O que é ideologia

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CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2008. __________________________________________________ ____ Daiana Paula de Ávila Universidade do Contestado – UnC-Concórdia Sistemas de Informação – 8ª Fase - 2013 Esta síntese visa entender e explicar a gênese e a transformação da Ideologia como, dentre outros, uma maneira encontrada pelas classes dominantes (nos níveis intelectual e material) de perpetuar seu poder, através de explorações que abrangem várias camadas da sociedade. E, ao mesmo tempo em que se perpetua essa dominação, as classes poderosas fazem com que ela não seja percebida por aqueles que são dominados, gerando, assim, a alienação dos menos favorecidos. Estudar o processo da formação ideológica nos vários períodos contidos no texto de Marilena é entender o quão longe o ser humano pode chegar naquilo que diz respeito à busca pelo poder. Sobre a obra analisada Descritivamente, o texto “O que é Ideologia”, além de ser de fácil compreensão, se utiliza duma linguagem pouco rebuscada, o que facilita o discernimento do mesmo após uma primeira leitura. Estruturalmente, ele está divido em cinco grandes tópicos: Começando nossa conversa: onde a autora aponta os erros mais corriqueiros que nos deparamos ao diferenciar Ideologia de um ideário qualquer;

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CHIAUÍ, Marilena.

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CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2008.______________________________________________________

Daiana Paula de Ávila

Universidade do Contestado – UnC-Concórdia

Sistemas de Informação – 8ª Fase - 2013

Esta síntese visa entender e explicar a gênese e a transformação

da Ideologia como, dentre outros, uma maneira encontrada pelas

classes dominantes (nos níveis intelectual e material) de perpetuar

seu poder, através de explorações que abrangem várias camadas

da sociedade. E, ao mesmo tempo em que se perpetua essa

dominação, as classes poderosas fazem com que ela não seja

percebida por aqueles que são dominados, gerando, assim, a

alienação dos menos favorecidos.

Estudar o processo da formação ideológica nos vários períodos

contidos no texto de Marilena é entender o quão longe o ser

humano pode chegar naquilo que diz respeito à busca pelo poder.

Sobre a obra analisada

Descritivamente, o texto “O que é Ideologia”, além de ser de fácil

compreensão, se utiliza duma linguagem pouco rebuscada, o que

facilita o discernimento do mesmo após uma primeira leitura.

Estruturalmente, ele está divido em cinco grandes tópicos:

Começando nossa conversa: onde a autora aponta os erros mais

corriqueiros que nos deparamos ao diferenciar Ideologia de um

ideário qualquer;

Partindo de alguns exemplos: parte essencial do texto em que são

apontados exemplos e citações onde a Ideologia figurou ao longo

dos tempos;

Histórico do termo: aponta os processos que a Ideologia e suas

várias concepções passaram, desde as primeiras citações e

compreensões até períodos mais recentes;

A concepção marxista de ideologia: analisa o que Marx (e, muitas

vezes, Engels), através de seus livros, entendiam por Ideologia,

tendo como base a luta de classes; e

A ideologia da competência: demonstra que a Ideologia da

competência (como ficou conhecido o processo em que a

competência é o catalisador da divisão social do trabalho – logo,

uma grande Ideologia) ganhou força a partir do momento em que

os sindicatos passaram a se organizar melhor, dentre outros.

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Sobre a autora

Marilena de Sousa Chauí é filósofa, professora de Filosofia Política

e História da Filosofia Moderna da Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Análise da obra

Começando nossa conversa

A autora, de pronto, alerta sobre as expressões “Partido Político

ideológico”, “é preciso ter uma Ideologia”, “falsidade ideológica” e

outras expressões desse tipo que dão, erroneamente, à palavra

Ideologia o significado de conjunto sistemático e interligado de

ideias, ou seja, uma concepção vaga à sua realidade. O que,

consequentemente, faz com que seja confundido com ideário, ou

seja, um ideário qualquer. A proposta do texto é justamente

mostrar que a Ideologia é um ideário histórico, social e político que

oculta a realidade, e que esse ocultamente é uma forma de

assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social

e a dominação política.

Partindo de alguns exemplos

Movimento para entender a realidade

Uma das principais preocupações do pensamento ocidental nasce

com a Filosofia, na Grécia antiga, em seu questionamento: por que

as coisas se “movem”?

Por movimento, os gregos entendiam:

Toda mudança qualitativa de um corpo qualquer;

Toda mudança quantitativa de um corpo qualquer;

Toda mudança de lugar ou locomoção de um corpo qualquer;

Toda geração e corrupção dos corpos.

Logo, movimento, para um grego da antiguidade, é toda e qualquer

alteração de uma realidade, seja ela qual for.

A teoria da causalidade

Aristóteles, discípulo de Platão (e, este por sua vez, discípulo de

Sócrates) afirmou que só há conhecimento da realidade quando há

conhecimento da causa.

Para tornar possível o conhecimento, elaborou a teoria da

causalidade ou teoria das quatro causas:

Causa material: aquilo de que algo é feito;

Causa formal: aquilo que algo é, sua essência;

Causa motriz (ou eficiente): agente que dá forma à matéria; e

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Causa final: aquilo que dá sentido à sua existência.

Para entender melhor a teoria aristotélica, vamos ao exemplo da

mesa de madeira:

Objeto: mesa de madeira; causa material: madeira; causa formal:

propriedades e aspectos que fazem desse pedaço de madeira ser

uma mesa e não outra coisa; causa motriz: carpinteiro; e causa

final: servir de base/apoio para objetos (ou pessoas) etc.

Aspecto fundamental da teoria: as quatro causas não possuem o

mesmo valor; são hierarquizadas, indo da mais inferior à mais

superior. Logo, para entender a realidade é preciso conhecer, por

ordem, as causas motriz, material, formal e final.

Agora, tendo como referência não um objeto, mas as ações

humanas, a teoria da causalidade se distingue entre dois tipos de

atividades:

Atividade mecânica (poiésis): atividade caracterizada por uma

rotina mecânica (o que, para Marx, engendraria a alienação), onde

o agente, a finalidade e a ação são diferentes e independentes; e

Atividade ética e política (práxis): atividade inerente aos homens

livres, racionalistas e reflexivos de suas ações. Onde o agente, a

finalidade e ação são idênticos, dependentes apenas da força

interior do agente. Logo, a práxis é superior à poiésis.

A teoria da causalidade consolida-se no Ocidente graças às

filosofia e teologia medievais. À primeira vista, a teoria da

causalidade é uma concepção metafísica que explica os

fenômenos naturais e humanos.

Relação entre teoria da causalidade e os mundos antigo (grego) e

medieval

Tendo em vista que a sociedade é escravista e a medieval é

feudalista, a causa da teoria aristotélica que corresponde o cidadão

ou o senhor é a causa final, ou seja, o motivo pelo qual alguma

coisa é feita é justamente aquele a quem essa coisa se destina.

Por isso, na teologia cristã, Deus é considerado a causa final do

universo.

Já a causa correspondente ao escravo ou servo é a causa motriz,

ou seja, o trabalho pelo qual certa matéria receberá certa forma

para servir ao uso ou desejo do senhor.

Teoria

Logo, temos uma teoria geral para explicar a realidade e suas

transformações: transposição involuntária de relações sociais muito

determinadas para o plano das ideias. Isso quer dizer que ao

elaborar uma teoria, o teórico não pensa estar realizando essa

transposição, e sim estar produzindo ideias verdadeiras,

independentes de suas vivências histórica e social.

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Nisso, pode-se conceituar teoria como aquilo que revela – por meio

de ideias – uma determinada realidade social e histórica, e o

teórico – pensador – pode ou não estar consciente disso.

Produzindo uma ideologia

Quando o pensador sabe que suas ideias estão enraizadas na

história, espera que elas ajudem a compreender a realidade de

onde foram engendradas. Todavia, quando não percebe a raiz

histórica de suas ideias e imagina que elas serão verdadeiras para

todos os tempos e lugares, corre o risco de estar apenas

produzindo uma Ideologia.

Uma das características fundamentais da Ideologia é tomar as

ideias como independentes da realidade histórica e social, quando

na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as ideias e

a capacidade ou não para explicar a realidade.

Teoria da causalidade e o pensamento moderno

Com os trabalhos sobre Física, elaborados por Galileu Galilei,

Francis Bacon, Descartes e outros, nos séculos XVI e XVII, o

pensamento moderno reduziu as quatro causas para apenas duas:

a motriz e afinal. Dando, assim, à palavra “causa” o sentido que

hoje lhe é empregado, ou seja, ação que produz um efeito

determinado. Logo, a causa produz o efeito e não simplesmente

responde a ele.

A Física moderna considera que a Natureza age de forma

mecânica, ou seja, como um sistema de relação de causa e efeito.

Logo, não há causas finais na Natureza, e sim causa motriz.

Por outro lado, a metafísica, além da causa motriz, preserva-se

também a causa final, pois se refere a toda ação voluntária e livre,

ou seja, refere-se à ação de Deus e à dos homens. Logo, a

Natureza distingue-se de Deus e dos homens, enquanto espíritos,

porque a primeira se baseia em leis necessárias e impessoais, e a

segunda constitui o reino da finalidade e da liberdade.

Nisso, a física da Natureza consiste naquilo que é “necessário”, ou

seja, naquilo que é como é, e não pode ser diferente disso; e a

metafísica consiste naquilo que é “livre”, ou seja, é como é por

escolha, pois poderia ser diferente se a escolha fosse outra.

O pensamento moderno foi um grande progresso teórico, pois

ajudou no desenvolvimento da Física como ciência, uma vez que

eliminou as causas finais e as explicações antropomórficas (atribui

a Deus uma forma humana) do plano da Natureza.

Outro grande impacto da Física moderna foi explicar o corpo

humano como um corpo natural, ou seja, movido apenas pela ação

da causalidade, como uma máquina que opera sem a intervenção

da vontade e da liberdade.

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O homem, o trabalho e a modernidade

Nesse limiar entre a física e a metafísica, e tendo a teoria como

grande catalisador, surge o homem como um ser mais peculiar.

Peculiar tanto por seu corpo (que é uma máquina natural) que

obedece à causa motriz, quanto por sua vontade (ou espírito, onde

a vontade habita) que é uma liberdade que age visando fins

escolhidos livremente.

Se do lado da natureza não há mais hierarquia de seres e de

causas, do lado humano a hierarquia reaparece porque a causa

final é superior ou mais valiosa que a motriz: o espírito vale mais

que o corpo (uma vez que seu corpo serve a fins escolhidos por

sua vontade).

O homem livre é, portanto, um ser universal que se caracteriza

pela união de um corpo mecânico e de uma vontade finalista.

Mas, então, qual seria a manifestação por excelência desse

homem livre? Qual seria a atividade na qual sua vontade subordina

seu corpo para obter um certo fim? A resposta está naquela

atividade em que os antigos e medievos desprezavam: o trabalho.

No mundo moderno, o trabalho aparece como uma das expressões

privilegiadas do homem como ser natural e espiritual.

Tal passagem de status do trabalho se deve ao surgimento de uma

nova sociedade, em que desponta a imagem do homem que

valoriza a si mesmo por ter adquirido poder econômico e que

começa a adquirir poder político e prestígio social graças à sua

capacidade de trabalhar e poupar. Surge também o homem

burguês. Ou do homem que valorizado pela ética protestante: ele

vale por seu esforço perante Deus. Nessa concepção, surge o

homem moderno, que trabalha, poupa e investe sua poupança em

mais trabalho.

No entanto, a nova sociedade é constituída por outro homem livre;

outro moderno trabalhador livre: o proletário. Ele é um trabalhador

livre que não é nem meio de produção (como era na Antiguidade) e

também não possui seus próprios meios de produção (como na

Idade Média).

Logo, o homem livre moderno é dividido em dois tipos de homem:

o burguês e o trabalhador.

Tendo em vista que o capital só se acumula e se reproduz se

houver exploração do trabalho, e que também é preciso distinguir

duas fases do trabalho:

Trabalho visto pelo burguês: como expressão de sua vontade livre

e dotada de fins próprios; e

Trabalho realizado pelo trabalhador: como relação da máquina com

as máquinas sem vida.

Todos os exemplos dados são exemplos de ideários quaisquer e

não ideologia

Vê-se nesses exemplos como ideias que parecem resultar do puro

esforço intelectual e sem qualquer enraizamento das condições

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histórica e social, são expressões dessas condições reais, ou seja,

tais ideias tentam explicar a realidade sem perceber que são elas

que precisam ser explicadas pela realidade social e histórica.

O real, o empirismo e o idealismo e a história

O real não é constituído por coisas. O que nossa experiência direta

da realidade nos leva a imaginar do real é que ele é feito de coisas

ou entes reais (formas de nossas relações com a natureza,

mediadas por nossas relações sociais; são seres culturais

dependentes de nossa sociedade). Porém, ao contrário disso,

afirmar que o real é constituído por ideias também é errado porque

se fizermos isso, estaríamos na Ideologia em estado puro.

Têm-se também duas formas de analisar a realidade: através do

empirismo e do idealismo.

O empirismo considera a realidade um dado coletado dos sentidos.

Enquanto o idealismo a considera um dado da consciência.

O real não é um dado sensível e nem intelectual, e sim um

processo que depende do modo como os homens se relacionam

entre si e com a natureza, ou seja, das relações sociais.

Pois é justamente das relações sociais que precisamos partir para

compreender porque os homens agem e pensam de maneiras

determinadas. Trata-se também de compreender a própria origem

das relações sociais e de suas diferenças temporais, de encará-las

como processos históricos.

É tratar a história como o modo em que homens determinados em

condições determinadas criam os meios e as formas de sua

existência social, reproduzem ou transformam essa existência que

é econômica, política e cultural. Logo, a história é a práxis; o real.

Um exemplo de Ideologia é dado pela autora: numa sociedade

dividida em classes, na qual uma das classes explora e domina a

outra, as explicações ou ideias (pelas quais precisam explicar e

compreender sua própria vida individual, social, suas relações

sociais) serão produzidas e difundidas pela classe dominante para

legitimar e assegurar seu poder econômico, social e político. Por

esse motivo, essas ideias tenderão a esconder dos homens o

modo real como suas relações sócias foram produzidas e a origem

das formas sociais de exploração econômica e de dominação

política. Esse ocultamente da realidade social se chama Ideologia.

No entanto, uma Ideologia não possui um poder absoluto que não

possa ser quebrado e destruído. Quando uma classe social

compreende sua própria realidade, pode organizar-se para quebrar

uma Ideologia (através de uma revolução, reforma etc.) e

transformar a sociedade.

Histórico do termo

Origem do termo ideologia

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O termo Ideologia surge na França em 1801 no livro “Elementos de

Ideologia”, de Destutt De Tracy. Ele, juntamente com outros

pensadores, pretendia elaborar uma ciência da origem das ideias,

tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do

corpo humano com o meio ambiente.

Esse grupo era antiteológico, antimetafísico e antimonárquico.

Eram críticos à toda explicação sobre uma origem invisível e

espiritual das ideias humanas. Eram materialistas, ou seja,

admitiam apenas causas naturais físicas para as ideias e as ações

humanas.

Contra a educação religiosa e metafísica, De Tracy propõe o

ensino das ciências físicas e químicas para “formar um bom

espírito”, ou seja, uma inteligência capaz de observar, decompor e

recompor os fatos sem se perder em várias especulações

abstratas ou teológicas. Ele via a monarquia como maquinação

entre poder político e religioso, uma vez que o rei recebia o poder

diretamente de Deus, e por isso, podia exigir obediência total dos

súditos.

No livro “Influências do moral sobre o físico”, o médico Cabanis

procura determinar fisiologicamente a influência do cérebro sobre o

resto do organismo.

O sentido pejorativo dos termos Ideologia e ideólogos veio de uma

declaração de Napoleão Bonaparte que, num discurso ao

Conselho de Estado em 1812, declarou: (…) devem ser atribuídos

à Ideologia, essa tenebrosa metafísica (…). Com isso, Bonaparte

invertia a imagem dos ideólogos.

O curioso é que a acusação de Bonaparte é infundada com relação

aos ideólogos franceses, mas não o seria se se dirigisse aos

ideólogos alemães, tão criticados por Marx (para ele, o ideólogo é

aquele que inverte as relações entre as ideias e o real).

Assim, a Ideologia passou de uma ciência natural da aquisição das

ideias calcadas sobre o próprio real para designar – daí em diante

– um sistema de ideias condenadas a desconhecer sua relação

concreta com a realidade.

A ideologia para o positivismo

O termo Ideologia voltou a ser empregado com seu sentido

próximo ao do grupo francês pelo filósofo Auguste Comte em seu

livro Curso de filosofia positiva.

A Ideologia possui, agora, dois significados: (i) tentava estudar a

formação das ideias pelas relações sociais; e (ii) passa a significar

também o conceito de ideias de uma época, tanto como “opinião

geral” quanto elaboração teórica dos pensadores dessa época.

Comte elabora uma explicação da transformação do espírito

humano, onde a humanidade passa por três fases sucessivas: fase

teológica (os homens explicam a realidade através de ações

divinas), fase metafísica (os homens explicam a realidade por meio

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de princípios abstratos) e fase positivista ou científica (etapa final

do progresso humano na qual os homens explicam a realidade

através de leis gerais e necessárias).

Assim, cada fase do espírito humano leva-o a criar um conjunto de

ideias para explicar a totalidade dos fenômenos naturais e

humanos.

No pensamento positivista, o conhecimento teórico tem como

finalidade a previsão científica dos acontecimentos para oferecer à

prática um conjunto de regras e normas.

A concepção positivista da Ideologia (como conjunto de

conhecimentos teóricos) possui três consequências principais:

Define a teoria de tal modo que a reduz à mera organização

sistemática e hierárquica de ideias;

Estabelece uma relação autoritária entre teoria (que manda porque

possui as ideias) e a prática (que obedece porque é ignorante); e

Concebe a prática como um simples instrumento que aplica

automaticamente regras, normas e princípios vindos da teoria.

Essa concepção da prática leva à suposição de uma harmonia

entre teoria e ação.

A ideologia de Durkheim

Reencontramos o termo ideológico no livro As regras do método

sociológico, de Durkheim.

Como se sabe, o filósofo francês quer criar a sociologia como

ciência, na qual os fatos sociais estudados são desprovidos de

interpretações subjetivas. Separando-se, assim, os sujeito e objeto

do conhecimento.

Aqui, o ideológico é uma sobra de ideias antigas, pré-científicas.

Durkheim considera essas ideias preconceitos inteiramente

subjetivos.

Concepção marxista da ideologia

A ideologia alemã

Em A Ideologia alemã, Marx caracteriza a Ideologia e tem como

objetivo um pensamento alemão posterior a Hegel.

Marx não separa as condições sociais e históricas da produção das

ideias em que são produzidas. Ele distingue o tipo de Ideologia

produzido pelos pensadores franceses (Ideologia política e

jurídica), ingleses (econômica) e alemães (filosófica).

Se falarmos em Ideologia geral e Ideologia geral burguesa, as

formas dessa Ideologia encontram-se determinadas pelas

condições sociais em que se encontram os diferentes pensadores

burgueses.

Marx dirige duas críticas principais aos ideólogos alemães:

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Eles tiveram a pretensão de acabar com o sistema hegeliano,

criticando apenas um aspecto da filosofia de Hegel em vez de fazê-

lo como um todo; e

Eles tomaram um aspecto da realidade humana e passaram a

deduzir todo o real a partir desse aspecto idealizado.

História dos homens

Para Marx, se quisermos compreender a Ideologia alemã, é

preciso sair da Alemanha e fazer umas considerações gerais sobre

o fenômeno da Ideologia. A Ideologia é uma concepção distorcida

da história dos homens.

Marx concebe a história como um conhecimento dialético e

materialista da realidade social.

Dentre as várias fontes dessa concepção, encontra-se a filosofia

hegeliana, que Marx criticava, mas conservava em aspectos

essenciais por ele. Eis alguns aspectos da obra hegeliana:

É um tratado filosófico para compreender a origem e o sentido da

realidade como Cultura (relações sociais);

Define a Cultura pelos movimentos de exteriorização (manifestado

nas obras que produz) e de interiorização (compreende as obras

como parte de si) do Espírito;

Revoluciona o conceito de história por três motivos:

Não pensa a história como sucessão contínua de fatos no tempo,

mas como um movimento dotado de força interna;

Não pensa a história como uma sucessão de causas e efeitos, mas

um processo dotado de uma força que produz os acontecimentos.

Essa força é a contradição; e

Pensa a história como processo contraditório unificado em si

mesmo e por si mesmo, plenamente racional e compreensivo.

Combate a história do Espírito, que começa manifestando-se na

produção de obras culturais;

Pensa a história como reflexão. Reflexão no sentido natural em

que o raio luminoso retorna na direção da sua fonte luminosa, ou

seja, volta à sua origem. Nesse sentido, o Espírito “sai para fora de

si”, criando a Cultura e “volta para dentro de si”, reconhecendo sua

obra;

Procura dar conta do fenômeno da alienação. Alienação no sentido

de que o Sujeito não se reconhecer como produtor das obras e

como sujeito da história;

Diferencia o modo como uma realidade aparece e o modo como é

produzida

Esses vários aspectos do pensamento hegeliano constituem a

dialética, ou seja, a história é o movimento de posição, negação e

conservação das ideias, e essas ideias são a unidade do Espírito

(Cultura).

Da dialética hegeliana à materialista

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Da concepção hegeliana, Marx conserva o conceito de dialética

como movimento interno de produção da realidade cujo motor é a

contradição. Porém, demonstra que a contradição não é a do

espírito, mas a de homens em condições históricas e sociais reais

chamadas luta de classes.

A história é: a história do mundo real e como os homens reais

produzem suas condições reais de existência.

Marx também conserva a afirmação de que a realidade é história e

por isso é reflexiva. Mas aí surge um problema: como colocar

reflexão na matéria? É que a matéria que Marx fala não é aquela

física ou química e sim a matéria social (relações de produção),

cujo sujeito não é mais o Espírito e sim as classes sociais em luta,

e cuja dialética é o trabalho material propriamente dito.

Conserva também o conceito de alienação, porém modificado da

concepção hegeliana: a alienação é dos homens reais em

condições reais.

As relações sociais de trabalho aparecem como relação material

entre sujeito humano e como relação social entre coisas.

Divisão social do trabalho, nascimento das ideologias e o estado

Marx e Engels determinam o surgimento das Ideologias no instante

em que a divisão social do trabalho separa o trabalho material de

trabalho intelectual.

Os homens se distinguem dos animais porque produzem as

condições de sua própria existência material e espiritual. A divisão

social do trabalho não é uma simples divisão de tarefas, mas a

manifestação de algo fundamental na existência histórica.

A divisão social do trabalho origina e é originada pela desigualdade

social ou pela forma da propriedade. As ideias nascem da atividade

material.

A forma inicial da consciência é a alienação, e, por causa disso, a

Ideologia será possível: as ideias serão tomadas como anteriores à

práxis, como um poder espiritual autônomo que comanda a ação

material dos homens.

A divisão social do trabalho torna-se completa quando o trabalho

material e o espiritual separam-se. Nasce agora a Ideologia

propriamente dita, ou seja, o sistema ordenado de ideias e das

normas e regras como algo separado e independente das

condições materiais.

Logo, Marx e Engels consideram três aspectos que são condições

sine qua non para que haja história: força de produção, relações

sociais e consciência. Tais condições entram em contradição como

resultado da divisão social do trabalho material e intelectual.

Foi instalada para a própria consciência imediata dos homens a

percepção da desigualdade social: uns pensam, outros trabalham;

uns consomem e outros produzem e não podem consumir os

produtos de seu trabalho.

Page 11: O que é ideologia

Outra contradição surge entre os interesses de um indivíduo e os

interesses coletivos. Pois onde houver propriedade privada, não

pode haver interesses sociais comuns.

O Estado toma forma autônoma a partir do interesse coletivo

contido na relação de contradição com o interesse particular. Mas

como quem rege os pensamentos de uma sociedade é a classe

dominante, o Estado é a forma pela qual os interesses da parte

mais forte e poderosa da sociedade ganham a aparência de

interesse de toda sociedade.

O Estado é uma comunidade ilusória; é a expressão política da

sociedade civil enquanto dividida em classes; é a vitória de uma

parte da sociedade sobre outras. O Estado realiza sua função

apaziguadora e reguladora da sociedade através de um

mecanismo impessoal que são as leis ou o Direito Civil.

Está aberto o caminho para a Ideologia política que explicará a

sociedade através das formas dos regimes políticos (aristocracia,

monarquia, democracia, tirania, anarquia) e que explicará a história

pelas transformações do Estado (passagem de um regime político

para outro).

A divisão social é uma situação que não será superada por meio

de teorias, mas pelas relações sociais de produção e suas

representações pensadas. Assim, a transformação histórica capaz

de ultrapassar essas divisões e as contradições depende de

pressupostos práticos e não teóricos. São eles:

Surgimento da massa da humanidade como massa inteiramente

destituída de propriedade; e

É preciso que o modo de produção capitalista tenha se tornado um

processo histórico mundial para que uma revolução plena possa

efetuar-se.

Sem as condições materiais da revolução, é inútil a ideia de

revolução. Mas sem a compreensão intelectual dessas condições

materiais, a revolução permanece como um horizonte desejado,

sem encontrar práticas que a efetive.

Sociedade civil, alienação, práxis social, teoria e prática

A história não é o desenvolvimento das ideias, mas o das focas

produtivas, a luta de classes.

A sociedade civil é o palco onde se desenvolve a história. É o

sistema de relações sociais que se organizam na produção

econômica, nas instituições sociais e políticas, e que são

representadas por um conjunto sistemático de ideias jurídicas,

religiosas, políticas etc. É o lugar onde a família, igrejas, escolas

etc. e o conjunto das relações sociais são pensadas por meio das

ideias. A sociedade civil não é A Sociedade, ou seja, uma espécie

de grande indivíduo coletivo feito de partes ou órgãos funcionais

que ora estão em harmonia ora em crise, e sim uma das grandes

ideias da Ideologia burguesa para ocultar o fato de que a

Page 12: O que é ideologia

sociedade civil é a produção e reprodução da divisão em classes e

é também luta de classes.

Práxis social significa:

Que as classes sociais não estão feitas e acabadas pela

sociedade, mas estão se fazendo umas às outras por sua ação, e

esta ação produz o movimento da sociedade civil; e

Que o conjunto das práticas sociais faz dos indivíduos membros de

uma classe social. O sujeito da história são as classes sociais.

Marx e Engels mostram que as relações dos indivíduos com sua

classe são relações alienadas. Que a Ideologia não é processo

subjetivo consciente, mas um fenômeno objetivo e subjetivo

involuntário produzido pelas condições da existência social dos

indivíduos.

A Ideologia burguesa, através da sociologia, transforma em ideia

científica essa coisa chamada classe social, estudando-a como um

fato e não como resultado da ação do homem. É aí que se dá a

alienação do trabalhador: não se reconhece como ser

transformador e sim como um ser vinculado à uma classe. A

Ideologia burguesa produzirá ideias que confirmem essa alienação.

E mais: a alienação é o processo social como um todo que não é

produzido por um erro da consciência que se desvia da verdade,

mas é o resultado da própria ação do social dos homens. Não é a

crítica, mas a revolução a força motriz da história.

Diferentemente do que pensavam os positivistas, a relação entre

teoria e prática é uma relação simultânea e recíproca, por meio da

qual a teoria nega a prática como um fato dado, para revelá-la com

práxis social (atividade socialmente produzida e produtora da

existência social).

A prática, por sua vez, nega a teoria como um saber separado e

autônomo que comandaria de fora a ação dos homens. E negando

a teoria, a prática faz com que a teoria se descubra como

conhecimento das condições reais de prática existente, de sua

alienação e transformação.

A ciência da história e a ideologia

Marx e Engels afirmam que conhecem um único tipo de saber: a

ciência da história.

Toda concepção histórica, até o momento, ou tem emitido

completamente a base real da história ou a tem considerado algo

secundário, sem qualquer conexão com o curso da história, os

historiadores apontam apenas a finalidade dos fatos, nem os

analisam e nem os explicam.

Na medida em que as forças reais (que explicam o processo de

surgimento de um acontecimento) permanecem ocultas, o

historiador-ideólogo inventa causas e finalidades que acabam

convertendo a história numa entidade autônoma que usa os

Page 13: O que é ideologia

homens como meros instrumentos. Estamos diante da ideia da

história.

Dessa forma, não só os acontecimentos históricos são explicados

de modo invertido (o fim explica o começo), mas tal explicação

ainda permite que a classe dominante justifique suas ações.

A história é também o processo de dominação de uma parte da

sociedade sobre todas as outras.

A Ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer

a dominação, fazendo com que esta não seja percebida como tal

pelos dominados.

Os seguintes aspectos tornam a Ideologia quase que incombatível:

A separação entre trabalhadores e pensadores;

O fenômeno da alienação. Enquanto não houver um conhecimento

da história real; enquanto a teoria não mostrar o significado da

prática imediata dos homens, a Ideologia se manterá; e

A dominação de uma classe sobre as outras.

Logo, a Ideologia é resultado da luta de classes e tem por função

esconder a existência dessa luta. E que o poder ou a eficácia da

Ideologia aumenta quanto maior for sua capacidade para ocultar a

origem da divisão social em classes e a luta de classes.

Ideologia como instrumento da dominação

A classe dominadora só poderá manter seus privilégios se dominar

politicamente e se dispuser de instrumentos para essa dominação.

Esses instrumentos são o Estado e a Ideologia.

Por sua vez, o grande instrumento do Estado é o Direito, auxiliado

pela Ideologia. Vejamos: o papel do Direito é fazer com que a

dominação não seja tida como uma violência, mas como legal e

ser, por isso, aceita. A lei é direito do dominante e o dever é dever

do dominado. Porém, se o Estado e o Direito fossem vistos como

realmente são, ou seja, como instrumentos para o exercício

consentido da violência, ambos não seriam respeitados, e os

dominados se revoltariam. A função da Ideologia consiste em

impedir essa revolta. Assim, a Ideologia substitui a realidade do

Estado pela ideia do Estado.

A maneira pela qual a classe dominante representa a si mesma se

tornará a maneira como todos os membros dessa sociedade

pensarão. Logo, a Ideologia é o processo pelo qual as ideias das

classes dominantes tornam-se ideias dominantes de todas as

classes sociais (de modo que a classe que domina no plano

material, domina também no plano espiritual).

Para que as ideias de classe dominante cheguem às outras

classes, ela as distribui através da educação, religião, costume,

meios de comunicação etc. As ideias de Ideologia são, portanto,

universais abstratas.

Page 14: O que é ideologia

Os ideólogos são alguns membros das classes dominante e média

(aliada da primeira) que estão encarregados de transformar as

ideias da classe dominante em representações coletivas ou

universais.

O processo histórico real, para Marx e Engels, é o de que cada

nova classe em ascensão e desenvolvimento precisa formular seus

interesses de modo sistemático e precisa fazer com que tais

interesses apareçam como interesses de toda a sociedade.

Principais determinações que constituem o fenômeno da ideologia

As principais determinações que constituem o fenômeno da

Ideologia são:

A Ideologia é resultado da divisão social do trabalho e, em

particular, da separação entre trabalho material/manual e trabalho

espiritual/intelectual;

Essa separação estabelece a aparente autonomia do trabalho

intelectual face ao trabalho material;

Essa autonomia aparece como autonomia dos produtores desse

trabalho, isto é, dos pensadores;

Essa autonomia dos produtores aparece como autonomia dos

produtos desse trabalho, ou seja, das ideias;

Essas ideias são as ideias da classe dominante de uma época;

A Ideologia é um instrumento de dominação de classe;

A divisão da sociedade em classes realiza-se como luta de

classes, como o conjunto de procedimentos usados pela classe

dominante para manter a dominação, e com todos os

procedimentos dos dominadas para diminuir ou destruir essa

dominação;

A Ideologia esconde que nasceu da luta de classes para servir a

uma classe na dominação;

A Ideologia deve transformar as ideias particulares da classe

dominante em ideias universais, válidas igualmente para toda a

sociedade;

Por ser uma abstração, a Ideologia constrói uma rede imaginária

de ideias e de valores que possuem base real (a divisão social),

mas de tal modo que essa base seja reconstruída de modo

invertido e imaginário;

A Ideologia é uma ilusão, necessária à dominação de classe

(abstração e inversão);

A Ideologia permanece sempre no plano imediato do aparecer

social;

A Ideologia não é um reflexo do real na cabeça dos homens, mas o

modo ilusório pelo qual representam o aparecer social como se tal

aparecer fosse a realidade social;

A Ideologia é produzida em três momentos fundamentais:

Ela inicia-se, produzindo uma universalidade com base real para

legitimar a luta da nova classe pelo poder;

Page 15: O que é ideologia

Ela prossegue, e populariza-se, torna-se um conjunto de ideias e

de valores concatenados e coerentes; e

Ela mantém-se mesmo após a vitória da classe emergente que se

torna classe dominante.

Hegemonia e crise de Hegemoniaa

Hegemonia, no sentido do texto, é o fenômeno de conservação da

validade das ideias e valores dos dominantes, mesmo quando se

percebe a dominação e mesmo quando se luta contra a classe

dominante, mantendo sua Ideologia.

Uma classe é hegemônica sobretudo porque suas ideias e valores

são dominantes, e mantidos pelos dominados até mesmo quando

lutam contra essa dominação (não há alienação);

A crise de hegemonia só ocorre quando, além da crise econômica

e política que afeta os dirigentes, há uma crise das ideias e dos

valores dominantes, fazendo com que toda a sociedade, na

qualidade de não-dirigente, recuse a totalidade da forma da

dominação existente.

Um exemplo disso são os movimentos feministas que reivindicam a

igualdade de direito frente ao mercado de trabalho: defender a

igualdade no mercado de trabalho não é criticar a exploração

capitalista do trabalho, mas é mantê-la, fazendo com que as

mulheres tenham igual direito de serem explorados e de realizarem

trabalhos alienados. Seria preciso que as mulheres pudessem

levar a cabo a crítica do próprio trabalho no modo de produção

capitalista, em vez de desejarem virar força de trabalho.

A ideologia da competência

Organização, ideologia da competência e competência privatizada

Em A gênese da Ideologia na sociedade moderna, o filósofo

francês Claude Lefort observa que houve mudança no modo de

operação da Ideologia, desde meados do século XX.

Sobretudo, a partir dos anos 1930 do século XX, houve uma

mudança no processo social do trabalho: o trabalho industrial

passou a ser organizado segundo um padrão conhecido como

fordismo que consistia em a empresa controlar desde a produção

da matéria-prima até a distribuição comercial dos produtos. Com o

fordismo, é introduzida uma nova prática das relações sociais,

conhecida como a Organização.

As principais características da Organização eram:

Afirmar que “organizar” é administrar, e que administrar é introduzir

racionalidade nas relações sociais;

Ela será tanto mais eficaz quanto mais todos os seus membros se

identificarem com ela e com os objetivos dela, fazendo de suas

vidas um serviço a ela que é retribuído com a subida na hierarquia

de poder; e

Page 16: O que é ideologia

Afirmar que uma Organização é uma administração científica

racional que possui lógica própria e funciona por si mesma,

independentemente da vontade e da decisão de seus membros.

No caso do trabalho industrial, a Organização introduz duas

novidades: a primeira é a linha de montagem, é mais racional e

mais eficaz que cada trabalhador tenha uma função muito

especializada; a segunda, “gerência científica”, consiste em a

Organização dividir e separar os que possuem tal conhecimento –

os gerentes e administradores. Com isso, a divisão social do

trabalho faz-se pela separação entre os que têm competência para

dirigir e os incompetentes, que só sabem executar.

Examinando a maneira como o modelo da Organização se difunde

e se espalha por todas as instituições sociais e por todas as

relações sociais, Lefort fala na Ideologia contemporânea como

a Ideologia invisível. Ou seja, enquanto que na Ideologia burguesa

tradicional, as ideias eram produzidas e emitidas por determinados

agentes sociais, agora parece não haver agentes produzindo as

ideias, porque elas parecem emanar diretamente do funcionamento

da Organização e das chamadas “leis do mercado”.

Hoje em dia, porém, não se trata mais de usar técnicas vindas da

aplicação das ciências, e sim de usar e desenvolver tecnologias

(fabricação de instrumentos de precisão que interferem no próprio

conteúdo das ciências).

Se agora reunirmos a Organização, a “gerência científica”, a

presença da ciência e da tecnologia no processo produtivo e no

trabalho intelectual, perceberemos que a divisão social das classes

está entre os que possuem poder porque possuem saber e os que

não possuem poder porque não possuem saber.

Em vez de falarmos em Ideologia invisível, preferimos falar em

Ideologia da competência, que oculta a divisão social das classes

ao afirmar que a divisão social se realiza entre os competentes e

os incompetentes.

A Ideologia da competência realiza a dominação pelo prestígio e

poder conferidos ao conhecimento científico e tecnológico. A

Organização é competente; os indivíduos e as classes sociais,

incompetentes.

Competência privatizada é aquele discurso que ensina a cada um

de nós como nos relacionarmos com o mundo e com as pessoas.

Isso explica, talvez, a proliferação dos livros de auto-ajuda, os

programas de conselhos pelo rádio e pela televisão.

A Ideologia da competência nos ensina, no cotidiano, na

organização escolar, na organização empresarial, etc. que só a

competência no trabalho assegura felicidade e realização.

Conclusão

Page 17: O que é ideologia

A história nos é contada de “grandes homens”, “grandes feitos”,

“grandes progressos”, mas a Ideologia nunca nos diz o que são

esses “grandes”. Em quê sentido? Por quê? Em relação a quê?

Talvez, a Ideologia nos tenha trazido mais questionamentos do que

respostas.

No entanto, o saber histórico nos dirá que esses “grandes” são os

“grandes e poderosos”, os dominantes, cuja “grandeza” depende

sempre da exploração e dominação dos “pequenos”.

Graças a esse tipo de história (que não analisa e não explica os

fatos), a Ideologia pode manter sua hegemonia mesmo sobre os

vencidos, pois estes interiorizam a suposição de que não são

sujeitos da história, mas apenas seus pacientes (alienados).

Somente uma prática política nascida dos explorados e dominados

e dirigida por eles próprios pode desmanchar a Ideologia.

É duma importância a crítica da Ideologia que consiste em

preencher as lacunas e os silêncios do pensamento e discurso

ideológicos, obrigando-os a dizer tudo que não está dito, pois

dessa maneira a lógica da Ideologia se desfaz e se desmancha,

ficando apenas os fatos “realmente reais”.