O que é cts, afinal? Ensaio

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Ensaio 1 O que é CTS, afinal? Jailson Alves dos Santos 2 Partindo de outro livro conhecido por muitos de nós, cujo título é similar “O que é Ciência, afinal?”, onde o autor tenta elucidar essa questão, mas em não conseguindo fazê-lo, trata de elencar o que não é ciência, de modo a chegar a uma definição por aproximação, utilizando-se de várias concepções e correntes epistemológicas, como a de T. Kuhn, K. Popper e I. Lakatos. O autor nos mostra que a ciência é uma atividade social, praticada (ou assimilada em suas consequências?) por todos os homens historicamente. Assim, poderíamos dizer que aproximaríamos a nossa definição de CTS, buscando elencar aquilo que não é CTS: não é uma disciplina acadêmica, porque não comporta apenas um ponto de vista teórico, nem tem como ter o seu objetivo circunscrito a uma disciplina (sem optar nesse momento por discorrer sobre uma visão pragmática ou operativa de uma disciplina ter um objetivo e persegui-lo, ter uma ou mais teoria central). CTS não é uma superciência, como resultado de confluências de conhecimentos de duas ou mais disciplinas, como por exemplo a bioquímica (junção de objetos da química e da biologia) ou a mecatrônica (junção dos conhecimentos da informática com a física eletrônica e a mecânica). Parece-nos que também não é uma corrente epistemológica a orientar o modo de conhecer o mundo pela relação sujeito-objeto das ciências; e parece-nos também que não é uma corrente filosófica, como o positivismo, que orientaria a epistemologia e a ontologia - reconhecer novos objetos do mundo, alargando os seus horizontes. Uma corrente filosófica talvez fosse a mais apropriada visão do que é CTS, a qual eu ousaria sugerir como mais razoável, sempre tendo como background a atividade docente de ensino de ciências que é realizado nas salas de aula. (Para 1 Ensaio produzido como forma de avaliação na disciplina Tópicos em CTS, ministrada pelo professor doutor Walter Antônio Bazzo. 2 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências UFBA/UEFS.

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Breve ensaio sobre o que é CTS e quais as suas implicações, quando trabalhado em sala de aulas de ciências.

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Ensaio 1

O que é CTS, afinal?

Jailson Alves dos Santos2

Partindo de outro livro conhecido por muitos de nós, cujo título é similar – “O

que é Ciência, afinal?”, onde o autor tenta elucidar essa questão, mas em não

conseguindo fazê-lo, trata de elencar o que não é ciência, de modo a chegar a uma

definição por aproximação, utilizando-se de várias concepções e correntes

epistemológicas, como a de T. Kuhn, K. Popper e I. Lakatos. O autor nos mostra que

a ciência é uma atividade social, praticada (ou assimilada em suas consequências?)

por todos os homens historicamente. Assim, poderíamos dizer que aproximaríamos a

nossa definição de CTS, buscando elencar aquilo que não é CTS: não é uma

disciplina acadêmica, porque não comporta apenas um ponto de vista teórico, nem

tem como ter o seu objetivo circunscrito a uma disciplina (sem optar nesse momento

por discorrer sobre uma visão pragmática ou operativa de uma disciplina – ter um

objetivo e persegui-lo, ter uma ou mais teoria central). CTS não é uma superciência,

como resultado de confluências de conhecimentos de duas ou mais disciplinas, como

por exemplo a bioquímica (junção de objetos da química e da biologia) ou a

mecatrônica (junção dos conhecimentos da informática com a física eletrônica e a

mecânica). Parece-nos que também não é uma corrente epistemológica a orientar o

modo de conhecer o mundo pela relação sujeito-objeto das ciências; e parece-nos

também que não é uma corrente filosófica, como o positivismo, que orientaria a

epistemologia e a ontologia - reconhecer novos objetos do mundo, alargando os seus

horizontes. Uma corrente filosófica talvez fosse a mais apropriada visão do que é

CTS, a qual eu ousaria sugerir como mais razoável, sempre tendo como background

a atividade docente de ensino de ciências que é realizado nas salas de aula. (Para

1 Ensaio produzido como forma de avaliação na disciplina Tópicos em CTS, ministrada pelo professor

doutor Walter Antônio Bazzo. 2 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências –

UFBA/UEFS.

muitos, é ou tem sido um movimento; para outros, uma abordagem. Ainda assim, isso

não nos diz muita coisa.)

Assim, para oferecer uma visão conceitual mais ou menos razoável para a

pergunta “O que é CTS, afinal?” poderíamos buscar as ementas das disciplinas de

ciências no ensino superior, tanto nos cursos de bacharelado quanto de licenciatura.

Isso nos permitiria inferir qual é a concepção de CTS que está impregnando as salas

de aula, ao analisarmos como tem sido a perspectiva de trabalho sobre CTS nas

diversas disciplinas acadêmicas, sobretudo as disciplinas de ciências naturais, em

ações pedagógicas. Em outras palavras, qual é a compreensão que os professores

tem tido sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade, e qual a sua tradução em atividades

de ensino e aprendizagem. Isso equivale a dizer que tem sido tomada para a escola a

tarefa de valorar (dotar de valor) a discussão sobre o tema. Como podemos inferir de

outros estudos, além de essa perspectiva ser recortada de acordo com a corrente

epistemológica do professor (quando há uma), correndo-se o risco de esvaziamento

da proposta, pode muito bem ter sua abordagem empobrecida, considerando que

muitos dos professores que tentam trabalhar na perspectiva interdisciplinar, ao tratar

de CTS, alude a isso da maneira como a ciência traduz a tecnologia em termos

práticos para a sociedade, ou seja, muitos devem ser os casos em que CTS é tratado

em sala de aula como contextualização, como aliás tem sido também o caso do

modismo da interdisciplinaridade (muitas das vezes confundida com contextualização)

e outros modismos (como o caso do construtivismo), onde os atores principais, um

deles o professor em sua ação pedagógica, ignoram o cerne da discussão e os

pressupostos teóricos, aderindo à moda sem maior questionamento, até o seu

esgotamento ou superação.

Estamos aqui considerando, portanto, que CTS deve ser, e tem sido, abordado

em salas de aula de ciências naturais e tecnológicas. Assim, podemos esperar que

quando a discussão for incorporada em disciplinas das ciências sociais e os

professores das diversas disciplinas dos dois campos (natural e social) se

propuserem a dialogar intelectualmente, poderemos ter um enriquecimento da visão

que temos do tema.

Estamos defendendo que a sociedade tem o direito e o dever de envolver-se

com questões que lhe dizem respeito, porque afeta o seu cotidiano sob diversos

aspectos, como é o caso da redução/aumento da poluição por uso de veículos

automotores (sonora, química, impacto na mobilidade etc) ou uso de dispositivos de

segurança (como o caso dos airbags) ou ainda técnicas de tratamento genético para

doenças e uso de tecnologia de transgenia por empresas agrícolas. Portanto, é lícito

que se discuta CTS (vamos dizer, essa concepção de CTS) nas escolas e nos

institutos de produção e difusão do conhecimento científico. Mas era isso que

esperávamos como CTS? Ou ainda, acrescentando-se uma letra, como temos visto,

tornando-a CTS-A, resolveria a questão e sairíamos desse imbróglio? Essa visão é

uma visão empobrecida do tema, porque apenas traduz a hegemonia da ciência

sobre a técnica/tecnologia, apresentando a tecnologia como ciência aplicada, a parte

de sucesso da ciência e a parte que é positiva para a sociedade.

É preciso então ampliar a visão do que seria CTS. Parece-me razoável supor

que poderá englobar uma visão epistemológica, uma visão histórica e uma visão

social, isso valendo tanto para o que entendemos e aceitamos como tecnologia

quanto para a ciência. Equivale a dizer que estas visões antecedem ao “movimento”

CTS (e a sua adoção como mais um modismo), e permite que muitos professores se

apropriem de maneira ingênua e não refletiva no plano pedagógico. Antes de tudo,

seria razoável decodificar cada uma dessas abordagens em binômios, tendo CTS

(considerando a sociedade como a mais cara das proposições, já que é nela que se

processa e a quem se destina o conhecimento, com vistas a proteger a própria

sociedade humana e o meio onde ela se manifesta, que é a natureza) como um

monômio fixo. Assim, teríamos: CTS e epistemologia, ou conceitos epistemológicos

aplicados à CTS; CTS e história – como os conceitos evoluem historicamente e como

se apresenta a interdependência do Homem com o seu fazer, dando a dimensão

humana da CTS (que por ora está perdida entre a ciência e a técnica). Para cada um

desses binômios, deveríamos ter algo que permanecesse, de modo que parece

razoável também supor que CTS deve ser orientado por um corrente filosófica, onde a

CTS e a filosofia tivessem espaço para discutir qual sociedade, e portanto, para qual

Homem estamos construindo nossa ciência e nossa tecnologia? Ou ainda: quais

homens têm usufruído e de que maneira têm usufruído do produto da ciência e da

técnica? De qualquer modo, restaria uma questão: poderia esse binômio ser reduzido

a uma corrente filosófica, como por exemplo, o marxismo? Certamente essa

discussão renderia um outro ensaio, no entanto, posso considerar esse binômio CTS-

filosofia como uma solução temporária ao reducionismo a que chegou o “movimento”

CTS e ao empobrecimento teórico que a ele está relacionado quando da ação

pedagógica. Uma solução temporária, porque desvia a questão de se uma corrente

filosófica é capaz de dar conta de tamanho problema, mas uma solução honesta, uma

vez que é dentro do marxismo que encontramos o maior aporte da relação histórico-

dialética do fazer científico, portanto, humaniza a ciência, o deve ser uma posição

cara à CTS. É no materialismo histórico e no materialismo dialético que encontramos

atualmente a melhor solução ao problema da CTS, principalmente em termos

acadêmicos/pedagógicos. É no marxismo que podemos entender a ação do homem

sendo guiada por um fim, uma ação teleológica, e não como se não tivéssemos

qualquer controle sobre nossas ações e suas consequências; é no marxismo que

podemos reconhecer a ciência como uma atividade humana, situada histórica,

temporal e espacialmente, e situada socialmente, com implicações a todos os

membros da sociedade, que critica o modo como se desenvolve o conhecimento

científico e técnico, onde na maioria das vezes uns pagam para outros usufruírem.

O problema colocado até aqui é que CTS tem sido abordado em salas de aula

de ciências como um modismo, ao qual diversos atores (professores) aderem, sem

maior reflexão, exatamente como se aderiu ao construtivismo, sem terem discutido a

Epistemologia Genética de Piaget, para apenas adotarem o resultado mais

empobrecido dessa corrente epistemológica - o aluno constrói o seu próprio

conhecimento. O resultado prático disso foi a possibilidade de se eliminar o mediador

do conhecimento – o professor –, desnecessário ao contexto de aprendizagem sob

aquela teoria, sendo considerado como um estorvo ao conhecimento, onde se

aprendia, apesar dele. Minha posição aqui, portanto, é de que os professores que

trabalham com ciências devem ter conhecimento sobre filosofia, sobre epistemologia

e, sem se tornarem superprofessores, terem algum conhecimento sobre as ciências

correlatas (existe alguma que não é?). Assim, não é razoável que um professor de

química não tenha qualquer conhecimento sobre economia, ecologia, ou geografia.

Essa especialização, onde se conhece tudo sobre cada vez menos (os filósofos têm

frequentemente arrazoado que chegará o dia em que saberemos tudo sobre nada!), é

um problema para a abordagem CTS nessa perspectiva filosófica.

À guisa de conclusão desse breve ensaio, o qual carece de um

aprofundamento maior em qualquer das posições aqui assumidas, devemos lembrar

alguns aspectos centrais da discussão sobre CTS que devemos atacar, como o

modismo, a preguiça intelectual e o conhecimento por antolho (fixa-se em um ponto e

ignora-se o resto), além da ingênua crença na solução dos problemas pela tecnologia

e a demonização das ciências naturais. Esse antagonismo parece um paradoxo. Por

um lado, acreditamos que airbags salvam vidas, que técnicas da biogenética podem

ajudar a antever doenças e curá-las antes mesmo que apareçam, atribuímos às

ciências um papel nocivo à sociedade. Esse paradoxo deve ser enfrentado pela CTS,

ou seja, mostrar que não há movimento na sociedade que não afete a tecnologia e a

ciência, que não há descoberta científica que não afeta a sociedade e que não há

tecnologias boas quando estas se aplicam a um pequeno e privilegiado grupo social

ou quando é utilizada contra os seres humanos e contra o meio ambiente. Portanto,

no meu entendimento, cabe àqueles que acreditam na conexão forte entre estes

termos – ciência, tecnologia e sociedade – desenvolver ações que permitam a cada

um de nós praticar uma ciência e uma tecnologia que esteja a favor da humanidade.

Cabe aos professores explicitar esse aparente paradoxo (ciências x sociedade;

tecnologia e sociedade) e adotar uma postura CTS, porque não se faz ciência para as

paredes de um instituto ou uma escola; não se produz tecnologia para uma sociedade

antiga ou extraterrestre; tecnologia é sobretudo uma relação com a sociedade e a

sociedade é a tecnologia que ela produz. Portanto, somos homens e mulheres desse

tempo histórico, vivendo sob os auspícios destas ciências e destas tecnologias: é

nosso dever compreender esses fenômenos e interpretá-los, para o bem maior da

humanidade.