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Galileu Galilei: divulgação científica na obra de Achille Bassi
ALINE LEME DA SILVA1
PLÍNIO ZORNOFF TÁBOAS2
O Professor Achille Bassi
Achille Bassi nasceu no dia 09/08/1907 em Mondovi, Itália. Frequentou a
Universidade de Bologna durante os dois primeiros anos de estudos universitários em
Matemática e depois, por motivos familiares, transferiu-se para a Escola Normal Superior,
anexa à Universidade de Pisa. Formou-se em 1929 e sua tese foi considerada digna do prêmio
“Eugenio Bertini”, que era concedido anualmente em Pisa à melhor dissertação em
matemática. (BASSI, 1961: 4).
Em 1937, Bassi foi nomeado professor interino na Universidade de Bologna para o
ensino de Geometria Descritiva e Complementos de Geometria Projetiva e, em 1938, também
foi nomeado para a cadeira de Geometria Superior. (BASSI, 1961: 5).
No ano de 1939, a convite do governo brasileiro, mais precisamente através dos
contatos entre as Embaixadas Brasileira e Italiana, Bassi transferiu-se para o Rio de Janeiro,
iniciando suas atividades na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), integrante da
Universidade do Brasil. (SILVA, 2002: 107).
O Professor Bassi permaneceu na FNFi (Faculdade Nacional de Filosofia) de 1939 a
1947, onde encarregou-se do curso de Geometria Superior e introduziu no Ensino de
Matemática a noção de Topologia Combinatória. (BASSI, 1961: 6).
1 Licenciada em Matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo (USP) Aluna do Curso de Especialização em Matemática para Professores do Ensino Fundamental e Médio REDEFOR da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Aluna especial do Curso de Pós-Graduação em Ensino, História e Filosofia das Ciências e Matemática (EHFCM) da Universidade Federal do ABC (UFABC) Professora de Educação Básica II (PEB II) da rede pública do Estado de São Paulo 2 Doutor em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Rio Claro Professor Adjunto II do Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC) da Universidade Federal do ABC (UFABC)
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Porém, em 1942, o Brasil declarou guerra à Itália e à Alemanha e Bassi, que por
razões pessoais não pôde retornar à Itália, fora afastado do magistério da FNFi. A partir de 15
de junho de 1942 não aparecem mais nomes de professores italianos nas atas da Congregação
da FNFi. (SILVA, 2002: 117).
Observa-se, então, que Bassi teve seu contrato rescindido simplesmente pelo fato de
ser italiano, sendo impedido de lecionar no país que o convidara a trabalhar e que esperava
dele uma contribuição decisiva para desenvolver a Matemática. Apenas em novembro de
1943, volta a aparecer o nome de Bassi nas atas da Congregação. (SILVA, 2002, p. 118). Em
uma carta de julho de 1944, enviada por Bassi ao Ministro da Educação e Saúde, Gustavo
Capanema, ele afirma:
Este acontecimento me enche de viva satisfação, porque não somente me foi
concedida a renovação de contrato para o meu cargo na Universidade, o que tirou
minha família de muitas sérias angústias econômicas, mas agora me foi também
concedido de reiniciar as atividades, às quais tinha sempre dedicado a melhor parte
de mim mesmo. (BASSI, apud, SILVA, 2002, CPDOC).
Durante sua permanência na FNFi, Bassi também foi professor em cursos de extensão,
num dos quais foi seu aluno Leopoldo Nachbin (BASSI, 1961: 6), pessoa de destaque no
cenário científico brasileiro. Porém, devido a entraves burocráticos, Bassi teve sua atuação na
área científica limitada, além de que no Rio de Janeiro, nessa época, não existia uma
Biblioteca matemática, por modesta que fosse, orientada para a investigação.
Em 1943, com a saída do professor Giacomo Albanese da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), Achille Bassi passou a ir
esporadicamente a São Paulo lecionar em seu lugar. (SILVA, 2002: 117).
Já em 1947, devido aos problemas enfrentados no Rio de Janeiro, Achille Bassi
aceitou um contrato com a Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais e pediu
para que cláusulas fossem inseridas no contrato para garantir a nomeação de assistentes e,
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principalmente, garantir o recebimento de verba para a Biblioteca. Mas, logo houve uma
mudança na administração da Universidade e as cláusulas do contrato não foram cumpridas.
Então, Achille Bassi aceitou um outro cargo, em Ouro Preto, na Escola Nacional de
Minas e Metalurgia. (BASSI, 1961: 8). Seu nome aparece como participante da Comissão
julgadora para provimento de cargo de Professor Catedrático nessa escola em alguns Diários
Oficiais da União entre os anos de 1948 e 1949.
A partir de 1953, quando Bassi recebeu o convite para organizar o Departamento de
Matemática da Escola de Engenharia de São Carlos, que foi o embrião do Campus
Universitário da USP nesta cidade do interior paulista, foram coroados seus esforços de
quinze anos de trabalho no Brasil em busca de consolidação de um espaço para
desenvolvimento de ensino e de pesquisa em matemática. Então, Bassi resolveu abandonar
uma cadeira na Universidade de Palermo e outra na Universidade de Pisa, Itália, que acabara
de conquistar, para dedicar-se inteiramente à criação desse novo Departamento de Matemática
em São Carlos. (BASSI, 1961: 8). Já nessa cidade, Bassi colocou algumas condições como
sendo importantes para a formação desse departamento. Uma delas foi a possibilidade de
adquirir livros e revistas em quantidade e qualidade adequada para que se formasse ali não
somente uma Biblioteca, mas um centro de pesquisas matemáticas. (BASSI, 1961: 9).
Em São Carlos, Bassi organizou e dirigiu o departamento, lecionou, produziu material
didático, organizou um curso de Doutoramento, orientando seu assistente Gilberto Francisco
Loibel (BASSI, 1961, p. 10), e ainda angariou recursos para a criação e manutenção da
Biblioteca, que hoje leva o seu nome, adquirindo inclusive obras raras para a mesma.
Sob a direção de Achille Bassi, o departamento produziu entre 1955-1960 mais de
vinte trabalhos científicos. Esta produção tornava o Departamento de Matemática da Escola
de Engenharia dos mais eficientes na produção científica da época (BASSI, 1961: 11).
Por fim, Bassi ainda teve participação política decisiva para a transformação do
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Departamento de Matemática em Instituto, do qual foi o primeiro Diretor durante os anos de
1972 e 1973, dedicando assim 20 anos de sua carreira à USP de São Carlos.
Além de toda essa atividade acadêmica e administrativa, Achille Bassi escreveu
material de divulgação científica, como “Galileu Galilei, análise do homem e de sua obra – IV
Centenário do seu nascimento” e “Significação da Obra de Galileu Galilei”.
Galileu Galilei, análise do homem e de sua obra – IV Centenário do seu nascimento.
Significação da Obra de Galileu Galilei.
O primeiro dos livros foi um pedido da Diretoria da Faculdade de Filosofia da
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Universidade Federal de Minas Gerais, em comemoração ao IV centenário do nascimento de
Galileu Galilei. O livro de 1965, lançado em Belo Horizonte, foi dividido em duas partes: a
primeira parte, que segundo o autor constituiu a Aula Inaugural dos Cursos da Faculdade de
Filosofia da Universidade de Minas Gerais proferida em 9 de março daquele ano, trata da vida
e das obras de Galilei; e a segunda parte, que trata da importância e influência da obra de
Galileu, constituiu resumidamente uma conferência realizada em Belo Horizonte no dia
seguinte.
Já o segundo livro intitulado “Significação da Obra de Galileu Galilei”, foi lançado
pelo Instituto Italiano de Cultura em 1966, no Rio de Janeiro. Pode-se observar que as duas
obras na verdade são as mesmas com uma única diferença: na primeira obra há uma nota no
rodapé do prefácio explicando que o livro é um produto da aula inaugural e da conferência
realizada pelo autor, citadas anteriormente.
No ano em que Bassi recebeu o convite para produzir o texto, ele mesmo afirma no
prefácio que era um ano de muito trabalho científico para ele, e em uma análise da
documentação constata-se que nesse mesmo ano Achille Bassi fez uma viagem científica à
Itália e aos Estados Unidos, conforme carta enviada por ele em janeiro de 1966 ao Professor
Luiz Antonio da Gama e Silva, o então Reitor da Universidade de São Paulo.
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Carta enviada ao Reitor da Universidade de São Paulo por Achille Bassi
Na Itália, em Roma, Bassi participou do Simpósio Internacional de Geometria
Algébrica, promovido pela Academia dos Lincei, pelo Instituto de Alta Matemática e pela
International Mathematical Union. Nesse Simpósio Bassi fez uma exposição panorâmica de
suas recentes pesquisas. Também aproveitou para visitar os Institutos de Matemática das
Universidades de Florença, Pisa, Bologna, Turim, Milão e Gênova e em cada um desses
Institutos proferiu também uma conferência.
Já nos Estados Unidos, Achille Bassi visitou o Instituto de Matemática da Columbia
University e foi também a Princeton, onde estabeleceu proveitosos contatos com alguns
professores.
Embora com todos esses trabalhos científicos, Bassi afirma que aceitou o convite para
homenagear Galileu Galilei pela significação excepcional que sua figura parece encerrar e por
reconhecê-lo como o criador do método experimental que, como filósofo, ele anuncia e, como
cientista, aplica.
Bassi tem como objetivo mostrar que a aplicação do método experimental é a maior
glória de Galileu, a qual eclipsa, por importância, qualquer das suas descobertas por notáveis
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que sejam, além de se constituir um marco na história da humanidade. Também pretende que
se compreenda com clareza a essência da reforma galileana e o motivo filosófico pelo qual a
ciência pré-galileana era destinada ao fracasso, enquanto a primeira era destinada ao sucesso.
No prefácio Bassi salienta que, como escritor, Galileu ocupa um lugar muito elevado
na literatura italiana, sendo o maior escritor de seu século; como expositor, ele dá uma lição
de estilo didático aos cientistas de todos os tempos e, enfim, como artista, teve a habilidade
única entre os cientistas de criar o personagem Simplício.
Vida e obras de Galileu segundo Achille Bassi
Galileu nasceu em Pisa, Itália, no dia 15/02/1564, filho de Vicenzo, que era musicista
e que o ensinou a tocar alaúde. Com apenas 17 anos, em 1581, o pai mandou-o para a
Universidade de Pisa, com o objetivo de que o filho se tornasse médico, pois com isso
poderiam recuperar a posição econômica da família. Porém, Galileu sentiu-se atraído pelos
estudos das ciências físicas e matemáticas e abandonou os estudos em medicina.
Galileu descobriu o isocronismo de período de oscilação do pêndulo e com cerca de 20
anos de idade, aprofundou-se, contra a vontade do pai, no estudo da Geometria, descobrindo o
baricentro de alguns sólidos como o tronco da pirâmide.
Porém, em 1585, com 21 anos de idade, encontrava-se em situação difícil, já que não
tinha concluído nenhum estudo acadêmico e estava sem cargo algum, então voltou para casa e
começou a estudar as obras de Arquimedes, o que o levou a invenção da “bilancetta”, uma
balança hidrostática, que determinava o peso específico dos corpos.
Passados quatro anos, Galileu conseguiu um cargo na Universidade de Pisa e em 1589,
com 25 anos de idade, iniciou sua carreira como professor. Galileu iniciou suas atividades
como docente em um meio cultural fechado e dogmático que, na literatura, nas artes, na
geografia, na matemática e, um pouco também, na medicina tinha sido derrubado, mas que na
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cosmologia e na filosofia ainda resistia.
Na época em que lecionava em Pisa, Galileu constatou o Princípio de Inércia,
derrubando assim a dinâmica de Aristóteles que tinha sido aceita por quase 2000 anos.
Quando seu contrato em Pisa estava prestes a vencer, Galileu não pediu sua renovação para
buscar uma colocação melhor, que obteve em Pádua. Portanto, permaneceu em Pisa por
somente três anos.
Em Pádua, Galileu lecionou por 18 anos, desde 1592 até 1610. Nessa época, casou-se
com Marina Gamba, da qual separou-se mas com quem teve três filhos: duas filhas, uma
delas, Soror Maria Celeste, que tornou-se freira e um filho, Vicenzo. Na Universidade de
Pádua seu ensino foi tradicional, expondo Euclides, Almagesto, Arquitetura, Ciência das
Fortificações e na cosmografia expôs o sistema Ptolomaico, embora já fosse de opinião
copernicana. Galileu expunha o sistema Ptolomaico por temer a incompreensão dos
contemporâneos.
Dos primeiros anos de Pádua são as invenções do termoscópio e também o
aperfeiçoamento de um compasso geométrico. Mas a invenção que o tornou mundialmente
famoso foi a da luneta, que rendeu-lhe uma nomeação de professor vitalício com um ordenado
até então nunca pago a matemático algum.
Em apenas três dias, em março de 1610, Galileu escreveu “Sidereus Nuncius”, onde
anunciou ao mundo um primeiro grupo de suas descobertas feitas através da luneta. Galileu
então pediu um cargo ao Grão-Duque de Toscana, como seu matemático e filósofo, com o
mesmo salário e sem obrigação de dar aulas, o qual foi concedido.
Galileu instalou-se em Florença em setembro de 1610 e em seguida fez uma viagem a
Roma, tendo uma acolhida triunfal. Nessa época inventou o “microscópio”, porém não o usou
para descobertas científicas. Porém, quando Galileu retornou à Florença é que começaram
seus aborrecimentos em forma de sermões proferidos por padres dominicanos do Convento de
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San Marco. Dizia-se que algumas das afirmações de Galileu eram contrárias às Sagradas
Escrituras.
Por fim, um Padre chamado Lorini fez uma denúncia formal ao Santo Ofício. A
denúncia não era pessoal contra Galileu, mas contra a hipótese copernicana, que foi submetida
ao exame de uma comissão de onze teólogos do Santo Ofício, os quais, em 22 de fevereiro de
1616, decretaram a hipótese da imobilidade do Sol e a do movimento da Terra heréticas e
errôneas na fé. E Galileu, por ordem do Pontífice, foi admoestado a abandonar a hipótese
censurada e intimado a não ensiná-la, nem defendê-la.
Entretanto, um acontecimento serviu para dar a Galileu uma enganadora confiança:
sob o nome de Urbano VIII, seu admirador e amigo Cardeal Maffeo Barberini, tornou-se
Pontífice. E assim, Galileu começou a escrever o “Dialogo sopra i Massimi Sistemi
Tolemaico e Copernicano”, que foi uma das maiores obras primas da literatura científica de
todos os tempos. Nessa obra Galileu escolheu a forma de diálogo entre três personagens:
Salviati, um cavalheiro florentino, sustentador das ideias novas; Simplício, sustentador das
velhas posições aristotélicas e Sagredo, um cavalheiro veneziano que avalia as opiniões de
ambos.
Quando o Diálogo ficou pronto em 1630, depois de algumas exigências e entraves
burocráticos, Galileu conseguiu o “imprimatur”, e o livro foi lançado em Florença em
fevereiro de 1632.
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Dialogo sopra i Massimi Sistemi Tolemaico e Copernicano.
No entanto, em julho do mesmo ano, o Inquisidor de Florença recebeu ordem de
suspender a venda do Diálogo e em setembro transmitiu a Galileu a ordem de ir a Roma e
ficar a disposição do Santo Ofício. Isto deve-se ao fato do Pontífice pensar que Galileu
tencionava ridicularizá-lo na pessoa de Simplício. Enfim, depois de intimações cada vez mais
ameaçadoras, Galileu foi até Roma, onde foi processado e condenado pela Inquisição. Sua
pena logo foi convertida ao cárcere domiciliar, onde cumpriu a maior parte do tempo em
Arcetri, próximo a Florença.
Durante os anos de condenação, Galileu reuniu seus estudos sobre a dinâmica em um
novo tratado, o “Discorsi e Dimostrazioni Matematiche intorno a Due Nuove Scienze”, onde
são lançadas as bases da mecânica moderna. Também descobriu a libração da lua. E após ficar
completamente cego, ainda sugeriu ao seu filho Vicenzo como construir um relógio de
pêndulo. E no dia 8 de janeiro de 1642, Galileu faleceu com 78 anos de idade.
Importância e influência da Obra de Galileu Galilei segundo Achille Bassi
Galileu como físico e inventor foi o fundador de uma nova física. Suas experiências e
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descobertas sobre a queda dos corpos, sobre o movimento uniformemente acelerado, e sobre o
princípio da inércia, destruíram a dinâmica de Aristóteles.
Além disso, Galileu inventou e construiu vários objetos científicos, tais como, a
luneta, o microscópio, o termômetro, a régua de cálculo, a balança hidrostática e
indiretamente o relógio de pêndulo. E um ano após a sua morte, seu discípulo Toricelli,
inventou o barômetro.
Antes de Galileu, as invenções visavam a difusão de mensagens, ou a obtenção de
poder. Entretanto, Galileu foi o primeiro a inventar instrumentos com o objetivo de ampliar o
saber e é por este motivo que suas invenções assinalam um marco na história da humanidade.
Galileu foi o pioneiro do século XVI a compreender a necessidade da construção de
instrumentos necessários para a evolução da ciência e os construiu.
Somente uma vez Galileu ocupou-se de uma questão matemática, que foi a procura de
centros de gravidade, embora nas considerações suas matemáticas, os conceitos de
infinitésimo e infinito são introduzidos sem preocupação e com raciocínios praticamente
corretos. Galileu não trata da matemática do seu tempo porque nela vê pouca utilidade para
seus objetivos, porém, tinha o pressentimento da matemática do futuro. Dessa forma, sempre
procurou no estudo de um fenômeno físico encontrar a lei matemática que o descreveria
quantitativamente.
Na matemática, as sugestões de Galileu foram muito utilizadas por Cavalieri, que tinha
sido aluno, em Pisa, de Benedetto Castelli, que era o mais antigo discípulo de Galileu.
Cavalieri com o seu “Cálculo dos Indivisíveis” tornou-se um dos precursores do Cálculo
Infinitesimal.
Em “Discursos sobre Duas Novas Ciências”, Galileu explica com clareza o fato de
conjuntos com infinitos elementos poderem ser colocados em correspondência biunívoca com
uma parte deles, que foi o ponto de partida da obra de Bolzano e posteriormente de Cantor.
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Na astronomia, a invenção da luneta de Galileu assinala o divisor do que se pode
chamar de ciência pré e pós-galileana. Na era pré-galileana, os conhecimentos que se tinham
sobre os corpos celestes eram sem fundamentos. A luneta de Galileu provocou uma revolução
nas concepções ptolomaicas e ticonianas (Tycho Brahe, 1546-1601), primeiramente provando
que os planetas não eram incandescentes, depois, com a descoberta dos satélites de Júpiter,
mostrando que a Terra não era o centro absoluto do Universo e, também, demonstrando que
Vênus e Mercúrio, através das observações sobre suas fases, giram em torno do Sol. Quanto
aos planetas externos em relação à Terra, Marte, Júpiter e Saturno, as observações
demonstraram que suas órbitas não eram circulares, tendo a Terra como centro. Tais
observações são incompatíveis com a hipótese ptolomaica, porém continuam compatíveis
com a hipótese ticoniana.
Entretanto, as descobertas de Galileu de que o Sol era maior do que a Terra e que as
estrelas eram astros de natureza similar à do Sol demonstraram que a hipótese ticoniana era
praticamente insustentável.
Após as descobertas galileanas, foi a teoria de Isaac Newton que coordenou e dominou
os elementos esparsos e também explicou as leis cinemáticas de Kepler. A construção desta
teoria foi a principal preocupação dos astrônomos entre 1690-1840 e permitiu descrever e
prever o movimento dos planetas.
Como escritor, Galileu foi polêmico e mestre no uso da ironia. Sua prosa o coloca
entre os maiores escritores da literatura italiana, servindo de modelo e iniciando uma tradição
de escrever bem e claramente.
Entre os cientistas de todos os tempos, talvez tenha sido o único a criar um
personagem: Simplício. E chegou a ser comparado com Sócrates, pelo fato de que ambos se
propuseram empreender uma reforma dos métodos do pensamento humano. Galileu foi o
“Sócrates” das ciências da natureza, pois foi o primeiro que compreendeu as razões dos
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antigos fracassos e o método que deviam seguir para alcançar resultados corretos.
O método experimental foi claramente exposto e aplicado por Galileu e a
incompreensão deste método foi a razão do fracasso da ciência medieval.
Galileu não só ensinou como cada cientista devia comportar-se como também como
deviam comportar-se entre si, pois compreendeu a importância dos cientistas comunicarem-
se, e com o Sidereus Nuncius deu início a esse costume. Teve também, Galileu, plena
consciência da provisoriedade das teorias, portanto estava sempre pronto para renunciá-las
caso experiências as contradissessem.
Como repercussão da condenação de Galileu, a venda “Diálogo” no mercado negro
alcançou preços altíssimos, espalhando-se pelo mundo inteiro. Também a Igreja Católica
adotou oficialmente o sistema ticoniano por cerca de um século. Apenas com a descoberta da
gravitação universal por Newton é que a hipótese ticoniana foi destruída e a copernicana foi
firmada definitivamente.
Achille Bassi, concluiu seu trabalho dizendo que Galileu foi vítima da inimizade e do
ódio que sua reforma, criadora de um mundo cultural novo, lhe engendrou no antigo mundo
cultural; e é um fato comum que o velho mundo lance mão de meios violentos antes de ceder
à ideias novas, basta lembrar do fim de Sócrates, Jesus, Lincoln e Gandhi. E por fim, Bassi
trata de relações entre ciência e fé.
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