O profeta Amós, de quem fala a primeira leitura, viveu€¦ · O profeta Amós, de quem fala a...

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1 O profeta Amós, de quem fala a primeira leitura, viveu no Reino do Norte, no tempo de Joroboão II. Viveu em uma sociedade rica e poderosa, onde certamente havia muita injustiça social e muitos pobres ignorados, mas ninguém se importava. O profeta então esbraveja encolerizado contra esta sociedade de ricos que esquecem dos pobres. Uma sociedade que considera normal que poucos tenham tanto, e tantos que não tenham nem mesmo o necessário. Em suas palavras, Amós não condena o progresso e a riqueza, antes faz notar como o bem-estar proporcionado por ambas funcionam na maioria das vezes como uma anestesia da consciência. Podem fazer esquecer que outros não gozam desses bens que, ás vezes, são conseguidos às custas da pobreza e dos sofrimentos dos inocentes. Amós é duro. Profetiza: “Eles serão exilados à frente dos deportados. Terminará a orgia destes folgados"(Amos 6,7). Quem vive nesta condição de bem-estar está tão entorpecido e anestesiado a ponto de não perceber aquilo que acontece ao seu redor. Jesus, com uma deliciosa parábola apresenta o mesmo ensinamento; não interpela uma sociedade em seu conjunto, mas cada singular pessoa. É uma parábola muito bem narrada, onde são preciosos não só os elementos centrais, mas também os marginais.

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O profeta Amós, de quem fala a primeira leitura, viveu no Reino do Norte, no tempo de Joroboão II. Viveu em uma sociedade rica e poderosa, onde certamente havia muita injustiça social e muitos pobres ignorados, mas ninguém se importava. O profeta então esbraveja encolerizado contra esta sociedade de ricos que esquecem dos pobres. Uma sociedade que considera normal que poucos tenham tanto, e tantos que não tenham nem mesmo o necessário. Em suas palavras, Amós não condena o progresso e a riqueza, antes faz notar como o bem-estar proporcionado por ambas funcionam na maioria das vezes como uma anestesia da consciência. Podem fazer esquecer que outros não gozam desses bens que, ás vezes, são conseguidos às custas da pobreza e dos sofrimentos dos inocentes. Amós é duro. Profetiza: “Eles serão exilados à frente dos deportados. Terminará a orgia destes folgados"(Amos 6,7). Quem vive nesta condição de bem-estar está tão entorpecido e anestesiado a ponto de não perceber aquilo que acontece ao seu redor.

Jesus, com uma deliciosa parábola apresenta o mesmo ensinamento; não interpela uma sociedade em seu conjunto, mas cada singular pessoa. É uma parábola muito bem narrada, onde são preciosos não só os elementos centrais, mas também os marginais.

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Do pobre Lázaro sabemos o nome. Jesus foi claro: "Se chamava Lázaro". Um nome muito significativo que quer dizer: "Deus vem em auxílio". O sofrimento que ama o auxílio de Deus. É isto que significa seu nome. O “Lazarento” que clama alívio chama a atenção de Jesus que o escuta, o reconhece, e chama-o pelo nome, Lázaro. Um nome, única coisa que possuía. Não tinha outra coisa, não tinha nada, mas tinha um nome; era uma pessoa. Por ele, só se interessavam os cães e Deus. Por que Deus é atento e, para Ele não conta aquilo que temos, mas aquilo que somos.

O rico da parábola não tem um nome. É um rico e basta. Quantos homens vivem apenas para os bens que possuem, em perfeito desinteresse por tudo que acontece ao seu redor. Este rico é um deles; todos e nenhum, porque não tem nome. De alguma maneira este rico se tornou como uma de suas moedas; intercambiáveis, frio, insensível, sem rosto. Mas, chega a morte e a morte inverte tudo. Lázaro está agora no "seio de Abraão", quer dizer, segundo a linguagem da Bíblia, no centro do Paraíso. O rico, ao invés, está acorrentado e submetido à tortura da sede. Porém, mesmo nessa condição, consegue ver Lázaro somente como um servo que lhe pode trazer um copo de água. Abraão então lhe recorda: "Há um abismo, um grande abismo entre vós que ninguém consegue ultrapassar".

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Está claro que o abismo não foi construído por Deus. O abismo foi construído pelo rico durante a sua vida, quando entre si e os outros cavou um grande vazio, porque os outros não lhe interessava, porque os outros viviam dramas que ele nem mesmo suspeitava; nutria interesse pelos outros somente quando podia desfrutar deles como servos.

Estas atitudes do rico no “aqui e agora” desenharam sua mansão na eternidade. Abyssus abyssum invocat: Um abismo chama outro abismo (Salmo 42,7). Seu abismo construído no tempo virtualizou-se na eternidade: um par de pés juntou-se no túmulo e outro levou-o à sua morada, quer dizer, a este abismo construído no tempo que ele o ratificou e fez eterno.

De fato, a parábola diz que este abismo separava os dois personagens já na terra: um faminto e o outro saciado, um saudável e o outro coberto de úlceras, um que vive na rua e o outro em uma bela casa. O rico poderia ter feito algo no tocante a este abismo do “aqui e agora” que o separava de Lázaro, mas ao contrário, sua indiferença o digitalizou para a eternidade.

A eternidade, caros irmãos e irmãs, começa aqui, de modo que o inferno não será a sentença imprevista de um déspota, mas a lenta maturação das nossas escolhas sem coração.

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Na parábola Deus, o suposto déspota, não é mencionado, contudo intuímos que Ele estava ali presente ou pelo menos seus Anjos estavam, prontos para contar uma a uma as migalhas que o rico poderia ter dado ao pobre Lázaro, todo singular cuidado, enfim tudo aquilo que ele podia ter dado àquele náufrago da vida que era só uma sombra entre os cães.

Próxima quinta-feira é festa de São Miguel e todos os Anjos. Sabemos que nossas vidas são assistidas pelos Anjos e anunciadas a todo instante diante Deus. Peçamos a intercessão deles para que nossas obras realizadas na fé persistam até ao dia do Juízo: tive fome, frio, estava só, abandonado, o último, e você dividiu o pão, enxugou uma lágrima, deu-me ânimo; e assim não seremos confundidos em nossa esperança. AMÉM.