O progresso do conhecimento humano será rápido e ha - verá...

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O progresso do conhecimento humano será rápido e ha- verá descobertas que, no presente, sequer conseguimos conceber. Quase lamento ter nascido tão cedo, pois não terei a felicidade de saber o que se saberá daqui a cem anos. Benjamin Franklin, 1783

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O progresso do conhecimento humano será rápido e ha-verá descobertas que, no presente, sequer conseguimos conceber. Quase lamento ter nascido tão cedo, pois não terei a felicidade de saber o que se saberá daqui a cem anos.

Benjamin Franklin, 1783

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Sumário

Introdução: Os bons e velhos tempos são agora 11

1. Alimentação 17 2. Saneamento 39 3. Expectativa de vida 49 4. Pobreza 69 5. Violência 89 6. Meio ambiente 111 7. Alfabetização 133 8. Liberdade 143 9. Igualdade 16310. A próxima geração 189

Epílogo: Então por que você ainda não está convencido? 203Notas 217Agradecimentos 239Índice 241

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Introdução

Os bons e velhos tempos são agora

Nada é mais responsável pelos bons e velhos tempos que uma

memória ruim.

Franklin Pierce Adams1

Terrorismo. ISIS. Guerra na Síria e na Ucrânia. Crimes, assassinatos, tiroteios em massa. Fome, enchentes, pandemias. Aquecimento global. Estagnação, pobreza, refugiados.

“Desgraça e desolação por toda parte”, como disse uma mulher quando uma rádio pediu que descrevesse a situação do mundo.2

É isso que vemos nos noticiários e que parece ser a história de nosso tempo. Um artigo sobre o zeitgeist da véspera de Ano-novo de 2015 no Financial Times foi publicado com o seguinte título: “Maltratado, ferido e assustado — o mundo está no limite.”

Essas percepções alimentam o medo e a nostalgia sobre os quais Donald Trump construiu sua campanha à presidência dos Estados Unidos. Em um referendo recente, 58% dos que votaram pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia disseram achar que a vida está

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pior hoje do que há trinta anos. Em 1955, 13% dos suecos achavam que havia “condições intoleráveis” na sociedade. Após meio século de ampliação das liberdades humanas, aumento de renda, redução da pobreza e melhoria do sistema de saúde, mais da metade dos suecos pensavam da mesma forma.3

Muitos especialistas e autoridades concordam. O general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, tes-temunhou recentemente perante o Congresso: “Atesto pessoalmente o fato de que […] [o mundo] está mais perigoso do que jamais foi.”4 O papa Francisco afirmou que a globalização condenou muitas pessoas à fome: “É verdade que, em termos absolutos, a riqueza do mundo cresceu, mas a desigualdade e a pobreza também.”5

Na esquerda política, a ativista Naomi Klein argumenta que nossa civilização está em “rota de colisão” e que estamos “desestabilizando o sistema de suporte à vida de nosso planeta”.6 Na direita, o filósofo John Gray acha que os seres humanos são “Homo rapiens”, uma espécie predatória e destrutiva que está se aproximando do fim da civilização.7

Eu costumava partilhar desse pessimismo. Quando comecei a formar minha visão de mundo na Suécia, nos anos 1980, achava a civilização moderna difícil de engolir. Para mim, fábricas, rodovias e supermercados eram uma visão sombria, e a vida laboral parecia um pesado fardo. Eu associava a nova cultura global de consumo à pobreza e aos conflitos que a televisão trazia para minha sala de estar. Em seu lugar, sonhava com uma sociedade que voltasse no tempo, uma sociedade que vivesse em harmonia com a natureza. Não pensava sobre a maneira como as pessoas realmente viviam antes da Revolução Industrial, sem remédios, antibióticos, água limpa, comida suficiente, eletricidade ou sistemas de saneamento. Em vez disso, pensava nela mais em termos de uma excursão moderna pelo interior.

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INTRODUÇÃO

Fonte: Maddison, 2003.8

Como parte de meus estudos, comecei a ler livros de história e a viajar pelo mundo. Descobri que já não podia romantizar os bons e velhos tempos quando comecei a entender como realmente haviam sido. Um dos países em que foquei meus estudos experimentou des-nutrição crônica — havia sido mais pobre, com expectativa de vida mais baixa e mortalidade infantil mais alta que o país africano sub-saariano médio, hoje. Esse país era a Suécia de meus ancestrais, 150 anos atrás. A verdade é que, se voltarmos no tempo, veremos que os bons e velhos tempos eram horríveis.

A despeito do que ouvimos nos telejornais e de muitas autoridades , a grande história de nossa era é que estamos testemunhando o maior aumento nos padrões de vida global de que já se teve notícia. Pobreza, desnutrição, analfabetismo, trabalho infantil e mortalidade neona-

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tal decrescem mais rapidamente que em qualquer outro período da história humana. Em relação ao século passado, a expectativa de vida no nascimento aumentou duas vezes mais do que nos 200 mil anos anteriores. O risco de que um indivíduo seja exposto à guerra, submetido à ditadura ou morra em um desastre natural é o menor de todos os tempos. Uma criança nascida hoje tem mais chance de chegar à aposentadoria que seus antepassados tinham de completar 5 anos de idade.

Guerras, crimes, desastres e pobreza são dolorosamente reais e, durante a última década, a mídia global nos tornou conscientes deles de uma nova maneira — ao vivo, 24 horas por dia, todos os dias —, mas, apesar dessa ubiquidade, esses problemas sempre existiram, embora parcialmente ocultos. Hoje em dia, a real diferença é que estão em rápido declínio. O que vemos agora são exceções onde antes eram a regra.

Esse progresso se iniciou com o iluminismo intelectual dos sé-culos XVII e XVIII, quando começamos a examinar o mundo com ferramentas empíricas, em vez de nos contentarmos com autoridade, tradição e superstição. Seu corolário político, o liberalismo clássico, começou a libertar as pessoas das correntes da hereditariedade, do autoritarismo e da servidão. Seguiu-se logo depois a Revolução In-dustrial do século XIX, durante a qual o poder industrial à nossa disposição se multiplicou e começamos a vencer a pobreza e a fome. Essas revoluções sucessivas foram suficientes para libertar grande parte da humanidade das difíceis condições em que sempre vivera. Com a globalização do fim do século XX, quando essas tecnologias e liberdades começaram a se espalhar para o restante do mundo, isso se repetiu em escala mais ampla e em maior velocidade que nunca.

Os seres humanos nem sempre são racionais ou benevolentes, mas, em geral, querem melhorar sua vida e a de suas famílias e, com um nível tolerável de liberdade, trabalham duro para conseguir isso.

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INTRODUÇÃO

Passo a passo, isso se soma ao estoque de conhecimento e riqueza da humanidade. Em nossa era, mais pessoas podem experimentar diferentes perspectivas e soluções para os problemas. Assim, constan-temente acumulamos conhecimentos científicos e de outras naturezas e cada indivíduo pode contribuir e construir com base nos feitos dos milhões que vieram antes, em um círculo virtuoso.

Este livro é sobre os triunfos da humanidade. Mas não é uma mensagem de complacência. Foi escrito parcialmente como um aviso. Seria um erro terrível tomar o progresso como certo. Convivemos com esses problemas durante a maior parte de nossa história. Há forças em ação no mundo que destruiriam os pilares desse desenvolvimento — as liberdades individuais, a economia aberta e o progresso tecnoló-gico. Terroristas e ditadores fazem de tudo para minar as sociedades abertas, mas também há ameaças internas a elas. Existe um ressen-timento contra a globalização e a economia moderna, disseminado por populistas tanto de esquerda quanto de direita. Podemos ver a familiar hostilidade contra a sociedade cosmopolita, urbana e fluida que sempre existiu entre os socialmente conservadores, mas hoje ela está combinada à noção de que o mundo lá fora é perigoso e devemos construir muros, literais e figurados.

Há um risco real de reação nativista. Quando não vemos o pro-gresso que fizemos, começamos a buscar bodes expiatórios para os problemas que permanecem. Às vezes, parece que estamos dispostos a tentar a sorte com qualquer demagogo que nos diga que possui soluções rápidas e simples para tornar nossa nação grandiosa nova-mente, seja nacionalizando a economia, bloqueando as importações ou expulsando os imigrantes. Se achamos que nada temos a perder com isso, é porque temos péssima memória.

Nesse momento da história, devemos nos lembrar dos maravi-lhosos progressos resultantes do lento, constante e espontâneo de-senvolvimento de milhares de pessoas que conquistaram a liberdade

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de melhorar as próprias vidas e, ao fazê-lo, melhoraram o mundo. É um tipo de progresso que nenhum líder, instituição ou governo pode impor de cima para baixo. Este livro explica o que aconteceu, como aconteceu e por que não percebemos.

Certamente se trata da maior realização da humanidade. Se olhássemos com mais frequência para o desenvolvimento do mundo, veríamos provas diárias de nossas habilidades. Assim, retiro minha dedicatória do epitáfio de Sir Christopher Wren, o arquiteto que construiu e está enterrado na Catedral de São Paulo: Si monumentum

requiris, circumspice (Se procura um monumento, olhe em volta).

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Alimentação

Quem quer que faça crescerem duas espigas de milho ou duas

folhas de grama onde antes só crescia uma merece mais da

humanidade e presta um serviço mais essencial a seu país que

toda a raça de políticos.

Jonathan Swift1

Em certo dia do inverno de 1868, meu pentavô, Eric Norberg, re-

tornou a Nätra, no norte de Ångermanland, na Suécia, com vários

sacos de farinha de trigo em sua carroça. Ele vinha de uma família

de “carroceiros do sul”, fazendeiros do norte que desconsideravam

as barreiras comerciais e os monopólios suecos para fazerem longas

viagens comerciais. Eric Norberg vendeu peças de tecido no sul da

Suécia e voltou com sal e cereais.

Raramente, no entanto, seu retorno era tão esperado quanto

naquela ocasião. Era um ano de fome. A colheita fora ruim em

todo o país e aqueles que tinham pouca farinha precisavam mistu-

rar casca de árvore em seus pães. Um homem de Björna, paróquia

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vizinha, recorda sua experiência pessoal, aos 7 anos, naqueles tempos de penúria.

Frequentemente víamos nossa mãe chorando, pois era difícil para

uma mãe não ter comida na mesa para alimentar os filhos famintos.

Crianças emaciadas e famélicas eram vistas indo de fazenda em fazen-

da, implorando migalhas de pão. Certo dia, três crianças vieram até

nós, chorando e implorando algo para aliviar as pontadas de fome.

Tristemente, com os olhos marejados, nossa mãe foi obrigada a dizer

que tínhamos apenas alguns restos de pão, dos quais precisávamos

para nós mesmos. Quando vimos a angústia nos olhos suplicantes

daquelas crianças, começamos a chorar e imploramos para que nossa

mãe partilhasse com elas o que quer que tivéssemos. Hesitante, ela

concordou e as crianças desconhecidas devoraram a comida, antes

de partirem para a fazenda seguinte, que ficava a uma boa distância.

No dia seguinte, as três foram encontradas mortas no caminho entre

as duas fazendas.2

Jovens e velhas, emaciadas e pálidas, as pessoas iam de fazenda em

fazenda, mendigando algo para tentar retardar a morte por inanição.

As macérrimas cabeças de gado eram amarradas a estacas e cercas,

pois não conseguiam se manter de pé sozinhas. Seu leite frequente-

mente era permeado de sangue. Vários milhares de suecos morreram

de fome entre aquele ano e o seguinte.

Colheitas ruins não eram incomuns na Suécia. Uma única grande

fome, entre 1695 e 1697, custou a vida de uma em cada quinze pessoas

e há referências a canibalismo nos relatos orais. Sem maquinário,

armazenagem a frio, irrigação ou fertilizantes artificiais, o fracasso

das colheitas era sempre uma ameaça e, na ausência de comunicações

e transportes modernos, quase sempre significava fome.

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ALIMENTAÇÃO

Fontes: FAO, 1947, 2003, 2015.3

Obter energia suficiente para o funcionamento do corpo e do cérebro é a mais básica necessidade humana, mas, historicamente, ela não foi satisfeita para a maioria das pessoas. A fome era um fenômeno universal e regular, ocorrendo tão insistentemente na Europa que “se incorporou ao regime biológico do homem e se instalou em sua vida cotidiana”, de acordo com o historiador francês Fernand Braudel. A França, um dos países mais ricos do mundo, sofreu 26 períodos de fome nacionais no século XI, dois no século XII, quatro no século XIV, sete no século XV, treze no século XVI, onze no século XVII e dezesseis no século XVIII. Em cada século, também houve centenas de fomes locais.4

Em tempos de fome, os camponeses se voltavam do campo para as cidades, onde se amontoavam para implorar comida e frequen-

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temente morriam nas praças e ruas, como em Veneza e Amiens no século XVI. O clima frio do século XVII tornava a situação ainda pior. Em 1694, um cronista de Meulan, na Normandia, relatou que os famintos colhiam o trigo antes que estivesse maduro e “muitas pessoas se alimentavam de grama, como se fossem animais”.5 Elas podem ter sido relativamente afortunadas — na França central, em 1662, “algumas pessoas comeram carne humana”.6 Na Finlândia, o período entre 1695 e 1697 é conhecido como “os anos das muitas mortes”, durante os quais entre um quarto e um terço de toda a po-pulação morreu de fome.

Braudel ressalta que isso ocorreu na privilegiada Europa: “As coisas eram muito piores na Ásia, na China e na Índia.” Esses locais dependiam de colheitas de arroz que percorriam vastas distâncias e cada crise se tornava um desastre. Braudel cita um mercador holandês que testemunhou a fome indiana de 1630–1:

“Os homens abandonavam cidades e vilarejos e vagueavam a esmo.

Era fácil reconhecer sua condição: olhos fundos, lábios descorados

e cobertos de visgo, pele enrijecida e ossos aparentes, a barriga nada

mais que uma bolsa vazia dependurada […] Enquanto um gritava e

uivava de fome, outro jazia estendido no chão, morrendo em misé-

ria.” Os familiares dramas humanos se seguiram: esposas e filhos

abandonados, crianças vendidas pelos pais, que as abandonavam

ou vendiam a si mesmos a fim de sobreviverem, suicídios coletivos

[…] Então veio o estágio em que os famintos abriam os estômagos

de mortos ou moribundos e “retiravam as entranhas para encher

suas próprias barrigas”. “Muitas centenas de milhares morreram de

fome, de modo que o país ficou coberto de corpos por enterrar, o

que causou tal fedor que todo o ar foi tomado e infectado por ele […]

no vilarejo de Susuntra […] carne humana era vendida abertamente

no mercado.”7

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