O que é o Espiritismo

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OQUEEO ESPIRITISMO ALLAN KARDEC /l

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resumo dos princípios da Doutrina Espirita e resposta às principais objeções que podem ser apresentadas.

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OQUEEOESPIRITISMOALLAN KARDEC/l

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ALLAN KARDEC

O que é o EspiritismoNOÇÕES ELEMENTARES DO MUNDO INVISÍVEL,

PELAS MANIFESTAÇÕES DOS ESPÍRITOS,

COM O

resumo dos princípios da Doutrina Espirita e respostaàs principais objeções que podem ser apresentadas

Contendo a BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC

por HENRI SAUSSE

FEDERAÇÃO ESPIRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL

Rua Souza Valente, 1720941-040 - Rio-R J - Brasil

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

K27o41.ed.

Kardec, Allan, 1804-1869

O que é o espiritismo : noções elementares do mundo in-visível, pelas manifestações dos espíritos, com o resumo dosprincípios da Doutrina Espirita e resposta às principais obje-ções que podem ser apresentadas / Allan Kardec. — 41 .ed. —Rio de Janeiro : Federação Espírita Brasileira, 1999

"Contendo a biografia de Allan Kardec por HenriSausse"

ISBN 85-7328-113-8

1. Espiritismo, l. Título.

98-0194. CDD 133.9CDU 133.7

130298 170298 004668

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índice das Matérias

Biografia de Allan Kardec 9Preâmbulo 49

CAPÍTULO I

Primeiro diálogo — O crítico 51Segundo diálogo — O céptico 65Espiritismo e Espiritualismo 66Dissidências 68Fenómenos espíritas simulados 70Impotência dos detratores 71O maravilhoso e o sobrenatural 74Oposição da Ciência 75Falsas explicações dos fenómenos — Alucinação —

Fluido magnético •— Reflexo do pensamento •—Superexcitação cerebral — Estado sonambúlicodos médiuns 82

Não basta que os incrédulos vejam para que se con-vençam \ . . . 86

Boa ou má-vontade dos Espíritos para convencer .. 88Origem das ideias espíritas modernas 89Meios de comunicação 93Médiuns interesseiros 97Médiuns e feiticeiros 103Diversidade dos Espíritos 105Utilidade prática das manifestações 109Loucura, suicídio e obsessão 111

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ÍNDICE

Esquecimento do passado 114Elementos de convicção 117Sociedades espíritas 120Interdição do Espiritismo 121Terceiro diálogo — O padre -. 122

CAPÍTULO II

Noções elementares de Espiritismo — Observaçõespreliminares 151

Dos Espíritos 153Comunicação com o mundo invisível 157Fim providencial das manifestações espíritas 168Dos médiuns 170Escolhos da mediunidade 175Qualidades dos médiuns 178Charlatanismo 182Identidade dos Espíritos 183Contradições 185Consequências do Espiritismo 186

CAPITULO III

Solução de alguns problemas pela Doutrina Espírita— Pluralidade dos mundos 193

Da alma 194O homem durante a vida terrena 197O homem depois da morte 207

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ISBN 85-7328-113-8

41! edição

Do 41CF- ao 414" milheiro

Título do original francês:QVEST-CE QUE LÊ SPIRITISME?(Paris, julho de 1859)

Capa de CECCONI

B.N. 6.834

53-AA; 000.5-O; 9/1999

Copyright 1944 by

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA(Casa-Máter do Espiritismo)

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BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC (*)

Minhas senhoras, meus senhores:Muitas pessoas que se interessam pelo Espiritismo

manifestam muitas vezes o pesar de não possuírem se-não muito imperfeito conhecimento da biografia de AllanKardec, e de não saberem onde encontrar, sobre aquelea quem chamamos Mestre, as informações que deseja-riam conhecer. Pois é para honrar Allan Kardec e fes-tejar a sua memória que nos achamos hoje reunidos, eum mesmo sentimento de veneração e de reconhecimen-to faz vibrar todos os corações. Em respeito ao fundadorda filosofia espírita, permiti-me, no intuito de tentarcorresponder a tão legítimo desejo, que vos entretenhaalguns momentos com esse Mestre amado, cujos traba-lhos são universalmente conhecidos e apreciados, e cujavida íntima e laboriosa existência são apenas conjetu-radas.

Se fácil foi a todos os investigadores conscienciososinteirarem-se do alto valor e do grande alcance da obrade Allan Kardec pela leitura atenta das suas produções,bem poucos puderam, pela ausência até hoje de elemen-tos para isso, penetrar na vida do homem íntimo e se-gui-lo passo a passo no desempenho da sua tarefa, tãogrande, tão gloriosa e tão bem preenchida.

(*) Seu verdadeiro nome é Hippolyte Iiéon D«nizard Rivail,conforme estudo de autoria de Zeus Wantuil, inserto em "Refor-mador" de abril de 1963, pp. 95/6, intitulado "Kardec e seu nomecivil". Nota da Editora.

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10 BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC

Não somente a biografia de Allan Kardec é poucoconhecida, senão que ainda está por ser escrita. A inve-ja e o ciúme semearam sobre ela os mais evidentes erros,as mais grosseiras e as mais impudentes calúnias.

Vou, portanto, esforçar-me por mostrar-vos, com luzmais verdadeira, o grande iniciador de quem nos desva-necemos de ser discípulos.

Todos sabeis que a nossa cidade se pode honrar, ajusto título, de ter visto nascer entre seus muros essepensador tão arrojado quão metódico, esse filósofo sábio,clarividente e profundo, esse trabalhador obstinado cujolabor sacudiu o edifício religioso do Velho Mundo e pre-parou os novos fundamentos que deveriam servir de baseà evolução e à renovação da nossa sociedade caduca,impelindo-a para um ideal mais são, mais elevado, paraum adiantamento intelectual e moral seguros.

Foi, com efeito, em Lião, que, a 3 de outubro de1804, nasceu de antiga família lionesa, com o nome de Ri-vail, aquele que devia mais tarde ilustrar o nome deAllan Kardec e conquistar para ele tantos títulos à nossaprofunda simpatia, ao nosso filial reconhecimento.

Eis aqui a esse respeito um documento positivo eoficial:

"Aos 12 do vindemiário (*) do ano XIII, auto donascimento de Denizard Hippolyte-Léon Rivail, nascidoontem às 7 horas da noite, filho de Jean Baptiste-AntoineRivail, magistrado, juiz, e Jeanne Duhamel, sua esposa,residentes em Lião, rua Sala n.° 76.

"O sexo da criança foi reconhecido como masculino."Testemunhas maiores:"Syriaque-Frédéric Dittmar, diretor do estabeleci-

mento das águas minerais da rua Sala, e Jean-FrançoisTarge, mesma rua Sala, à requisição do médico PierreRadamel, rua Saint-Dominique n.° 78.

(*) Veja-se "Reformador" de abril de 1947, pág. 85.

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"Feita a leitura, as testemunhas assinaram, assimcomo o Maire da região do Sul.

"O presidente do Tribunal,

(assinado): Mathiou."

O futuro fundador do Espiritismo recebeu desde oberço um nome querido e respeitado e todo um passadode virtudes, de honra, de probidade; grande número dosseus antepassados se tinham distinguido na advocacia ena magistratura, por seu talento, saber e escrupulosaprobidade. Parecia que o jovem Eivail devia sonhar,também ele, com os louros e as glórias da sua familia.Assim, porém, não foi, porque, desde o começo da suajuventude, ele se sentiu atraído para as ciências e paraa filosofia.

Rivail Denizard fez em Lião os seus primeiros es-tudos e completou em seguida a sua bagagem escolar, emYverdun (Suíça), com o célebre professor Pestalozzi, dequem cedo se tornou um dos mais eminentes discípulos,colaborador inteligente e dedicado. Aplicou-se, de todoo coração, à propaganda do sistema de educação queexerceu tão grande influência sobre a reforma dos es-tudos na França e na Alemanha. Muitíssimas vezes,quando Pestalozzi era chamado pelos governos, um poucode todos os lados, para fundar institutos semelhantes aode Yverdun, confiava a Denizard Rivail o encargo de osubstituir na direção da sua escola. O discípulo tornadomestre tinha, além de tudo, com os mais legítimos direi-tos, a capacidade requerida para dar boa conta da tarefaque lhe era confiada. Era bacharel em letras e em ciên-cias e doutor em medicina, tendo feito todos os estudosmédicos e defendido brilhantemente sua tese (* ) . Lin-guista insigne, conhecia a fundo e falava corretamente oalemão, o inglês, o italiano e o espanhol; conhecia tambémo holandês, e podia facilmente exprimir-se nesta língua.

(*) ver "Reformador" de marco de 1958, pág. 67.

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12 BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC

Denizard Rivail era um alto e belo rapaz, de ma-neiras distintas, humor jovial na intimidade, bom e obse-quioso. Tendo-o a conscrição incluído para o serviçomilitar, ele obteve isenção e, dois anos depois, veio fun-dar em Paris, à rua de Sèvres n.° 35, um estabelecimentosemelhante ao de Yverdun. Para essa empresa se asso-ciara a um dos seus tios, irmão de sua mãe, o qual eraseu sócio capitalista.

No mundo das letras e do ensino, que frequentavaem Paris, Denizard Rivail encontrou a senhorita AméliaBoudet, professora com diploma de l.a classe. Pequena,mas bem proporcionada, gentil e graciosa, rica por seuspais e filha única, inteligente e viva, ela soube por seusorriso e predicados fazer-se notar pelo Sr. Rivail, emquem adivinhou, sob a franca e comunicativa alegria dohomem amável, o pensador sábio e profundo, que aliavagrande dignidade à mais esmerada urbanidade.

O registro civil nos informa que:"Amélie Gabrielle Boudet, filha de Julien-Louis Bou-

det, proprietário e antigo tabelião, e de Julie LouiseSeigneat de Lacombe, nasceu em Thiais (Sena), aos 2do Frimário do ano IV (23 de novembro de 1795)."

A senhorita Amélia Boudet tinha, pois, mais noveanos que o Sr. Rivail, mas na aparência dir-se-ia termenos dez que ele, quando, em 6 de fevereiro de 1832,se firmou em Paris o contrato de casamento de Hippo-lyte-Léon-Denizard Rivail, diretor do Instituto Técnico àrua de Sèvres (Método de Pestalozzi), filho de Jean--Baptiste Antoine e senhora, Jeanne Duhamel, residentesem Château-du-Loir, com Amélie-Gabrielle Boudet, filhade Julien Louis e senhora Julie Louise Seigneat de La-combe, residentes em Paris, 35 rua de Sèvres.

O sócio do Sr. Rivail tinha a paixão do jogo; arrui-nou o sobrinho,, perdendo grossas somas em Spa e emAix-la-Chapelle. Ò Sr. Rivail requereu a liquidação doInstituto, de cuja partilha couberam 45.000 francos acada um deles. Essa soma foi colocada pelo Sr. e Sra.Rivail em casa de um dos seus amigos íntimos, nego-

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ciante, que fez maus negócios e cuja falência nada deixouaos credores.

Longe de desanimar com esse duplo revés, o Sr. eSra. Rivail lançaram-se corajosamente ao trabalho. Eleencontrou e pôde encarregar-se da contabilidade de trêscasas, que lhe produziam cerca de 7.000 francos porano; e, terminado o seu dia, esse trabalhador infatigávelescrevia à noite, ao serão, gramáticas, aritméticas, livrospara estudos pedagógicos superiores; traduzia obras in-glesas e alemãs e preparava todos os cursos de Levy--Alvarès, frequentados por discípulos de ambos os sexosdo faubourg Saint-Germain. Organizou também em suacasa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de química, fí-sica, astronomia e anatomia comparada, de 1835 a 1840,e que eram muito frequentados.

Membro de várias sociedades sábias, notadamenteda Academia real d'Arras, foi premiado, por concurso,em 1831, pela apresentação da sua notável memória:Qual o sistema de estudo mais em harmonia com as ne-cessidades da época?

Dentre as suas numerosas obras convém citar, porordem cronológica: Plano apresentado para o melhora-mento da instrução pública, em 1828; em 1829 (* ) , se-gundo o método de Pestalozzi, ele publicou, para uso dasmães de família e dos professores, o Curso prático e teó-rico de aritmética; em 1831 fez aparecer a Gramáticafrancesa clássica; em 1846 o Manual dos exames paraobtenção dos diplomas de capacidade, soluções racionaisdas questões e problemas de aritmética e geometria; em1848 foi publicado o Catecismo gramatical da língua fran-cesa; finalmente, em 1849, encontramos o Sr. Rivail pro-fessor no Liceu Polimático, regendo as cadeiras de Fisio-logia, Astronomia, Química e Física. Em uma obra muitoapreciada resume seus cursos, e depois publica: Ditadosnormais dos exames na Municipalidade e na Sorbona;Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas.

(*) Houve engano dos biógrafos. Não foi em 1829, mas em1824. Ver "Reformador" de 1952, págs. 77 e 79. — Nota da Editora.

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Tendo sido essas diversas obras adotadas pela Uni-versidade de França, e vendendo-se abundantemente,pôde o Sr. Rivail conseguir, graças a elas e ao seu assí-duo trabalho, uma modesta abastança. Como se pode jul-gar por esta muito rápida exposição, o Sr. Rivail esta-va admiravelmente preparado para a rude tarefa queia ter que desempenhar e fazer triunfar. Seu nome eraconhecido e respeitado, seus trabalhos justamente apre-ciados, muito antes que ele imortalizasse o nome deAllan Kardec.

Prosseguindo em sua carreira pedagógica, o Sr. Ri-vail poderia viver feliz, honrado e tranquilo, estando asua fortuna reconstruída pelo trabalho perseverante epelo brilhante êxito que lhe havia coroado os esforços;mas a sua missão o chamava a uma tarefa mais onerosa,a uma obra maior, e, como teremos muitas vezes ocasiãode o evidenciar, ele sempre se mostrou à altura da mis-são gloriosa que lhe estava reservada. Seus pendores,suas aspirações, tê-lo-iam impelido para o misticismo,mas a educação, o juízo reto, a observação metódica,conservaram-no igualmente ao abrigo dos entusiasmosdesarrazoados e das negações não justificadas.

Foi em 1854 que o Sr. Rivail ouviu pela primeiravez falar nas mesas girantes, a princípio do Sr. Fortier,magnetizador, com o qual mantinha relações, em razãodos seus estudos sobre o Magnetismo. O Sr. Fortierlhe disse um dia: "Eis aqui uma coisa que é bem maisextraordinária: não somente se faz girar uma mesa,magnetizando-a, mas também se pode fazê-la falar. In-terroga-se, e ela responde."

— Isso, replicou o Sr. Rivail, é uma outra questão;eu acreditarei quando vir e quando me tiverem provadoque uma mesa tem cérebro para pensar, nervos parasentir, e que se pode tornar sonâmbula. Até lá, permi-ta-me que não veja nisso senão uma fábula para provo-car o sono.

Tal era a princípio o estado de espírito do Sr. Ri-vail, tal o encontraremos muitas vezes, não negandocoisa alguma por parti pris, mas pedindo provas e que-rendo ver e observar para crer; tais nos devemos mos-

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trar sempre no estudo tão atraente das manifestaçõesdo Além.

*

Até agora, não vos falei senão do Sr. Rivail, pro-fessor emérito, autor pedagógico de renome. Nessa época,porém, da sua vida, de 1854 a 1856, um novo horizontese rasga para esse pensador profundo, para esse sagazobservador. Então o nome de Rivail se obumbra, paraceder o lugar ao de Allan Kardec, que a fama levaráa todos os cantos do globo, que todos os ecos repetirão eque todos os nossos corações idolatram.

Eis aqui como Allan Kardec nos revela as suas dúvi-das, as suas hesitações e também a sua primeira ini-ciação:

"Eu me encontrava, pois, no ciclo de um fato inex-plicado, contrário, na aparência, às leis da Natureza eque minha razão repelia. Nada tinha ainda visto nemobservado; as experiências feitas em presença de pessoashonradas e dignas de fé me firmavam na possibilidadedo efeito puramente material; mas a ideia, de uma mesafalante, não me entrava ainda no cérebro.

"No ano seguinte — era no começo de 1855 — en-contrei o Sr. Carlotti, um amigo de há vinte e cincoanos, que discorreu acerca desses fenómenos durantemais de uma hora, com o entusiasmo que ele punha emtodas as ideias novas. O Sr. Carlotti era corso de ori-gem, de natureza ardente e enérgica; eu tinha sempredistinguido nele as qualidades que caracterizam umagrande e bela alma, mas desconfiava da sua exaltação.Ele foi o primeiro a falar-me da intervenção dos Espí-ritos, e contou-me tantas coisas surpreendentes que, lon-ge de me convencerem, aumentaram as minhas dúvidas.— Você um dia será dos nossos — disse-me ele. — Nãodigo que não, respondi-lhe eu —; veremos isso maistarde.

"Daí a algum tempo, pelo mês de maio de 1855,estive, em casa da sonâmbula Sra. Roger, com o Sr. For-tier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a

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Sra. Plainemaison, que me falaram desses fenómenosno mesmo sentido que o Sr. Carlotti, mas noutro tom.O Sr. Pâtier era funcionário público, de certa idade,homem muito instruído, de caráter grave, frio e calmo;sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, pro-duziu-me viva impressão, e, quando ele me convidou paraassistir às experiências que se realizavam em casa daSra. Plainemaison, rua Grange-Batelière n.° 18, aceiteicom solicitude. A entrevista foi marcada para a terça--feira (*) de maio, às 8 horas da noite.

"Foi aí, pela primeira vez, que testemunhei o fenó-meno das mesas girantes, que saltavam e corriam, eisso em condições tais que a dúvida não era possível.

"Aí vi também alguns ensaios muito imperfeitos deescrita mediúnica em uma ardósia com o auxílio de umacesta. Minhas ideias estavam longe de se haver modi-ficado, mas naquilo havia um fato que devia ter umacausa. Entrevi, sob essas aparentes futilidades e a es-pécie de divertimento que com esses fenómenos se fazia,alguma coisa de sério e como que a revelação de umanova lei, que a mim mesmo prometi aprofundar.

"A ocasião se me ofereceu e pude observar maisatentamente do que tinha podido fazer. Em um dos se-rões da Sra. Plainemaison, fiz conhecimento com a fa-mília Baudin, que morava então à rua Bochechouart.O Sr. Baudin fez-me oferecimento no sentido de assistiràs sessões hebdomadárias que se efetuavam em sua casa,e às quais eu fui, desde esse momento, muito assíduo.

"Foi aí que fiz os meus primeiros estudos sériosem Espiritismo, menos ainda por efeito de revelaçõesque por observação. Apliquei a essa nova ciência, comoaté então o tinha feito, o método da experimentação;nunca formulei teorias preconcebidas; observava atenta-mente, comparava, deduzia as consequências; dos efeitosprocurava remontar às causas pela dedução, pelo enca-deamento lógico dos fatos, não admitindo como válidauma explicação, senão quando ela podia resolver todas

(*) Esta data ficou em branco no manuscrito de AllanKardec. — Nota do Autor.

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as dificuldades da questão. Foi assim que sempre pro-cedi em meus trabalhos anteriores, desde a idade dequinze a dezesseis anos. Compreendi, desde o princípio,a gravidade da exploração que ia empreender. Entrevinesses fenómenos a chave do problema tão obscuro e tãocontrovertido do passado e do futuro, a solução do quehavia procurado toda a minha vida; era, em uma palavra,uma completa revolução nas ideias e nas crenças; pre-ciso, portanto, se fazia agir com circunspeção e não le-vianamente, ser positivista e não idealista, para me nãodeixar arrastar pelas ilusões.

"Um dos primeiros resultados das minhas observa-ções foi que os Espíritos, não sendo senão as almas doshomens, não tinham nem a soberana sabedoria, nem asoberana ciência; que o seu saber era limitado ao graudo seu adiantamento, e que a sua opinião não tinha se-não o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade, re-conhecida desde o começo, evitou-me o grave escolhode crer na sua infalibilidade e preservou-me de formu-lar teorias prematuras sobre a opinião de um só ou dealguns.

"Só o fato da comunicação com os Espíritos, o quequer que eles pudessem dizer, provava a existência deum mundo invisível ambiente; era já um ponto capital,um imenso campo franqueado às nossas explorações, achave de uma multidão de fenómenos inexplicados. O se-gundo ponto, não menos importante, era conhecer oestado desse mundo e seus costumes, se assim nos pode-mos exprimir. Cedo, observei que cada Espírito, em ra-zão de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, des-vendava-me uma fase desse mundo, exatamente comose chega a conhecer o estado de um país interrogando oshabitantes de todas as classes e condições, podendo cadaqual nos ensinar alguma coisa e nenhum deles podendo,individualmente, ensinar-nos tudo. Cumpre ao observa-dor formar o conjunto, com o auxílio dos documentosrecolhidos de diferentes lados, colecionados, coordenadose confrontados entre si. Eu, pois, agi com os Espíritoscomo o teria feito com os homens: eles foram, para mim,

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desde o menor até o mais elevado, meios de colher infor-mações e não reveladores predestinados."

A estas informações, colhidas nas Obras Póstumasde Allan Kardec, convém acrescentar que a princípio oSr. Rivail, longe de ser um entusiasta dessas manifes-tações e absorvido por outras preocupações, esteve aponto de as abandonar, o que talvez tivesse feito se nãofossem as instantes solicitações dos Srs. Carlotti, RenéTaillandier, membro da Academia das Ciências, Tiede-man-Manthèse, Sardou, pai e filho, e Didier, editor, queacompanhavam havia cinco anos o estudo desses fenó-menos e tinham reunido cinquenta cadernos de comu-nicações diversas, que não conseguiam pôr em ordem.Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese doSr. Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pe-dindo-lhe que deles tomasse conhecimento e os pusesseem termos —, os arranjasse. Este trabalho era árduoe exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuri-dades dessas comunicações; e o sábio enciclopedista re-cusava-se a essa tarefa enfadonha e absorvente, em ra-zão de outros trabalhos.

Uma noite, seu Espírito protetor, Z., deu-lhe, porum médium, uma comunicação toda pessoal, na qual lhedizia, entre outras coisas, tê-lo conhecido em uma prece-dente existência, quando, ao tempo dos Druidas, viviamjuntos nas Gálias. Ele se chamava, então, Allan Kardec,e, como a amizade que lhe havia votado só fazia aumen-tar, prometia-lhe esse Espírito secundá-lo na tarefa mui-to importante a que ele era chamado, e que facilmentelevaria a termo.

O Sr. Rivail, pois, lançou-se à obra: tomou os ca-dernos, anotou-os com cuidado. Após atenta leitura, su-primiu as repetições e pôs na respectiva ordem cadaditado, cada relatório de sessão; assinalou as lacunasa preencher, as obscuridades a aclarar, e preparou asperguntas necessárias para chegar a esse resultado.

"Até então, diz ele próprio, as sessões em casa doSr. Baudin não tinham nenhum fim determinado; pro-pus-me, aí, fazer resolver os problemas que me interessa-vam sob o ponto de vista da filosofia, da psicologia e da

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natureza do mundo invisível. Comparecia a cada sessãocom uma série de questões preparadas e metodicamentedispostas: eram respondidas com precisão, profundeza ede modo lógico. Desde esse momento as reuniões tiveramcaráter muito diferente, e, entre os assistentes, encon-travam-se pessoas sérias que tomaram vivo interessepelo trabalho. Se me acontecia faltar, ficavam as ses-sões como que tolhidas, tendo as questões fúteis perdidoo atrativo para o maior número. A princípio eu nãotinha em vista senão a minha própria instrução; maistarde, quando vi que tudo aquilo formava um conjuntoe tomava as proporções de uma doutrina, tive o pensa-mento de o publicar, para instrução de todos. Foramessas mesmas questões que, sucessivamente desenvolvi-das e completadas, fizeram a base de O Livro aos Es-píritos."

Em 1856, o Sr. Rivail frequentou as reuniões espí-ritas que se realizavam à rua Tiquetone, em casa doSr. Roustan, com Mlle. Japhet, sonâmbula, que obtinhacomo médium comunicações muito interessantes, com oauxílio da cesta aguçada ( * ) ; fez examinar por essemédium as comunicações obtidas e postas precedente-mente em ordem. Esse trabalho foi efetuado, a princípio,nas sessões ordinárias; mas a pedido dos Espíritos, epara que fosse consagrado mais cuidado, mais atençãoa esse exame, foi continuado em sessões particulares.

"Não me contentei com essa verificação, diz aindaAllan Kardec, que os Espíritos me haviam recomendado.Tendo-me as circunstâncias posto em relação com outrosmédiuns, toda vez que se oferecia ocasião, eu a apro-veitava para propor algumas das questões que me pare-ciam mais melindrosas. Foi assim que mais de dezmédiuns prestaram seu concurso a esse trabalho. E foida comparação e da fusão de todas essas respostas,coordenadas, classificadas e muitas vezes refeitas no si-lêncio da meditação, que formei a primeira ediçãode O Livro dos Espíritos, a qual apareceu em 18 de abrilde 1857."

(•) Arranjada em forma de bico. — Nota do Tradutor.

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20 BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC

Esse livro era em formato grande, in-4, em duascolunas, uma para as perguntas e outra, em frente, paraas respostas. No momento de publicá-lo, o autor ficoumuito embaraçado em resolver como o assinaria, se como seu nome — Denizard-Hippolyte-Léon Rivail, ou comum pseudónimo. Sendo o seu nome muito conhecido domundo científico, em virtude dos seus trabalhos ante-riores, e podendo originar uma confusão, talvez mesmoprejudicar o êxito do empreendimento, ele adotou o alvi-tre de o assinar com o nome de Allan Kardec que, se-gundo lhe revelara o guia, ele tivera ao tempo dosDruidas.

A obra alcançou tal êxito que a primeira edição foilogo esgotada. Allan Kardec reeditou-a em 1858 (*)sob a forma atual in-12, revista, correta e consideravel-mente aumentada.

No dia 25 de março de 1856 estava Allan Kardecem seu gabinete de trabalho, em via de compulsar ascomunicações e preparar O Livro dos Espíritos, quandoouviu ressoarem pancadas repetidas no tabique; pro-curou, sem descobrir, a causa disso, e em seguida tornoua pôr mãos à obra. Sua mulher, entrando cerca das dezhoras, ouviu os mesmos ruídos; procuraram, mas semresultado, de onde podiam eles provir. Moravam, então,à rua dos Mártires n.° 8, no segundo andar, ao fundo.

"No dia seguinte, sendo dia de sessões em casa doSr. Baudin, escreve Allan Kardec, contei o fato e pedia explicação dele.

Pergunta: — Ouvistes o fato que acabo de narrar;podereis dizer-me a causa dessas pancadas que se fize-ram ouvir com tanta insistência?

Resposta: — Era o teu Espírito familiar.P. — Com que fim, vinha ele bater assim?R. — Queria comunicar-se contigo.P. — Podereis dizer-me o que queria ele?R. — Podes perguntar a ele mesmo, porque está

aqui.

(*). A 2» edição foi Impressa em 1860, e nfio 1858. — Notada Editora (FEB).

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BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 21

P. — Meu Espírito familiar, quem quer que sejais,agradeço-vos terdes vindo visitar-me. Quereis ter a bon-dade de dizer-me quem sois?

R. — Para ti chamar-me-ei a Verdade, e todos osmeses, durante um quarto de hora, estarei aqui, à tuadisposição.

P. — Ontem, quando batestes, enquanto eu traba-lhava, tínheis alguma coisa de particular a dizer-me?

R. — O que eu tinha a dizer-te era sobre o traba-lho que fazias; o que escrevias me desagradava e euqueria fazer-te parar.

NOTA — O que eu escrevia era precisamente relativoaos estudos que fazia sobre os Espíritos e suas manifes-tações.

P. — A vossa desaprovação versava sobre o capítu-lo que eu escrevia, ou sobre o conjunto do trabalho?

R. — Sobre o capítulo de ontem: faço-te juiz dele.Torna a lê-lo esta noite; reconhecer-lhe-ás os erros e oscorrigirás.

P. — Eu mesmo não estava muito satisfeito comesse capítulo e o refiz hoje. Está melhor?

R. — Está melhor, mas não muito bom. Lê da ter-ceira à trigésima linha e reconhecerás um grave erro.

P. — Rasguei o que tinha feito ontem.R. — Não importa. Essa inutilização não impede que

subsista o erro. Relê e verás.P. — O nome de Verdade que tomais é uma alusão

à verdade que procuro?R. — Talvez, ou, pelo menos, é um guia que te há de

auxiliar e proteger.P. — Posso evocar-vos em minha casa?R. — Sim, para que eu te assista pelo pensamento;

mas, quanto a respostas escritas em tua casa, não serátão cedo que as poderás obter.

P. — Podereis vir mais frequentemente que todosos meses?

R. — Sim; mas não prometo senão uma vez pormês, até nova ordem.

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P. Animastes alguma personagem conhecida naTerra?

R. — Disse-te que para ti eu era a Verdade, o queda tua parte devia importar discrição; não saberás maisque isto."

De volta a casa, Allan Kardec apressou-se a relero que escrevera e pôde verificar o grave erro que comefeito havia cometido. A dilação de um mês, fixada paracada comunicação do Espírito Verdade, raramente foiobservada. Ele se manifestou frequentemente a AllanKardec, mas não em sua casa, onde durante cerca deum ano não pôde este receber nenhuma comunicação pormédium algum e, cada vez que ele esperava obter algumacoisa, era obstado por uma causa qualquer e imprevista,que a isso se vinha opor.

Foi a 30 de abril de 1856, em casa do Sr. Roustan,pela médium Mlle. Japhet, que Allan Kardec recebeu aprimeira revelação da missão que tinha a desempenhar.Esse aviso, a princípio muito vago, foi precisado no dia12 de junho de 1856, por intermédio de Mlle. Aline C.,médium. A 6 de maio de 1857, a Sra. Cardone, pelainspeção das linhas da mão de Allan Kardec, confirmouas duas comunicações precedentes, que ela ignorava. Fi-nalmente, a 12 de abril de 1860, em casa do Sr. Dehan,sendo intermediário o Sr. Croset, médium, essa missãofoi novamente confirmada em uma comunicação espon-tânea, obtida na ausência de Allan Kardec.

Assim, também, se deu a respeito do seu pseudónimo.Numerosas comunicações, procedentes dos mais diversospontos, vieram reafirmar e corroborar a primeira co-municação obtida a esse respeito.

Urgido pelos acontecimentos e pelos documentos quetinha em seu poder, Allan Kardec formara, em razão doêxito de O Livro dos Espíritos, o projeto de criar umjornal espírita. Havia-se dirigido ao Sr. Tiedeman, parasolicitar-lhe o concurso pecuniário, mas este não estavaresolvido a tomar parte nessa empresa. Allan Kardecperguntou aos seus guias, no dia 15 de novembro de1857, por intermédio da Srta. E. Dufaux, o que deveria

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fazer. Foi-lhe respondido que pusesse a sua ideia emexecução e que não se inquietasse com o resto.

"Apressei-me em redigir o primeiro número, dizAllan Kardec, e o fiz aparecer no dia 1.° de janeiro de1858, sem nada dizer a pessoa alguma. Não tinha umúnico assinante, nem sócio capitalista. Fi-lo, pois, intei-ramente por minha conta e risco, e não tive de que mearrepender, porque o êxito ultrapassou a minha expecta-tiva. A partir de 1.° de janeiro, os números se sucederamsem interrupção, e, como o previra o Espírito, esse jornalse me tornou em poderoso auxiliar. Reconheci, mais tar-de, que era uma felicidade para mim não ter tido umsócio capitalista, porque estava mais livre, enquanto queum estranho interessado teria pretendido impor-me assuas ideias e a sua vontade e poderia embaraçar-me amarcha. Só, eu não tinha que prestar contas a ninguém,por mais onerosa que, como trabalho, fosse a minhatarefa."

E essa tarefa devia ir sempre crescendo em labor eem responsabilidades, em lutas incessantes contra obstá-culos, emboscadas, perigos de toda sorte. À medida,porém, que a lide se tornava mais áspera, esse enérgicotrabalhador se elevava, também, à altura dos aconteci-mentos, que nunca o surpreenderam; e durante onzeanos, nessa Revista Espírita, que acabamos de ver comocomeçou tão modestamente, ele afrontou todas as tem-pestades, todas as emulações, todos os ciúmes que nãolhe foram poupados, como ele mesmo relata e como lhefora anunciado ao ser-lhe revelada a sua missão. Essacomunicação e as reflexões de que as anotou AllanKardec nos mostram, sob um prisma pouco lisonjeiro, asituação naquela época, mas fazem também ressaltar ogrande valor do fundador do Espiritismo e o seu méritoem ter sabido triunfar:

Médium, Mlle. Aline C. — 12 de junho de 1856:P. — Quais são as causas que me poderiam fazer

fracassar? Seria a insuficiência das minhas aptidões?R. — Não; mas a missão dos reformadores é cheia

de escolhos e perigos; a tua é rude; previno-te, porqueé ao mundo inteiro que se trata de agitar e de trans-

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formar. Não creias que te seja suficiente publicar umlivro, dois livros, dez livros, e ficares tranquilamenteem tua casa; não, é preciso te mostrares no conflito;contra ti se açularão terríveis ódios, implacáveis inimi-gos tramarão a tua perda; estarás exposto à calúnia, àtraição, mesmo daqueles que te parecerão mais dedica-dos; as tuas melhores instruções serão impugnadas edesnaturadas; sucumbirás mais de uma vez ao peso dafadiga; em uma palavra, é uma luta quase constante queterás de sustentar com o sacrifício do teu repouso, datua tranquilidade, da tua saúde e mesmo da tua vida,porque tu não viverás muito tempo. Pois bem. Mais deum recua quando, em lugar de uma vereda florida, nãoencontra sob seus passos senão espinhos, agudas pedrase serpentes. Para tais missões não basta a inteligência.É preciso antes de tudo, para agradar a Deus, humildade,modéstia, desinteresse, porque abatem os orgulhosos e ospresunçosos. Para lutar contra os homens, é necessáriocoragem, perseverança e firmeza inquebrantáveis; é pre-ciso, também, ter prudência e tato para conduzir ascoisas a propósito e não comprometer-lhes o êxito pormedidas ou palavras intempestivas; é preciso, enfim, de-votamento, abnegação, e estar pronto para todos ossacrifícios.

"Vês que a tua missão está subordinada a condiçõesque dependem de ti.

Espírito Verdade."

NOTA — (É Allan Kardec que assim se exprime) :"Escrevo esta nota no dia l» de janeiro de 1867, dez anose meio depois que esta comunicação me foi dada, e verificoque ela se realizou em todos os pontos, porque experimenteitodas as vicissitudes que nela me foram anunciadas. Tenhosido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da ca-lúnia, da inveja e do ciúme; têm sido publicados contra miminfames libelos; as minhas melhores instruções têm sido des-naturadas; tenho sido traído por aqueles em quem depositaraconfiança, e pago com a ingratidão por aqueles a quem tinhaprestado serviços. A Sociedade de Paris tem sido um contí-nuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se diziam ameu favor, e que, mostrando-se amáveis em minha presença,

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me detratavam na ausência. Disseram que aqueles que ado-tavam o meu partido eram assalariados por mim com o di-nheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais tenhoconhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o ex-cesso do trabalho, tem-se-me alterado a saúde e compro-metido a vida.

"Entretanto, graças à proteção e à assistência dos bonsEspíritos, que sem cessar me têm dado provas manifestas desua solicitude, sou feliz em reconhecer que não tenho expe-rimentado um único instante de desfalecimento nem de de-sânimo, e que tenho constantemente prosseguido na minhatarefa com o mesmo ardor, sem me preocupar com a male-volência de que era alvo. Segundo a comunicação do Es-pírito Verdade, eu devia contar com tudo isso, e tudo severificou."

Quando se conhecem todas essas lutas, todas astorpezas de que Allan Kardec foi alvo, quanto ele seengrandece aos nossos olhos e como o seu brilhantetriunfo adquire mérito e esplendor! Que se tornaramesses invejosos, esses pigmeus que procuravam obstruir--Ihe o caminho? Na maior parte são desconhecidos osseus nomes, ou nenhuma recordação despertam mais:o esquecimento os retomou e sepultou para sempre emsuas sombras, enquanto que o de Allan Kardec, o intré-pido lutador, o pioneiro ousado, passará à posteridadecom a sua auréola de glória tão legitimamente adquirida.

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas foifundada a 1.° de abril de 1858. Até então, as reuniõesse realizavam em casa de Allan Kardec, à rua dos Már-tires, com Mlle. E. Dufaux, como principal médium;o seu salão poderia conter de quinze a vinte pessoas.Cedo, aí reuniu ele mais de trinta. Tornando-se, então,esse local muito acanhado e não querendo onerar AllanKardec com todos os encargos, alguns dos assistentesse propuseram formar uma sociedade espírita e alugarum outro local em que se efetuassem as reuniões. Masera preciso, para se poderem reunir, obter o reconhe-cimento e a autorização da Polícia. O Sr. Dufaux, que

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conhecia pessoalmente o prefeito de polícia de então,encarregou-se de dar os passos para esse íim, e, graçasao ministro do Interior, o general X., que era favorávelàs novas ideias, a autorização foi obtida em quinze dias,enquanto que pelo processo ordinário teria exigido meses,sem grande probabilidade de êxito.

"A Sociedade foi, então, regularmente constituídae reunia-se todas as terças-feiras, no local que fora alu-gado no Palais-Royal, galeria Valois. Aí ficou duranteum ano, de 1.° de abril de 1858 a 1.° de abril de 1859. Nãopodendo lá permanecer por mais tempo, reunia-se todasas sextas-feiras em um dos salões do restaurante Douix,no Palais-Royal, galeria Montpensier, de 1.° de abril de1859 a 1.° de abril de 1860, época em que se instalouem sede própria, à rua e passagem SanfAna n.° 59."

Depois de haver dado conta das condições em quese formou a Sociedade e da tarefa que teve a desem-penhar, Allan Kardec assim se exprime (Revista Espi-rita, 1859, pág. 169) :

"Empreguei em minhas funções, que posso dizer la-boriosas, toda a solicitude e toda a dedicação de que eracapaz; do ponto de vista administrativo, esforcei-mepor manter nas sessões uma ordem rigorosa e por im-primir-lhe um caráter de gravidade, sem o qual o pres-tígio de assembleia séria teria cedo desaparecido. Agora,que a minha tarefa está terminada e que o impulso estádado, devo inteirar-vos da resolução que tomei, de renun-ciar de futuro a toda espécie de função na Sociedade,mesmo a de diretor dos estudos; não ambiciono senãoum título — o de simples membro titular, com que mesentirei sempre feliz e honrado. O motivo da minha de-terminação está na multiplicidade dos meus trabalhos,que aumentam todos os dias, pela extensão das minhasrelações; porque, além daqueles que conheceis, preparooutros trabalhos mais consideráveis, que exigem longose laboriosos estudos e não absorverão menos de dezanos; ora, os trabalhos da Sociedade não deixam de to-mar muito tempo, quer para o preparo, quer para acoordenação e a passagem a limpo. Reclamam assidui-dade muitas vezes prejudicial às minhas ocupações pés-

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soais, pois que se torna indispensável a iniciativa quaseexclusiva que me tendes deixado. É a esse motivo, meussenhores, que eu devo o ter tantas vezes tomado a pala-vra, lamentando com frequência que os membros emi-nentemente esclarecidos que possuímos nos privassemdas suas luzes. Desde muito tempo alimentava o desejode demitir-me das minhas funções: manifestei-o de modomuito explícito em diversas ocasiões, quer aqui, quer emparticular a muitos dos meus colegas, e especialmente aoSr. Ledoyen. Tê-lo-ia feito mais cedo, se não fora otemor de produzir uma perturbação na Sociedade. Reti-rando-me no meado do ano, poderiam acreditar em umadeserção, e era preciso não dar esse prazer aos nossosadversários. Desempenhei, portanto, a minha tarefa atéao fim; hoje, porém, que esses motivos cessaram, apres-so-me em vos dar parte da minha resolução, para nãoembaraçar a escolha que fareis. É justo que cada umtenha a sua parte nos encargos e nas honras."

Apressemo-nos a acrescentar que essa demissão nãofoi aceita e que Allan Kardec foi reeleito por unanimi-dade, menos um voto e uma cédula em branco. Diantedesse testemunho de simpatia, ele se submeteu e se con-servou em suas funções.

Em setembro de 1860, Allan Kardec fez uma via-gem de propaganda à nossa região, e eis aqui como aela fez referência na Sociedade Parisiense de EstudosEspíritas:

"O Sr. Allan Kardec dá conta do resultado da via-gem que acaba de fazer, no interesse do Espiritismo, efelicita-se pela cordialidade do acolhimento que por todaparte encontrou, especialmente em Sens, Mácon, Lião eSaint-Etienne. Observou, em todo lugar em que se de-morou, os progressos consideráveis da doutrina; mas oque sobretudo é digno de nota, é que em parte algumaviu que dela se fizesse um divertimento, mas, que, aocontrário, dela se ocupam de modo sério, e que por todaparte lhe compreendem o alcance e as consequênciasfuturas. Há, sem dúvida, muitos adversários, sendo osmais encarniçados os inimigos interessados, mas os mo-te j adores diminuem sensivelmente; vendo que os seus

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sarcasmos não colocam do seu lado os gracej adores, eque auxiliam mais do que impedem o progresso dasnovas crenças, começam a compreender que nada ga-nham com isso e que consomem o seu espírito em puraperda, e assim se calam. Uma frase muito característicaparece ser em toda parte a ordem do dia, e é esta:o Espiritismo está no ar; só por si desenha ela o estadodas coisas. Mas, é sobretudo em Lião que são maisnotáveis os resultados. Os espíritas são, aí, numerososem todas as classes, e na classe operária contam-se porcentenas. A Doutrina Espírita tem exercido sobre osoperários a mais salutar influência, sob o ponto de vistada ordem, da moral e das ideias religiosas; em resumo,a propagação do Espiritismo marcha com a mais anima-dora celeridade."

No decurso dessa viagem, Allan Kardec pronunciouum discurso magistral, no banquete realizado a 19 desetembro de 1860, do qual eis aqui algumas passagens,próprias a nos interessar, a nós que aspiramos a substi-tuir dignamente esses trabalhadores da primeira hora:

"A primeira coisa que me impressionou foi o nú-mero de adeptos; eu sabia perfeitamente que Lião oscontava em grande escala, mas estava longe de imaginarque o número fosse tão considerável, porque é por cen-tenas que eles se contam, e, em pouco tempo — eu oespero —, já se não poderão contar mais.

"Se, porém, Lião se distingue pelo número, não ofaz menos pela qualidade, o que ainda vale mais. Portoda parte não encontrei senão espíritas sinceros, com-preendendo a doutrina sob seu verdadeiro ponto de vista.Há, meus senhores, três categorias de adeptos: uns quese limitam a crer na realidade das manifestações e queprocuram, antes de tudo, os fenómenos; o Espiritismo ésimplesmente para eles uma série de fatos mais ou menosinteressantes. Os segundos vêem outra coisa nele alémdos fatos, compreendem o seu alcance filosófico, admi-ram a moral que deles decorre, mas não a praticam;para eles, a caridade cristã é uma bela máxima, e nadamais. Os terceiros, finalmente, não se contentam deadmirar a moral: praticam-na e aceitam-lhe as conse-

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quências. Bem convencidos de que a existência terrestreé uma prova passageira, esforçam-se por aproveitar essescurtos instantes, para marchar na senda do progressoque lhes traçam os Espíritos, empenhando-se em fazero bem e em reprimir as suas más inclinações; as suasrelações são sempre seguras, porque as suas convicçõesos afastam de todo pensamento do mal; a caridade é,em toda ocasião, a regra da sua conduta: são esses osverdadeiros espíritas, ou, melhor, os espiritas-cristãos.

"Pois bem, meus senhores, eu vo-lo digo com satisfa-ção: ainda não encontrei, aí, nenhum adepto da primeiracategoria; em parte alguma vi que se ocupassem do Es-piritismo por mera curiosidade, com frívolos intuitos; portoda parte o fim é grave, as intenções são sérias; e, a crerno que me dizem, há muitos da terceira categoria. Honra,pois, aos espíritas lioneses, por terem, assim, entradolargamente nessa senda progressista, sem a qual o Espi-ritismo não teria objetivo. Este exemplo não será per-dido, terá suas consequências, e não é sem razão — euo vejo — que os Espíritos me responderam noutro dia,por um dos vossos médiuns mais dedicados, posto quedos mais obscuros, quando eu lhes exprimia a minhasurpresa: "Por que te admiras disso? Lião foi a cidadedos mártires; a fé aí é vivaz; ela fornecerá apóstolos aoEspiritismo. Se Paris é a cabeça, Lião será o coração."

Essa opinião de Allan Kardec, sobre os espíritaslioneses de sua época, é para nós uma grande honra,mas deve ser também uma regra de conduta. Devemosesforçar-nos por merecer esses elogios, aprofundandopor nossa vez as lições do mestre e, sobretudo, confor-mando com elas o nosso proceder. Noblesse oblige, dizum adágio; saibamo-nos recordar sempre disso e con-servar alto e firme o estandarte do Espiritismo.

Mas, Allan Kardec não se contentava em atirarflores sobre nossos companheiros; dava-lhes, sobretudo,sábios conselhos, sobre os quais, por nossa vez, devere-mos meditar.

"Vindo dos Espíritos o ensino, os diferentes grupos,tanto como os indivíduos, se acham sob a influência decertos Espíritos que presidem aos seus trabalhos, ou

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os dirigem moralmente. Se esses Espíritos não se achamde acordo, a questão está em saber qual é o que merecemaior confiança; será, evidentemente, aquele cuja teorianão pode provocar nenhuma objeção séria, em uma pala-vra, aquele que, em todos os pontos, dá maior númerode provas de superioridade. Se tudo nesse ensino ébom, racional, pouco importa o nome que toma o Espí-rito; e a esse respeito a questão de identidade é inteira-mente secundária. Se, sob um nome respeitável, o ensinopeca pelas qualidades essenciais, podeis imediatamenteconcluir que é um nome apócrifo e que é um Espíritoimpostor ou galhofeiro. Regra geral: o nome nunca éuma garantia; a única, a verdadeira garantia de supe-rioridade é o pensamento e a maneira por que é eleexpresso. Os Espíritos enganadores tudo podem imitar,tudo, exceto o verdadeiro saber e o verdadeiro senti-mento.

"Acontece muitas vezes que, para fazer adotar cer-tas utopias, alguns Espíritos lazem alarde de um falsosaber e pensam impô-las, escolhendo no arsenal daspalavras técnicas tudo o que pode fascinar aquele queé facilmente crédulo. Eles têm, ainda, um meio maiscerto: é afetar as exterioridades da virtude; com o auxí-lio das grandes palavras — caridade, fraternidade, hu-mildade — esperam fazer passar os mais grosseirosabsurdos e é o que acontece muitas vezes, quando senão está precavido. É preciso, pois, evitar o deixar-seseduzir pelas aparências, tanto da parte dos Espíritos,quanto da dos homens; ora, eu o confesso, aí está umadas maiores dificuldades; mas, nunca se disse que oEspiritismo fosse uma ciência fácil; tem seus escolhosque se não podem evitar senão pela experiência. Paraescapar à cilada, é preciso, antes de tudo, fugir aoentusiasmo que cega, ao orgulho que leva certos médiunsa acreditarem-se os únicos intérpretes da verdade; é pre-ciso que tudo seja friamente examinado, maduramentepesado, confrontadp, e, se desconfiamos do próprio jul-gamento, o que é muitas vezes mais prudente, é precisorecorrer a outras pessoas, segundo o provérbio: quequatro olhos vêem melhor do que dois. Só um falso

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amor-próprio ou uma obsessão podem fazer persistirem uma ideia notoriamente falsa e que o bom-senso decada um repele."

Eis os conselhos tão sábios e tão práticos dados poraquele que quiseram fazer passar por um entusiasta,um místico, um alucinado; e essa regra de conduta, esta-belecida no começo, ainda não foi invalidada, nem pelaobservação, nem pelos acontecimentos; é sempre a ve-reda mais segura, mais prudente, a única a seguir poraqueles que se querem ocupar do Espiritismo.

Allan Kardec trabalhava, então, em O Livro dos Mé-diuns, que apareceu na primeira quinzena de janeiro de1861, editado pelos Srs. Didier & Cia., livreiros-editores.O mestre expõe a sua razão de ser nos seguintes termos,na Revista Espírita:

"Procuramos neste trabalho, fruto de longa expe-riência e de laboriosos estudos, esclarecer todas as ques-tões que se prendem à prática das manifestações; elecontém, de acordo com os Espíritos, a explicação teóricados diversos fenómenos e condições em que eles se podemproduzir; mas a parte concernente ao desenvolvimento eao exercício da mediunidade foi, sobretudo, de nossaparte, objeto de atenção toda especial.

"O Espiritismo experimental está cercado de muitomais dificuldades do que se acredita geralmente, e osescolhos, que aí se encontram, são numerosos; é o queproduz tanta decepção aos que dele se ocupam sem tera experiência e os conhecimentos necessários. O nossofim foi acautelar os investigadores contra tais dificulda-des, nem sempre isentas de inconveniente para quemquer que se aventure, com imprudência, por esse novoterreno. Não podíamos desprezar um ponto tão capital,e o tratamos com cuidado igual à sua importância."

O Livro dos Médiuns é, ainda, o vade-mécum dequantos se querem entregar com proveito à prática doEspiritismo experimental; nada apareceu de melhor nemde mais completo nessa ordem de ideias. É ainda o

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amor-próprio ou uma obsessão podem fazer persistirem uma ideia notoriamente falsa e que o bom-senso decada um repele."

Eis os conselhos tão sábios e tão práticos dados poraquele que quiseram fazer passar por um entusiasta,um místico, um alucinado; e essa regra de conduta, esta-belecida no começo, ainda não foi invalidada, nem pelaobservação, nem pelos acontecimentos; é sempre a ve-reda mais segura, mais prudente, a única a seguir poraqueles que se querem ocupar do Espiritismo.

Allan Kardec trabalhava, então, em O Livro dos Mé-diuns, que apareceu na primeira quinzena de janeiro de1861, editado pelos Srs. Didier & Cia., livreiros-editores.O mestre expõe a sua razão de ser nos seguintes termos,na Revista Espírita:

"Procuramos neste trabalho, fruto de longa expe-riência e de laboriosos estudos, esclarecer todas as ques-tões que se prendem à prática das manifestações; elecontém, de acordo com os Espíritos, a explicação teóricados diversos fenómenos e condições em que eles se podemproduzir; mas a parte concernente ao desenvolvimento eao exercício da mediunidade foi, sobretudo, de nossaparte, objeto de atenção toda especial.

"O Espiritismo experimental está cercado de muitomais dificuldades do que se acredita geralmente, e osescolhos, que aí se encontram, são numerosos; é o queproduz tanta decepção aos que dele se ocupam sem tera experiência e os conhecimentos necessários. O nossofim foi acautelar os investigadores contra tais dificulda-des, nem sempre isentas de inconveniente para quemquer que se aventure, com imprudência, por esse novoterreno. Não podíamos desprezar um ponto tão capital,e o tratamos com cuidado igual à sua importância."

O Livro dos Médiuns é, ainda, o vade-mécum dequantos se querem entregar com proveito à prática doEspiritismo experimental; nada apareceu de melhor nemde mais completo nessa ordem de ideias. É ainda o

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mais seguro guia de que nos podemos servir para explo-rar, sem perigo, o terreno da mediunidade.

No ano de 1861, Allan Kardec fez uma nova viagemespírita a Sens, Mácon e Lião, e verificou que em nossacidade o Espiritismo atingira a maioridade.

"Com efeito, não é mais por centenas, diz ele, queaí se contam os espíritas, como há um ano; é por milha-res, ou, para melhor dizer, já se não contam, e pode-secalcular que, seguindo a mesma progressão, dentro deum ano ou dois eles serão mais de trinta mil. O Espi-ritismo, aí, tem feito adeptos em todas as classes, masé sobretudo na classe operária que se tem propagadocom maior rapidez, e isso não é de admirar: sendo essaclasse a que mais sofre, volta-se para o lado que lheoferece maior consolação. Se aqueles que clamam contrao Espiritismo lhe oferecessem outro tanto, essa classese voltaria para eles; mas, ao contrário, querem tirar--Ihe exatamente aquilo que a ajuda a carregar o seufardo de miséria. E isto tem sido o meio mais segurode perderem as suas simpatias e fazê-la engrossar asnossas fileiras. O que vimos com os nossos própriosolhos é de tal modo característico e encerra ensino tãogrande, que acreditamos dever consagrar aos operáriosa maior parte do nosso relatório.

"No ano passado, só havia um único centro dereunião, o dos Brotteaux, dirigido por Dijoux, chefe deoficina, e sua mulher; depois, formaram-se outros emdiferentes pontos da cidade: em Guillotière, em Perra-che, em Croix-Rousse, em Vaise, em Saint-Just, etc., semcontar grande número de reuniões particulares. Então,havia apenas dois ou três médiuns neófitos; hoje os háem todos os grupos e muitos são de primeira ordem; emum só grupo vimos cinco escreverem simultaneamente.Vimos, igualmente, um rapaz muito bom médium viden-te, no qual pudemos verificar essa faculdade desenvol-vida no mais alto grau.

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- i "Sem dúvida, muito é para desejar que se multipli-quem os adeptos, mas o que mais vale ainda do que onúmero é a qualidade. Pois bem, declaramo-lo bem alto:não vimos, em parte alguma, reuniões espíritas maisedificantes do que as dos operários lioneses, quanto àordem, ao recolhimento e à atenção que prestam àsinstruções dos seus guias espirituais; há homens, velhos,senhoras, jovens, crianças mesmo, cuja atitude respei-tosa contrasta com a sua idade; jamais uma única crian-ça perturbou por instantes o silêncio das nossas reuniões,muitas vezes longas; pareciam quase tão ávidas quantoseus pais, em recolher as nossas palavras.

"Mas, isto não é tudo: o número das metamorfosesmorais é, entre os operários, quase tão grande quanto odos adeptos: hábitos viciosos reformados, paixões acal-madas, ódios apaziguados, lares tornados tranquilos, emuma palavra, as mais legítimas virtudes cristãs desen-volvidas, e isso pela confiança, de agora em diante inaba-lável, que lhes dão as comunicações espíritas, no futuroem que não acreditavam; é uma felicidade para elesassistirem a essas instruções, de que saem reconfortadoscontra a adversidade; muitos chegam a galgar mais deuma légua, sob qualquer tempo, inverno ou verão, tudoarrostando para não faltarem a uma sessão; é que nelesnão há a fé vulgar, mas a baseada sobre uma convicçãoprofunda, raciocinada e não, cega."

Por ocasião dessa viagem, um banquete novamentereuniu sob a presidência de Allan Kardec os membrosda grande família espírita lionesa. No dia 19 de setem-bro de 1860 os convivas eram apenas uns trinta; a 19de setembro de 1861 o número era de cento e sessenta,"representando os diferentes grupos, que se consideramtodos como membros de uma grande família, entre osquais não existe sombra de ciúme e de rivalidade, o que— diz o Mestre —, temos, de passagem, grande satisfaçãoem registrar. A maioria dos assistentes era compostade operários e toda gente notou a perfeita ordem quenão cessou de reinar um só instante. É que os verda-deiros espíritas põem sua satisfação nas alegrias docoração e não nos prazeres ruidosos".

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A 14 de outubro do mesmo ano encontramos AllanKardec em Bordéus, onde, como em todas as cidadespor que passava, semeava a boa-nova e fazia germinara fé no futuro.

Além das viagens e dos trabalhos de Allan Kardec,esse ano de 1861 permanecerá memorável nos anais doEspiritismo por um fato de tal modo monstruoso quequase parece incrível. Refiro-me ao auto-de-fé levadoa efeito em Barcelona, e em que foram queimadas pelafogueira dos inquisidores trezentas obras espíritas.

O Sr. Maurício Lachâtre estava nessa época esta-belecido corno livreiro, em Barcelona, em relações e emcomunhão de ideias com Allan Kardec. Assim, pediu aeste que lhe enviasse certo número de obras espíritas,para as expor à venda e fazer propaganda da nova fi-losofia.

Essas obras, em número de trezentas aproximada-mente, foram expedidas nas condições ordinárias, comuma declaração em ordem do conteúdo das caixas. Àsua chegada à Espanha, foram os direitos da alfândegacobrados ao destinatário e arrecadados pelos agentes dogoverno espanhol; mas a entrega das caixas não se fez:o bispo de Barcelona, tendo julgado esses livros perni-ciosos à fé católica, fez confiscar a expedição pelo Santo--Ofício.

Uma vez que não queriam entregar essas obras aodestinatário, Allan Kardec reclamou a sua devolução;mas a sua reclamação foi de nulo efeito, e o bispo deBarcelona, erigindo-se em policiador da França, funda-mentou a sua recusa com a seguinte resposta: "A IgrejaCatólica é universal, e sendo esses livros contrários à fécatólica, o governo não pode consentir que eles passema perverter a moral e a religião de outros países."

E não somente esses livros não foram restituídos,mas também os direitos aduaneiros ficaram em poderdo fisco espanhol. Allan Kardec poderia promover umaação diplomática e obrigar o governo espanhol a efetuaro retorno das obras. Os Espíritos, porém, o dissuadiramdisso, dizendo que era preferível para a propaganda doEspiritismo deixar essa ignomínia seguir o seu curso.

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Renovando os fastos e as fogueiras da Idade Média,o bispo de Barcelona fez queimar em praça pública, pelamão do carrasco, as obras incriminadas.

Eis aqui, a título de documento histórico, o pro-cesso verbal dessa infâmia clerical:

"Aos nove dias de outubro de mil oitocentos e ses-senta e um, às dez horas e meia da manhã, na esplanadada cidade de Barcelona, no lugar em que são executadosos criminosos condenados à pena última, por ordem dobispo desta cidade foram queimados trezentos volumes ebrochuras sobre o Espiritismo, a saber:

"A Revista Espirita, diretor Allan Kardec;"A Revista Espiritualista, diretor Piérart;"O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec;"O Livro dos Médiuns, pelo mesmo;"O que é o Espiritismo, pelo mesmo;"Fragmento de Sonata, ditado pelo Espírito de Mozart;"Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Dou-

tor Grand;"A História de Joana d'Arc, por ela mesma ditada

a Mlle. Ermance Dufaux;"A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita

direta, pelo Barão de Guldenstubbé."Assistiram ao auto-de-fé:"Um padre revestido de hábitos sacerdotais, tra-

zendo em uma das mãos a cruz e, na outra, uma tocha;"Um tabelião encarregado de redigir o processo ver-

bal do auto-de-fé;"O escrevente do tabelião;"Um empregado superior da administração das al-

fândegas ;"Três mozos (serventes) da alfândega, encarrega-

dos de alimentar o fogo;"Um agente da alfândega, representando o proprie-

tário das obras condenadas pelo bispo;"Uma multidão incalculável aglomerava-se nos pas-

seios e cobria a esplanada em que ardia a fogueira."Quando o fogo consumiu os trezentos volumes e

brochuras espíritas, o padre e os seus ajudantes se reti-

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36 BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC

raram cobertos pelos apupos e as maldições dos nume-rosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição!

"Em seguida muitas pessoas se acercaram da fo-gueira e apanharam cinzas."

Seria diminuir o horror de tais atos, acompanhá-loscom a narrativa dos comentários; constatemos somenteque ao clarão dessa fogueira o Espiritismo tomou umincremento inesperado em toda a Espanha e, como ohaviam os Espíritos previsto, conquistou, aí, um númeroincalculável de adeptos. Só podemos, pois, como o fezAllan Kardec, alegrar-nos com o grande reclamo queesse ato odioso operou em íavor do Espiritismo. A pro-pósito, porém, da propaganda que nós mesmos devemosfazer da nossa filosofia, nunca deveremos esquecer estesconselhos do Mestre (Revista Espírita, 1863, pág. 367):

"O Espiritismo se dirige aos que não crêem ou queduvidam, e não aos que têm fé e a quem essa fé ésuficiente; ele não diz a ninguém que renuncie às suascrenças para adotar as nossas, e nisto é consequentecom os princípios de tolerância e de liberdade de cons-ciência que professa. Por esse motivo não poderíamosaprovar as tentativas feitas por certas pessoas paraconverter às nossas ideias o clero, de qualquer comunhãoque seja. Repetiremos, pois, a todos os espíritas: acolheicom solicitude os homens de boa-vontade; oferecei a luzaos que a procuram, porque com os que crêem não sereisbem sucedidos; não façais violência à fé de ninguém,muito mais quanto ao clero que aos seculares, porquesemeareis em campos áridos; ponde a luz em evidência,para que a vejam os que quiserem ver; mostrai os frutosda árvore e deles dai de Comer aos que têm fome e nãoaos que se dizem saciados."

Estes conselhos, como todos os de Allan Kardec,são claros, simples e sobretudo práticos; cumpre quedeles nos recordemos e os aproveitemos oportunamente.

O ano de 1862 foi fértil em trabalhos favoráveisà difusão do Espiritismo. No dia 15 de janeiro apareceu

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a pequenina e excelente brochura de propaganda: O Es-piritismo em sua mais simples expressão. "O fim destapublicação, diz Allan Kardec, é apresentar, em quadromuito resumido, um histórico do Espiritismo e uma ideiasuficiente da doutrina dos Espíritos, para permitir sercompreendido o seu fim moral e filosófico. Pela clarezae simplicidade do estilo, procuramos pô-lo ao alcancede todas as inteligências. Contamos com o zelo de todosos verdadeiros espíritas, para que lhe auxiliem a propa-gação." — Este apelo foi ouvido, porque a pequena bro-chura se espalhou em profusão, devendo muitos a esseexcelente trabalho o terem compreendido o fim e o al-cance do Espiritismo.

Tendo os nossos predecessores no Espiritismo trans-mitido a Allan Kardec, por ocasião do Ano-Novo, a ex-pressão dos seus sentimentos de gratidão, eis aqui comorespondeu o Mestre a esse testemunho de simpatia:

"Meus caros irmãos e amigos de Lião:

"A manifestação coletiva que tivestes a bondade detransmitir-me, por ocasião do ano-novo, produziu-me vi-víssima satisfação, provando-me que conservastes de mímuma boa recordação; mas, o que me causou maior pra-zer, nesse ato espontâneo de vossa parte, foi encontrar,entre as numerosas assinaturas que nele figuram, repre-sentantes de quase todos os grupos, porque é um sinalda harmonia que reina entre eles. Sou feliz por ver quecompreendestes perfeitamente o fim dessa organização,cujos resultados desde já podeis apreciar, porque deveser agora evidente para vós que uma sociedade únicaseria quase impossível.

"Agradeço, meus bons amigos, os votos que fazeispor mim; eles me são tanto mais agradáveis quanto seique partem do coração, e são os que Deus atende. Ficai,pois, satisfeitos, porque Ele os ouve todos os dias, pro-porcionando-me a extraordinária satisfação no estabe-lecimento de uma nova doutrina, de ver aquela a queme tenho dedicado engrandecer e prosperar, em minha

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vida, com uma rapidez maravilhosa; considero um grandefavor do céu ser testemunha do bem que ela já produz.

"Esta certeza, de que recebo diariamente os maistocantes testemunhos, me paga com usura todos os meussofrimentos, todas as minhas fadigas; não peço a Deussenão uma graça, e é a de dar-me a força física neces-sária para ir até ao fim da minha tarefa, que longe seencontra de estar concluída; mas, como quer que suceda,possuirei sempre a maior consolação, pela certeza de quea semente das ideias novas, espalhada agora por todaparte, é imperecível; mais feliz que muitos outros, quenão trabalharam senão para o futuro, é-me permitidocontemplar os primeiros frutos.

"Se alguma coisa lamento, é que a exiguidade dosmeus recursos pessoais me não permita pôr em execuçãoos planos que concebi para um avanço ainda mais rápi-do; se Deus, porém, em sua sabedoria, entendeu disporde modo diferente, legarei esses planos aos nossos suces-sores, que, sem dúvida, serão mais felizes. A despeitoda escassez dos recursos materiais, o movimento que seopera na opinião ultrapassou toda a expectativa; crede,meus irmãos, que nisso o vosso exemplo não terá sidosem influência. Recebei, portanto, as nossas felicitaçõespela maneira por que sabeis compreender e praticar aDoutrina.

"No ponto a que hoje chegaram as coisas, e tendoem vista a marcha do Espiritismo através dos obstáculossemeados em seu caminho, pode dizer-se que as princi-pais dificuldades estão superadas; ele conquistou o seulugar e está assente sobre bases que de ora em diantedesafiam os esforços dos seus adversários.

"Perguntam como uma doutrina, que torna feliz emelhor, pode ter inimigos; é natural; o estabelecimentodas melhores coisas choca sempre interesses, ao começar.Não tem acontecido assim com todas as invenções e des-cobertas que têm revolucionado a indústria? As que hoje;;ão consideradas como benefícios, sem as quais não sepoderia mais passar, não tiveram inimigos obstinados?Toda lei que reprime um abuso não tem contra si todosis que vivem dos abusos? Como quereríeis que uma

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doutrina que conduz ao reino da caridade efetiva nãofosse combatida por todos os que vivem no egoísmo? Esabeis que são eles numerosos na Terra!

"No começo contaram sepultá-la com a zombaria;hoje vêem que essa arma é impotente e que, sob o fogodos sarcasmos, ela prosseguiu o seu caminho sem tro-peçar. Não acrediteis que se confessem vencidos; não,o interesse material é tenaz. Reconhecendo que é umapotência com que é necessário de hoje em diante con-tar, vão dirigir-lhe assaltos mais sérios, mas que sóservirão para melhor atestar a fraqueza deles. Uns aatacarão diretamente por palavras e atos, e a persegui-rão até na pessoa dos seus adeptos, que eles se esfor-çarão por desalentar a poder de embaraços, enquantoque outros, secretamente e por caminhos disfarçados,procurarão miná-la surdamente.

"Ficai prevenidos de que a luta não está termi-nada; fui avisado de que eles vão tentar um supremoesforço. Não tenhais, porém, receio: o penhor da vitóriaestá nesta divisa, que é a de todos os verdadeiros espí-ritas: Fora da caridade não há salvação. Arvorai-a bemalto, porque ela é a cabeça de Medusa para os egoístas.

"A tática, posta já em prática pelos inimigos dosespíritas, mas que eles vão empregar com novo ardor,é tentar dividi-los criando sistemas divergentes e susci-tando entre eles a desconfiança e o ciúme. Não vosdeixeis cair no laço, e tende como certo que quem querque procure um meio, qualquer que seja, para quebrara boa harmonia, não pode ter boa intenção, É por issoque vos recomendo useis da maior circunspeção na for-mação dos vossos grupos, não somente para vossa tran-quilidade, como no próprio interesse dos vossos labores.

"A natureza dos trabalhos espíritas exige calma erecolhimento. Ora, não há recolhimento possível se seestá preocupado com discussões e com a manifestaçãode sentimentos malévolos. Não haverá sentimentos ma-lévolos se houver fraternidade; não pode, porém, haverfraternidade em egoístas, ambiciosos e orgulhosos. Entreorgulhosos, que se suscetibilizam e ofendem por tudo,ambiciosos que se sentirão mortificados se não tiverem

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a supremacia, egoístas que não pensam senão em si, acizânia não pode tardar a introduzir-se, e com ela a dis-solução. É o que desejariam os nossos inimigos, e é oque eles procuram fazer.

"Se um grupo quer estar em condições de ordem,de tranquilidade e de estabilidade, é preciso que nelereine o sentimento fraternal. Todo grupo ou sociedadeque se formar, sem ter caridade efetiva por base, nãotem vitalidade; enquanto que aqueles que forem funda-dos de acordo com o verdadeiro espírito da doutrinaolhar-se-ão como membros de uma mesma família que,não sendo possível habitarem todos sob o mesmo teto,moram em lugares diferentes. A rivalidade entre elesseria um contra-senso; ela não poderia existir onde reinaa verdadeira caridade, porque a caridade não se podeentender de duas maneiras.

"Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita na práticada caridade por pensamentos, palavras e obras, e per-suadi-vos de quem quer que nutra em sua alma senti-mentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja oude ciúme, mente a si próprio se tem a pretensão decompreender e praticar o Espiritismo.

"O egoísmo e o orgulho matam as sociedades parti-culares, como matam os povos e a sociedade em geral..."

Tudo mereceria citação nestes conselhos, tão justosquão práticos; mas é preciso que nos limitemos, emrazão do tempo de que podemos dispor.

*

A pedido dos espíritas de Lião e de Bordéus, AllanKardec fez, em setembro e outubro, uma longa viagemde propaganda semeando por toda parte a boa-nova eprodigalizando conselhos, mas somente aos que lhos pe-diam; o convite feito pelos grupos lioneses estava subs-crito por quinhentas assinaturas. Uma publicação espe-cial deu conta dessa viagem de mais de seis semanas,durante a qual o Mestre presidiu a mais de cinquentareuniões em vinte cidades, onde por toda parte foi alvo

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do mais cordial acolhimento e se sentiu feliz por verificaros imensos progressos do Espiritismo.

A respeito das viagens de Allan Kardec, como certasinfluências hostis houvessem espalhado o boato de queeram feitas a expensas da Sociedade Parisiense de Es-tudos Espiritas, sobre cujo orçamento igualmente elesacava de antemão todos os seus gastos de correspon-dência e de manutenção, o Mestre rebateu, assim, essafalsidade:

"Muitas pessoas, sobretudo na província, pensaramque as despesas dessas viagens oneravam a Sociedadede Paris; tivemos que desfazer esse erro quando se ofe-receu a ocasião; aos que ainda o pudessem partilhar,recordaremos o que afirmamos houtra circunstância (nú-mero de junho de 1862, página 167, Revista Espírita),que a Sociedade se limita a prover às suas despesascorrentes e não possui reservas; para que pudesse acumu-lar capital, ser-lhe-ia preciso que tivesse em mira o nú-mero; e isto é o que ela não faz nem quer fazer, porqueo seu fim não é a especulação e porque o número nadaacrescenta à importância dos trabalhos. Sua influência étoda moral e está no caráter de suas reuniões, que dãoaos estranhos a ideia de uma assembleia grave e séria; aíestá o seu mais poderoso meio de propaganda. Ela, pois,não poderia prover tal despesa. Os gastos de viagem,como todos os que as nossas relações reclamam para oEspiritismo, são tirados dos nossos recursos pessoaise das nossas economias, aumentadas com o produto dasnossas obras, sem o qual nos seria impossível prover atodos os encargos, que são para nós a consequência daobra que empreendemos. Isto é dito sem vaidade e uni-camente para render homenagem à verdade, e para edifi-cação daqueles aos quais se afigura que nós capitali-zamos."

Em 1862 Allan Kardec fez também aparecer umaRefutação às criticas contra o Espiritismo (*), no pontode vista do materialismo, da ciência e da religião.

( » ) Allan Kardec, no livro "Voyage Spirite en 1862" (Le-doyen, Paris, 1862, gr.in-8», 64 pp.), revela ter desistido da ideia

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Em abril de 1864 publicou a Imitação do Evange-lho segundo o Espiritismo, com a explicação das máxi-mas morais do Cristo, sua aplicação e sua concordânciacom o Espiritismo. O título dessa obra foi depois modi-ficado, e é hoje O Evangelho segundo o Espiritismo.

Aproveitando-se da época das férias, Allan Kardecfez em setembro de 1864 uma viagem a Antuérpia e aBruxelas. Expondo aos espíritas belgas o seu modo dever acerca dos grupos e sociedades espíritas, recorda oque já havia dito em Lião, em 1861: "Vale mais, por-tanto, haver em uma cidade cem grupos de dez a vinteadeptos, em que nenhum se arrogue a supremacia sobreos outros, do que uma única sociedade que a todos reu-nisse. Esse f racionamento em nada pode prejudicar aunidade dos princípios, desde que a bandeira é uma sóe que todos se dirigem para um mesmo fim."

As sociedades numerosas têm sua razão de ser sobo ponto de vista da propaganda; mas, quanto aos estu-dos sérios e continuados, é preferível constituírem-segrupos íntimos.

No dia 1.° de agosto de 1865, Allan Kardec fez apa-recer uma nova obra — O Céu e o Inferno ou a JustiçaDivina segundo o Espiritismo, na qual são mencionadosnumerosos exemplos da situação dos Espíritos, no mundoespiritual e na Terra, e as razões que motivaram essasituação.

Os admiráveis êxitos do Espiritismo, seu desenvol-vimento quase incrível, criaram-lhe inúmeros inimigose, à proporção que ele se foi engrandecendo, aumen-tou, também, a tarefa de Allan Kardec. O Mestre pos-suía uma vontade de ferro, um poder de combatividadeextraordinários; era um trabalhador infatigável; de pé,em qualquer estação, desde às 4 horas e meia, respondiaa tudo, às polémicas veementes dirigidas contra o Espi-ritismo, contra ele próprio, às numerosas correspondên-

de publicar o opúsculo que anunciara um ano antes (Revu«Splrlte, 1861, dez., p. 371) e que seria intitulado "Réfutation dêscritiques contre lê Spiritisme au point de vue matérialiste, sclen-tifique et religieux". Nota da Editora (FEB) à 16» edição, em 1975.

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cias que lhe eram dirigidas; atendia à direção da RevistaEspírita e da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas,à organização do Espiritismo e ao preparo das suasobras.

Esse excesso físico e intelectual esgotou-lhe o orga-nismo, e repetidas vezes os Espíritos precisam chamá-loà ordem, a firn de obrigá-lo a poupar a saúde. Ele,porém, sabe que não deve durar mais que uns dez anosainda: numerosas comunicações o preveniram desse ter-mo e lhe anunciaram mesmo que a sua tarefa não seriaconcluída senão em nova existência, que sucederia abreve trecho à sua próxima desencarnação; por isso elenão quer perder ocasião alguma de dar ao Espiritismotudo o que pode, em força e vitalidade.

Em 1867 faz uma curta viagem a Bordéus, Tourse Orleans; em seguida põe novamente mãos à obra, parapublicar, em janeiro de 1868, A Génese, os milagres eas predições segundo o Espiritismo. É das mais impor-tantes esta obra, porque constitui, sob o ponto de vistacientífico, a síntese dos quatro primeiros volumes jápublicados.

Allan Kardec ocupa-se, em seguida, de um projetode organização do Espiritismo, por meio do qual esperaimprimir mais vigor, mais ação à filosofia de que se fezapóstolo, procurando desenvolver-lhe o lado prático e fa-zer-lhe produzir seus frutos. O objeto constante dassuas preocupações é saber quem o substituirá em suaobra, porque sente que o desenlace está próximo; e aconstituição que elabora tem precisamente por fim pro-ver às necessidades futuras da Doutrina Espírita.

Desde os primeiros anos do Espiritismo, Allan Kar-dec havia comprado, com o produto das suas obraspedagógicas, 2.666 metros quadrados de terreno na ave-nida Ségur, atrás dos Inválidos. Tendo essa compraesgotado os seus recursos, ele contraiu com o CréditFoncier um empréstimo de 50.000 francos para fazerconstruir nesse terreno seis pequenas casas, com jar-dim; alimentava a doce esperança de recolher-se a umadelas, na Vila Ségur, e torná-la-ia depois da sua morte

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asilo a que se pudessem recolher na velhice os defen-sores indigentes do Espiritismo.

Em 1869 a Sociedade Espírita era reconstituída etornada sociedade anónima, com o capital de 40.000francos, dividido em quarenta ações, para a exploraçãoda livraria, da Revista Espírita e das obras de AllanKardec. A nova sociedade devia instalar-se no dia 1.° deabril, à rua de Lille n.° 7.

Allan Kardec, cujo contrato de arrendamento napassagem SanfAna estava quase a terminar, contavaretirar-se para a Vila Ségur, a fim de trabalhar maisativamente nas obras que lhe restava fazer e cujoplano e documentos se achavam já reunidos. Estava,pois, em todos os preparativos de mudança de domi-cílio, quando a 31 de março a doença de coração que ominava surdamente pôs termo à sua robusta constitui-ção e, como um raio, o arrebatou à afeição dos seusdiscípulos. Essa perda foi imensa para o Espiritismo,que via desaparecer o seu fundador e mais poderosopropagandista, e lançou em profunda consternação todosos que o haviam conhecido e amado.

Hippolyte-Léon-Denizard Rivail — Allan Kardec —faleceu em Paris, rua e passagem SanfAna, 59, 2.a cir-cunscrição e mairie de Ia Banque, em 31 de março de 1869,na idade de 65 anos, sucumbindo da ruptura de um aneu-risma.

Unânimes sentimentos acolheram a dolorosa notícia,e numerosíssima concorrência acompanhou ao Père La-chaise(*), sua derradeira morada, os despojos mortaisdaquele que fora Allan Kardec, daquele que, através dostempos, brilhará como um meteoro fulgurante na aurorado Espiritismo.

Quatro orações foram proferidas à beira do túmulodo Mestre: a primeira, pelo Sr. Levent, em nome daSociedade Espírita de Paris; a segunda, pelo Sr. CamiloFlammarion, que não fez somente um esboço do caráterde Allan Kardec e do papel que cabe aos seus trabalhos

(*) Ver "Reformador" de abril de 1957, pág. 93.

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no movimento contemporâneo, mas ainda, e sobretudo,um exame da situação das ciências físicas, no pontode vista do mundo invisível, das forças naturais desco-nhecidas, da existência da alma e da sua indestrutibili-dade. Em seguida, tomou a palavra o Sr. AlexandreDelanne, em nome dos espíritas dos centros afastados; e,depois, o Sr. E. Muller, em nome da família e dos seusamigos, dirigiu ao morto querido os últimos adeuses.

A senhora Allan Kardec tinha 74 anos por ocasiãoda morte de seu esposo. Sobreviveu-lhe até 1883, anoem que, a 21 de janeiro, se extinguiu, na idade de 89anos, sem herdeiros diretos.

Erraria quem acreditasse que, em virtude dos seustrabalhos, Allan Kardec devia ser uma personagem sem-pre fria e austera. Não era, entretanto, assim. Essegrave filósofo, depois de haver discutido pontos maisdifíceis da psicologia e da metafísica transcendental,mostrava-se expansivo, esforçando-se por distrair osconvidados que ele frequentemente recebia na Vila Sé-gur; conservando-se sempre digno e sóbrio em suasexpressões, sabia adubá-las com o nosso velho sal gaulêsem rasgos de causticante e afetuosa bonomia. Gostava derir com esse belo riso franco, largo e comunicativo, epossuía um talento todo particular em fazer os outrospartilharem do seu bom-humor.

Todos os jornais da época se ocuparam da mortede Allan Kardec e procuraram medir-lhe as consequên-cias. Eis aqui, a título de lembrança, o que a esse res-peito escrevia o Sr. Pagès de Noyez, no Journal de Paris,de 3 de abril de 1869:

"Aquele que por tão longo tempo ocupou o mundocientífico e religioso sob o pseudónimo de Allan Kardec,chamava-se Rivail e morreu na idade de 65 anos.

"Vimo-lo deitado num simples colchão, no meio dasala das sessões a que há tantos anos ele presidia; vi-mo-lo com o semblante calmo como se extinguem aque-les a quem a morte não surpreende e que, tranquilosquanto ao resultado de uma vida honesta e laboriosa-mente preenchida, imprimem como que um reflexo dapureza de sua alma sobre o corpo que abandonaram.

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"Resignados pela fé em uma vida melhor, e pelaconvicção da imortalidade da alma, inúmeros discípulostinham vindo lançar um derradeiro olhar àqueles lábiosdescorados que, ainda na véspera, lhes falavam a lin-guagem da Terra. Mas eles recebiam, já a consolaçãode além-túmulo: o Espirito de Allan Kardec veio dizer--Ihes quais haviam sido as suas comoções, quais as suasprimeiras impressões, quais, dos que o haviam precedidono além-túmulo, tinham vindo ajudar-lhe a alma a des-prender-se da matéria. Se "o estilo é o homem", aque-les que conheceram Allan Kardec em vida não podemdeixar de ficar emocionados pela autenticidade dessacomunicação espírita.

"A morte de Allan Kardec é notável por uma coinci-dência estranha. A Sociedade fundada por esse grandevulgarizador do Espiritismo acabava de desaparecer.Abandonado o local, retirados os móveis, nada maisrestava de um passado que devia renascer sobre novasbases. No fim da última sessão, o presidente fizera assuas despedidas; preenchida a sua missão, retirava-seda luta cotidiana, para se consagrar inteiramente aoestudo da filosofia espiritualista. Outros, mais jovens— intrépidos — deveriam continuar a obra e, fortes porsua virilidade, impor a verdade por sua convicção.

"Para que referir os detalhes da morte? Que im-porta o modo por que se partiu o instrumento, e por queconsagrar uma linha a esses fragmentos de ora em dian-te mergulhados no turbilhão imenso das moléculas? AllanKardec morreu na sua hora própria. Com ele terminouo prólogo de uma religião vivaz, que, irradiando todosos dias, cedo terá iluminado toda a Humanidade. Nin-guém melhor que ele podia conduzir a bom termo essaobra de propaganda, à qual era necessário sacrificar aslongas vigílias que alimentam o espírito, a paciênciaque educa com o correr do tempo, a abnegação queafronta a estultícia do presente, para não ver senão airradiação do futuro.

"Allan Kardec terá, com suas obras, fundado odogma pressentido pelas mais antigas sociedades. Seunome, apreciado como o de um homem de bem, está há

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muito tempo vulgarizado pelos que crêem e pelos quereceiam. É difícil praticar o bem sem chocar os inte-resses estabelecidos. O Espiritismo destrói muitos abu-sos, reanima muitas consciências doloridas, dando-lhesa certeza da prova' e a consolação do futuro.

"Os espíritas choram hoje o amigo que os deixa,porque o nosso entendimento, por assim dizer, material,não se pode submeter a essa ideia de transição; pago,porém, o primeiro tributo a essa inferioridade do nossoorganismo, o pensador ergue a cabeça e através dessemundo invisível, que ele sente existir além do túmulo,estende a mão ao amigo, que já não existe, convencidode que o seu Espírito nos protege sempre.

"O presidente da Sociedade Espírita de Paris estámorto; mas o número de adeptos cresce todos os dias,e os corajosos, os quais pelo respeito ao Mestre se dei-xavam ficar no segundo plano, não hesitarão em se evi-denciarem, por bem da grande causa.

"Esta morte, que o vulgo deixará passar indife-rente, não deixa de ser, por isso, um grande fato para aHumanidade. Não é mais o sepulcro de um homem, é apedra tumular enchendo esse imenso vácuo que o materia-lismo cavara aos nossos pés e sobre o qual o Espiritismoesparge as flores da esperança."

Um ponto sobre o qual não atraí a vossa atenção,mas que devo assinalar, é a caridade verdadeiramentecristã de Allan Kardec; dele se pode dizer que a mãoesquerda ignorou sempre o bem que fazia a direita, eque esta ainda menos conheceu os botes que à outraatiravam aqueles para quem o reconhecimento é umfardo excessivamente pesado. Cartas anónimas, insul-tos, traições, difamações sistemáticas, nada foi poupadoa esse intrépido lutador, a essa alma grande e varonilque penetrou integralmente na imortalidade.

O despojo mortal de Allan Kardec repousa no PèreLachaise, em Paris, sob modesta lápide erigida pelapiedade dos seus discípulos; é ai que se reúnem todos osanos, desde 1869 (*) , os adeptos que têm guardado fideli-

(*) Ver "Reformador" de abril de 1957, pág, 93.

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dade à memória do Mestre e conservam preciosamenteno coração o culto da saudade.

E já que um sentimento análogo nos reúne hoje,repitamos bem alto, minhas senhoras, meus senhores:

Honra! Honra e glória a Allan Kardec! (*)

Henri Sausse.

(*) Conservamos no presente trabalho a forma de conferên-cia que lhe deu o autor, lendo-a por ocasião da solenidade comque os espíritas de Lião celebraram, a 31 de marco de 1896, o27« aniversário do decesso de Allan Kardec. — Nota do Tradutor.

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P R E Â M B U L O

As pessoas que só têm conhecimento superficial aoEspiritismo são, naturalmente, inclinadas a formular cer-tas questões, cuja solução podiam, sem dúvida, encontrarem um estudo mais aprofundado dele; porém, o tempoe, muitas vezes, a vontade lhes faltam para se entrega-rem a observações seguidas. Antes de empreenderem essatarefa, muitos desejam saber, pelo menos, do que se tratae se vale a pena ocupar-se com tal coisa. Por isso, acha-mos útil apresentar resumidamente as respostas a algu-mas das principais perguntas que nos são diariamentedirigidas; isto será, para o leitor, uma primeira inicia-ção, e, para nós, tempo ganho sobre o que tínhamos degastar a repetir constantemente a mesma coisa.

Sob a forma de diálogos, o primeiro capitulo destevolume encerra respostas às observações mais comumen-te feitas por aqueles que desconhecem os princípios fun-damentais da Doutrina e, bem assim, a refutação dosprincipais argumentos de seus contraditares. Esta formanos pareceu a mais conveniente, por não ter a aridez dadogmática.

No segundo capítulo, damos uma exposição sumáriadas partes da ciência prática e experimental, sobre asquais, na falta de uma instrução teórica completa, oobservador novato deve fixar a sua atenção para poderjulgar com conhecimento de causa; é, aproximadamente,um resumo de "O Livro dos Médiuns".

As objeções nascem, quase sempre, das ideias falsas,feitas, "a priori", sobre aquilo que se não conhece 'bem.

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Retificar essas ideias é prevenir as objecoes; tal é ofim deste pequeno trabalho.

No terceiro capítulo, publicamos um resumo ãe "OLivro dos Espíritos", com a solução, pela Doutrina Espí-rita, de certo número de problemas do mais alto interesse,de ordem psicológica, moral e filosófica, que diariamentesão propostos, e aos quais nenhuma filosofia deu aindaresposta satisfatória.

Procurem resolvê-los por qualquer outra teoria, sem achave que nos fornece o Espiritismo; comparem suasrespostas com as dadas por este, e digam quais são asmais lógicas, quais as que melhor satisfazem à razão.

Estes resumos não somente são úteis aos principian-tes, que neles poderão, em pouco tempo e com pouca des-pesa, beber as noções mais essenciais da Doutrina Espí-rita, senão, também, aos adeptos, pois lhes fornecem osmeios para responderem às primeiras óbjeções que nãodeixarão de lhes apresentar, e, além disso, por encon-trarem reunidos, em quadro restrito e sob um mesmoponto de vista, os princípios que devem sempre estarpresentes à sua memória.

Para responder, desde já e sumariamente, à perguntaformulada no titulo deste opúsculo, diremos que:

O ESPIRITISMO Ê, AO MESMO TEMPO, UMA CIÊN-CIA DE OBSERVAÇÃO E UMA DOUTRINA FILOSÓFICA.COMO CIÊNCIA PRATICA ELE CONSISTE NAS RELA-ÇÕES QUE SE ESTABELECEM ENTRE NÓS E OS ES-PÍRITOS; COMO FILOSOFIA, COMPREENDE TODAS ASCONSEQUÊNCIAS MORAIS QUE DIMANAM DESSASMESMAS RELAÇÕES.

Podemos defini-lo assim:O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza,

origem e destino dos Espíritos, bem como de suas rela-ções com o mundo corporal. , ;.

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O que é o Espiritismo

CAPITULO I

Pequena conferência espírita^RIMEIRO DIÁLOGO

O CRITICO

Visitante. — Confesso-vos, caro senhor, que a minharazão recusa admitir a realidade dos fenómenos estra-nhos atribuídos aos Espíritos, persuadido que estou deestes não terem senão uma existência imaginária. En-tretanto, eu me curvaria diante da evidência, se dissotivesse provas incontestáveis; por isso desejo merecer-vosa permissão de assistir somente a uma ou duas experiên-cias, para não ser indiscreto, a fim de convencer-me, casoseja possível.

Aliem Kardec. — Desde que a vossa razão repele oque nós consideramos irrecusável, vós a credes superioràs de todos quantos não compartilham de vossas opiniões.

Longe de mim o pensamento de duvidar do vossotalento e a pretensão de supor minha inteligência supe-rior à vossa; admiti, pois, que eu esteja iludido, é a vossarazão quem vo-lo diz: e não falemos mais nisso.

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V. — Entretanto, se conseguísseis convencer-me, co-nhecido que sou como antagonista das vossas ideias, istoseria um milagre eminentemente favorável à causa quedefendeis.

A. K. — Lamento-o, caro senhor, porém não tenhoo dom de fazer milagres. Julgais que uma ou duas sessõesbastariam para adquirirdes convicção?

Seria, realmente, um verdadeiro prodígio; eu preciseimais de um ano de trabalho para ficar convencido; o queprova que não cheguei a esse estado inconsideradamente.

Além disso, não realizo sessões públicas e parece-meque vos enganastes sobre o fim das nossas reuniões,visto não fazermos experiências com o fito de satisfazerà curiosidade de ninguém.

V. — Não procurais, pois, fazer prosélitos?

A. K. — Para que buscarmos fazer-vos prosélito,quando não o quereis ser?

Não pretendo forçar convicção alguma. Quando en-contro pessoas que sinceramente desejam instruir-se edão-me a honra de pedir-me esclarecimentos, folgo ecumpro um dever respondendo-lhes nos limites dos meusconhecimentos; quanto aos antagonistas, porém, que,como vós, têm convicções arraigadas, não tento um passopara delas arredá-los, atento a que é grande o número dosque se mostram bem dispostos, para que possamos perdero nosso tempo com aqueles que o não estão.

Estou certo de que, diante dos fatos, a convicçãohá de vir, mais tarde ou mais cedo, e que os incréduloshão de ser arrastados pela torrente; por ora, alguns par-tidários, de mais ou de menos, nada alteram na pesagem;pelo que nunca me vereis incomodado para atrair, àsnossas ideias, aqueles que, como vós, sabem as razõesque têm para fugir delas.

V- — Há mais interesse em convencer-me do que osupondes. Permitis que me explique com franqueza e

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prometeis-me não ver ofensa alguma nas minhas pala-vras? São as minhas ideias sobre a coisa em si e nãosobre a pessoa a quem me dirijo; posso respeitar apessoa, sem participar de suas opiniões.

A. K. — O Espiritismo me tem ensinado a despre-zar essas mesquinhas suscetibilidades do amor-próprio,e a me não ofender com palavras. Se as vossas expres-sões saírem dos limites da urbanidade e das conveniên-cias, apenas concluirei que sois um homem mal-educado,mas não irei além.

Quanto a mim, antes quero que os outros fiquemcom os defeitos, do que compartilhar deles.

Vedes, só por isso, que o Espiritismo já serve paraalguma coisa.

Já vos disse, senhor, não tenho a pretensão de vosfazer adotar a minha opinião; respeito a vossa, se ésincera, como desejo que respeiteis a minha.

Acreditando ser o Espiritismo um sonho sem sen-tido, dissestes, sem dúvida, vindo a minha casa: Vouver wm louco. Confessai-o francamente, pois com isso nãome escandalizarei.

Todos os espíritas são loucos, é coisa sabida. Poisbem! se julgais assim, eu tenho escrúpulo de transmi-tir-vos a minha enfermidade mental; e causa-me espantover-vos, com tal pensamento, buscar uma convicção quevos vai colocar no número dos loucos. Se já estais per-suadido de que não conseguiremos convencer-vos, o passoque destes é inútil, visto que só terá por fim a curiosi-dade. Abreviemos, pois, por favor, porque me falta tempopara perder em conversações sem objeto.

y. — - O homem pode enganar-se, deixar-se iludir,sem que, por isso, «eja louco.

A. K. — Dizei logo: acreditais, como muitos, queisto é moda que durará certo tempo; mas deveis convirque um passatempo que, em alguns anos, tem conquis-tado milhões de partidários, em todos os países, que

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conta entre seus adeptos sábios de toda ordem, que sepropaga de preferência nas classes mais esclarecidas, émania singular, que merece examinada.

V. — Tenho minhas ideias a respeito, é certo, porémelas não se acham tão absolutamente firmadas, que nãoconsinta em sacrificá-las à evidência.

Disse-vos que teríeis certo interesse em me convencer.Confesso-vos que tenciono publicar um livro em que

me proponho demonstrar ex 'professo (sic) a minhaopinião sobre o que considero um erro; e como esse livrodeve produzir efeito, dando um golpe no Espiritismo, eudeixaria de publicá-lo, caso ficasse convencido da reali-dade da vossa doutrina.

A. K. — Eu sentiria que ficásseis privado do quevos pode proporcionar um livro que deve produzir tantoefeito; além disso, não tenho interesse algum em impedira sua publicação: ao contrário, desejo-lhe grande circula-ção, porque assim ele nos servirá de prospecto e anúncio.

A nossa atenção é sempre chamada sobre aquilo quevemos atacado; há muita gente que quer ver os prós e oscontras, e a crítica faz aparecer a verdade, mesmo aosolhos daqueles que não a procuravam aí; é assim quemuitas vezes, sem querer, se faz reclamo do que se quercombater.

A questão dos Espíritos é, por outro lado, tão pal-pitante de interesse, choca a tal ponto a curiosidade, quebasta assinalá-la à atenção, para que nasça o desejo deaprofundá-la.

V. — Então, no vosso entender, a crítica para nadaserve, a opinião pública nada vale?

A. K. — Não considero a crítica como expressão daopinião pública, mas como juízo individual, que bem podeenganar-se.

Lede a história e vereis quantos trabalhos impor-tantes foram, ao aparecer, criticados, sem que isso os

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excluísse do número das grandes obras; quando, porém,uma coisa é má, não há elogio que a torne boa.

Se o Espiritismo é uma falsidade, ele cairá por simesmo; se, porém, é uma verdade, mão há diatribe quepossa fazer dele uma mentira.

Ao nosso modo de ver, vosso livro não será maisque uma apreciação pessoal; a verdadeira opinião públicadecidirá da justeza dos vossos conceitos.

Procurarão examinar. Se mais tarde reconheceremque vos enganastes, vosso livro se tornará ridículo, comoos que, não há muito, foram publicados contra as teoriasda circulação do sangue, da vacina, etc., etc.

Esquecia-me, porém, que íeis tratar a questão exprofesso, o que equivale a dizer que a estudastes sobtodas as suas faces; que vistes tudo o que se pode ver,lestes tudo o que sobre a matéria se tem escrito, anali-sastes e comparastes as diversas opiniões; que vos achas-tes nas melhores condições de observação pessoal; quedurante anos lhe consagrastes vigílias; em suma: quenada desprezastes para chegar à verdade. Devo crerque tal se deu, se sois um homem sério, porque somenteaquele que fez tudo isso pode dizer que fala com conhe-cimento de causa.

Que juízo formaríeis de um homem que, sem conhe-cimento de literatura, sem ter estudado a pintura, se eri-gisse em censor de uma obra literária ou de um quadro?

É de lógica elementar que o crítico conheça, nãosuperficialmente, mas, a fundo, aquilo de que fala, semo que, sua opinião não tem valor.

Para combater um cálculo é necessário opor-se-lheoutro cálculo, o que exige saber calcular. O crítico nãose deve limitar a dizer que tal coisa é boa ou má; épreciso que justifique a opinião por uma demonstraçãoclara e categórica, baseada sobre os princípios da arteou ciência a que pertence o objeto da crítica. Como po-derá fazê-lo, quando não conhecer esses princípios?

Não tendo ideia da mecânica, podereis apreciar asqualidades, ou os defeitos de determinada máquina?

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Não. Pois bem: o vosso juízo acerca do Espiritismo,que aliás não conheceis, não pode ter mais valor que oque, nas condições acima, emitísseis sobre a aludida má-quina. A cada passo sereis apanhado em flagrante delitode ignorância, porque aqueles que têm estudado a ma-téria verão logo que a desconheceis; donde concluirãoque não sois um homem sério ou que agis de má-fé;expondo-vos, portanto, a receber, quer num, quer noutrocaso, desmentido pouco lisonjeiro ao vosso amor-próprio.

V. — É precisamente para evitar esse perigo quevim pedir-vos permissão para assistir a algumas expe-riências.

A. K. — E julgais que isto vos baste para poder,ex professo, falar de Espiritismo?

Como podereis compreender essas experiências e,ainda mais, julgá-las, quando não estudastes os princí-pios em que elas se baseiam?

Como apreciaríeis o resultado, satisfatório ou não,de ensaios metalúrgicos, por exemplo, não conhecendo afundo a metalurgia?

Permiti-me dizer-vos, senhor, que vosso projeto éabsolutamente a mesma coisa que, não tendo estudado aMatemática, nem a Astronomia, vos apresentásseis a umdos membros do Observatório, dizendo-lhe:

"Senhor, quero escrever um livro sobre Astronomiae provar que o vosso sistema é falso; mas, como desco-nheço os menores rudimentos dessa ciência, deixai que,por uma ou duas vezes, me sirva de vossa luneta; o queserá suficiente para ficar sabendo tanto quanto vós."

É somente por extensão que a palavra criticar setornou sinónima de censwrar; em sua acepção própriae segundo a etimologia, ela significa julgar, apreciar.A crítica pode, pois, ser aprobativa ou desaprobativa.

Fazer a crítica de um livro não é necessariamentecondená-lo; quem empreende essa tarefa, deve fazê-losem ideias preconcebidas; porém, se antes de abrir o

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livro, já o condena em pensamento, o exame não podeser imparcial.

Tal o caso da maioria dos que têm falado contra oEspiritismo. Apenas sobre o nome formaram uma opi-nião, fazendo qual juiz que proferisse uma sentença, semantes examinar as peças do processo.

A consequência foi que seu julgamento feriu emfalso, e que, em vez de persuadir, ocasionaram riso.

A maior parte dos que seriamente têm estudado aquestão, mudou de ideia, e mais de um adversário setem tornado adepto do Espiritismo, quando reconhece queo seu objetivo é muito diverso daquele que supunha.

V. — Falais do exame dos livros em geral; acredi-tais que seja materialmente possível a um jornalista lere estudar todos os que lhe passam pelas mãos, sobretudoquando se ocupam com teorias novas, que lhe seria pre-ciso aprofundar e verificar?

Seria o mesmo que exigir de um impressor que elelesse todas as obras saídas de sua prensa.

A. K. — A tão judicioso raciocínio não tenho outraresposta a dar senão que, quando nos falta o tempo parafazer conscienciosamente uma coisa, é melhor não fazê-la;é preferível produzir um só trabalho bom a fazer dez maus.

V. — Não acrediteis que minha opinião se tenhaformado levianamente. Vi mesas girarem e produziremsons como de pancadas; vi pessoas escreverem o que,segundo diziam, lhes ditavam os Espíritos; estou, porém,convencido de que nisso há charlatanismo.

A. K. — Quanto vos cobraram para mostrar-vosessas coisas?

V. •— Nada, por certo.

A. K. — Ora, aí tendes charlatães de uma espéciesingular, que vão reabilitar o nome da sua classe. Até

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ao presente não se tinha ainda visto charlatães desin-teressados.

Suponhamos que um gaiato de mau gosto tenha que-rido uma vez divertir-se assim; será crível que as outraspessoas presentes pactuassem com ele? Demais, com quefim se fariam elas cúmplices de uma mistificação? Direisque com o fim de recrear a sociedade.. .

Concordo em que uma vez se prestassem a tal brin-quedo; porém, quando esse brinquedo dura meses e anos,julgo que o mistificado é o próprio mistificador. Nãoé provável que, só pelo gosto de fazer que creiam emuma coisa que ele sabe ser falsa, alguém vá passar horasinteiras, imóvel, agarrado a uma mesa. O gosto nãoequivaleria à pena.

Antes de julgar isso uma fraude, é preciso indagarque interesse havia em enganar; ora, não deixareis deconvir que há pessoas que se não coadunam com a maisleve suspeita de embuste; pessoas cujo caráter já é umagarantia de probidade.

Coisa muito diversa seria se se tratasse de uma es-peculação, porque a tentação do ganho é má conselheira;mas, admitindo mesmo que, neste último caso, ficassebem comprovado um manejo fraudulento, isso em nadaofenderia a realidade do princípio, porque de tudo sepode abusar.

Por vender-se vinho falsificado, não se deve concluirque não existe vinho puro.

O Espiritismo não é mais responsável pelos atosdaqueles que abusam desse nome e o exploram, do queo é a ciência médica pelos atos dos charlatães que im-pingem suas drogas, ou a religião pelos dos sacerdotesque iludem seu ministério.

Por sua novidade e mesmo por sua natureza, o Es-piritismo se presta a abusos; ele, porém, fornece os meiospara que os reconheçam, definindo claramente seu ver-dadeiro caráter e afastando de si toda a solidariedadecom aqueles que o viriam a explorar ou desviar do seufim exclusivamente moral, para transformá-lo em meio

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de vida, em instrumento de adivinhação ou de investiga-ções fúteis.

Desde que o Espiritismo mesmo traça os limites emque se encerra, define o que pode ou não dizer ou fazer,o que está ou não em suas atribuições, o que aceita e oque repudia, toda a falta recai sobre aqueles que, nãose dando ao trabalho de estudá-lo, o julgam pelas apa-rências e que, por terem encontrado saltimbancos ador-nando-se sob o nome de espíritas, para chamar concor-rência, dizem com gravidade: eis o que é o Espiritismo.

Sobre quem, em definitiva, cairá o ridículo? Serásobre o saltimbanco que usa do seu ofício? Será sobreo Espiritismo, cuja doutrina escrita desmente tais asser-ções? ou, antes, sobre os críticos que falam do que nãosabem ou de, cientemente, alterarem a verdade?

Aqueles que atribuem ao Espiritismo o que é con-trário à sua mesma ciência, fazem-no por ignorância oumá intenção; no primeiro caso há leviandade, no segun-do, má-fé. E, neste último caso, eles se colocam na po-sição do historiador que, no interesse de sustentar umpartido ou uma opinião, alterasse os fatos históricos.Quando usa desses meios, o partido fica desacreditado enão consegue o seu fim.

Notai bem, cavalheiro, que eu não pretendo que acrítica deve necessariamente aprovar nossas ideias, mes-mo depois de as haver estudado; não nos revoltamos deforma alguma contra os que não pensam como nós.

O que é evidente, para nós, pode não ser para vósoutros; cada qual julga as coisas debaixo de certo pontode vista, e do fato mais positivo nem todos tiram asmesmas consequências.

Se um pintor, por exemplo, pinta em seu quadro umcavalo branco, não faltará quem diga que essa cor fazaí mau efeito, que a cor negra conviria mais, e nistonão se comete erro; cometer-se-á, porém, se, vendo queo cavalo é branco, afirmar que é negro; é o que faz amaioria dos nossos adversários.

Em resumo, senhor, todos têm completa liberdadede aprovar ou censurar os princípios do Espiritismo, de

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deduzir deles as consequências boas ou más que lhesaprouver, porém a consciência impõe ao crítico a obri-gação de não dizer o contrário do que ele sabe que é;ora, para isso, a primeira condição é não falar do quenão conhece.

V. — Voltemos, por favor, às mesas que se moveme falam; não será possível que elas sejam preparadascom algum artifício?

A. K. — É sempre a mesma questão de boa-fé, aque já respondi.

Quando a fraude for provada, eu vo-la reconhecerei;se descobrirdes fatos demonstrados de embuste, charla-tanismo, especulação ou abuso de confiança, fustigai-ose eu desde já vos declaro que não irei defendê-los, porqueo Espiritismo sério é o primeiro a repudiá-los; e quemassinalar tais abusos o auxilia no trabalho de preveni-lose lhe presta importante serviço. Porém, generalizar essasacusações, lançar sobre elevado número de pessoas hon-radas a reprovação que só cabe a alguns indivíduos isola-dos, é um abuso de outro género, porque é uma calúnia.

Admitindo, como dissestes, que as mesas estivessempreparadas, era preciso que o mecanismo empregado fossebem engenhoso para fazê-las produzir movimentos e sonstão variados. Ora, como não é ainda conhecido o nomedo hábil artista que os fabrica? Entretanto, ele deveriagozar de grande celebridade, visto que seus aparelhosestão espalhados pelas cinco partes do mundo.

Devemos também convir que o seu processo é assazdelicado e sutil, para poder adaptar-se à primeira mesaque se apresenta, sem deixar sinal algum exterior queo denuncie.

Como é que, desde Tertuliano, que já tratava dasmesas giratórias e falantes, até o presente ninguém con-seguiu ver e descrever tal mecanismo?

V. — Eis o que vos ilude. Um célebre cirurgiãoreconheceu que certas pessoas podem, pela contração de

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um músculo da perna, produzir um ruído semelhante aoque atribuís à mesa; donde concluiu que os médiuns sedivertem à custa da credulidade dos assistentes.

A. K. — Se é um estalido do músculo, não é entãoa mesa que está preparada. Uma vez que cada qualexplica a seu modo essa pretendida fraude, fica reconhe-cido que a verdadeira causa não é sabida.

Respeito a ciência desse sábio cirurgião, e somenteacho que se apresentam algumas dificuldades na apli-cação, às mesas falantes, da teoria indicada.

A primeira é que é singular que essa faculdade, atéo presente excepcional e olhada como um caso patológico,se tenha tornado comum; a segunda, que é preciso ter-serobustíssima vontade de mistificar, para fazer estalar omúsculo durante duas ou três horas consecutivas, quandodisso não resulte a quem assim procede senão fadiga edor; a terceira, que eu não compreendo bem como podeesse músculo responder às portas e paredes em que aspancadas se fazem ouvir; a quarta, finalmente, que é ne-cessário dar-se a esse músculo estalador uma propriedadebem maravilhosa, para que ele possa mover uma pesadamesa, levantá-la, abri-la, fechá-la, conservá-la suspensasem ponto de apoio, e, finalmente, fazê-la despedaçar-seao cair.

Ninguém, por certo, desconfiava que esse músculopossuísse tanta virtude (R&vue Spirite, junho de 1859,pág. 141: Lê muscle araqueur).

O célebre cirurgião, de que falais, teria estudado ofenómeno da tiptologia sobre os indivíduos que os pro-duzem? Não; ele observou um efeito fisiológico anormalem alguns indivíduos que nunca se ocuparam de mesasbatedoras; e, notando certa analogia entre esse efeito eo que essas mesas produzem, sem mais amplo exameconcluiu, com toda a autoridade de sua ciência, que todosos que concorrem, para que as mesas falem, devem tera propriedade de fazer estalar o músculo curto-perônio,e não são mais que embusteiros, sejam eles príncipes ouartífices, recebam ou não um pagamento.

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Estudou ele, ao menos, o fenómeno da tiptologia emtodas as suas fases? Verificou, por meio desse estalidomuscular, se podia produzir todos os efeitos tiptológicos?Não; porque, do contrário, ele ficaria convencido da in-suficiência do seu processo; apesar disso, julgou-se nocaso de proclamar a sua descoberta, em pleno Instituto.

Não será esse juízo assaz comprometedor para umsábio? Quem pensa hoje nessa opinião?

Confesso-vos que, se me tivesse de sujeitar a umaoperação cirúrgica, hesitaria muito em confiar-me a essemédico, porque recearia que ele não julgasse o meu malcom mais perspicácia.

Já que esse juízo é uma das autoridades em quepareceis querer apoiar-vos para esmagar o Espiritismo,fico completamente inteirado da força dos outros argu-mentos que quereis validar, a menos que os não vadesbeber em fontes mais autênticas.

V. — Entretanto, bem vedes que já passou a modadas mesas girantes que durante certo tempo fizeramfuror; hoje já ninguém se ocupa com elas.

Por que se dá isso, quando é uma coisa séria?

A. K. •— Porque das mesas girantes saiu uma coisaainda mais séria: uma ciência completa, uma perfeitadoutrina filosófica, do máximo interesse para os homensque refletem. Quando estes nada mais tiveram a apren-der no giro das mesas, não mais com elas se ocuparam.

Para as pessoas fúteis, que nada querem aprofun-dar, esse fenómeno era um passatempo, um divertimento,que abandonaram quando dele se aborreceram; são pes-soas com as quais a ciência não conta.

O período de curiosidade teve seu tempo; sucedeu-lheo da observação. O Espiritismo entrou, então, no domínioda gente séria, que não o toma como objeto de diverti-mento, mas, sim, como meio de instruir-se.

Porém, essas pessoas que o consideram como coisagrave, não se prestam a qualquer experiência de curiosi-dade, e ainda menos a satisfazer a daqueles que se apre-

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sentam com pensamentos hostis; como não brincam, nãose prestam a servir de brinquedo para os outros; eu per-tenço a esse número.

V. — No entanto, somente a experiência pode con-vencer, mesmo aquele que, em começo, seja movido pelacuriosidade.

Se só trabalhais na presença de pessoas convictas,deixai que vos diga, ensinais a quem já sabe.

A. K. — Uma coisa é estar convencido e outra estardisposto a convencer-se; é aos desta última classe queme dirijo, e não aos que julgam humilhação vir escutaro que eles chamam ilusões. Com estes eu não me ocupo,absolutamente.

Quanto aos que manifestam sincero desejo de escla-recer-se, o melhor modo que têm, para prová-lo, é mos-trar perseverança; são reconhecidos por outros sinais quenão apenas o desejo de ver uma ou duas experiências:esses querem trabalhar seriamente.

A convicção só se adquire com o tempo, por meiode uma série de observações feitas com cuidado todoparticular.

Os fenómenos espíritas diferem essencialmente dosdas ciências exatas: não se produzem à vontade; é pre-ciso que os colhamos de passagem; é observando muitoe por muito tempo que se descobre uma porção de provasque escapam à primeira vista, sobretudo, quando não seestá familiarizado com as condições em que se pode en-contrá-las, e ainda mais quando se vem com o espíritoprevenido.

As provas abundam para o observador assíduo erefletido: uma palavra, um fato aparentemente insigni-ficante, é para ele um raio de luz, uma confirmação; aopasso que tais fatos não têm sentido para quem os obser-va superficialmente ou por simples curiosidade; eis porque não me presto a fazer experiências sem resultadoprovável.

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V. — Enfim, tudo deve ter começo. O aprendiz, quenada sabe, que nada viu ainda, mas que deseja esclare-cer-se, como poderá fazê-lo, quando não lhe facultais osmeios para isso?

A. K. — Eu faço grande distinção entre o incré-dulo por ignorância e o incrédulo por sistema; quandodescubro alguém com disposições favoráveis, nada mecusta esclarecê-lo; há, porém, pessoas em quem a von-tade de instruir-se não é senão aparente; com estasperde-se o tempo; porque, se elas não encontram logoo que parecem buscar, e que talvez as incomodasse, seaparecesse, o pouco que vêem não é suficiente para lhesdestruir as prevenções; julgam mal os resultados obtidose os transformam em objeto de zombaria, pelo que nãohá utilidade em lhos fornecer.

A quem deseja instruir-se, direi: "Não se pode fazerum curso de Espiritismo experimental como se faz um deFísica ou de Química, atento que nunca se é senhor deproduzir os fenómenos espíritas à vontade, e que as inte-ligências desses agentes fazem, muitas vezes, frustra-rem-se todas as nossas previsões. Aqueles que aciden-talmente poderíeis ver, não apresentando nexo algum,nem ligação necessária, seriam pouco inteligíveis para vós.

Instruí-vos primeiramente pela teoria, lede e medi-tai as obras que tratam dessa ciência; nelas aprendereisos princípios, encontrareis a descrição de todos os fenó-menos, compreendereis a possibilidade deles pela expli-cação que elas vos darão, e, pela narrativa de grandenúmero de fatos espontâneos de que pudestes ser teste-munha sem os compreender, mas que vos voltarão à me-mória, vós vos fortificareis contra todas as dificuldadesque possam surgir e formareis, desse modo, uma pri-meira convicção moral.

Então, quando se vos apresentar a ocasião de obser-var ou operar pessoalmente, compreendereis, qualquerque seja a ordem em que os fatos se mostrem, porquenada vereis de estranho."

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Eis, meu caro senhor, o que aconselho a todos quedizem querer instruir-se, e, pela resposta que dão, é fácilconhecer se neles há alguma coisa mais que curiosidade!

SEGUNDO DIÁLOGO

O CÉPTICO

V. — Compreendo, cavalheiro, a utilidade do estudopreliminar de que acabais de falar.

Como predisposição pessoal, dir-vos-ei que não soua favor nem contra o Espiritismo, mas esse assunto meexcita o interesse no mais alto grau.

Entre as pessoas de meu conhecimento, há partidá-rios e adversários dele; a seu respeito tenho ouvidoargumentos muito contraditórios, e propunha-me subme-ter-vos algumas das objeções que foram feitas em minhapresença e que me parecem de certo valor, para mim aomenos, que vos confesso a minha ignorância a respeito.

A. K. — Terei grande satisfação, meu amigo, emresponder às perguntas que me quiserdes dirigir, sempreque forem feitas com sinceridade e sem pensamentooculto; não tenho a pretensão, entretanto, de poder res-ponder a todas.

O Espiritismo é uma ciência que acaba de nascer eda qual resta ainda, muito a aprender; seria, pois, grandepresunção de minha parte pretender levar de vencidatodas as dificuldades; não poderei dizer mais do que sei.

O Espiritismo prende-se a todos os ramos da Filoso-fia, da Metafísica, da Psicologia e da Moral; é um campoimenso que não pode ser percorrido em algumas horas.

Compreendeis que me seria materialmente impossí-vel repetir de viva voz e a cada pessoa, em particular,tudo quanto tenho escrito sobre essa matéria, parauso geral.

Em prévia leitura cada qual encontrará, além disso,uma resposta à maior parte das questões que lhe venham

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à mente; essa leitura tem a dupla vantagem de evitarrepetições inúteis e de provar um desejo sincero deinstruir-se.

Se, depois dela, ainda existirem dúvidas ou pontosobscuros, o esclarecimento não oferecerá mais dificulda-de, porque já se possui um ponto de apoio e não se temnecessidade de perder tempo em rever os princípios maiselementares da Doutrina.

Se o permitirdes, limitar-nos-emos, por ora, a algu-mas questões genéricas.

V. — Seja; tende a bondade de chamar-me à ordem,sempre que eu dela me afaste.

Espiritismo e Espiritualismo

Pergunto-vos, em primeiro lugar, qual a necessidadeda criação de novos termos: espírita e espiritismo, parasubstituir: espiritualista e espiritualismo, que são dalíngua vulgar e por todos compreendidos?

Já ouvi alguém classificar tais termos de barba-rismos.

A. K. — De há muito tern já a palavra espiritua-lista uma acepção bem determinada; é a Academia queno-la dá: Espiritualista, aquele ou >aquela pessoa cujadoutrina é oposta ao materialismo.

Todas as religiões são necessariamente fundadassobre o espiritualismo. Aquele que crê que em nós existeoutra coisa, além da matéria, é espiritualista, o que nãoimplica a crença nos Espíritos e nas suas manifestações.Como o podereis distinguir daquele que tem esta crença?Ver-vos-eis obrigado a servir-vos de uma perífrase edizer: É um espiritualista que crê ou não crê nosEspíritos.

Para as novas coisas são necessários termos novos,quando se quer evitar equívocos. Se eu tivesse dado àminha Revista a qualificação de espiritualista, não lheteria especificado o obieto, porque, sem desmentir-lhe o

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título, bem poderia nada dizer nela sobre os Espíritos,e até combatê-los.

Já há algum tempo, li num jornal, a propósito deuma obra filosófica, um artigo em que se dizia tê-la oautor escrito do ponto de vista espiritualista; ora, ospartidários dos Espíritos ficariam singularmente desa-pontados se, confiantes nessa indicação, acreditassem en-contrar alguma concordância entre o que ela ensina e asideias por eles admitidas.

Se adotei os termos espírita, espiritismo, é porqueeles exprimem, sem equívoco, as ideias relativas aosEspíritos.

Todo espírita é necessariamente espiritualista, masnem todos os espiritualistas são espíritas.

Ainda que os Espíritos fossem uma quimera, haviautilidade em adotar termos especiais para designar o quea eles se refere; porque as falsas ideias, como as verda-deiras, devem ser expressas por termos próprios.

Além disso, essas palavras não são mais bárbarasque as outras que as ciências, as artes e a indústriadiariamente estão criando; com certeza, elas não o sãomais do que aquela que Gall imaginou para a sua nomen-clatura das faculdades, como: Secretividade, alimentivi-dade, afeeionividade, etc.

Há pessoas que, por espírito de contradição, criti-cam tudo que não provém delas, tomando ares de oposi-cionistas; aqueles que assim provocam tão pequeninaschicanas, só revelam o acanhamento de suas ideias. Agar-rar-se a tais bagatelas é demonstrar falta de boas razões.

As palavras espiritualismo e espiritualista são in-glesas, e têm sido empregadas nos Estados Unidos desdeque começaram a surgir as manifestações dos Espíritos;no começo e por algum tempo, também delas se serviramna França; logo, porém, que apareceram os termos espí-rita, espiritismo, compreendeu-se a sua utilidade, e foramimediatamente aceitos pelo público.

Hoje, seu uso está tão generalizado que os própriosadversários, aqueles que no princípio os classificavam debarbarismos, não empregam outros. Os sermões e as pás-

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torais que fulminam o Espiritismo e os espíritas viriamproduzir enorme confusão, se fossem dirigidos ao espi-ritualismo e aos espiritualistas.

Bárbaros ou não, esses termos estão hoje incluídosna língua usual e em todas as línguas da Europa; sãoos únicos empregados em todas as publicações, favorá-veis ou contrárias, feitas em todos os países. Eles ocupamo vértice da coluna da nomenclatura da nova ciência;para exprimir os fenómenos especiais dessa ciência, tí-nhamos necessidade de termos especiais; o Espiritismohoje possui a sua nomenclatura, tal como a Química.

As palavras espiritualismo e espiritualista, aplicadasàs manifestações dos Espíritos, não são hoje mais em-pregadas senão pelos adeptos da escola americana.

Dissidências

V. — Essa diversidade, na crença do a que chamaisuma ciência, é, parece-me, a sua condenação.

Se ela se baseasse em fatos positivos, não deveriaser a mesma na América e na Europa?

A. K. — A isso responderei, primeiramente, que taldivergência só existe na forma, sem afetar o fundo; real-mente, ela apenas se limita ao modo de encarar algunspontos da doutrina, e não constitui um antagonismoradical nos princípios, como afirmam os nossos adversá-rios, sem ter estudado a questão.

Dizei-me, porém, qual a ciência que, em seu começo,não deu nascimento a dissidências, até que seus princí-pios ficassem claramente assentados?

Não encontramos as mesmas dissidências nas ciên-cias melhormente constituídas?

Estarão os sábios de perfeito acordo sobre todos ospontos ?

Não tem cada qual seus sistemas particulares?As sessões das Academias apresentam sempre o

quadro de perfeito e cordial entendimento?

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Em Medicina não há a Escola de Paris e a Escolade Montpellier?

Cada descoberta, em qualquer ciência, não tem pro-duzido cismas entre os que querem adiantar-se e os quedesejam estacionar?

Referindo-nos ao Espiritismo, não será natural que,ao surgirem os primeiros fenómenos, quando eram igno-radas as leis que os regem, cada pessoa tivesse um sis-tema e houvesse encarado os fatos de um modo par-ticular ?

Onde estão hoje esses sistemas primitivos?Caíram todos ante uma observação mais completa.Bastaram apenas alguns anos para que ficasse esta-

belecida a unidade grandiosa que hoje prevalece na Dou-trina, e que prende a imensa maioria dos adeptos, comexceção de algumas individualidades que, nesta como emtodas as coisas, se apegam às ideias primitivas e morremcom elas. Qual a ciência, qual a doutrina filosófica oureligiosa que oferece um exemplo igual?

Apresentou o Espiritismo a centésima parte dascisões que, durante tantos séculos, dilaceraram a Igrejae que ainda hoje a dividem?

Ê realmente curioso ver as puerilidades a que re-correm os adversários do Espiritismo; não indicará issouma falta de argumentos sérios?

Se eles os tivessem, não deixariam de fazê-los valer.Qual o recurso de que lançam mão? Zombarias, ne-

gações, calúnias, porém, nunca de um só argumento pe-remptório; e a prova de ainda lhe não terem achado umponto vulnerável, é que nada pôde deter-lhe a marchaascendente e que, apenas com dez anos de vida, ele jáconta tal número de adeptos como ainda nenhuma seitacontou depois de um século de existência. Ê fato veri-ficado e reconhecido por seus próprios adversários.

Para aniquilá-lo, não era bastante dizer: isto nãose dá, isto é um absurdo; seria necessário demonstrarcategoricamente que os fenómenos não se produzem, nãopodem produzir-se; e é o que ninguém ainda fez.

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Fenómenos espíritas simulados

V. — Não estará provado que, fora do Espiritismo,esses mesmos fenómenos podem produzir-se? E disso nãopodemos concluir que eles não têm a origem que os espí-ritas lhes atribuem?

A. K. — Por ser uma coisa suscetível de imitação,segue-se que ela não exista?

Que direis da lógica daquele que pretendesse, porse fabricar com água de Seltz vinha de Champanha, sertodo vinho desta espécie apenas água de Seltz?

Isto é privilégio de todas as coisas que apresentama possibilidade de engendrar falsificações.

Acreditaram alguns prestidigitadores que o nome deespiritismo, por causa da sua popularidade e das contro-vérsias de que era objeto, podia servir a explorações, epara atrair a multidão simularam, mais ou menos gros-seiramente, alguns fenómenos de mediunidade, como játinham simulado a clarividência sonambúlica; e todos osgaiatos os aplaudiram, bradando: Eis aí o que é oEspiritismo!

Quando se mostrou em cena a engenhosa apariçãodos espectros, não se proclamou que naquilo recebia oEspiritismo um golpe mortal?

Antes de pronunciar tão positiva sentença, deve-serefletir que as asserções de um escamoteador não sãopalavras de um evangelho, e certificar se há identidadereal entre a imitação e a coisa imitada.

Ninguém compra um brilhante sem primeiro estarconvencido de não ser uma pedra d'água.

Um- estudo, mesmo pouco acurado, tê-los-ia certifi-cado de serem completamente outras as condições emque se dão os fenómenos espíritas; eles, além disso, fica-riam sabendo que os espíritas não se ocupam de fazeraparecer espectros nem de ler a buena-dicha.

Só a malevolência e uma rematada má-fé puderamconfundir o Espiritismo com a magia e a feitiçaria,quando aquele repudia o fim, as práticas, as fórmulas e

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O QUE É O ESPIRITISMO 71

as palavras místicas destas. Alguns chegaram mesmo acomparar as reuniões espíritas às assembleias do sdbbat,nas quais se espera o soar da meia-noite, para que osfantasmas apareçam.

Um espírita, meu amigo, assistia um dia a umarepresentação de Macbeth, ao lado de um jornalista queele não conhecia. Quando chegou a cena das feiticeiras,ele ouviu o vizinho dizer:

— "Belo! Vamos assistir a uma sessão espírita; éjustamente o que precisava para o meu próximo artigo;vou saber agora como as coisas se passam. Se eu encon-trasse por aqui algum desses loucos, perguntar-lhe-ia seele se reconhece no quadro que tem ante os olhos."

— "Eu sou um deles, disse-lhe o espírita, e possoasseverar-vos que nada vejo que se lhe pareça; tenhoassistido a centenas de reuniões espíritas, e nelas nadaencontrei que se assemelha a isto. Se é aqui que vindescolher argumentos para o vosso artigo, assevero-vos queele não primará pela veracidade."

Muitos críticos não têm bases mais sólidas.Sobre quem cairá o ridículo, a não ser sobre aqueles

que caminham tão estonteadamente ?Quanto ao Espiritismo, seu crédito, longe de sofrer

com tais ataques, tem crescido pelos reclamos que lhefazem, chamando para ele a atenção de muita gente quenem sequer pensava nele; os reclamos provocaram oexame e contribuíram para lhe aumentar o número deadeptos; porque se reconheceu, então, que, em vez debrincadeira, ele era coisa séria.

Impotência dos detratores

F. — Convenho que, entre os detratores do Espiri-tismo, há muita gente inconsciente, como esses queacabais de citar; mas, ao lado deles, não se encontra-rão também homens de real valor, cujas opiniões têmcerto peso?

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A. K. — Não o contesto. A isso respondo que oEspiritismo também conta em suas fileiras muitos ho-mens de não menos real valor; digo-vos, mais, que aimensa maioria dos espiritas se compõe de homens inte-ligentes e de estudos; só a má-fé pode dizer que seusadeptos são recrutados entre as mulheres simples e asmassas ignorantes.

Um fato peremptório responde, além disso, a essaobjeção; é que, apesar de todo o saber, de todo o poderoficial, ninguém consegue deter o Espiritismo na suamarcha; e, entretanto, não há um só dos seus contrários,seja ele o mais obscuro folhetinista, que se não tenhalisonjeado com a ideia de dar-lhe um golpe mortal; semquerê-lo, todos, sem exceção, concorreram para a suavulgarização.

Uma ideia que resiste a tantos assaltos, que avançaimpávida através da chuva de dardos que lhe atiram,não provará a sua força máscula e a segurança das basesem que se firma? Não será esse fenómeno digno daatenção dos pensadores?

Também, já hoje, muitos deles avançam que devehaver nisso alguma coisa de real, que talvez seja umdesses grandes movimentos irresistíveis que, de temposa tempos, abalam as sociedades para transformá-las.

Isto se tem dado sempre com todas as ideias novas,chamadas a revolucionar o mundo; forçosamente elasencontram obstáculos, porque lutam contra os interesses,os prejuízos, os abusos que elas vêm destruir; porém,como estão nos desígnios de Deus, para que se cumpraa lei do progresso da humanidade, chegada a hora, nadaas poderá deter; é a prova de serem a expressão daverdade.

Essa impotência dos adversários do Espiritismoprova primeiramente, como já disse, que lhes faltam boasrazões; pois que as que lhe opõem, não são convincen-tes; ela dimana ainda de outra causa, que inutiliza todasas suas combinações. Admiram-se de ver o desenvolvi-mento dessa doutrina, apesar de tudo o que fazem pelaconter, e não podem achar o motivo por não o busca-

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rem onde ele realmente está. Uns crêem encontrá-lo nogrande poder do diabo, que assim se apresenta mais forteque eles, e, mesmo, mais forte que Deus; outros, noaumento da alucinação humana.

O erro de todos está em crerem que a fonte doEspiritismo é uma só, e que se baseia na opinião de umsó homem; daí a ideia de que poderão arruiná-lo, refu-tando essa opinião; eles procuram na Terra uma coisaque só achariam no Espaço; essa fonte do Espiritismonão iS8 acha num ponto, mas em toda parte, porque nãohá lugar em que os Espíritos se não possam manifestar,em todos os países, nos palácios e nas choupanas.

A verdadeira causa está, pois, na própria naturezado Espiritismo cuja força não provém de uma só fonte,mas permite a cada qual receber diretamente comuni-cações dos Espíritos e por elas certificar-se da vera-cidade do fato.

Como persuadir a milhões de indivíduos que tudoisso não é mais que comédia, charlatanismo, escamotea-ção, prestidigitação, quando, sem o concurso de estra-nhos, são eles próprios que obtêm tais resultados?

É possível fazê-los crer que eles se mistifiquem a simesmos, que a si mesmos procurem enganar fazendo opapel de charlatães e escamoteadores?

Essa universalidade das manifestações dos Espíritos,que surgem em todos os pontos do globo para desmentiros detratores e confirmar os princípios da Doutrina, éuma força que não podem explicar aqueles que desco-nhecem o mundo invisível, assim como os que desconhe-cem as leis dos fenómenos elétricos não compreendem arapidez com que se transmite um despacho telegráfico;é de encontro a essa força que todas as negações se vêmquebrar, porque elas se equiparam às asserções de quempretendesse afirmar, aos que sentem a ação dos raiossolares, que o Sol não existe.

Fazendo abstração das qualidades da Doutrina, queagrada muito mais que as que se lhe opõem, vede nissoa causa dos insucessos dos que tentam deter-lhe

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rem onde ele realmente está. Uns crêem encontrá-lo nogrande poder do diabo, que assim se apresenta mais forteque eles, e, mesmo, mais forte que Deus; outros, noaumento da alucinação humana.

O erro de todos está em crerem que a fonte doEspiritismo é uma só, e que se baseia na opinião de umsó homem; daí a ideia de que poderão arruiná-lo, refu-tando essa opinião; eles procuram na Terra uma coisaque só achariam no Espaço; essa fonte do Espiritismonão iS8 acha num ponto, mas em toda parte, porque nãohá lugar em que os Espíritos se não possam manifestar,em todos os países, nos palácios e nas choupanas.

A verdadeira causa está, pois, na própria naturezado Espiritismo cuja força não provém de uma só fonte,mas permite a cada qual receber diretamente comuni-cações dos Espíritos e por elas certificar-se da vera-cidade do fato.

Como persuadir a milhões de indivíduos que tudoisso não é mais que comédia, charlatanismo, escamotea-ção, prestidigitação, quando, sem o concurso de estra-nhos, são eles próprios que obtêm tais resultados?

É possível fazê-los crer que eles se mistifiquem a simesmos, que a si mesmos procurem enganar fazendo opapel de charlatães e escamoteadores?

Essa universalidade das manifestações dos Espíritos,que surgem em todos os pontos do globo para desmentiros detratores e confirmar os princípios da Doutrina, éuma força que não podem explicar aqueles que desco-nhecem o mundo invisível, assim como os que desconhe-cem as leis dos fenómenos elétricos não compreendem arapidez com que se transmite um despacho telegráfico;é de encontro a essa força que todas as negações se vêmquebrar, porque elas se equiparam às asserções de quempretendesse afirmar, aos que sentem a ação dos raiossolares, que o Sol não existe.

Fazendo abstração das qualidades da Doutrina, queagrada muito mais que as que se lhe opõem, vede nissoa causa dos insucessos dos que tentam deter-lhe

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marcha; para que triunfassem, era-lhes mister impedirque os Espíritos se manifestassem.

Eis o motivo por que os espíritas, ligam tão poucaimportância às manobras dos seus adversários; eles têmpor si a experiência e o peso dos fatos.

O maravilhoso e o sobrenatural

V. — O Espiritismo tende, evidentemente, a fazerreviver as crenças fundadas no maravilhoso e no sobre-natural; ora, no século positivo em que vivemos, isto meparece difícil, porque é exigir que se acredite nas supers-tições e nos erros populares, já condenados pela razão.

A. K. — Uma ideia só é supersticiosa quando falsa;mas cessa de o ser desde que passe a ser uma verdadereconhecida.

A questão está em saber se os Espíritos se mani-festam, ou não; ora, isso não pode ser tachado de supers-tição, antes de ficar provado que não existem espíritos.

Direis: a minha razão não aceita essas comunicações;porém, os que crêem e que não são nenhuns mentecaptosinvocam também as suas razões e, além disso, os fatos;para que lado se deVe pender? O grande juiz, nestaquestão, é o futuro — como tem sido em todas as ques-tões científicas e industriais classificadas como absurdase impossíveis em sua origem.

Pretendeis julgar a priori segundo a vossa opinião;nós só o fazemos depois de, por muito tempo, ter vistoe observado. Acresce que o Espiritismo esclarecido, comoo é hoje, procura, ao contrário, destruir as ideias supers-ticiosas, mostrando o que há de real ou de falso nascrenças populares, denunciando o que nelas existe deabsurdo, fruto da ignorância e dos preconceitos.

Vou mais longe e digo que é precisamente o positi-vismo do nosso século que faz com que adotemos o Espi-ritismo, e que este deve, em parte, àquele a rapidez dasua propagação, antes que, como alguns pretendem, a

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uma recrudescência do amor ao maravilhoso e ao sobre-natural.

O sobrenatural desaparece à luz do facho da Ciência,da Filosofia e da Razão, como os deuses do paganismoante o brilho do Cristianismo. Sobrenatural é tudo o queestá fora das leis da Natureza. O positivismo nada admiteque escape à ação dessas leis; mas, porventura, ele asconhece a todas?

Em todos os tempos foram reputados sobrenaturaisos fenómenos cuja causa não era conhecida; pois bem:o Espiritismo vem revelar uma nova lei, segundo a quala conversação com o Espírito de um morto é um fatotão natural, como o que se dá por intermédio da eletri-cidade, entre dois indivíduos separados por uma distân-cia de cem léguas; o mesmo acontece com os outrosfenómenos espíritas.

O Espiritismo repudia, nos limites do que lhe per-tence, todo efeito maravilhoso, isto é, fora das leis daNatureza; ele não faz milagres nem prodígios, antesexplica, em virtude de uma dessas leis, certos efeitos,demonstrando, assim, a sua possibilidade. Ele amplia,igualmente, o domínio da Ciência, e é nisto que ele pró-prio se torna uma ciência; como, porém, a descobertadessa nova lei traz consequências morais, o código dasconsequências faz dele, ao mesmo tempo, uma doutrinafilosófica.

Deste último ponto de vista, ele corresponde às aspi-rações do homem, no que se refere ao seu futuro; e comoa sua teoria do futuro repousa sobre bases positivas eracionais, ela agrada ao espírito positivo do nosso século.

É o que compreendereis, quando vos derdes ao tra-balho de estudá-lo. (O Livro dos Méd/iams, cap. II, RewweSpirite, dezembro de 1861, pág. 393, e janeiro de 1862,pág. 21.)

Oposição da Ciência

V. — Vós vos apoiais em fatos, dissestes; "masopõe-se-vos a opinião dos sábios que os contestam, ou. osexplicam de modo diferente do vosso.

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Por que não fixaram eles sua atenção sobre o fenó-meno das mesas girantes?

Se nisso tivessem notado alguma coisa de sério, pa-rece-me que não desprezariam fatos tão extraordináriose nem os repeliriam com desdém; no entanto, são todoseles contra vós.

Os sábios não serão o farol das nações, e não têmo dever de esclarecê-las?

A que atribuís que tenham deixado de fazê-lo, quan-do se lhes apresentava tão bela ocasião de revelar aomundo a existência de uma nova força?

A. K. — Traçastes o dever dos sábios de modoadmirável; é pena, porém, que eles o tenham esquecidoem mais de uma circunstância.

Mas, antes de responder à vossa judiciosa observa-ção, cumpre-me corrigir um grave erro que cometestesdizendo que todos os sábios são contra nós.

Como vos disse há pouco, é precisamente na classeilustrada que o Espiritismo faz maior número de prosé-litos, isto em todos os países; já ele conta entre seusadeptos grande número de médicos de todas as nações,e ninguém nega que os médicos sejam homens de ciência;os magistrados, os professores, os artistas, os homens deletras, os oficiais, os altos funcionários, os grandes digni-tários, os eclesiásticos, etc., que se agrupam ao redorda sua bandeira, não são pessoas em quem se não devareconhecer uma certa dose de ilustração. Admite-se erro-neamente que os sábios só se encontram na ciência oficiale nos corpos constituídos.

Pelo fato de ainda não ter o Espiritismo adquiridodireito de cidade na ciência oficial, merecerá ser con-denado?

Se nunca a Ciência se houvesse enganado, sua opiniãonesse sentido teria grande peso na balança; infelizmente,a experiência prova o contrário.

Não repeliu ela como quimeras tantas descobertasque, mais tarde, se tornaram título de glória para osseus autores?

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Não foi devido a uin parecer do nosso primeiro corposábio que a França se absteve da iniciativa do vapor?

Quando Fulton veio ao campo de Bolonha apresentaro seu plano a Napoleão I, que confiou o exame imediatoao Instituto, não decidiu este que aquilo era uma utopia,com o que se não devia ocupar?

Devemos daí concluir que os membros do Institutosão ignorantes e que sejam justificados os epítetos tri-viais que, à força de mau gosto, certas pessoas se com-prazem em prodigalizar-lhes?

Certo que não; não há pessoa sensata que não façajustiça ao seu saber eminente, sem, contudo, deixar dereconhecer que eles não são infalíveis e, portanto, queas suas sentenças não estão isentas de apelação, sobre-tudo no que se refere a ideias novas.

V. — Admito perfeitamente que eles não sejam in-falíveis; mas não é menos verdade que, em virtude doseu saber, sua opinião vale alguma coisa, e que, se elaestivesse do vosso lado, daria grande peso ao vossosistema.

A. K. — Concordai, também, que ninguém pode serbom juiz naquilo que está fora da sua competência.

Se quiserdes edificar uma casa, confiareis esse tra-balho a um músico?

Se estiverdes enfermo, far-vos-eis sangrar por umarquiteto ?

Quando estais a braços com um processo, ides con-sultar um dançarino?

Finalmente, quando se trata de uma questão de teo-logia, alguém irá pedir a solução a um químico ou a umastrónomo ?

Não; cada um tem a sua especialidade.As ciências vulgares repousam sobre as propriedades

da matéria, que se pode, à vontade, manipular; os fenó-menos que ela produz têm por agentes forças materiais.

Os do Espiritismo têm, como agentes, inteligênciasque têm independência, livre-arbítrio e não estão sujeitas

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aos nossos caprichos; por isso eles escapam aos nossosprocessos de laboratório e aos nossos cálculos, e, desdeentão, ficam fora dos domínios da ciência propriamentedita.

A Ciência enganou-se quando quis experimentar osEspíritos, como experimenta uma pilha voltaica; foi malsucedida como devia sê-lo, porque agiu visando uma ana-logia que não existe; e depois, sem ir mais longe, concluiupela negação, juízo temerário que o tempo se encarregoude ir emendando diariamente, como já tem emendadooutros; e, àqueles que o preferiram, restará a vergonhado erro de se haverem levianamente pronunciado contrao poder infinito do Criador.

As corporações sábias não podem nem jamais pode-rão pronunciar-se nesta questão; ela está tão fora doslimites do seu domínio como a de decretar se Deus existeou não; é, pois, um erro fazê-las juiz dela.

O Espiritismo é uma questão de crença pessoal quenão pode depender do voto de uma assembleia, porqueesse voto, embora lhe fosse favorável, não tem o poderde forçar convicções.

Quando a opinião pública se tiver formado a res-peito, os membros dessas corporações a aceitarão sob opoder dos fatos.

Deixai passar esta geração, levando os prejuízos doseu obstinado amor-próprio, e vereis que se há de darcom o Espiritismo o mesmo que se deu com tantas outrasverdades, tão combatidas e de que hoje seria ridículoduvidar. Hoje, chamam loucos aos crentes; amanhã, seráa vez dos que não crerem; foi o mesmo que se deu comos que acreditavam no movimento de rotação da Terra.Nem todos os sábios, porém, julgaram do mesmo modo;e notai que agora chamo sábios aos homens de estudo esaber, tenham ou não tenham um título oficial.

Muitos fizeram o seguinte raciocínio:"Não há efeito sem musa, e os efeitos mais vulga-

res podem conduzir-mos à solução dos mais difíceisproblemas.

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"Se Newton não tivesse prestado atenção à quedade uma <maçã; se Galvami tivesse repelido s>ua serva elhe chamasse visionária e louca, quando esta lhe faloudas rãs que dançavam <no prato, talvez ainda 'estivésse-mos sem conhecer a ^admirável lei da gravitação univer-sal e as fecundas propriedades da pilha elétrica.

"O fenómeno, burlescamente designado sob o nomede damça das 'mesas, não é mais ridículo que a dançadas rãs, e, talvez, encerre algiu\ns desses segredos daNatureísa,, que, quando se tem a chave para explicá-los,revolucionam a Humanidade."

Eles disseram ainda:"Já que tanta gente se ocupa com eles, e homens

notáveis fizeram deles o objeto do seu estudo, é precisoque alguma coisa de verdade se encontre em tais fenó-menos; uma ilusão, uma farsa, se o quiserem, não podeter esse caráter de generalidade; seria divertimento paracerto círculo, para certa sociedade, "mas não daria avolta ao mundo.

"Guardemo-nos, pois, de negar a possibilidade doque não compreendemos, com receio de receber, maiscedo ou mais tarde, o desmentido que desabomaria nossaperspicácia."

V. — Perfeitamente; eis aí um sábio raciocinandocom sabedoria e prudência; e, sem ser sábio, eu pensoigualmente; notai, porém, que ele nada afirma, mas du-vida; ora, qual é a base em que se firma a crença naexistência dos Espíritos e, sobretudo, na sua comunica-ção conosco?

A. K. — Essa crença apóia-se sobre o raciocínio esobre os fatos. Eu próprio não a adotei senão depois demeticuloso exame. Tendo adquirido, no estudo das ciên-cias exatas, o hábito das coisas positivas, sondei, pers-crutei esta nova ciência nos seus mais íntimos refolhos;busquei explicar-me tudo, porque não costumo aceitarideia alguma sem lhe conhecer o como e o porquê.

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Eis o raciocínio que me fazia um sábio médico,outrora incrédulo e hoje fervoroso adepto:

"Dizem que seres invisíveis se comunicam; por quenegá-lo ?

"Antes de inventar-se o microscópio, suspeitavaalguém que existissem esses milhares de animálculos quecausam tantos estragos à economia?

"Onde a impossibilidade material de haver no es-paço seres que escapem aos nossos sentidos?

"Teremos, acaso, a ridícula pretensão de saber tudo,e de dizer que Deus nada mais nos pode revelar?

"Se esses seres invisíveis que nos rodeiam, são inte-ligentes, por que não poderão comunicar-se conosco? Seestão em relação com os homens, devem desempenhar umpapel no seu destino, nos acontecimentos da vida destes.Quem sabe se eles não constituem uma das potências daNatureza, uma dessas forças ocultas de que nem suspei-távamos ? ' i

"Que novo horizonte vai abrir-se ao pensamento!Que campo tão vasto de observação!

"A descoberta do mundo dos invisíveis tem muitomais alcance que a dos infinitamente pequenos; ela émais que vima descoberta, é uma revolução nas ideias.

"Quanta luz pode projetar essa descoberta? Quantascoisas misteriosas explicadas?

"Os crentes são ridiculizados, mas que valor temisso, quando o mesmo se tem dado a respeito de todasas grandes descobertas?

"Cristóvão Colombo não foi repelido, sobrecarregadode desgostos, tratado como insensato?

"São ideias tão estranhas, dizem, que não se lhesdeve dar crédito; mas a isso se pode responder que datade meio século a possibilidade de, em alguns minutos,estabelecer-se correspondência entre dois pontos opostosdo nosso planeta; em algumas horas, atravessar-se aFrança; com o vapor produzido por um pouco de águafervente, um navio avançar contra o vento; e tirarmosda água os meios de iluminar-nos e aquecer-nos.

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"Quem, há meio século, se tivesse proposto iluminartoda a cidade de Paris em um instante e com um sóreservatório de uma substância invisível, apenas conse-guiria fazer rir de si.

"Será isso, porventura, coisa mais prodigiosa que oespaço ser povoado pelos seres pensantes que, depois dehaverem vivido na Terra, nela deixaram seu invólucromaterial ?

"Não se achará neste fato a explicação de tantascrenças que existem desde os mais remotos tempos?

"São coisas que bem merecem estudo aprofundado."Eis as reflexões de um sábio, mas de um sábio sem

pretensão; elas são igualmente feitas por muitos outro?homens esclarecidos; estes viram, não superficialmentee de ânimo prevenido; estudaram seriamente, sem par-tido fixo, e tiveram a modéstia de não dizer: não com-preendemos, isto não pode ser a verdade. Sua convicçãoformou-se pela observação e pelo raciocínio. Se essasideias fossem uma quimera, acreditais que todos esseshomens sisudos as tivessem adotado? Que, por tantotempo, pudessem ser vítimas de uma ilusão?

Não há, pois, impossibilidade material de existiremseres invisíveis para nós, povoando o espaço, e esta sóconsideração devia bastar para exigir mais circunspeção.

Quem, há bem pouco, poderia pensar que uma sógota de água límpida encerrasse milhares de seres, cujapequenez extrema nos confunde a imaginação?

Ora, eu digo que há mais dificuldade em conceber anossa razão seres de tal tenuidade, providos de todos osnossos órgãos e funcionando como nós, do que admitiraqueles a quem damos o nome de Espíritos.

V. — Sem dúvida, mas por ser uma coisa possível,não devemos concluir que exista.

A. K. — Ê exato; mas não podeis deixar de convirque, desde que uma coisa não é impossível, já ela avan-çou, porque a razão não a repele. Resta, pois, averiguá-lapela observação dos fatos. Ora, essa observação não é

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nova: tanto a história sagrada quanto a profana provama antiguidade e a universalidade dessa crença, que seperpetuou através de todas as vicissitudes por que tempassado o mundo, e se mostra, entre os mais selvagenspovos, no estado de ideias inatas e intuitivas, e tão gra-vadas no pensamento como a do Ente Supremo e a daexistência futura.

O Espiritismo, pois, não é uma criação moderna;tudo prova que os antigos o conheciam tão bem, ou talvezmelhor que nós; somente ele não era ensinado, senão comprecauções misteriosas que o tornavam inacessível aovulgo, abandonado de propósito no lamaçal da superstição.

Quanto aos fatos, eles são de duas naturezas: unsespontâneos e outros provocados. Entre os primeirosestão as visões e as aparições, tão frequentes; os ruídos,barulhos e movimentações de objetos, sem causa mate-rial, e grande número de efeitos insólitos que olhávamoscomo sobrenaturais e hoje nos parecem simples, porquenão admitimos o sobrenatural, visto como tudo sesubmete às leis imutáveis da Natureza. Os fatos provo-cados são os obtidos por intermédio de médiuns.

Falsas explicações dos fenómenos

Ahucmação. — Fluido magnético. — Reflexo do pensa-mento. —l Sivperexcitação cerebral. — Estado sonam-búlico dos médiwns.

V. — É contra os fenómenos provocados que prin-cipalmente a crítica se levanta.

Ponhamos de lado toda suposição de charlatanismo,e admitamos a mais completa boa-fé; não será possívelque os médiuns sejam vítimas de uma alucinação?

A. K. — Ignoro que já se tenha claramente expli-cado o mecanismo da alucinação.

Da forma como querem defini-la, ela não deixa deser um efeito singularíssimo e digno de estudo.

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É pena, porém, que aqueles que por meio dela pre-tendem dar conta dos fenómenos espíritas, não possamantes apresentar a explicação deles.

Há, além disso, fatos que escapam a essa hipótese:quando a mesa ou outro objeto se move, se ergue, oubate; quando a dita mesa, à vontade, passeia por umacâmara, sem que pessoa alguma lhe toque; quando ela sedestaca do solo e se suspende no espaço, sem ponto deapoio; enfim, quando, ao cair, se despedaça, tudo issonão pode ser o efeito de uma alucinação.

Suponho que o médium, por um produto da suaimaginação, creia ver o que não existe. Será admissívelque todos os presentes sejam, ao mesmo tempo, vítimasda mesma vertigem? E quando o mesmo fato se repro-duz por toda parte, em todos os países? A ser assim,essa alucinação seria prodígio maior que o próprio fato.

V. — Admitindo a realidade do fenómeno das mesasque giram e falam, não será mais racional atribuí-lo àação de um fluido qualquer, do magnético, por exemplo?

A. K. — Tal foi o primeiro pensamento que tive,como tantos outros.

Se tudo se limitasse a esses efeitos materiais, nãohá dúvida de que poderiam ser assim explicados; porém,quando esses movimentos e golpes nos deram provas deinteligência; quando se reconheceu que respondiam aopensamento com inteira liberdade, foi-se levado a tirara seguinte conclusão:

"Se todo efeito tem uma causa, o efeito inteligentetem uma causa inteligente."

Poderão tais fenómenos ser produzidos por um fluido,sem se admitir que esse fluido seja dotado de inteli-gência ?

Quando vedes os aparelhos do telégrafo fazeremsinais transmitindo o pensamento, bem compreendeis queesses aparelhos, de ferro ou de madeira, não são inteli-gentes, mas que é uma inteligência quem os faz mover.

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Dá-se o mesmo com as mesas a que nos referimos. Dão-se,ou não, efeitos inteligentes? Esta a questão.

Os que contestam, são pessoas que nada viram aindae se apressam a concluir, segundo suas ideias particula-res e baseadas, quando muito, em observação superficial.

V. — Pode-se responder que, se há um efeito inte-ligente, este pode ser um reflexo da inteligência, sejado médium, seja de quem interroga, ou mesmo dos assis-tentes; porque, dizem, a resposta recebida estava semprerio pensamento de alguém.

A. K. — É ainda um erro, filho da falta de obser-vação.

Se os que assim pensam se tivessem dado ao traba-lho de estudar o fenómeno em todas as suas fases, nãodeixariam de reconhecer, a cada passo, a independênciaabsoluta da inteligência que se manifesta.

Como conciliar essa tese com as respostas obtidas,tão fora do alcance intelectual e da instrução do médium?respostas que vão de encontro às suas ideias, desejos eopiniões, ou que destroem completamente as previsõesdos assistentes? Quando os médiuns escrevem em umalíngua que não conhecem, ou escrevem na sua própriaquando não sabem ler nem escrever? Ã primeira vista,essa opinião nada tem de irracional, convenho, mas édesmentida por um conjunto de fatos tão concludentesque, diante deles, é impossível duvidar. Além disso,mesmo admitindo-se essa teoria, o fenómeno, longe deser simplificado, seria muito mais prodigioso.

Pois quê! o pensamento poderá refletir-se sobre umasuperfície, como a luz, o som, o calórico?!

Em verdade, havia nisto um motivo para a Ciênciaexercer a sua sagacidade.

E depois ainda o maravilhoso seria maior, porque,achando-se presentes vinte pessoas, será o pensamentodesta ou daquela que é refletido, ou o desta ou daquelaoutra? Tal sistema é insustentável.

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Ê realmente curioso ver-se os contraditores empe-nharem-se na busca de causas, cem vezes mais extraordi-nárias e incompreensíveis do que aquelas que se lhesapresenta.

V. — Não será admissível, segundo querem alguns,que o médium se ache em estado de crise e goze certalucidez, que lhe dá a percepção sonambúlica — espéciede dupla vista —, que aliás nos pode explicar a ampliaçãomomentânea de suas faculdades intelectuais? Por que,dizem, as comunicações obtidas pelos médiuns não vãoalém do alcance das que nos dão os sonâmbulos?

A. K. — Ê ainda esse um desses sistemas que nãoresistem a um exame aprofundado. Q médium nem seacha em crise nem dorme, mas está perfeitamente acor-dado, agindo e pensando como os outros, sem nada apre-sentar de extraordinário. Certos efeitos particularesderam lugar a essa suposição; porém, quem se não limi-tar a julgar as coisas, por uma só face, reconhecerá semdificuldade que o médium é dotado de uma faculdadeparticular, que não permite confundi-lo com o sonâmbulo,sendo a independência do seu pensamento demonstradapor fatos da maior evidência.

Abstraindo das comunicações escritas, qual o sonâm-bulo que fez alguma vez sair um pensamento de um corpoinerte? Qual deles pôde produzir aparições visíveis e,mesmo, tangíveis? Qual fez que um corpo pesado semantivesse suspenso no ar, sem ponto de apoio?

Será por efeito sonambúlico que certo médium dese-nhou, um dia, em minha casa e na presença de vintetestemunhas, o retrato de uma jovem, morta havia de-zoito meses e a quem ele não conhecera, retrato reconhe-cido pelo próprio pai da jovem, presente então à sessão?Será por efeito do mesmo género que uma mesa respondecom precisão às questões propostas, mesmo feitas men-talmente? Certamente, se admitirmos que o médium seache em estado magnético, parece-me difícil crer que amesa seja sonâmbula.

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Dizem, ainda, que os médiuns só falam com clarezadaquilo que é conhecido. Como explicar o fato seguintee cem outros da mesma espécie? — Um dos meus ami-gos, muito bom médium escrevente, perguntou a umEspírito se uma pessoa que ele tinha perdido de vista,havia quinze anos, era ainda deste mundo.

"Sim, ainda vive, foi-lhe respondido; mora em Paris,rua tal, número tanto."

Ele foi e encontrou a pessoa no lugar indicado.Seria isso uma ilusão?Seu pensamento poderia sugerir-lhe tal resposta,

quando, por causa da idade da pessoa por quem eleperguntava, havia toda a probabilidade de ela não exis-tir mais?

Se, em certos casos, vemos respostas combinaremcom o pensamento de quem pergunta, será racional con-cluirmos que isso seja uma lei geral?

Nisso como em todas as coisas, são sempre perigososos juízos precipitados, porque eles podem ser desmenti-dos pelos fatos que ainda se não observaram.

Não basta que os incrédulos vejam para quese convençam

V. — O que os incrédulos desejam ver, pedem, ena maioria das vezes não se lhes fornece, são os fatospositivos. Se todos testemunhassem esses fatos, a dúvidanão mais seria permitida. Como é que tanta gente, apesarde sua vontade, nada tem conseguido ver?

Apresentam-lhes como motivo, dizem eles, a suafalta de fé; ao que respondem, e com razão: que nãopodem ter fé antecipada e que se lhes deve dar os meiospara poderem crer.

A. K. — É simples a razão. Eles querem que osfatos obedeçam à sua ordem e a Espíritos não se podedar ordens; é preciso esperar pela boa-vontade deles.

Não basta dizer: Mostrai-me tal fato e eu crerei;é necessário ter-se a vontade de perseverar,, deixar que

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os fatos se produzam espontaneamente, sem pretenderforçá-los ou dirigi-los; aquele que mais desejais será,talvez, precisamente o que não obtereis; virão, porém,outros, e o que quereis se apresentará, quando menoso esperardes.

Aos olhos do observador atento e assíduo surgemeles inumeráveis, corroborando-se uns aos outros; masquem acreditar que basta tocar a manivela, para fazerque a máquina ande, engana-se redondamente.

Que faz o naturalista quando quer estudar os há-bitos de um animal? Mandá-lo-á fazer tal ou qual coisa,para com vagar observá-lo à sua vontade? Não; porquebem sabe que o animal não lhe obedecerá; mas espreitaas manifestações espontâneas do instinto do animal; es-pera-as e colhe-as na passagem. O simples bom-sensomostra que, com mais forte razão, deve proceder-se domesmo modo com os Espíritos, que são inteligênciasmuito mais independentes que as dos animais.

Ê erro crer que se exija fé antecipada de quem querestudar; o que se exige é boa-fé, aliás coisa diversa;ora, há cépticos que negam até a evidência e aos quaisos próprios prodígios não convenceriam.

Quantos deles, depois de haverem visto, não persis-tem ainda em explicar os fatos a seu modo, dizendo queo que viram nada prova? Essas pessoas só servem paratrazer perturbação ao seio das reuniões, sem que elasmesmas lucrem coisa alguma; por isso, deixamo-las àmargem, por não querermos com elas perder nossotempo.

Muitos até ficariam incomodados, se se vissem for-çados a crer, por terem de ferir seu amor-próprio coma confissão de se haverem enganado.

Que se pode responder a quem não vê por toda partesenão ilusão e charlatanismo? Nada; é melhor deixá-lostranquilos e dizerem tanto quanto quiserem, que nada vi-ram, e, mesmo, que nada se pôde ou se quis mostrar-lhes.

Ao lado desses cépticos endurecidos estão os quequerem ver a seu modo, que, tendo formado uma opinião,pretendem por ela explicar tudo; estes não compreendem

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que os fenómenos se possam dar contrariamente ao seudesejo; não sabem ou não querem colocar-se nas condi-ções precisas para obtê-los.

Quem de boa-fé deseja observar, deve, não digo crersob palavra, mas abandonar toda ideia preconcebida enão querer comparar coisas incompatíveis; cumpre-lheaguardar, seguir, observar com paciência infatigável;esta condição é também favorável aos que se tornamadeptos, pois que ela prova não haverem formado levia-namente a sua convicção. Disponde vós de tal paciência?Não, e direis: por falta de tempo. Então não vos ocupeis,não faleis mais nisso, pois ninguém a tal vos obriga.

Boa ou má-vontade dos Espíritos para convencer

V. — Os Espíritos devem almejar fazer prosélitos;por que não se prestam, melhormente, aos meios de con-vencer certas pessoas, cuja opinião teria grande in-fluência?

A. K. — É por julgarem que, naquele momento, nãodevem fornecer provas às pessoas a quem não ligam aimportância que elas pretendem ter.

É isso pouco lisonjeiro, convenho, porém não temoso direito de impor-lhes a nossa opinião; os Espíritos têmsua maneira de julgar as coisas, a qual nem sempre secoaduna com a nossa; eles vêem, pensam e agem segun-do outros elementos; ao passo que a nossa vista é cir-cunscrita pela matéria, limitada pela estreiteza do círculoem que vivemos, eles abrangem o conjunto; o tempo,que nos parece tão longo, é para eles um instante; adistância, um simples passo, e certos pormenores, paranós de importância extrema, são f utilidades a seus olhos;em compensação, ligam às vezes importância a coisascujo verdadeiro alcance nos escapa.

Para compreendê-los é preciso nos elevarmos pelopensamento acima do horizonte material e moral, colo-carmo-nos no seu ponto de vista, pois que não são eles

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que devem descer ao nosso nível, mas subirmos nós atéeles, é o que nos ensinam o estudo e a observação.

Os Espíritos gostam dos observadores assíduos econscienciosos; para estes multiplicam eles as fontes deluz; o que os afugenta não é a dúvida que nasce da igno-rância, é a fatuidade desses pretensos observadores quenada observam, que desejam colocá-los no banco dos réuse fazê-los moverem-se como títeres; é o sentimento dehostilidade e descrédito que exista em seus pensamentos,quando o não traduzam por palavras.

Por sua causa os Espíritos nada fazem, pouco seimportando com o que possam dizer ou pensar, porqueo seu dia também chegará.

Por isso vos dizia eu que não é a f é antecipada oque pedimos, mas, sim, a boa-fé.

Origem das ideias espíritas modernas N

V. — Uma coisa que eu desejava saber, meu amigo,é o ponto de partida das ideias espíritas modernas; serãoelas filhas de uma revelação espontânea dos Espíritos,ou o resultado de uma crença prévia na existência deles?

Compreendeis a importância de minha pergunta;porque, neste último caso, é admissível que a imagina-ção possa nisso ter desempenhado seu papel.

A. K. — Como dissestes, essa questão tem impor-tância, no ponto de vista em que vos achais, ainda queseja difícil acreditar-se, supondo essas ideias nascidas deuma crença antecipada, que a imaginação pudesse pro-duzir todos os resultados materiais observados.

De fato, se o Espiritismo fosse fundado no pensa-mento preconcebido da existência dos Espíritos, po-der-se-ia, com alguma aparência de razão, duvidar dasua veracidade; porque, se o princípio fosse uma quime-ra, as consequências dele emanadas também o seriam;mas as coisas não se passaram assim. Notai, em primeirolugar, que essa marcha seria totalmente ilógica; os Es-

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píritos são a causa e não o efeito; quando se vê umefeito, pode-se procurar-lhe a causa, mas não é naturalimaginar-se uma causa antes de lhe ter visto os efeitos.Não era, pois, possível conceber o pensamento da exis-tência dos Espíritos, se efeitos não se tivessem mostrado,que achassem explicação provável na existência de seresinvisíveis.

Pois bem! não foi mesmo deste modo que nasceutal pensamento; isto é, não foi ele uma hipótese imagi-nada com o fim de explicar certos fenómenos; a primeirasuposição feita, foi a de uma causa material.

Assim, longe de que os Espíritos fossem uma ideiapreconcebida, partiu-se, para chegar a eles, do ponto devista materialista. Não se podendo, porém, por este meioexplicar tudo, somente a observação conduziu à causaespiritual.

Falo das ideias espíritas modernas; pois sabemosque essa crença é tão velha quanto o mundo.

Eis a marcha das coisas: fenómenos espontâneos seproduziram, tais como ruídos estranhos, pancadas, movi-mentos de objetos, etc., sem causa ostensiva conhecida,realizando-se sob a influência de certas pessoas. Nada,até aí, autorizava a buscar-se-lhes a causa fora da açãode um fluido magnético ou outro qualquer, de proprie-dade ainda desconhecida. Não se tardou, porém, a reco-nhecer nesses ruídos e movimentos um caráter inten-cional e inteligente, do que se concluiu, como já o disse,que: Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligentetem uma causa inteligente. Esta inteligência não podiaestar no objeto, porque a matéria não é inteligente. Seriao reflexo da pessoa ou das pessoas presentes?

Assim se julgou no começo, como já igualmentevo-lo disse; só a experiência podia pronunciar-se, e elademonstrou por provas irrecusáveis, em muitas circuns-tâncias, a completa independência da inteligência que semanifesta. Ela não pertencia, pois, nem ao objeto nemà pessoa. Quem era então? Ela própria respondeu, de-clarando pertencer aos seres incorpóreos chamados Es-píritos.

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A ideia dos Espíritos não preexistia, nem mesmo lhefoi consecutiva; em uma palavra, não nasceu do cérebrode ninguém, mas nos foi dada pelos Espíritos mesmos,e tudo o que soubemos depois, a seu respeito, foi-nospor eles ensinado.

Uma vez revelada a existência dos Espíritos e esta-belecidos os meios de nos comunicarmos com eles, pôde-seentreter conversações seguidas e obter informações sobrea natureza desses seres, condições de sua existência eseu papel no mundo visível.

Se assim pudéssemos interrogar os seres do mundodos infinitamente pequenos, quantas coisas curiosas nãoficaríamos sabendo sobre eles!

Suponhamos que, antes da descoberta da América,um fio elétrico estivesse estabelecido através do Atlân-tico, e que na sua extremidade europeia se houvessemproduzido alguns sinais inteligentes, e ter-se-ia logo con-cluído que na outra extremidade se achavam seres inte-ligentes, que desejavam comunicar-se; teríamos inter-rogado e eles teriam respondido. Ficaríamos assim coma certeza da sua existência, e podia-se adquirir o conhe-cimento dos seus costumes, usos e modos de ser, apesarde nunca os havermos visto.

Foi o que se deu nas relações com o mundo invi-sível: as manifestações materiais foram sinais e meiosde aviso que nos conduziram a comunicações mais regu-lares e mais seguidas.

E — coisa notável — à medida que meios de maisfácil comunicação se acham ao nosso dispor, os Espíritosabandonam os primitivos, insuficientes e incómodos, qualo mudo que, recuperando a palavra, renuncia à lingua-gem dos sinais.

Quem eram os habitantes desse mundo? Eram seresà parte, estranhos à Humanidade? Eram bons ou maus?

Foi ainda a experiência quem se encarregou da solu-ção de tais problemas; mas, até que observações nume-rosas tivessem derramado luz sobre o assunto, o campodas conjeturas e dos sistemas esteve aberto, e Deus sabequantos surgiram! Uns creram ser os Espíritos superio-

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rés em tudo, outros, neles só viram demónios; era só porsuas palavras e atos que podiam julgá-los.

Suponhamos que dentre os desconhecidos habitantestransatlânticos, de que acabamos de falar, uns tenhamdito muito boas coisas, ao passo que outros se faziamnotar pelo cinismo da linguagem; ter-se-ia logo concluídoque entre eles havia bons e maus.

Foi o que aconteceu com os Espíritos; foi assim quese reconheceu entre eles todos os graus de bondade emalvadez, de saber e ignorância.

Uma vez bem informados acerca dos defeitos e dasboas qualidades que entre eles se encontram, cabe ànossa prudência distinguir o que é bom do que é mau,o verdadeiro do falso em suas relações conosco, absolu-tamente como procedemos a respeito dos homens.

A observação não nos esclareceu somente sobre asqualidades morais dos Espíritos, mas, também, sobre asua natureza e sobre o que podemos chamar estado fisio-lógico. Ficou-se sabendo, por eles mesmos, que uns sãomuito felizes e outros muito desgraçados; que não sãoseres à parte, de natureza excepcional e, sim, as almasdaqueles que já viveram na Terra, onde deixaram seuinvólucro corpóreo, e que hoje povoam os espaços, noscercam, nos acotovelam sem cessar, e, dentre eles, cadaqual pode, por sinais incontestáveis, reconhecer seus pa-rentes e amigos e os que conhecera na Terra; pode-seacompanhá-los em todas as fases de sua existência dealém-túmulo, desde o instante em que abandonam ocorpo, e observar sua situação segundo o género de mortee modo pelo qual viveram na Terra.

Enfim, soube-se que eles não são entes abstratos,imateriais, no sentido absoluto da palavra; possuem uminvólucro, a que chamamos perispírito, espécie de corpofluídico, vaporoso, diáfano, invisível no estado normal,que, em certos casos e por uma espécie de condensaçãoou de disposição molecular, pode tornar-se momentanea-mente visível e mesmo tangível; e, desde então, ficouexplicado o fenómeno das aparições e do contacto.

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Enquanto dura o corpo, esse invólucro é um laço queo prende ao Espírito; quando, porém, o corpo morre, aalma ou o Espírito, que é a mesma coisa, abandona-o,sem, contudo, deixar o primeiro envoltório, do mesmomodo como despimos as peças exteriores da nossa roupa,para só conservarmos as interiores; assim como o frutodespojado do invólucro cortical conserva ainda o pe-risperma.

É esse invólucro semimaterial do Espírito que lheserve de meio para a produção de diferentes fenómenos,pelos quais ele se nos manifesta.

Tal é, em poucas palavras, cavalheiro, a história doEspiritismo; bem vedes, e reconhecereis ainda melhorquando o tiverdes estudado a fundo, que tudo nele é oresultado da observação e não de um sistema precon-cebido.

Meios de comunicação

F. — Falastes de meios de comunicação; podereisdar-me disso uma ideia, porquanto é difícil compreendercomo podem esses seres invisíveis conversar conosco?

A. K. — De boa-vontade; vou fazê-lo, contudo, abre-viadamente, porque isto exigiria prolongado desenvolvi-mento, que encontrareis minuciosamente em O Livro dosMédiuns. Mas o pouco que eu vos disser, agora, bastarápara facilitar-vos a compreensão do mecanismo e ser-virá, sobretudo, para vos dar uma ideia de algumas dasexperiências, a que podereis assistir, antes de começara vossa iniciação. A existência desse envoltório semima-terial é já uma chave para a explicação de muitas coisase mostra-vos a possibilidade de certos fenómenos.

Quanto aos meios, são muito variados e dependemtanto da natureza, mais ou menos apurada dos Espíritos,quanto das disposições peculiares às pessoas que lhesservem de intermediárias. O mais vulgar — o que se podechamar universal — consiste na intuição, isto é, nas

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ideias e pensamentos que eles nos sugerem; é este,porém, um meio pouco apreciável, na generalidade doscasos; outros existem mais materiais. Certos Espíritosse comunicam por pancadas, respondendo por sim ou pornão, ou designando as letras que devem formar as pala-vras. As pancadas podem ser obtidas pelo movimento deoscilação de um objeto, de uma mesa, por exemplo, quebate com o pé. Muitas vezes se fazem ouvir nas própriassubstâncias dos corpos, sem que estes se movimentem.Esse modo primitivo é demorado e dificilmente se prestaa comunicações de certo desenvolvimento; a escrita subs-tituiu-o, e é obtida de diferentes maneiras.

Serviu-se no começo, e serve-se ainda algumas vezes,de um objeto móvel, como uma prancheta, uma cestinha,uma caixa, ao qual se adapta um lápis, cuja ponta pousasobre o papel. A natureza e a substância do objeto sãoindiferentes. O médium coloca as mãos sobre esse objeto,ao qual transmite a influência que recebe do Espírito,e o lápis traça os caracteres. O objeto assim empregadonão é, propriamente falando, mais que um apêndice damão, uma espécie de porta-lápis.

Depois, reconheceu-se a inutilidade desse interme-diário, que não é senão uma complicação de meios, cujoúnico mérito está em demonstrar, de modo mais palpá-vel, a independência do médium; este último pode es-crever, segurando, ele mesmo, o lápis.

Os Espíritos manifestam-se ainda e podem transmi-tir seus pensamentos por sons articulados, que se fazemouvir, seja no ar, seja no interior do órgão auditivo, pelavoz do médium, pela vista, por desenhos, pela músicae por muitos outros meios que um estudo completo tornaconhecidos.

Os médiuns possuem, para esses diferentes modosde comunicação, aptidões especiais que dependem de suaorganização. Assim, temos médiuns de efeitos físicos,isto é, aptos para produzir fenómenos materiais, comopancadas, movimentos de corpos, etc.; há médiuns audi-tivos, falantes, videntes, desenhadores, músicos, escreven-tes. Esta última faculdade é a mais comum, a que melhor

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se desenvolve pelo exercício e também a mais preciosa,por ser a que permite comunicações mais frequentes erápidas.

O médium escrevente apresenta numerosas varieda-des, das quais duas são muito distintas. Para compreen-dê-las, é necessário saber-se o modo pelo qual se operao fenómeno. O Espírito atua, algumas vezes, diretamentesobre a mão do médium, à qual dá um impulso total-mente independente da vontade deste, e sem que eletenha consciência do que escreve: é o médium escreventemecâmoo. Outras vezes, atuando sobre o cérebro domédium, seu pensamento se comunica com o deste que,então, se bem que escrevendo de modo involuntário, temconsciência mais ou menos nítida do que obtém: é omédium intwtivo; seu papel é exatamente o de um in-térprete, que transmite um pensamento que não é o seue que, portanto, ele deve compreender. Ainda que, nestecaso, o pensamento do Espírito e o do médium se con-fundam algumas vezes, a experiência ensina a distin-gui-los com facilidade.

Obtêm-se comunicações igualmente boas por essesdois géneros de médiuns; a vantagem dos que são mecâ-nicos é proveitosa sobretudo para as pessoas que aindanão estão convencidas. Demais, a qualidade essencial deum médium está na natureza dos Espíritos que o assis-tem, nas comunicações que recebe, antes que nos meiosde execução.

V. — O processo parece-me dos mais simples. Po-deria eu mesmo experimentá-lo?

A. K. — Perfeitamente; digo mais: se possuirdes afaculdade mediúnica, tereis o melhor meio de vos con-vencer, porque não podeis duvidar da vossa boa-fé. So-mente, aconselho-vos vivamente a não tentardes ensaioalgum antes de acurado estudo. As comunicações doalém-túmulo são cercadas de mais dificuldades do quese pensa; elas não estão isentas de inconvenientes e,mesmo, de perigos, para os que não têm a necessária

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experiência. É o mesmo que aconteceria àquele que, semsaber Química, tentasse fazer manipulações químicas;correria o risco de queimar os dedos.

V. — Há algum sinal pelo qual se possa reconhecera posse dessa aptidão?

A. K. — Até ao presente não se conhece um diag-nóstico para a mediunidade; todos os que julgamos des-cobrir, são sem valor; experimentar é o único meio desaber se a faculdade existe.

Além disso, os médiuns são muito numerosos e éraríssimo, quando não o sejamos, não se encontrar algumem qualquer dos membros de nossa família, ou nas pessoasque nos cercam.

O sexo, a idade e o temperamento são indiferentes;eles aparecem entre os homens e mulheres, entre crian-ças, velhos, doentes e pessoas sadias.

Se a mediunidade se traduzisse por um sinal exteriorqualquer, isto implicaria a permanência da faculdade, aopasso que ela é essencialmente móbil e fugidia. Sua causafísica está na assimilação, mais ou menos fácil, dos flui-dos perispirituais do encarnado e do Espírito desencar-nado; sua causa moral está na vontade do Espírito quese comunica, quando isto lhe apraz, e não segundo anossa vontade, donde resulta: 1.°, que nem todos os Espí-ritos podem comunicar-se indiferentemente por todos osmédiuns; 2.°, que todo médium pode perder ou ver sus-pender-se a sua faculdade, quando ele menos o esperar.

Estas poucas palavras bastam para mostrar que hánisto um sério estudo a fazer-se, a fira de se poder expli-car as variações que esse fenómeno apresenta. Seria,pois, um erro crer que todo Espírito possa vir responderao apelo que lhe é feito, e se comunicar pelo primeiromédium de que se lance mão. Para que um Espírito secomunique, é preciso: 1.°, que lhe convenha fazê-lo;2.°, que sua posição ou suas ocupações lho permitam; 3.°,que encontre no médium um instrumento apropriadç àsua natureza.

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Em princípio, podemos comunicar-nos com os Espí-ritos de todas as categorias, com os nossos parentes eamigos, com os mais elevados como com os mais vulga-res; porém, independente das condições individuais depossibilidade, eles vêm mais ou menos de boa-vontadesegundo as circunstâncias e, sobretudo, segundo a suasimpatia pelas pessoas que os chamam, e não pelo pedidodo primeiro que tenha a fantasia de evocá-los por umsentimento de curiosidade; nestas circunstâncias, se eles,quando na Terra, não se incomodariam com elas, depoisda morte não o fazem também.

Os Espíritos sérios só comparecem nas reuniõessérias, para onde os chamam com recolhimento e paracoisas sérias; não se prestam a responder a perguntasde curiosidade, de prova, ou com um fim fútil, nemtambém a experiência alguma.

Os Espíritos frívolos andam por toda parte; porém,nas reuniões sérias, calam-se e conservam-se afastadospara escutar, como fariam estudantes em uma assembleiade doutos. Nas reuniões frívolas eles tomam a desforra,fazendo de tudo divertimento, zombando, muitas vezes,dos assistentes, e respondendo a tudo sem se importa-rem com a verdade.

Os Espíritos denominados batedores e, geralmente,todos os que produzem manifestações físicas, são deordem inferior, sem por isso serem essencialmente maus;possuem uma aptidão, de alguma sorte especial,'para osefeitos materiais; os Espíritos superiores não se ocupamcom essas coisas, assim como os sábios da Terra nãose entregam a exercícios de força muscular; quandoaqueles precisam que tais efeitos se dêem, lançam mãodos atrasados, como nós nos servimos dos trabalhadorespara os serviços pesados.

Médiuns interesseiros

V. — Antes de empreender um estudo de longo fô-lego, há muita gente que deseja ter certeza de que não

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vai perder o tempo, certeza que lhe poderia provir dofato concludente, mesmo obtido a peso de ouro.

A. K. — Aquele que não se quer dar ao trabalhode estudar, é antes guiado pela curiosidade, que pelodesejo real de se instruir; ora, os Espíritos, assim comoeu, não gostam dos curiosos. Além disso, a cobiça é-lhes,sobretudo, antipática, e eles recusam-se a prestar-lhequalquer serviço; crer que Espíritos superiores como Fe-nelon, Bossuet, Pascal, Santo Agostinho, se ponham àsordens do primeiro que os chame, a tanto por hora, éfazer ideia bem falsa das nossas relações com o mundoespiritual.

Não, senhor. As comunicações de além-túmulo sãoassunto muito grave e respeitabilíssimo para seremassim exibidas.

Sabemos que os fenómenos espíritas não se produ-zem como o movimento das rodas de um mecanismo,porquanto dependem da vontade dos Espíritos; mesmoadmitindo-se que um indivíduo possua aptidão mediúnica,nada lhe garante obter uma manifestação em dadomomento.

Se os incrédulos são inclinados a suspeitar da boa--fé dos médiuns em geral, muito pior seria se neles en-contrassem o estímulo do interesse; com razão se pode-ria suspeitar que o médium retribuído simulasse quandoo Espírito não o auxiliasse, pois que ele desejaria dequalquer forma ganhar dinheiro.

Além de que o desinteresse absoluto é a melhor ga-rantia de sinceridade, repugnaria à razão evocar pordinheiro os Espíritos das pessoas que nos são caras,supondo que eles consintam nisso, o que é mais que du-vidoso; em todos os casos só se prestariam a isso Espí-ritos de classe inferior, pouco escrupulosos a respeitode meios, e que não merecem confiança alguma; e estesmesmos, muitas vezes, encontram um divertimento mal-doso em frustrar as combinações e os cálculos do seuevocador. A natureza da faculdade mediúnica opõe-se,pois, a que ela sirva de profissão, à vista de sua depen-

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dência de vontade estranha à do médium, e de lhe poderela, no momento preciso, deixá-lo em falta, salvo se elea suprir pela astúcia.

Porém, admitindo mesmo inteira boa-fé, desde queos fenómenos não se produzem à vontade, seria puroacaso se, em sessão paga, se produzisse exatamente aqueleque desejávamos ver para nos convencermos.

Dai cem mil francos a um médium e não consegui-reis que ele obtenha que os Espíritos façam o que nãoquerem; essa dádiva, que viria desnaturar a intenção etransformá-la em violento desejo de lucro, seria antesum motivo para que ele fosse mal sucedido. Quando seestá bem compenetrado desta verdade — que a afeiçãoe a simpatia são os mais poderosos móveis de atraçãopara os Espíritos —, não se pode deixar de compreenderque não lhes agradam as solicitações de alguém quetenha a ideia de servir-se deles para ganhar dinheiro.

Aquele, pois, que precisa de fatos que o convençam,deve provar aos Espíritos sua boa-vontade por umaobservação séria e paciente, se deseja ser auxiliado; poisse é uma verdade que a fé não se impõe, não o é menos,que se não pode comprá-la.

V. — Compreendo esse raciocínio do ponto de vistamoral; entretanto, não é justo que aquele que empregaseu tempo, a bem da causa, não seja indenizado quandoesse tempo é roubado ao trabalho de que precisa paraviver ?

A. K. — Primeiro: será mesmo no interesse dacausa que ele o faz, ou no seu próprio?

Se ele deixou seu modo de vida, é porque não lhesatisfazia, e por esperar ganhar mais, em um novo, outer menos fadigas. Não há sacrifício algum no empregaro tempo em uma coisa de que se espera tirar lucro.Ê absolutamente o mesmo que se se dissesse ser no inte-resse da Humanidade que o padeiro fabrica o pão. A me-diunidade não é o único recurso; se ele não a tivesse,procuraria ganhar a vida de outro modo.

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Os médiuns verdadeiramente sérios e devotados,quando não possuem uma existência independente, pro-curam recursos no trabalho ordinário e não abandonamsuas profissões; eles não consagram à mediunidade senãoo tempo que lhe podem dar, sem prejuízo de outrasocupações; empregando parte do tempo destinado aosdivertimentos e repouso, nesse trabalho mais útil, elesse mostram devotados, tornam-se apreciados e respeitados.

A multiplicidade dos médiuns nas famílias torna, aodemais, inúteis os médiuns de profissão, ainda que estesofereçam todas as garantias desejáveis, o que é muitoraro.

Se não fosse o descrédito que acompanha esse gé-nero de exploração, para o que me felicito de muito haverconcorrido, os médiuns mercenários pululariam e osjornais viriam sempre cheios de seus reclamos; ora, paraum que fosse leal, apresentar-se-iam cem charlatães que,abusando de uma faculdade real ou simulada, fariam oimaior dano ao Espiritismo.

É, pois, um princípio: todos quantos vêem no Espi-ritismo coisa diferente de uma exibição de fenómenoscuriosos, que compreendem e tomam a peito a dignidade,consideração e os verdadeiros interesses da doutrina,reprovam toda espécie de especulação, qualquer que sejaa forma ou disfarce com que se apresente.

Os médiuns sérios e sinceros — e eu dou este nomeaos que compreendem a santidade do mandato que Deuslhes confiou — evitam até as aparências do que poderiafazer pairar sobre eles a menor suspeita de cobiça; elesconsideram uma injúria a acusação de tirarem qualquerlucro da sua faculdade.

Convinde, senhor, apesar de serdes incrédulo, queum médium nessas condições faria sobre vós uma impres-são totalmente diversa da que sentiríeis, se lhe tivésseispago para vê-lo trabalhar, ou, quando mesmo fosseisadmitido por favor, se soubésseis que atrás de tudo aquilohavia uma questão de dinheiro; concordai que vendo-oantes animado de um verdadeiro sentimento religioso,estimulado pela fé somente e não pelo desejo do ganho,

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involuntariamente o respeito por ele se vos impunha;seja embora ele o mais humilde proletário, inspirar-vos-ámais confiança, porque não há motivo algum para suspei-tardes da sua lealdade.

Pois bem! caro senhor, encontrareis mil como este,contra um que não esteja nas mesmas condições, e éesta uma das causas que mais têm concorrido para ocrédito e propagação da doutrina; ao passo que, se elasó tivesse intérpretes interessados, não contaria a quartaparte dos adeptos que possui hoje.

É perfeitamente compreensível que os médiuns deprofissão sejam excessivamente raros, pelo menos emFrança; eles são desconhecidos na maioria dos centrosespíritas da província, onde a reputação de mercenáriosbastaria para que os excluíssem de todos os grupos sé-rios, e onde para eles o ofício não seria lucrativo, porcausa do descrédito de que se tornariam objeto e daconcorrência de médiuns desinteressados, que se encon-,tram por toda parte.

Para suprir, seja a , f acuidade que lhes falta, seja ainsuficiência da clientela, há falsos médiuns que tudoaproveitam, servindo-se das cartas, da clara de ovo, daborra de café, etc., a fim de contentar a todos os gostos,esperando por esse meio, na falta de Espíritos, atrairos que ainda crêem nessas tolices.

Se eles unicamente a si prejudicassem, o mal nãoseria grande; porém, há pessoas que, sem nada aprofun-darem, confundem o abuso com a realidade, e disso seaproveitam os mal-intencionados, para dizer que é nissoque consiste o Espiritismo. Já vedes, pois, senhor, quese a exploração da mediunidade conduz a cometer abusosprejudiciais à doutrina, o Espiritismo sério tem razãode não aceitá-la, de repelir o seu auxílio.

y. — Tudo isso é muito lógico, concordo, mas osmédiuns desinteressados não se acham ao dispor de qual-quer e sentimo-nos constrangidos de incomodá-los; es-crúpulos que não nos embaraçam, quando buscamosaquele que recebe uma paga, convencido de que não lhe

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vamos roubar o tempo. Muita gente que se deseja con-vencer, acharia muito mais facilidade se existissem mé-dwms públicos.

A. K. — Se os médiuns públicos, como lhes chamais,não oferecem as garantias precisas, como poderiam serúteis para • levar alguém à convicção ? O inconvenienteque assinalais, não destrói os de muito mais gravidade,que vos citei.

Buscá-los-iam antes como divertimento, para ouvira buena-diaha, do que como meio de instrução. Aqueleque, seriamente, deseja convencer-se encontra os meios,mais tarde ou mais cedo, se tiver perseverança e boa--vontade; porém, quando não se está preparado para tal,não é por assistir a uma sessão que se ficará convencido.

Prova a experiência que, por se trazer dessas sessõesuma impressão desfavorável, sai-se menos disposto àconvicção, e talvez sem vontade alguma de prosseguirnum estudo em que nada se viu de sério.

Ao lado, porém, das considerações morais, os pro-gressos da ciência espírita, fazendo-nos melhor conheceras condições em que se produzem as manifestações, mos-tram-nos, hoje, a dificuldade material que se apresentaà sua produção, coisa de que ninguém a princípio suspei-tava: a necessidade de afinidades fluídicas entre o Espí-rito evocado e o médium.

Ponho de lado todo pensamento de fraude e embus-te, e suponho que exista a mais completa lealdade.

Para que um médium de profissão possa oferecertoda segurança às pessoas que o venham consultar, énecessário que ele possua uma faculdade permanenteuniversal, isto é, que ele se possa comunicar facilmentecom qualquer Espírito e a todo momento, para estarconstantemente à disposição do público, como um médi-co, e satisfazer a todas as evocações que lhe sejam pe-didas; ora, isto é o que não se encontra em médiumalgum, seja entre os desinteressados, seja entre os outros,e isto por causas independentes da vontade do Espírito,

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o que não posso desenvolver aqui, porque não estou fa-zendo um curso de Espiritismo.

Limito-me a dizer-vos que as afinidades fluídicas,princípio do qual dimanam as faculdades mediúnicas, sãoindividuais e não gerais, podendo existir do médium paratal Espírito, e não para tal outro; que, sem essas afini-dades, cujas variantes são múltiplas, as comunicações sãoincompletas, falsas ou impossíveis; que, as mais dasvezes, a assimilação fluídica entre o Espírito e o médiumsó se estabelece depois de algum tempo, ou somente umavez em dez acontece que ela seja completa desde a pri-meira vez.

A mediunidade, como vedes, cavalheiro, é subordi-nada a leis, de alguma sorte orgânicas, às quais todomédium está sujeito; ora, não se pode negar que isto éum obstáculo para a mediunidade de profissão, pois quea possibilidade e a exatidão das comunicações são umproduto de causas que não dependem do médium nemdo Espírito.

Se, pois, repelimos a exploração da mediunidade, nãoé nem por capricho, nem por sistema, mas porque ospróprios princípios que regem as nossas relações, como mundo invisível, se opõem à regularidade e precisãonecessárias naquele que se põe à disposição do público,e a quem o desejo de satisfazer à clientela, que lhe paga,arrasta ao abuso.

Não concluo, do que tenho dito, que todos os médiunsinteresseiros sejam charlatães; digo somente que a am-bição do ganho impele ao charlatanismo e autoriza asuspeita de velhacaria.

Quem deseja convencer-se deve, primeiro que tudo,procurar elementos de sinceridade.

Médiuns e feiticeiros

V. — Desde que a mediunidade não é mais que ummeio de entrar em relação com as potências ocultas,médiuns e feiticeiros são mais ou menos a mesma coisa.

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A. K. — Em todos os tempos houve médiuns na-turais e inconscientes que, pelo simples fato de produ-zirem fenómenos insólitos e incompreendidos, foram qua-lificados de feiticeiros e acusados de pactuarem com odiabo; foi o mesmo que se deu com a maioria dos sábiosque dispunham de conhecimentos acima do vulgar.A ignorância exagerou seu poder e, muitas vezes, elesmesmos abusaram da credulidade pública, explorando-a;daí a justa reprovação que os feriu.

Basta-nos comparar o poder atribuído aos feiticeiroscom a faculdade dos verdadeiros médiuns, para conhe-cermos a diferença, mas a maioria dos críticos não sequer dar a esse trabalho.

Longe de fazer reviver a feitiçaria, o Espiritismo aaniquila, despojando-a do seu pretenso poder sobrena-tural, de suas fórmulas, engrimanços, amuletos e talis-mãs, e reduzindo a seu justo valor os fenómenos possí-veis, sem sair das leis naturais.

A semelhança que certas pessoas pretendem estabe-lecer, provém do erro em que estão, julgando que osEspíritos estão às ordens dos médiuns; repugna à suarazão crer que um -indivíduo qualquer possa, à vontade,fazer comparecer o Espírito de tal ou tal personagem,mais ou menos ilustre; nisto eles estão perfeitamentecom a verdade, e, se antes de apedrejarem o Espiritismo,se tivessem dado ao trabalho de estudá-lo, veriam queele diz positivamente que os Espíritas não estão sujeitos<aos caprichos de ninguém, que ninguém pode, à vontade,constrangê-los a responder ao seu chamado; do que seconclui que os médiuns não são feiticeiros.

F. — Neste caso, todos os efeitos que certos médiunsacreditados obtêm, à vontade e em público, não são, aovosso ver, senão charlatanice ?

A. K. — Não o digo em absoluto. Tais fenómenosnão são impossíveis, porque há Espíritos de baixa cate-goria que se podem prestar à sua produção e que sedivertem, talvez por já terem sido prestidigitadores na

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vida terrena; também há médiuns especialmente própriospara esse género de manifestações; porém, o vulgar bom--senso repele a ideia de virem os Espíritos, por menoselevados que sejam, representar palhaçadas e fazer esca-moteações para divertimento dos curiosos. A obtençãodesses fenómenos à vontade, e sobretudo em público, ésempre suspeita; neste caso a mediunidade e a prestidi-gitação se tocam tão de perto que é difícil muitas vezesdistingui-las; antes de vermos nisso a ação dos Espíri-tos, devemos observar minuciosamente e ter em conta,quer o caráter e os antecedentes do médium, quer umgrande número de circunstâncias que só o estudo dateoria dos fenómenos espíritas nos pode fazer apreciar.

Deve-se notar que esse género de mediunidade, quan-do mediunidade nisso exista, limita-se a produzir sempreo mesmo fenómeno, salvo pequenas variantes, o que nãoé muito próprio para dissipar dúvidas. O desinteresseabsoluto é a melhor garantia de sinceridade.

Qualquer que seja o grau de veracidade desses fenó-menos, como efeitos mediúnicos, eles produzirão bom re-sultado, por darem voga à ideia espírita. A controvérsiaque se estabelece a respeito provoca em muitas pessoasum estudo mais aprofundado.

Não é certamente aí que se deve ir beber instruçõessérias sobre o Espiritismo, nem sobre a filosofia da dou-trina; porém, é um meio de chamar a atenção dos indife-rentes e obrigar os recalcitrantes a falarem dele.

Diversidade dos Espíritos

V. — Falais de Espíritos bons ou maus, sérios oufrívolos; confesso-vos que não compreendo essa diferen-ça; parece-me que, deixando o envoltório corporal, osEspíritos se despojam das imperfeições inerentes à ma-téria; que a luz se deve fazer para eles, sobre todas asverdades que nos são ocultas, e que eles ficam, libertosdos prejuízos terrenos.

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A. K. — Sem dúvida eles ficam livres das imper-feições físicas, isto é, das dores e enfermidades corpo-rais; porém, as imperfeições morais são do Espírito enão do corpo. Entre eles há alguns que são mais oumenos adiantados, moral e intelectualmente.

Seria erro acreditar que os Espíritos, deixando ocorpo material, recebem logo a luz da verdade.

É possível admitirdes que, quando morrerdes, nãohaja distinção alguma entre o vosso Espírito e o de umselvagem? Assim sendo, de que vos serviria ter traba-lhado para a vossa instrução e melhoramento, quandoum vadio, depois da morte, será tanto quanto vós?

O progresso dos Espíritos faz-se gradualmente e,algumas vezes, com muita lentidão. Entre eles algunshá que, por seu grau de aperfeiçoamento, vêem as coisassob um ponto de vista mais justo do que quando estavamencarnados; outros, pelo contrário, conservam ainda asmesmas paixões, os mesmos preconceitos e erros, até queo tempo e novas provas os venham esclarecer. Notai bemque o que digo é fruto da experiência, colhido no queeles nos dizem em suas comunicações. É, pois, um prin-cípio elementar do Espiritismo que existem Espíritos detodos os graus de inteligência e moralidade.

V. •— Por que não são perfeitos todos os Espíritos?Tê-los-á Deus assim criado em tão diversas categorias?

A. K. — Ê o mesmo que perguntar por que todosos alunos de um colégio não estão cursando a aula deFilosofia.

Todos os Espíritos têm a mesma origem e o mesmodestino; as diferenças que os separam, não constituemespécies distintas, mas exprimem diversos graus de adian-tamento. Os Espíritos não são perfeitos, porque não sãomais do que as almas dos homens, que não atingiramtambém a perfeição; e, pela mesma razão, os homensnão são perfeitos por serem encarnações de Espíritosmais ou menos adiantados. O mundo corporal e o mundoespiritual estão em contínuo revezamento; pela morte

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do corpo, o mundo corporal fornece seu contingente aoespiritual; pelos nascimentos, este alimenta a huma-nidade.

Em cada nova existência, o Espírito dá maior oumenor passo no caminho do progresso, e, quando adqui-riu na Terra a soma de conhecimentos e a elevação moralque o nosso globo comporta, ele o deixa, para ir viverem mundo mais elevado onde vai aprender novas coisas.

Os Espíritos que formam a população invisível daTerra são, de alguma sorte, o reflexo do mundo corpo-ral; neles se encontram os mesmos vícios e as mesmasvirtudes; há entre eles sábios, ignorantes e charlatães,prudentes e levianos, filósofos, raciocinadores, sistemáti-cos; como se não se despissem de seus prejuízos, todasas opiniões políticas e religiosas têm entre eles represen-tantes; cada um fala segundo suas ideias, e o que elesdizem é, muitas vezes, apenas a sua opinião pessoal; eiso motivo por que se não deve crer cegamente em. tudo oque dizem os Espíritos.

V. — Sendo assim, apresenta-se imensa dificuldade:nesses conflitos de opiniões diversas, como distinguir-seo erro da verdade? Não descubro a utilidade dos Espí-ritos, nem o que ganhamos em conversar com eles.

A. K. — Quando eles apenas servissem para dar-nosa prova de sua existência e de serem as almas dos ho-mens, só isto seria de grande importância para quantosainda duvidam que tenham uma alma e ignoram o queserá deles depois da morte.

Como todas as ciências filosóficas, esta exige longosestudos e minuciosas observações; é só assim que seaprende a distinguir a verdade da impostura, e que seadquire os meios de afastar os Espíritos enganadores.Acima dessa turba de baixa esfera, existem os Espíritossuperiores, que só têm em vista o bem, e cuja missão éguiar os homens pelo bom caminho; cumpre-nos sabê-losapreciar e compreender. Estes nos vêm ensinar grandescoisas: mas não julgueis que o estudo dos outros seja

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inútil; para bem conhecer um povo é necessário estu-dá-lo sob todas as faces. Vós mesmos tendes a provadisso; pensáveis que bastava aos Espíritos deixarem seuenvoltório corpóreo para que ficassem isentos de todasas suas imperfeições; ora, são as comunicações com elesque nos ensinaram que isto não se dá, e fizeram-nosconhecer o verdadeiro estado do mundo espiritual, quea todos nós interessa no mais alto ponto, pois que todostemos que ir para lá.

Quanto aos erros que se podem originar da diver-gência de opiniões entre os Espíritos, eles desaparecempor si mesmos, à medida que se aprende a distinguir osbons dos maus, os sábios dos ignorantes, os sinceros doshipócritas, absolutamente como se dá entre nós; entãoo bom-senso repelirá as falsas doutrinas.

V. — A minha observação subsiste sempre no pontode vista das questões científicas e outras que podemossubmeter aos Espíritos. A divergência de suas opiniões,sobre as teorias que dividem os sábios, deixa-nos naincerteza.

Compreendo que, não possuindo todos o mesmo graude instrução, não podem saber tudo; mas, então, que pesopode ter para nós a opinião daqueles que sabem, quandonão podemos distinguir quem erra ou quem tem razão?Vale tanto dirigirmo-nos aos homens como aos Espíritos.

A. K. — Essa reflexão é ainda uma consequênciada ignorância do verdadeiro cará ter do Espiritismo.

Aquele que supõe nele achar meio fácil de sabertudo, de tudo descobrir, labora em grande erro.

Os Espíritos não estão encarregados de trazer-nos aciência já feita; seria, realmente, muito cómodo se nosbastasse pedir para sermos logo servidos, ficando assimdispensados do trabalho de estudar.

Deus quer que trabalhemos, que o nosso pensamentose exercite; e só por esse preço adquiriremos a ciência;os Espíritos não vêm libertar-nos dessa necessidade: elessão o que são; o Espiritismo tem por objeto estudá-los,

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a fim de que, por analogia, fiquemos sabendo o que sere-mos um dia; e não para nos fazer conhecer o que nosdeve ser oculto, ou revelar-nos as coisas antes do tempopróprio.

Tampouco os Espíritos são leitores da buena-dicha,e aquele que se vangloria de obter deles certos segredos,prepara para si estranhas decepções da parte dos Espí-ritos galhofeiros; em uma palavra, o Espiritismo é umaciência de observação, e não wma arte de aãivimJMr eespecular. Nós o estudamos com o fim de conhecer oestado das individualidades do mundo invisível, as rela-ções que nos prendem a elas, sua ação oculta sobre omundo visível, e não para dele tirar qualquer vantagemmaterial.

Deste ponto de vista, não há Espírito algum cujoestudo não nos traga alguma utilidade; alguma coisaaprendemos sempre com todos eles; as suas imperfei-ções, os defeitos, a incapacidade, a ignorância mesmo,são outros tantos objetos de observação, que nos iniciamna natureza íntima desse mundo; e quando eles não nosinstruam, nós, estudando-os, nos instruímos, como faze-mos quando observamos os costumes de um povo desco-nhecido para nós. Quanto aos Espíritos esclarecidos,esses nos ensinam, muito, porém sempre nos limites dopossível; nunca lhes perguntemos o que eles não podemou não devem revelar; contentemo-nos com o que nosdizem; querer ir além é sujeitarmo-nos às manifestaçõesdos Espíritos frívolos, sempre dispostos a falar de tudo.A experiência nos ensina a julgar do grau de confiançaque lhes devemos conceder.

Utilidade prática das manifestações

F. — Admitamos que a coisa esteja comprovada, oEspiritismo reconhecido como realidade; qual a sua uti-lidade prática?

Não se tendo sentido a sua falta até ao presente,parece-me que se podia continuar a dispensá-lo, e viversem ele, muito tranquilamente.

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A. K. — Podíamos dizer o mesmo das vias férrease do vapor, sem os quais também se vivia muito bem.

Se utilidade prática, para vós, é dai* meios de passarboa vida, fazer fortuna, conhecer o futuro, descobrirminas de carvão ou tesouros ocultos, arrecadar heranças,libertar-se do trabalho de estudar, o Espiritismo não natem; ele não pode produzir altas e baixas na Bolsa, nemtransformar-se em ações de Bancos, nem mesmo fornecerinventos já prontos e no estado de serem explorados. Sobtal ponto de vista, quantas ciências deixariam de serúteis! Quantas delas não oferecem vantagem alguma,comercialmente falando!

Os homens passavam igualmente bem, antes da des-coberta dos novos planetas, antes que se soubesse ser aTerra e não o Sol que se move, antes que se conhecesseo mundo microscópico e outras tantas coisas.

O camponês, para viver e fazer brotar seu trigo, nãoprecisa saber o que seja um planeta. Para que, pois, seentregam os sábios a esses estudos? Há alguém que ousedizer que eles perdem o tempo?

Tudo que serve para erguer uma ponta do véu quenos envolve, ajuda o desenvolvimento da inteligência,alarga o círculo das ideias, fazendo-nos melhor compreen-der as leis da Natureza.

Ora, o mundo dos Espíritos existe em virtude deuma dessas leis naturais, e o Espiritismo nos faz conhe-cê-lo; ele nos mostra a influência que o mundo invisívelexerce sobre o visível e as relações existentes entre eles,como a Astronomia nos ensina as que ligam os astrosà Terra; ele no-lo faz ver como sendo uma das forçasque regem o Universo e contribuem para a manutençãoda harmonia geral.

Supondo que a isso se limitasse a sua utilidade, jánão seria de grande importância a revelação de uma talpotência, abstraindo-se mesmo de toda a sua doutrinamoral? De nada valerá um mundo inteiro novo que senos revela, quando o conhecimento dele nos conduz àsolução de tão grande número de problemas, até entãoinsolúveis; quando ele nos inicia nos mistérios do além-

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-túmulo, que nos devem interessar de algum modo, vistoque todos nós, tarde ou cedo, temos de transpor essemarco fatal?

O Espiritismo possui, porém, uma outra utilidade,mais positiva: é a natural influência moral que exerce.Ele é a prova patente da existência da alma, da sua in-dividualidade depois da morte, da sua imortalidade, dasua sorte futura; é, pois, a destruição do materialismo,não pelo raciocínio, mas por fatos. Não convém pedir-lhesenão o que ele pode dar, e nunca o que está fora doslimites do seu fim providencial.

Antes dos progressos sérios da Astronomia, acredi-tava-se na Astrologia. Será razoável dizer-se que a As-tronomia para nada serve, porque já não se pode encon-trar na influência dos astros o prognóstico do destino?

Assim como a Astronomia destronou os astrólogos,o Espiritismo veio destronar os adivinhos, os feiticeirose os que liam a bu&na-dicha. Ele é, para a magia, o queé a Astronomia para a Astrologia, a Química para aAlquimia.

Loucura, suicídio e obsessão

V. — Certas pessoas consideram as ideias espíritascomo capazes de perturbar as faculdades mentais, peloque acham prudente deter-lhes a propagação.

A. K. — Deveis conhecer o provérbio: "Quem quermatar o cão — diz que o cão está danado."

Não é, portanto, estranhável que os inimigos do Es-piritismo procurem agarrar-se a todos os pretextos; comoeste lhes pareceu próprio para despertar temores e susce-tibilidades, empregam-no logo, conquanto não resista aomais ligeiro exame. Ouvi, pois, a respeito dessa loucura,o raciocínio de um louco.

Todas as grandes preocupações do espírito podemocasionar a loucura; as ciências, as artes, a religiãomesmo, fornecem o seu contingente. A loucura provém

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de um certo estado patológico do cérebro, instrumentodo pensamento; estando o instrumento desorganizado, opensamento fica alterado.

A loucura é, pois, um efeito consecutivo, cuja causaprimária é uma predisposição orgânica, que torna o cé-rebro mais ou menos acessível a certas impressões; eisto é tão real que encontrareis pessoas que pensamexcessivamente e não ficam loucas, ao passo que outrasenlouquecem sob o influxo da menor excitação.

Existindo uma predisposição para a loucura, tomaesta o caráter de preocupação principal, que então setorna ideia fixa; esta poderá ser a dos Espíritos, numir.divíduo que deles se tenha ocupado, como poderá sera de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder,de uma ciência, da maternidade, de um sistema políticoou social. É provável que o louco religioso se tivessetornado um louco espírita, se o Espiritismo fosse a suapreocupação dominante.

Ê certo que um jornal disse que se contavam, só emuma localidade da América, de cujo nome não me recor-do, 4.000 casos de loucura espírita; mas é também sabidoque os nossos adversários têm a ideia fixa de se creremos únicos dotados de razão; é uma esquisitice como outraqualquer. Para eles, nós somos todos dignos de um hos-pital de doidos, e, por consequência, os 4.000 espíritasda localidade em questão eram considerados como loucos.

Dessa espécie, os Estados Unidos contam centenasde milhares, e todos os países do mundo um númeroainda muito maior. Esse gracejo de mau gosto começaa não ter valor, desde que tal moléstia vai invadindo asclasses mais elevadas da sociedade.

Falam muito do caso de Vítor Hennequin, mas seesquecem que, antes de se ocupar com os Espíritos, jáele havia dado provas de excentricidade nas suas ideias;se as mesas girantes não tivessem então aparecido (asquais, segundo um trocadilho bem espirituoso dos nossosadversários, lhe fizeram girar a cabeça), sua loucurateria seguido outro rumo.

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Eu digo, pois, que o Espiritismo não tem privilégioalgum, nesse sentido; mas vou ainda além: afirmo que,bem compreendido, ele é um preservativo contra a lou-cura e o suicídio.

Entre as causas mais numerosas de excitação cere-bral, devemos contar as decepções, os desastres, as afei-ções contrariadas, as quais são também as mais frequen-tes causas do suicídio. Ora, o verdadeiro espírita vê ascoisas deste mundo de um ponto de vista tão elevado,que as tribulações não são para eles senão os incidentesdesagradáveis de uma viagem. Aquilo que em outroqualquer produziria violenta comoção, afeta-o mediocre-mente. Ele sabe que os dissabores da vida são provas queservirão para o seu adiantamento, se as sofrer sem mur-murar, porque sua recompensa será proporcional à cora-gem com que as houver suportado. Suas convicçõesdão-lhe, pois, uma resignação que o preserva do deses-pero e, por consequência, de uma causa incessante deloucura e de suicídio. Ele sabe, além disso, pelo espetá-culo que lhe dão as comunicações com os Espíritos, asorte deplorável dos que abreviam voluntariamente osseus dias, e este quadro é bem de molde a fazê-lo refle-tir; também é considerável o número dos que por essemeio têm sido detidos nesse funesto declive. Ê um dosgrandes resultados do Espiritismo.

Em o número das causas de loucura, devemos tam-bém colocar o medo, principalmente do diabo, que já temdesarranjado mais de um cérebro. Sabe-se o númerode vítimas que se tem feito, ferindo as imaginações fracascom esse painel que, por detalhes horrorosos, caprichamem tornar mais assustador. O diabo, dizem, só causamedo às crianças, é um freio para corrigi-las; sim, comoo papão e o lobisomem, que as contêm por algum tempo,tornando-se elas piores que antes, quando lhes perdemo medo; mas, em troca desse pequeno resultado, nãocontam as epilepsias que têm sua origem nesse abalo decérebros tão delicados.

Não confundamos a loucura patológica com a obses-são; esta não provém de lesão alguma cerebral, mas da

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subjugação que Espíritos malévolos exercem sobre certosindivíduos, e que, muitas vezes, têm as aparências daloucura propriamente dita. Esta afecção, muito frequen-te, é independente de qualquer crença no Espiritismo eexistiu em todos os tempos. Neste caso, a medicaçãocomum é impotente e mesmo prejudicial.

Fazendo conhecer esta nova causa de perturbaçãoorgânica, o Espiritismo nos oferece, ao mesmo tempo,o único meio de vencê-la, agindo não sobre o enfermo,mas sobre o Espírito obsessor. O Espiritismo é o remédioe não a causa do mal.

Esquecimento do passado

V. — Não consigo explicar a mim mesmo como podeo homem aproveitar da experiência adquirida em suasanteriores existências, quando não se lembra delas, poisque, desde que lhe faJta essa reminiscência, cada exis-tência é para ele qual se fora a primeira; deste modo,está sempre a recomeçar.

Suponhamos que cada dia, ao despertar, perdemos amemória de tudo quanto fizemos no dia anterior; quandochegássemos aos setenta anos, não estaríamos maisadiantados do que aos dez; ao passo que recordando asnossas faltas, inaptidões e punições que disso nos pro-vieram, esforçar-nos-emos por evitá-las.

Para me servir da comparação que fizestes do ho-mem, na Terra, com o aluno de um colégio, eu não com-preendo como este poderia aproveitar as lições da quartaclasse, não se lembrando do que aprendeu na anterior.

Essas soluções de continuidade na vida do Espíritointerrompem todas as relações e fazem dele, de algumasorte, uma entidade nova; do que podemos concluir queos nossos pensamentos morrem com cada uma das nossasexistências, para renascer em outra, sem consciência doque fomos; é uma espécie de aniquilamento.

A. K. — De pergunta em pergunta, levar-me-eis afazer um curso completo de Espiritismo; todas as obje-

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O QUE É O ESPIRITISMO

coes que apresentais são naturais em quem ainda nadaconhece, mas que, mediante estudo sério, pode encon-trar-lhes respostas muito mais explícitas do que as queposso dar em sumária explicação que, por certo, devesempre ir provocando novas questões.

Tudo se encadeia no Espiritismo, e, quando se tomao conjunto, vê-se que seus princípios emanam uns dosoutros, servindo-se mutuamente de apoio; e, então, o queparecia uma anomalia, contrária à justiça e à sabedoriade Deus, se torna natural e vem confirmar essa justiçae essa sabedoria. Tal é o problema do esquecimento dopassado, que se prende a outras questões de não menorimportância e, por isso, não farei aqui senão tocar leve-mente o assunto.

Se em cada uma de suas existências um véu escondeo passado do Espírito, com isso nada perde ele das suasaquisições, apenas esquece o modo por que as conquistou.

Servindo-me ainda da comparação supra com o alu-no, direi que pouco importa saber onde, como, com queprofessores ele estudou as matérias de uma classe, umavez que as saiba, quando passa para a classe seguinte.Se os castigos o tornaram laborioso e dócil, que lheimporta saber quando foi castigado por preguiçoso einsubordinado?

Ê assim que, reencarnando, o homem traz por in-tuição e como ideias inatas, o que adquiriu em ciência emoralidade. Digo em moralidade porque, se no curso deuma existência ele se melhorou, se soube tirar proveitodas lições da experiência, se tornará melhor quandovoltar; seu Espírito, amadurecido na escola do sofrimen-to e do trabalho, terá mais firmeza; longe de ter derecomeçar tudo, ele possui um fundo que vai semprecrescendo e sobre o qual se apoia para fazer maioresconquistas.

A segunda parte da vossa objeção, relativa ao ani-quilamento do pensamento, não tem base mais segura,porque esse olvido só se dá durante a vida corporal;uma vez terminada ela, o Espírito recobra a lembrançado seu passado; então poderá julgar do caminho que se-

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guiu e do que lhe resta ainda fazer; de modo que nãohá essa solução de continuidade em sua vida espiritual,que é a vida normal do Espírito. Esse esquecimentotemporário é um benefício da Providência; a experiênciasó se adquire, muitas vezes, por provas rudes e terríveisexpiações, cuja recordação seria muito penosa e viriaaumentar as angústias e tribulações da vida presente.

Se os sofrimentos da vida parecem longos, que seriase a ele se juntasse a lembrança do passado?

Vós, por exemplo, meu amigo, sois hoje um homemde bem, mas talvez devais isso aos rudes castigos querecebestes pelos malefícios que hoje vos repugnariam àconsciência; ser-vos-ia agradável a lembrança de ter sidooutrora enforcado por vossa maldade? Não vos perse-guiria a vergonha de saber que o mundo não ignoravao mal que tínheis feito? Que vos importa o que fizestese o que sofrestes para expiar, quando hoje sois um ho-mem estimável? Aos olhos do mundo, sois um homemnovo, e aos olhos de Deus um Espírito reabilitado. Livreda reminiscência de um passado importuno, viveis commais liberdade; é para vós um novo ponto de partida;vossas dívidas anteriores estão pagas, cumprindo-vos tercuidado de não contrair outras.

Quantos homens desejariam assim poder, durante avida, lançar um véu sobre os seus primeiros anos! Quan-tos, ao chegar ao termo de sua carreira, não têm dito:"Se eu tivesse de recomeçar, não faria mais o que fiz!"

Pois bem, o que eles não podem fazer nesta mesmavida, fá-lo-ão em outra; em uma nova existência, seuEspírito trará, em estado de intuição, as boas resoluçõesque tiver tomado. É assim que se efetua gradualmenteo progresso da humanidade.

Suponhamos ainda — o que é um caso muito co-mum — que, em vossas relações, em vossa família mesmose encontre um indivíduo que vos deu outrora muitosmotivos de queixa, que talvez vos arruinou, ou desonrouem outra existência, e que, Espírito arrependido, veioencarnar-se em vosso meio, ligar-se a vós pelos laços defamília, a fim de reparar suas faltas para convosco, por

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seu devotamento e afeição; não vos acharíeis mutua-mente na mais embaraçosa posição, se ambos vos lem-brásseis de vossas passadas inimizades? Em vez de seextinguirem, os ódios se eternizariam.

Disso resulta que a reminiscência do passado per-turbaria as relações sociais e seria um tropeço ao pro-gresso. Quereis uma prova?

Supondo que um indivíduo condenado às galés tomea firme resolução de tornar-se um homem de bem, queacontece quando ele termina o cumprimento da pena?A sociedade o repele, e essa repulsa o lança de novo nosbraços do vício. Se, porém, todos desconhecessem os seusantecedentes, ele seria bem acolhido; e, se ele mesmoos esquecesse, poderia ser honesto e andar de cabeçaerguida, em vez de ser obrigado a curvá-la sob o pesoda vergonha do que não pode olvidar.

Isto está em perfeita concordância com a doutrinados Espíritos, a respeito dos mundos superiores ao nossoplaneta, nos quais, só reinando o bem, a lembrança dopassado nada tem de penosa; eis por que seus habitantesse recordam da sua existência precedente, como nós nosrecordamos hoje do que ontem fizemos.

Quanto à lembrança do que fizeram em mundos in-feriores, ela produz neles a impressão de um mau sonho.

Elementos de convicção

V. — Convenho, ilustre amigo, que do ponto de vistafilosófico, a Doutrina Espírita é perfeitamente racional;mas fica sempre de pé a questão das manifestações, quenão pode ser resolvida senão por fatos; ora, é a reali-dade destes que muita gente contesta, e não deveis acharextraordinário o desejo que vos manifestam de teste-munhá-los.

A. K. — Acho-o muito natural; todavia, como euprocuro que eles sejam aproveitados, explico em quecondições convém que cada um se coloque, para melhorobservá-los e, sobretudo, compreendê-los; ora, quem não

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aceita essas condições, mostra não ter sério desejo deesclarecer-se, e com tal pessoa é inútil perdermos tempo.

Convireis, também, que seria singular que tão racio-nal filosofia tivesse saído de fatos ilusórios e contro-vertidos.

Em boa lógica, a realidade do efeito implica a dacausa que o produz; se um é verdadeiro, a outra nãopode ser falsa, porque, onde não há árvores, não se podecolher frutos.

Nem todos, é certo, testemunharam os fatos, porquenão se colocaram nas condições precisas para observá-los;não tiveram a paciência e a perseverança exigidas. Masisso também se dá com todas as ciências: o que unsnão fazem, é feito por outros; todos os dias aceitamoso resultado dos cálculos astronómicos, sem que nós mes-mos os façamos.

Seja como for, se achais a filosofia boa, podeis acei-tá-la como aceitaríeis outra qualquer, conservando vossaopinião sobre as vias e meios que a ela conduziram, ou,ao menos, não a admitindo senão a título de hipótese,até mais ampla averiguação.

Os elementos de convicção não são os mesmos paratodos; o que convence a uns, não produz impressão algu-ma em outros; assim sendo, é preciso um pouco de tudo.É, porém, um engano crer-se que as experiências físicassejam o único meio de convencer.

Notei que em algumas pessoas os mais importantesfenómenos não produziram a menor impressão, ao passoque uma simples resposta escrita venceu todas as dúvidas.

Quando se vê um fato que não se compreende, quan-to mais extraordinário ele é, mais suspeitas desperta emais o pensamento se esforça para lhe dar uma causavulgar; se ele, porém, for compreendido, é logo admitidopor ter uma razão de ser, desaparecendo o maravilhosoe o sobrenatural.

Certamente as explicações que vos acabo de dar,nesta conversa, longe estão de ser completas; mas, su-márias como são, estou persuadido de que vos levarão a-refletir; e, se as circunstâncias vos fizerem testemunhar

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alguns fatos de manifestação, vê-los-eis com menor pre-venção, porque possuireis uma base onde firmar o vossoraciocínio.

Há duas coisas no Espiritismo: a parte experimentaldas manifestações e a doutrina filosófica.

Ora, eu sou todos os dias visitado por pessoas queainda nada viram e crêem tão firmemente como eu, pelosó estudo que fizeram da parte filosófica; para elas ofenómeno das manifestações é acessório; o fundo é adoutrina, a ciência; eles a vêem tão grande, tão racional,que nela encontram tudo quanto pode satisfazer às suasaspirações interiores, à parte o fato das manifestações;do que concluem que, supondo não existissem as mani-festações, a doutrina não deixaria de ser sempre a quemelhor resolve uma multidão de problemas reputadosinsolúveis.

Quantos me disseram que essas ideias estavam emgerme no seu cérebro, conquanto em estado de confusão.

O Espiritismo veio coordená-las, dar-lhes corpo, e foipara eles como um raio de luz. É o que explica o númerode adeptos que a simples leitura de O Livro dos Espíritosproduziu.

Acreditais que esse número seria o que é hoje, senunca tivéssemos passado das mesas giratórias e fa-lantes?

V. — O senhor tinha razão de dizer que âas mesasgiratórias e falantes saiu uma doutrina filosófica, e longeestava eu de suspeitar as consequências que surgiramde um. fato encarado como simples objeto de curiosidade.Agora vejo quanto é vasto o campo aberto pelo vossosistema.

A. K. — Nisso vos contesto, caro senhor; dais-mesubida honra atribuindo-me esse sistema quando ele nãome pertence. Ele foi totalmente deduzido do ensino dosEspíritos. Eu vi, observei, coordenei e procuro fazercompreender aos outros aquilo que compreendo; esta éa parte que me cabe.

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Há entre o Espiritismo e outros sistemas filosóficosesta diferença capital; que estes são todos obra de ho-mens, mais ou menos esclarecidos, ao passo que, naqueleque me atribuís, eu não tenho o mérito da invenção deum só princípio.

Diz-se: a filosofia de Platão, de Descartes, de Leib-nitz; nunca se poderá dizer: a doutrina de Allan Kardec;e isto, felizmente, pois que valor pode ter um nome emassunto de tamanha gravidade?

O Espiritismo tem auxiliares de maior preponderân-cia, ao lado dos quais somos simples átomos.

Sociedades espíritas

V. — Tendes uma sociedade que se preocupa comesses estudos: ser-me-ia possível fazer parte dela?

A. K. — Por ora, ainda não; porque se não há,para ser nela recebido, necessidade de ser doutor emEspiritismo, há, contudo, a de ter-se sobre ele ao menosideias mais firmes do que as vossas.

Como a Sociedade não deseja ser perturbada nos seusestudos, ela não admite os que lhe viriam fazer perdertempo com questões elementares, nem os que, não simpa-tizando com seus princípios e convicções, lançariam adesordem no seu seio, com discussões intempestivas oucom o espírito de contradição.

Ê uma sociedade científica, como tantas outras, quese ocupa de aprofundar os diferentes pontos da ciênciaespírita e procura esclarecer-se; é o centro ao qual con-vergem ensinos colhidos em todas as partes do mundoe onde se elaboram e coordenam questões que se relacio-nam com o progresso da Ciência, mas não é uma escolanem um curso de ensino elementar. Mais tarde, quandoas vossas convicções estiverem fortalecidas pelo estudo,ela decidirá se vos deve admitir. Enquanto esperais, po-dereis assistir, como visitante, a uma ou duas sessões,com a condição de não fazer reflexão alguma de naturezaa melindrar quem quer que seja; do contrário, eu, que

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vos vou apresentar, incorreria na censura dos meus cole-gas, e a porta vos seria interdita.

Aí encontrareis uma reunião de homens graves e deboa sociedade, cuja maioria se recomenda pela superiori-dade do seu saber e posição social, e que não consentiria,àqueles que recebe em seu seio, se afastarem das conve-niências, no que quer que seja; não creais, pois, que elaconvide o público e chame o primeiro recém-vindo paraassistir às suas sessões.

Como não faz demonstrações com o fim de satisfazercuriosidades, ela afasta com cuidado os curiosos.

Aqueles, pois, que supõem ir aí achar uma distraçãoe uma espécie de espetáculo, ficarão desapontados emelhor farão se lá não forem.

Eis por que ela recusa admitir, mesmo como simplesvisitantes, as pessoas que não conhece, ou aquelas cujasdisposições hostis são notórias.

Interdição do Espiritismo

V. — Solicito-vos uma última resposta: O Espiri-tismo tem poderosos inimigos; não poderiam eles inter-ditar-lhe a prática e as sociedades e, por esse meio, impe-dir-lhe a propagação?

A. K. — Seria um modo de perder a partida umpouco mais cedo, porque a violência é o argumento da-queles que não têm boas razões.

Se o Espiritismo é uma quimera, ele cairá por simesmo, sem que para isso se esforcem tanto; se o per-seguem é por que o temem, e só uma coisa séria podecausar temor. Se, ao contrário, é uma realidade, entãoestá em a Natureza, como vo-lo disse, e ninguém comum traço de pena pode revogar uma lei natural.

Se as manifestações espíritas fossem privilégio deum homem, não há dúvida que, arredando-se esse homem,se poria um termo às manifestações; infelizmente paraos adversários, elas não são mistério para pessoa algu-ma; aí não há segredos, nada oculto, tudo se passa às

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claras; elas estão à disposição de todo o mundo e se pro-duzem desde o palácio até a mansarda.

Podem interdizer-lhe o exercício público; porém, éassaz sabido que não é em público que elas mais se dão;é na intimidade; ora, desde que todos podem ser médiuns,quem impedirá que uma família no seu lar, que um indi-víduo no silêncio do seu gabinete, que um prisioneiroem seu cárcere, tenha comunicações com os Espíritos,mesmo nas barbas da polícia e sem que esta o saiba?

Admitamos, entretanto, que um. governo seja fortebastante para impedi-los de trabalhar em suas casas;conseguirá também que o não façam na de seus vizinhos,no mundo inteiro, quando não há país algum, nos doishemisférios, em que não se encontrem médiuns?

O Espiritismo, além disso, não tem sua fonte entreos homens; ele é obra dos Espíritos, que não podem serqueimados nem encarcerados. Ele consiste na crença in-dividual e não nas sociedades, que de nenhuma sorte sãonecessárias. Se chegassem a destruir todos os livros es-píritas, os Espíritos ditariam outros.

Em resumo, o Espiritismo é hoje um fato consuma-do; ele já conquistou o seu lugar na opinião pública eentre as doutrinas filosóficas; ê pois preciso que aqueles,a quem ele não convém, se resignem a vê-lo ao seu lado,restando-lhes a liberdade de recusá-lo.

TERCEIRO DIALOGO

O PADRE

Um abade. — Permitir-me-eis, senhor, dirigir-vos,por minha vez, algumas perguntas?

A. K. — De boa mente, reverendo; mas, antes deresponder a elas, creio útil fazer-vos conhecer o terrenoem que me devo colocar perante vós.

Primeiro que tudo, cumpre-me declarar que não tenhoa pretensão de vos converter às nossas ideias. Se dese-jardes conhecê-las pormenorizadamente, encontrá-las-eis

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nos livros em que estão expostas; neles podereis estu-dá-las à vontade e aceitá-las ou rejeitá-las.

O Espiritismo tem por fim combater a incredulidadee suas funestas consequências, fornecendo provas paten-tes da existência da alma e da vida futura; ele se dirige,pois, àqueles que em nada crêem ou que de tudo duvi-dam, e o número desses não é pequeno, como muito bemsabeis; os que têm fé religiosa e a quem esta fé satisfaz,dele não têm necessidade.

Àquele que diz: "Eu creio na autoridade da Igreja enão me afasto dos seus ensinos, sem nada buscar alémdos seus limites", o Espiritismo responde que não seimpõe a pessoa alguma e que não vem forçar nenhumaconvicção.

A liberdade de consciência é consequência da liber-dade de pensar, que é um dos atributos do homem; e oEspiritismo, se não a respeitasse, estaria em contradiçãocom os seus princípios de liberdade e tolerância.

A seus olhos, toda crença, quando sincera e nãopermita ao homem fazer mal ao próximo, é respeitável,mesmo que seja errónea.

Se alguém fosse por sua consciência arrastado acrer, por exemplo, que é o Sol que gira ao redor da Terra,nós lhe diríamos: "Acreditai-o se quiserdes, porque issonão fará que esses dois astros troquem os seus papéis";mas, assim como não procuramos violentar-vos a cons-ciência, respeitai também a nossa.

Se transformardes, porém, uma crença, de si mesmainocente, em instrumento de perseguição, ela então setornará nociva e pode ser combatida.

Tal é, senhor abade, a linha de conduta que tenhoseguido com os ministros dos diversos cultos que a mimse hão dirigido. Quando eles me interpelaram sobrealguns pontos da Doutrina, dei-lhes as explicações neces-sárias, abstendo-me de discutir certos dogmas de que oEspiritismo não se quer ocupar, por serem todos oshomens livres em suas apreciações; nunca, porém, fuiprocurá-los no propósito de lhes abalar a fé por meio dequalquer pressão.

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Àquele que nos procura como irmão, nós o acolhe-mos como tal; ao que nos repele, deixamo-lo em paz.É o conselho que não tenho cessado de dar aos espí-ritas, porque não concordo com os que se arrogam amissão de converter o clero. Sempre lhes tenho dito:Semeai no campo dos incrédulos, onde há colheita a fazer.

O Espiritismo não se impõe, porque, como vo-lodisse — respeita a liberdade de consciência; ele sabetambém que toda crença imposta é superficial e nãodesperta senão as aparências da fé; nunca, porém, a fésincera. Ele expõe seus princípios aos olhos de todos, demodo a cada um poder formar opinião segura.

Os que lhe aceitam os princípios, sacerdotes ou lei-gos, o fazem livremente e pelos achar racionais; mas nósnão ficamos querendo mal aos que se afastam da nossaopinião. Se hoje há luta entre a Igreja e o Espiritismo,nós temos consciência de não havê-la provocado.

Padre. — Se a Igreja, vendo levantar-se uma novadoutrina, cujos princípios, em consciência, julga devercondenar, podeis contestar-lhe o direito de discuti-los ecombatê-los, premunindo os fiéis contra o que ela con-sidera erro?

A. K. — De modo algum podemos contestar essedireito, que também reclamamos para nós outros.

Se ela se houvesse encerrado nos limites da dis-cussão, nada haveria de melhor; lede, porém, a maioriados discursos proferidos por seus membros e publicadosem nome da religião, os sermões que têm sido pregados,e vereis neles a injúria e a calúnia transbordando portoda parte e os princípios da doutrina sempre indigna eperversamente desfigurados.

Do alto do púlpito, não temos sido — os espíritas —qualificados de inimigos da sociedade e da ordem públi-ca, não temos sido anatematizados e rejeitados pelaIgreja, sob o pretexto de que é melhor ser incrédulo doque crer-se em Deus e na alma pelos ensinos do Espi-ritismo ?

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Não lamentam muitos, hoje, não se poder atear paraos espíritas as fogueiras da Inquisição?

Em certas localidades não têm sido assinalados àanimadversão de seus concidadãos, a ponto de fazer quesejam nas ruas perseguidos e injuriados?

Não se tem imposto a todos os fiéis que os evitemcomo pestíferos, e impedido que os criados entrem a seuserviço?

Muitas mulheres não têm sido aconselhadas a sepa-rarem-se de seus maridos, como muitos maridos de suasmulheres, tudo por causa do Espiritismo?

Não se têm tirado lugares a empregados, retiradoo pão do trabalho a operários e recusado caridade aosnecessitados, por serem eles espíritas?

Não se têm despedido de alguns hospitais, até cegos,pelo fato de não quererem abjurar sua crença?

Dizei-me, senhor abade, será isso uma discussão leal?Os espíritas responderam, porventura, à injúria com

a injúria, ao mal com o mal?Não. A tudo opuseram eles sempre a calma e a mo-

deração. A consciência pública já lhes faz a justiça dereconhecer não terem sido eles os agressores.

Padre. — Todo homem sensato deplora esses exces-sos; mas a Igreja não pode ser responsável pelos abusoscometidos por alguns de seus membros pouco esclarecidos.

A. K. — Convenho; mas, entrarão na classe dospouco esclarecidos os príncipes da Igreja?

Vede a pastoral do bispo de Argel e de alguns outros.Não foi um bispo quem ordenou o auto-de-fé de

Barcelona ?A autoridade superior eclesiástica não tem todo o

poder sobre os seus subordinados?Se ela tolera esses sermões indignos da cadeira evan

gélica; se ela patrocina a publicação de escritos injurio-sos e difamatórios contra uma classe inteira de cidadãos,e se não se opõe às perseguições exercidas em nome dareligião, é porque as aprova.

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Em resumo, a Igreja, repelindo sistematicamente osespíritas que a buscavam, forçou-os a retroceder; pelanatureza e violência dos seus ataques ela ampliou a dis-cussão e conduziu-a para um terreno novo. O Espiritismoera apenas uma simples doutrina filosófica; foi a Igrejaquem lhe deu maiores proporções, apresentando-o comoinimigo formidável; foi ela, enfim, quem o proclamounova religião. Foi um passo errado, mas a paixão nãoraciocina melhor.

Um livre pansadar. — Há pouco proclamastes a li-berdade de pensamento e de consciência, e declarastesque toda crença sincera é respeitável. O materialismo éuma crença como outra qualquer; por que negar-lhe aliberdade que concedeis a todas as outras?

A. K. — Cada um é, certamente, livre de crer noque quiser ou de não crer em coisa alguma; e não tole-raríamos mais uma perseguição contra aquele que acre-dita no nada depois da morte, assim como na promovidacontra um cismático de qualquer religião.

Combatendo o materialismo, não atacamos os indi-víduos, mas sim uma doutrina que, se é inofensiva paraa sociedade, quando se encerra no foro íntimo da cons-ciência de pessoas esclarecidas, é uma chaga social, sevier a generalizar-se.

A crença de tudo acabar para o homem depois damorte, que toda solidariedade cessa com a extinção davida corporal, leva-o a considerar como um disparate osacrifício do seu bem-estar presente, em proveito deoutrem; donde a máxima: "Cada um por si durante avida terrena, porque com ela tudo se acaba."

A caridade, a fraternidade, a moral, em suma, ficamsem base alguma, sem nenhuma razão de ser. Para quenos molestarmos, nos constrangermos e nos sujeitarmosa privações hoje, quando amanhã, talvez, já nada se-jamos ?

A negação do futuro, a simples dúvida sobre outravida, são os maiores estimulantes do egoísmo, origem dá

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maioria dos males da Humanidade. É necessário pos-suir alta dose de virtude para não seguir a correntedo vício e do crime, quando para isso não se tem outrofreio além do da própria força de vontade.

O respeito humano pode conter o homem do mundo,mas não contém aquele que não dá importância à opiniãopública.

A crença na vida futura, mostrando a perpetuidadedas relações entre os homens, estabelece entre eles umasolidariedade que não se quebra na tumba; desse modo,essa crença muda o curso das ideias. Se essa crença fosseum simples espantalho, não duraria senão um tempocurto; mas, como a sua realidade é fato adquirido pelaexperiência, é um dever propagá-la e combater a crençacontrária, mesmo no interesse da ordem social. É o quefaz o Espiritismo; e o faz com êxito, porque forneceprovas, e porque, decididamente, o homem antes querter a certeza de viver e poder ser feliz em um mundomelhor, para compensação das misérias deste mundo, doque a de morrer para sempre. O pensamento de ser ani-quilado, de ver os filhos e os entes que lhe são mais carosperdidos, sem remissão, sorri a um bem limitado número,acreditai-me; é o motivo do tão pequeno êxito obtidopelos ataques dirigidos contra o Espiritismo, em nomeda incredulidade, os quais não lhe produziram o menorabalo.

Padre. — A religião ensina tudo isso; até agora foisuficiente; qual é hoje a necessidade de uma novadoutrina?

A. K. •— Se a religião ensina o bastante, por quehá tantos incrédulos, religiosamente falando?

Ela prega, é verdade; ela nos manda crer, mas hámuita gente que não crê por simples afirmação. O Espiri-tismo prova e faz ver o que a religião ensina em teoria.Além disso, donde vêm essas provas? Da manifestaçãodos Espíritos.

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Ora, é provável que os Espíritos só se manifestemcom o consentimento de Deus; se, pois, Deus em suamisericórdia envia aos homens esse socorro para afas-tá-los da incredulidade, é uma impiedade repeli-lo.

Padre. — Não podeis, entretanto, contestar que oEspiritismo não está, em todos os pontos, de acordo coma religião.

A. K. — Ora, senhor abade, todas as religiões dirãoa mesma coisa: os protestantes, os judeus, os muçulma-nos, tanto quanto os católicos.

Se o Espiritismo negasse a existência de Deus, daalma, da sua individualidade e imortalidade, das penase recompensas futuras, do livre-arbítrio do homem; seele ensinasse que cada um só deve viver para si, nãopensar senão em si, não só seria contrário à religiãocatólica, como a todas as religiões do mundo; ele seriaainda a negação de todas as leis morais, base das socie-dades humanas.

Longe disso: os Espíritos proclamam um Deus único,soberanamente justo e bom; eles dizem que o homem élivre e responsável por seus atos, recompensado ou punidopelo bem ou pelo mal que houver feito; colocam acimade todas as virtudes a caridade evangélica e a seguinteregra sublime ensinada pelo Cristo: fazer aos outroscomo queremos que nos seja feito.

Não são estes os fundamentos da religião?Essa certeza do futuro, de se ir encontrar aqueles

a quem se amou, não será uma consolação?Essa grandiosidade da vida espiritual, que é a nossa

essência, comparada às mesquinhas preocupações da vidaterrena, não será própria a elevar a nossa alma e a for-talecer-nos na prática do bem?

Páãre. — Concordo que, nas questões gerais, o Es-piritismo é conforme às grandes verdades do Cristianis-mo; dar-se-á, porém, o mesmo em relação aos dogmas?

Não contradiz ele alguns princípios que a Igreja nosensina ?

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O QUE E O ESPIRITISMO 129

A. K. — O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciên-cia, não cogita de questões dogmáticas. Esta ciência temconsequências morais como todas as ciências filosóficas;essas consequências são boas ou más?

Pode-se julgá-las pelos princípios gerais que acabode expor.

Algumas pessoas se iludem sobre o verdadeiro ca-ráter do Espiritismo. A questão é de grande importânciae merece alguns1 desenvolvimentos. Façamos primeiro umtermo de comparação: a eletricidade, estando na Natu-reza, existiu em todo tempo e produziu sempre os efeitosque hoje observamos e muitos outros que ainda não co-nhecemos. Na ignorância da sua verdadeira causa, oshomens explicavam esses efeitos de um modo mais oumenos extravagante. A descoberta da eletricidade e desuas propriedades veio lançar por terra um punhado deteorias absurdas, espargindo a luz por sobre mais de ummistério da Natureza. O que fizeram a eletricidade e asciências físicas para certos fenómenos, o Espiritismo ofez para outros de ordem diferente.

O Espiritismo funda-se na existência de um mundoinvisível, formado pelos seres incorpóreos que povoam oespaço e que não são mais que as almas daqueles queviveram na Terra, ou em outros globos, nos quais deixa-ram seus invólucros materiais. São os seres a que cha-mamos Espíritos, seres que nos cercam e incessantemen-te exercem sobre os homens, sem que estes o percebam,uma grande influência, e desempenham papel muito ativono mundo moral, e mesmo, até certo ponto, no físico.

O Espiritismo está, pois, em a Natureza e podemosdizer que, numa certa ordem de ideias, é ele uma po-tência, como a eletricidade o é sob outro ponto de vista,e como ainda a gravitação é uma outra. Os fenómenos,de que o mundo invisível é a fonte, produziram-se emtodos os tempos; eis aí por que a história de todos ospovos faz deles menção. Somente, em sua ignorância,como se deu com a eletricidade, os homens os atribuíama causas mais ou menos racionais, e deram, nesse pontode vista, livre curso à sua imaginação.

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Mais bem observado depois que se vulgarizou, o Es-piritismo vem derramar luz sobre grande número dequestões, até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seuverdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não deuma religião (*); e a prova disso é que ele conta entreos seus aderentes homens de todas as crenças, que poresse fato não renunciaram às suas convicções: católicosfervorosos que não deixam de praticar todos os deveresdo seu culto, quando a Igreja os não repele; protestantesde todas as seitas, israelitas, muçulmanos e mesmo bu-distas e bramanistas.

Ele repousa, por conseguinte, em princípios inde-pendentes das questões dogmáticas. Suas consequênciasmorais são todas no sentido do Cristianismo, porque detodas as doutrinas é esta a mais esclarecida e pura;razão pela qual, de todas as seitas religiosas do mundo,os cristãos são os mais aptos para compreendê-lo emsua verdadeira essência.

Podemos exprobrá-lo por isso?Cada um pode formar de suas opiniões uma religião

e interpretar à vontade as religiões conhecidas; mas daía constituir nova Igreja, a distância é grande.

Padre. — As evocações, entretanto, não são feitassegundo uma fórmula religiosa?

A. K. — Realmente, o sentimento religioso dominanas evocações e em nossas reuniões; mas não temosfórmula sacramental: para os Espíritos o pensamento étudo e a forma é nada. Nós os chamamos em nome deDeus, porque cremos em Deus e sabemos que nada sefaz neste mundo sem sua permissão, e, portanto, queeles não virão sem que Deus o permita; procedemos emnossos trabalhos com calma e recolhimento, porque essaé uma condição necessária para as observações, e, emsegundo lugar, porque sabemos o respeito que se deveàqueles que não vivem mais sobre a Terra, qualquer que

(*) Ver "Reformador" de 1949, pág. 217. — Nota da Editofa.

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seja sua condição, feliz ou infeliz, no mundo espiritual;fazemos um apelo aos bons Espíritos, porque, conhe-cendo que há bons e maus, desejamos que estes últimosnão venham tomar parte fraudulentamente nas comuni-cações que recebemos.

Que prova tudo isto? Que não somos ateus, o quenão quer dizer que sejamos professos de religião re-formada.

Padre. — Pois bem! Que dizem os Espíritos supe-riores a respeito da religião? Os bons nos devem acon-selhar e guiar.

Suponhamos que eu não tenha religião alguma equeira escolher uma; se eu lhes pedir para aconselha-rem-me se devo ser católico, protestante, anglicano, quá-quer, judeu, maometano ou mórmon, qual será a res-posta deles?

A. K. — Há dois pontos a considerar nas religiões:os princípios gerais, comuns a todas, e os princípios par-ticulares de cada uma delas. Os primeiros são os de quefalamos há pouco; estes são proclamados por todos osEspíritos, qualquer que seja a sua classe. Quanto aossegundos, os Espíritos vulgares, sem ser maus, podemter preferências, opiniões; podem preconizar esta ouaquela forma, animar certas práticas, seja por convicçãopessoal, seja porque conservaram as ideias da vida ter-rena, seja por prudência, para não assustar as consciên-cias timoratas.

Acreditais, por exemplo, que um Espírito esclare-cido, fosse mesmo Fenelon, dirigindo-se a um muçulma-no, irá inabilmente dizer-lhe que Maomet é um impostor,e que ele será condenado se não se fizer cristão?

Não o fará,' porque seria repelido.Em geral, os Espíritos superiores, se a isso não são

solicitados por alguma consideração especial, não se preo-cupam com essas questões de minúcia, eles se limitama dizer: Deus é bom e justo; não quer senão o bem; amelhor de todas as religiões é aquela que só ensina o que

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é conforme à bondade e justiça de Deus; que dá de Deusa maior e a mais sublime ideia e não O rebaixa empres-tando-Lhe as fraquezas e as paixões da humanidade; quetorna os homens bons e virtuosos e lhes ensina a ama-rem-se todos como irmãos; que condena todo mal feitoao próximo; que não autoriza a injustiça sob qualquerforma ou pretexto que seja; que nada prescreve de con-trário às leis imutáveis da Natureza, porque Deus nãose pode contradizer; aquela cujos ministros dão o melhorexemplo de bondade, caridade e moralidade; aquela queprocura melhor combater o egoísmo e lisonjear menoso orgulho e a vaidade dos homens; aquela, finalmente,em nome da qual se comete menos mal, porque uma boareligião não pode servir de pretexto a nenhum mal; elanão lhe deve deixar porta alguma aberta, nem direta-mente, riem por interpretação. Vede, julgai e escolhei.

Padre. — Creio que certos pontos da doutrina ca-tólica são contestados pelos Espíritos que consideraissuperiores; supondo mesmo que esses princípios sejamerróneos, poderá tal crença, segundo a opinião dos ditosEspíritos, ser prejudicial à -salvação daqueles que, erran-do ou acertando, a consideram artigo de fé e a praticam?

A. K. — Certamente que não, se ela os não desviarda prática do bem, se ela antes os incitar a isso; aopasso que a mais bem fundada crença os prejudicaráevidentemente, se lhes fornecer ocasião de fazer o mal,de faltar à caridade com o próximo, se ela os tornarduros e egoístas, por que então não praticam segundo alei de Deus, e Deus olha mais os pensamentos que osatos. Quem poderá sustentar o contrário?

Acreditais, por exemplo, que a fé possa ser provei-tosa a um homem que, crendo perfeitamente em Deus,pratique atos inumanos ou contrários à caridade? Nãohaverá sempre mais culpa naquele que mais meios tinhade esclarecimento?

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Paãíre. — Assim, o católico fervoroso, que escrupu-losamente cumpre com os deveres do seu culto, não écensurado pelos Espíritos?

A. K. — Não, se isso é para ele uma questão deconsciência, se ele o faz com sinceridade; sim, mil vezessim, se for hipócrita, se só tiver piedade aparente.

Os Espíritos superiores, os encarregados do pro-gresso da Humanidade, declararam-se contra todos osabusos que podem retardar esse progresso, qualquer queseja a natureza deles e quaisquer que sejam os indivíduosou as classes que deles se aproveitem.

Ora, não se pode negar que a religião nem sempreesteve isenta de abusos; se, entre os seus ministros, hámuitos que desempenham sua missão com devotamentointeiramente cristão, que a fazem grande, bela e respei-tável, convireis que nem todos assim sempre compreende-ram a santidade do seu ministério. Os Espíritos comba-tem o mal, onde quer que ele se ache; mas, assinalar osabusos da religião, será atacá-la?

Ela não tem inimigos piores que aqueles que defen-dem esses abusos, abusos que fazem nascer o pensamentode poder ser ela substituída por outra melhor. Se a reli-gião corresse qualquer perigo, deveria a responsabilidadecair sobre os que dão dela falsa ideia, transformando-aem arena de paixões humanas e explorando-a em pro-veito de sua ambição.

Podre. — Dissestes que o Espiritismo não discuteos dogmas, e, entretanto, ele admite certos pontos com-batidos pela Igreja, tais como, por exemplo, a reencar-nação, a aparição do homem na Terra, antes de Adão;nega a eternidade das penas, a existência dos demónios,o purgatório e o fogo do inferno.

A. K. — Já de há muito que esses pontos estãosendo discutidos; não foi o Espiritismo quem os pôs emlitígio; são pontos sobre alguns dos quais ha controvér-sia, mesmo entre os teólogos, e que só o futuro julgará.

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Um grande princípio domina a todos: a prática do bem,que é a lei superior, a condição sine cpua nem do nossofuturo, como no-lo prova o estado dos Espíritos queconosco se comunicam.

Enquanto a luz não se faz para vós sobre essasquestões, crede, se o quiserdes, nas chamas e torturasmateriais, se julgais que isso impede que pratiqueis omal; essa crença, porém, não as tornará mais reais seelas não existirem.

Acreditais que não temos mais de uma existênciacorporal, mas isto não impede de renascerdes aqui ouem, outra parte, se assim tiver de ser, apesar de o nãoquererdes; credes que o mundo todo foi criado em seisvezes vinte e quatro horas, mas, apesar disso, a Terranos apresenta a prova do contrário, escrita em suas ca-madas geológicas; estais convencido de haver Josué feitoparar o Sol, o que não dá lugar a que deixe de ser a Terraque gira; dizeis que a data da vinda do homem àTerra não vai além de 6.000 anos: isto, porém, não privaque os fatos vos contradigam. E que direis se um dia aGeologia demonstrar, por traços patentes, a anteriori-dade do homem, como já tem demonstrado tantas outrascoisas ?

Crede, pois, em tudo que vos aprouver, mesmo naexistência do diabo, se tal crença vos puder tornar bom,humano e caridoso para com os vossos semelhantes.O Espiritismo, como doutrina moral, só impõe uma coisa:a necessidade de fazer o bem e evitar o mal. É umaciência de observação que, repito, tem consequênciasmorais, que são a confirmação e a prova dos grandesprincípios da religião; quanto às questões secundárias,ele as abandona à consciência de cada um.

Notai bem, reverendo, que alguns dos pontos diver-gentes de que acabastes de falar, não são, em princípio,contestados pelo Espiritismo. Se tivésseis lido tudo quan-to tenho escrito a respeito, teríeis visto que ele se limitaa dar-lhes uma interpretação mais lógica e racional doque a que vulgarmente se lhes dá.

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É assim, por exemplo, que ele não nega o purga-tório; antes, pelo contrário, demonstra sua necessidadee justiça; vai mesmo além: ele o define. O inferno foidescrito como imensa fornalha, mas ele será assim tam-bém compreendido pela alta teologia? Evidentemente,não; ela diz muito bem que isto é uma simples figura;que o fogo que ali se consome é um fogo moral, símbolodas maiores dores. Quanto à eternidade das penas, sefosse possível pôr-se a votos tal questão, para se conhe-cer a opinião íntima de todos os homens que raciociname se acham no caso de compreendê-la, mesmo entre osmais religiosos se veria para que lado penderia a maio-ria, porque a ideia de uma eternidade de suplícios é anegação da infinita misericórdia de Deus.

Eis, demais, o que avança a Doutrina Espírita a talrespeito:

A duração do castigo é subordinada ao melhoramentodo Espírito culpado. Nenhuma condenação por tempo de-terminado é pronunciada contra ele. O que Deus exige,para pôr um termo aos sofrimentos, é o arrependimento,a expiação e a reparação; em uma palavra, um melho-ramento sério e efetivo, uma volta sincera ao bem.O Espírito é assim o árbitro de sua própria sorte; suapertinácia no mal prolonga-lhe os sofrimentos; seus es-forços para fazer o bem os minoram ou abreviam. Sendoa duração da pena subordinada ao arrependimento, oEspírito culpado, que não se arrependesse e nunca semelhorasse, sofreria sempre, e para ele então a penaseria eterna. Essa eternidade de penas deve ser enten-dida no sentido relativo e não no absoluto. Uma condiçãoinerente à inferioridade do Espírito é não ver o termo dasua situação e crer que há de sofrer sempre — o queé para ele um castigo. Desde que, porém, sua alma seabra ao arrependimento, Deus lhe faz entrever um raiode esperança.

Esta doutrina é, por certo, mais conforme à justiçade Deus, que pune, enquanto o culpado persiste no mal,e concede-lhe graça desde que ele volte ao bom caminho.Quem imaginou essa teoria? Seríamos nós?

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Não; são os Espíritos que a ensinam e provam, pelosexemplos que diariamente nos fornecem. Os Espíritosnão negam, pois, as penas futuras, pois que são elesmesmos que nos vêm descrever seus próprios sofrimen-tos; e este quadro nos toca mais que o das chamas per-pétuas, porque tudo nele ê perfeitamente lógico. Com-preende-se que isto é possível, que assim deve ser, queessa situação é uma consequência natural das coisas; opensador filósofo pode aceitá-lo, porque nele nada re-pugna à razão. Eis por que as crenças espíritas têm con-duzido ao bem muita gente, mesmo entre os materialis-tas, aos quais não fazia mossa o medo do inferno, comolhes era pintado.

Pax&re. — Admitindo esse raciocínio, não julgais queo vulgo precisa de imagens mais impressionantes, antesque de uma filosofia que ele não pode compreender?

A. K. — Ê isso um erro que tem lançado mais deum homem no materialismo, ou, pelo menos, afastadomais de um homem da religião. Chega o momento emque essas imagens não impressionam mais, e então aque-les que não aprofundam as coisas, não aceitando umaparte, rejeitam o todo, porque, dizem eles: se me ensi-naram como verdade incontestável um ponto que é falso,se me deram uma imagem, uma figura, pela realidade,quem me afiança que o resto seja verdadeiro? Se, pelocontrário, a razão, crescendo, nada tem a repelir, a fése fortifica. A religião ganhará sempre em seguir o pro-gresso das ideias; se alguma vez ela corre perigo, équando os homens querem avançar e ela deseja ficarestacionária. Comete um erro de época quem espera con-duzir os homens de hoje pelo medo do demónio e dastorturas eternas.

Padre. — A Igreja, com efeito, reconhece hoje queo inferno material é uma figura; mas isso não exclui aexistência dos demónios; sem eles, como explicar a in-fluência do mal, que não pode vir de Deus?

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A. K. — O Espiritismo não admite os demónios nosentido vulgar da palavra, porém, sim, os maus Espíri-tos, que não valem mais do que aqueles e que fazemigualmente o mal, suscitando maus pensamentos; somen-te ele diz não serem eles seres à parte, criados para o male perpetuamente votados a isto, espécie de párias dacriação e algozes do género humano; são seres atrasados,ainda imperfeitos, mas aos quais Deus reservará o fu-turo. Nisso concorda o Espiritismo com a Igreja CatólicaGrega, que admite a conversão de Satã, alusão ao melho-ramento dos maus Espíritos.

Notai também que a palavra detmâmo não implicaa ideia de mau Espírito, que lhe é dada pela acepçãomoderna, porque a palavra dan/môn, grega, significa génio,inteligência. Seja como for, hoje ela exprime um Espí-rito mau.

Ora, admitir a comunicação dos maus Espíritos éreconhecer, em princípio, a realidade das manifestações.A questão está em saber se são eles os únicos que secomunicam, como afirma a Igreja para motivar a proi-bição, feita por ela, de se comunicar com os Espíritos.Aqui, nós invocamos o raciocínio e os fatos.

Se os Espíritos, quaisquer que eles sejam, se comu-nicam, não pode ser senão com a permissão de Deus; épossível que Ele só o tivesse permitido aos maus?

Como?! deixando a estes toda a liberdade de viremenganar os homens, Deus poderia impedir que os bonslhes viessem fazer um contrapeso, neutralizar suas dou-trinas perniciosas?

Crer que seja assim, não seria pôr em dúvida seupoder e bondade, e fazer de Satã um rival da Divindade?

A Bíblia, o Evangelho, os Padres da Igreja reconhe-cem perfeitamente a possibilidade das comunicações como mundo invisível, e desse mundo não estão excluídos osbons; por que, pois, havemos hoje de excluí-los?

Além disso, a Igreja, admitindo a autenticidade decertas aparições e comunicações de santos, rejeita assima ideia de só podermos entrar em relação com os mausEspíritos. Seguramente, quando nos trabalhos obtidos só

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encontramos coisas boas, quando nos pregam neles amais pura e sublime moral evangélica, a abnegação, odesinteresse e o amor ao próximo; quando neles se com-bate o mal, qualquer que seja o aspecto sobre que semostre, será racional crer-se que o Espírito malignoassim proceda?

Padre. — O Evangelho ensina que o anjo das trevas,ou Satã, se transforma em anjo de luz para seduzir oshomens.

A. K. — Satã, segundo o Espiritismo e a opiniãode muitos filósofos cristãos, não é um ser real; é apersonificação do Mal, como Saturno era outrora a doTempo. A Igreja apega-se à letra dessa figura alegórica;é uma questão de opinião que eu não discutirei.

Admitamos, por um instante, que Satã seja um serreal; a Igreja, à força de exagerar seu poder, tendo emvista intimidar, chega a um resultado totalmente con-trário, isto é, à destruição, não somente do medo, mastambém da crença em tal personagem, segundo o provér-bio: Quem muito quer provar, nada prova. Ela o repre-senta como eminentemente fino, sagaz e ardiloso, mas,na questão do Espiritismo, fá-lo desempenhar o papel delouco ou de tolo.

Uma vez que seu fim é alimentar de vítimas o infer-no e arrebatar almas do poder de Deus, compreende-seque se dirija àqueles que estão no bem para induzi-losao mal, e, para tal fim, se veja obrigado a transfor-mar-se, segundo belíssima alegoria, em anjo de luz, istoé, que ele hipocritamente simule a virtude; mas, quedeixe escapar aqueles que já estavam em suas redes, éo que não se pode compreender.

Os que não admitem Deus nem a alma, que despre-zam a prece e vivem mergulhados no vício, são dele,quanto é possível ser-se; nada mais lhe resta fazer parasepultá-los no lamaçal; ora, excitá-los a voltar a Deus,a orar, a submeter-se à vontade do Criador, animá-los arenunciar ao mal, mostrando-lhes a felicidade dos ésco-

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Ihidos e a triste sorte que aguarda os maus, seria ato deum simplório, mais estúpido que o de dar liberdade aaves que estejam numa gaiola, com o pensamento deapanhá-las de novo.

Há, pois, na doutrina da comunicação exclusiva dosdemónios uma contradição que fere todo homem sen-sato; nunca se persuadirá alguém que os Espíritos quereconduzem a Deus aqueles que o renegavam, ao bem osque praticavam o mal; que consolam os aflitos, dão forçae coragem aos fracos; que, pela sublimidade de seusensinos, elevam a alma acima da vida material, sejamauxiliares de Satã, e que, por este motivo, se deva inter-dizer-nos qualquer relação com o mundo invisível.

Padre. —• Se a Igreja proíbe as comunicações comos Espíritos dos mortos, é porque elas são contrárias àreligião, como sendo formalmente condenadas pelo Evan-gelho e por Moisés. Este último, pronunciando a pena demorte contra essas práticas, prova quanto elas são re-preensíveis aos olhos de Deus.

A. K. — Peco-vos perdão, mas essa proibição nãose encontra em parte alguma do Evangelho; ela se achasomente na lei moisaica. Trata-se de saber se a Igrejacoloca a lei moisaica acima da evangélica; assim será,por certo, se ela for mais judia que cristã.

Devemos mesmo notar que, de todas as religiões, éa judaica a que faz menos oposição ao Espiritismo, contracujas evocações ela não invocou a lei de Moisés, em quese apoiam as seitas cristãs. Se as prescrições bíblicas sãoo código da fé cristã, por que proíbem a leitura da Bíblia?Que diriam se se proibisse a um cidadão o estudo docódigo das leis do seu país?

A proibição feita por Moisés tinha então a sua razãode ser, porque o legislador hebreu queria que o seu povorompesse com todos os hábitos trazidos do Egito, e deentre os quais o de que tratamos era objeto de abusos.

Não se evocava então os mortos pelo respeito eafeição tributados a eles, nem com o sentimento de pie-

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dade, mas, sim, como meio de adivinhar, como objeto detráfico vergonhoso, explorado pelo charlatanismo e pelasuperstição; nessas condições, Moisés teve razão de proi-bi-lo. Se ele pronunciou contra esse abuso uma penali-dade severa, é que eram precisos meios rigorosos paraconter esse povo indisciplinado; também quanto à penade morte, era pródiga a sua legislação.

É, pois, um erro apoiar-se na severidade do castigopara provar-se o grau de culpabilidade da evocação dosmortos. Se a interdição da evocação aos mortos vem dopróprio Deus, como a Igreja pretende, deve também serDeus quem marcou a pena de morte contra os delin-quentes. Esta pena passa a ter uma origem tão sagradacomo a interdição; neste caso, por que não a conservamtambém? Todas as leis de Moisés são promulgadas emnome e por ordem de Deus; se crêem que Deus seja oautor delas, por que não as observam ainda? Se a lei deMoisés é para a Igreja um artigo de fé sobre um ponto,por que deixa de sê-lo sobre os outros todos? Por querecorrem a ela naquilo de que precisam, e repelem-na noque não julgam conveniente? Qual o motivo de não se-guirem todas as suas prescrições, entre outras a da cir-cuncisão, a que Jesus se sujeitou e que não aboliu?

Havia na lei moisaica duas partes: 1.", a lei de Deus,resumida nas tábuas do Sinai; lei que foi conservadaporque é divina, e o Cristo não fez mais que desenvol-vê-la; 2.', a lei civil ou disciplinar, apropriada aos cos-tumes do tempo, e que o Cristo aboliu. Hoje as cir-cunstâncias são outras, e a proibição de Moisés já nãotem razão de ser. Além disso, se a Igreja proíbe a evo-cação dos Espíritos, poderá também impedir que elesvenham sem ser chamados? Não estamos vendo diaria-mente manifestações de todos os géneros, entre pessoasque nunca se ocuparam com o Espiritismo? e antes deele ser divulgado não se davam tantas delas?

Outra contradição: Se Moisés proibiu evocar os Es-píritos dos mortos, é uma prova de que eles podem vir;do contrário essa interdição seria inútil. Se, em seutempo, podiam eles entrar em relação com os homens,

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ainda hoje o podem, e, se são Espíritos de mortos, nãosão exclusivamente demónios. Antes de tudo, devemosser lógicos.

Padre. — A Igreja não nega que bons Espíritospossam comunicar-se, pois reconhece que os santos tam-bém se têm manifestado; ela, porém, não considera bonsaqueles que vêm contradizer seus princípios imutáveis.Os Espíritos ensinam, é verdade, que há penas e recom-pensas futuras, porém, de modo diverso do que ela en-sina; só ela pode julgar o que eles pregam e, portanto,distinguir os bons dos maus.

A. K. — Eis a magna questão. Galileu foi acusadode heresia e de ser inspirado pelo demónio, porque vinharevelar uma lei da Natureza, provando o erro de umacrença julgada inatacável, e, então, foi condenado eexcomungado.

Se os Espíritos tivessem, sobre todos os pontos,abundado no sentido exclusivo da Igreja, se eles nãoproclamassem a liberdade de consciência e não condenas-sem certos abusos, teriam sido todos bem-vindos e nãoos qualificariam de demónios. Tal é também a razão porque todas as religiões, os muçulmanos como os católicos,crendo-se na posse exclusiva da verdade absoluta, olhamcomo obra do demónio qualquer doutrina que não é intei-ramente ortodoxa, do seu ponto de vista. Ora, os Espí-ritos vêm, não derribar a religião, mas, como Galileu,revelar-nos novas leis da Natureza. Se alguns pontos defé sofrem com isto, é porque, como na velha crença degirar o Sol ao redor da Terra, estão em contradição comessas leis. A questão está em saber se um artigo de fépode anular uma lei natural, que é obra de Deus; e se,sendo essa lei reconhecida, não será mais racional adaptara interpretação do dogma a ela, do que atribuí-la aodemónio.

Padre. — Deixemos a questão dos demónios; bemsei que ela é diversamente interpretada pelos teólogos;

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porém o sistema da reencarnação parece-me mais difícilde conciliar com os dogmas, pois que ele não é mais quea renovação da metempsicose de Pitágoras.

A. K. — Não é esta a ocasião própria de discutiruma questão que exige tão longos desenvolvimentos: vósa encontrareis tratada em Ô Livro dos Espíritos e noEvangelho seffwndo o Espiritismo (vede Õ IÂVTO dosEspíritos, n.° 166 e seg., 222 e seg. e 1.010; O Evange-lho, caps. IV e V) ; não acrescentarei senão duas palavras.

A metempsicose dos antigos consistia na transmigra-ção da alma do homem nos animais, o que implica umadegradação. Demais, essa doutrina não era o que vulgar-mente se crê. A transmigração pelos corpos dos animaisnão era considerada como condição inerente à naturezada alma humana, mas como punição temporária; é assimque se admitia que as almas dos assassinos iam habitaros corpos dos animais ferozes, para neles receberem cas-tigos; as dos impudicos, os porcos e javalis; as dos in-constantes e estouvados, os das aves; as dos preguiçosose ignorantes, os dos animais aquáticos. Depois de algunsmilhares de anos, mais ou menos, conforme a culpabili-dade, a alma, saindo dessa espécie de prisão, voltava àhumanidade. A encarnação animal não era, pois, umacondição absoluta; ela, como se vê, aliava-se à encar-nação humana, e a prova é que a punição dos homenstímidos consistia em passar a corpos de mulheres, expos-tas ao desprezo e às injúrias. (Vede Pluralidade dos exis-tências lote alma, por Pezzani.) Era uma espécie de es-pantalho para os simples, antes que um artigo de fépara os filósofos. Assim como dizemos às crianças: "Sefordes más, o lobo vos comerá", os antigos diziam aoscriminosos: "Vós vos tornareis em lobos", e hoje se diz:"O diabo vos agarrará e levará para o inferno."

A pluralidade das existências, segundo o Espiritis-mo, difere essencialmente da metempsicose, em não admi-tir aquele a encarnação da alma humana nos corpos deanimais, mesmo como castigo. Os Espíritos ensinam quea alma não retrograda, mas progride sempre. Suas dife-

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rentes existências corpóreas se cumprem na humanidade,sendo cada uma um passo que a alma dá na senda doprogresso intelectual e moral; o que é coisa muito diversada metempsicose.

Não podendo adquirir um desenvolvimento completoem uma só existência, muitas vezes abreviada por causasacidentais, Deus lhe permite continuar, em nova encar-nação, o que ela não pôde acabar em outra, ou recomeçaro que fez errado. A expiação na vida corporal consistenas tribulações que nela sofremos.

Quanto à questão de saber se a pluralidade das exis-tências da alma é ou não contrária a certos dogmas daIgreja, limito-me a dizer o seguinte:

Ou a reencarnação existe, ou não; se existe, é umalei da Natureza. Para provar que ela não existe, serianecessário demonstrar que vai de encontro, não aosdogmas, mas a essas leis, e que há outra mais clara elogicamente melhor que ela, explicando as questões quesó ela pode resolver. Além disso, é fácil demonstrar quecertos dogmas encontram nela sanção racional, hojeaceitos por aqueles que os repeliam outrora, por falta decompreensão. Não se trata, pois, de destruir, mas deinterpretar; é o que pela força das coisas será feitomais tarde.

Aqueles que não queiram aceitar a interpretaçãoficam perfeitamente livres, como ainda hoje o são, decrer que é o Sol que gira ao redor da Terra. A ideia dapluralidade das existências se vulgariza com pasmosarapidez, em razão de sua extrema lógica e conformidadecom a justiça de Deus. Quando ela for reconhecida comoverdade natural e aceita por todos, que fará a Igreja?

Em resumo: a reencarnação não é um sistema ima-ginado para satisfação das necessidades de um ideal, nemuma opinião pessoal; é ou não um fato. Se está demons-trado que certos efeitos existentes são materialmente im-possíveis sem a reencarnação, é preciso admitirmos queeles soa « consequência desta; logo, se está em a Natu-reza, não pode ser anulada por uma opinião contrária.

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Padre. — Segundo os Espíritos, quem não crê nelesnem nas suas manifestações, deve ser menos aquinhoadona vida futura?

A. K. — Se esta crença fosse indispensável à sal-vação dos homens, que seria daqueles que, desde o co-meço do mundo, não tiveram possibilidade de possuí-la,bem como daqueles que, durante ainda muito tempo, mor-rerão sem tê-la? Poderá Deus cerrar-lhes as portas dofuturo ?

Não; os Espíritos que nos instruem não são assimtão pouco lógicos; eles nos dizem: Deus é soberanamen-te justo e bom, não faz a sorte futura do homem subor-dinar-se a condições alheias à vontade deste; eles nãonos pregam que fora do Espiritismo não possa haversalvação, mas sim, como o Cristo: Fora, da camdaãe nãohá salvação.

Padre. — Permiti-me, então, dizer-vos que, desdeque os Espíritos só ensinam os princípios de moral en-contrados no Evangelho, não vejo qual possa ser a utili-dade do Espiritismo, visto como antes que este viesse ehoje, sem ser por ele, podíamos e podemos alcançar asalvação. Não seria o mesmo se os Espíritos viessemensinar algumas grandes verdades novas, alguns dessesprincípios que mudam a face do mundo, como fez oCristo. Ao menos o Cristo era só, sua doutrina era única,ao passo que os Espíritos se contam por milhares e secontradizem, uns dizendo que é branco o que outros afir-mam ser negro; do que resulta que, já desde o começo,seus partidários formam muitas seitas. Não seria melhordeixarmos os Espíritos tranquilos e contentarmo-nos como que já temos?

A. K. — Errais, meu amigo, em não sair do vossoponto de vista e em considerar sempre a Igreja como oúnico critério dos conhecimentos humanos.

Se o Cristo disse a verdade, o Espiritismo não podiadizer outra coisa, e em vez de por isso apedrejá-lo,

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deve-se acolhê-lo como poderoso auxiliar, que vem con-firmar, por todas as vozes de Além-Túmulo, as verdadesfundamentais da religião, combatidas pela incredulidade.

Que o materialismo o combata, explica-se facilmen-te; mas que a Igreja se ligue ao materialismo contra ele,é um fato menos concebível. Igualmente inconsequente éela quando qualifica de demoníaco um ensino que seapoia sobre a mesma autoridade e que proclama a missãodivina do fundador do Cristianismo.

O Cristo teria dito, teria revelado tudo? Não; vistoque ele próprio disse: "Eu teria ainda muitas coisas adizer-vos, mas vós não podeis compreendê-las, é por issoque eu vos falo em parábolas."

O Espiritismo vem hoje, época em que o homem estámaduro para compreendê-lo, completar e explicar o queo Cristo propositadamente não fez senão tocar, ou nãodisse senão sob a forma alegórica. Direis, sem dúvida,que à Igreja competia dar essa explicação. Mas, qualdelas? a romana, a grega ou a protestante? Como nãoestão elas de acordo, cada uma explicaria a seu modo ereivindicaria o privilégio de dar essa explicação. Qualdelas conseguiria arrebanhar todos os dissidentes?

Deus, que é sábio, prevendo que os homens iriamnela enxertar suas paixões e prejuízos, não lhes quisconfiar o cuidado desta nova revelação: deu-a aos Espí-ritos, seus mensageiros, que a proclamaram por todos ospontos do globo, fora dos limites particulares de qualquerculto, a fim de que ela possa aplicar-se a todos, e nenhuma transforme em objeto de exploração.

Por outro lado, os diversos cultos cristãos não seterão, em coisa alguma, apartado do caminho traçadopelo Cristo? Seus preceitos de moral serão escrupulosa-mente observados? Não se lhe têm desnaturado as pala-vras, a fim de que possam servir de apoio à ambição e àspaixões humanas, quando elas lealmente condenam isso?

Ora, o Espiritismo, pela voz dos Espíritos enviadosde Deus, vem chamar, à estrita observância de seus pre-ceitos, aqueles que dela se arredam; será por isso queo qualificam de obra satânica?

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Vós vos iludis dando o nome de seitas a algumasdivergências de opiniões relativas aos fenómenos espíri-tas. Não é de admirar que no começo de uma ciência,quando ainda as observações eram incompletas para mui-tos, tenham surgido teorias contraditórias; essas teorias,porém, repousam sobre pontos de minúcias e não sobreo princípio fundamental. Podem constituir escolas queexpliquem certos fatos a seu modo, porém, não são seitas,como não o são os diferentes sistemas que dividem ossábios nas ciências exatas: em medicina, em física, etc.Riscai, pois, a palavra seita, que é imprópria ao nossocaso.

A quantas seitas não tem o Cristianismo dado nas-cimento, desde a sua origem ? Por que não teve bastantepoder a palavra do Cristo para impor silêncio a todasas controvérsias? Por que é ela suscetível de interpreta-ções que ainda hoje dividem os cristãos em diferentesigrejas, pretendendo todas elas possuir exclusivamente averdade necessária à salvação, detestando-se intimamen-te e anatematizando-se em nome do seu divino Mestre,que não pregou senão o amor e a caridade?

Fraqueza dos homens, direis vós. Seja; então, comoquereis que o Espiritismo triunfe subitamente dessa fra-queza, transforme a Humanidade como por encanto?

Vamos à questão da utilidade. Dizeis que o Espiri-tismo nada revela de novo. Ê um erro: ele ensina, aocontrário, muito àqueles que não se limitam a um estudosuperficial. Não fizesse ele mais que substituir a máxi-ma: Fora cía caridade não há salvação, que reúne oshomens, àquela: Fora da Igreja não há salvação, que osdivide, para que a sua vida marcasse uma nova era àHumanidade.

Dissestes que se podia passar sem ele; concordo,como também se podia passar sem muitas das descobertascientíficas. Os homens certamente viviam bem, antes dadescoberta de todos os novos planetas, antes que se ti-vesse calculado os eclipses, antes que se conhecesse' o

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O QUE É O ESPIRITISMO 147

mundo microscópico e cem outras coisas; o camponês,para viver e fazer germinar o trigo, não tem necessidadede saber o que é um cometa, e, entretanto, ninguém negaque todas essas coisas alargam o círculo das ideias e nosfazem compreender melhor as leis da Natureza.

Ora, o mundo dos Espíritos é uma dessas leis que oEspiritismo nos faz conhecer; ele nos ensina a influênciaque esse mundo exerce sobre o corpóreo. Suponhamosque a isso se limitasse a sua utilidade, já não seria muitoa revelação de tal potência?

Vejamos, agora, a sua influência moral. Admitamosque ele nada ensine, sob este ponto de vista; qual o maiorinimigo da religião? O materialismo, porque o materia-lista não crê em coisa alguma; ora, o Espiritismo é anegação do materialismo, que já não tem razão de ser.Não é mais pelo raciocínio, pela fé cega que se diz aomaterialista que nem tudo se acaba com o corpo; é pelosfatos que se lhe mostram visíveis e palpáveis. Não seráisso um pequeno serviço prestado à humanidade e à reli-gião ? Porém não é ainda tudo: a certeza da vida futura,o quadro vivo daqueles que nos precederam nela, mostrama necessidade do bem e as consequências inevitáveis domal. Eis por que, sem ser uma religião, o Espiritismo seprende essencialmente às ideias religiosas, desenvolve-asnaqueles que não as possuem, fortifica-as nos que as têmincertas.

A religião encontra, pois, um apoio nele, não paraas pessoas de vistas estreitas, que a vêem integralmentena doutrina do fogo eterno, na letra mais que no espírito,mas para aqueles que a vêem segundo a grandeza e amajestade de Deus.

Em uma palavra, o Espiritismo engrandece e elevaas ideias; combate os abusos engendrados pelo egoísmo,a cobiça, a ambição; mas quem terá a coragem de defen-dê-los e se declararem seus campeões? Se ele não é indis-pensável à salvação, facilita-a firmando-nos no caminhodo bem. Além disso, que homem sensato ousará avançar

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que a falta de ortodoxia é mais repreensível, aos olhosde Deus, que o ateísmo ou o materialismo?

Apresento claramente as questões seguintes, a quan-tos combatem o Espiritismo, sob o ponto de vista de suasconsequências religiosas:

1." Quem terá melhor quinhão na vida futura —aquele que não crê em coisa alguma, ou aquele que, crentedas verdades gerais, não admite certas partes do dogma?

2.* O protestante e o cismático serão confundidosna mesma reprovação que o ateu e o materialista?

3." O que não é ortodoxo, no rigor da palavra, masfaz o bem que pode, que é bom e indulgente para como próximo, leal em suas relações sociais, deve contarmenos com a salvação, do que aquele que crê em tudo,mas é duro, egoísta e baldo de caridade?

4." Qual terá mais valor aos olhos de Deus: a prá-tica das virtudes cristãs sem a dos deveres da ortodoxia,ou a destes últimos sem a da moral?

Respondi, senhor abade, às questões e objeções queme dirigistes, mas, como vo-lo disse no começo, sem in-tenção alguma preconcebida de conduzir-vos às nossasideias e de mudar as vossas convicções, limitando-me tão--somente a fazer-vos encarar o Espiritismo sob seu ver-dadeiro aspecto. Se não tivésseis vindo, eu não vos teriaido procurar.

Não quer isto dizer que desprezássemos a vossaadesão aos nossos princípios, caso ela se verificasse;longe disso; julgamo-nos sempre felizes pelas aquisiçõesque fazemos, as quais têm para nós tanto maior valorquanto mais livres e voluntárias são. Não só não temoso direito de exercer constrangimento sobre quem querque seja, como também sentiríamos escrúpulo em ir per-turbar a consciência dos que, tendo crenças que os satis-fazem, não venham espontaneamente ao nosso encontro.

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O QUE É O ESPIRITISMO

Dissemos que o melhor meio de se esclareceremo Espiritismo é estudarem previamente a teoria; osvirão depois, naturalmente, e soão facilmente compreet^1'didos, qualquer 'que seja a oièa em que as circunstâr^1"cias os façam vir. As nossas piblicações são feitas n *°intuito de favorecer esse estuí; eis aqui a ordem qu ae

aconselhamos.A primeira leitura a fazew é a deste resumo,

apresenta o conjunto e os pontos mais salientes dacia; com isso, pois, já se pode fazer dela uma ideiaficar-se convencido de que, no todo, existe algo deNesta rápida exposição esforçaní-nos por indicar os pon J-~tos sobre que particularmente se deve fixar a atenção d<"-°observador. A ignorância dos aíncípios fundamentais e

a causa das falsas apreciações Ia maioria daqueles qu - ' equerem julgar o que não comprendem, ou que seem ideias preconcebidas.

Se desta leitura nascer o desejo de continuar,ler O Lvoro das Espíritos, onde ss princípios daestão completamente desenvolvia^; depois, O Li/vro do-MédiMns, para a parte experimental, destinado a serviade guia aos que desejarem opersr por si mesmos, comaos que quiserem bem. compreeder os fenómenos.depois as diversas obras onde sia desenvolvidas as apli "cações e as consequências da doutrina, como: O Evan,---gelho segundo o Espiritisimo, 'Q Céu e o Infernoo Espiritismo, etc.

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CAPITULO II

Noções elementares de Espiritismo

OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

1. É um erro crer-se que basta a certos incréduloso testemunho de fenómenos extraordinários, para que setornem convictos. Quem não admite no homem a exis-tência da alma ou Espírito, também não a aceita foradele; e portanto, negando a causa, nega implicitamenteos efeitos. Os contraditores se apresentam, quase sempre,com uma ideia preconcebida que os desvia de uma obser-vação séria e imparcial, e levantam questões e objeçõesa que é impossível responder-se logo, de modo completo,porque seria preciso fazer-se, para cada um, uma espéciede curso, retomando as coisas desde o princípio.

O estudo prévio tem como resultado evitar-se essasobjeções que, na maioria, se originam da ignorância dascausas dos fenómenos e das condições em que estes seproduzem.

2. Quem não conhece o Espiritismo, supõe que sepodem produzir fenómenos espíritas, como se faz umaexperiência de física ou de química. Daí a pretensão desujeitá-los à sua vontade e a recusa de se colocar nascondições necessárias para os poder observar.

Não admitindo, como princípio, a existência e a in-tervenção dos Espíritos, ou, pelo menos, não conhecendonem a sua natureza, nem o seu modo de ação, esses indi-

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víduos se comportam como se operassem sobre a ma-téria bruta; e, desde que não obtêm o que pedem, con-cluem que não há Espíritos.

Colocando-se em um ponto de vista diferente, com-preender-se-á que, não sendo os Espíritos mais que almasdos homens, todos nós, depois da morte, seremos Espíri-tos, e que, nestas condições, também estaríamos poucodispostos a servir de joguete, para satisfação das fanta-sias dos curiosos.

3. Ainda que certos fenómenos possam ser provo-cados, eles, pelo fato de provirem de inteligências livres,não se acham absolutamente à disposição de quem querque seja; e quem se disser capaz de obtê-Ios, sempre quequeira, só provará ignorância ou má-fé. É preciso espe-rá-los, apanhá-los em sua passagem, e, muitas vezes, équando são menos esperados que se apresentam os fatosmais interessantes e concludentes.

Aquele que seriamente deseja instruir-se, deve, nistocomo em tudo, ter paciência e perseverança, e colocar-senas condições indispensáveis; doutra forma, é melhor nãose preocupar com isso.

4. Nem sempre as reuniões que têm por objetotratar de manifestações espíritas se acham em boas con-dições, seja para obter resultados satisfatórios, seja paraproduzir a convicção; de algumas mesmo, não podemosdeixar de convir, os incrédulos saem menos convencidosdo que o eram quando entraram, lançando em rosto, aosque lhes falam do carater sério do Espiritismo, as coisas,muitas vezes ridículas, de que foram testemunhas. Nissonão são eles mais lógicos que aqueles que pretendessemjulgar de uma arte pelas primeiras provas de um apren-diz, de uma pessoa pela sua caricatura, ou de uma tra-gédia pela paródia. O Espiritismo também tem apren-dizes; e quem quer esclarecer-se não deve colher ensinosde uma, só fonte, porque só pelo exame e pela compa-ração se pode firmar um juízo.

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O QUE Ê O ESPIRITISMO 153

5. As reuniões frívolas têm o grave inconvenientede dar aos noviços, que a elas assistem, uma ideia falsado caráter do Espiritismo. Os que só têm frequentadoreuniões dessa espécie, não podem tomar a sério umacoisa que eles vêem tratada irrefletidamente pelos pró-prios que se dizem adeptos. Um estudo antecipado lhesensinará a julgar do alcance do que vêem, a separar obom do mau.

6. O mesmo raciocínio se aplica aos que julgaremo Espiritismo pelo que dizem certas obras excêntricas,que dele apenas dão uma ideia incompleta e ridícula.

O Espiritismo sério não pode responder por aquelesque o compreendem mal, ou que o praticam de modocontrário aos seus preceitos; assim como não o faz apoesia por aqueles que produzem maus versos.

Ê deplorável, dizem, que existam tais obras preju-dicando a verdadeira ciência. Sem dúvida, seria prefe-rível que só as houvesse boas; o maior mal, porém, con-siste em não se darem ao trabalho de estudá-las todas.Todas as artes, todas as ciências, além disso, estão nomesmo caso. Não vemos, sobre as mais sérias coisas, apa-recerem tratados absurdos e cheios de erros?

Por que seria privilegiado, nesse sentido, o Espiri-tismo, sobretudo em seu começo?

Se os que o criticam não tomassem as aparênciaspor base do seu juízo, saberiam o que ele admite e o querejeita, e não lhe lançariam em conta o que ele repeleem nome da razão e da experiência.

DOS ESPÍRITOS

7. Os Espíritos não são, como supõem muitaspessoas, uma classe à parte na criação, porém as almas,despidas do seu invólucro corporal, daqueles que viveramna Terra ou em outros mundos.

Aquele que admite a sobrevivência da alma ao corpo,admite, pelo mesmo motivo, a existência dos Espíritos;negar os Espíritos seria negar a alma.

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8. Faz-se geralmente uma ideia muito errónea doestado dos Espíritos; eles não são, como alguns acredi-tam, seres vagos e indefinidos, nem chamas semelhantesa fogos-fátuos, nem fantasmas como os pintam nos con-tos das almas do outro mundo. São seres nossos seme-lhantes, tendo como nós um corpo, mas fluídico e invi-sível no estado normal.

9. Quando a alma está unida ao corpo, durante avida, ela tem duplo invólucro: um pesado, grosseiro edestrutível — o corpo; o outro fluídico, leve e indestru-tível, chamado peris/pírito.

10. Há, pois, no homem três elementos essenciais:1." A alma ou Espírito, princípio inteligente em que

residem o pensamento, a vontade e o senso moral;2." O corpo, invólucro material que põe o Espírito

em relação com o mundo exterior;3.° O perispírito, invólucro fluídico, leve, imponde-

rável, servindo de laço e de intermediário entre o Espí-rito e o corpo.

11. Quando o invólucro exterior está usado e nãopode mais funcionar, tomba e o Espírito o abandona,como o fruto se despoja da sua semente, a árvore dacasca, a serpente da pele, em uma palavra, como se deixaum vestido velho que já não pode servir; é o que sedesigna pelo nome de morte.

12. A morte é apenas a destruição do envoltóriocorporal, que a alma abandona, como o faz a borboletacom a crisálida, conservando porém seu corpo fluídicoou perispírito.

13. A morte do corpo desembaraça o Espírito dolaço que o prendia à Terra e o fazia sofrer; e uma vezlibertado desse fardo, não lhe resta mais que o seu corpoetéreo, que lhe permite percorrer o espaço e transpor asdistâncias com a rapidez do pensamento.

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O QUE É O ESPIRITISMO 155

14. A união da alma, do perispírito e do corpomaterial constitui o homem; a alma e o perispírito sepa-rados do corpo constituem o ser chamado Espírito.

OBSERVAÇÃO — A alma é assim um ser simples; oEspírito um ser duplo e o homem um ser triplo.

Seria mais exato reservar a palavra alma para designaro principio inteligente, e o termo Espírito para o ser semi-material formado desse princípio e do corpo fluídico; mas,como não se pode conceber o princípio inteligente isolado damatéria, nem o perispírito sem ser animado pelo princípiointeligente, as palavras alma e Espírito são, no uso, indife-rentemente empregadas uma pela outra; é a figura que con-siste em tomar a parte pelo todo, do mesmo modo por quese diz que uma cidade é povoada de tantas almas, uma vilacomposta de tantas famílias; filosoficamente, porém, é essen-cial fazer-se a diferença.

15. Os Espíritos revestidos de seus corpos mate-riais constituem a Humanidade ou mundo corporal visí-vel; despojados desses corpos, formam o mundo espiritualou invisível que povoa o espaço e no meio do qual vive-mos, sem disso desconfiar, como vivemos no meio domundo dos infinitamente pequenos, de que não suspeitá-vamos, antes da invenção do microscópio.

16. Os Espíritos não são, portanto, entes abstratos,vagos e indefinidos, mas seres concretos e circunscritos,aos quais só falta serem visíveis para se assemelharemaos humanos; donde se segue que se, em dado momento,pudesse ser levantado o véu que no-los esconde, eles for-mariam uma população, cercando-nos por toda parte.

17. Os Espíritos possuem todas as percepções quetinham na Terra, porém em grau mais alto, porque assuas faculdades não estão amortecidas pela matéria; elestêm sensações desconhecidas por nós, vêem e ouvemcoisas que os nossos sentidos limitados nos não permitemver nem ouvir. Para eles não há obscuridade, excetuan-do-se aqueles que, por punição, se acham temporaria-mente nas trevas.

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Todos os nossos pensamentos neles se repercutem,e eles os lêem como em um livro aberto; de modo que oque podíamos esconder a alguém, durante a vida terrena,não mais o podemos depois da sua desencarnação. (O Li-vro dos Espíritos, n.° 237.)

18. Os Espíritos estão em toda parte, ao nossolado, acotovelando-nos e observando-nos sem cessar. Porsua presença incessante entre nós, eles são os agentesde diversos fenómenos, desempenham um papel impor-tante no mundo moral, e, até certo ponto, no físico; cons-tituem, se o podemos dizer, uma das forças da Natureza.

19. Desde que se admita a sobrevivência da almaou do Espírito, é racional que as suas afeições conti-nuem; sem o que, as almas dos nossos parentes e amigosseriam, pela morte, totalmente perdidas para nós.

Pois que os Espíritos podem ir a toda parte, é igual-mente racional admitir-se que aqueles que nos amaram,durante a vida terrena, ainda nos amem depois da morte,que venham para junto de nós e se sirvam, para isso,dos meios que encontrem à sua disposição; é o que con-firma a experiência.

A experiência, de fato, prova que os Espíritos con-servam as afeições sérias que tinham na Terra, quefolgam em se juntarem àqueles a que amaram, sobre-tudo quando são por estes atraídos pelos sentimentosafetuosos que lhes dedicam; ao passo que se, mostramindiferentes para com quem só lhes vota indiferença.

20. O Espiritismo tem por fim demonstrar e estu-dar a manifestação dos Espíritos, suas faculdades, suasituação feliz ou infeliz, seu futuro; em suma, o conhe-cimento do Mundo Espiritual,

Essas manifestações, sendo averiguadas, conduzemà prova irrecusável da existência da alma, de sua sobre-vivência ao corpo, de sua individualidade depois da morte,isto é, de sua vida futura; por isso ele é a negação das

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O QUE ffi O ESPIRITISMO 157

doutrinas materialistas, não tanto por meio de raciocí-nios, mas principalmente por fatos.

21. Uma ideia quase geral, entre os que não conhe-cem o Espiritismo, é a de crer que os Espíritos, pelosimples fato de estarem desprendidos da matéria, devemsaber tudo, estar de posse da sabedoria suprema. É umgrave erro.

Não sendo mais que as almas dos homens, os Espí-ritos não adquirem a perfeição logo que deixam o envol-tório terrenal. Seu progresso só se faz com o tempo, enão é senão paulatinamente que se despojam das suasimperfeições, que conquistam os conhecimentos que lhesfaltam.

Seria tão ilógico admitir-se que o Espírito de umselvagem ou de um criminoso se torne de repente sábioe virtuoso, como seria contrário à justiça de Deus suporque ele continue perpetuamente em inferioridade. Comohá homens de todos os graus de saber e ignorância, debondade e malvadez, dá-se o mesmo com os Espíritos.Alguns destes são apenas frívolos e travessos; outros sãomentirosos, fraudulentos, hipócritas, maus e vingativos;outros, pelo contrário, possuem as mais sublimes virtudese o saber em grau desconhecido na Terra.

Essa diversidade nas qualidades dos Espíritos é umdos pontos mais importantes a considerar, por explicar anatureza boa ou má das comunicações que se recebem;é em distingui-las que devemos empregar todo o nossocuidado. (O Livro dos Espvritos, n." 100, Escala Espírita— O Livro dos Mêãmns, cap. XXTV.)

COMUNICAÇÃO COM O MUNDO INVISÍVEL

22. Sendo admitidas a existência, a sobrevivênciae a individualidade da alma, o Espiritismo reduz-se auma só questão principal: Serão possíveis as comunica-ções entre as almas e os inventes?

Essa possibilidade foi demonstrada pela experiência,e, uma vez estabelecido o fato das relações entre os mun-

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dos visível e invisível, bem como conhecidos a natureza,o princípio e o modo dessas relações, abriu-se um novocampo à observação e encontrou-se a chave de grandenúmero de problemas.

Fazendo cessar a dúvida sobre o futuro, o Espiri-tismo é poderoso elemento de moralização.

23. O que faz nascer na mente de muitas pessoasa dúvida sobre a possibilidade das comunicações de Além--Túmulo, é a ideia falsa que fazem do estado da almadepois da morte. Figuram ser ela um sopro, uma fumaça,uma coisa vaga, apenas apreensível ao pensamento, quese evapora e vai não se sabe para onde, mas para lugartão distante que se custa a compreender que ela possatornar à Terra. Se, ao contrário, a considerarmos aindaunida a um corpo fluídico, semimaterial, formando comele um ser concreto e individual, as suas relações comos viventes nada têm de incompatível com a razão.

24. Vivendo o mundo invisível no meio do visível,com o qual está em contato perpétuo, dá em resultadouma incessante reação de cada um deles sobre o outro,e bem assim demonstra que, desde que houve homens,houve também Espíritos, e que se estes têm o poder demanifestar-se, deviam tê-lo feito em todas as épocas eentre todos os povos.

Entretanto, nestes últimos tempos, as manifestaçõesdos Espíritos tomaram grande desenvolvimento e adqui-riram maior caráter de autenticidade, porque estava nasvistas da Providência pôr termo à praga da increduli-dade e do materialismo, mediante provas evidentes, per-mitindo, aos que deixaram a Terra, vir atestar sua exis-tência e revelar-nos sua situação feliz ou infeliz.

25. As relações entre os mundos visível e invisívelpodem ser ocultas ou patentes, espontâneas ou provo-cadas.

Os Espíritos atuam sobre os homens ocultamente,sugerindo-lhes pensamentos e influenciando-os, de modoperceptível, por meio de efeitos apreciáveis aos sentidos.

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O QUE É O ESPIRITISMO 159

As manifestações espontâneas se verificam inopina-damente e de improviso; produzem-se, muitas vezes, entreas pessoas mais estranhas às ideias espíritas, as quais,não tendo meios de explicá-las, as atribuem a causassobrenaturais. As que são provocadas, dão-se por inter-médio de certos indivíduos dotados para isso de faculda-des especiais, e designados pelo nome de médiuns.

26. Os Espíritos podem manifestar-se de muitasmaneiras diferentes: pela vista, pela audição, pelo tato,produzindo ruídos e movimentos de corpos, pela escrita,desenho, música, etc.

27. As vezes, os Espíritos se manifestam esponta-neamente por pancadas e ruídos; é muitas vezes um meioque empregam para atestar sua presença e chamar sobresi a atenção, tal como nós, quando batemos para avisarque está alguém à porta.

Alguns não se limitam a ruídos moderados, mas pro-duzem bulhas imitando louças que se quebram, caindo,portas que se abrem e fecham com estrondo, móveis lan-çados ao chão, e alguns chegam mesmo a causar umaperturbação real e verdadeiros estragos. (Revue Spirite,-1858; UEsprit frappew de Bergzabe^n, págs. 125, 153,184. — Idem, UEsprit fraipp&ur de Dibbelsdo>rf, pág. 219.— Idem, 1860; Lê boulánger de Dieppe, pág. 76. — Idem,Lê Fabricwnt de Smnt-Pétersbourg, pág. 115. — Idem, Lêchiffommier de Ia rue dês Noyers, pág. 236.)

28. Ainda que invisível para nós no estado normal,o perispírito é matéria etérea. Em certos casos, o Espí-rito pode fazê-lo sofrer uma espécie de modificaçãomolecular que o torna visível e mesmo tangível; é comose produzem as aparições — fenómeno que não é maisextraordinário que o do vapor que, invisível quandomuito rarefeito, se torna visível por condensação.

Os Espíritos que se tornam visíveis apresentam-se,quase sempre, com as aparências que tinham em vida eque os podem tornar conhecidos.

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29. A vidência permanente e geral de Espíritos émuito rara, porém as aparições isoladas são assaz fre-quentes, sobretudo em ocasiões de morte; o Espírito,quando deixa o corpo, parece ter pressa de ir ver seusparentes e amigos, como para adverti-los de já não estarna Terra, e dizer-lhes que ainda vive.

Se passarmos em revista as nossas reminiscências,veremos quantos fatos autênticos, dessa ordem, sem queos percebêssemos convenientemente, se deram conosco,não só de noite, durante o sono, senão também de dia eem completo estado de vigília. Outrora consideravam taisfatos como sobrenaturais e maravilhosos e os atribuíamà magia e à feitiçaria; hoje, os incrédulos os classificamcomo um produto da imaginação; desde que, porém, aciência espírita nos forneceu meios de explicá-los, ficou-sesabendo como eles se produzem e que pertencem à classedos fenómenos naturais.

30. Era por meio do perispírito que o Espírito agiasobre o seu corpo quando vivo, e é ainda com esse mesmofluido que ele se manifesta agindo sobre a matéria inerte,produzindo ruídos, movimentos de mesas e outros objetosque ele levanta, derruba ou transporta. Esse fenómenonada terá de surpreendente, se considerarmos que, entrenós, os mais poderosos motores se alimentam dos fluidosde maior rarefação e, mesmo, da dos imponderáveis, comoo ar, o vapor e a eletricidade.

Ê igualmente por meio do perispírito que o Espíritofaz os médiuns escreverem, falarem ou desenharem; nãopossuindo corpo tangível para atuar ostensivamente,quando ele se quer manifestar, o Espírito serve-se docorpo do médium, de cujos órgãos se apossa, fazendo-osagir como se fossem seus, por um eflúvio com que eleos envolve e penetra.

31. No fenómeno designado pelo nome de mesasgvramtes e falcmtes, é ainda pelo mesmo meio que o Es-pírito age sobre o móvel, seja fazendo-o mover-se semsignificação determinada, seja produzindo golpes inteli-

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O QUE É O ESPIRITISMO 161

gentes, indicando as letras do alfabeto para formar pa-lavras e frases, fenómeno este designado pelo nome detiptotogia.

A mesa não é senão um instrumento de que eleentão se serve, como o faz com o lápis para escrever,dando-lhe vitalidade momentânea, pelo fluido com que apenetra, mas não se identifica com ela.

As pessoas que, presas de emoção, vendo manifes-tar-se-lhes um ser querido, abraçam a mesa, praticamum ato ridículo, porque é absolutamente o mesmo queabraçar a bengala de que se servisse um indivíduo parabater. O mesmo podemos dizer relativamente àquelas quedirigem a palavra à mesa, como se o Espírito se achasseencerrado na madeira, ou se a madeira se tivesse tornadoEspírito.

Por ocasião das comunicações dessa ordem, o Espí-rito não se acha na mesa, mas ao lado do móvel, comoo faria se fosse vivo; e aí o veríamos, se nessa ocasiãoele pudesse tornar-se visível. Dá-se o mesmo com as co-municações por escrito; o Espírito coloca-se ao lado domédium, dirigindo-lhe a mão ou transmitindo-lhe o seupensamento por uma corrente fluídica.

Quando a mesa se levanta do solo e permanece noar, sem ponto de apoio, não é com força braçal que oEspírito a suspende, e sim pela aça o de uma atmosferafluídica com que ele a envolve e penetra — fluidos queneutralizam o efeito da gravitação, como o faz o ar comos balões e papagaios. Esse fluido, penetrando a mesa,dá-lhe momentaneamente maior leveza específica. Quandoa mesa descansa no solo, acha-se em caso análogo ao dacampânula pneumática em que se fez o vácuo.

São simples comparações estas, para mostrar a ana-logia dos efeitos e nunca uma absoluta semelhança dascausas.

Quando a mesa persegue alguém, não é o Espíritoque corre, porque ele pode ficar tranquilamente em seulugar, e somente lhe dar, por uma corrente fluídica, oimpulso preciso para que ela se mova, segundo a suavontade. Nas pancadas que se fazem ouvir na mesa, ou

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em outra parte qualquer, não é o Espírito quem batecom a mão ou com algum objeto; ele lança, sobre o pontodonde parte o ruído, um jato de fluido que produz o efeitode um choque elétrico e modifica os sons, como se podemodificar os que são produzidos pelo ar.

Assim, facilmente se compreende a possibilidade deo Espírito erguer no ar uma pessoa, como levantar ummóvel qualquer, transportar um objeto de um para outrolugar, ou atirá-lo a qualquer parte.

E uma só a lei que regula tais fenómenos.

32. Pelo pouco que dissemos, pode-se ver que asmanifestações espíritas, de qualquer natureza, nada têmde maravilhoso e sobrenatural; são fenómenos que seproduzem em virtude da lei que rege as relações domundo visível com o invisível, lei tão natural quantoas da eletricidade, da gravitação, etc.

O Espiritismo é a ciência que nos faz conhecer essalei, como a mecânica nos ensina as do movimento, aóptica as da luz, etc.

Pertencendo à Natureza, as manifestações espíritasse deram em todos os tempos; a lei que as dirige, umavez conhecida, vem explicar-nos grande número de pro-blemas, julgados sem solução; ela é a chave de umamultidão de fenómenos explorados e amplificados pelasuperstição.

33. Afastado o prisma maravilhoso, nada maisapresentam esses fatos que repugne à razão, pois queassim passam a ocupar o seu lugar no meio dos outrosfenómenos naturais.

Nos tempos de ignorância, eram reputados sobrena-turais todos os efeitos cuja causa não se conhecia; asdescobertas da Ciência, porém, sucessivamente foram res-tringindo o círculo do maravilhoso, que o conhecimentoda nova lei veio aniquilar.

Aqueles, pois, que acusam o Espiritismo de ressus-citar o maravilhoso, provam, só por isso, que falam doque não conhecem.

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O QUE fi O ESPIRITISMO 163

34. As manifestações dos Espíritos são de duasnaturezas: efeitos físicos e comunicações inteligentes.

Os primeiros são os fenómenos materiais ostensivos,tais como os movimentos, ruídos, transportes de objetos,etc.; os outros consistem na troca regular de pensamen-tos por meio de sinais, da palavra e, principalmente, daescrita.

35. As comunicações que recebemos dos Espíritospodem ser boas ou más, justas ou falsas, profundas oufrívolas, consoante a natureza dos que se manifestam.Os que dão provas de sabedoria e erudição, são Espíritosadiantados no caminho do progresso; os que se mostramignorantes e maus, são os ainda atrasados, mas que como tempo hão de progredir.

Os Espíritos só podem responder sobre aquilo quesabem, segundo o seu estado de adiantamento, e aindadentro dos limites do que lhes é permitido dizer-nos,porque há coisas que eles não devem revelar, por não serainda dado ao homem tudo conhecer.

36. Da diversidade de qualidades e aptidões dosEspíritos, resulta que não basta dirigirmo-nos a um Es-pírito qualquer para obtermos uma resposta segura1 aqualquer questão; porque, acerca de muitas coisas, elenão nos pode dar mais que a sua opinião pessoal, a qualpode ser justa ou errónea. Se ele é prudente, não dei-xará de confessar sua ignorância sobre o que não co-nhece; se é frívolo ou mentiroso, responderá de qualquerforma, sem se importar com a verdade; se é orgulhoso,apresentará suas ideias como verdades absolutas.

É por isso que S. João, o Evangelista, diz:"Não creiais em todas os Espíritos, mas eaxminai se

eles são de Deus."A experiência demonstra a sabedoria desse conselho.

Há imprudência e leviandade em aceitar sem exame tudoo que vem dos Espíritos. É de necessidade que bemconheçamos o caráter daqueles que estão em relaçãoconosco. (O Livro dos Médimns, n." 267.)

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37. Reconhece-se a qualidade dos Espíritos por sualinguagem; a dos Espíritos verdadeiramente bons e su-periores é sempre digna, nobre, lógica e isenta de con-tradições; nela se respira a sabedoria, a benevolência, amodéstia e a mais pura moral; ela é concisa e despidade redundâncias. Na dos Espíritos inferiores, ignorantesou orgulhosos, o vácuo das ideias é quase sempre preen-chido pela abundância de palavras.

Todo pensamento evidentemente falso, toda máximacontrária à sã moral, todo conselho ridículo, toda expres-são grosseira, trivial ou simplesmente frívola, enfim, todamanifestação de malevolência, de presunção ou arrogân-cia, são sinais incontestáveis da inferioridade dos Es-píritos.

38. Os Espíritos inferiores são, mais ou menos,ignorantes; seu horizonte moral é limitado, perspicáciarestrita; eles não têm das coisas senão uma ideia muitasvezes falsa e incompleta, e, além disso, conservam-seainda sob o império dos prejuízos terrestres, que elestomam, às vezes, por verdades; por isso, são incapazesde resolver certas questões. E podem induzir-nos em erro,voluntária ou involuntariamente, sobre aquilo que nemeles mesmos compreendem.

39. Os Espíritos inferiores não são todos, por isso,essencialmente maus; alguns há que são apenas ignoran-tes e levianos; outros pilhéricos, espirituosos e diverti-dos, sabendo manejar a sátira fina e mordaz. Ao ladodesses encontram-se, no mundo espiritual, como na Terra,todos os géneros de perversidade e todos os graus desuperioridade intelectual e moral.

40. Os Espíritos superiores não se ocupam senãode comunicações inteligentes que nos instruam; as mani-festações físicas ou puramente materiais são, mais espe-cialmente, obra dos Espíritos inferiores, vulgarmentedesignados sob o nome de Espíritos batedores, como,entre nós, as provas de grande força são executadas porsaltimbancos e não por sábios.

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41. Devemos sempre estar calmos e concentrados,quando entrarmos em comunicação com os Espíritos;nunca se deve perder de vista que eles são as almas doshomens e que é inconveniente fazer do seu trabalho umpassatempo ou pretexto de divertimentos. Se lhes res-peitamos os despojos mortais, maior respeito ainda nosdevem merecer como Espíritos.

As reuniões frívolas, sem objetivo sério, faltam aum dever; os que as compõem esquecem-se de que, deum momento para outro, podem entrar no mundo dosEspíritos, e não ficarão satisfeitos se os tratarem compouca atenção.

42. Outro ponto igualmente essencial a consideraré que os Espirites são livres e só se comunicam quandoquerem, com quem lhes convém e quando as suas ocupa-ções lho permitem; não estão às ordens e à mercê doscaprichos de quem quer que seja; a ninguém é dadofazê-los manifestar-se quando não o queiram, nem dizero que desejem calar; de sorte que ninguém pode afirmarque tal Espírito há de responder ao seu apelo em dadomomento, ou que há de responder a tal ou tal perguntaque se lhe dirigir. Asseverar o contrário é demonstrarignorância dos princípios mais elementares do Espiri-tismo. Só o charlatanismo tem princípios infalíveis.

43. Os Espíritos são atraídos pela simpatia, seme-lhança de gostos, caracteres e intenção dos que desejama sua presença.

Os Espíritos superiores não vão às reuniões fúteis,como um sábio da Terra não vai a uma assembleia derapazes levianos. O simples bom-senso nos diz que issonão pode ser de outro modo; se acaso, porém, eles aí semostram algumas vezes, é somente com o fim de darum conselho salutar, combater os vícios, reconduzir aobom caminho os que dele se iam afastando; então, senão forem atendidos, retiram-se.

Forma juízo completamente erróneo aquele que crêque Espíritos sérios se prestem a responder a futilida-

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dês, a questões ociosas em que se lhes manifeste poucaafeição, falta de respeito e nenhum desejo de se instruir;e ainda menos que eles venham dar-se em espetáculopara desfastio dos curiosos. Vivos, eles não o fariam;mortos, também o não fazem.

44. A frivolidade das reuniões dá como resultadoatrair os Espíritos levianos que só procuram ocasião deenganar e mistificar.

Pelo mesmo motivo que os homens graves e sériosnão comparecem às assembleias de medíocre importân-cia, os Espíritos sérios só comparecem às reuniões sérias,que têm por fim, não a curiosidade, porém, a instrução.Ê nessas assembleias que os Espíritos superiores dãoensinamentos.

45. Do que precede, resulta que toda reunião espí-rita, para ser proveitosa, deve, como condição primacial,ser séria, em recolhimento, devendo aí proceder-se comrespeito, religiosidade e dignamente, se se quer obter oconcurso habitual dos bons Espíritos.

Convém não esquecer que se esses mesmos Espíritosaí se tivessem apresentado, quando encarnados, ter-se-iacom eles todas as considerações, a que depois de desen-carnados ainda têm mais direito.

46. Em vão se alega a utilidade de certas experiên-cias curiosas, frívolas e divertidas, para convencer osincrédulos; é a um resultado contrário que se chega.O incrédulo, já propenso a escarnecer das mais sagradascrenças, não pode ver uma coisa séria naquilo de que sezomba, nem pode respeitar o que lhe não é apresentadode modo respeitável; por isso, retira-se sempre com máimpressão das reuniões fúteis e levianas, onde não en-contra ordem, gravidade e recolhimento. O que, sobre-tudo, pode convencê-lo, é a prova da presença de serescuja memória lhe é cara; é diante de suas palavras gra-ves e solenes, de suas revelações íntimas, que o vemoscomover-se e empalidecer.

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Mas, pelo fato mesmo de ele ter respeito, veneraçãoe amor à pessoa cuja alma se lhe apresenta, fica cho-cado e escandalizado ao vê-la mostrar-se em uma assem-bleia irreverente, no meio de mesas que dançam e dasgatimanhas dos Espíritos brincalhões; incrédulo como é,sua consciência repele essa aliança do sério com o ri-dículo, do religioso com o profano; por isso tacha tudode charlatanismo e, muitas vezes, sai menos convicto doque entrou.

As reuniões dessa natureza fazem sempre mais malque bem, porque afastam da doutrina maior número depessoas do que atraem; além de que, prestam-se à críticados detratores, que assim acham fundados motivos parazombarias.

47. Erra quem considera brinquedo as manifesta-ções físicas; se não têm a importância do ensino filosó-fico, têm sua utilidade do ponto de vista dos fenómenos,pois que são o alfabeto da ciência, da qual deram a chave.Ainda que menos necessárias hoje, elas ainda concorrempara a convicção de algumas pessoas.

De nenhum modo, porém, são elas incompatíveis coma ordem e a decência que deve haver nessas reuniõesexperimentais; se sempre as praticassem conveniente-mente, convenceriam com mais facilidade e produziriam,a todos os respeitos, muito melhores resultados.

48. Certas pessoas fazem uma ideia muito falsa dasevocações; algumas crêem que elas consistem em fazersair da tumba os mortos, com todo o aparato lúgubre.O pouco que a respeito temos dito, deverá dissipar talerro. É só nos romances, nos contos fantásticos de alma,3do outro mundo e no teatro que aparecem os mortosdescarnados, saindo dos sepulcros, envoltos em mortalhase fazendo chocalhar os ossos. O Espiritismo, que nuncafez milagres, não produz este e jamais pretendeu fazerreviver um corpo morto.

Quando o corpo está na tumba, não sairá mais dela;porém, o ser espiritual, fluídico e inteligente, aí não se

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acha com esse grosseiro invólucro, do qual se separou nomomento da morte, e, uma vez operada essa separação,nada mais há de comum entre eles.

49. A crítica malévola representou as comunica-ções espiritas como mescladas pelas práticas ridículas esupersticiosas da magia e da nigromancia; se esses ho-mens que falam do Espiritismo, sem conhecê-lo, se dessemao trabalho de estudá-lo, teriam poupado esses desper-dícios de imaginação, que só servem para provar suaignorância ou má-vontade.

As pessoas estranhas à ciência cumpre-nos dizer que,para nos comunicarmos com os Espíritos, não há dias,horas e lugares mais propícios uns que os outros; que,para evocá-los, não existem fórmulas nem palavras sacra-mentais ou cabalísticas; que não se precisa para isso depreparação alguma, nem de iniciação; que o empregode qualquer sinal ou objeto material, seja para atraí-los,seja para repeli-los, não exerce efeito algum, bastandosó o pensamento; e, finalmente, que os médiuns recebemas comunicações, tão simples e naturalmente como sefossem ditadas por uma pessoa viva, sem que saiam doestado normal.

Só o chsrlatanismo pode inventar o emprego demodos excêntricos e acessórios ridículos.

O apelo aos Espíritos faz-se em nome de Deus, comrespeito e recolhimento; é a única coisa que se reco-menda às pessoas sérias que desejem entrar em relaçãocom Espíritos sérios.

FM PROVIDENCIAL DAS MANIFESTAÇÕESESPIRITAS

50. O fim providencial das manifestações é conven-cer os incrédulos de que tudo para o homem não se acabacom a vida terrestre, e dar aos crentes ideias mais justassobre o futuro.

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Os bons Espíritos nos vêm instruir para nosso me-lhoramento e avanço e não para revelar-nos o que nãodevemos saber ainda, ou o que só deve ser conseguidopelo nosso trabalho.

Se bastasse interrogar os Espíritos para obter a so-lução de todas as dificuldades científicas, ou para fazerdescobertas e invenções lucrativas, todo ignorante podiatornar-se sábio sem estudar, todo preguiçoso ficar ricosem trabalhar; é o que Deus não quer.

Os Espíritos ajudam o homem de génio pela inspi-ração oculta, mas não o eximem do trabalho nem dasinvestigações, a fim de lhe deixar o mérito.

51. Faria ideia bem falsa dos Espíritos, quem nelesquisesse ver auxiliares dos leitores da buema-dicha.

Os Espíritos sérios se recusam a ocupar de coisasfúteis; os frívolos e zombeteiros tratam de tudo, respon-dem a tudo, predizem tudo o que se quer, sem se impor-tarem com a verdade, e encontram maligno prazer emmistificar as pessoas demasiado crédulas. Neste caso, éessencial conhecer-se perfeitamente a natureza das per-guntas que se podem dirigir aos Espíritos. (O Livro aosMédiuns, n." 286: Perguntas que se podem fazer aosEspíritos.)

52. Fora do terreno do que pode ajudar o nossoprogresso moral, só há incerteza nas revelações que sepodem obter dos Espíritos.

A primeira consequência má, para aquele que desviasua faculdade do fim providencial, é ser mistificado pelosEspíritos enganadores que pululam ao redor dos homens;a segunda é cair sob o domínio desses mesmos Espíritos,que podem, por pérfidos conselhos, conduzi-lo a adver-sidades reais e materiais na Terra; a terceira é perder,depois da vida terrestre, o fruto do conhecimento doEspiritismo.

53. As manifestações não são, pois, destinadas aservir aos interesses materiais; sua utilidade está nas

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consequências morais qilas dimanam; não tivessem,elas, porém, como resu senão fazer conhecer umanova lei da Natureza, dstrar materialmente a exis-tência da alma e sua irridade, e já isso seria muito,porque era largo caminJvo aberto à Filosofia.

DO3DIUNS

54. Os médiuns antam numerosíssimas varie-dades nas suas aptidõejue os torna mais ou menospróprios para obtenção ;al ou tal fenómeno, de talou tal género de comuão.

Segundo essas apti distinguimo-los por médiunsde efeitos físicos, de ocoações inteligentes, videntes,falantes, auditivos, sens, desenhadores, -poliglotas,poetas, músicos, escrev, etc.

Não devemos esper médium aquilo que está forados limites da sua face.

Sem o conhecimeias aptidões mediúnicas, oobservador não pode a a explicação de certas difi-culdades ou de certas isibilidades que se encontramna prática. (O Livro dddxwis, cap. XVI, n.° 185.)

55. Os médiuns eitos físicos são mais parti-cularmente aptos paravocar fenómenos materiais,como movimentos, pan< etc., com o auxílio de mesase outros objetos; quaísses fenómenos revelam umpensamento ou obedea uma vontade, são efeitosinteligentes que, por mesmo, denotam uma causainteligente: é um doslos por que os Espíritos semanifestam.

Por meio de um mi de pancadas convencionadas,obtêm-se as respostas ,u não, ou, então, a designaçãodas letras do alfabeto servem para formar palavrasou frases. Esse meio ]tivo é muito demorado e nãose presta a grandes dolvimentos.

As mesas falanteam a estreia da ciência; hoje,porém, que se possueiros de comunicação tão rápidos

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e completos como entre os viventes, ninguém mais recorreàqueles senão acidentalmente e como experimentação.

56. De todos os meios de comunicação, a escrita é,ao mesmo tempo, o mais simples, o mais rápido, o maiscómodo, e que permite mais desenvolvimento; é tam-bém a faculdade que se encontra mais frequentemente.

57. Para obter a escrita serviram-se, no princípio,de intermediários materiais, como cestinhas, pranchetas,etc., munidas de um lápis. (O Livro dos Médmms, capí-tulo XIII, n."s 152 e seguintes.) Mais tarde, reconheceu-sea inutilidade desses acessórios e a possibilidade, para osmédiuns, de escrever diretamente com a mão, como nascircunstâncias ordinárias.

58. O médium escreve sob a influência dos Espí-ritos, que se servem dele como de um instrumento; suamão é arrastada por um movimento involuntário, que, omais das vezes, não pode dominar.

Certos médiuns não têm consciência alguma do queescrevem, outros a têm mais ou menos vaga, ainda quan-do o pensamento lhes seja estranho; é o que distingueos médiuns <m0oânioos dos médiuns intuitivos ou semi-mecámiicos.

A ciência espírita explica o modo de transmissão dopensamento do Espírito ao médium, e o papel deste últi-mos nas comunicações. (O Livro dos Médiuns, cap. XV,n.°s 179 e seguintes; cap. XIX, n.°s 223 e seguintes.)

59. O médium não tem mais que a faculdade dese poder comunicar, mas a comunicação efetiva dependeda vontade dos Espíritos. Se estes não quiserem mani-festar-se, aquele nada obterá; será qual instrumento semmúsico que o toque.

Visto que os Espíritos só se comunicam quando que-rem ou podem, não estão sujeitos ao capricho de nin-guém; nenhum médium tem o poder de forçá-los a seapresentwem. Isto explica a intermitência da faculdadenos melhores médiuns, e as interrupções que sofrem, às

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vezes, durante muitos meses. Seria, pois, um erro com-parar a mediunidade a uma propriedade do talento. O ta-lento adquire-se pelo trabalho, quem o possui é sempredele senhor; ao passo que o médium nunca o é de suafaculdade, pois que ela depende de vontade estranha.

60. Os médiuns de efeitos físicos que obtêm, regu-larmente e à vontade, a produção de certos fenómenos,admitindo que nãç> haja embuste, estão em relação comEspíritos de baixa esfera que se comprazem nessa espé-cie de exibições, e que talvez foram prestidigitadoresquando na Terra; seria, porém, absurdo pensar que Espí-ritos, mesmo de pouca elevação, se divirtam em executarfarsas teatrais.

61. A obscuridade necessária à produção de certosefeitos físicos, presta-se, sem, dúvida, à suspeita, masnada prova contra a realidade deles.

Sabemos que em Química algumas combinações nãopodem ser operadas à luz; que muitas composições edecomposições se produzem sob a ação do fluido lumi-noso; ora, todos os fenómenos espíritas são resultantesde uma combinação dos fluidos próprios do Espírito comos do médium; desde que esses fluidos são matéria, nãoadmira que, em certas circunstâncias, essa combinaçãoseja contrariada pela presença da luz.

62. As comunicações inteligentes realizam-se igual-mente pela ação fluídica do Espírito sobre o médium,sendo preciso que o fluido deste último se identifiquecom o do Espírito.

A facilidade das comunicações depende do grau deafimctade existente entre os dois fluidos. Cada médiumé assim mais ou menos apto para receber a impressãoou a impulsão do pensamento de tal ou tal Espírito; po-dendo ser bom instrumento para um e péssimo paraoutro. Resulta daí que se achando juntos dois médiuns,igualmente bem dotados, poderá o Espírito manifestar-sepor um e não por outro.

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63. fi um erro acreditar-se que basta ser médiumpara receber, com igual facilidade, comunicações de qual-quer Espírito.

Não existem médiuns universais para as evocações,nem com aptidão para produzir todos os fenómenos.

Os Espíritos buscam, de preferência, os instrumen-tos que lhes sejam mais apropriados; impor-lhes o pri-meiro médium que tenhamos à mão, seria o mesmo queobrigar uma pianista a tocar violino, supondo que, porsaber música, pode ela tocar qualquer instrumento.

64. Sem a harmonia, que só pode nascer da assi-milação fluídica, as comunicações são impossíveis, incom-pletas ou falsas. Podem ser falsas, porque, em vez doEspírito que se deseja, não faltam outros sempre prontosa manifestarem-se e que pouco se importam com averdade.

65. A assimilação fluídica é, algumas vezes, total-mente impossível entre certos Espíritos e certos médiuns;outras vezes — e é o caso mais comum — ela não seestabelece senão gradualmente e com o tempo; é o queexplica a maior facilidade com que os Espíritos se ma-nifestam pelo médium com que estão mais habituados; etambém porque as primeiras comunicações atestam quasesempre certo constrangimento e são menos explícitas.

66. A assimilação fluídica é tão necessária nas co-municações pela tiptologia como pela escrita, visto que,tanto num como noutro caso, se trata da transmissão dopensamento do Espírito, qualquer que seja o meio mate-rial por que ela se faça.

67. Não se pode impor um médium ao Espíritoque se quer evocar, convindo deixar-lhe a escolha doinstrumento. Em todo o caso, é necessário que o médiumse identifique previamente com o Espírito, pelo recolhi-mento e pela prece, ou mesmo durante alguns minutos,e mesmo muitos dias antes se for possível, de modo a

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provocar e ativar a assimilação fluídica. É um meio dese atenuar a dificuldade.

68. Quando as condições fluídicas não são propí-cias à comunicação direta do Espírito ao médium, elapode fazer-se por intermédio do guia espiritual desteúltimo; neste caso, o pensamento não vem senão emsegunda mão, isto é, depois de haver atravessado doismeios. Compreende-se, então, quanto é importante ser omédium bem assistido; porque, se ele o for por um Espí-rito obsessor, -ignorante ou orgulhoso, a comunicaçãoserá necessariamente adulterada.

Aqui as qualidades pessoais do médium desempe-nham forçosamente um papel importante, pela naturezados Espíritos que ele atrai a si. Os mais indignos médiunspodem possuir poderosas faculdades, porém, os mais se-guros são os que a esse poder reúnem as melhores sim-patias no mundo espiritual; ora, essas simpatias nãoficam, de forma, algwma, demonstradas pelos nomes, maisou menos imponentes, revestidos pelos Espíritos queassinam as comunicações, mas, sim, pelo fundo constam-temente bom das mesmas.

69. Qualquer que seja o modo de comunicação, aprática do Espiritismo, do ponto de vista experimental,apresenta numerosas dificuldades e não é isenta de in-convenientes para quem não tem a experiência necessária.

Quer se experimente mesmo, quer se seja simplesobservador das experiências de outrem, é essencial saberdistinguir as diferentes naturezas dos Espíritos que sepodem manifestar, conhecer a causa de todos os fenóme-nos, as condições em que se podem produzir, os obstá-culos que lhe podem ser opostos, a fim de que se nãoperca tempo, pedindo o impossível. Não é menos neces-sário conhecer todas as condições e escolhos da mediu-nidade, a influência do meio, das disposições morais, etc.(O Lwro aos Médiuns, 2." parte.)

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ESCOLHOS DA MEDIUNIDADE

70. "Um dos maiores escolhos da mediunidade é aobsessão, isto é, o domínio que certos Espíritos podemexercer sobre os médiuns, impondo-se-lhes sob nomesapócrifos e impedindo que se comuniquem com outrosEspíritos. Ê também um obstáculo que se depara a todoobservador novato e inexperiente que, não conhecendo oscaracteres desse fenómeno, pode ser iludido pelas apa-rências, como aquele que, desconhecendo a medicina, podeenganar-se sobre a causa e natureza de qualquer mal.

Se o estudo prévio, neste caso, é útil para o obser-vador, mais indispensável é ao médium, a quem forneceos meios de prevenir um inconveniente que lhe poderiatrazer bem desagradáveis consequências. Assim, é poucatoda a recomendação para que o estudo preceda à prática.(O Làwro 'dos Médiwns, cap. XXIII.)

71. A obsessão apresenta três graus principais bemcaracterísticos: a obsessão simples, <a fascinação e a sub-jugação. No primeiro, o médium tem perfeitamente cons-ciência de não obter coisa alguma boa; ele não se iludeacerca da natureza do Espírito que se obstina em se lhemanifestar, e do qual deseja desembaraçar-se. Este casonão oferece gravidade alguma: é um simples incómodo,do qual o médium se liberta, deixando momentaneamentede escrever. O Espírito, cansando-se de não ser ouvido,acaba por se retirar.

A fascinação obsessional è muito mais grave, porquenela o médium é completamente iludido. O Espírito queo domina apodera-se de sua confiança, a ponto de impe-di-lo de julgar as comunicações que recebe, fazendo-lheachar sublimes os maiores absurdos. O caráter distin-tivo deste género de obsessão é provocar no médium umaexcessiva suscetibilidade e levá-lo a não acreditar bom,justo e verdadeiro senão o que ele escreve; a repelir e,mesmo, considerar mau todo conselho e toda observaçãocrítica, preferindo romper com os amigos a convencer-sede que está sendo enganado; a encher-se de inveja contra

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os outros médiuns cujas comunicações sejam julgadasmelhores que as suas; a querer impor-se nas reuniõesespíritas, das quais se afasta quando não pode domi-ná-las. Essa atuação do Espírito pode chegar ao pontode ser o indivíduo conduzido a dar os passos mais ridí-culos e comprometedores.

72. Um dos caracteres distintivos dos maus Espí-ritos é a imposição; eles dão ordens e querem ser obede-cidos; os bons nunca se impõem; dão conselhos, e, se nãosão atendidos, retiram-se. Resulta daí que a impressãoque em nós produzem os maus Espíritos é sempre penosa,fatigante e muitas vezes desagradável; ela provoca umaagitação febril, movimentos bruscos e desordenados; ados bons, pelo contrário, é calma, branda e agradável.

73. A subjugação óbsessiomal, designada outrorasob o nome de possessão, é um constrangimento físicoexercido sempre por Espíritos da pior espécie e que podeir à neutralização do livre-arbítrio do paciente. Ela selimita, muitas vezes, a simples impressões desagradá-veis; porém, muitas vezes provoca movimentos desorde-nados, atos insensatos, gritos, palavras injuriosas ou in-coerentes, de que o subjugado, às vezes, compreende oridículo, mas não pode abster-se. Este estado difere essen-cialmente da loucura patológica com que erradamente aconfundem, pois na possessão não há lesão orgânicaalguma; sendo diversa a causa, outros devem ser tambémos meios de curá-la.

A aplicação do processo ordinário das duchas e tra-tamentos corporais poderá, muitas vezes, determinar oaparecimento de uma verdadeira loucura, onde só haviauma causa moral.

74. Na loucura propriamente dita, a causa do malé interna; importa restituir o organismo ao seu estadonormal; na subjugação, essa causa é externa, e tem-senecessidade de libertar o doente de um inimigo invisível,não lhe opondo remédios materiais, porém uma força

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moral superior à dele. A experiência prova que nunca,em tal caso, os exorcismes produziram resultado satisfa-tório: antes agravaram que minoraram a situação.

Indicando a verdadeira fonte do mal, só o Espiritis-mo pode dar os meios de combatê-lo, fazendo a educaçãomoral do Espírito obsessor; por conselhos prudentementedirigidos, chega-se a torná-lo melhor e a fazê-lo renun-ciar voluntariamente à atormentação do enfermo, queentão fica livre. (O Lwro dos Medi/uns, n." 279. — RevueSpvrite, fevereiro, março e junho de 1864. — La jeuneobséãée de Marmcunde.)

75. A subjugação obsessional é ordinariamente in-dividual; quando, porém, uma falange de Espíritos mausse lança sobre uma povoação, ela pode apresentar caráterepidêmico. Foi um fenómeno desse género que se veri-ficou ao tempo do Cristo; só um poder moral superiorpodia então domar esses entes malfazejos, designados sobo nome de demónios, e restituir a calma às suas vítimas.

76. Um fato importante a considerar-se é que aobsessão, qualquer que seja a sua natureza, é indepen-dente da mediunidade, e que ela se encontra, de todosos graus, principalmente do último, em grande númerode pessoas que nunca ouviram falar de Espiritismo.

De fato, os Espíritos, tendo existido em todos ostempos, têm sempre exercido a mesma influência; a me-diunidade não é uma causa, mas simples modo de mani-festação dessa influência; pelo que podemos dizer comcerteza que todo médium obsidiado sofre de um modoqualquer e, muitas vezes, nos atos mais comuns da suavida, os efeitos dessa influência que, sem a mediunidade,se manifestaria por outros efeitos, muitas vezes atribuí-dos a enfermidades misteriosas, que escapam às inves-tigações da medicina. Pela mediunidade o ente maléficodenuncia a sua presença; sem ela, é um inimigo oculto,de quem se não desconfia.

77. Os que repelem tudo que não afete os nossossentidos, não admitem essa causa oculta; mas, quando a

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Ciência tiver saído da senda materialista, reconhecerá naação do mundo invisível que nos cerca, e no meio do qualvivemos, um poder que reage sobre as coisas físicas,assim como sobre as morais; será um novo caminhoaberto ao progresso e a chave de grande número de fenó-menos até hoje mal compreendidos.

78. Como a obsessão nunca pode ser produto de umbom Espírito, torna-se um ponto essencial o saber reco-nhecer-se a natureza dos que se apresentam.

O médium não esclarecido pode ser enganado pelasaparências, mas o prevenido percebe o menor sinal sus-peito, e o Espírito, vendo que nada pode fazer, retira-se.

O conhecimento prévio dos meios de distinguir osbons dos maus Espíritos é, pois, indispensável ao médiumque se não quer expor a cair num laço. Ele o é tambémao simples observador, que pode, por esse meio, apreciaro justo valor do que vê e ouve. (O Livro dos Médiuns,cap. XXIV.)

QUALIDADES DOS MÉDIUNS

79. A faculdade mediúnica é uma propriedade doorganismo e não depende das qualidades morais do mé-dium; ela se nos mostra, desenvolvida, tanto nos maisdignos, como nos mais indignos. Não se dá, porém, omesmo com a preferência que os Espíritos bons dão aomédium.

80. Os Espíritos bons se comunicam mais ou menosde boa-vontade por esse ou aquele médium, segundo asimpatia que lhe votam.

A boa ou má qualidade de um médium não deve serjulgada pela facilidade com que ele obtém comunicações,mas por sua aptidão em recebê-las boas e em não serludibriado pelos Espíritos levianos e enganadores.

81. Os médiuns menos moralizados recebem tam-bém, algumas vezes, excelentes comunicações, que não

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O QUE Ê O ESPIRITISMO 179

podem vir senão de bons Espíritos, o que não deve sermotivo de espanto: é muitas vezes no interesse dosmédiuns e com o fim de dar-lhes sábios conselhos. Seeles os desprezam, maior será a sua culpa, porque sãoeles que lavram a sua própria condenação. Deus, cujabondade é infinita, não pode recusar assistência àquelesque mais necessitam dela. O virtuoso missionário quevai moralizar os criminosos, não faz mais que os bonsEspíritos com os médiuns imperfeitos.

De outra sorte, os bons Espíritos, querendo dar umensino útil a todos, servem-se do instrumento que têmà mão; porém, deixam-no logo que encontram outro quelhes seja mais afim e melhor se aproveite de suas lições.

Retirando-se os bons Espíritos, os inferiores, quepouco se importam com as más qualidades morais domédium, acham então o campo livre. Resulta daí que osmédiuns imperfeitos, moralmente falando, os que nãoprocuram emendar-se, tarde ou cedo são presas dos mausEspíritos, que, muitas vezes, os conduzem à ruína e àsmaiores desgraças, mesmo na vida terrena.

Quanto à sua faculdade, tão bela no começo e queassim devia ter sido conservada, perverte-se pelo aban-dono dos bons Espíritos, e, afinal, desaparece.

82. Os médiuns de mais mérito não estão ao abrigodas mistificações dos Espíritos embusteiros; primeiro,porque não há ainda, entre nós, pessoa assaz perfeita,para não ter algum lado fraco, pelo qual dê acesso aosmaus Espíritos; segundo, porque os bons Espíritos per-mitem mesmo, às vezes, que os maus venham, a fim deexercitarmos a nossa razão, aprendermos a distinguir averdade do erro e ficarmos de prevenção, não aceitandocegamente e sem exame tudo quanto nos venha dos Espí-ritos; nunca, porém, um Espírito bom nos virá enganar;o erro, qualquer que seja o nome que o apadrinhe, vemde uma fonte má.

Essas mistificações ainda podem ser uma prova paraa paciência e perseverança do espírita, médium ou não;e aqueles que desanimam, com algumas decepções, dão

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prova aos bons Espíritos de que não são instrumentoscom que eles possam contar.

83. Não nos deve admirar ver maus Espíritos obsi-diarem pessoas de mérito, quando vemos na Terra ho-mens de bem perseguidos por aqueles que o não são.

É digno de nota que, depois da publicação de O Livrodos Médiuns, o número de médiuns obsidiados diminuiumuito; os médiuns, prevenidos, tornam-se vigilantes eespreitam os menores indícios que lhes podem denunciara presença de mistificadores.

A maioria dos que se mostram ainda nesse estadonão fizeram o estudo prévio recomendado, ou não deramimportância aos conselhos que receberam.

84. O que constitui o médium, propriamente dito,é a faculdade; sob este ponto de vista, pode ser mais oumenos formado, mais ou menos desenvolvido.

O médium seguro, aquele que pode ser realmentequalificado de bom médium, é o que aplica a sua faculda-de, buscando tornar-se apto a servir de intérprete aosbons Espíritos.

O poder que tem o médium de atrair os bons e re-pelir os maus Espíritos, está na razão da sua superiori-dade moral, da posse do maior número de qualidades queconstituem o homem de bem; é por esses dotes que seconcilia a simpatia dos bons e se adquire ascendênciasobre os maus Espíritos.

85. Pelo mesmo motivo, as imperfeições morais domédium, aproximando-o da natureza dos maus Espíritos,tiram-lhe a influência necessária para afastá-los de si;em vez de se impor, sofre a imposição destes.

Isto não só se aplica aos médiuns, como também atodos indistintamente, visto que ninguém há que não es-teja sujeito à influência dos Espíritos. (Vede acima, nú-meros 74 e 75.)

86. Para impor-se ao médium, os maus Espíritossabem explorar habilmente todas as suas fraquezas, e,

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entre os nossos defeitos, o que lhes dá margem maioré o orgulho, sentimento que se encontra mais dominantena maioria dos médiuns obsidiados e, principalmente, nosfascinados. É o orgulho que faz se julguem infalíveis erepilam todos os conselhos.

Esse sentimento é infelizmente excitado pelos elogiosde que são objeto; basta que um médium apresente fa-culdade um pouco transcendente, para que o busquem, oadulem, dando lugar a que ele exagere sua importânciae se julgue como indispensável, o que vem a perdê-lo.

87. Enquanto o médium imperfeito se orgulha pelosnomes ilustres, frequentemente apócrifos, que assinam ascomunicações por ele recebidas e se considera intérpreteprivilegiado das potências celestes, o bom médium nuncase crê assaz digno de tal favor; ele tem sempre umasalutar desconfiança do merecimento do que recebe e nãose fia no seu próprio juízo; não sendo senão instrumentopassivo, compreende que o bom resultado não lhe conferemérito pessoal, como nenhuma responsabilidade lhe cabepelo mau; e que seria ridículo crer na identidade abso-luta dos Espíritos que se lhe manifestam. Deixa que ter-ceiros, desinteressados, julguem do seu trabalho, sem queo seu amor-próprio se ofenda por qualquer decisão con-trária, do mesmo modo que um ator não se pode dar porofendido com as censuras feitas à peça de que é intérprete.

O seu caráter distintivo é a simplicidade e a modés-tia; julga-se feliz com a faculdade que possui, não porvanglória, mas por lhe ser um meio de tornar-se útil, oque faz de boamente quando se lhe oferece ocasião, semjamais incomodar-se por não o preferirem aos outros.

Os médiuns são os intermediários, os intérpretes dosEspíritos; ao evocador e, mesmo, ao simples observador,cabe apreciar o mérito do instrumento.

88. Como todas as outras faculdades, a mediuni-dade é um dom de Deus, que se pode empregar tantopara o bem quanto para o mal, e da qual se pode abusar.Seu fim é pôr-nos em relação direta com as almas da-

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queles que viveram, a fim de recebermos ensinamentos einiciações da vida futura.

Assim como a vista nos põe em relação .com o mundovisível, a mediunidade nos liga ao invisível.

Aquele que dela se utiliza para o seu adiantamentoe o de seus irmãos, desempenha uma verdadeira missãoe será recompensado. O que abusa e a emprega em coisasfúteis ou para satisfazer interesses materiais, desvia-ado seu fim providencial, e, tarde ou cedo, será punido,como todo homem que faça mau uso de uma faculdadequalquer.

CHARLATANISMO

89. Certas manifestações espíritas facilmente seprestam à imitação; porém, apesar de as terem explo-rado os prestidigitadores e charlatães, do mesmo modoque o fazem com tantos outros fenómenos, é absurdocrer-se que elas não existam e sejam sempre produto docharlatanismo.

Quem estudou e conhece as condições normais emque elas se dão, distingue facilmente a imitação da rea-lidade; além disso, aquela nunca pode ser completa e sóilude o ignorante, incapaz de distinguir as diferenciaçõescaracterísticas do fenómeno verdadeiro.

90. As manifestações que se imitam, com mais fa-cilidade, são as de efeitos físicos e as de efeitos inteligen-tes vulgares, como movimentos, pancadas, transportes,escrita direta, respostas banais, etc.; não se dá o mesmo,porém, com as comunicações inteligentes de subido alcan-ce; para imitar aquelas, bastam destreza e habilidade;ao passo que, para simular as últimas, se torna neces-sária, quase sempre, uma instrução pouco comum, umasuperioridade intelectiva excepcional, uma faculdade deimprovisação universal, se assim nos permitem classi-ficá-la.

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91. Os que não conhecem o Espiritismo, são geral-mente induzidos a suspeitar da boa-fé dos médiuns; sóo estudo e a experiência lhes poderão fornecer os meiosde se certificarem da realidade dos fatos; fora disso, amelhor garantia que podem ter está no desinteresse abso-luto e na probidade do médium; há pessoas que, por suaposição e caráter, estão acima de qualquer suspeita.

Se a tentação do lucro pode excitar à fraude, o bpm--senso diz que o charlatanismo não se mostra onde nadatem a ganhar. (O Livro dos Médiuns, cap. XXVIII; Char-latanisimo e embuste, médiuns vnteressevros, fraudes espí-ritas, n." 300. — Revue Spirite, 1862, pág. 52.)

92. Entre os adeptos do Espiritismo, encontram-seentusiastas e exaltados, como em todas as coisas; são,em geral, os piores propagadores, porque a facilidade comque, sem exame, aceitam tudo, desperta desconfiança.

O espírita esclarecido repele esse entusiasmo cego,observa com frieza e calma, e, assim, evita ser vítima deilusões e mistificações. À parte toda a questão de boa--fé, o observador novato deve, antes de tudo, atender àgravidade do caráter daqueles a quem se dirige.

IDENTIDADE DOS ESPÍRITOS

93. Uma vez que no meio dos Espíritos se encon-tram todos os caprichos da humanidade, não podem deixarde existir entre eles os ardilosos e os mentirosos; algunsnão têm o menor escrúpulo de se apresentar sob os maisrespeitáveis nomes, com o fim de inspirarem mais con-fiança. Devemos, pois, abster-nos de crer de um modoabsoluto na autenticidade de todas as assinaturas deEspíritos.

94. A identidade é uma das grandes dificuldadesdo Espiritismo prático, sendo muitas vezes impossívelverificá-la, sobretudo quando se trata de Espíritos supe-riores, antigos relativamente à nossa época.

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Entre os que se manifestam, muitos não têm nomespara nós; mas, então, para fixar as nossas ideias, elespodem tomar o de um Espírito conhecido, da mesmacategoria da sua; de modo que, se um Espírito se comu-nicar com o nome de S. Pedro, por exemplo, nada nosprova que seja precisamente o apóstolo desse nome; tantopode ser ele como outro da mesma ordem, como aindaum enviado seu. A questão da identidade é, neste caso,inteiramente secundária e seria pueril atribuir-lhe im-portância; o que importa é a natureza do ensino, se ébom ou mau, digno ou indigno da personagem que oassina; se esta o subscreveria ou repeliria: eis a questão.

95. A identidade é de mais fácil verificação quandose trata de Espíritos contemporâneos, cujo caráter ehábitos sejam conhecidos, porque é por esses mesmoshábitos e particularidades da vida privada que a identi-dade se revela mais seguramente e, muitas vezes, demodo incontestável.

Quando se evoca um parente ou um amigo, é a per-sonalidade que interessa, e então é muito natural bus-car-se reconhecer a identidade; os meios, porém, quegeralmente emprega para isso quem não conhece o Espi-ritismo, senão imperfeitamente, são insuficientes e podeminduzir a erro.

96. O Espírito revela sua identidade por grandenúmero de circunstâncias, patenteadas nas comunicações,nas quais se refletem seus hábitos, caráter, linguageme até locuções familiares.

Ela se revela ainda nos detalhes íntimos em queentra espontaneamente, com as pessoas a quem ama:são as melhores provas; é muito raro, porém, que elesatisfaça às perguntas diretas que lhe são feitas a esserespeito, sobretudo se elas partirem de pessoas que lhesão indiferentes, com intuito de curiosidade ou de prova.

O Espírito demonstra a sua identidade como quer epode, segundo o género de faculdade do seu intérpretee, às vezes, essas provas são superabundantes; o erro

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está em querer que ele as dê, como deseja o evocador;é então que ele recusa sujeitar-se às exigências. (O Livrodos Méditutns, cap. XXIV; Identidade dos Espíritos. —Revue Spirite, 1862, pág. 82: Fait d'id0ntí,té.)

CONTRADIÇÕES

97. As contradições que frequentemente se notam,na linguagem dos Espíritos, não podem causar admira-ção senão àqueles que só possuem da ciência espírita umconhecimento incompleto, pois são a consequência danatureza mesma dos Espíritos, que, como já dissemos,não sabem as coisas senão na razão do seu adiantamento,sendo que muitos podem saber menos que certos homens.

Sobre grande número de pontos, eles não emitemmais que a sua opinião pessoal, que pode ser mais oumenos acertada, e conservar ainda um reflexo dos pre-juízos terrestres de que se não despojaram; outros forjamsistemas seus, sobre aquilo que ainda não conhecem, par-ticularmente no que diz respeito a questões científicase à origem das coisas. Nada, pois, há de surpreendente,em que nem sempre estejam de acordo.

98. Espantam-se de encontrarem comunicações con-traditórias assinadas por um mesmo nome. Somente osEspíritos inferiores mudam de linguagem com as cir-cunstâncias, mas os Espíritos superiores nunca se con-tradizem.

Por pouco que se esteja iniciado nos mistérios domundo espiritual, sabe-se com que facilidade certos Espí-ritos adotam nomes diferentes, para dar mais peso àssuas palavras; disso com segurança se pode inferir quese duas comunicações, radicalmente contraditórias nofundo, trazem o mesmo nome respeitável, uma delas énecessariamente apócrifa.

99. Dois meios podem servir para fixar as ideiassobre as questões duvidosas: o primeiro, é submeter todasas comunicações ao exame severo da razão, do bom-senso

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e da lógica; é uma recomendação que fazem todos osbons Espíritos; abstêm-se de fazê-la os maus, pois sabemnão ter senão a perder com esse exame sério, pelo queevitam discussão e querem ser cridos sob palavra. O se-gundo critério da verdade está na concordância do ensino.Quando o mesmo princípio é ensinado em muitos pontospor diferentes Espíritos e médiuns estranhos uns aosoutros e isentos de idênticas influências, pode-se concluirque ele está mais próximo da verdade do que aquele queemana de uma só fonte e é contradito pela maioria.(O Livro dos Médwms, cap. XXVII; Contradições e mis-tificações. — Revue Spirite, abril 1864, pág. 99: Autoritéde Ia doctrine spirite. — O Evangelho segundo o Espiri-tismo — "Introdução".)

CONSEQÍJÊNCIAS DO ESPIRITISMO

100. Ante a incerteza das revelações feitas pelosEspíritos, perguntarão: para que serve, então, o estudodo Espiritismo?

Para provar materialmente a existência do mundoespiritual. Sendo o mundo espiritual formado pelas almasdaqueles que viveram, resulta de sua admissão a provada existência da alma e sua sobrevivência ao corpo.

As almas que se manifestam, nos revelam suas ale-grias ou seus sofrimentos, segundo o modo por que em-pregaram o tempo de vida terrena; nisto temos a provadas penas e recompensas futuras.

Descrevendo-nos seu estado e situação, as almas ouEspíritos retificam as ideias falsas que faziam da vidafutura e, principalmente, acerca da natureza e duraçãodas penas.

Passando assim a vida futura do estado de teoriavaga e incerta ao de fato conhecido e positivo, aparece anecessidade de trabalhar o mais possível, durante a vidapresente, que é tão curta, em proveito da vida futura,que é indefinida.

Suponhamos que um homem de vinte anos tenha acerteza de morrer aos vinte e cinco anos, que fará ele

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O QUE E O ESPIRITISMO 187

nestes cinco anos que lhe restam? trabalhará para ofuturo? certamente que não; procurará gozar o maispossível, acreditando ser uma tolice submeter-se a fadi-gas e privações, sem proveito. Se, porém, ele tiver acerteza de viver até aos oitenta anos, seu procedimentoserá outro, porque então compreenderá a necessidade desacrificar alguns instantes do repouso atual para asse-gurar o repouso futuro, durante longos anos. O mesmose dá com aquele que tem a certeza da'vida futura.

A dúvida relativamente a esse ponto conduz natu-ralmente a tudo sacrificar aos gozos do presente, daíligar-se excessiva importância aos bens materiais.

A importância que se dá aos bens materiais excitaa cobiça, a inveja e o ciúme do que tem pouco contraaquele que tem muito.

Da cobiça ao desejo de adquirir, por qualquer preço,o que o vizinho possui, o passo é simples; daí ódios, que-relas, processos, guerras e todos os males engendradospelo egoísmo.

Com a dúvida sobre o futuro, o homem, acabrunhadonesta vida pelo desgosto e pelo infortúnio, não vê senãona morte o termo dos seus sofrimentos; e assim, nadaesperando, procura pelo suicídio a aproximação desse ter-mo. Sem esperança de futuro é natural que o homem sejaafetado e se desespere com as decepções por que passa.Os abalos violentos que experimenta, repercutem-lhe nocérebro e são a fonte da maioria dos casos de loucura.

Sem a vida futura, a atual se torna para o homema coisa capital, o único objeto de suas preocupações, aoqual ele tudo subordina; por isso, quer gozar a todocusto, não só os bens materiais como as honrarias; aspiraa brilhar, elevar-se acima dos outros, eclipsar os vizinhospor seu fausto e posição; daí a ambição desordenada e aimportância que liga aos títulos e a todos os efeitos davaidade, pelos quais ele é capaz de sacrificar a própriahonra, porque nada mais vê além. A certeza da vidafutura e de suas consequências muda-lhe totalmente aordem de ideias e lhe faz ver as coisas por outro prisma;

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é um véu que se levanta descobrindo imenso e esplêndidohorizonte.

Diante da infinidade e grandeza da vida de Além--Túmulo, a vida terrena some-se, como um segundo nacontagem dos séculos, como o grão de areia ao lado deuma montanha. Tudo se torna pequeno, mesquinho, eficamos pasmos de haver dado importância a coisas tãoefémeras e pueris. Daí, no meio dos acontecimentos davida, uma calma, uma tranquilidade que já constituemuma felicidade, comparadas às desordens e tormentos aque nos sujeitamos, com o fito de nos elevarmos acimados outros; daí, também, para as vicissitudes e decepções,uma indiferença que, tirando todo motivo de desespero,afasta numerosos casos de loucura e desvia forçosamenteo pensamento do suicídio.

Com a certeza do futuro, o homem espera e se re-signa; com a dúvida perde a paciência, porque nadaespera do presente.

O exame daqueles que já viveram, provando que asoma da felicidade futura está na razão do progressomoral efetuado e do bem que se praticou na Terra; quea soma de desditas está na razão dos vícios e más ações,imprime em quantos estão bem convencidos dessa ver-dade uma tendência, assaz natural, para fazer o bem eevitar o mal.

Quando a maioria dos homens estiver convencidadessa ideia, quando ela professar esses princípios e pra-ticar o bem, este, impreterivelmente, triunfará do malaqui na Terra; procurarão os homens não mais se mo-lestarem uns aos outros, regularão suas instituições so-ciais — tendo em vista o bem de todos e não o proveitode alguns; em uma palavra, compreenderão que a lei dacaridade ensinada pelo Cristo é a fonte da felicidade,mesmo neste mundo, e assim basearão as leis civis sobreas leis da caridade.

A demonstração da existência do mundo espiritualque nos cerca e de sua ação sobre o mundo corporal, é arevelação de uma das forças da Natureza e, por conse-quência, a chave de grande número de fenómenos até

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O QUE É O ESPIRITISMO 189

agora incompreendidos, tanto na ordem física quanto namoral.

Quando a Ciência levar em conta essa nova forçaaté hoje desconhecida, retificará imenso número de errosprovenientes de atribuir tudo a uma única causa: a ma-téria. O conhecimento dessa nova causa, nos fenómenosda Natureza, será uma alavanca para o progresso, pro-duzirá o efeito da descoberta de um agente inteiramentenovo.

Com o auxílio da lei espírita, o horizonte da Ciênciase alargará, como se alargou com o da lei da gravitação.

Quando do alto de suas cátedras os sábios procla-marem a existência do mundo espiritual e sua partici-pação nos fenómenos da vida, eles infiltrarão na moci-dade o contraveneno das ideias materialistas, em vez depredispô-la à negação do futuro.

Nas lições de filosofia clássica, os professores ensi-nam a existência da alma e seus atributos, segundo asdiversas escolas, mas sem apresentar provas materiais.

Não parece estranho que, quando se lhes fornecemas provas que não tinham, eles as repilam e classifiquemde superstições?

Não será isso o mesmo que confessar a seus discí-pulos que eles lhes ensinam a existência da alma, masque de tal fato não têm prova alguma?

Quando um sábio emite uma hipótese, sobre umponto de ciência, procura com empenho e colhe comalegria tudo o que possa demonstrar a veracidade dessahipótese; como, pois, um professor de filosofia, cujodever é provar a seus discípulos que eles têm uma alma,despreza os meios de lhes fornecer uma patente demons-tração ?

101. Suponhamos que os Espíritos sejam incapa-zes de ensinar-nos alguma coisa além do que já sabemos,ou do que por nós mesmos poderemos saber; vê-se quesó a demonstração da existência do mundo espiritualconduz forçosamente a uma revolução nas ideias; ora,uma revolução nas ideias não pode deixar de produzir

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190 AIJLAN KARDEC

outra na ordem das coisas. É esta revolução que o Espi-ritismo prepara.

102. Os Espíritos, porém, fazem mais que isso; seas suas revelações são rodeadas de certas dificuldades,se elas exigem minuciosas precauções para se lhes com-provar a exatidão, não é menos real que os Espíritosesclarecidos — quando sabemos interrogá-los e quandolhes é permitido —• podem revelar-nos fatos ignorados,dar-nos a explicação do que não compreendemos e enca-minhar-nos para um progresso mais rápido. É nisto,sobretudo, que o estudo sério e completo da ciência espí-rita é indispensável, a fim de só se lhe pedir o que elapode dar e do modo por que o pode fazer; ultrapassandoesses limites é que nos expomos a ser enganados.

103. As menores causas podem produzir grandesefeitos; assim como de um grãozinho pode brotar umaárvore imensa, a queda de um fruto fez descobrir a leique rege os mundos; as rãs, saltando num prato, reve-laram a potência galvânica; também do fenómeno vulgardas mesas girantes saiu a prova da existência do mundoinvisível, e, desta, uma doutrina que, em alguns anos,fez a volta do mundo e pode regenerá-lo pela verificaçãoda realidade da vida futura.

104. O Espiritismo ensina poucas verdades absolu-tamente novas, ou mesmo nenhuma, em virtude do axio-ma — nada há de nova debaixo ao Sol.

Só as verdades eternas são absolutas; as que oEspiritismo prega, sendo fundadas sobre leis naturais,existiram de todos os tempos, pelo que encontraremos,em todas as épocas, esses germens que, mediante estudomais completo e mais atentas observações, conseguiramdesenvolver. As verdades ensinadas pelo Espiritismo sãoantes consequências que descobertas.

O Espiritismo não descobriu nem inventou os Espí-ritos, como não descobriu o mundo espiritual, no qual seacreditou em todos os tempos; todavia, ele o prova por

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O QUE É O ESPIRITISMO 191

fatos materiais e o apresenta em sua verdadeira luz,desembaraçando-o dos preconceitos e ideias supersticio-sas, filhos da dúvida e da incredulidade.

OBSERVAÇÃO — Estas explicações, incompletas comosão, bastam para mostrar a base em que se assenta o Espi-ritismo, o caráter das manifestações e o grau de confiançaque podem inspirar, segundo as circunstâncias.

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CAPITULO m

Solução de alguns problemas pelaDoutrina Espírita

PLURALIDADE DOS MUNDOS

105. Os diferentes mwmdos que circulam no espaço,terão habitantes como a Terra?

Todos os Espíritos o afirmam e a razão diz que assimdeve ser. A Terra não ocupa no Universo nenhuma po-sição especial, nem por sua colocação, nem pelo seu vo-lume, e nada justificaria o privilégio exclusivo de serhabitada. Além disso, Deus não teria criado milhares deglobos, com o fim único de recrear-nos a vista, tantomais que o maior número deles se acha fora de nossoalcance. (O Livro dos Estpfoitos, n.° 55. — Renuue Spirite,1858, pág. 65: Plwralité dês mondes, por Flammarion.)

106. Se os mundos são povoados, serão seus hábi-tiaintes, em tudo, semelhantes aos da Terra? Em uma pa-Zcrere, poderiam eles viver entre nós, e nós óntre eles f

A forma geral poderia ser, mais ou menos, a mesma,mas o organismo deve ser adaptado ao meio em que elestêm de viver, como os peixes são feitos para viver naágua e as aves no ar.

Se o meio for diverso, como tudo leva a crê-lo ecomo parece demonstrá-lo as observações astronómicas,

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194 AIXAN KARDEC

a organização deve ser diferente; não é, pois, provávelque, em seu estado normal, eles possam mudar de mundocom os mesmos corpos. Isto é confirmado por todos osEspíritos.

107. AdmAtimido que esses mwnãas sejam povoados,estarão na mesma colocação que o nosso, sob o ponto devista intelectual e "moral?

Segundo o ensino dos Espíritos, os mundos se achamem graus de adiantamento muito diferentes; alguns estãono mesmo ponto que o nosso; outros são mais atrasados,sendo sua humanidade mais bruta, mais material e maispropensa ao mal. Pelo contrário, outros são muito maisadiantados moral, intelectual e fisicamente; neles, o malmoral é desconhecido, as artes e as ciências já atingiramum grau de perfeição que foge à nossa apreciação; aorganização física, menos material, não está sujeita aossofrimentos, moléstias e enfermidades; aí os homensvivem em paz, sem buscar o prejuízo uns dos outros,isentos dos desgostos, cuidados, aflições e necessidadesque os apoquentam na Terra. Há, finalmente, outrosainda mais adiantados, onde o invólucro corporal, quasefluídico, se aproxima cada vez mais da natureza dos anjos.

Na série progressiva dos mundos, o nosso nem ocupao primeiro nem o último lugar, mas é um dos mais mate-rializados e atrasados. (Reme Spirrite, 1858, págs. 67,108 e 223. — Idem, 1860, págs. 318 e 320. — O Evamge-Iho segundo o Espiritismo, cap. HE.)

DA ALMA

108. Qual a sede da alma?A alma não está, como geralmente se crê, localizada

num ponto particular do corpo; ela forma com o peris-pírito um conjunto fluídico, penetrável, assimilando-seao corpo inteiro, com o qual ela constitui um ser com-plexo, do qual a morte não é, de alguma sorte, mais queum desdobramento. Podemos figuradamente supor doiscorpos semelhantes na forma, um encaixado no outro,

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O QUE fi O ESPIRITISMO 195

confundidos durante a vida e separados depois da morte.Nessa ocasião um deles é destruído, ao passo que o outrosubsiste.

Durante a vida a alma age mais especialmente sobreos órgãos do pensamento e do sentimento. Ela é, aomesmo tempo, interna e externa, isto é, irradia exterior-mente, podendo mesmo isolar-se do corpo, transportar-seao longe e aí manifestar sua presença, como o provama observação e os fenómenos sonambúlicos.

109. Será a alma, criada ao -mesmo tempo cfue ocorpo, ou anteriormente a este f

Depois da questão da existência da alma, é esta umadas questões mais capitais, porque de sua solução dima-nam as mais importantes consequências; ela é a únicacapaz de explicar uma multidão de problemas até hojeinsolúveis, por não se ter nela acreditado.

De duas uma: ou a alma existia, ou não existia antesda formação do corpo; não pode haver meio-termo.

Com a preexistência da alma tudo se explica lógicae naturalmente; sem ela, encontram-se tropeços a cadapasso, e, mesmo, certos dogmas da Igreja ficam sem jus-tificação, o que tem conduzido muitos pensadores à in-credulidade.

Os Espíritos resolveram a questão afirmativamente,e os fatos, como a lógica, não podem deixar dúvidas aesse respeito.

Admita-se, ao menos como hipótese, a preexistênciada alma, e veremos aplainar-se a maioria das dificuldades.

110. Se a átomo, já existia,, antes da suia união com ocorpo tinha ela sua individualidade e consciência de si?

Sem individualidade e sem consciência de si mesma,seria como se não existisse.

111. Antes da sua união com o corpo, já tinha aalma feito algtim progresso, ou estava estacionária?

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196 ALLAN KARDEC

O progresso anterior da alma é simultaneamentedemonstrado pela observação dos fatos e pelo ensinodos Espíritos.

112. Criou Deus as almas iguais moral e intelec-tualmente, ou fê-las mais 'perfeitas e inteligentes umasque as outras?

Se Deus as houvesse feito umas mais perfeitas queas outras, não conciliaria essa preferência com a justiça.

Sendo todas as criaturas obra sua, por que dispen-saria ele do trabalho umas, quando o impõe a outraspara alcançarem a felicidade eterna?

A desigualdade das almas em sua origem seria anegação da justiça de Deus.

113. Se as almas são criadas iguais, como eocpUcara diversidade de aptidões e predisposições naturais quenotamos entre os homens, na Terra?

Essa diversidade é a consequência do progresso feitopela alma, antes da sua união ao corpo.

As almas mais adiantadas, em inteligência e mora-lidade, são as que têm vivido mais e mais progredidoantes de sua encarnação.

114. Qual o estado da alma em s\ua origem?As almas são criadas simples e ignorantes, isto é,

sem ciência e sem conhecimento do bem e do mal, mascom igual aptidão para tudo. A princípio, encontram-senuma espécie de infância, sem vontade própria e semconsciência perfeita de sua existência. Pouco a pouco olivre-arbítrio se desenvolve, ao mesmo tempo que asideias. (O Livro dos Espíritos, n.°s 114 e seguintes.)

115. Fez a alma esse progresso anterior, no estadode alma propriamente dita, ou em precedente existência,corporal ?

Além do ensino dos Espíritos sobre esse ponto, oestudo dos diferentes graus de adiantamento do homem,na Terra, prova que o progresso anterior da alma deve

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O QUE É O ESPIRITISMO 197

fazer-se em uma série de existências corporais, mais oumenos numerosas, segundo o grau a que ele chegou; aprova disto está na observação dos fatos que diaria-mente estão sob os nossos olhos. (O Livro dos Espíritos,n.°s 166 a 222. — Revue Spirite, abril, 1862, páginas97 a 106.)

O HOMEM DURANTE A VIDA TERRENA

116. Como e em que momento se opera a wnião daalma ao corpo?

Desde a concepção, o Espírito, ainda que errante,está, por um cordão fluídico, preso ao corpo com o qualse deve unir. Este laço se estreita cada vez mais, à me-dida que o corpo se vai desenvolvendo. Desde esse mo-mento, o Espírito sente uma perturbação que crescesempre; ao aproximar-se do nascimento, ocasião em queela se torna completa, o Espírito perde a consciência desi e não recobra as ideias senão gradualmente, a partirdo momento em que a criança começa a respirar; a uniãoentão é completa e definitiva.

117. Qual o estado intelectual da alma da criançano momento de nascer?

Seu estado intelectual e moral é o que tinha antesda união ao corpo, isto é, a alma possui todas as ideiasanteriormente adquiridas; mas, em razão da perturbaçãoque acompanha a mudança de estado, suas ideias seacham momentaneamente em estado latente. Elas se vãoesclarecendo aos poucos, mas não se podem manifestarsenão proporcionalmente ao desenvolvimento dos órgãos.

118. Qual a origem das ideias inatas, das disposi-ções precoces, das aptidões instintivas para uma arte ouciência, abstração feita da instrução?

As ideias inatas não podem ter senão duas fontes:a criação das almas mais perfeitas umas que as outras,no caso de serem criadas ao mesmo tempo que o corpo,

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198 ALLAN KARDEC

ou um progresso por elas adquirido anteriormente àencarnação.

Sendo a primeira hipótese incompatível com a jus-tiça de Deus, só fica de pé a segunda.

As ideias inatas são o resultado dos conhecimentosadquiridos nas existências anteriores, são ideias que seconservaram no estado de intuição, para servirem de baseà aquisição de outras novas.

119. Como se podem revelar génios mas classes dasociedade inteiramente privadas de cultura intelectual?

É um fato que prova serem as ideias inatas inde-pendentes do meio em que o homem foi educado. O am-biente e a educação desenvolvem as ideias inatas, masnão no-las podem dar. O homem de génio é a encarnaçãode um Espírito adiantado que muito houvera já progre-dido. A educação pode fornecer a instrução que falta,mas não o génio, quando este não exista.

120. Por que encontramos crianças instintivamenteboas em um meio perverso, apesar dos maus eocemplos•que colhem, ao passo que outras são instintivamente vi-ciosas em um meio bom, apesar dos bons conselhos querecebem?

É o resultado do progresso moral adquirido, comoas ideias inatas são o resultado do progresso intelectual.

121. Por que de dois filhos do mesmo pai, educadosnas mesmas condições, um é às vezes mteligente e o outroestúpido, um bom e o outro mau? Por que o filho de umhomem de génio é, algumas vezes, <um tolo, e o de umtolo, um homem de g\ênio'?

É um fato esse que vem em abono da origem dasideias inatas; prova, além disso, que a alma do filho nãoprocede, de sorte alguma, da dos pais; se assim não fosse,em virtude do axioma que a parte é da mesma naturezaque o todo, os pais transmitiriam aos filhos as suas qua-lidades e defeitos próprios, como lhes transmitem o prin-cípio das qualidades corporais. Na geração, somente o

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O QUE Ê O ESPIRITISMO 199

corpo procede do corpo, mas as almas são independentesumas das outras.

122. Se as almas são independentes umas das mitras,aonde v&m o amor dos pais pelos filhos e o destes poraqueles?

Os Espíritos se ligam por simpatia, e o nascimentoem. tal ou tal família não é um efeito do acaso, mas de-pende muitas vezes da escolha feita pelo Espírito, quevem juntar-se àqueles a quem amou no mundo espiritualou em suas precedentes existências. Por outro lado, ospais têm por missão ajudar o progresso dos Espíritosque encarnam como seus filhos, e, para excitá-los a isso,Deus lhes inspira uma afeição mútua; muitos, porém,faltam a essa missão, sendo por isso punidos. (O Lwrodos Espíritos, n." 379, Da Infância.)

123. Por que há maus pais e maius filhos?São Espíritos que não se ligaram na mesma família

por simpatia, mas com o fim de servirem de instrumen-tos de provas uns aos outros e, muitas vezes, para puni-ção do que foram em existência anterior; a um é dadoum mau filho, porque também ele o foi; a outro, ummau pai, pelo mesmo motivo, a fim de que sofram a penade talião. (Revue Spirite, 1861, pág. 270: La Peime ãuttalian.)

124. Por que encontramos em certas pessoas, nas-cidas em. condição servil, instintos de dignidade e gran-deza, enquanto outras, nascidas nas classes superiores,só apresentam instintos de baixem?

Ê uma reminiscência intuitiva da posição social queo Espírito já ocupou, e do seu caráter na existênciaprecedente.

125. Qual a causa das simpatias e amtipatias que semanifestam entre pessoas que se vêem, pela primeira vez?

São quase sempre entes que se conheceram e, algu-mas vezes, se amaram em uma existência anterior, e que,

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200 ALLAN KARDEC

encontrando-se nesta, são atraídos um para o outro. Asantipatias instintivas provêm também, muitas vezes, derelações anteriores.

Esses dois sentimentos podem ainda ter uma outracausa. O perispírito irradia ao redor do corpo, formandouma espécie de atmosfera impregnada das qualidadesboas ou más do Espírito encarnado. Duas pessoas quese encontram, experimentam, pelo contacto desses fluidos,a impressão sensitiva, impressão que pode ser agradávelou desagradável; os fluidos tendem a confundir-se ou arepelir-se, segundo sua natureza semelhante ou desse-melhante. É assim que se pode explicar o fenómeno datransmissão de pensamento. Pelo contacto desses fluidos,duas almas, de algum modo, lêem uma na outra; elas seadivinham e compreendem, sem se falarem.

126. Por que não conserva o 'homem a lembrançade suas anteriores emstências? Não será ela necessáriaao seu progresso futuro?

(Vede a parte que trata do Esquecimento do "pas-sado, pág. 114.)

127. Qual a origem do sentimento a que chamamosconsciência ?

Ê uma recordação intuitiva do progresso feito nasprecedentes existências e das resoluções tomadas peloEspírito antes de encarnar, resoluções que ele, muitasvezes, esquece como homem.

128. Tem, o homem o livre-aarbítno, ou está sujeitoà fataUdaOe?

Se a conduta do homem fosse sujeita à fatalidade,não haveria para ele nem responsabilidade do mal, nemmérito do bem que pratica. Toda punição seria uma in-justiça, toda recompensa um contra-senso. O livre-arbí-trio do homem é uma consequência da justiça de Deus,é o atributo que a divindade imprime àquele e o elevaacima de todas as outras criaturas. Ê isto tão real quea estima dos homens, uns pelos outros, baseia-se na

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O QUE É O ESPIRITISMO 201

admissão desse livre-arbítrio; quem, por uma enfermi-dade, loucura, embriaguez ou idiotismo, perde acidental-mente essa faculdade, é lastimado ou desprezado.

O materialista que faz todas as faculdades moraise intelectuais dependerem do organismo, reduz o homemao estado de máquina, sem, livre-arbítrio e, por conse-quência, sem responsabilidade do mal e sem mérito dobem que pratica. (Revue Spírite, 1861, pág. 76; La têtede Gnríbaldi — Idem, 1862, pág. 97: Phrénologie spirri-tualiste.)

129. Será Deus o criador do mal?Deus não criou o mal; Ele estabeleceu leis, e estas

são sempre boas, porque Ele é soberanamente bom; aque-le que as observasse fielmente, seria perfeitamente feliz;porém, os Espíritos, tendo seu livre-arbítrio, nem sempreas observam, e é dessa infração que provém o mal.

130. O homem já nasce bom ou ma/u?É preciso fazermos uma distinção entre a alma e o

homem. A alma é criada simples e ignorante, isto é, nemboa nem má, porém suscetível, em razão do seu livre--arbítrio, de seguir o bom ou o mau caminho, ou, poroutra, de observar ou infringir as leis de Deus. O homemnasce bom ou mau, segundo seja ele a encarnação de umEspírito adiantado ou atrasado.

131. Qual a origem do bem e do mal na Terra epor que este predomina?

A imperfeição dos Espíritos que aqui se encarnam,é a origem do mal na Terra; quanto à predominânciadeste, provém da inferioridade do planeta, cujos habi-tantes são, na maioria, Espíritos inferiores ou que poucotêm progredido. Em mundos mais adiantados, onde sóencarnam Espíritos depurados, o mal não existe ou estáem minoria.

132. Qual a causa, dos males (fwe afligem, a huma-nidade?

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202 ALLAN KARDEC

O nosso mundo pode ser considerado, ao mesmotempo, como escola de Espíritos pouco adiantados e cár-cere de Espíritos criminosos. Os males da nossa huma-nidade são a consequência da inferioridade moral damaioria dos Espíritos que a formam. Pelo contacto de seusvícios, eles se infelicitam reciprocamente e punem-se unsaos outros.

133. Por que vemos tantas vezes o menu prospera/r,enquanto o homem de bem, vive em aflição?

Para aquele cujo pensamento não transpõe as raiasda vida presente, para quem a acredita única, isto deveparecer clamorosa injustiça. Não se dá, porém, o mesmocom quem admite a pluralidade das existências e pensana brevidade de cada uma delas, em relação à eternidade.

O estudo do Espiritismo prova que a prosperidadedo mau tem terríveis consequências em suas seguintesexistências; que as aflições do homem de bem são, pelocontrário, seguidas de uma felicidade, tanto maior e du-radoura, quanto mais resignadamente ele soube supor-tá-las; não lhe será mais que um dia mau em uma exis-tência próspera.

134. Por que nascem alguns na indigência e outrosna opulência? Por que vemos tantas pessoas nasceremcegas, surdas, «mudas ou afetadas de moléstias memoráveis,enquanto owtsras possuem todas as vantagens físicas?Será um efeito do acaso, ou wm ato da Providência,?

Se fosse do acaso, a Providência não existiria. Admi-tida, porém, a Providência, perguntamos como se conci-liam esses fatos com a sua bondade e justiça? É por faltade compreensão da causa de tais males que muitos searrojam a acusar Deus.

Compreende-se que quem se torna miserável ou en-fermo, por suas imprudências ou por excessos, seja pu-nido por onde pecou: porém, se a alma é criada ao mesmotempo que o corpo, que fez ela para merecer tais aflições,desde o seu mascimento, ou para ficar isenta delas?

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O QUE É O ESPIRITISMO 203

Se admitimos a justiça de Deus, não podemos deixarde admitir que esse efeito tem uma causa; e se esta causanão se encontra na vida presente, deve achar-se antesdesta, porque em todas as coisas a causa deve >preceãerao efeito; há, pois, necessidade de a alma já ter vivido,para que possa merecer uma expiação.

Os estudos espíritas nos mostram, de fato, que mais<ie um homem, nascido na miséria, foi rico e consideradoem uma existência anterior, na qual fez mau uso da for-tuna que Deus o encarregara de gerir; que mais de um,nascido na abjeção, foi anteriormente orgulhoso e pre-potente, abusou do poder para oprimir os fracos. Essesestudos no-los fazem ver, muitas vezes, sujeitos àquelesa quem trataram com dureza, entregues aos maus-tratose à humilhação a que submeteram os outros.

Nem sempre uma vida penosa é expiação; muitasvezes é prova escolhida pelo Espírito, que vê um meiode avançar mais rapidamente, conforme a coragem comque saiba suportá-la.

A riqueza é também uma prova, mas muito maisperigosa que a miséria, pelas tentações que dá e pelosabusos que enseja; também o exemplo dos que viveram,demonstra ser ela uma prova em que a vitória é maisdifícil. A diferença das posições sociais seria a maiordas injustiças — quando não seja o resultado da condu-ta atijal — se ela não tivesse uma compensação. A con-vicção que dessa verdade adquirimos, pelo Espiritismo,nos dá força para suportarmos as vicissitudes da vidae aceitarmos a nossa sorte, sem invejar a dos outros.

135. Por que há homens idiotas e imbecis?A posição dos idiotas e dos imbecis seria a menos

conciliável com a justiça de Deus, na hipótese da unici-dade da existência. Por miserável que seja a condiçãoem que o homem nasça, ele poderá sair dela por suainteligência e trabalho; o idiota e o imbecil, porém, sãovotados, desde o nascimento até a morte, ao embruteci-mento e ao desprezo; para eles não há compensaçãopossível. Por que foi, então, sua alma criada idiota?

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O QUE É O ESPIRITISMO 203

Se admitimos a justiça de Deus, não podemos deixarde admitir que esse efeito tem uma causa; e se esta causanão se encontra na vida presente, deve achar-se antesdesta, porque em todas as coisas a causa deve >preceãerao efeito; há, pois, necessidade de a alma já ter vivido,para que possa merecer uma expiação.

Os estudos espíritas nos mostram, de fato, que mais<ie um homem, nascido na miséria, foi rico e consideradoem uma existência anterior, na qual fez mau uso da for-tuna que Deus o encarregara de gerir; que mais de um,nascido na abjeção, foi anteriormente orgulhoso e pre-potente, abusou do poder para oprimir os fracos. Essesestudos no-los fazem ver, muitas vezes, sujeitos àquelesa quem trataram com dureza, entregues aos maus-tratose à humilhação a que submeteram os outros.

Nem sempre uma vida penosa é expiação; muitasvezes é prova escolhida pelo Espírito, que vê um meiode avançar mais rapidamente, conforme a coragem comque saiba suportá-la.

A riqueza é também uma prova, mas muito maisperigosa que a miséria, pelas tentações que dá e pelosabusos que enseja; também o exemplo dos que viveram,demonstra ser ela uma prova em que a vitória é maisdifícil. A diferença das posições sociais seria a maiordas injustiças — quando não seja o resultado da condu-ta atijal — se ela não tivesse uma compensação. A con-vicção que dessa verdade adquirimos, pelo Espiritismo,nos dá força para suportarmos as vicissitudes da vidae aceitarmos a nossa sorte, sem invejar a dos outros.

135. Por que há homens idiotas e imbecis?A posição dos idiotas e dos imbecis seria a menos

conciliável com a justiça de Deus, na hipótese da unici-dade da existência. Por miserável que seja a condiçãoem que o homem nasça, ele poderá sair dela por suainteligência e trabalho; o idiota e o imbecil, porém, sãovotados, desde o nascimento até a morte, ao embruteci-mento e ao desprezo; para eles não há compensaçãopossível. Por que foi, então, sua alma criada idiota?

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204 ALLAN KARDEC

Os estudos espíritas, feitos acerca dos imbecis eidiotas, provam que suas almas são tão inteligentes comoas dos outros homens; que essa enfermidade é uma expia-ção infligida a Espíritos que abusaram da inteligência,e sofrem cruelmente por se sentirem presos, em laçosque não podem quebrar, e pelo desprezo de que se vêemobjeto, quando, talvez, tenham sido tão considerados emencarnação precedente. (R&ime Spirite, 1860, pág. 173;UEsxprit d'wn idiot. — Idem, 1861, pág. 311: Lês crétms.)

136. Qual o estado da alma durante o sono?No sono é só o corpo que repousa, mas o Espírito

não dorme. As observações práticas provam que, nessascondições, o Espírito goza de toda a liberdade e da ple-nitude das suas faculdades; aproveita-se do repouso docorpo, dos momentos em que este lhe dispensa a presença,para agir separadamente e ir aonde quer. Durante a vida,qualquer que seja a distância a que se transporte, o Espí-rito fica sempre preso ao corpo por um cordão fluídico,que serve para chamá-lo, quando a sua presença se tornanecessária. Só a morte rompe esse laço.

137. Qual a oausa dos sonhos?Os sonhos são o resultado da liberdade do Espírito

durante o sono; às vezes, são a recordação dos lugares edas pessoas que o Espírito viu ou visitou nesse estado.(O Livro dos Espíritos: E<mandpação da alma, sono,sonhos, sonambulismo, vista dupla, letairgia, etc., n."s 400e seguintes. — O Livro dos Médiuns: Evocação das pes-soas vwas, n." 284. — Revue Spinte, 1860, pág. 11:L'Esprit d'wi cote et lê corps de 1'aiutre. •— Idem, 1860,pág. 81: Étwàe sw l'Esprit dês personnes vivantes.)

138. Donde vêm os pressentimentos?São recordações vagas e intuitivas do que o Espírito

aprendeu em seus momentos de liberdade e algumas vezesavisos ocultos dados por Espíritos benévolos.

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O QUE B O ESPIRITISMO 205

139. Por que há na Terra selvag<ens e homens cwi-lizados?

Sem a preexistência da alma, esta questão é inso-lúvel, a menos que admitamos tenha Deus criado almasselvagens e almas civilizadas, o que seria a negação dasua justiça. Além disso, a razão recusa admitir que,depois da morte, a alma do selvagem fique perpetua-mente em estado de inferioridade, bem como se ache namesma elevação que a do homem esclarecido.

Admitindo para as almas um mesmo ponto de par-tida — única doutrina compatível com a justiça deDeus —, a presença simultânea da selvageria e da civi-lização, na Terra, é um fato material que prova o pro-gresso que uns já fizeram e que os outros têm de fazer.

A alma do selvagem atingirá, pois, com o tempo, omesmo grau da alma esclarecida; mas, como todos os diasmorrem selvagens, essa alma não pode atingir esse grausenão em encarnações sucessivas, cada vez mais aperfei-çoadas e apropriadas ao seu adiantamento, seguindo todosos graus intermediários a esses dois extremos.

140. Não será admissível, seguindo 'pensam, algwmaspessoas, que a alma, não encarnando mais que uma, vez<,faça o seu progresso no estado de Espírita ou em outrasesferas?

Esta proposição seria admissível, se todos os habi-tantes da Terra se achassem no mesmo nível moral eintelectual; caso em que se poderia dizer ser a Terradestinada a determinado grau; ora, quantas vezes temosdiante de nós a prova do contrário!

Com efeito, não é compreensível que o selvagem nãopudesse conseguir civilizar-se aqui na Terra, quandovemos almas mais adiantadas encarnadas ao lado dele;do que resulta a possibilidade da pluralidade das exis-tências terrenas, demonstrada por exemplos que temosà vista.

Se fosse de outro modo, era preciso explicar: _1.°,por que só a Terra teria o monopólio das encarnações;

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206 ALLAN KARDEC

2.°, por que, tendo esse monopólio, nela se apresentamalmas encarnadas de todos os graus.

141. Par que, no meio das sociedades civilizadas,se mostram seres de ferocidade comparável à dos maisbárbaros selvagens?

São Espíritos muito inferiores, saídos das raças bár-baras, que experimentam reencarnar em meio que nãoé o seu, e onde estão deslocados, como estaria um rústicocolocado de repente numa cidade adiantada.

OBSERVAÇÃO — Não é possível admitir-se, sem negara Deus os atributos de bondade e justiça, que a alma docriminoso endurecido tenha, na vida atual, o mesmo pontode partida que a de um homem cheio de virtudes.

Se a alma não é anterior ao corpo, a do criminoso e ado homem de bem são tão novas uma como a outra; por querazão, então, uma delas é boa e a outra má?

142. Donde vem o caráter distintivo dos povos?São Espíritos que têm mais ou menos os mesmos

gostos e inclinações, que encarnam em um meio simpá-tico e, muitas vezes, no mesmo meio em que podem satis-fazer as suas inclinações.

143. Como progridem e como degeneram os povos?Se a alma é criada juntamente com o corpo, as dos

homens de hoje são tão novas, tão primitivas, como ados homens da Idade Média, e, desde então, pergunta-sepor que têm elas costumes mais brandos e inteligênciamais desenvolvida?

Se na morte do corpo a alma deixa definitivamentea Terra, pergunta-se, ainda, qual seria o fruto do tra-balho feito para melhoramento de um povo, se este ti-vesse de ser recomeçado com as almas novas que diaria-mente chegam?

Os Espíritos encarnam em um meio simpático e emrelação com o grau do seu adiantamento.

Um chinês, por exemplo, que progredisse suficiente-mente e não encontrasse mais na sua raça um meio

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O QUE fi O ESPIRITISMO 207

correspondente ao grau que atingiu, encarnará entre umpovo mais adiantado. À medida que uma geração dá umpasso para frente, atrai por simpatia Espíritos maisavançados, os quais são, talvez, os mesmos que já haviamvivido no mesmo país e que, por seu progresso, dele setinham afastado; é assim que, passo a passo, uma naçãoavança. Se a maioria dos seus novos habitantes fosse denatureza inferior e os antigos emigrassem, diariamentee não mais descessem a um meio inferior, o povo aca-baria por degenerar, e, afinal, por extinguir-se.

OBSERVAÇÃO — Essas questões provocam outras queencontram solução no mesmo princípio; cor exemplo, dondevem a diversidade de raças, na Terra? — Há raças rebeldesao progresso? — A raça negra é suscetível de subir ao níveldas raças europeias? — A escravidão é útil ao progressodas raças inferiores? — Como se pode operar a transforma-ção da Humanidade? — (O Livro dos Espíritos: Lei de pro-gresso, n«s 776 e seguintes. — Revtie Spirite, 1862, pág. 1:Doctrine dês unges dêchus. •— Idem, 1862, pág. 97: Per/ecíi-bilité de Ia roce nègre.)

O HOMEM DEPOIS DA MORTE

144. Como se opera a separação <da alma e do corpo?É brusca ou gradual?

O desprendimento opera-se gradualmente e com len-tidão variável, segundo os indivíduos e as circunstânciasda morte.

Os laços que prendem a alma ao corpo não se rom-pem senão aos poucos, e tanto menos rapidamente quantomais a vida foi material e sensual. (O Lwro dos Espí-ritos, n.° 155.)

145. Qual a situação da alma, mediatamente depoisda morte do oorpo? Tem ela instantaneamente a cons-ciência de si? Em uma palavra, que vê? Que experi-menta ela?

No momento da morte, tudo se apresenta confuso;é-lhe preciso algum tempo para se reconhecer; ela con-

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208 ALJLAN KAKDEC

serva-se tonta, no estado do homem que sai de profundosono e que procura compreender a sua situação. A lucidezdas ideias e a memória do passado lhe voltam, à medidaque se destrói a influência da matéria de que ela acabade separar-se, e que se dissipa o nevoeiro que lhe obscure-ce os pensamentos.

O tempo da perturbação, sequente à morte, é muitovariável; pode ser de algumas horas somente, como demuitos dias, meses ou, mesmo, de muitos anos. É menoslonga, entretanto, para aqueles que, enquanto vivos, seidentificaram com o seu estado futuro, porque esses com-preendem imediatamente a sua situação; porém, é tantomais longa quanto mais materialmente o indivíduo viveu.

A sensação que a alma experimenta nesse momentoé também muito variável; a perturbação, sequente àmorte, nada tem de penosa para o homem de bem; écalma e em tudo semelhante à que acompanha um des-pertar plácido.

Para aquele cuja consciência não é pura e amoumais a vida corporal que a espiritual, esse momento écheio de ansiedade e de angústias, que vão aumentandoà medida que ele se reconhece, porque então sente medoe certo terror diante do que vê e sobretudo do que en-trevê. A sensação a que podemos chamar física, é a degrande alívio e de imenso bem-estar, fica-se como quelivre de um fardo, e o Espírito sente-se feliz por nãomais experimentar as dores corporais que o atormenta-vam alguns instantes antes; sente-se livre, desemba-raçado, como aquele a quem tirassem as cadeias que oprendiam.

Em sua nova situação, a alma vê e ouve ainda outrascoisas que escapam à grosseria dos órgãos corporais. Tem,então, sensações e percepções que nos são desconheci-das. (R&iMe Spitrite, 1859, pág. 244: Morrt d'wn Spvrite.— Idem, 1860, pág. 332: Lê réveil de 1'Esprit. — Idem,idem, 1862, págs. 129 e 171: Obsèques de M. Sanson.)

OBSERVAÇÃO — Estas respostas e todas as relativasà situação da alma depois da morte ou durante a vida, não

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O QUE E O ESPIRITISMO 209

são o resultado de uma teoria ou de um sistema, mas deestudos diretos feitos sobre milhares de indivíduos, observadosem todas as fases e períodos da sua existência espiritual,desde o mais baixo ao mais alto grau da escala, segundo seushábitos durante a vida terrena, género de morte, etc.

Muitas vezes diz-se, falando da vida futura, que não sesabe o que nela se passa, porque ninguém no-lo veio contar;é um erro, pois são precisamente os que nela já se acham,que, a respeito, nos vêm instruir, e Deus o permite hoje, maisque em nenhuma outra época, como último aviso à incredu-lidade e ao materialismo.

146. A alma que deiom o corpo, pode ver a Deus?As faculdades perceptivas da alma são proporcionais

à sua purificação: só as de escol podem gozar da pre-sença de Deus.

147. Se Deus está em toda parte, par que nem todosos Espíritos podem vê-lo?

Deus está em toda parte, porque em toda parte Eleirradia, podendo dizer-se que o Universo está mergulhadona divindade, como nós o estamos na luz solar; os Espí-ritos atrasados, porém, estão envolvidos numa espécie denevoeiro que O oculta a seus olhos, e que se não dissipasenão à medida que eles se desmaterializam e se purifi-cam. Os Espíritos inferiores são, pela vista, em relaçãoa Deus, o que os encarnados são, em relação aos Espí-ritos: verdadeiros cegos.

148. Depois da morte, tem a alma, consciência desua mdwidualidade? Como a constata e como podemosconstatá-la ?

Se as almas não tivessem sua individualidade depoisda morte, isto, para elas, como para nós, seria o mesmoque não existirem; não teriam caráter algum distintivo;a do criminoso estaria na mesma altura que a do homemde bem, donde resultaria não haver interesse algum emfazermos o bem.

A individualidade da alma é mostrada de modo ma-terial, por assim dizer, nas manifestações espíritas, pela

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linguagem e qualidades próprias de cada qual; uma vezque elas pensam e agem de modo diferente, umas sãoboas e outras más, umas sábias e outras ignorantes,querendo umas o que outras não querem, o que provaevidentemente não estarem confundidas em um todo ho-mogéneo, isso sem falar das provas patentes que nosdão, de terem animado tal ou tal indivíduo na Terra.Graças ao Espiritismo experimental, a individualidade daalma não é mais uma coisa vaga, porém o resultado daobservação.

A própria alma reconhece sua individualidade, por-que tem pensamento e volição próprios, que distinguemumas das outras; verificando ainda a sua individualidadepor seu invólucro fluídico ou perispírito, espécie de corpolimitado, que faz dela um ser distinto.

OBSERVAÇÃO — Há quem pense poder fugir à pechade materialista por admitir um princípio inteligente universal,do qual uma parte absorveríamos ao nascermos, formandodela a nossa alma e restituindo-a depois da morte à massacomum, onde com outras se confundiria, tal como gotasdágua no oceano.

Este sistema, espécie de transição, não merece mesmoo nome de Espiritualismo, pois é tão desolador quanto omaterialismo.

O reservatório comum do conjunto universal equivaleriaao aniquilamento, porquanto ali não haveria mais individua-lidades.

149. O género de morte inflnti no estado da alma?O estado da alma varia consideravelmente segundo

o género de morte, mas, sobretudo, segundo a naturezados hábitos durante a vida.

Na morte natural, o desprendimento se opera gra-dualmente e sem abalo, começando mesmo antes que avida esteja extinta. Na morte violenta, por suplício, sui-cídio ou acidente, os laços são partidos bruscamente; oEspírito, surpreendido, fica como que tonto com a mu-dança nele efetuada, e não acha explicação para a suasituação.

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O QUE É O ESPIRITISMO 211

Um fenómeno, mais ou menos constante em tal caso,é a persuasão em que ele se conserva de. não estar morto,podendo essa ilusão durar muitos meses e mesmo muitosanos. Neste estado, ele se locomove, julga ocupar-se dosseus negócios, como se ainda estivesse no mundo, e mos-tra-se espantado de não lhe responderem, quando fala.

Essa ilusão também se nota, fora dos casos de morteviolenta, em muitos indivíduos, cuja vida foi absorvidapelos gozos e interesses materiais. (O Livro dos Espíritos,n." 165. — Reme Spirite, 1858, pág. 166: Lê suicide deIa Sa-maritaine. — Idem, 1858, pág. 326: Un Esprit auconvoi de son oorps; idem, 1859, pág. 184: Lê Zouave deMagenta; idem, 1859, pág. 319; Un Esprit qui ne se croitpás rmort. — Idem, 1863, pág. 97: François SimonLowvet.)

150. Para onde vai a alma depois de deixar ocorpo?

Ela não vai perder-se na imensidade do infinito,como geralmente se supõe; erra no espaço e, o mais dasvezes, no meio daqueles que conheceu e, sobretudo, queamou, podendo instantaneamente transportar-se a dis-tâncias imensas.

151. Conserva a alma as afeições que tinha na vidaterrena?

Guarda todas as afeições morais e só esquece asmateriais, que já não são de sua essência; por isso-vemsatisfeita ver os parentes e amigos e sente-se feliz coma lembrança deles. (Revue Spiríte, 1860, pág. 341: Lêsamis ne naus oublient pás dans l'autre monde. — Idem,1862, pág. 132.)

152. Conserva a àtima a lembrança do que fez naTerra? Tem ela, aimda mteresse pelos trabalhos que nãopôde completar?

Depende da sua elevação e da natureza desses tra-balhos. Os Espíritos desmaterializados pouco se preo-cupam com as coisas materiais, de que se julgam felizes

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por estar livres. Quanto aos trabalhos que começaram,segundo sua importância e utilidade, inspiram a outroso desejo de terminá-los.

153. Encontra a alma no mamão dos Espíritos osparentes que ali a precederam?

Não só os encontra, como também a outros muitos,seus conhecidos de outras existências.

Geralmente, aqueles que mais a amam vêm rece-bê-la à sua chegada no mundo espiritual, e ajudam-naa desprender-se dos laços terrenos.

Entretanto, a privação de ver as almas mais carasè, algumas vezes, punição para os culpados.

154. Qual,, na outra vida, o estado intelectual emoral da alma da criança morta em tenra 'idade? Suasfaculdades conservam-se na infância, como durante avida?

O incompleto desenvolvimento dos órgãos da criançanão dava ao Espírito a liberdade de se manifestar com-pletamente; livre desse invólucro, suas faculdades são oque eram antes da sua encarnação. O Espírito, não tendofeito mais que passar alguns instantes na vida, não sofremodificação nas faculdades.

OBSERVAÇÃO — Nas comunicações espíritas, o Espí-rito de um menino pode, pois, falar como adulto, porque podeser Espírito adiantado.

Se, algumas vezes, adota a linguagem infantil, é paranão tirar à mãe o encanto que sempre está ligado à afeiçãode um ente frágil, delicado e adornado com as graças dainocência. (Revue Spirííe, 1858, pág. 17: Mère! Je stiAs lá.)

Podendo a mesma questão ser formulada acerca do es-tado intelectual da alma dos imbecis, idiotas e loucos depoisda morte, encontra-se a solução no que precede.

155. Que diferença há, depois da morte, entre aalma do sábio e a do ignorante, entre a do selvagem e ado homem civilizado?

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O QUE E O ESPIRITISMO 213

A mesma, pouco mais ou menos, que existia entreelas durante a vida; porque a entrada no mundo dosEspíritos não dá à alma todos os conhecimentos que lhefaltavam na Terra.

156. Progridem as almas, intelectualmente, depoisda morte?

Progridem mais ou menos, segundo sua vontade, ealgumas se adiantam muito; porém, têm necessidade depôr em prática, durante a vida corporal, o que adquiri-ram em ciência e moralidade. As que ficaram estacioná-rias, recomeçam uma existência análoga à que deixaram;as que progrediram, alcançam uma encarnação de ordemmais elevada.

Sendo o progresso proporcionado à vontade do Espí-rito, há muitos que, por longo tempo, conservam os gostose as inclinações que tinham durante a vida, e prosseguemnas mesmas ideias. (Revwe Spvrite, 1858, pág. 82: Lareine d'Qude; idem, pág. 142; UEsprit et lês héritiers;idem, pág. 186; Lê tambour de Ia Bérésina; idem, 1859,pág. 344: Un ancien charretier; idem, 1860, pág. 383:Progrès dês Esprits; idem, 1861, pág. 126: Progrès d'unEsprit pervers.)

157. A sorte do homem, na vida futwrn, está vrre-vogamelmente fiaoada depois da marte?

A fixação irrevogável da sorte do homem, depoisda morte, seria a negação absoluta da justiça e da bon-dade de Deus, porque há muitos que não puderam escla-recer-se suficientemente na existência terrena, sem falardos idiotas, imbecis, selvagens e de elevado número decrianças que morrem sem ter entrevisto a vida.

Mesmo entre os homens esclarecidos, há muitos que,julgando-se assaz perfeitos, crêem-se dispensados de es-tudar e trabalhar mais, e não é isto prova que Deus nosdá de sua bondade, o permitir que o homem faça amanhão que não pode fazer hoje?

Se a sorte é irrevogavelmente fixada, por que mor-rem os homens em idades diferentes, e por que, em sua

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214 ALLAN KARDEC

justiça, não concede Deus a todos o tempo de produzira maior soma de bem e reparar o mal que fizeram?

Quem sabe se o criminoso que morre aos trinta anos,não se teria tornado um homem de bem, se vivesse atéaos sessenta?

Por que Deus lhe tira assim os meios que concedea outros?

Só o fato da diversidade das durações da vida e doestado moral da grande maioria dos homens, prova aimpossibilidade, admitida a justiça divina, de ser a sorteda alma irrevogavelmente fixada depois da morte.

158. Qual, na vida futwra, a sorte das crianças qwmorrem em, tenra idade?

Esta questão é uma das que melhor provam a jus-tiça e a necessidade da pluralidade das existências. Umaalma que só tiver vivido alguns instantes, sem fazer nembem nem mal, não pode merecer prémio nem castigo, pois,segundo a máxima do Cristo — cada um é jnvnído ourecompensado conforme suas obras — é tão ilógico comocontrário à justiça de Deus admitir-se que, sem trabalho,essa alma Seja chamada a gozar da bem-aventurança dosanjos, ou que desta se veja privada; entretanto, ela <deveter wn destino qualquer. Um estado misto, por toda aeternidade, seria igualmente uma injustiça. Uma exis-tência logo^em começo interrompida, não podendo, pois,ter consequência alguma para a alma, tem por sorte atualo que mereceu da existência anterior, e futuramente oque vier a merecer em suas existências ulteriores.

159. Têm as almas ocupações na outra vida? Pen-sam elas em outra coisa, a não ser em suas alegrias esofrimentos ?

Se as almas não fizessem mais que tratar de si du-rante a eternidade, seria egoísmo, e Deus, que condenaessa falta na vida corporal, não poderia aprová-la naespiritual. As almas, ou Espíritos, têm ocupações emrelação com o seu grau de adiantamento, ao mesmo tempo

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O QUE fi O ESPIRITISMO 215

que procuram instruir-se e melhorar-se. (O Livro aosEspíritos, n.° 558: Ocupações e missões dos Espíritas.)

160. Em que consistem os sofrimentos da alma,depois da morte? Irão as almas crmmosas ser tortwra-das em chamas materiais f

A Igreja reconhece perfeitamente, hoje, que o fogodo inferno é todo moral e não material; porém, nãodefine a natureza dos sofrimentos. As comunicações espí-ritas colocam os sofrimentos sob os nossos olhos, e, poresse meio, podemos apreciá-los e convencer-nos de que,apesar de não serem o resultado de um fogo material,que efetivamente não poderia queimar almas imateriais,eles, nem por isso, deixam de ser mais terríveis, emcertos casos.

Essas penas não são uniformes: variam infinita-mente, segundo a natureza e o grau das faltas cometidas,sendo quase sempre essas mesmas faltas o instrumentodo seu castigo; é assim que certos assassinos são obriga-dos a conservarem-se no próprio lugar do crime e acontemplar suas vítimas incessantemente; que o homemde gostos sensuais e materiais conserva esses pendoresjuntamente com a impossibilidade de satisfazê-los, o quelhe é uma tortura; que certos avarentos julgam sofrero frio e as privações que suportaram na vida por suaavareza; outros se conservam junto aos tesouros queenterraram, em transes perpétuos, com medo que osroubem; em uma palavra, não há um defeito, uma im-perfeição moral, um ato mau, que não tenha, no mundoespiritual, seu reverso e suas consequências naturais;e, para isso, não há necessidade de um. lugar determinadoe circunscrito. Onde quer que se ache o Espírito perverso,o inferno estará com ele.

Além dos sofrimentos espirituais, há as penas eprovas materiais que o Espírito, se não está depurado,experimenta numa nova encarnação, na qual é colocadoem condições de sofrer o que fez a outrem sofrer; deser humilhado, se foi orgulhoso; miserável, se avarento;infeliz com seus filhos, se foi mau filho, etc.

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216 ALLAN KARDEC

Como dissemos, a Terra é um dos lugares de exílioe de expiação, wn purgatório, para os Espíritos dessanatureza, do qual cada um se pode libertar, melhoran-do-se suficientemente para merecer habitação em mundomelhor. (O Livro dos Espíritos, n." 237: Percepções, sen-sações e sofrimentos dos Espíritos; idem, Parte 4.": Espe-ranças e consolações, cap. I, Penas e gozos futuros; —Revue Spirite, 1858, pág. 79: Uassassm Lemaire; idem,pág. 166: Lê suicide ãe Ia Samaritaine; idem, pág. 331:Bensatwns •dês Esprits; idem, 1859, pág. 275: Lê pèreCrépin; idem, 1860, pág. 61: Esteia Regnier; idem, página247: Lê suicide de Ia rue Quinocumpoia;; idem, pág. 316: Lêchâtiment; idem, pág. 315: Entrée d'un coupable dans lêmonde dês Esprits; idem, pág. 384: Châtiment de 1'egois-te; idem, 1861, pág. 53: Suicide d'wn athée; idem, pági-na 270: La peine ãu talian.)

161. A prece será útil os almas sofredoras?Todos os bons Espíritos a recomendam e os imper-

feitos a pedem como meio de aliviar os seus sofrimentos.A alma, por quem se pede, experimenta um consolo,porque vê na prece um testemunho de interesse, e o in-feliz é sempre consolado, quando encontra pessoas quecompartilhem de suas dores. De outro lado, pela prece oexortamos ao arrependimento e ao desejo de fazer o ne-cessário para ser feliz; é neste sentido que se pode abre-viar-lhe as penas, quando ele, de seu lado, o favorececom a sua boa-vontade. (O Livro dos Espíritos, n.° 664— Revue S-pirite, 1859, pág. 315; Effets de Ia prière surlês Espri.ts souffrants.)

162. Em que consistem os gozos das almas felizes?Passam, elas a eternidade em contemplação?

A justiça quer que a recompensa seja proporcionalao mérito, como a punição à gravidade da falta; há, pois,graus infinitos nos gozos da alma, desde o instante emque ela entra no caminho do bem, até aquele em queatinge a perfeição. A felicidade dos bons Espíritos con-siste em conhecer todas as coisas, não sentir ódio, nem

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O QUE É O ESPIRITISMO 217

ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer daspaixões que desgraçam os homens. O amor que os une é,para os bons Espíritos, a fonte de suprema felicidade,pois não experimentam as necessidades, nem os sofri-mentos, nem as angústias da vida material.

O estado de contemplação perpétua seria uma feli-cidade estúpida e monótona; seria a ventura do egoísta,uma existência interminavelmente inútil.

A vida espiritual é, ao contrário, de uma atividadeincessante pelas missões que os Espíritos recebem do SerSupremo, de serem seus agentes no governo do Universo— missões essas proporcionadas ao seu adiantamento, ecujo desempenho os torna felizes, porque lhes forneceocasiões de serem úteis e de fazerem o bem. (O Livro dosEspíritos, n." 558: Ocupações e missões dos Espíritos. —Revue Spirite, 1860, págs. 321 e 322: Lês purs Esprits:Lê séjour dês lAenhewreux; idem, 1861, pág. 179: MadameGourdon.)

OBSERVAÇÃO — Convidamos os adversários do Espiri-tismo e os que não admitem a reencarnaçao a darem, dosproblemas acima apresentados, uma solução mais lógica, poroutro princípio qualquer que não seja o da pluralidade dasexistências.

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Livros da Federação Espírita Brasileira

Allan Kardec

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

É o livro básico da Doutrina Espírita,indubitavelmente a obra-prima do Espi-ritismo, constituindo verdadeiro tratadofilosófico espiritualista que responde ainquietantes questões da vida e da morte.

Escrito mediante ditado de EspíritosSuperiores, é a expressão do pensamentodeles. O grande mérito de Kardec foi o reali-zar ele o gigantesco trabalho de ordenar edistribuir metodicamente os assuntos em1.019 perguntas e respostas, justapondo,amiúde, comentários e notas.

Os Espíritos se referiram ao livro, dizen-do: "Nele pusemos as bases de um novoedifício que se eleva e que um dia há dereunir todos os homens num mesmo senti-mento de amor e caridade."

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Pedro Franco Barbosa

ESPIRITISMO BÁSICO

Esta obra procura reunir o máximo de co-nhecimentos em um volume só e expô-los emlinguagem clara e acessível, de maneira a aten-der interessados na Doutrina Espírita, sobretudoiniciantes, permitindo-lhes uma ideia de conjuntoda Terceira Revelação.

Óíima para adoção em cursos sistemáticosde Espiritismo, é, também, obra de consulta paratodos os estudiosos, que nele encontram, bemexplanados, assuntos tais como as origens, anatureza e as características da Doutrina, seusprincípios básicos, a Codificação em seus trêsaspectos, a constituição e o destino do homem euma apresentação geral da literatura espírita.

A FEB coloca nas mãos dos leitores umaobra de reconhecido valor e cuja utilidade é ma-nifesta a todos os que se interessam pelo estudoda Doutrina.

A primeira parte da obra trata, de maneirasimples e didática, de assuntos vários, como "AsReligiões e o Progresso Espiritual do Homem","Primórdios do Espiritismo", "Allan Kardec, o Co-dificador do Espiritismo", "Léon Denis, o Consoli-dador", "Síntese Histórica do Espiritismo no Bra-sil".

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Carlos Imbassahy

O ESPIRITISMO À LUZ DOS FATOS

Em realidade, é das obras mais vigorosasdo conhecido e inigualável polemista. Bem poucasobras estrangeiras, do mesmo género, se igualamno conjunto a esta do Dr. Carlos Imbassahy.

Em grosso volume de 404 páginas, de-monstra o Autor a realidade insofismável do Es-piritismo, através dos maravilhosos fatos que oatestam, opondo cerrada argumentação às obje-ções formuladas à parte científica de nossa Dou-trina.

São refutados, com as mais robustas pro-vas e numa linguagem leve e cativante, os auto-res que se vêm manifestando contra o Espiritis-mo e lhe negando a parte que lhe cabe no quadrodas ciências, ou lhe contestando o fundamentoque possui para inscrever-se naquele quadro,sendo mirados de preferência os autores queprocuram desmoralizar a prática da Doutrina Es-pírita.

Todo espírita deve ler este livro e oferecerum exemplar aos amigos descrentes.

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Léon Denis

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

Leitura utilíssima para todo espírita estudio-so e que não pode conceber a Doutrina Espíritasenão vinculada ao Evangelho do Cristo. Seuautor, Léon Denis, foi o pujante espírito que seconta entre os seguidores de Allan Kardec, queo secundaram na grande obra de divulgação dosensinos revelados pelos Espíritos Superiores.Autor de outras notáveis obras, nesta ele teve oobjetivo de ressaltar a grandeza do Cristianismo,mas dissecando também o corpo de deturpaçõese deformidades que nele foram introduzidas pe-los dogmas do Catolicismo Romano e suas fór-mulas ritualísticas. A origem dos Evangelhos,sua autenticidade e sentido oculto, os fenómenosespíritas da Bíblia, a comunhão dos primeiroscristãos com os Espíritos dos mortos, os dogmasda Igreja, o Espiritismo e a Ciência, a reencarna-ção etc., são alguns dos temas comentados porLéon Denis. A tradução em português é de Leo-poldo Cirne, que traduz fielmente o pensamentodo grande escritor francês.

Por todos esses títulos é que recomenda-mos vivamente essa obra a todos os nossos lei-tores.

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Alexandre Aksakof

ANIMISMO E ESPIRITISMO

Aksakof, o sábio investigador dos fenómenos es-píritas, apresenta nesta obra a sua resposta ao mais fa-moso filósofo da época, o Dr. Eduardo von Hartmann,colocando, com uma argumentação incontestável e vito-riosa, as teorias antiespíritas no seu devido lugar, mos-trando-lhes o seu nenhum valor.

Em 700 páginas de composição compacta, o livroencerra uma multidão de fatos maravilhosos, recolhidosem todo o Mundo, de vários sábios da época, e da qualbom número é também devido às observações e expe-riências do próprio Autor.

No conceito de muitos estudiosos, é "a obra maisimportante e mais completa que se escreveu acerca doEspiritismo, no ponto de vista científico e filosófico".

César Lombroso

HIPNOTISMO E MEDIUNIDADE

É obra que produziu grande agitação nos meiosintelectuais e científicos, pois que escrita por um sábiode renome universal, célebre por seus trabalhos crimi-nológicos.

Através de longo e minucioso estudo sobre Hip-notismo e Mediunidade, Lombroso demonstra a dife-rença entre esses dois conhecimentos, apresentandonumerosas observações e experiências realizadas porele e por outros sábios europeus, durante muitos emuitos anos de investigação.

Page 222: O que é o Espiritismo

Léon Denis

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

Leitura utilíssima para todo espírita estudio-so e que não pode conceber a Doutrina Espíritasenão vinculada ao Evangelho do Cristo. Seuautor, Léon Denis, foi o pujante espírito que seconta entre os seguidores de Allan Kardec, queo secundaram na grande obra de divulgação dosensinos revelados pelos Espíritos Superiores.Autor de outras notáveis obras, nesta ele teve oobjetivo de ressaltar a grandeza do Cristianismo,mas dissecando também o corpo de deturpaçõese deformidades que nele foram introduzidas pe-los dogmas do Catolicismo Romano e suas fór-mulas ritualísticas. A origem dos Evangelhos,sua autenticidade e sentido oculto, os fenómenosespíritas da Bíblia, a comunhão dos primeiroscristãos com os Espíritos dos mortos, os dogmasda Igreja, o Espiritismo e a Ciência, a reencarna-ção etc., são alguns dos temas comentados porLéon Denis. A tradução em português é de Leo-poldo Cirne, que traduz fielmente o pensamentodo grande escritor francês.

Por todos esses títulos é que recomenda-mos vivamente essa obra a todos os nossos lei-tores.

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Alexandre Aksakof

ANIMISMO E ESPIRITISMO

Aksakof, o sábio investigador dos fenómenos es-píritas, apresenta nesta obra a sua resposta ao mais fa-moso filósofo da época, o Dr. Eduardo von Hartmann,colocando, com uma argumentação incontestável e vito-riosa, as teorias antiespíritas no seu devido lugar, mos-trando-lhes o seu nenhum valor.

Em 700 páginas de composição compacta, o livroencerra uma multidão de fatos maravilhosos, recolhidosem todo o Mundo, de vários sábios da época, e da qualbom número é também devido às observações e expe-riências do próprio Autor.

No conceito de muitos estudiosos, é "a obra maisimportante e mais completa que se escreveu acerca doEspiritismo, no ponto de vista científico e filosófico".

César Lombroso

HIPNOTISMO E MEDIUNIDADE

É obra que produziu grande agitação nos meiosintelectuais e científicos, pois que escrita por um sábiode renome universal, célebre por seus trabalhos crimi-nológicos.

Através de longo e minucioso estudo sobre Hip-notismo e Mediunidade, Lombroso demonstra a dife-rença entre esses dois conhecimentos, apresentandonumerosas observações e experiências realizadas porele e por outros sábios europeus, durante muitos emuitos anos de investigação.

Page 224: O que é o Espiritismo

Zeus Wantuil e Francisco Thiesen

ALLAN KARDEC

Publicada em 1979 e 1980, essa obra 'Veio enrique-cer, sobremaneira, as letras espíritas e deu ao Codificadorda Doutrina Espírita a sua real dimensão na história da Hu-manidade.

São três volumes, num total de 896 páginas, dezenas deilustrações e numerosas e preciosas informações sobre a vidade Kardec e daqueles que constituíram o seu pequeno e valoro-so contingente de colaboradores diretos no plano físico.

O volume l apresenta uma visão muito nítida da formaçãomoral e intelectual de Hippolyte Léon Denizard Rivail no InstitutoYverdon, do método pestalozziano e da obra de Rivail comoeducador emérito. Ao final há um apêndice que elucida a respei-to do nome civil de Kardec, sobre a data do seu nascimento esobre a controvertida questão de ele ter sido ou não formado emMedicina.

O volume II trata da missão de Kardec, traçando um pa-norama que se inicia em Hydesville até as primeiras perseguiçõescontra o Movimento Espírita nascente.

O volume III abrange as obras espíritas de Allan Kardec,os periódicos do seu tempo, a sua desencarnação, a continuida-de do Movimento, as lutas e a abnegação dos seus continuado-res, o Movimento Espírita brasileiro e a destinação do nossopaís como Pátria do Evangelho. O apêndice final traz uma sériede elucidações sobre vários pontos importantes.

A perfeita concatenação dos fatos, a forma como sãoapresentados num estilo claro e objetivo tornam a leitura dostrês volumes muito agradável, facilitando ao leitor a assimilaçãode um tão grande número de informações. A figura de Allan Kar-dec ressalta dessa magistral obra na grandiosidade de sua mis-são, o que sensibiliza e emociona a quem lê.

Com este alentado trabalho (...) "temos agora nova ecompleta visão do Codificador (...). Todos os espíritas devem teressa obra".

(Transcrito de "O Médium", de Juiz de Fora (MG),ano 49 — n2 486 — fevereiro de 1981.)

Page 225: O que é o Espiritismo

O QUE E O ESPIRITISMO

Allan Kardec

Obra sempre atual, útil aos adeptos da Doutrina Es-pírita, como também àqueles que desejam conhecer anatureza do Espiritismo e a definição de seus pontosfundamentais.

A lógica e o bom-senso de Allan Kardec aí se evi-denciam, desconcertando os negativistas e clareandoas indagações dos que acreditam e aspiram à vida su-perior.

Divide-se em 3 capítulos:

O primeiro, sob a forma de diálogos com um críti-co, um céptico e um padre, traz respostas àqueles quedesconhecem os princípios básicos da Doutrina, bemcomo apropriadas refutações aos seus contraditares.

O segundo capítulo, expõe partes da ciência práti-ca e experimental, caracterizando-se como um resu-mo de O Livro dos Médiuns.

No terceiro capítulo, é publicado o resumo de O Li-vro dos Espíritos, com a solução, apontada pela Dou-trina Espírita, de problemas de ordem psicológica,moral e filosófica.

Contém também a biografia de Allan Kardec, porHei.-í Snusse.