diz que a arte é busca de expressão simbólica, e que o

artista procura expressar na realidade externa aquilo que vive em seu mundo interno.

Ela relaciona o impulso reparador que aparece na posição depressiva com a criação do

símbolo, dizendo que, ao reparar, o artista cria o objeto de outra forma, que é a própria

criação do símbolo.

Klein descreve que o impulso criador possibilita as criações artísticas e

científicas, e que ele surge da capacidade de reparação proveniente do sentimento de

culpa por ter destruído um objeto da fantasia infantil, ou da necessidade de restaurar

algum objeto perdido pelo luto. Foi possível também compreender, a partir da leitura de

outros autores sobre a obra kleiniana, que ela também relaciona a capacidade que o ser

humano adquire de fazer reparações com a capacidade para interessar-se pelas coisas,

possuir sentimentos amorosos, envolver-se com atividades cotidianas, e que a influência

da fantasia na vida e nas artes é muito importante.

Da mesma forma, a partir da leitura da teoria de Winnicott, pôde-se

compreender que ele fala da criatividade relacionando-a com a atitude do indivíduo

perante a vida cotidiana, além das criações artísticas que se encontram no âmbito das

produções culturais. Em sua teoria ele pretende estudar o viver criativo, mas afirma que

não tem a pretensão de compreender o impulso criador em si. Para ele, o bebê nasce

munido de uma criatividade originária e de uma tendência inata ao amadurecimento,

que depende das provisões de um ambiente facilitador para se efetivar.

Ele postula que o bebê, no início, encontra-se em um estado de não-integração, e

sua primeira necessidade é continuar a ser. Ao longo do desenvolvimento é que ele

pode se integrar e tornar-se um si-mesmo unitário.

O bebê alterna estados tranqüilos – em que pode relaxar e integrar suas

experiências – com estados excitados, em que aparece o gesto espontâneo, um impulso

do bebê para encontrar algo que ele ainda não sabe o que é. A isto está ligada a

criatividade originária: se, a partir de uma necessidade como a fome, o bebê buscar algo

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no ambiente para satisfazê-la, e neste momento o ambiente facilitador (a mãe

suficientemente boa, capaz de atender às necessidades do bebê pois está intimamente

ligada a ele) apresentar a ele exatamente o que ele procura – o seio – o bebê pode ter a

ilusão de ter criado o que encontrou. Esta experiência é essencial para o

amadurecimento pois possibilita a ilusão de onipotência, que é a base para o bebê

acreditar na realidade do si-mesmo, e possibilita o início do contato com o mundo

externo. Ao criar o objeto e encontrá-lo, o bebê identifica-se com ele. Isso propicia um

primeiro sentimento de identidade, e participa da tarefa de integração.

Após ter tido a experiência de ilusão, o bebê é gradativamente desiludido por sua

mãe, que aos poucos não mais se encontra totalmente adaptada às suas necessidades.

Isto permite que ele comece a saber que o mundo já existia anteriormente a ele. O

processo de desilusão marca o início da separação da unidade mãe-bebê, que será

efetivada no estágio da transicionalidade, marcando o início de uma nova etapa do

amadurecimento.

Os fenômenos transicionais são, portanto, decorrentes da ilusão de onipotência, e

estão relacionados ao estabelecimento do contato com a realidade externa. Eles se

encontram “no meio do caminho” entre a realidade objetivamente percebida e os objetos

subjetivamente concebidos, e desenvolvem-se na capacidade do brincar.

O brincar, para Winnicott, é o meio pelo qual a criatividade se expressa e o

indivíduo pode descobrir seu verdadeiro self. O brincar localiza-se no espaço potencial

que, na idade adulta, amplia-se para todo o campo da cultura.

A criatividade, portanto, está ligada à capacidade de criar o mundo que tem

início com as experiências infantis, e possibilita ao ser humano o sentimento de estar

vivo e experienciar o dia-a-dia com um novo olhar a cada momento. Ela também

possibilita que os indivíduos envolvam-se com tudo o que faz parte da cultura e com o

que é compartilhado entre os homens.

De acordo com o que se pôde perceber, as duas teorias têm pontos que se

articulam, já que Winnicott começou estudando Klein. Ambos refletem sobre o papel da

criatividade na vida cotidiana do ser humano, além de relacioná-la às criações artísticas

e científicas. A criatividade e os processos criativos são vistos como algo que surge no

ser humano a partir de seu desenvolvimento emocional. É neste ponto, o da

compreensão do desenvolvimento emocional, que se encontram diferenças teóricas

entre os autores.

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Klein postula que o bebê, desde o nascimento, possui sentimentos de inveja e

gratidão com relação ao seio, e que isto se relaciona com a “quantidade” inata de pulsão

de vida e morte que ele possui. Winnicott não pode admitir que o bebê possua tais

sentimentos desde o nascimento, pois ele os considera muito sofisticados para o bebê

que, no início, não possui um self integrado e ainda não possui a delimitação entre o que

é dentro e fora de si – o que só vai conseguir quando conquistar as tarefas e integração

no tempo e espaço, da psique no corpo –, não podendo ainda direcionar um sentimento

a algo externo.

No entanto, Winnicott postula que o bebê possui algo inato, que é a criatividade

originária, algo que, para ele, é inerente ao ser humano. Ele também considera como

inerente ao ser humano a agressividade e a destrutividade. Além disso, o bebê também

nasce com a capacidade de amadurecimento, mas isto é uma potencialidade, que só se

realiza dependendo dos cuidados de um ambiente facilitador.

Outra crítica de Winnicott com relação à Klein é que, segundo ele, ela

desconsidera o papel do ambiente no desenvolvimento emocional, voltando-se apenas

ao mundo interno do bebê.

Ao continuar descrevendo o desenvolvimento infantil, Winnicott volta a se

aproximar de Klein, quando postula o estágio do concernimento, que se relaciona à

posição depressiva. Neste estágio, a criança se preocupa com os danos feitos, e procura

repará-los. Poder fazer isso forma a base para as realizações construtivas posteriores,

como a capacidade de trabalhar, por exemplo. No entanto, a capacidade de

concernimento aparece no bebê em uma etapa posterior de seu desenvolvimento, e isto é

diferente da etapa em que Klein descreve a posição depressiva, que é alcançada mais

cedo pelo bebê e está relacionada com o Complexo de Édipo precoce, pois a culpa é

resultado da introjeção dos objetos amorosos edipianos.

Assim, a partir da leitura dos dois autores, foi possível compreender que esta é

uma questão ampla, que envolve diferentes aspectos do ser humano. O próprio fato de

esta questão ter sido apresentada no surgimento da psicanálise com Freud, e ter sido

alvo de reflexão tanto de Klein como de Winnicott e de outros autores, demonstra sua

extensão e complexidade.

Pôde-se perceber que a criatividade é algo que pertence ao humano, é uma

condição humana que surge em seu desenvolvimento emocional. Ela possibilita uma

vivência não monótona, permeada por diferentes coloridos, permite que nos

envolvamos com diferentes atividades que dizem respeito ao mundo em que vivemos.

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Também foi possível compreender um pouco sobre o que envolve uma criação artística,

o ímpeto de construir algo do mundo interno no exterior, compartilhado, ou uma busca

por integração. No entanto, mesmo Winnicott diz que o impulso criador em si mesmo

não é possível de ser explicado. Algumas questões sobre isto foram surgindo durante as

reflexões sobre tudo isso: se fazem parte do desenvolvimento humano a passagem para

a posição depressiva e o surgimento do impulso reparador, por que alguns, a partir da

reparação, sentem um impulso criador e produzem arte, e outros não? Quais seriam as

outras variáveis envolvidas? Algumas pessoas também passam por um luto e também

não realizam produções artísticas. Não foi possível, neste momento, trabalhar essas

questões. Winnicott, de certa forma, reflete sobre isso ao dizer sobre a variabilidade do

encontro entre o sujeito e seu ambiente, tornando o amadurecimento diferente para cada

um. Estas questões chamaram a atenção, mas provavelmente constituirão material para

um outro trabalho.

A compreensão do fazer artístico é algo que de certa forma permanece

inalcançável, talvez daí mesmo venha o fascínio que é capaz de despertar.

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Considerações Finais

Espero que este trabalho possa, de alguma forma, ter deixado claro algumas

respostas sobre o que me propus refletir e que não procurei limitar algo que é em si

mesmo ilimitado, pois a criatividade se trata de condição, vivência humana inesgotável,

apresentada por diferentes autores de acordo com suas reflexões teóricas.

Pude compreender alguns aspectos de como Klein e Winnicott explicam seu

aparecimento no ser humano, a partir de suas teorias do desenvolvimento emocional, e o

que eles consideram que a criatividade permite ao homem, como as vivências

prazerosas no cotidiano, as experiências culturais, o envolvimento com o que é

compartilhado entre as pessoas, e a criação artística. Porém, a essência do impulso

criador permanece intocável mistério que nos envolve de diferentes maneiras; somos

tocados pela arte e, atentos ao nosso dia-a-dia, buscamos o viver criativo.

Com isso, voltamos à Clarice:

Lembrei-me de outra doação a si mesmo: o da criação artística. Pois em primeiro lugar por assim dizer tenta-se tirar a própria pele para enxertá-la onde é necessário. Só depois de pegado o enxerto é que vem a doação aos outros. Ou é tudo já misturado, não sei bem, a criação artística é um mistério que me escapa, felizmente. Não quero saber muito. (Lispector, 1992, p. 326)

O mistério sobre a fonte do impulso permanece, mas ele mesmo é o que nos

fascina e nos impulsiona ao querer saber, buscar novas descobertas e renovações de

conhecimento. Os questionamentos permanecem e buscamos sempre novas

compreensões.

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