O QUE É PRA FAZEIÊ: ESTUDO DE MARCA LINGUÍSTICA EM … · 1 Doutora em Letras, Professora...

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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 2 Número 2 novembro 2012 1 O QUE É PRA FAZEIÊ: ESTUDO DE MARCA LINGUÍSTICA EM UMA COMUNIDADE FAXINAL Luciane Trennephol da Costa (UNICENTRO) 1 [email protected] Simone Guimarães (UNICENTRO) 2 [email protected] RESUMO: Neste estudo, investigamos o uso de uma variante fonética, a terminação [ie] em palavras invariáveis como advérbios e em formas verbais, em uma comunidade faxinal, chamada Faxinal dos Mineiros, do município de Teixeira Soares, interior do estado do Paraná. Um faxinal é um sistema agrosilvopastoril com áreas de uso coletivo. Inicialmente, recorremos à metodologia da Sociolinguística Variacionista (Labov,1972) em busca de fatores condicionantes para a produção da variante investigada. Em vista de nosso insucesso na coleta de dados através de entrevistas com relatos de experiências pessoais, direcionamos nossa pesquisa à Sociolinguística Interacional ( Ribeiro e Garcez, 2002) e analisamos a pronúncia da variante [ie] na interação entre falantes nativos da comunidade de Faxinal dos Mineiros com outros interlocutores em uma sala de aula. Os dados analisados constituem uma evidência do papel condicionante que a situação de interação social e os interlocutores podem exercer no uso linguístico. A pronúncia [ie] do falante nativo da Faxinal dos Mineiros parece estar ligada a interação face a face com a professora, considerada um interlocutor ratificado. A fala ratificada é endereçada a um ou mais interlocutores específicos dentre os participantes e, conforme Garcez e Ostermann (2002), constitui uma pista de contextualização que sinaliza para os interlocutores o status de ouvinte endereçado da fala que lhe está sendo dirigida. Palavras-chave: Variação Linguística, Sociolinguística Interacional, Variante Fonética. RESUMEN: En este estudio investigamos el uso de una variante fonética, la terminación [ie] en palabras invariables como adverbios y en formas verbales, en una comunidad faxinal, llamada Faxinal dos Mineiros, en el municipio de Teixeira Soares, interior del estado de Paraná. Uno faxinal es un sistema agrosilvopastoril con áreas de uso colectivo. Inicialmente, recorremos a la metodología de la Sociolingüistica Variacionista (Labov, 1972) en búsqueda de factores condicionantes para la producción de la variante investigada. En vista nuestra falta de suceso en la coleta de datos a través de entrevistas con relatos de experiencias personales, direccionamos nuestro estudio a la Sociolingüística Interaccional (Ribeiro e Garcez, 2002) y analizamos la pronuncia de la variante [ie] en la interacción entre hablantes nativos de la comunidad de Faxinal dos Mineiros con otros interlocutores en un salón de clase. Los datos analizados constituyen una evidencia del papel condicionante que la situación de interacción social y los interlocutores pueden ejercer en el uso lingüístico. La pronuncia [ie] del hablante nativo de Faxinal dos Mineiros parece estar ligada a la interacción frente a frente con la profesora, considerada un interlocutor ratificado. El habla ratificado es enderezado a uno o mas interlocutores específicos entre los participantes y, conforme Garcez y Ostermann (2002), constituye una pista de contextualización que señala para los interlocutores el status de oyente enderezado del habla que le está siendo dirigida. 1 Doutora em Letras, Professora Colaboradora na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) do Departamento de Letras do campus de Irati-Paraná. 2 Acadêmica do quarto ano do curso de Letras/Espanhol na Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO) campus de Irati-Paraná.

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O QUE É PRA FAZEIÊ: ESTUDO DE MARCA LINGUÍSTICA EM

UMA COMUNIDADE FAXINAL

Luciane Trennephol da Costa (UNICENTRO)

1

[email protected]

Simone Guimarães (UNICENTRO)2

[email protected]

RESUMO: Neste estudo, investigamos o uso de uma variante fonética, a terminação [ie] em palavras

invariáveis como advérbios e em formas verbais, em uma comunidade faxinal, chamada Faxinal dos

Mineiros, do município de Teixeira Soares, interior do estado do Paraná. Um faxinal é um sistema

agrosilvopastoril com áreas de uso coletivo. Inicialmente, recorremos à metodologia da Sociolinguística

Variacionista (Labov,1972) em busca de fatores condicionantes para a produção da variante investigada.

Em vista de nosso insucesso na coleta de dados através de entrevistas com relatos de experiências

pessoais, direcionamos nossa pesquisa à Sociolinguística Interacional ( Ribeiro e Garcez, 2002) e

analisamos a pronúncia da variante [ie] na interação entre falantes nativos da comunidade de Faxinal dos

Mineiros com outros interlocutores em uma sala de aula. Os dados analisados constituem uma evidência

do papel condicionante que a situação de interação social e os interlocutores podem exercer no uso

linguístico. A pronúncia [ie] do falante nativo da Faxinal dos Mineiros parece estar ligada a interação face

a face com a professora, considerada um interlocutor ratificado. A fala ratificada é endereçada a um ou

mais interlocutores específicos dentre os participantes e, conforme Garcez e Ostermann (2002), constitui

uma pista de contextualização que sinaliza para os interlocutores o status de ouvinte endereçado da fala

que lhe está sendo dirigida.

Palavras-chave: Variação Linguística, Sociolinguística Interacional, Variante Fonética.

RESUMEN: En este estudio investigamos el uso de una variante fonética, la terminación [ie] en palabras

invariables como adverbios y en formas verbales, en una comunidad faxinal, llamada Faxinal dos

Mineiros, en el municipio de Teixeira Soares, interior del estado de Paraná. Uno faxinal es un sistema

agrosilvopastoril con áreas de uso colectivo. Inicialmente, recorremos a la metodología de la

Sociolingüistica Variacionista (Labov, 1972) en búsqueda de factores condicionantes para la producción

de la variante investigada. En vista nuestra falta de suceso en la coleta de datos a través de entrevistas con

relatos de experiencias personales, direccionamos nuestro estudio a la Sociolingüística Interaccional

(Ribeiro e Garcez, 2002) y analizamos la pronuncia de la variante [ie] en la interacción entre hablantes

nativos de la comunidad de Faxinal dos Mineiros con otros interlocutores en un salón de clase. Los datos

analizados constituyen una evidencia del papel condicionante que la situación de interacción social y los

interlocutores pueden ejercer en el uso lingüístico. La pronuncia [ie] del hablante nativo de Faxinal dos

Mineiros parece estar ligada a la interacción frente a frente con la profesora, considerada un interlocutor

ratificado. El habla ratificado es enderezado a uno o mas interlocutores específicos entre los participantes

y, conforme Garcez y Ostermann (2002), constituye una pista de contextualización que señala para los

interlocutores el status de oyente enderezado del habla que le está siendo dirigida.

1 Doutora em Letras, Professora Colaboradora na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO)

do Departamento de Letras do campus de Irati-Paraná. 2 Acadêmica do quarto ano do curso de Letras/Espanhol na Universidade Estadual do Centro-Oeste

UNICENTRO) campus de Irati-Paraná.

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Palabras-clave: Variación Lingüística; Sociolingüística Interaccional; Variante Fonética.

1. INTRODUÇÃO

Em face da heterogeneidade natural da língua, pois sabemos que “Qualquer

língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variações. Pode-se afirmar

mesmo que nenhuma língua se apresenta como uma entidade homogênea” (Alkmim,

2007, p.33), este estudo tem por finalidade descrever e explicar uma variante de nível

fonético, produzida por falantes da comunidade rural de Faxinal dos Mineiros,

pertencente ao município de Teixeira Soares no Paraná.

O interesse por essa pesquisa surgiu devido a uma ocorrência presenciada em

sala de aula na qual uma criança moradora dessa comunidade pronunciou a palavra

“fazeiê” para a realização do verbo fazer no infinitivo, no seguinte enunciado:

“professora, como é que é pra fazeiê?”. Também devido a conversas com professores da

escola onde algumas crianças dessa localidade estudam e a percepção geral desses

professores de que tal traço linguístico é utilizado constantemente por falantes daquela

comunidade.

Desse modo, o objetivo de nossa pesquisa é analisar a realização de uma

variante linguística de nível fonético em falantes dessa comunidade rural. A variante

que observamos é a presença da terminação [ie] em algumas palavras, tais como:

“fazer” e “comer”, produzidas como [fazeie] e [komeie]3. A partir da análise dos dados

de fala coletados, procuramos determinar o contexto linguístico e as circunstâncias na

qual os falantes produzem essa variante, utilizando como base teórica pressupostos da

Sociolinguística Interacional segundo Ribeiro e Garcez (2002), Cavalcanti e Bortoni-

Ricardo (2007) e Loder e Jung (2008).

3 Neste texto, transcreveremos a transcrição ortográfica entre aspas e a transcrição fonética, de acordo

com o Alfabeto Fonético Internacional, versão 2005, entre colchetes.

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2. BREVE HISTÓRICO ACERCA DA COMUNIDADE

A comunidade onde se realizou esta pesquisa é chamada Faxinal dos Mineiros e

situa-se no interior do município de Teixeira Soares, no estado do Paraná. Não foi

possível buscar dados mais concretos acerca dessa localidade, uma vez que, segundo

funcionários da Prefeitura Municipal de Teixeira Soares, não há registros oficiais sobre

a mesma. Sendo assim, os dados relatados aqui são por conhecimento prévio sobre a

localidade e por convivência e conversas com os moradores que nos passaram algumas

informações.

Um faxinal é um sistema agrosilvopastoril de uso coletivo da terra encontrado na

região centro-sul do Paraná (Shuster e Sahr, 2009). Esse sistema é dividido em duas

partes separadas por cercas ou valos: as “terras de criar” de uso coletivo onde ficam as

casas e as criações de toda a comunidade e as “terras de plantar” onde ficam as áreas

particulares de casa morador para cultivo da terra. Faxinal dos Mineiros é uma

localidade que quase não possui recursos e benefícios para os moradores, já que não

possui atendimento médico, não tem escola, não possui lojas e mercados, somente uma

mercearia. O sustento maior dos moradores é a plantação de fumo, na qual a família

toda trabalha.

Há aproximadamente três anos atrás, havia uma pequena escola em Faxinal dos

Mineiros, no entanto, por ser multiseriada4 e devido à aposentadoria da única professora

formada dessa localidade, a escola foi desativada e por isso, atualmente, as crianças de

Faxinal dos Mineiros estudam na escola do Rio D’Areia de Cima para onde os

moradores também se deslocam para receber atendimento médico. Há alguns anos atrás,

havia atendimento médico em Faxinal dos Mineiros, porém, com a saída da escola há

três anos os atendimentos médico e dentário também acabaram. Assim, as crianças têm

que se deslocar até essa outra localidade para poder estudar e como a distância entre

uma localidade a outra é grande, aproximadamente 8 km, os alunos são levados de

4 Organização do ensino nas escolas em que o professor trabalha, na mesma sala de aula, com várias

séries simultaneamente. (Fonte: MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."Classes

multisseriadas" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo:

Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=71, visitado em

27/7/2012.)

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ônibus até a escola. Foi no ambiente da nova escola que se percebeu uma variante

linguística na fala dos alunos oriundos de Faxinal dos Mineiros, dando origem ao

interesse por esse estudo.

4. METODOLOGIA E ESTRATÉGIAS DE AÇÃO

Essa pesquisa, inicialmente, tratava-se de uma pesquisa quantitativa, em que

trabalharíamos com os pressupostos teórico-metodológicos da Socioliguística

Variacionista. Essa teoria, proposta e desenvolvida, principalmente, pelo americano

William Labov (1972), acredita ser possível sistematizar a variação inerente à fala. Na

interação linguística, pode haver várias formas de se falar a mesma coisa, a essas formas

diferentes de falar, dá-se o nome de variantes. As variantes são, portanto, diversas

maneiras de dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, sem perder o valor de

verdade (Tarallo, 1997, p.8). Para a ocorrência de uma variante, ou uma variação, ou

uma marcação linguística, podem ser atribuídos vários fatores condicionantes, sejam

eles linguísticos, devido a fatores estruturais da fala, ou extralinguísticos, externos ao

falante, como seu sexo, sua escolaridade, sua faixa etária e até mesmo o contexto de sua

fala podendo esta ser formal ou informal (Tarallo, 1997, p. 46). Tudo isso pode servir de

fator condicionante para a realização de uma variante linguística.

A variabilidade inerente a qualquer sistema linguístico e que pode desencadear

ou não uma mudança linguística pode ser diretamente observada de acordo com os

pressupostos da Sociolinguística Variacionista através de amostras de fala de uma

comunidade, na qual se analisam as possíveis pressões sociais e estruturais que atuam

no uso de determinada variável. A incorporação de fatores sociais como, por exemplo,

a etnia, a escolaridade e a faixa etária implica a asserção de que a mudança linguística

não ocorre no vácuo social: “The point of view of the present study is that one cannot

understand the development of a language change apart from the social life of the

community in which it occurs.” (Labov, 1972, p.3.).

Tais estudos empíricos, com dados reais de fala, permitem o método indutivo

que cria generalizações baseadas em fatos e espera-se que essas generalizações

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possibilitem, como já possibilitaram no curso do desenvolvimento dos trabalhos

sociolinguísticos, o entendimento e a sistematização da variabilidade e da mudança

linguística. Acreditando-se que forças similares devam produzir resultados similares,

através de configurações sociais e linguísticas, podemos prever movimentos de

mudança, mudança em progresso ou variação estável, pela comparação de pesquisas:

“The role of empirical reserch is to determine which configurations of social and

linguistic factors are similar.” (Labov, 2002, p.75).

Para colhermos uma amostra com dados de fala da variante analisada, a

pronúncia de [ie], fomos até a localidade de Faxinal dos Mineiros e selecionamos os

falantes de acordo com sexo, idade e escolaridade. Seguindo a metodologia

variacionista, realizamos entrevistas de narrativas pessoais em que os informantes foram

levados a relatar sua história de vida, falando sobre a comunidade e o tempo que

residiam ali, buscando a fala espontânea descuidada em que “o informante desvencilha-

se praticamente de qualquer preocupação com a forma” (Tarallo,1997, p. 22). Os

informantes também responderam a um questionário no qual informaram sua renda,

tempo que residiam na comunidade, sexo, idade e escolaridade, enfim informações que

pudessem desvendar alguma possível interferência de variável social na realização da

variante.

Com a metodologia da narrativa de experiências pessoais não se coletou a

variação desejada, pois nenhum falante pronunciou a marca linguística [ie] durante as

entrevistas sociolinguísticas. Assim, não foi possível testarmos nossa hipótese

impressionística de que a variante [ie] estaria ligada ao grau de escolaridade dos

falantes, de modo que se vai perdendo a marcação no período em que se entra na escola

e, com o “auxilio” do professor e através do convívio com outros falantes, a variante é

cada vez menos pronunciada, sendo provavelmente extinta.

Retornamos até a localidade com um método diferente, ao invés de entrevistas,

foi realizado um jogo com novos informantes. Vimos que no módulo da narração da

história de vida e relatos sobre a comunidade em si não houve a pronúncia da variante

pretendida, mas, conforme Tarallo (1997, p. 22), o sucesso da aplicação do módulo

pode variar de acordo com a comunidade de fala e cabe ao investigador usar de outras

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estratégias para lograr êxito. Assim, nesse novo módulo foi dito às pessoas que elas

participariam de um jogo mneumônico. Novamente nesta etapa, selecionamos seis

informantes masculinos e seis informantes femininos com escolaridade fundamental ou

ensino médio e idade até 15 anos, de 20 a 40 anos e acima de 40. No jogo, o informante

recebia um estímulo visual através de figuras impressas e deveria falar o nome do objeto

visualizado e qual a sua serventia. Assim, no jogo havia figuras em que possivelmente

os falantes pronunciariam a variante como, por exemplo, “flor” com o intuito de

pronúncia “cheraie”, “boneca” com o intuito de pronúncia “brincaie”, “colher” com o

intuito da pronúncia “comeie”. Foram utilizadas 14 figuras, que a pesquisadora

mostrava, uma a uma, de forma ligeira, ao participante. Para que o falante não

percebesse qual o propósito do jogo – realização da variante [ie] - incluímos alguns

distratores, palavras que não possuíam o contexto para realização de [ie] como, por

exemplo, livro, orelha, cama, etc. Como no módulo narrativa de experência pessoal, no

jogo mneumônico também não obtivemos sucesso na coleta dos dados.

Devido ao fato de os falantes nativos daquela localidade não pronunciarem a

variante esperada nos dois módulos de coleta de dados, decidimos mudar o foco da

pesquisa e ao invés de analisar a variante em si e as circunstâncias em que aparecia,

investigar o porquê de ela não haver sido pronunciada. Os informantes não produziram

a variante nas coletas, porém ela é sistematicamente realizada em contexto de sala de

aula pelas crianças conforme relatos de seus professores. Diante disso, partimos em

busca do referencial teórico da Sociolinguística Interacional, pois ao não conseguirmos

lograr êxito com os dois módulos anteriores suspeitamos que a não pronúncia da

variante poderia estar relacionada com a interação com a pesquisadora.

A observação da língua em relação com a sociedade tem sido feita por várias

áreas de estudo, entre elas a Sociolinguística em suas diversas abordagens. Segundo

Alkmim (2007, p.26), o objetivo do estudo sociolinguístico é estudar a língua (falada,

observada, descrita) e analisá-la em seu contexto social, no seu uso real no dia-a-dia.

Conforme Bortone (2007, p.139): “a língua funciona como um fator de identificação

social através de estruturas linguísticas que revelam os valores culturais, sociais e

históricos de uma comunidade específica.” Essa língua só pode ser analisada em seu

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meio de ação, a linguagem está como mediadora entre os homens, ela é como uma

“ponte” entre a comunicação humana, pois é a linguagem que proporciona a interação

entre as pessoas. Conforme Camacho (2007, p. 55) “a linguagem é a expressão mais

característica de um comportamento social”, sendo assim, não se pode separá-la das

funções sóciointeracionais.

A Sociolinguística Interacional trabalha com pesquisa qualitativa empírica e

interpretativa e propõe o estudo do uso da língua na interação social conforme Ribeiro e

Garcez (2002, p. 8). Para essa abordagem sociolinguística, a interação face a face é a

parte essencial para a explicação das identidades sociais, além disso, citando Hymes

(1989) e Goffman (2002), Jung e Garcez dizem que:

Trata-se de compreender que os participantes de uma dada interação não

somente comunicam palavras e constroem o sentido dessas mesmas palavras,

mas, sobretudo, agem enquanto negociam construções sociais de identidades.

Tanto as situações de interação como os papeis interacionais assumidos

durante uma dada interação são cruciais para a construção da identidade

social. (JUNG e GARCEZ, 2007, p. 98)

Na interação social é que se desenvolve a língua/fala de uma comunidade

linguística, é através da interação entre as pessoas, quando elas não se preocupam como

falam, mas sim o que falam, que se pode observar o uso real da fala. É a interação face a

face que a Sociolinguística Interacional elege como o lugar central para a análise

linguística conforme Villaça (2009, p.95): “ Pode-se afirmar, então, como sugere o

próprio nome, que a SI se apoia na interação (relação) entre os participantes de uma

dada situação e não apenas no aspecto puramente linguístico”

Sustentadas pelo aporte teórico da Sociolinguística Interacional e focando na

situação de interação do uso linguístico, no evento de interação entre alunos e

professores na sala de aula, acreditamos que poderia ocorrer a pronúncia da variante

pretendida. Assim, foi nesse contexto, interação falante nativo-professor, que

continuamos nossa pesquisa, observando a interação entre os falantes e a professora

como um membro familiar de interlocução e não a interação entre os alunos e a

pesquisadora como um membro estranho. Nesta etapa, a pesquisadora ficaria na sala de

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aula, como uma ajudante da professora, apenas observando o contexto situacional de

interação na sala de aula.

Retornamos até a escola do Rio D’Areia de Cima, em que estudam as crianças

que moram na localidade de Faxinal dos Mineiros. A coleta foi realizada através de

gravações, sem conhecimento e identificação dos alunos, por um período de 30 minutos

(em cada sala) durante a aula, com a presença da professora regente como se a

estivéssemos ajudando. Nossa hipótese era que através da interação entre as crianças

nativas de Faxinal dos Mineiros, em sala de aula, com o outro nativo e/ou professora

fosse pronunciada a marcação [ie]. Com essa metodologia, conseguimos colher alguns

dados da variante que seguem detalhados na próxima seção.

5. ANÁLISE DOS DADOS

Como já referido, esta pesquisa iniciou-se com um cunho variacionista, porém,

ao nos depararmos com a complexidade do uso linguístico e com o não êxito dos

métodos iniciais, optamos por enveredar por outros caminhos, especificamente o da

Sociolinguística Interacional. Teoria na qual, como detalhamos na seção anterior, o foco

é a interação entre os falantes considerada como o canal pelo qual a fala é produzida e

conforme Beline, “tendemos a falar como aquelas pessoas com quem mais falamos”

(2005, p. 129, grifo no original).

Adotando a interação como ponto de partida, adentramos no contexto das salas

de aula onde estudam alguns falantes moradores de Faxinal dos Mineiros e que,

acreditávamos, pronunciassem a variante [ie]. Observamos, primeiramente, uma sala de

2º ano de ensino fundamental, onde um aluno do sexo masculino, com idade

aproximada de 7 anos, em interação com a professora, pronunciou a marcação [ie] no

seguinte enunciado: “profe é pra copiá quiê” [pɾofɪ ɛ pɾa kopiá kie] conforme

transcrevemos no trecho abaixo5

5 Seguimos aqui o Modelo Jefferson de transcrição ( LODER, 2008), acrescentando informações que

julgamos utéis para facilitar a compreensão da transcrição de fala por um leitor não especializado.

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Trecho 1 (4:48 a 5:14 minutos de gravação)

01 Falante 1

(pesquisadora)

... não, aquimbaxo

02 [ ruído, alunos falando ao mesmo tempo]

03 não é quimbaxo?

04 [ruído, alunos falando ao mesmo tempo]

05 O que a prssora mandô fazê? não sei. O que a prssora

mandô fazê?

06 Aluno 2 (ao fundo) ssora, vem qui.

07 [ruído, alunos falando ao mesmo tempo]

08 Aluno 3 Profe é pra copiá quiê?

09 Professora Vamo: que ce tá esperando Emanuel?

10 [ruído, alunos falando ao mesmo tempo]

11 (pausa 4s)

12 Aluno 2 Prssora vem qui

Notamos que a variante é proferida no final do enunciado no momento de

entonação da voz do falante para sua interlocutora - a professora – poder ouvir sua

pronúncia. Nota-se, também, que a variante [ie] é utilizada como uma prolongação do

advérbio [aki] o que ocasiona uma maior entonação na sua fala. Esse falante também

proferiu o seguinte enunciado: “profe já termineiê” [pɾofɪ ʒa teɾmineie]. Como no

enunciado anterior, a variante aparece na interação com a professora no final do

enunciado, dando ênfase na entonação do final da frase. A variante surge, também,

como um prolongamento da forma verbar “terminar” conforme o trecho 2 abaixo.

Trecho 2 (9:45 a 10:29 minutos de gravação)

01 Falante 1

(pesquisadora)

[Que quié pra fazeí será?]

02 [muito ruído/barulho na sala de aula, todos falando ao

mesmo tempo]

03 [XXX não se entende a pronúncia de ninguém]

Pausa 9s

04 Aluno 2 [Profe já termineiê ]

05 [muito ruído/barulho na sala de aula, todos falando ao

mesmo tempo]

06 [XXX não se entende a pronúncia de ninguém]

07 Aluno 3 Dezoito

08 Aluno 4 Dezesseis

09 Aluno 5 Vinte

10 (barulho, muitos falando ao mesmo tempo)

11 Aluno 1 Dezoito e uma

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Posteriormente, fomos para uma turma de 1º ano do ensino fundamental, onde

não obtivemos êxito com as gravações. Assim como na turma do 5º ano do ensino

fundamental, onde houve a interação com os colegas e com a professora, mas as

crianças nativas do Faxinal dos Mineiros não pronunciaram a variante [ie]. Após essas

turmas, encaminhamo-nos para a turma do pré-escolar, onde também há várias crianças

nativas daquela comunidade com faixa etária aproximada de 5 anos. Nessa turma uma

criança nativa da comunidade do sexo feminino pronunciou a variante desejada na

seguinte frase: “professora já termineie” [ pɾofesoɾa ʒa teɾmineie]. Nesse caso, a

falante proferiu a variante numa situação de repetência, primeiramente, ela proferiu a

forma verbal usual para o pretérito perfeito no modo indicativo: “ professora já

terminei”. Ao perceber que sua interlocutora, a professora, não tinha dado resposta a

sua pronúncia, a falante, para dar mais ênfase no seu enunciado e atrair sua interlocutora

para a conversação proferiu a variante no final do enunciado como um prolongamento

do verbo [terminar] como podemos observar na transcrição do trecho 3.

Trecho 3 (17:25 a 17:47 minutos de gravação)

01 Aluno 1 [Eu já tô terminandu]

02 Aluno 2 [anãã ]

03 Professora ó porque que não impresta, custa mu:ito

04 (pausa)

05 Aluno 3 eu não tenho

06 Professora Ahã

07 Aluno 4 Nem eu

08 Aluno 5 a a jalne te:im

09 (barulho ao fundo)

10 Aluno 6 Prussora já terminei

11 Aluno 5 Mais a jalni mimpresta

12 Aluno 6 Professora já termineiê

13 Aluno 7 Ó prossora , ó

14 (pausa, com barulho ao fundo)

15 Professora Eu já tô dando serviço pra voceis , não se preocupem

Uma das possíveis estratégias do falante ao não ser ouvido, é a alteração da

prosódia através de ênfase na entonação da voz, para atrair o seu interlocutor (Gumperz,

2002, p.172). No caso, os dois falantes, para poderem ser ouvidos, usaram a variante

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como um prolongamento do advérbio “aqui” e do verbo “terminar” para dar ênfase a

sua fala e atingir o seu objetivo de interagir com a professora. Apesar do pouco tempo

de observação em cada aula, em média trinta minutos, conseguimos colher dados da

variante estudada ao nos colocarmos no papel de mero observadores da interação social

entre falantes nativos da comunidade de Faxinal dos Mineiros e a professora,

considerada um interlocutor familiar a eles.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O percurso da nossa pesquisa contribui para demonstrar que a variação, ou o

caos linguístico, sempre tem uma explicação, algo que o motiva, seja um fator

estrutural, social e/ou interacional. A variante estudada foi presenciada no momento da

interação entre os alunos e a professora, que é um interlocutor que não faz parte do

contexto linguístico da comunidade, mas, por estar continuamente presente no contexto

escolar dos falantes acaba se tornando “familiar” aos mesmos, acarretando uma maior

familiaridade na interação mútua e possibilitando a pronúncia da variante. O que não

aconteceu na interação social entre os informantes e a pesquisadora como um membro

estranho à comunidade.

A interação entre os falantes nativos de Faxinal dos Mineiros com a professora

foi o ponto fulcral de nossa pesquisa, pois na interação face a face entre o falante-aluno-

nativo e a interlocutora-familiarizada-professora acorreu a pronúncia da variante [ie] no

contexto linguístico de familiaridade com a mesma.

A Sociolinguística Interacional propõe o estudo do uso da língua na interação

social, assim podemos entender a ocorrência da variante [ie] através de seus postulados,

pois segundo Goffman (2002, p. 19) “a fala é socialmente organizada, não apenas em

termos de quem fala para quem em que língua, mas também como um pequeno sistema

de ações face a face que são mutuamente ratificadas e ritualmente governadas, em

suma, um encontro social”. Partindo da interação para a interpretação que se dá através

da conversa, podemos dizer que a interpretação se dá através de “implicaturas

conversacionais baseadas em expectativas convencionalizadas de coocorrência entre

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conteúdo e estilo de superfície.” (Gumperz, 2002, p. 153). Isso quer dizer que é através

de traços presentes na estrutura da fala que o falante sinaliza e o interlocutor interpreta a

mensagem que está sendo produzida. Esses traços são chamados pistas de

contextualização (grifo no original), que, conforme Bortone, devem ser percebidas

pelos interlocutores, pois se não percebidas, podem tornar o discurso opaco,

“danificando, assim, a compreensão dos sentidos do discurso e resultando em

divergências de sentido.”(2007, p. 137). Assim, segundo Gumperz:

Tais pistas podem aparecer sob várias manifestações linguísticas,

dependendo do repertório linguístico, historicamente determinado, de cada

participante. Os processos relacionados às mudanças de código, dialeto e

estilo, [...] bem como as possibilidades de escolha entre opções lexicais e

sintáticas, expressões pré-formuladas, aberturas e fechamentos

conversacionais, e estratégias de sequenciamento podem, todos, ter funções

semelhantes de contextualizações. (GUMPERZ, 2002, p. 152).

Numa conversa entre indivíduos num mesmo contexto linguístico, os

interlocutores se baseiam numa gama de conhecimentos e estereótipos relacionados à

diversas maneiras de fala, segundo Gumperz, isso se faz através da diversidade

linguística que funciona como “um recurso comunicativo nas interações verbais do dia-

a-dia.” (2002, p. 150). Sendo assim, “faz-se necessário que os interlocutores

compartilhem conhecimentos para que haja sucesso na interação entre ambos.”

(Bortone, 2007, p. 135). Os falantes podem se referir a eventos, intenções e possíveis

previsões do que poderia vir a seguir numa conversação, ou seja, o que seria a próxima

pronúncia do interlocutor, ou qual seria seu próximo interlocutor. Segundo Loder,

Salimen e Müller (2008, p. 40), os falantes seguem uma sequência na fala/conversa que

“refere-se ao fato de que as ações constituídas pelo uso da linguagem em interação

social são organizadas em seqüencias de elocuções produzidas por diferentes

participantes.”, esses participantes (ou falantes) ao produzirem uma elocução não a

fazem de maneira desordenada, mas, sempre levando em consideração o que o seu

interlocutor proferiu anteriormente.

Além da familiaridade da professora, como um interlocutor do seu dia-a-dia, há

que se considerar o seu papel de destaque na interlocução em sala de aula. Conforme

Philips (2002, p. 28) citando Goffman (1974, 565), o interlocutor, poderá ser um

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interlocutor não-ratificado, o qual o falante não lhe dirige diretamente a palavra; e o

interlocutor ratificado, que é aquele ao qual o falante dirige sua fala, podendo ser

identificado por expressão corporal/visual, ou até ser chamado pelo nome diretamente.

Dessa forma a ocorrência da pronúncia [ie] do falante nativo parece estar ligada a

interação face a face com a professora, considerada um interlocutor ratificado. A fala

ratificada é endereçada a um ou mais interlocutores específicos dentre os participantes

e, conforme Garcez e Ostermann (2002), constitui uma pista de contextualização que

sinaliza para os interlocutores o status de ouvinte endereçado da fala que lhe está sendo

dirigida.

Apesar dos limites do nosso trabalho, que necessitaria de mais horas de

observação e consequentemente de mais dados para uma maior robustez, essa pesquisa

constitui uma evidência de que pode haver grandes diferenças entre os interlocutores e

seus contextos de conversação podem ser vários. O que cabe ressaltar é que a interação

é o grande mote no qual se pode realizar a conversação, é somente através da interação

entre as pessoas que se propaga uma língua. Acreditamos ter cumprido nosso objetivo

de elucidar o contexto linguístico e as circunstâncias de uso da variante [ie] na

comunidade de Faxinal dos Mineiros ao observarmos que ela ocorreu em formas

verbais e em advérbios e na situação social de interação com a professora na sala de

aula.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido Para Publicação em 30 de outubro de 2012.

Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2012.