o Professor e a Educacao Inclusiva

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  • O professor e a educao inclusivaformao, prticas e lugares

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  • Universidade Federal da Bahia

    reitoraDora Leal Rosa

    vice-reitorLuiz Rogrio Bastos Leal

    editora da Universidade Federal da Bahia

    diretoraFlvia Goulart Mota Garcia Rosa

    conselho editorial

    Alberto Brum NovaesAngelo Szaniecki Perret Serpa

    Caiuby lves da CostaCharbel Nio El-HaniCleise Furtado Mendes

    Dante Eustachio Lucchesi RamacciottiEvelina de Carvalho S HoiselJos Teixeira Cavalcante Filho

    Maria Vidal de Negreiros Camargo

    editora da Universidade Federal da BahiaRua Baro de Jeremoabo s/n Campus de Ondina

    40.170-115 Salvador Bahia BrasilTelefax: 0055 (71) 3283-6160/6164

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  • EDUFBASalvador 2012

    Theresinha Guimares MirandaTefilo Alves Galvo Filho

    ORGANIZADORES

    O professor e a educao inclusivaformao, prticas e lugares

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  • capa, projeto GrFico e editoraoLcia Valeska Sokolowicz

    normatizaoSusane Barros

    revisoFlvia Rosa

    2012, AutoresDireitos para esta edio cedidos Editora da Universidade Federal da Bahia.Feito o depsito legal.Grafia atualizada conforme o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

    Editora filiada :

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  • Sumrio

    9 Apresentao

    FORMAO

    17 Formao docente e prticas pedaggicas: conexes, possibilidades e tenses

    Denise Meyrelles de Jesus | Ariadna Pereira Siqueira Effgen

    25 Reflexes sobre a formao de professores com vistas educao inclusiva

    Lcia de Arajo Ramos Martins

    39 Educao inclusiva e preconceito: desafios para a prtica pedaggica

    Jos Leon Crochk

    61 Vygotsky e a concepo scio-histrico cultural da aprendizagem Felix Daz

    89 Formao de professores e educao inclusiva frente s demandas humanas e sociais: para qu?

    Valdelcia Alves da Costa

    111 Trajetria de um grupo de pesquisa da Universidade do Estado da Bahia

    Luciene Maria da Silva

    123 O grupo de pesquisa em educao inclusiva e necessidades educacionais especiais do PPGE/UFBA

    Theresinha Guimares Miranda

    139 Formao de professores para a incluso: saberes necessrios e percursos formativos

    Susana Couto Pimentel

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  • PRTICAS

    159 As propriedades do professor e do aluno com deficincia na utilizao de recursos de comunicao alternativa em sala de aula comum

    Rafael Luiz Morais da Silva | Ana Irene Alves de Oliveira | Simone Souza da Costa Silva | Fernando Augusto Ramos Pontes | Marcilene Alves Pinheiro

    179 O ensino de ortografia para crianas cegas Amanda Botelho Corbacho Martinez

    203 O uso de jogos pedaggicos e recreativos com pacientes peditricos do Hospital Universitrio Professor Edgar Santos

    Alessandra Barros | Adriana Santos de Jesus | Aurenvea Garcia Barbosa

    223 Comunicao alternativa, autismo e tecnologia: estudos de caso a partir do Scala

    Liliana M. Passerino

    247 Tecnologia Assistiva e salas de recursos: anlise crtica de um modelo

    Tefilo Alves Galvo Filho | Theresinha Guimares Miranda

    267 Prticas municipais de incluso da pessoa com deficincia no estado do Par

    Ivanilde Apoluceno de Oliveira

    285 Audiodescrio: ferramenta de acessibilidade a servio da incluso escolar

    Manoela Cristina Correia Carvalho da Silva

    299 Contribuies da Tecnologia Assistiva para a incluso educacional na rede pblica de ensino de Feira de Santana

    Antonilma S. Almeida Castro | Lucimre Rodrigues de Souza | Marilda Carneiro Santos

    321 A comunicao construindo redes entre a escola e o aluno com surdocegueira

    Nelma de Cssia Silva Sandes Galvo

    LUGARES

    349 Salas de recursos multifuncionais: possvel um servio tamanho nico de atendimento educacional especializado?

    Enicia Gonalves Mendes | Ccera A. Lima Malheiro

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  • 367 Incluso da pessoa com deficincia no Ensino Superior: primeiras aproximaes

    Hildete Pereira dos Anjos

    385 Incluso e preconceito na universidade: possibilidades e limites para estudantes com deficincia

    Jaciete Barbosa Santos

    403 Pessoas com deficincia no mercado de trabalho: um estudo da cultura organizacional

    Ana Cristina Cypriano Pereira | Liliana M. Passerino

    423 Educao e trabalho: temas a considerar para incluso de pessoas com deficincia no mercado de trabalho

    Maria Candida Soares Del-Masso

    435 Universidade Estadual de Feira de Santana: trajetrias, desafios e proposies para a incluso no ensino superior

    Marilda Carneiro Santos

    451 O letramento de surdos em escolas especiais em Salvador, Bahia Elizabeth Reis Teixeira | Erivaldo de Jesus Marinho

    461 Incluso, ensino e pesquisa na Universidade Federal de Sergipe Vernica dos Reis Mariano Souza | Antnio Carlos Nogueira Santos

    479 Polticas de incluso de alunos com deficincia e avaliao de desempenho: pontos e contrapontos

    Maria Jos Oliveira Duboc

    489 Sobre os autores

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  • | 9 | apresentao

    Apresentao

    A coletnea O professor e a educao inclusiva: formao, prticas e lugares resultado das palestras, proferidas por convidados, em 2011, durante a realizao do III Congresso Baiano de Educao Inclusiva e I Simpsio Bra-sileiro de Educao Inclusiva, organizados pelas seis universidades pblicas no Estado da Bahia Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Recncavo da Bahia (UFRB), Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) sob a liderana do Grupo de Pesquisa Educao Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais (GEINE), do Programa de Ps--Graduao em Educao da Universidade Federal da Bahia (PPGE/UFBA), em que participaram profissionais de vrios estados brasileiro.

    Esta obra tem como questo central: quais sentidos, significados e inten-cionalidades, vm se materializando na formao, na prtica e nos lugares de atuao do professor, para atuar na perspectiva da educao inclusiva?

    A questo proposta analisada sob a tica de diferentes experincias construdas durante o desempenho da trajetria profissional de seus autores. Contudo, o leitor vai observar que os autores mantiveram uma importante relao pedaggica e poltica entre o social e o educacional, na busca de aprofundar as reflexes referentes a educao inclusiva, principalmente em relao a formao docente, suas prticas e lugares de atuao, para uma educao especial na perspectiva do novo paradigma inclusivo.

    O referido Congresso teve como tema gerador Educao inclusiva: pr-tica, formao e lugares e como objetivo, discutir questes epistemolgicas, conceituais, polticas, culturais e tica relativas educao inclusiva. Nessa discusso, reconhece que a construo de uma escola inclusiva envolve a

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    criao de dinmicas escolares com a participao de toda a comunidade escolar, bem como o seu entorno, e que essas dinmicas podem ser mais bem compreendidas, admitindo suas articulaes com a dinmica social mais ampla.

    Um dos desafios fundamentais que emergem daproposta de escola in-clusiva a formao do professor, que para Fvero (2009)1 , justamente, o de repensar e resignificar a prpria concepo de educador. Isto porque, o processo educativo consiste na criao e no desenvolvimento de contex-tos educativos que possibilitem a interao crtica e criativa entre sujeitos singulares, e no simplesmente na transmisso e na assimilao disciplinar de conceitos e comportamentos estereotipados.

    Os artigos apresentados nesta coletnea, esto agrupados em trs blocos, de acordo com os tpicos discutidos no evento. No primeiro bloco esto os artigos que tratam da Formao Docente e dele constam, os trabalhos relativos a: resultados de pesquisas sobre formao docente (Jesus e Effgen, Martins e Pimentel); princpios tericos e fundamentos para a formao docente (Crochk, Daz e Costa) e caminhos percorridos por grupos de pesquisa na formao profissional e produo do conhecimento (Silva e Miranda).

    O segundo bloco aborda as questes relativas s prticas pedaggicas para a educao inclusiva, suas possibilidades e tenses. Ele composto de nove artigos, dentre eles cinco analisam o uso da Tecnologia Assistiva (TA) como recurso para favorecer a autonomia e o desenvolvimento da pessoa com deficincia. Oliveira e colaboradores,Passerino discutem o uso da comunicao alternativa, Silva descreve a audiodescrio (AD), modali-dade de traduo intersemitica criada com o objetivo de tornar materiais como filmes, peas de teatro, espetculos de dana, programas de TV etc., acessveis a pessoas com deficincia visual e a contribuio da TA em di-ferentes realidades analisada por Galvo Filho e Miranda e por Castro e colaboradores. Os demais textos deste bloco referem-se a pesquisas sobre a prtica de incluso: o uso de jogos com crianas hospitalizadas (Barros e colaboradores); o ensino da ortografia para crianas cegas (Martinez); a comunicao e o aluno com surdocegueira (Galvo) e prticas municipais de incluso (Oliveira).

    1 FVERO, Osmar et al. (Org.) Tornar a educao inclusiva. Braslia: UNESCO, 2009.

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    Diante desse quadro, pode-se apreender que essas prticas desenvolve-ram-se em diferentes lugares de exerccio profissional, no entanto, a divi-so em blocos foi realizada para fins didticos de organizao das ideias, porm no possvel isolar esses blocos, pois os temas os temas esto inter-relacionados.

    O terceiro bloco, denominado lugares, refere-se aos espaos em que ocor rem as prticas pedaggicas, destinadas s crianas e aos jovens com deficincia. Tradicionalmente, essas pessoas eram segregadas em institui-es especializadas e escolas especiais ou ficavam isoladas no seio familiar e sua escolaridade limitava-se as sries iniciais do ensino fundamental, pois a sociedade no lhes garantia condies para progresso escolar e incluso social. Com o avano das cincias e a promulgao de dispositivos legais, assegurada a educao da pessoa com deficincia, que vem alcanando nveis mais elevados de escolaridade, atingindo a universidade, alcanando o mercado de trabalho. Nessa perspectiva, esto os artigos de Anjos; Barbosa Santos; Carneiro Santos; e, Souza e Santos que pesquisam a incluso no ensino superior, a partir da realidade das Universidades que foram anali-sadas. Pereira e Passerino e Del Masso discutem a relao da pessoa com deficincia e o trabalho.

    Ainda, nessa reflexo sobre os lugares da educao inclusiva, Mendes e Malheiro questionam o atendimento educacional especializado, proposto na atual poltica educacional para ser realizado em salas de recursos mul-tifuncionais, como modelo nico de apoio a incluso escolar do aluno com deficincia, em contra ponto destaca-se o texto, intitulado O letramento de surdos em escolas especiais em Salvador, de autoria de Teixeira e Marinho. Esse ponto escola regular X escola especial polmico e no h consenso, por isso, esses estudos representam diferentes posicionamentos sobre essa questo e servem para ampliar a discusso sobre a educao inclusiva.

    Para encerrar as reflexes propostas nesta obra, Duboc apresenta algu-mas consideraes acerca da poltica de incluso de alunos com deficincia frente ao sistema de avaliao de desempenho realizada pelo ndice da Edu-cao Bsica (IDEB), conforme est posto no Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), por entender que esses pontos tm articulao entre si e precisam ser explicitados, para se ter melhor clareza do cenrio que emoldura a incluso das pessoas com deficincia.

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    Diante dos textos apresentados, a incluso de pessoas com limites, marca-damente diferenciados nos processos educativos, para alm da ateno e do atendimento s suas necessidades individuais, implica o desenvolvimento de linguagens, discursos, prticas e contextos relacionais que potencializem a manifestao polifnica e o reconhecimento polissmico, crtico e cria-tivo entre todos os integrantes do processo educativo. Nesses contextos, o educador ter a tarefa de prever e preparar recursos capazes de ativar a elaborao e a circulao de informaes entre sujeitos, de modo que se reconheam e se auto-organizem em relao de reciprocidade entre si e como prprio ambiente sociocultural.

    A relao educativa constitui-se, como tal, na medida em que se de-senvolvemmediaes (aes, linguagens, dispositivos, representaes) que potencializem a capacidade de iniciativa e de interao das pessoas (VYGOTSKY, 1997).2 Nesse processo, o educador precisa saber poten-cializar a autonomia, a criatividade e a comunicao dos estudantes, e, por sua vez, tornar-se produtor de seu prprio saber. Muitos professores e professoras acreditam que devem receber a preparao para trabalhar com estudantes com deficincia a partir de uma formao profissional que, vinda de fora (orientaes, direo, estado), d a eles autonomia para atuar. Mas tambm, se verifica que tais processos de formao adquirem sentido, na medida em que se articulam com os saberes que os educadores desenvolvem, tendo em vista as suas histrias de vida individual, as suas relaes coma sociedade, com a instituio escolar, com os outros atores educativos e os lugares de formao.

    Nessa perspectiva, a incluso de pessoas com deficincia nos processos institucionais dos vrios ambientes, dentre os quais, os escolares requerem, muito alm de mudanas pontuais, mas transformaes paradigmticas e culturais no sistema organizacional, assim como o desenvolvimento de concepes, estruturas relacionais e referenciais culturais capazes de agen-ciarem a complexidade e o conflito inerentes interao entre diferentes sujeitos, linguagens, interesses, culturas.

    O conjunto dos artigos desta coletnea contempla as mltiplas questes que se inter cruzam no campo da educao inclusiva, tendo como referncia

    2 VYGOTSKY, Lev. Obras Escogidas. Fundamentos de defectologia. Madrid: Visor, 1997.Tomo V.

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    o professor, a partir de vrias abordagens tericas. Esses artigos ampliam a compreenso das questes atinentes s polticas, s prticas pedaggicas e aos lugares que visam garantir a educao inclusiva. Os trabalhos apresen-tados e as anlises feitas suscitam questionamentos e posicionamentos em relao formao do professor, s diferentes prticas e lugares em que se realizam essas prticas, possibilitando o aprofundamento do debate sobre as aes educacionais,visando assegurar o direito de todas as pessoas educao escolar de qualidade social.

    A contribuio deste trabalho pode ser identificada a partir do momento em que se oportunizou a discusso e a reflexo sobre as questes tericas e prticas a respeito da Educao Inclusiva, no lugar onde ela ocorre, sus-citando reflexes e debates sobre o contexto social, a escola e a atuao do professor no campo educao inclusiva, e, certamente encontraro eco naqueles que desejam e se empenham em construir uma sociedade solidria em que os direitos humanos sejam promovidos e respeitados.

    Salvador, outubro de 2012.

    Theresinha Guimares Miranda | Tefilo Alves Galvo Filho

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  • FORMAO

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    Formao docente e prticas pedaggicasConexes, possibilidades e tenses

    Denise Meyrelles De Jesus | AriADnA PereirA siqueirA effgen

    Introduo

    A escolarizao de alunos com deficincia, transtornos globais do de-senvolvimento e altas habilidades/superdotao tem desafiado os espaos escolares a construrem novas/outras lgicas de ensino. Diante disso, a formao continuada em processo tem se configurado como uma possibi-lidade de pensar as demandas escolares e os processos de escolarizao dos sujeitos que tambm so pblico-alvo da educao especial.

    Tal formao continuada em contexto deve ter como foco as diferentes situaes que constituem o ato educativo, a anlise das prticas docentes e a criao de espaos para a reflexo coletiva, esforando-se, sempre, para criar na escola a crena de que possvel pensar solues para as questes que se presentificam. So esses movimentos que nos levam a concordar com Nvoa (1995, p. 25):

    A formao no se constri por acumulao (de cursos, de co-nhecimentos ou de tcnicas), mas sim atravs de um trabalho de reflexividade crtica sobre as prticas e de (re)construo per-manente de uma identidade pessoal. Por isso to importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experincia [...]. Prticas de formao que tomem como referncia as dimenses colectivas contribuem para a emancipao profissional e para a consolidao de uma profisso que autnoma na produo dos seus saberes e dos seus valores.

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    A citao acima pode ser ilustrada na narrativa de um professor de Artes do Ensino Fundamental ao analisar sua atuao em sala de aula com uma aluna pblico alvo da educao especial:

    [...] voc viu a produo de Melissa? Ela fez uma releitura fantstica da obra. Eu compreendi que apoi-la, muitas vezes, vai significar fazer com ela, at que compreenda e faa sozinha, mas isso no diminui a sua capacidade de produo e nem significa que ela no alcanou o objetivo. Ela alcanou uma parte e o processo dela mais lento, mas ela vai dar conta, pois tem condies. E o que mais me chamou a ateno foi v-la produzindo. Os colegas da sala tambm ficaram felizes com sua produo e, ao mesmo tempo, surpresos. Eles sempre me perguntavam: Foi Melissa que fez?. Eu afirmava que sim. Esse movimento que estamos vivendo nessa turma possibilitou uma outra condio, de Melissa ser aluna, uma condio de produo. Ela saiu daquele lugar de no fazer nada. Estou feliz com o resultado, agora acredito que possvel, pois eu fiz e deu certo. (PROFESSOR ROGER, 2010)

    Entendemos ser fundamental pensar a escola como lcus de formao docente, pois um espao que possibilita a construo de mudanas nas prticas pedaggicas, no currculo, no ensino e na aprendizagem dos alunos, inclusive daqueles com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao, e ainda abre caminhos para que o educador adicione a investigao aos seus saberes-fazeres.

    Sabendo que a educao um direito de todos, a formao continuada representa um espao-tempo de constituio e reflexo da ao educativa. um espao de potencializao das prticas pedaggicas. Uma oportu-nidade para (re)pensar as relaes de poder existentes no currculo, os mecanismos utilizados para validar os conhecimentos e os pressupostos que fundamentam quem pode ou no aprender na escola.

    Formao docente e prticas pedaggicas

    Considerando experincias como as trazidas pelo professor Roger, temos por objetivo considerar as tenses e desafios que se colocam para a forma-o de professores quando a tensionamos, simultaneamente, diversidade de pessoas que so alunos na atualidade. Queremos evocar a presena na

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    escola do aluno que apresenta deficincias, transtornos globais do desen-volvimento e altas habilidades/superdotao pensar prticas pedaggicas.

    Algumas questes atuais desafiam a nossa inventividade: como est sendo assegurado o direito escolarizao dos estudantes com indicati-vos para a Educao Especial? Como so pensadas as escolas de ensino comum nessa discusso? H dispositivos de apoio nessas escolas? Como os profissionais da educao so envolvidos nessas questes? Como se d a formao dos educadores? Como est se materializando essa questo no campo e na interface com outras diversidades? Quais so as condies concretas de trabalho dos profissionais da educao para a implementao de um projeto poltico-pedaggico inclusivo, do currculo e das prticas docentes para o ensino e a aprendizagem desses alunos?

    Tais questes atravessam o direito escolarizao, influenciam a forma-o do educador e trazem implicaes para o processo de incluso escolar que busca se fortalecer. Muitos movimentos vm ocorrendo, desde a insero de professores de Educao Especial nas escolas comuns, para apoio aos professores regentes, at a abertura de salas de recursos multifuncionais para atendimento educacional especializado.

    Cabe-nos entender como as escolas vm lidando com as questes da incluso escolar e, tambm, fomentar essas experincias nos processos de formao docente, possibilitando o acesso a reflexes terico-prticas, que permitam uma leitura crtica da realidade e alicercem projetos que visem transformao.

    Como nos sugere Boaventura Souza Santos (2007), devemos buscar enxergar sinais, pistas, latncias e movimentos, ou seja, o que ele denomi-na de ainda-no, a possibilidade de deslocamentos e aes, ainda no pensados ou institudos, mas que, na ao coletiva, podem emergir e nos apontar sinais e possibilidades.

    Meirieu (2005, p. 44) nos ajuda nessa direo quando afirma:

    Abrir a Escola para todos no uma escolha entre outras: a prpria vocao dessa instituio, uma exigncia consubstancial de sua existncia, plenamente coerente com seu princpio funda-mental. Uma escola que exclui no uma escola [...]. A Escola, propriamente, uma instituio aberta a todas as crianas, uma instituio que tem a preocupao de no descartar ningum, de fazer com que se compartilhem os saberes que ela deve ensinar a todos. Sem nenhuma reserva.

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    A escola tem por finalidade instituir os cenrios polticos e pedaggicos para permitir o acesso ao conhecimento, empreendendo [...] esforos per-manentes de universalizao da cultura. (MEIRIEU, 2002, p. 175) Nesse sentido, faz-se necessrio buscar a escola concreta, onde habitam alunos(as), professores(as), profissionais em aes pedaggicas; a escola, onde, na atu-alidade, se coloca o princpio tico da incluso escolar. Para tal, fazem-se necessrias reflexes sobre a educabilidade, processos de incluso-excluso, polticas educacionais, condies de aprendizagem, dentre tantas outras.

    Concordamos que h, sim, que se investir maciamente na formao inicial e continuada do educador. Falamos de poltica educacional pblica que garanta ao educador o direito tico da formao de qualidade. Uma formao que considere a diversidade, no caso especfico do aluno com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao.

    Reconhecemos que h uma orientao nacional, mas como ela se desdo-bra em cada espao local, cabe a cada grupo de profissionais da educao faz-la, a partir de seu conhecimento, de suas condies concretas, dos profissionais presentes localmente, das polticas institudas por aqueles que fazem.

    S no podemos abrir mo da tica de que todos devem estar no jogo. Para a garantia da aprendizagem de todos os alunos, precisamos assegurar o acesso ao currculo escolar, por meio de prticas pedaggicas diferenciadas que atendam aos percursos de aprendizagem de cada estudante. Tal situa-o um desafio, pois demanda professores detentores de conhecimentos terico-prticos, bem como planejamentos coletivos, estratgias e metodo-logias de ensino e de processos de avaliao que possibilitem ao educador acompanhar o desenvolvimento de cada aluno que est em sala de aula.

    O desafio que se coloca para ns, educadores, construir um espao escolar onde a diferena, de qualquer natureza, possa existir. No dizer de McLaren (2000), h que se construir um contra script, precisamos criar possibilidades, ao invs de mantermos antigos estigmas e prticas.

    Nesse sentido, coloca-se oportuna a pergunta: O que podem as prticas pedaggicas?. Meirieu (2002, p. 34) nos oferece pistas para pensar tal questo quando nos sugere: [...] descobrir novos meios para que a edu-

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    cao seja um lugar de partilha e no de excluso. Aponta pistas, ainda, quando nos direciona a perceber um aluno concreto, um aluno que [...] impe um recuo, que nada tem de renncia (MEIRIEU, 2002, p. 85). Ou quando nos diz do fazer pedaggico: A pedagogia pode se constituir, como uma tenso permanente entre o que escraviza e o que alforria (MEIRIEU, 2002, p. 125). Resistir ao que escraviza sinaliza para posturas provisrias, plurais, incertas e Meirieu (2002, 2005, 2006), em seus textos, aponta-nos algumas (JESUS, 2008, p. 216):

    a) a vontade de jamais se resignar ao fracasso;

    b) um esforo de ignorncia da histria do outro, que muitas vezes poder representar uma oportunidade de nos libertarmos dos deter-minismos;

    c) a aceitao de que o outro seja o que ele e no uma imagem ilu-sria ou o produto de uma elaborao ideolgica;

    d) questionamento sobre o que se diz e sobre a maneira como se diz;

    e) a colocao da criatividade e da autocrtica no centro da conduta docente;

    f) o reconhecimento do fundamento tico renncia a toda certeza didtica.

    Mesmo na escola se presentificando muitas tenses e desafios, ela pode se constituir em um espao de conhecimento capaz de criar alternativas para a garantia de uma proposta de aprendizagem para todos os alunos.

    Para a ao docente no contexto da diversidade, necessrio se faz tra-balhar com redes de encontros. Encontros de saberes, fazeres, reflexes, metodologias, estratgias de ensino, recursos, perspectivas avaliativas, pois, dessa forma, estaremos nos constituindo sujeitos coletivos. Vivemos o tempo de traduo, isto , o momento de criar dilogos entre os dife-rentes conhecimentos e experincias disponveis neste mundo to plural e heterogneo. (SANTOS, 2007)

    Cabe tambm a reflexo de que a formao docente qualificada pode muito, mas no pode tudo. H que se pensar em outros aspectos macro que configuram os sistemas de ensino e as condies de trabalho docente.

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    Conexes e encontros

    O movimento de formao com o professor Roger assumiu contornos que nos possibilitam a reflexo, pois, para ele, a formao [...] uma troca de experincia [...] formao esse contedo que transformado em prxis, acho que a discusso prxis, sabe? A teoria com aquilo que ns fazemos dela em conjunto, ela que me forma, sou eu que a formo [...].

    Nessa direo, o envolvimento de Roger e as discusses por ele apresen-tadas demonstravam sua inquietao sobre a escolarizao dos sujeitos com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao, uma vez que, at aquele momento, esses alunos muitas vezes eram inviabilizados a partir da fala do professor: no sei trabalhar com esses sujeitos na sala de aula.

    Assim, uma frente de trabalho da pesquisa foi organizada por um grupo de formao continuada com professores da escola Clarice Lispector para que pudssemos pensar a escolarizao de alunos com deficincia, trans-tornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao, uma vez que a escola tinha matrcula de alunos que tambm so pblico-alvo da Educao Especial.

    Diante disso, em nossos encontros semanais, discutamos as questes que nos desafiavam no fazer pedaggico, no que se refere escolarizao desses alunos. Roger era professor de Melissa e Lucas, dois alunos pertencentes 4 srie que tambm eram deficientes. A partir dos dilogos no grupo, o professor em questo comeou a ressignificar a sua prtica que at ento no contemplava esses alunos. O incio foi desafiador:

    [...] at pouco tempo atrs, no sabia que Lucas tinha dificuldade para andar. Nunca estabeleci uma relao com Melissa. Eu nem sei quais so suas preferncias. Como trabalhar com eles? E mais! Tem 36 alunos na sala que precisam de mim o tempo todo e mais os dois. Como fazer? Eu no tenho como fazer isso sozinho, eu preciso da ajuda de mais uma pessoa.

    Esse era um momento de tranquiliz-lo e, a partir da, propusemos que ele observasse esses alunos, tentasse se aproximar e conhec-los, entendendo que, assim como todos os outros alunos, eles tambm tinham seus sonhos e desejos, e nossa tarefa, como professores, seria nos sensibilizarmos em busca de descobri-los.

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  • | 23 | formao docente e prticas pedaggicas: conexes, possibilidades e tenses

    Posto esse desafio, o professor inicia a tarefa. Em nossos encontros, percebamos a relevncia do trabalho desenvolvido por ele, quando nos dizia: [...] descobri mais uma coisa de Melissa [...]. Lucas gosta de dese-nhar [...]. Melissa sorriu para mim [...]. Essas eram pistas e indcios que lhe permitiriam mais tarde uma interveno significativa na aprendizagem desses alunos bem como na sua prtica. Esse tambm foi um momento de formao.

    Esse primeiro momento de reflexo possibilitou ao professor ter outra forma de olhar para esses alunos ele passou a conhecer Lucas e Melissa a partir de suas especificidades e entender a necessidade de um trabalho diferenciado, valorizando as potencialidades desses alunos. Em nossas dis-cusses do grupo, Roger relatava suas aventuras, destacando que estava sendo uma experincia muito rica.

    O trabalho colaborativo com Roger, aps a fase de observaes e de conhecer Melissa e Lucas, passa a se constituir em pensarmos prticas pedaggicas que garantam que esses alunos tenham acesso ao currculo vivido pelos colegas na sala de aula, ou seja, s atividades que so cumpri-das no cotidiano.

    Assim, aps algum tempo de formao, planejamento, prticas peda-ggicas em sala de aula, reflexo, ao, discusso, foi possvel notar uma mudana na postura do professor, no que se refere escolarizao dos alunos com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao. Com relao s suas prticas pedaggicas, ele diz: [...] j tenho feito. No consigo mais no observ-los, no pensar neles, simplesmente ignor-los.

    Isso fica evidente na fala a seguir

    A minha interao em sala melhorou muito. Eu tenho dado conta de dar orientaes para Melissa. Dando conta de Melissa e Lucas, eu tenho dado conta da sala e das coisas da 4 srie. Melissa tem desenvolvido uma pessoalidade comigo. Ela tem vivido e interagido nas aulas com perguntas e respostas iguais aos seus colegas. E, o mais importante, eu planejo as minhas aulas a partir de Melissa e Lucas para os outros alunos, no um movimento s para eles. (ROGER, 2010)

    Dessa forma, a formao continuada foi o lcus de nossas discusses e contribuiu muito para o amadurecimento do grupo e do professor Roger, em especial. Ainda possibilitou novas outras prticas pedaggicas para que

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  • | 24 | denise meyrelles de jesus | ariadna pereira siqueira effgen

    a escolarizao de alunos com deficincia, transtornos globais do desen-volvimento e altas habilidades/superdotao fosse potencializada naquele ambiente escolar.

    No que diz respeito continuidade de aes no cotidiano escolar, o professor Roger destaca:

    O que eu aprendi na formao continuada e no trabalho que voc fez com a gente foi muito mais que formao profissional, foi formao para a vida. Vou levar isso para outros lugares, pois levo comigo, ningum me tira [...]. Quando tiver alunos especiais, eu j sei que tenho que fazer algo. No d para ignor-los, at porque eu j entendo que eles aprendem e do conta, mas isso depende de mim e da minha prtica.

    Roger e outros profissionais que esto no cotidiano escolar tm encon-trado possibilidades ao desafio da escolarizao de alunos pblico-alvo da Educao Especial. Parece-nos que dois princpios so fundantes para as suas prticas pedaggicas: assumir a educao como direito social e apostar na escolarizao e na educabilidade de todas as pessoa. Nesse sentido, a ao docente constitui-se como um possvel movimento para a significao desses alunos como sujeitos de conhecimento.

    Referncias

    JESUS, D. M. Prticas pedaggicas na escola: s voltas com mltiplos possveis e desafios incluso escolar. In: PERES, E. et al. (Org.). Trajetrias e processos de ensinar e aprender: sujeitos, currculos e cultura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

    McLAREN, P. Multiculturalismo revolucionrio: pedagogia do dissenso para o novo milnio. Porto Alegre: Artmed, 2000.

    MEIRIEU, P. A pedagogia entre o dizer e o fazer: a coragem de comear. Porto Alegre: Artmed, 2002.

    MEIRIEU, P. O cotidiano da escola e da sala de aula: o fazer e o compreender. Porto Alegre: Artmed, 2005.

    MEIRIEU, P. Carta a um jovem professor. Porto Alegre: Artmed, 2006.

    NVOA, A. Formao de professores e profisso docente. In: NVOA, A. (Coord.). Os professores e a sua formao. Lisboa: Dom Quixote, 1995.

    SANTOS, B. de S. Renovar a teoria crtica e reinventar a emancipao social. So Paulo: Boitempo, 2007.

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  • | 25 | apresentao

    Reflexes sobre a formao de professores com vistas educao inclusiva

    lciA De ArAJo rAMos MArtins

    Introduo

    importante, quando se estuda a formao de docentes no Brasil, retro-ceder um pouco na histria, no desconsiderando o fato de que apenas em meados do sculo XX que comea o processo de expanso da escolaridade bsica no pas, embora ainda de forma bastante lenta. No que tange rede pblica de ensino, esta expanso se processa, de maneira mais significativa, a partir das dcadas de 1970 e 1980.

    Tal situao decorre do fato de que a escolarizao foi, por muito tempo, privilgio das elites, pois apesar da existncia de algumas propostas educa-cionais, segundo documentos e estudos realizados no havia uma poltica inclusiva da populao em geral, na escola. (GATTI; BARRETO, 2009)

    No que diz respeito educao de pessoas com necessidades educacio-nais especiais principalmente aquelas que apresentavam algum tipo de deficincia at a dcada de 1970 era, geralmente, realizada apenas em instituies especializadas, atingindo um quantitativo bastante restrito de educandos. Essa rea eleita como prioritria no Plano Setorial de Edu-cao e Cultura 1972/1974 e, em consequncia, foram fixados objetivos e estratgias voltadas para esse campo educacional. (BRASIL, 1977)

    Com a criao do Centro Nacional de Educao Especial (CENESP/ MEC), em julho de 1973, primeiro rgo responsvel pela formulao e acompanhamento de uma poltica de Educao Especial, em mbito nacio-

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  • | 26 | lcia de arajo ramos martins

    nal, comea a ocorrer a criao de setores especializados nas Secretarias de Educao. Isto trouxe, como consequncia, a implantao do atendimento educacional para alunos ento considerado como excepcionais,1 tambm em escolas regulares estaduais e municipais. Surgiram, assim, as denomina-das classes especiais, bem como vrias outras modalidades educacionais,2 inclusive, o atendimento desses educandos em classes comuns, sob a gide do paradigma da Integrao. Predominava, porm, a viso de dois sistemas separados, estanques: o regular e o especial.

    Em 1974, havia um quantitativo de 96.413 pessoas com tais condies atendidas educacionalmente, em todo pas, centrando-se principalmente na faixa etria de 7 a 14 anos (70,66%). Na regio Nordeste, o quantita-tivo de alunos tidos como excepcionais atendidos atingia um patamar de apenas 10.721 educandos, que estavam frequentando alguma modalidade educacional. (BRASIL, 1977)

    Segundo dados do CENESP/MEC, nesse ano, existiam cerca de 13.970 docentes, no Brasil, em exerccio no campo da Educao Especial. Destes, 56% apresentavam apenas o nvel de 2 grau e 5% eram leigos, embora 46% possussem algum tipo de especializao.

    Detendo o nosso olhar na regio Nordeste, podemos salientar que, existiam 4.510 professores atuantes na rea, sendo que destes apenas 768 (17,02%) tinham especializao para o exerccio da funo. (BRASIL, 1977)

    Observamos, ainda, no que diz respeito ao quantitativo de alunos atendidos nesse campo educacional, no pas, que alm de estar muito longe de corresponder demanda em potencial existente o atendimento ofertado estava ainda estava muito centrado nas instituies especializadas. Evidenciava-se, portanto, como conveniente [...] incentivar-se a integrao desses alunos no sistema regular de ensino, sempre que possvel, e sem prejuzo da qualidade do atendimento. (BRASIL, 1977, p. 12)

    Isto mostra, entre outros aspectos,

    [...] [a] necessidade de atuao em favor de padres satisfatrios de desempenho a serem alcanados, caracterizando-se como

    1 Como eram denominados os alunos com deficincia, superdotao e problemas de conduta.

    2 Envolvendo desde a modalidade de classe comum, sem ou com apoio especializado, at o atendimento em hospitais e centros de tratamento. (REYNOLDS, 1962 apud PEREIRA, 1980)

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  • | 27 | reflexes sobre a formao de professores com vistas educao inclusiva

    principais enfoques: melhorar a adequao de mtodos; adotar procedimentos e instrumentos para identificao, diagnstico e prescrio de atendimentos; aperfeioar currculos e programas; suprir material didtico e escolar e equipamentos especializados; adequar instalaes fsicas e suprir de pessoal docente e tcnico especializado o tratamento educacional de excepcionais. (BRASIL, 1977, p. 13)

    Podemos afirmar, frente a isso, que havia uma grande premncia quanto capacitao de recursos humanos na rea, com vistas ampliao das oportunidades de atendimento educacional adequado, de maneira que um dos objetivos especficos propostos pelo CENESP/MEC, para o Plano Na-cional de Educao Especial no perodo de 1977/1979, foi o de Capacitar recursos humanos, envolvendo pessoal docente e tcnico especializado das equipes multidisciplinares para atendimento aos excepcionais, a partir da educao precoce at a formao profissional. (BRASIL, 1977, 19)

    Para tanto, vrias aes foram programadas nessa rea considerada prio-ritria, voltadas para preparao e atualizao docentes e tcnicos atuantes na Educao Especial, em todo pas, assim como para a capacitao de docentes de universidades, objetivando a formao de agentes multiplica-dores, com vistas implantao e manuteno de cursos de licenciatura em instituies de ensino superior. (BRASIL, 1985)

    A preocupao com a ao pedaggica empreendida com educandos com excepcionalidade intensifica-se e, no perodo de 1979-1984. Conforme dados do CENESP/MEC, foram realizados no pas 184 cursos de Educa-o Especial, sendo que, desses, 35 foram de atualizao, 34 de especia-lizao, 01 de aperfeioamento, 19 de estudos adicionais, 61 de extenso universitria, 26 de licenciatura e 08 de mestrado, que foram executados pelas Secretarias de Educao e/ou pelas universidades de 24 estados da Federao, propiciando a preparao de 6.707 profissionais, voltados para diversas reas de atendimento educacional. (BRASIL, 1985)

    Podemos perceber, no apenas nesse perodo citado, mas em anos sub-sequentes, que a formao de professores para a Educao Especial, no pas, assumiu diferentes formatos em vrios estados brasileiros. Alguns empreenderam, de maneira mais sistemtica, cursos de Estudos Adicionais (ou seja, o 4 ano do magistrio) para professores do ensino regular que apresentavam apenas o nvel mdio, outros investiram na formao em

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  • | 28 | lcia de arajo ramos martins

    nvel de ps-graduao lato sensu e outros na formao inicial ou especfica, em nvel superior.

    A partir de meados da dcada de 1990 inicia-se um novo movimento, que se prolonga at os dias atuais, em que se busca a incluso plena de todos os educandos nas classes regulares, desde a Educao Infantil. Ou seja, reconhece-se que crianas, jovens e adultos com necessidades especiais devem aprender junto aos demais alunos, independentemente das suas diferenas.

    Nesse sentido, por meio da sua ao educativa, os profissionais de ensino regular, nos diversos nveis, devem buscar atender de maneira adequada diversidade do alunado. Essa ao, igualmente,

    [...] deve se pautar no respeito e no convvio com as diferenas, preparando os educandos para uma sociedade mais justa e solid-ria, contrria a todos os tipos de discriminao [...] Os professores precisam tratar das relaes entre os alunos. Formar crianas para o convvio com as diferenas. (ZOA, 2006, p. 23)

    Dentro de uma perspectiva de ampliao dos sistemas, com vistas no apenas ao crescimento quantitativo de matrcula, mas tambm melhoria do sistema escolar, necessrio se faz, entre outros aspectos, o aprimora-mento do sistema de gesto, da atuao dos profissionais e do processo de ensino e aprendizagem.

    De maneira ampla, temos que reconhecer que tem sido realizado um esforo, nos ltimos anos, por diversas instncias, para preparar em nvel superior professores e demais profissionais de ensino, considerando a exi-gncia da legislao nacional. A este respeito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional Lei n 9.394/1996, no artigo 62, situa:

    A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, em universidades e institutos superiores de educao, admitida, como formao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a oferecida em nvel mdio, na modalidade Normal.

    No entanto, segundo dados do MEC, a partir do Censo Escolar da Educao Bsica, realizado em 2006, podemos constatar a existncia de 2.629.694 docentes atuantes na Educao Bsica, sendo que, destes,

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  • | 29 | reflexes sobre a formao de professores com vistas educao inclusiva

    735.628 professores no tm nvel superior e 20.339 so considerados leigos. Os docentes sem nvel superior, segundo o referido censo, podem ser assim distribudos: 230.518 esto atuando na Educao Infantil; 355.393 na 1 4 srie e 125.991 na 5 8 srie do Ensino Fundamental; 23.726 no Ensino Mdio.

    Na regio Nordeste este quantitativo era bastante significativo, atin-gindo um total 355.910 docentes sem formao em nvel superior (o que corresponde a 48,38% do total de docentes sem formao em nvel supe-rior no pas), centrando-se mais a sua atuao na primeira etapa do Ensi-no Fundamental (173.476 profissionais) e na Educao Infantil (95.581 pro fis sionais). Isto evidencia a necessidade de um investimento, cada vez maior, na formao dos profissionais de ensino, em todo pas, e, de maneira especial, naqueles que atuam na regio Nordeste.

    Educao inclusiva e formao docente

    No Brasil, a partir da Portaria Ministerial n 1793, foi reconhecida a importncia de complementar os currculos de formao de docentes e de outros profissionais que atuam em reas afins, sendo recomendada a inclu-so de disciplina especfica focalizando aspectos tico-poltico-educacionais relativos s pessoas com necessidades especiais, prioritariamente nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em outras licenciaturas, assim como a incluso de contedos especficos em cursos da rea da Sade e em outras reas.

    Na Resoluo do Conselho Nacional de Educao (CNE), que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica, h referncia incluso e formao de professores:

    A Educao Bsica deve ser inclusiva, no sentido de atender a uma poltica de integrao dos alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns dos sistemas de ensino. Isso exige que a formao dos professores das diferentes etapas da Educao Bsica inclua conhecimentos relativos educao desses alunos. (BRASIL, 2001, p. 25-26)

    Est previsto, assim, que na formao inicial, durante a graduao, todos os futuros professores da Educao Bsica devem desenvolver competncias para atuar tambm com alunos que apresentem necessidades especiais, em

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  • | 30 | lcia de arajo ramos martins

    qualquer etapa ou modalidade de ensino, na perspectiva de se efetivar a educao inclusiva.

    Especificamente voltada para a Educao Especial, foi aprovada a Reso-luo n 02/2001, do CNE e da Cmara de Educao Bsica, instituindo as Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica, que refora necessidade de haver a capacitao tanto de profissionais do ensino regular, como de docentes de docentes especializados para atender, de maneira diferenciada, as necessidades dos educandos (art. 8, inciso I).

    Evidencia-se, porm, que apesar da existncia da Portaria n 1.793/94 e das Resolues do CNE, muitas instituies de ensino superior no se estruturaram no sentido de oferecer disciplinas e /ou contedos relativos ao tema nos seus cursos de licenciatura, enquanto que outras o fazem de maneira precria, atravs da oferta de disciplina eletiva, ou com carga horria reduzida, ministrada de maneira aligeirada, o que no favorece a aquisio de conhecimentos, o desenvolvimento de destrezas, habilidades e atitudes relativas ao processo de atendimento diversidade dos educandos. (MARTINS, 2009)

    A partir do sancionamento da Lei n 10.436, de 24 de abril de 2002, reconhecendo a Lngua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicao e expresso de natureza visual-motora, com estrutura gra-matical prpria, de uso das comunidades de pessoas surdas, os sistemas educacionais federal, estadual e municipal e do Distrito Federal so obriga-dos a garantir a incluso da disciplina de Libras nos cursos de formao de Educao Especial, de Fonoaudiologia, de Pedagogia e demais licenciaturas.

    No que tange Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em relao ao campus central, no ano de 2009, existiam oito cursos de licenciatura que apresentavam, em sua estrutura curricular, uma disciplina obrigatria voltada para a educao de pessoas com necessidades especiais, enquanto que apenas quatro cursos apresentavam, alm da disciplina obrigatria, alguma(s) em carter eletivo. Este o caso do curso de Peda-gogia, que ofertava, tambm, quatro disciplinas eletivas: Fundamentos de Educao Especial (90 h/a), Metodologia de Ensino em Educao Especial I (DV), II (DM) e III (DA), cada uma com 60 h/a.3

    3 A partir de 2011, com a reformulao curricular, no Curso de Pedagogia existem 2 disciplinas obrigatrias: Educao Especial numa Perspectiva Inclusiva e Lngua Brasileira de Sinais Libras e 4 disciplinas eletivas: Metodologia de Ensino em Educao Especial

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  • | 31 | reflexes sobre a formao de professores com vistas educao inclusiva

    Por sua vez, 14 licenciaturas apresentavam apenas um componente curricular optativo, geralmente denominado Introduo Educao Espe-cial. A partir de 2010, passou-se a oferecer tambm a disciplina Libras, em todas as licenciaturas, em carter obrigatrio ou eletivo.

    Com vistas a conhecer a viso que graduandos apresentam sobre as disciplinas que cursaram nessa rea, realizamos, em 2009, uma pesquisa com alunos de cursos de licenciatura que, na sua estrutura curricular, tm componente(s) curricular(es) de formao em Educao Especial. Para tanto, centramos a nossa ateno em alguns cursos sediados no Campus Central, em Natal.

    Foi empreendida, neste sentido, uma pesquisa de campo com 96 alunos matriculados em vrios cursos de licenciatura, utilizando o questionrio como instrumento para a construo dos dados. Tal investigao envolveu uma srie de questes apresentadas por escrito aos acadmicos, tendo por objetivo o conhecimento de suas opinies a respeito: da formao inicial ministrada na rea, na licenciatura cursada; da repercusso da disciplina na percepo que apresentam sobre as pessoas com necessidades educa-cionais especiais e sua educao; do aprimoramento da formao inicial de professores na rea.

    Mesmo que 87,5% dos pesquisados tenham analisado de maneira bastante positiva as disciplinas cursadas, em decorrncia da metodologia utilizada e dos contedos que foram ministrados, para aprimoramento da sua formao inicial vrios graduandos, que integram cursos de licenciatura na UFRN, sugerem:

    incluso de mais de uma disciplina voltada para a Educao Inclusiva, em carter obrigatrio, em todas as licenciaturas;

    ampliao da carga horria das disciplinas que vm sendo desenvol-vidas;

    desenvolvimento de atividades que proporcionem um maior contato com as pessoas com deficincia, altas habilidades/superdotao e transtornos globais do desenvolvimento, tais como visitas a escolas e

    I (Deficincia Visual), II (Deficincia Mental) e III (Deficincia Auditiva), e Tecnologia Assistiva, sendo cada uma com 60 h/a, o que propicia aos alunos que participam do referido curso mais oportunidade de aprofundamento neste campo educacional.

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  • | 32 | lcia de arajo ramos martins

    associaes atuantes na rea, entrevistas, palestras com profissionais convidados, aulas prticas;

    discusses sobre dificuldades comuns encontradas na sala de aula por docentes e como enfrent-las, de maneira a realizar uma maior correlao entre teoria e prtica educativa;

    insero de contedos relativos s pessoas com necessidades educa-cionais especiais em outras disciplinas oferecidas nas licenciaturas: exs. Fundamentos da Psicologia Educacional, Fundamentos Hist rico-Filosficos da Educao; Histria da Educao Brasileira; Estrutura e Funcionamento do Ensino;

    ampliao de atividades extracurriculares na rea, no mbito da UFRN, tais como seminrios, cursos, oficinas, entre outros. (MAR-TINS, 2011)

    Para tais graduandos, portanto, necessrio se faz que haja ampliao de disciplinas e uma maior correlao entre a teoria e a prtica, de maneira que possam ser includas de forma mais satisfatria, como bem situa Torres Gonzlez (2002, p. 245), [...] dimenses relativas aos conhecimentos, destrezas, habilidades e atitudes relacionadas ao processo de ateno diversidade dos alunos.

    A formao dos profissionais de ensino, porm, de maneira geral, no se esgota na fase inicial, por melhor que essa tenha se processado. Para aprimorar a qualidade do ensino ministrado pelos profissionais de ensino em geral, nas escolas regulares, ateno especial deve ser atribuda tam-bm sua formao continuada, de acordo com os princpios de ateno diversidade.

    Segundo afirmam Ramalho e Beltrn Nez (2011, p. 73), este tipo de formao

    [...] mais que instruo ou aprendizagem de conhecimentos e formao de habilidades e de competncias, pois inclui, entre ou-tras coisas, interesses, necessidades, intenes, motivaes, carter, capacidades, condutas, crenas, atitudes e valores. [...] o tipo de atividade que o professor se apropria da cultura profissional e modifica [...] elementos chaves do seu agir profissional, de forma a influenciar no desenvolvimento profissional.

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  • | 33 | reflexes sobre a formao de professores com vistas educao inclusiva

    Contribui, pois, para possibilitar condies para que os docentes pos-sam refletir sobre a sua prtica, de forma a melhor atuar com as diferenas que se fazem presentes no alunado, entre as quais aquelas decorrentes de deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao.

    Correia (2008, p. 28), com vistas a essa perspectiva formativa, destaca que

    os educadores, os professores e os auxiliares de aco educativa necessitam de formao especfica que lhes permita perceber mi-nimamente as problemticas que seus alunos apresentam, que tipo de estratgia devem ser consideradas para lhes dar resposta e que papel devem desempenhar as novas tecnologias nestes contextos.

    Dessa forma, reala que no apenas o professor precisa estar preparado para a atuao com a diversidade do alunado, no cotidiano da escola, mas todos os profissionais que ali atuam.

    A formao permanente, pois, um dos fatores imprescindveis para que os profissionais de educao possam atuar, efetivamente, frente aos alunos sob sua responsabilidade em classe e no ambiente escolar, de maneira mais ampla, por mais diversificado que esse grupo se apresente, oferecendo--lhes condies de atendimento educacional que sejam adequadas s suas condies e necessidades e, no apenas, realizando a mera insero fsica desses educandos no ambiente escolar.

    Isto, infelizmente, ainda feito em algumas realidades escolares, em especial no que diz respeito aos alunos com deficincia, sobre os quais deteremos mais o nosso olhar. Nesses casos, quando muito, a incluso se reduz a um simples espao de socializao. Necessrio se faz que esta seja desenvolvida com mais responsabilidade, observando aspectos relacionados escola, ao aluno que mpar em suas caractersticas e necessidades e tambm ao docente. A incluso um processo complexo e esta complexi-dade deve ser respeitada, atendida e no minimizada.

    Se almejamos, pois, uma escola que possa garantir a efetiva participao e aprendizagem dos alunos em geral, necessrio se faz a sua reestruturao, implicando na busca pela remoo de barreiras visveis (de acessibilidade fsica, pedaggicas) e invisveis, que so as mais srias de serem removidas,

    o prof e a ed inclusiva.indb 33 6/12/2012 14:21:57

  • | 34 | lcia de arajo ramos martins

    pois envolvem atitudes, preconceitos, estigmas e mecanismos de defesa ainda existentes frente ao aluno tido como diferente.

    Em face disso, vrias aes vm sendo empreendidas nos sistemas edu-cacionais, principalmente nos ltimos anos, sob a bandeira da educao para todos, da incluso de todos na escola regular. Muitos cursos e eventos vm sendo realizados, porm, podemos observar que, muitas vezes, essas aes no se desvinculam da lgica tecnicista de transmisso, assimilao e reproduo do saber, no resultando em mudanas de percepes, posturas e prticas.

    Para que ocorra essa desvinculao, o que nem sempre acontece, neces-srio se faz

    [...] considerar os educadores e as educadoras nos seus contextos de sujeitos socioculturais, que trazem em suas trajetrias marcas e caractersticas prprias particularidades que estaro presentes numa determinada forma de olhar o mundo, de se permitir analisar as lgicas da realidade e, claro, de conceber a educao. (DINIZ; RAHME, 2004, p. 130)

    No tocante formao de recursos humanos para atuao na escola regular com alunos com deficincia e outras necessidades educacionais especiais, o Ministrio da Educao deu incio, em 2003, ao Programa Educao Inclusiva: Direito Diversidade, promovido pela Secretaria de Edu-cao Especial, visando: disseminar a poltica de Educao Inclusiva nos municpios, em todo pas; apoiar a formao de gestores e educadores para efetivar a transformao dos sistemas educacionais inclusivos. Fundamenta--se no seguinte princpio: garantia do direito dos alunos com necessidades educacionais especiais de acesso e permanncia, com qualidade, na escola regular de ensino. (BRASIL, 2006)

    Em setembro de 2010, o referido programa atingia 168 municpios-polo, que atuavam como multiplicadores para vrios outros municpios da regio. Segundo dados do Ministrio da Educao (MEC), ocorreu a formao de 133.167 professores e gestores, no perodo de 2004 a 2009.

    O MEC, atravs da SEESP, tambm elaborou e distribuiu materiais bibliogrficos que visavam servir como referencial para o programa em desenvolvimento, contemplando, inclusive, experincias inclusivas signifi-cativas, que vm sendo empreendidas no pas, em vrias regies.

    o prof e a ed inclusiva.indb 34 6/12/2012 14:21:57

  • | 35 | reflexes sobre a formao de professores com vistas educao inclusiva

    Na UFRN, com apoio financeiro do MEC, vem sendo empreendido o Projeto Continuum, desde 2011, que objetiva capacitar professores do ensino fundamental para o processo de incluso de estudantes com necessidades educacionais especiais, tendo em vista seu ingresso, acesso e permanncia, com qualidade, no ambiente escolar. O pblico-alvo constitudo de pro-fessores efetivos da rede pblica estadual e municipal, com formao em nvel superior, que atuam no Ensino Fundamental, de 1 ao 9 ano, em salas de aula regulares e em Salas de Recursos Multifuncionais.

    O referido curso, possui uma carga horria de 180 horas/atividades, distribudas em 144h presenciais e 36h vivenciais, que so destinadas s atividades desenvolvidas pelos professores/cursistas em sua prpria escola.

    No ano de 2011 foram empreendidos sete cursos, nos municpios de Natal (2), Mossor (1), Currais Novos (1), Nova Cruz (1), Santa Cruz (1) e Macau (1), abrangendo um total de 269 cursistas.

    Dada a repercusso positiva dos referidos cursos, em 2012 esto sendo previstos outros sete cursos destinados a docentes das redes pblicas de Natal e municpios circunvizinhos (6) e de Mossor (1).

    Nesses cursos tem sido considerado de suma importncia a problema-tizao dos saberes presentes nas vivncias cotidianas e os aspectos que fundamentam o saber-fazer dos docentes, de maneira a se constiturem em pontos de partida para novas experincias e vivncias.

    Algumas consideraes, a ttulo de concluso

    Nos tempos atuais, construir uma escola numa perspectiva inclusiva que atenda adequadamente a estudantes com diferentes caractersticas, potencialidades e ritmos de aprendizagem um dos grandes desafios dos sistemas educacionais.

    No basta, porm, apenas oferecer aos alunos o acesso escola. Ne-cessrio se faz ministrar um ensino que seja de qualidade para todos, que atenda s reais necessidades dos educandos. Em outras palavras, deve existir abertura para um trabalho pedaggico efetivo com a diferena presente nos educandos, em geral. Para tanto, imprescindvel investir dentre outros fatores na formao inicial dos profissionais de educao para atuao com a diversidade do alunado, incluindo nesse contexto os educandos

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    que apresentam deficincia, altas habilidades/ superdotao e transtornos globais do desenvolvimento.

    Podemos perceber que avanos vm ocorrendo, neste sentido, no Brasil, no tocante legislao existente e aos documentos oriundos de rgos edu-cacionais. Vrias iniciativas foram empreendidas pelo MEC e por diversos rgos em nvel federal, estadual e municipal, no que diz respeito formao de docentes para favorecer a incluso de todos os alunos, na escola regular.

    Neste sentido, embora reconheamos que tem crescido o nmero de cursos de licenciatura que buscam oferecer disciplina(s) voltada(s) para a Educao Especial, numa perspectiva inclusiva principalmente em decor-rncia de resolues e de algumas portarias ministeriais vrios estudos vm evidenciando que ainda existe, da parte de docentes em formao, a necessidade de um aprimoramento deste processo, a partir da ampliao da carga horria das disciplinas ofertadas, assim como da oferta de outras disciplinas que oportunizem um maior aprofundamento terico e prtico, nesse campo educacional.

    H, tambm, o reconhecimento de que o processo formativo no se esgota no momento inicial, sendo a formao continuada percebida como um dos fatores imprescindveis para que os profissionais de educao pos-sam atuar, efetivamente, com todos os alunos sob sua responsabilidade em classe regular e no ambiente escolar, de maneira mais ampla, por mais diversificado que esse grupo se apresente.

    importante que se entenda a escola como um lugar privilegiado de formao, como um espao para discusso de questes que tm profunda correlao com a prtica ali vivenciada e de busca de caminhos no tocante tomada de decises relativas s condies de trabalho, aprendizagem vivenciada pelos alunos sob sua responsabilidade. A incluso deve ser pensada, tambm, de maneira a extrapolar a dimenso da sala de aula, envolvendo toda a comunidade escolar.

    importante que a formao leve em considerao, portanto, o mximo possvel, o ambiente profissional real dos profissionais de ensino, favorecen-do situaes em que possam mobilizar seus recursos no contexto da ao

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  • | 37 | reflexes sobre a formao de professores com vistas educao inclusiva

    profissional e, ao mesmo tempo, possa lev-los a fazer uma anlise reflexiva e metdica de sua prtica, na busca de superarem as suas dificuldades.

    Esse critrio deve ser levado em considerao quando da organizao de cursos, voltados para a formao continuada de profissionais de educa-o, em instituies de ensino superior e nos prprios sistemas estaduais e municipais de ensino.

    Referncias

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  • | 38 | lcia de arajo ramos martins

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    Educao inclusiva e preconceitoDesafios para a prtica pedaggica1

    Jos leon crochk

    Introduo

    A educao inclusiva se destina aos alunos pertencentes a minorias sociais que, por diversos motivos, no estavam, anteriormente, presentes nas escolas e salas de aula regulares. (AINSCOW, 1997) A luta para sua implementao, fortalecida a partir do incio da dcada de 1990, conseguiu, em muitos pases, que seus objetivos fossem, ao menos em parte, cumpridos, ainda que haja muito a ser realizado. (MUOZ, 2007)

    A Tabela 1 traz dados referentes distribuio desses alunos, no Brasil, em 2010, segundo dados calculados a partir do censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Ansio Teixeira (INEP):

    Tabela 1 - Frequncia e porcentagem de alunos portadores de necessidades educacionais especiais no ensino bsico em 2010

    pblica % pblica privada % privada total

    Ensino especializado 75.384 14% 142.887 84% 218.271

    Ensino regular 457.236 86% 27.096 16% 484.332

    total 532.620 100% 169.983 100% 702.603

    1 Este texto tem como base conferncia a proferida ao final do III Congresso Brasileiro de Educao Inclusiva, em Salvador-BA, em 2011.

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    Os dados da Tabela 1 indicam que:1) a maioria dos alunos considerados como portadores de necessidades

    educacionais especiais est matriculada no ensino pblico;

    2) no ensino pblico, a maioria desses alunos est matriculada em classes regulares, o contrrio ocorrendo no ensino privado, que privilegia o ensino segregado.

    Esses dados mostram que os alunos que antes no frequentavam a esco la ou que a frequentavam em escolas e/ou classes especiais passaram a fa z-lo em escola regular, sobretudo a pblica. H de se considerar, contudo, que, segundo dados desse mesmo censo, realizado pelo INEP, em 2010, o nmero total de matriculados no ensino bsico foi de 51.549.889 e a porcentagem de alunos da educao inclusiva correspondia a 1,4%, o que nos parece muito baixa comparada ao total da populao estimada com necessidades especiais (14,5%, conforme dados do IBGE, 2000), mesmo considerando que esse total se refira ao total da populao e no somente aos que esto em idade escolar.

    No Brasil, segundo os dados da Tabela 1, a maioria dos alunos porta-dores de necessidades educacionais especiais2 est matriculada no ensino regular, mas ainda grande o nmero de matrculas no ensino especializado. difcil tambm estimar o nmero de potenciais alunos com deficincia que no esto em nenhum tipo de escola. A realizao da educao inclu-siva significa que todas as crianas e todos os jovens estejam estudando em escolas e classes regulares, o que at o momento no est ocorrendo.

    Os objetivos da educao escolar tm se direcionado para a formao do cidado, contrapondo-se nfase ainda predominante na formao para o trabalho. Isso importante quando pensamos que parte do ensino especial voltado, sobretudo, a pessoas com deficincia intelectual, feito por meio de oficinas abrigadas. Se a formao do cidado, portanto poltica, que a meta a ser alcanada, no cabe limitar a educao ao ensino de tarefas simples, o que parece ocorrer nessas oficinas. Alis, a educao voltada somente ou predominantemente para a adaptao criticada por Adorno (1995a) na dcada de 1960, independentemente de os alunos terem ou

    2 Utilizamos aqui essa expresso por ser aquela adotada pelo INEP, no restante do trabalho demos preferncia expresso aluno com deficincia, ainda que ambas as expresses no coincidam.

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    no deficincia. A formao no deve se restringir reproduo da socie-dade existente, deve proporcionar a crtica desta sociedade com o fito de alter-la, tornando-a justa, igualitria, propcia liberdade.

    Quando a educao escolar no segregadora, isto , no separa os alu-nos por suas consideradas, mas no necessariamente reais, incapacidades de aprender e/ou de conviver, h ganhos na formao individual dos que tm e dos que no tm deficincia, segundo estudo de Monteiro e Castro (1997). Os que tm deficincia, por identificao com seus colegas sem deficincia, podem se desenvolver mais, dada a diversidade de modelos, do que quando s esto entre os que tm deficincia. Para os que no tm deficincia, a convivncia com os que so diferentes de si podem propiciar o que Adorno (1995a) chama de identificao com o mais frgil, o que um fator importante contra a violncia.

    Apesar do que foi desenvolvido at aqui, que revela o fortalecimento da educao no segregadora, ou educao inclusiva, h de se considerar a existncia de fortes presses a favor de que os alunos com deficincia estu-dem em instituies especializadas e no na sala de aula regular. Como em outros tempos alunos com deficincia eram dirigidos predominantemente a instituies especiais ou classes especiais, sendo considerados, em geral, com problemas de sade e no propriamente de aprendizagem, mais com problemas de desenvolvimento do que de aprendizagem, formou-se uma estrutura slida ao redor dessas instituies, envolvendo quadros profis-sionais especializados e recursos governamentais, que tm dificuldades de se transformar. No adianta essas instituies se modernizarem quanto aos seus mtodos e instrumentos, quando a mudana necessria s pode significar a superao da segregao estabelecida.

    Como as propostas da educao inclusiva preveem modificaes subs-tanciais na arquitetura da escola, nos mtodos de ensinar e avaliar, mes-mo quando alunos com deficincia so aceitos, no necessariamente tm condies de ser includos; quando tais alteraes no so feitas, temos o que denominado educao integrada (ver VIVARTA, 2003), que se j significa um bom avano em relao educao segregada, ainda no possibilita a plena incluso dos alunos antes segregados, quer pelo fato de que estudavam em instituies especiais/classes especiais, quer porque no estudavam em nenhum lugar. A proposta de educao inclusiva im-

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    plica o reconhecimento das diferenas e as adequadas condies para que essas no sejam obstculo formao; assim, linguagem em braile pode ser importante para os que tm deficincia visual; linguagem dos sinais pode ser importante para os que tm deficincia auditiva; falar mais pau-sadamente e utilizar mais recursos imagticos pode ser importante para os que tm deficincia intelectual. A educao inclusiva, assim, no deve desconhecer as diferenas, mas proporcionar recursos para o cumprimento dos objetivos escolares.

    A esta introduo, neste texto, que tem a inteno de ser um ensaio, seguem-se quatro partes. Na primeira delas, so discutidos os objetivos da educao no que se refere constituio do indivduo, que deve expressar sua diversidade; na parte seguinte, iniciamos a discusso sobre o conceito de preconceito em sua relao com o conceito psicanaltico de identifica-o; o preconceito objeto de discusso tambm do terceiro item; nesse, damos nfase sua forma de manifestao como marginalizao ou segre-gao. Por fim, na ltima parte, apresentamos ilustraes das categorias de marginalizao, segregao e tambm da categoria de incluso, por meio de dados empricos obtidos em pesquisa recentemente concluda sobre a educao inclusiva.

    Educar para diversidade e diversidade prvia educao

    Ao contrrio de algumas tendncias que defendem que a diversidade de origem e assim deve se perpetuar, em nossa perspectiva, a educao deve transformar o educando, caso contrrio no pode cumprir seus objetivos. Mais do que isso, por meio da educao, da formao, que podemos ser diversos, diferenados; sem a formao somos semelhantemente grosseiros, rudimentares, primitivos. Conforme Adorno (1972), a formao, a dife-renciao individual, ocorre pela incorporao da cultura que nos permite expressar nossos desejos, sofrimentos, expectativas. Sem a possibilidade de expresso no podemos sequer ter experincias, pois essas no podem ser compartilhadas pela linguagem e por meio do contedo que indica a realidade de nossa existncia e a possibilidade de sua alterao. Assim,

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    normas, regras, princpios, valores so fundamentais para a constituio de um eu prprio e diverso dos outros; no que no haja diferenas prvias formao, mas que se no podem ser nomeadas, tampouco podem ser conhecidas e serem referncias de um eu.

    Freud (1993) mostra o desenvolvimento de um eu a partir das experin-cias; o passado que foi modificado, segundo ele, preservado e sempre pede para retornar, mas a isso resiste a formao, que deve recordar o vivido sem negar o atual e o porvir. Dito de outro modo, a diversidade pode ser expressa com a apropriao da cultura, desde que ela se refira a indivduos e no a espcies; caso a diversidade se refira a espcies, ento estamos no reino da natureza e se somos, conforme Horkheimer e Adorno (1985), natureza, somos tambm mais do que natureza; enfatizar s o que natural, impede o que propriamente humano, como possibilidade de ao expressar a natu-reza, poder dar-lhe diversos destinos; negar a natureza, desconhecer os limites a serem superados. Em outro texto (CROCHK, 2002) assinalamos uma dialtica dos limites: no reconhec-los, pode abrigar a crueldade de exigncias que no podem ser cumpridas; no reconhecer a possibilidade de sua superao, significaria a resignao.

    Certamente, as diferenas entre os indivduos, indicadas pelos limites, so tambm determinadas socialmente, mas tais limites, quando no so produtos de um delrio, tem uma base real. Quem tem deficincia visual, deficincia auditiva, deficincia intelectual, deficincia fsica, pode ter di-versos destinos, dependendo dos significados que a cultura atribui a essas deficincias; significados que dependem de condies sociais objetivas. (ver HORKHEIMER; ADORNO, 1985) E a cultura, na dependncia das necessidades e dos conflitos sociais, que possibilita a formao para a segregao ou para a incluso.

    Como nossa sociedade contraditria, traz simultaneamente um m-peto progressivo e outro regressivo, o esclarecimento, a razo, a ilustrao (Aufklrung, em alemo), segundo Horkheimer e Adorno (1985), so fun da mentais para a emancipao dos homens de um estado de conflito continuo, mas, contraditoriamente tambm podem suscitar esse conflito. A possibilidade da superao estaria no abandono do desejo de dominao dos homens uns pelos outros. Esse desejo de dominao, que expressa a

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    natureza do homem, e que pode ser superado desde que seja reconhecido, assim como a violncia que produz, tambm a dominao que tivemos de exercer sobre a natureza para podermos sobreviver como espcie. Com o avano cientfico e tecnolgico, essa dominao no mais necessria. Se assim , a segregao, que uma forma de dominao sobre o que diverso, no mais necessria objetivamente; com o progresso, a eficincia no mundo do trabalho pode ser obtida em boa medida pelas mquinas, essas podem ver, ouvir e pensar formalmente muito melhor do que os homens. A formao poderia ser predominantemente para a vida, poderia j ser uma possibilidade de vida plena e no a preparao para o trabalho, o que converte a vida em meio.

    Isso no significa afirmar que os saberes escolares no sejam importantes para a vida: so fundamentais, mas no precisariam mais ser unicamente elementos para a sobrevivncia. A educao j poderia ser dirigida para a paz, que como define Adorno (1995b), pode se expressar pelo comparti-lhamento das diferenas. Isso significa que a educao inclusiva deve mo-dificar a formao para todos, visando a novos objetivos. Claro, se nossa sociedade contraditria e j tem condies objetivas para superar suas contradies, a educao deveria ser, sobretudo, poltica, indicando essas contradies e a possibilidade de sua superao.

    Dentro das propostas de educao inclusiva, existe uma que, a nosso juzo, pior do que a denominada educao integrada, ainda que melhor do que a segregada: a educao especial mvel (ver BEYER, 1995); trata--se de proposta que traz um professor formado e experiente em educao especial para sala de aula para se responsabilizar pelos alunos com de-ficincia, o que implica construir um muro simblico entre os alunos regulares e os considerados em situao de incluso. Isso, de modo similar, j ocorre, com certa frequncia, principalmente nas escolas particulares, e se realiza por meio de auxiliares de professor. Esse profissional passa a ser conhecido como sendo prprio a esses alunos o que configura uma segregao dentro da prpria sala de aula, o que a nosso ver, fortalece o preconceito, no o combate. Como escrito antes, no se trata de desco-nhecer que os alunos com deficincias necessitem, por vezes, recursos especficos, mas isso no significa que deva haver isolamento desses alunos em relao a seus colegas.

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    Formao e preconceito: negao da identificao e identificao negada

    Se no so mais as condies objetivas que impedem a incluso de todos os alunos no ensino regular, mesmo porque a crescente racionalidade tcnica e automao no mundo do trabalho diminuram a necessidade de mo de obra eficiente, temos de pensar nos fatores que agem sobre a atuao dos indivduos que os impelem a ser contrrios a uma forma de educao no segregadora. Um desses fatores principais, em nosso entendimento, o preconceito e sua manifestao: a discriminao.

    O preconceito delimitado como uma reao hostil contra um membro de um grupo, por esse supostamente apresentar modos de ser e de atuar desvalorizados pelos preconceituosos (CROCHIK, 2006); manifesta-se ao menos de trs formas: hostilidade manifesta (ou sutil) contra o alvo; com-pensao dessa hostilidade por atos de proteo exagerada; e indiferena.

    Como o preconceito diz respeito ao preconceituoso e no aos seus obje-tos, e como refratrio experincia, deve-se buscar os motivos desse fen-meno na constituio do indivduo, sem esquecer que esse determinado socialmente duos. Poderamos dizer que o preconceito a ideologia em seu sentido de falsa conscincia apropriada subjetivamente. Na adeso ideologia, os motivos da paixo so projetados nos contedos que aquela difunde; no preconceito, os contedos ideolgicos so utilizados para jus-tificar a paixo. Se, como dizem Horkheimer e Adorno (1978), a ideologia justificativa da dominao, o preconceito a expresso direta do desejo de dominao sobre os que, real ou imaginariamente, so distintos de ns, e frequentemente considerados mais frgeis , menos adaptados, inferiores.

    Conforme Freud (1993), a identificao com os outros fundamental para a constituio de um eu, se no incorporamos valores, princpios, expectativas dos modelos das autoridades com as quais vivemos no consti-tumos referncias internas e, por isso, sempre devemos nos dirigir aos outros para saber se agimos ou no corretamente, ou ento, tendemos sempre a seguir nossos desejos, s renunciando a eles quando as autoridades esto presentes. De outro lado, s a identificao com os pais, professores etc. no basta para a formao do eu e do ideal de eu, ela tambm deve ser negada, mas sem ela no h indivduo.

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    Se podemos falar em formao de indivduos predispostos a desenvolver preconceitos, a identificao negada mecanismo importante quer para a hostilidade dirigida s minorias, quer para a compensao a essa hostilida-de, expressada pela proteo desmesurada. Como Horkheimer e Adorno (1985) alegam a respeito do antissemita, esse persegue o judeu uma vez que contm, imaginariamente, caractersticas, formas de ao, desejveis para si mesmos-. O desejo de no ter ptria, ou de todos os lugares serem considerados como ptria, universal, pertence a todos os homens, assim como o desejo projetado no judeu de no ter de trabalhar para viver, pois, segundo o antissemita, vive de juros, ou pelo seu desenvolvimento intelec-tual, seu apreo pela cultura. Algumas dessas representaes se relacionam no com algo prprio ao judeu, mas com determinada situao histrica; segundo aqueles autores, os judeus foram confinados durante um largo perodo esfera do comrcio, de forma a serem julgados confundidos com essa esfera e, assim, algo que histrico, torna-se para o preconceituoso, algo natural.

    Em estudo anterior (CROCHIK et al., 2011), pudemos diferenciar o preconceito dirigido a dois tipos de alvos: tnico e deficincias. Por meio dos resultados obtidos, ressaltamos as diferenas entre ambos: o precon-ceito dirigido s minorias tnicas nutre-se do delrio, uma vez que atribui qualidades aos objetos que esses no possuem; so mera projeo dos pre-conceituosos; j o preconceito voltado s pessoas com deficincia exerce-se por alucinao, pois extrapola inadequadamente caractersticas reais do alvo as deficincias para outras caractersticas dos indivduos que as possuem. Nos dois casos, h identificao negada, uma vez que desejos e medos suscitados pelos alvos so percebidos pelo preconceituoso em si prprio, e por diversos motivos culturais e psquicos deve evitar. Dessa maneira, o preconceito permite evitar a angstia gerada pelo medo de se admitir a fragilidade prpria, suscitada pelo outro, e pelo desejo que deve ser reprimido e que o alvo supostamente realiza.

    O que foi desenvolvido nos ltimos pargrafos cabe como explicao ao preconceito que gera hostilidade contra os alvos e, tambm, ao que exagera os cuidados e a proteo a esses alvos, quando essa ltima forma indica a dificuldade do preconceituoso aceitar o incmodo que o outro lhe ocasio-na. A terceira forma de preconceito enunciada antes a frieza deve ser

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    entendida no como identificao negada, mas como negao da identifi-cao. O indivduo que demonstra pouco afeto e indiferena para com os outros pode ser considerado como preconceituoso ao consider-los como objetos a serem manipulados para realizar as tarefas que tm de realizar. Adorno e outros (1950) chamam esse tipo de indivduo de manipulador. Transforma todos os indivduos, inclusive a si mesmo, em coisa, para que todos possam como coisas ser utilizados para os propsitos do mundo da eficincia; no importam muito os objetivos a que servem, mas a sua boa e eficiente realizao. Seu prazer no obtido nas relaes com pessoas, mas em fazer coisas. Esse tipo de indivduo tem emoes, mas elas tm de ser negadas; mais regredido do ponto de vista psquico que outros tipos de preconceituosos; nele opera a negao de toda identificao com os outros indivduos.

    Quer a identificao negada ou a negao da identificao so suscitadas pela cultura por motivos sociais. A identificao negada incentivada pela cultura, pois deve-se valorizar os mais fortes, os mais eficientes, os mais perfeitos e, consequentemente, desprezar seus opostos; a frieza tambm incentivada por esta cultura, pois o homem autnomo entendido como aquele que pode prescindir dos outros, e, baseados em Horkheimer e Adorno (1985), em sua anlise de Ulysses, personagem da Odisseia de Homero, po-demos afirmar: socializao radical, solido radical. Nossa cultura fomenta a iluso da independncia plena em relao aos outros, isto , o indivduo burgus deve poder prescindir dos outros, o que implica no ser afetado pelos outros, o que tambm abriga a negao dos afetos.3

    Preconceito: marginalizao e segregao

    O preconceito considerado uma atitude (KRECH; CRUTCHFIELD; BALLACHEY, 1975) que tem como formas de expresso aes como a marginalizao e a segregao, categorias contrrias da incluso. Segundo o dicionrio Houaiss, um dos significados de marginalizar (2004, p. 1852) : impedir a integrao ou participao de (algum) em um grupo, no meio

    3 Em outros textos (CROCHK et al., 2011; CROCHK, 2006), discorremos sobre as condies sociais e culturais que so propcias ao desenvolvimento do preconceito, o que no ser possvel fazer neste ensaio.

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    social, na vida pblica etc.; segundo a mesma fonte, um dos significados de segregar (2004, p. 2535) : separar com o objetivo de isolar, de evitar contato; desligar, desunir, desmembrar; assim, marginalizar impedir que algum faa parte de algo e segregar excluir algum desse algo.

    Para ampliarmos esses conceitos, podemos considerar que a margem faz parte do grupo ao qual se quer/necessita pertencer e a segregao pode se referir tambm ao impedimento de se pertencer a esse grupo. Isso nos parece plausvel, pois, principalmente quando consideramos a sociedade, no h ningum, em sentido estrito, fora dela, mas pode-se estar sua mar-gem; por outro lado, ser segregado s pode implicar estar fora imaginria ou simbolicamente, mas no realmente. Assim, em uma sociedade, boa parte da populao pode estar margem, no sendo considerado central ou principal na coletividade, e os que so posto para fora, s o so de maneira ilusria, pois continuam a pertencer, mesmo que fora, e continu-am a serem existentes para os de dentro. Um exemplo de marginalizao pode ser de um aluno que participa de um grupo de atividades, e cujas participaes e contribuies no so muito consideradas pelos colegas; j segregao pode se referir a no ser aceito dentro deste mesmo grupo.

    Se pensarmos em termos sociais mais amplos, e seguirmos a discusso de Jodelet (2006), Martins (1997) e Sawaia (2006), podemos considerar que os trabalhadores so marginalizados dos processos decisrios sobre a produo, sequer so consultados, mas fazem parte do mundo da produo; j os doentes mentais, como durante um bom perodo foram denominados os que apresentam comportamentos estranhos normalidade, eram segre-gados da sociedade nos hospitais psiquitricos.

    Como podemos verificar, a ampliao que demos aos termos os tornou algo contraditrio aos significados obtidos no dicionrio, pelo menos em relao ao termo marginalizao; l se considera marginalizao o que consideramos segregao no permitir a integrao social; quanto ao termo segregao, se Houaiss e outros (2004) julgam como ser posto para fora, acrescentamos aquele outro sentido dado marginalizao o no poder pertencer. Enfim, para ns, marginalizao implica ser deixado margem do grupo, mas no parte, apartado: faz parte, mas no muito considerado pelos que se situam mais ao centro do grupo, instituio ou

    o prof e a ed inclusiva.indb 48 6/12/2012 14:21:57

  • | 49 | educao inclusiva e preconceito: desafios para a prtica pedaggica

    sociedade, e segregao se refere quer ser posto para fora do grupo, quando a ele se pertence, quer o no pertencimento a ele.

    Marginalizao e segregao so formas de discriminao e so aes decorrentes do preconceito. Nem toda forma de discriminao deve ter sua explicao reduzida ao preconceito como fonte propulsora, mas todo o preconceito, quando manifestado, o faz por essa forma.

    No que se refere educao inclusiva, tema central deste ensaio, ela pode se contrapor educao segregadora, presente na atualidade como educao diferenada, na qual alunos com deficincias so separados dos demais alunos. Isso ocorre quer em instituies especiais, quer em classes especiais. Claro, h ocasies que a separao inevitvel: algum, por exemplo, pode estar impedido de frequentar a sala de aula regular, por motivos de sade ou legais, mas isso no deveria justificar uma prtica regular de segregao.

    Alguns podem entender que estar estudando em escolas especiais pode no ser segregador, pois a educao se exerce tambm na universalidade do direito; mas o direito de as crianas estudarem juntas ferido. Claro, a questo transcende a esfera do direito; uma questo essencial para a humanidade no desejvel compartilhamento das diferenas e no na se-parao justificada por essas para se reproduzir a hierarquia social entre os que podem mais e os que podem menos, ou simplesmente no podem.

    A marginalizao e a segregao podem ocorrer mesmo quando o es-pao compartilhado entre os alunos com e sem deficincia; citamos an tes a proposta de uma educao especial mvel, na qual alunos com deficincia estudam em sala de aula regular e tm o acompanhamento de um professor esp