O regime jurídico da magistratura e a Emenda ... · Estão afastadas, assim, como fonte normativa...

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1 Artigos e Resumos Sábado, 02 de Fevereiro de 2008 11h48 NAGIB SLAIBI FILHO: Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Conferencista na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, onde coordena a área de Direito Constitucional. Professor Titular da Universidade Salgado de Oliveira - Universo. Membro honorário do Instituto de Advogados Brasileiros. Livre-docente em Direito do Estado, pela Universidade Gama Filho. Especialista em Metodologia do Ensino Superior em nível de pós-graduação lato sensu. Membro Benemérito da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Autor de vários livros jurídicos. Home page: www.nagib.net. O regime jurídico da magistratura e a Emenda Constitucional nº 45/04 » Nagib Slaibi Filho 1. Conceito Magistrado é o juiz, ou seja, a pessoa a quem a ordem jurídica comete o poder e o dever de julgar os conflitos de interesses individuais e sociais. A expressão não tem somente significado jurídico: Deriva-se o vocábulo do latim magistratus, de magister, da raiz mag, formadora de magnum (grande). E, assim, literalmente, quer significar uma função de mando ou designar aquele que a exerce, qui magis potest, isto é, que manda, que ordena, que dirige. Entre os romanos, era o magister. E designava toda pessoa que fosse investida numa dignidade, num cargo ou num ofício do governo ou da administração, para ali ser o condutor, o chefe, o maioral, o superintendente, ou o administrador. (...) Em amplo sentido, pois, magistrado, de magister, é indicativo da pessoa que, investida de autoridade, que se exerce nos limites de uma jurisdição, tem poder para julgar e para mandar, tomando parte na administração política ou fazendo parte do governo político do Estado. Em sentido estrito, é o vocábulo tecnicamente empregado para designar o juiz, ou seja, a autoridade judiciária, a que se comete o poder de julgar as questões jurídicas. (...) É o julgador, pela aplicação da lei aos casos controvertidos submetidos à sua decisão, não importando que pertença aos órgãos judicantes coletivos, ou faça parte de órgãos judicantes singulares. É o administrador da justiça, para fazer valer a vontade da lei.

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Artigos e Resumos

Sábado, 02 de Fevereiro de 2008 11h48

NAGIB SLAIBI FILHO: Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro. Conferencista na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, onde coordena a área de Direito Constitucional. Professor Titular da Universidade

Salgado de Oliveira - Universo. Membro honorário do Instituto de Advogados

Brasileiros. Livre-docente em Direito do Estado, pela Universidade Gama Filho.

Especialista em Metodologia do Ensino Superior em nível de pós-graduação lato sensu. Membro Benemérito da Academia Brasileira de Direito Processual Civil.

Autor de vários livros jurídicos. Home page: www.nagib.net.

O regime jurídico da magistratura e a Emenda Constitucional nº 45/04

» Nagib Slaibi Filho

1. Conceito

Magistrado é o juiz, ou seja, a pessoa a quem a ordem jurídica comete o poder e o dever de

julgar os conflitos de interesses individuais e sociais.

A expressão não tem somente significado jurídico:

Deriva-se o vocábulo do latim magistratus, de magister, da raiz mag, formadora de magnum

(grande).

E, assim, literalmente, quer significar uma função de mando ou designar aquele que a exerce,

qui magis potest, isto é, que manda, que ordena, que dirige.

Entre os romanos, era o magister. E designava toda pessoa que fosse investida numa dignidade,

num cargo ou num ofício do governo ou da administração, para ali ser o condutor, o chefe, o

maioral, o superintendente, ou o administrador.

(...)

Em amplo sentido, pois, magistrado, de magister, é indicativo da pessoa que, investida de

autoridade, que se exerce nos limites de uma jurisdição, tem poder para julgar e para mandar, tomando parte na administração política ou fazendo parte do governo político do Estado. Em

sentido estrito, é o vocábulo tecnicamente empregado para designar o juiz, ou seja, a

autoridade judiciária, a que se comete o poder de julgar as questões jurídicas.

(...)

É o julgador, pela aplicação da lei aos casos controvertidos submetidos à sua decisão, não

importando que pertença aos órgãos judicantes coletivos, ou faça parte de órgãos judicantes

singulares.

É o administrador da justiça, para fazer valer a vontade da lei.

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Nesta razão é que CÍCERO dizia: "Magistratus est lex loquens; lex autem est mutus

magistratus" (O magistrado é a lei, que fala; a lei é o magistrado, quando não fala).

Geralmente os juízes que se dizem magistrados são os juízes togados. E, assim, a designação

atinge os juízes de direito, os desembargadores e ministros dos tribunais...

Já a expressão regime jurídico designa o conjunto de normas que incidem sobre determinado aspecto da personalidade física ou jurídica, nos diversos papéis sociais de sua atuação,

compreendendo desde as normas de origem constitucional até as disposições normativas

infraconstitucionais, até mesmo privadas, que regulam determinada situação de pessoa ou de

grupos sociais... Neste sentido, é que são usadas as expressões regime jurídico do casamento, do

empregado, do parlamentar etc.

A referência ao regime jurídico da magistratura compreende, assim, o status de magistrado,

decorrente de todas as normas que, direta ou indiretamente, incidam sobre a regulação da

conduta ou decorram da situação jurídica do ocupante de cargo da magistratura.

A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, publicada no dia 31 do mesmo mês, não se referiu à expressão regime jurídico da magistratura, mas, no § 4º do novo art. 103-B, ao

dispor sobre a competência do Conselho Nacional de Justiça, disse que a este compete o

controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos

deveres funcionais dos juízes, expressão de onde se extrai a atribuição de regular determinados

aspectos da magistratura.

Note-se que a expressão constitucional ali está como se pretendesse que apenas pudessem ser

considerados os deveres, sem os correspectivos direitos, assim se desprezando o fundamental

princípio jurídico da alteridade, também denominado de lateralidade, pois o Direito somente

pode ser percebido se existente uma relação social por ele regulada.

Aliás, no inciso I do mesmo § 4º, está dito que se insere na competência do mesmo Conselho

Nacional zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da

Magistratura, e certamente ninguém vai dizer que ao Alto Colégio Administrativo do Poder

Judiciário Nacional incumbirá somente zelar pelo cumprimento dos deveres judiciais previstos no Estatuto e nunca pelos correspectivos e necessários direitos que certamente garantirão a

função daqueles que têm o dever de julgar...

2. Fontes normativas do regime jurídico da magistratura

As fontes normativas do regime jurídico da magistratura vão estar, após a EC nº 45/04, nas

normas decorrentes da Constituição da República, inclusive nas respectivas emendas, no Estatuto da Magistratura a ser editado em cumprimento ao disposto no art. 93, caput, da

Constituição, e nos atos normativos, todos de nível administrativo, a serem baixados pelo

Conselho Nacional de Justiça, no exercício das funções que lhe forem atribuídas pela Lei Maior

e pelo futuro e já referido Estatuto da Magistratura, como está no art. 103-B, da Constituição.

Ainda não está em vigor o Estatuto da Magistratura, referido no caput do art. 93 da Constituição, mesmo porque sequer votado pelo Congresso Nacional o projeto que poucos anos

depois da vigência da Constituição de 1988 lhe foi remetido pelo Supremo Tribunal Federal.

Contudo, sem qualquer controvérsia de monta, com a nova ordem constitucional, foram

admitidas como de aplicabilidade imediata as normas decorrentes do disposto nos diversos incisos do art. 93, bem como as normas que se mostrem compatíveis com a Lei Maior,

decorrentes dos diversos dispositivos, atinentes à espécie, da Lei Orgânica da Magistratura

Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, com as alterações posteriores).

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Também o Conselho Nacional de Justiça, através de suas resoluções e de seus precedentes, deve

ser considerado como poderosa fonte normativa do regime jurídico da magistratura, ainda que

não tenha sido editado o Estatuto da Magistratura, pois a Emenda Constitucional nº 45/04 se preveniu das intempéries políticas que certamente antecederão a sua regulamentação, e

concedeu, desde logo, caráter de auto-aplicabilidade às normas do art. 103-B que o instituem.

Os amplos termos constantes do disposto no art. 103-B quanto ao poder do CNJ de dispor sobre

o regime jurídico da magistratura, com específica referência ao cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (§ 4º), e o de zelar... pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura (§ 4º,

II), com poderes normativos de regulamentação e explicitação dos direitos, deveres e

prerrogativas não só da magistratura mas da atuação administrativa e financeira do Poder

Judiciário, colocam o Alto Colégio Administrativo do Poder Judiciário (e o similar Conselho Nacional do Ministério Público, na sua área específica) como importante e densa fonte

normativa, emitindo atos que alcançarão não só os magistrados mas todos aqueles que com eles

se relacionarem, até mesmo, em certos casos, advogados e jurisdicionados.

Evidentemente, não poderá o Conselho dispor sobre normas processuais ou normas de organização judiciária federal ou estadual, porque tais normas constituem reserva constitucional

da lei votada pelos corpos legislativos. Contudo, em tema de Justiça e magistratura, há questões

que estão na zona fronteiriça entre Administrativa Judiciária e normas processuais; por

exemplo, como seria a urgente resolução do Conselho dispondo sobre a proibição constitucional das férias coletivas, como também a fluência dos prazos processuais que continuarão a correr

para os advogados até mesmo no período natalino.

Estão afastadas, assim, como fonte normativa do regime da magistratura, a lei ordinária federal

ou estadual, e até mesmo os regimentos internos de tribunais. Desde a edição da LOMAN, em 1979, inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal repeliram as leis ordinárias federais e

estaduais e atos administrativos normativos dos demais Poderes como fonte normativa do

regime jurídico da magistratura.

2.1. O remanescente conteúdo normativo da LOMAN

O conteúdo original da vigente LOMAN é bem mais amplo do que compreenderá o futuro

Estatuto da Magistratura, pois na redação original dispunha sobre os órgãos do Poder Judiciário, inclusive os extintos Tribunal Federal de Recursos e o Conselho Nacional da Magistratura (que,

aliás, nenhuma relevância teve), o regime jurídico da magistratura, a competência e o

funcionamento dos tribunais e a organização judiciária dos Estados.

Como primeiro instrumento jurídico de "nacionalização" do Poder Judiciário e da magistratura no período republicano, a despeito de ser acoimada de ‘Código Penal da Magistratura’, a Lei

Orgânica da Magistratura Nacional representou fonte normativa de superlativa importância, até

mesmo chegando ao surpreendente estágio de seus preceitos ou regras passarem a valer como

princípios.

Nesse aspecto, como exemplo, basta se ver o disposto no art. 102, regulando o processo de eleição dos órgãos diretivos no Tribunal de Justiça, que acabou sendo adotado pelo Supremo

Tribunal Federal como princípio geral a regular, até mesmo, as eleições em outros tribunais.

Assim:

Mandado de segurança em que se impugna eleição para a Mesa Diretora de Tribunal Regional do Trabalho. Competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, n, da CF). Rejeitada pelo

relator a consideração da possibilidade de atuação da própria Corte de origem. Irresignação

manifestada por meio de agravo regimental. Despacho mantido ante a verificação de que

somente se encontram impedidos, para julgamento do mandado de segurança, os juízes mais

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antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção a serem preenchidos (04), entre

os quais figura o impetrante, mais aqueles cuja eleição se impugna (04), restando 21 juízes

para o julgamento. Agravo desprovido. (ACO 177-RJ, Agravo regimental na ação cível

originária, Ministro Ilmar Galvão, julgado em 21 de outubro de 1993).

Enquanto não vier o Estatuto da Magistratura, a LOMAN é a fonte normativa complementar da

Constituição quanto ao regime jurídico da magistratura, suplementando, ademais, o atual texto

constitucional nos pontos por ela não previstos e limitando o poder normativo do Conselho

Nacional de Justiça, que não pode revogar ou vulnerar lei complementar.

3. Unicidade da jurisdição e nacionalização do Poder Judiciário e da magistratura

A função jurisdicional do Estado é uma, tendo como órgão de cúpula o Supremo Tribunal Federal, que pode conhecer de quaisquer causas que digam respeito à Constituição, bem como

as causas referidas em diversos incisos do art. 102, como, por exemplo, as causas que digam

respeito ao interesse da magistratura, previstas no inciso I, alínea n, assim como a reclamação como instrumento de garantir a validade e eficácia de suas decisões e de sua competência,

prevista na alínea l do mesmo inciso.

A unidade da função jurisdicional do Estado implica, assim, a unicidade da magistratura e a

conseqüente nacionalização da função jurisdicional que, diversamente das outras funções

exercidas pelos Poderes Legislativo e Executivo, não se partilha pelo denominado Pacto Federativo, em duas Justiças, a federal e a estadual, salvo na competência funcional dada pela

própria Constituição a cada ramo comum ou especializado.

Daí a orientação da Suprema Corte no sentido de se haurir as normas reguladoras da

magistratura da Constituição e da lei que regular o seu estatuto:

Mandado de segurança. Juiz. Exclusão da contagem em dobro, para a aposentadoria, de licença-prêmio. - O Pleno desta Corte, ao julgar a ação originária 155, de que foi relator o

eminente Ministro Octávio Gallotti, concluiu que A Lei Orgânica da

Magistratura (Lei Complementar nº 35/79), que, no ponto, foi recebida pela Constituição de

1988 e que é insusceptível de modificação por meio de legislação estadual de qualquer

hierarquia e de lei ordinária federal, estabeleceu um

regime taxativo de direitos e vantagens dos magistrados, no qual não se inclui o direito à licença-prêmio ou especial, razão por que não se aplicam aos magistrados as normas que

confiram esse mesmo direito aos servidores públicos em geral. Nesse mesmo julgamento, foram

trazidos à colação precedentes deste Tribunal (o RMS 21.410 e o RE 100.584, dos quais foi relator o ilustre Ministro Néri da Silveira), no último dos quais se salientou que não há quebra

de isonomia por não se aplicarem aos juízes os mesmos direitos concedidos aos servidores

públicos,uma vez que, por força da Constituição, têm um estatuto próprio onde se disciplinam

seus direitos e vantagens. Mandado de segurança indeferido. (STF, Pleno, MS 23557 – DF,

Relator o Ministro Moreira Alves, julgado em 1º de março de 2001).

Em 13 de abril de 2005, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade posta pela

Associação dos Magistrados Brasileiros em face dos dispositivos da Emenda Constitucional que

instituíram o Conselho Nacional da Justiça (ADIn 3367), destacou o Ministro Cezar Peluso em

seu voto vencedor:

A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em

Justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos

órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de competências pela malha

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de órgãos especializados, que, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições

jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder. Nesse sentido fala-se em

Justiça Federal e Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Trabalhista, Eleitoral

etc., sem que com essa nomenclatura ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos.

Na verdade, desde JOÃO MENDES JÚNIOR, cuja opinião foi recordada por CASTRO NUNES,

sabe-se que: O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de unidade

e totalidade da força, que são as notas características da idéia de soberania. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos Estados, aplica leis

nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual,

é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando

ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior

instância.

Desenvolvendo a idéia, asseveram ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA

PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

"O Poder Judiciário é uno, assim como una é a sua função precípua – a jurisdição – por

apresentar sempre o mesmo conteúdo e a mesma finalidade. Por outro lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judiciário deve coincidir em princípio com os limites espaciais da

competência deste, em obediência ao princípio una lex, una jurisdictio. Daí decorre a unidade

funcional do Poder Judiciário.

É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o Poder Judiciário não é federal nem

estadual, mas nacional. É um único e mesmo poder que se positiva através de vários órgãos

estatais – estes, sim, federais e estaduais.

(...) fala a Constituição das diversas Justiças, através das quais se exercerá a função

jurisdicional. A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual: como expressão do

poder estatal, que é uno, ela é eminentemente nacional e não comporta divisões. No entanto, para a divisão racional do trabalho é conveniente que se instituam organismos distintos,

outorgando-se a cada um deles um setor da grande ‘massa de causas’ que precisam ser

processadas no País. Atende-se, para essa distribuição de competência, a critérios de diversas

ordens: às vezes, é a natureza da relação jurídica material controvertida que irá determinar a atribuição de dados processos a dada Justiça; outras, é a qualidade das pessoas figurantes

como partes; mas é invariavelmente o interesse público que inspira tudo isso (o Estado faz a

divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional)".

Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário tratamento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República. Uma única lei nacional, um único

estatuto, rege todos os membros da magistratura, independentemente da qualidade e

denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar nº 35, de 14.03.1979;

art. 93, caput, da CF). A todos aplicam-se as mesmas garantias e restrições, concebidas em defesa da independência e da imparcialidade. Códigos nacionais disciplinam o método de

exercício da atividade jurisdicional, em substituição aos códigos de processo estaduais. Por

força do sistema recursal, uma mesma causa pode tramitar da mais longínqua comarca do interior do País, até os tribunais de superposição, passando por órgãos judiciários das várias

unidades federadas. E, para não alargar a enumeração de coisas tão conhecidas, relembre-se

que a União retém a competência privativa para legislar sobre direito processual (art. 22, inc.

I).

Como se verá adiante, percebe-se que o regime jurídico da magistratura decorreu, desde os tempos da Colônia, de um esforço centrípeto, indo da periferia para o centro, em processo que

corresponde ao caminho adotado pelas políticas de integração nacional desde a transmigração

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da família real para o País, em 1808, e que permitiram a unidade como fundamento da História

da nacionalidade.

A contradição entre os valores da diversidade regional e os da unidade nacional não impediu,

antes conduziu, à unicidade do Poder Judiciário e da magistratura brasileira, sem que se possam ignorar as características regionais e até mesmo individuais. Nesse sentido, ao comentar sobre o

federalismo, a notável mestra Rosah Russomano:

... o federalismo, em verdade, estendeu-se pelo mundo contemporâneo, sendo contemplado por

vários Estados, que o reconheceram expressamente através de uma forma estatal que poderia

harmonizar a diversidade regional com a unidade nacional. Mais do que isto, porém, a presença do princípio federativo no Estado hodierno encontra suas raízes profundas nas

diversidades que caracterizam a existência dos grupos sociais, bem como os seus anseios de

unidade. Por isto, Vedel acentua: ‘‘Ces problèmes sont inscrits au coeur même de la nature e de l’hommme, également avides d’unité e de diversité, d’efficacité e de liberté... Il serai

étonnant, pourtant, que nos societés demeurent étrangéres à une idée qui n’est si présent dans

les esprits que parce que les hommes em ont besoin dans leur viés".

A tensão entre as forças do centro e as forças da periferia é, assim, natural e não deve ser desprezada ou combatida, mas levada em consideração quer na previsão cerebrina da lei e dos

administradores, quer na aplicação prática diuturna.

O esforço centrípeto de integração da magistratura, no entanto, acaba de chegar a um estágio

que somente admitirá novo patamar quando se resolver sobre a questão salarial.

É que a Constituição, no seu art. 93, V, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda

Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, instituiu um escalonamento de subsídios no Poder Judiciário nacional que tem como teto o subsídio mensal fixado para o Ministro do Supremo

Tribunal Federal, reduzindo 10% para os Ministros dos Tribunais Superiores, e destes fixando-

se a remuneração dos demais magistrados federais e estaduais, por lei federal e estadual, sem

que a diferença entre as entrâncias possa ser superior a 10% e inferior a 5%.

Ocorre que alguns governos estaduais alegam que não têm condições de remunerar melhor a magistratura em decorrência de dificuldades financeiras, agravadas, não raras vezes, pela

vinculação de remuneração de muitas carreiras administrativas à magistratura, em relação

estipendial que se mostra extremamente corrosiva e injusta, porque não correspondem a qualquer isonomia de funções, deveres e encargos, mesmo porque elas não sofrem as mesmas

limitações que recaem sobre os juízes.

A Constituição, no seu art. 37, XIII, veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies

remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, e o inciso XI, do mesmo artigo, longamente dispõe que a remuneração e o subsídio de ocupantes de cargos,

funções e empregos públicos, inclusive eletivos, bem como os proventos e as pensões,

percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra

natureza, não poderão exceder, no nível federal, ao subsídio do Ministro do Supremo Tribunal

Federal, no nível estadual ao subsídio do Desembargador, e no nível municipal ao do Prefeito.

Enfim, a integração nacional do Poder Judiciário e da magistratura está hoje em um estágio bem

superior àquele existente nos primórdios da Independência política, mas ainda muito longe de se

chegar à compreensão do aparelhamento judiciário como instrumento de realização do Estado

Democrático de Direito prometido pela Constituição.

4. Histórico

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Não foi cerebrina a longa e penosa construção do regime jurídico da magistratura no Brasil, pois

os direitos e os deveres dos juízes não surgiram de concessões benévolas dos governantes nem

de aprovações unânimes dos corpos legislativos, nem, muito menos, resultaram de suspeitas

conquistas corporativas.

Ex facto oritur ius. Também neste tema, do fato surgiu o Direito.

O regime jurídico da magistratura nem mesmo se pode dizer hoje como já construído, perfeito e

acabado, porque constitui não um ponto de chegada, mas um processo que tem como elemento

galvanizador a consciência coletiva e individual sobre os direitos da pessoa humana e a

percepção de toda a sociedade sobre a garantia dos cidadãos.

A compreensão desse processo de construção passa, necessariamente, pela percepção inafastável de que no Brasil o Judiciário é um dos Poderes do Estado, que os juízes são agentes

políticos (ou membros de Poder, como diz a Emenda Constitucional nº 19/98) e têm o

intransferível dever de conhecer e decidir com independência e coragem sobre as reclamações de qualquer cidadão, independentemente de sua condição política, social ou econômica, pela

lesão efetiva ou potencial de seus direitos em face de quem quer que seja, mesmo arrostando as

conseqüências da resistência a um dos Poderes Políticos ou a poderosas forças econômicas e

sociais.

A garantia constitucional a qualquer cidadão de contrastar em juízo os atos dos demais Poderes da República ou de quaisquer forças econômicas e sociais constitui as fontes motoras das

profundas alterações do regime jurídico da magistratura desde a implantação da República.

O conteúdo político (esta expressão no seu sentido mais alto) do exercício da magistratura

decorre do caráter de definitividade de suas decisões, esgotando-se nas instâncias dos juízos e tribunais a cognição dos temas que lhes são submetidos; em nosso País, pela adoção do regime

presidencialista de Governo, o Poder Judiciário se apresenta como o conjunto de órgãos estatais

independentes, com a função excepcional de dirimir de forma pacífica as controvérsias e, até mesmo, como o poder de anular as decisões dos outros Poderes quando afrontosas à

Constituição.

Mas até chegar nesse ponto é uma longa história.

4.1. Período colonial

Apontam Carlos Mário Velloso e Aliomar Baleeiro que o primeiro juiz em terras brasileiras,

segundo as tradições européias, foi Martim Afonso de Souza, nosso primeiro Governador-Geral,

investido por carta do Rei de Portugal nas funções administrativas e judiciárias.

Baleeiro considera que o embrião do sistema judiciário brasileiro está na vinda, na companhia de Tomé de Souza, do Ouvidor Geral, Pero Borges, que se instalou na Bahia em 1549 e que já

fora Corregedor do Reino de Algarves. Dentro da alçada deferida pela carta régia, suas decisões

eram irrecorríveis e, nas outras causas, delas somente cabia recurso para os tribunais na

Metrópole.

O primeiro tribunal nas terras tupiniquins foi a Relação da Bahia, instalado em 1609. A segunda Relação foi instalada em 1751 no Rio de Janeiro, origem do atual Tribunal de Justiça do Estado

do Rio de Janeiro, então com jurisdição sobre as capitanias do sul e do oeste. A Relação do

Maranhão foi criada em 1812 e a de Pernambuco em 1821.

Alvará real de 24 de março de 1708 declarou que os ouvidores das capitanias brasileiras eram juízes da Coroa portuguesa, assim os desvinculando das autoridades administrativas da Colônia,

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o que na prática acabou com os poderes jurisdicionais concedidos até então aos capitães

donatários e aos governadores.

Carta Régia de D. João V, em 1712, declarava indébita qualquer ingerência dos governadores

gerais quanto aos ouvidores, que se vinculavam diretamente aos tribunais.

A Lei de 18 de agosto de 1769, depois denominada por Corrêa Telles de Lei da Boa Razão, revogou disposições das Ordenações Filipinas, de 1580, e constituiu-se em um código de

organização judiciária, dispondo também sobre o modo de escolha dos juízes e sobre a

hermenêutica jurídica.

Lenine Nequete conta que no período colonial, existiam diversos magistrados em atuação nas

comarcas, eleitos pelos conselhos municipais a partir de 1802, de acordo com a importância política, econômica e social, mas todos eles juízes vinculados ao respectivo Tribunal de

Relação.

Durante a vigência das normas das Ordenações Filipinas sobre a organização judiciária, a

primeira instância era composta de ouvidores-gerais, corregedores, ouvidores de comarca, provedores, juízes de fora, juízes ordinários, juízes de vintena, juízes de órfãos, almotacés,

alcaides e vereadores, auxiliados por escrivães, inquiridores e meirinhos, alguns nomeados e

outros eleitos pelos homens bons.

Decreto do Príncipe Regente, em 4 de maio de 1808, criou o cargo de Juiz Conservador da

Nação Britânica, com jurisdição e competência nas causas em que fosse interessada aquela nação. A função era exercida por juiz português ou brasileiro indicado pelos súditos ingleses

residentes ou comerciantes no porto ou lugar da jurisdição, com aprovação pelo Embaixador

britânico, embora pudesse o Governo rejeitar a indicação e aguardar outra.

Outro Decreto, em 18 de junho de 1822, instituiu o Tribunal do Júri, competente para o julgamento de causas da lei de imprensa, reservando ao juiz comum a matéria de Direito e aos

jurados a matéria de fato.

4.2. Período monárquico

Síntese perfeita da contradição que caracterizou a brilhante, curta e profícua existência de D.

Pedro I, dividido entre o seu genético autoritarismo da Casa de Bragança e o liberalismo

imposto pelo triunfo das revoluções políticas do século anterior, a Constituição de 1824 dispunha no art. 151 que o Poder Judicial é independente, e composto de juízes e jurados, os

quais terão lugar assim no Cível, como no Crime, nos casos e pelo modo que os Códigos

determinarem; e no art. 152 que os jurados se pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a Lei.

O art. 160 previa a arbitragem nas causas cíveis e nas penais, civilmente intentadas, cujas

sentenças seriam executadas sem recurso, se assim o convencionarem as partes.

Nos arts. 161 e 162, exigiam-se que não podia ser iniciado processo sem tentativa de

conciliação, havendo, para este fim, juízes de paz, eleitos pelo mesmo tempo e maneira porque

se elegem os Vereadores das Câmaras, com atribuições e distritos regulados em Lei.

Criado pela Constituição de 1824, o Supremo Tribunal de Justiça, sucedido hoje pelo Supremo

Tribunal Federal, foi previsto em lei da Assembléia-Geral de 1828 e somente instalado em

1829, bem antes do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, este criado em 1833.

A Lei de 15 de outubro de 1827, votada pela Assembléia-Geral, representou a primeira

manifestação parlamentar sobre a organização judiciária e instituiu em cada uma das freguesias

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e capelas filiais curadas um Juiz de Paz e respectivo suplente, com funções judiciais,

administrativas e policiais, eleitos como os vereadores e pelo mesmo tempo, somente podendo

se escusar da função pelo exercício de emprego civil ou militar ou quando já houvessem servido

duas vezes sucessivamente.

Dispunha o Juiz de Paz de competência funcional para processar e julgar pequenas causas, estas

fixadas segundo o valor de alçada, ouvindo as partes e apreciando a prova, competindo-lhe,

ainda, aplicar penas pecuniárias e de prisão até três meses, ouvir os suspeitos e apresentá-los ao Juiz de Direito, apresentar ao Juiz competente os órfãos e interditos, fazer assinar termo de bem

viver aos que perturbassem a ordem pública, como as prostitutas e beberrões etc.

O Código de Processo Criminal de 1832, que dispunha além do que dizia o seu título, restringiu

as atribuições dos Juízes de Paz e imprimiu uma nova organização judiciária, prevendo em cada

distrito um Juiz de Paz e um escrivão, e tantos inspetores quantos fossem os quarteirões, mais os oficiais de justiça que fossem necessários, um Conselho de Jurado, um Juiz municipal e um

Promotor Público, um escrivão das execuções e tantos oficiais de justiça quanto necessitassem

os Juízes; em cada Comarca um Juiz de Direito e, nas mais populosas, até três Juízes de Direito,

sendo um deles o Chefe da Polícia.

Os Juízes Municipais e os Promotores Públicos eram nomeados na Corte pelo Governo, e pelos

Presidentes nas províncias, por indicação trienal das Câmaras Municipais, em listas tríplices,

preferindo-se os graduados em Direito ou instruídos nas leis.

Os jurados eram alistados anualmente por uma Junta composta do Juiz de Paz, do Pároco e do

Presidente da Câmara.

Os Juízes de Direito eram nomeados pelo Imperador, dentre bacharéis formados em leis, maiores de 22 anos e com prática forense de um ano no mínimo, preferindo-se os que já

houvessem sido Juízes Municipais ou Promotores, cumprindo-lhes, também, presidir o Júri,

aplicando a lei ao fato, conceder e revogar fianças e exercer inspeção sobre os Juízes Municipais

e os Juízes de Paz.

Algumas disposições do referido Código de Processo Criminal eram destinadas à organização judiciária do cível, dizendo que haveria nas grandes povoações um ou mais Juízes de Direito

com jurisdição cível, além de Juízes de Órfãos para as causas que nascem de inventários,

partilhas, contas dos tutores, habilitações de herdeiros do ausente e dependências dessas

mesmas causas.

Com a Abdicação, em 7 de abril de 1831, cessado momentaneamente o caráter centralizador que

representou a fundação do Estado brasileiro por um Príncipe de nobre estirpe, entrou o País em

processo de descentralização que alcançou os limites da desagregação nacional, até mesmo com

forte experiência federalista, aí seguindo a prática estadunidense.

Nesse processo centrífugo, veio o Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, entre outras disposições, atribuindo às Assembléias provinciais dispor sobre a divisão civil, judiciária e

eclesiástica das respectivas Províncias e aos Presidentes destas fixar a força policial e decretar a

suspensão ou a demissão de magistrados, entre outras providências.

A Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, aproveitando projeto do mineiro Bernardo Pereira de Vasconcellos, trouxe profundas alterações na organização judiciária, reagindo à

descentralização do período anterior e tentando devolver ao Governo central algum controle

político e administrativo, em movimento a que os historiadores denominam de Regresso:

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- criou na Corte e em cada Província o cargo de Chefe de Polícia, recrutado pelo Governo entre

desembargadores e juízes de direito, e delegados de polícia recrutados dentre juízes e cidadãos,

conferindo-lhes poder de processamento dos feitos criminais e, em certos casos, até mesmo a

pronúncia;

- restringiu-se o poder dos Juízes de Paz na investigação policial e no processamento e

julgamento das ações criminais;

- Juízes municipais e promotores poderiam ser nomeados pelo Presidente da província sem

indicação das Câmaras Municipais, exigindo-se deles, no entanto, maior capacitação para o

exercício das funções;

- os Juízes de Direito somente seriam recrutados dentre bacharéis formados que tivessem exercido com distinção as funções de Juiz municipal, de Juiz de Órfãos e promotor público ao

menos por um quatriênio completo, em exigência que constituiu o embrião da futura instituição

da carreira da magistratura; e

- as leis processuais criminais e civis foram alteradas para dar maior liberdade aos Juízes na

apreciação dos fatos.

A Lei de 23 de novembro de 1841 criou novamente o Conselho de Estado, extinto pelo Ato

Adicional de 1834, com atribuições de processar e julgar as causas administrativas, inclusive as

de interesse dos magistrados, e de resolver conflitos de competência entre as autoridades

administrativas e judiciárias.

Em 9 de junho de 1850 surgiu o Decreto nº 559, decorrente de projeto de lei de Eusébio de Queiroz, que dividiu as comarcas do Império em três entrâncias, e instituindo, pela primeira vez,

a carreira da magistratura, pois determinava que a nomeação dos juízes seria feita para comarca

de primeira entrância, inicial, e as promoções para as comarcas superiores decorridos quatro anos. Contudo, as nomeações para os tribunais continuavam postas sob a discricionariedade

governamental.

A Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, denominada ‘Lei Saraiva’, em homenagem ao

político que a inspirou, eximiu os magistrados de aceitar o cargo de Chefe de Polícia, mas lhes

deferiu a faculdade de proceder à formação da culpa e pronúncia nos casos de se encontrarem envolvidas no fato pessoas cujo poderio pudesse tolher a marcha regular e livre das justiças no

lugar do delito, instituiu o inquérito policial, a fiança provisória e o habeas corpus preventivo,

inclusive dando ao juiz o poder de conhecer de remédios impugnando prisões determinadas pelas autoridades administrativas, exigiu a unanimidade de votos dos jurados para a imposição

da pena de morte e, quanto aos juízes, dispondo que sua aposentadoria, por necessidade física

ou em caso de incapacidade moral, somente seria decretada também compulsoriamente, ouvido

o Conselho de Estado e o aposentando, ou seu curador.

Veja-se o comentário de Vitor Nunes Leal:

O principal efeito da lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, foi vedar às autoridades policiais a formação da culpa e a pronúncia dos delinqüentes, ponto importante da lei anterior.

Entretanto, pequenos delitos continuaram a ser por elas processado, e os chefes de polícia

conservaram a atribuição de formar culpa e pronunciar em certos casos. Nada fez a lei no sentido de conferir independência aos funcionários policiais; embora com menores poderes,

continuaram a servir de instrumento da situação política, notadamente em épocas de eleição.

Não acreditamos que a simples concessão de garantias à polícia seja capaz de a moralizar,

evitando sua interferência nas lutas partidárias, sobretudo quando se mantêm os mesmos

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funcionários que anteriormente se tenham tornado corruptos. O problema é bem mais

complexo, porque a corrupção não resulta apenas da coação, que a insegurança estimula, mas

também dos favores, que a segurança não impossibilita. Não obstante, assim como as garantias constitucionais e legais contribuem para moralizar a magistratura e o ministério público,

também poderão elevar o padrão de conduta das autoridades policiais, desde que não faltem

outras providências conducentes ao mesmo fim.

Verifica-se deste breve resumo que a organização policial, no Império, foi deplorável e esteve sempre dominada pelo espírito partidário. A organização judiciária, por outro lado, conquanto

assinalasse sensível progresso em relação à situação anterior, deixava muito a desejar: a

corrupção da magistratura, por suas vinculações políticas, era fato notório, acremente

condenado por muitos contemporâneos. Como o problema não é de ordem puramente legal, ainda hoje é encontradiça a figura do juiz politiqueiro, solícito com o poder, ambicioso de

honrarias e vantagens, embora muito mais extensas as garantias que desfruta. E é justamente

no interior que mais se fazem sentir os efeitos da polícia e da justiça partidárias.

4.3. Período da República Velha

A proclamação da República foi o triunfo das influências políticas locais sobre o centralismo

imperial.

A Constituição de 24 de fevereiro de 1891, decorrente de esboço do grande Rui Barbosa, ao adotar os paradigmas estadunidenses do federalismo e do presidencialismo, simplesmente serviu

de albergue para o predomínio daquelas influências, que tiveram sua expressão máxima na

denominada Política dos Governadores, ou Política do café com leite, implantada por Prudente de Morais, o primeiro governante civil, como única forma de sustentação política do Governo

federal.

A Constituição manteve o padrão de regular alguns aspectos da organização judiciária, mas

dedicou muito mais atenção à Justiça Federal (organizada pela Lei nº 221, de 1893, também fortemente influenciada por Rui Barbosa), relegando ao arbítrio dos Estados-membros a

elaboração de leis sobre o processo civil e penal, a organização judiciária e a regulação do

regime jurídico da magistratura estadual.

Voltemos a Vitor Nunes Leal:

Ao definir as garantias da magistratura, a Constituição federal só se referiu aos juízes federais.

Alguns Estados, interpretando restritivamente a norma constitucional, estabeleceram limitações aos direitos de seus juízes, ou contra eles seus governos cometeram violências e

abusos. Os menos conformados recorreram à justiça, e o Supremo Tribunal Federal, reiteradas

vezes, com pequenas variações, declarou aplicáveis aos magistrados estaduais as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, como implícitas ao preceito

que tornava obrigatórios para os Estados os princípios constitucionais da União. A reforma

constitucional de 1926 perfilhou esses princípios em texto expresso, sancionando-o com a

intervenção federal. Aquelas garantias, entretanto, não se aplicavam aos juízes temporários, cuja investidura se destinava, segundo a justificação corrente, a dar-lhes tirocínio profissional

para o ulterior ingresso na carreira. Ficava, pois, uma numerosa categoria de juízes à mercê

das exigências e seduções dos governantes menos ciosos da independência e dignidade do

Poder Judiciário.

Embora de competência limitada, os juízes temporários substituíam os vitalícios nos seus

impedimentos em muitos atos do processo e até no próprio julgamento. A escala de substituição

descia até aos juízes de paz, cuja competência assim se ampliava além de suas possibilidades

intelectuais, o que era agravado pelas notórias ligações desses juízes leigos com a corrente

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política local de que dependia sua eleição. A regra geral de recurso para os juízes vitalícios,

bastante limitada nos casos de substituição, tinha eficácia relativa, pois com freqüência o

provimento do apelo não repara, ou repara de modo imperfeito, o gravame sofrido pela parte. Finalmente, o mecanismo das promoções por merecimento, de recondução e das remoções para

melhores termos ou comarcas acentuava a precariedade dos juízes temporários e reduzia a

independência dos vitalícios. Foram, aliás, muito variados os meios postos em prática pelos governos estaduais para submeter a magistratura, como a disponibilidade, a alteração de

limites ou supressão de circunscrições judiciárias, a retenção de vencimentos etc.

Quanto ao ministério público local, eram seus membros, em regra, de livre nomeação e

demissão, utilizando-se, assim, os promotores e seus adjuntos, habitualmente, como

instrumentos da ação partidária.

Por estas largas portas passava a desenvolta colaboração da organização judiciária aos planos de dominação do situacionismo estadual, refletindo-se, diretamente, no mecanismo

‘coronelista’.

Note-se que a única Emenda à Constituição, de 1926, durante o Governo Arthur Bernardes, não

foi suficiente para alterar a situação desagregadora de forma a evitar a queda da velha

República, o que ocorreu com a Revolução de 1930.

4.4. A Era Vargas

Denomina-se Era Vargas o período entre 1930, com o triunfo da Revolução Liberal, até 1946, com a redemocratização do País pela Constituição promulgada de 18 de setembro; há autores

que estendem tal período até a assunção de Juscelino Kubitschek à Presidência da República.

A Era Vargas, pelo sistema ora adotado, compreende três fases nitidamente marcadas: a fase de

implantação, entre 1930 e a promulgação da Constituição de 16 de julho de 1934; a pequena fase democrática, até a outorga da Constituição de 10 de novembro de 1937; e o período

fortemente autoritário, até a promulgação da Carta de 1946, compreendendo a Segunda Guerra

Mundial.

Na fase de implantação, com o governo substituindo o Congresso Nacional com a emissão de

decretos com força de lei, destaque-se na organização judiciária o grande movimento de moralização das eleições que levou à criação da Justiça Eleitoral, decorrente não só das

aspirações do movimento paulista de julho de 1932, como, principalmente, dos conflitos e da

anarquia que ocorria em cada pleito eleitoral desde a época colonial.

A exigência constitucional do concurso público de título e provas para o primeiro provimento nos cargos da magistratura da primeira instância da Justiça estadual constituiu grande divisor de

águas no regime jurídico da magistratura, assim se abandonando o critério discricionário de

designação de Juízes e assegurando meios de garantia da independência do magistrado que se

considera essencial para a legitimação social de suas funções.

Como se observou, já existia a carreira da magistratura desde o Segundo Império, mas o provimento dos cargos iniciais ainda continuava posto praticamente ad libitum dos governantes,

que escolhiam os bacharéis em Direito para a primeira nomeação, sem outro critério que não

fosse o dos interesses políticos, como também resolviam praticamente sem qualquer limitação

sobre a promoção e remoção dos magistrados.

A Constituição de 1934, fortemente influenciada pela Constituição alemã de 1919, elaborada na

pequena cidade de Weimar, contrastou fortemente com a Constituição de 1891, esta

declaradamente inspirada na Constituição norte-americana de 1787, implementando novas

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técnicas políticas, destacando-se a judicialização dos conflitos políticos, sociais e econômicos e,

em conseqüência, concedendo-se maiores garantias à magistratura para assegurar a legitimidade

do processo político.

Nela também se estabeleceu a Justiça Eleitoral como instrumento de garantia das eleições, assim se judicializando as controvérsias político-eleitorais, transportando para os tribunais, através de

discussão aberta e pública, o poder de decisão que antes residia em infindáveis discussões

parlamentares sobre a validade das eleições e que, não raras vezes, levava até à duplicidade dos

governos e assembléias estaduais.

A Constituição de 1934 dispunha, em seu art. 80, que os Juízes federais seriam nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros natos de reconhecido saber jurídico e reputação

ilibada, alistados eleitores, e que não tivessem menos de 30 e mais de 60 anos de idade,

indicados em lista de cinco nomes por escrutínio secreto. Os Juízes Federais eram providos em cargos isolados, sem possibilidade de promoção ao tribunal federal mencionado no art. 79, cujos

membros eram nomeados pelo Chefe do Executivo federal após aprovação pelo Senado Federal.

Quanto aos Juízes estaduais, a Constituição de 1934, no seu longo art. 104, inovou, dispondo

longamente sobre o regime jurídico da magistratura:

Da Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios

Art 104 - Compete aos Estados legislar sobre a sua divisão e organização judiciárias e prover

os respectivos cargos, observados os preceitos dos arts. 64 a 72 da Constituição, mesmo quanto

à requisição de força federal, ainda os princípios seguintes:

a) investidura nos primeiros graus, mediante concurso organizado pela Corte de Apelação,

fazendo-se a classificação, sempre que possível, em lista tríplice;

b) investidura, nos graus superiores, mediante acesso por antiguidade de classe, e por

merecimento, ressalvado o disposto no § 6º;

c) inalterabilidade da divisão e organização judiciária, dentro de cinco anos da data da lei que

a estabelecer, salvo proposta motivada da Corte de Apelação;

d) inalterabilidade do número de Juízes da Corte de Apelação, a não ser proposta da mesma

Corte;

e) fixação dos vencimentos dos Desembargadores das Cortes de Apelação, em quantia não

inferior à que percebam os Secretários de Estado; e os dos demais Juízes, com diferença não

excedente a trinta por cento de uma para outra categoria, pagando-se aos da categoria mais

retribuída não menos de dois terços dos vencimentos dos Desembargadores;

f) competência privativa da Corte de Apelação para o processo e julgamento dos Juízes

inferiores, nos crimes comuns e nos de responsabilidade.

§ 1º - Em caso de mudança da sede dos Juízes, é facultado ao Juiz remover-se com ela, ou pedir

disponibilidade com vencimentos integrais.

§ 2º - Nos casos de promoção por antiguidade, decidirá preliminarmente a Corte de Apelação,

em escrutínio secreto, se deve ser proposto o Juiz mais antigo; e, se três quartos dos votos dos Juízes efetivos forem pela negativa, proceder-se-á à votação relativamente ao imediato em

antigüidade, e assim por diante, até se fixar a indicação.

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§ 3º - Para promoção por merecimento, o Tribunal organizará lista tríplice por votação em

escrutínio secreto.

§ 4º - Os Estados poderão manter a Justiça de Paz eletiva, fixando-lhe a competência, com

ressalva de recurso das suas decisões para a Justiça comum.

§ 5º - O limite de idade poderá ser reduzido até 60 anos para a aposentadoria compulsória dos

Juízes e até 25 anos, para a primeira nomeação.

§ 6º - Na composição dos Tribunais superiores serão reservados lugares, correspondentes a um

quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério

Público de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na

forma do § 3º.

§ 7º - Os Estados poderão criar Juízes com investidura limitada a certo tempo e competência para julgamento das causas de pequeno valor, preparo das excedentes da sua alçada e

substituição dos Juízes vitalícios.

Art 105 - A Justiça do Distrito Federal e as dos Territórios serão organizadas por lei federal,

observados preceito do artigo precedente, no que lhes forem aplicáveis, e o disposto no

parágrafo único do art. 64.

A Constituição de 1934 imprimiu na República a idéia da nacionalidade e da unidade da

Magistratura, criando a magistratura concursada (pois antes o Juiz era nomeado pelo Chefe do

Executivo), regulando a magistratura de carreira, prevendo a possibilidade de promoção a

entrâncias superiores e até mesmo aos tribunais, desde que, quanto a estes, se atendesse às vagas do denominado quinto constitucional quanto aos advogados e membros do Ministério Público,

e, também, ampliando a competência da então Corte Suprema, e hoje Supremo Tribunal

Federal, para conhecer recursos das decisões das Justiças especiais.

Muito além, também estipulou os critérios de promoção de antiguidade e de merecimento, bem como equiparou a remuneração dos desembargadores a Secretário de Estado, assim acabando

com a perniciosa prática governamental de reduzir os salários dos Juízes como forma de coação,

instituindo as prerrogativas a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos

(art. 64).

Vedou-se ao Juiz a atividade político-partidária e ao Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas (art. 68), assim na linha de orientação que Rui Barbosa ensinava no

princípio do século XX, haurida da experiência estadunidense, embora até hoje sem que se

possa apurar, com absoluta certeza, os limites sindicáveis pela função jurisdicional do Estado.

As Constituições que se seguiram à Lei Maior de 1934 pouco inovaram, na verdade, pois mantiveram o concurso público para o ingresso na carreira e reforçaram os critérios para

promoção.

A Constituição de 1937, dita ‘polaca’, extinguiu a Justiça Federal de 1ª instância, que somente

foi novamente criada em 1965 através do Ato Institucional nº 2.

Nesses quase trinta anos, os Juízes estaduais de competência fazendária também processavam e

julgavam as causas de interesse da União e de seus entes, indo os recursos para o Supremo

Tribunal Federal e, com a Constituição de 1946, para o Tribunal Federal de Recursos.

4.5. O período democrático entre 1946 e 1964

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A Constituição liberal de 1946 ressuscitou, em menor extensão, a estrutura federativa, e assim

dispunha sobre a Justiça estadual:

Art 124 - Os Estados organizarão a sua Justiça, com observância dos arts. 95 a 97 e também

dos seguintes princípios:

I - serão inalteráveis a divisão e a organização judiciárias, dentro de cinco anos da data da lei

que as estabelecer, salvo proposta motivada do Tribunal de Justiça;

II - poderão ser criados Tribunais de Alçada inferior à dos Tribunais de Justiça;

III - o ingresso na magistratura vitalícia dependerá de concurso de provas, organizado pelo

Tribunal de Justiça com a colaboração do Conselho Secional da Ordem dos Advogados do

Brasil, e far-se-á a indicação dos candidatos, sempre que for possível, em lista tríplice;

IV - a promoção dos Juízes far-se-á de entrância para entrância, por antiguidade e por

merecimento, alternadamente, e, no segundo caso, dependerá de lista tríplice organizada pelo Tribunal de Justiça. Igual proporção se observará no acesso ao Tribunal, ressalvado o disposto

no nº V deste artigo. Para isso, nos casos de merecimento, a lista tríplice se comporá de nomes

escolhidos dentre os dos Juízes de qualquer entrância. Em se tratando de antiguidade, que se apurará na última entrância, o Tribunal resolverá preliminarmente se deve ser indicado o Juiz

mais antigo; e, se este for recusado por três quartos dos Desembargadores, repetirá a votação

em relação ao imediato, e assim, por diante, até se fixar a indicação. Somente após dois anos

de efetivo exercício na respectiva entrância poderá o Juiz ser promovido;

V - na composição de qualquer Tribunal, um quinto dos lugares será preenchido por advogados e membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, com dez anos,

pelo menos, de prática forense. Para cada vaga, o Tribunal, em sessão e escrutínio secretos,

votará lista tríplice. Escolhido um membro do Ministério Público, a vaga seguinte será

preenchida por advogado;

VI - os vencimentos dos Desembargadores serão fixados em quantia não inferior à que

recebem, a qualquer título, os Secretários de Estado; e os dos demais Juízes vitalícios, com

diferença não excedente a trinta por cento de uma para outra entrância, atribuindo-se aos de

entrância mais elevada não menos de dois terços dos vencimentos dos Desembargadores;

VII - em caso de mudança de sede do Juízo, é facultado ao Juiz remover-se para a nova sede,

ou para Comarca de igual entrância, ou pedir disponibilidade com vencimentos integrais;

VIII - só por proposta do Tribunal de Justiça poderá ser alterado o número dos seus membros e

dos de qualquer outro Tribunal;

IX - é da competência privativa do Tribunal de Justiça processar e julgar os Juízes de inferior

instância nos crimes comuns e nos de responsabilidade;

X - poderá ser instituída a Justiça de Paz temporária, com atribuição judiciária de substituição,

exceto para julgamentos finais ou recorríveis, e competência para a habilitação e celebração

de casamentos e outros atos previstos em lei;

XI - poderão ser criados cargos de Juízes togados com investidura limitada a certo tempo, e

competência para julgamento das causas de pequeno valor. Esses Juízes poderão substituir os

Juízes vitalícios;

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XII - a Justiça Militar estadual, organizada com observância dos preceitos gerais da lei federal

(art. 5º, nº XV, letra f), terá como órgãos de primeira instância os Conselhos de Justiça e como

órgão de segunda instância um Tribunal especial ou o Tribunal de Justiça.

4.6. O governo militar

O Ato Institucional nº 2, de 1965, novamente criou a Justiça federal de primeira instância,

providos os cargos mediante decreto presidencial.

Poucas transformações de monta tivemos com a Constituição semi-outorgada de março de 1967

e sua grande reestruturação feita pela outorgada Emenda Constitucional nº 1, de outubro de

1969, outorgada por Junta Militar que assumiu o poder por impedimento do Presidente Arthur

da Costa e Silva.

No sentido da unificação ou nacionalização do Poder Judiciário e da Magistratura, outro grande passo foi a outorgada Emenda Constitucional nº 7, de abril de 1977, à Constituição de 1967,

com a redação da Emenda Constitucional nº 1/69, prevendo a lei complementar que é a atual

Lei Orgânica da Magistratura Nacional e que será substituída – espera-se a curto prazo – pelo

Estatuto da Magistratura prometido pelo caput do art. 93 da Constituição de 1988.

O regime jurídico da magistratura teve com a Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979,

a denominada ‘Lei Orgânica da Magistratura Nacional’ (LOMAN), sua carta de alforria em face

do abuso do poder dos governantes locais, pois, além de organizar a estrutura judiciária (prever

os órgãos do Poder Judiciário e o seu funcionamento), dispôs sobre temas relevantes como:

- a vitaliciedade (arts. 22 a 24);

- as garantias, prerrogativas e penalidades (título II, arts. 25 a 48);

- a responsabilidade civil (art. 49);

- vencimentos e vantagens pecuniárias, férias, licenças, concessões, aposentadoria, ingresso,

promoção, remoção e acesso (arts. 61 a 88).

Em 1982, no Governo João Figueiredo, embora sem o merecido destaque nos livros de doutrina

constitucional e processual, houve visceral alteração na organização judiciária, com a Emenda

Constitucional nº 22, de 4 de julho de 1982, tornando públicas ou oficiais as serventias do foro

judicial (escrivanias e outros cartórios ligados ao processamento dos feitos) e prevendo a remuneração dos serventuários que atuam nos processos exclusivamente pelos cofres públicos,

assim extinguindo o sistema da remuneração diretamente ao responsável pela realização do ato

ou diligência processual, o que foi razão e estímulo de muitos abusos.

Como se observou neste pequeno resumo histórico, desde a Colônia até a Constituição de 1988 tivemos intermitentes diplomas constitucionais dispondo sobre ‘a reforma do Poder Judiciário’,

a indicar que esta não é um produto final, mas mero incidente no complexo processo de

desenvolvimento da consciência jurídica nacional.

5. O regime jurídico da magistratura na Constituição de 1988

Finalmente, depois de longos debates durante quase os dois anos da Assembléia Nacional

Constituinte de 1987/1988, surgiu a Constituição de 5 de outubro de 1988, denominada de ‘Constituição-cidadã’, por muitos vista como um conjunto de promessas vãs, por outros como

instrumento de transformação social, mas por todos reconhecida como a primeira Lei Maior, em

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nossa já longa história política, decorrente do mais amplo debate que se tem notícia em nosso

país, em processo de legitimação que nem as mais acirradas críticas podem ignorar.

Veja-se, a seguir, extraído do sítio da Internet www.planalto.gov.br/legislacao, o texto original

do art. 93, com as alterações posteriores, inclusive a Emenda Constitucional nº 45, notando-se

que os incisos IX a XV não vertem sobre o regime jurídico da magistratura, ora comentado:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto

da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, através de concurso público

de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas

fases, obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases,

exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se,

nas nomeações, à ordem de classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de

2004.)

II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento,

atendidas as seguintes normas:

a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas

em lista de merecimento;

b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e

integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo se não houver com

tais requisitos quem aceite o lugar vago;

c) aferição do merecimento pelos critérios da presteza e segurança no exercício da jurisdição e

pela freqüência e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento;

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade

e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou

reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

d) na apuração da antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, repetindo-se a votação até

fixar-se a indicação;

d) na apuração de antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto

fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004.)

e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo

legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; (Incluída pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

III - o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e merecimento, alternadamente, apurados na última entrância ou, onde houver, no Tribunal de Alçada, quando

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se tratar de promoção para o Tribunal de Justiça, de acordo com o inciso II e a classe de

origem;

IV - previsão de cursos oficiais de preparação e aperfeiçoamento de magistrados como

requisitos para ingresso e promoção na carreira;

III - o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004.)

IV - previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados,

constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou

reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados; (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

V - os vencimentos dos magistrados serão fixados com diferença não superior a dez por cento

de uma para outra das categorias da carreira, não podendo, a título nenhum, exceder os dos

Ministros do Supremo Tribunal Federal;

V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios

dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual,

conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença

entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores,

obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º; (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 19, de 1998.)

VI - a aposentadoria com proventos integrais é compulsória por invalidez ou aos setenta anos de idade, e facultativa aos trinta anos de serviço, após cinco anos de exercício efetivo na

judicatura;

VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no

art. 40; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998.)

VII - o juiz titular residirá na respectiva comarca;

VIII - o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público,

fundar-se-á em decisão por voto de dois terços do respectivo tribunal, assegurada ampla

defesa;

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas

todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a

presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;

X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas, sendo as disciplinares tomadas

pelo voto da maioria absoluta de seus membros;

XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das

atribuições administrativas e jurisdicionais da competência do tribunal pleno.

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VII - o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal; (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

VIII - o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público,

fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

45, de 2004.)

VIII-A - a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância

atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a, b, c e e do inciso II; (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004.)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados

atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a

preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público

à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as

disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão

especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno,

provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal

pleno; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

XII - a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense

normal, juízes em plantão permanente; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial

e à respectiva população; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

XIV - os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de

mero expediente sem caráter decisório; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

XV - a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

Reitere-se que somente integram o regime jurídico da magistratura os dispositivos dos incisos I

a VIII-A, e que os demais, na verdade, estão mal posicionados, pois têm por objeto matérias

outras que não as compreendidas pelo futuro Estatuto da Magistratura, que não pode ser

considerado como Código da Administração Jurídica, mas lei atinente a parte desta.

As normas decorrentes do art. 93 têm aplicabilidade imediata e independem, para a sua vigência, de regulamentação da futura Lei da Magistratura, embora possam esta e as resoluções

do Conselho Nacional de Justiça esclarecer alguns aspectos normativos.

A lei complementar referida no art. 93, caput, teve o seu projeto elaborado pelo Supremo

Tribunal Federal e remetido ao Congresso Nacional no início da década de 90, embora não tenha sido por este apreciado sob o argumento de que se aguardava, no primeiro momento, a

Reforma do Judiciário, agora implementada pela Emenda Constitucional nº 45, e, ao depois, a

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reforma do Estado que se seguiria à denominada Reforma Política, esta voltada para a

atualização do sistema político-partidário, cujos debates sequer ainda entraram na pauta

congressual.

Evidentemente, como foi visto nos últimos séculos pelas repetidas alterações constitucionais e legais sobre o funcionamento da Justiça e do regime jurídico da magistratura, estes são temas

que têm servido muito mais de apelo eleitoral e de bandeira do proselitismo político do que

legítima preocupação dos representantes eleitos do conjunto da sociedade pelos meios de

garantia dos direitos individuais pela função jurisdicional no Estado Democrático de Direito.

6. Prerrogativas e vedações da magistratura

O juiz se move dentro do Direito como o prisioneiro dentro de seu cárcere, como lembrava Eduardo Couture, mas o que lhe importa, a final, não é o instrumental jurídico porém o

conteúdo moral, não é a forma, mas o fim, e este é o Homem, e a sua indisponível dignidade.

O supremo valor ético é a dignidade do homem, a existência digna de todos os homens e

mulheres.

Todos os homens se igualam em dignidade. E do ofício do Juiz é indissociável a dignidade.

A dignidade da magistratura está na independência moral dos Juízes, não é concessão das leis

nem benevolência das forças sobre as quais exerce a jurisdição.

O que garante o Juiz não é a letra fria da Lei; é a sua independência, a fortaleza moral, a

coragem de decidir, é o fazer de seu ofício a ponte de ouro entre o Direito e a Ética.

Este século XXI finalmente nos dará adequados instrumentos jurídicos de garantia da dignidade

da magistratura.

E o fará não em favor do Juiz, mas do cidadão a quem garante nos seus direitos.

A Emenda Constitucional nº 45, dita "Reforma do Judiciário", não se deu ao trabalho de alterar

o disposto no art. 95, dedicado este, no seu caput, às garantias, e no seu parágrafo único, às vedações, neste se limitando a acrescentar dois incisos, aliás, de idêntica redação ao que dispôs

quanto aos membros do Ministério Público pela nova redação dada ao art. 128.

Mas a "Reforma do Judiciário", assim agindo, foi bem coerente com o posicionamento

anteriormente adotado pelo poder constituinte, pois as denominadas "prerrogativas e vedações

da magistratura" não lhe são exclusivas, pois compreendem comandos aplicáveis também a outras categorias, de forma mais ou menos genérica, como se observa, por exemplo, quanto à

irredutibilidade, que vale para todos os servidores públicos e para todos os empregados, até

mesmo os das empresas privadas.

6.1. Imunidade judicial pelas opiniões e decisões, salvo impropriedade ou excesso de linguagem

A mais importante prerrogativa judicial, sua mais destacada garantia, fundamento jurídico da imprescindível independência como requisito elementar do exercício da magistratura, não está

enunciada no art. 95 da Constituição, mas decorre do sistema político que adotamos no art. 2º, e

da garantia individual inscrita no art. 5º, XXXV e LXXVIII, da Lei maior, e,

envergonhadamente, da norma infraconstitucional, da LOMAN, em seu art. 41, antes a enfatizar a imunidade à punição do que proclamar prerrogativa de membro do Poder, ao dizer que, salvo

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os casos de impropriedade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou

prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.

Lembremos Piero Calamandrei, no seu clássico Eles os Juízes vistos por nós, os Advogados:

A independência dos Juízes, isto é, aquele princípio institucional por força do qual, ao

julgarem, se devem sentir desligados de qualquer subordinação hierárquica, é um privilégio duro, que impõe a quem dele goza, a coragem de ficar só consigo mesmo, sem que se possa

comodamente arranjar um esconderijo por detrás da ordem superior.

O juiz tem o dever ético de julgar com independência.

Não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que

proferir, salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem. Assim:

Direito Processual Civil. Sentença que utiliza expressões consideradas incompatíveis com a

dignidade da Magistratura, levando a requerimento da parte no sentido de serem as mesmas riscadas dos autos. Indeferimento. A proibição constante do art. 15 do Código de Processo

Civil, vedando o emprego de expressões injuriosas em escritos apresentados no processo,

dirige-se somente aos advogados e às partes. Expressões injuriosas constantes de sentença ou outro provimento judicial merecem também extirpação dos autos do processo com fundamento

no disposto no art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional: salvo no caso de

impropriedade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou prejudicado

pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir. Se as expressões usadas se mostram fortes, no respectivo contexto, sem contudo alcançar conteúdo ilícito, devem ser

mantidas nos autos, indeferindo-se o requerimento de que sejam riscadas (TJ-RJ, 6ª Câmara

Cível, Apelação Cível nº 2003.001.20614, Desembargador Nagib Slaibi Filho, julgada em 30 de

março de 2004, unânime).

6.2. Responsabilidade somente por dolo ou fraude

A segunda prerrogativa mais importante do magistrado também dele não é exclusiva, integra o

status de todos os agentes políticos ou membros do Poder.

Está prevista no art. 49 da LOMAN, ao dispor que responderá por perdas e danos o

magistrado, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude (o que

significa que não responderá por culpa) e II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deve ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-

se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio

do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o

pedido dentro de dez dias.

Do texto da lei complementar, que se refere à responsabilidade civil, decorre garantia que é

inerente a todos os agentes políticos, ou membros do Poder na dicção da Emenda Constitucional

nº 19/98, que são aqueles, na expressão conhecida de Barnave, que querem pela Nação: o

agente político somente responde por seus atos, nas instâncias civil, penal ou administrativa, se

obrou com dolo ou fraude, mas nunca responderá se agiu com culpa.

Do texto legal que diz no exercício de suas funções somente responde civilmente o magistrado

por dolo ou fraude (e esta tem aquele como elemento), extrai-se a norma de que a sua

responsabilidade penal e administrativa somente tem por fundamentos o mesmo dolo e a mesma fraude, não podendo responder pela culpa, isto é, quando o seu atuar estiver regido pela

imprudência, negligência e imperícia.

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E assim é porque o magistrado e os demais agentes políticos atuam, de regra, com um amplo

campo de discricionariedade, como se vê, por exemplo, na aplicação de pena em sede criminal,

dispondo o art. 59 do Código Penal sobre a existência de circunstâncias que o juiz deve levar em conta, motivadamente, na subsunção da norma genérica e abstrata ao caso concreto. Aliás,

até hoje é comum na legislação a expressão prudente arbítrio judicial a indicar o poder do juiz

de julgar por critério de eqüidade, sem se vincular ao critério da legalidade estrita que rege o

administrador público.

6.3. Justa causa como fundamento para a instauração do processo disciplinar

A terceira garantia mais importante para o magistrado também dele não é privativa, antes

assistindo a todos os cidadãos, nas instâncias penal e administrativa.

Qualquer processo sancionador ou disciplinar, do qual pode resultar punição ou reflexos

jurídicos em face da situação jurídica do administrado, somente pode ser instaurado se houver a

demonstração de indícios que indiquem a sua plausibilidade.

A simples existência de processo disciplinar ou sancionador constitui motivo de restrição para o

status dignitatis de qualquer servidor público ou de qualquer administrado.

A dolosa conduta de dar causa a processo criminal ou administrativo sem elementos suficientes

constitui o crime tipificado no art. 339 do Código Penal, a denunciação caluniosa.

Com referência aos magistrados e aos demais agentes públicos, até mesmo de nível

administrativo inferior, é comum a existência de requerimentos de instauração de procedimentos

disciplinares como meio de pressão, senão de deslavada coação para fins que não podem ser

declarados.

Por isso é que se exige, em qualquer processo sancionador (do qual decorra uma sanção ou

restrição do status jurídico da pessoa) uma deliberação prévia sobre a existência de elementos

que indiquem a plausibilidade da conduta irregular.

No art. 27 da LOMAN, em norma que se estende para qualquer processo sancionador, exige-se, nos §§ 1º e 2º, que a instauração do processo seja precedida de defesa preliminar pelo

interessado e, após, de delibação, motivada como exige o princípio da legalidade do art. 37,

caput, da Constituição, sobre a instauração do processo.

Neste sentido:

Direito Administrativo. Representação em face de Magistrado.

O processo especial da representação contra Juiz, regulado no âmbito do Conselho da

Magistratura pelo seu Regimento Interno, nos arts. 67 a 70, como requisito de procedibilidade, exige o juízo prévio de constatação da suficiência de seus pressupostos pelo relator que,

admitindo o processo disciplinar, determinará a realização das provas que entender

necessárias ao esclarecimento dos fatos (art. 68, §1º) ou, em caso de reconhecimento da

inadmissibilidade, determinará o arquivamento liminar em decisão a desafiar agravo em mesa

(art. 68, §2º).

Entre os elementos a serem considerados no juízo de admissibilidade, está o da demonstração

dos fatos que se apontam como suficientes para a instauração do processo disciplinar, pois o

conteúdo sancionatório deste não o imuniza à motivação, requisito inerente a todas as decisões

como garantia do devido processo de lei.

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A representação deve reportar-se a um ou mais fatos delituosos, corroborados quantum satis

por elementos probatórios idôneos, não podendo se amparar em suposições.

Como se extrai do conceito posto no art. 2º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que regula

a ação popular, o motivo ou a causa consiste no conjunto de elementos de fato ou de direito em que se fundamenta o ato administrativo, que se mostrará inválido se a motivação é inexistente

ou juridicamente inadequada ao resultado obtido.

Em conseqüência, considere-se a motivação como a justificação ou alegação em que se

procura dar as razões por que se fez ou se determinou a feitura de qualquer coisa. É a

apresentação dos motivos que determinam a medida, que provocaram a solução, ou que

possam justificar a pretensão.

Vê-se, assim, que a fundamentação não se confunde com a motivação, pois aquela é o

arrazoado ou a declaração desta. Neste sentido, veja-se a distinção operada em sede

constitucional no art. 93, incisos IX e X, utilizando-se a velha e revelha lição de que no texto

legal (e principalmente no da Carta Magna) não há palavras inúteis.

Tanto é inválido o ato que se mostra sem motivação, como o ato cuja motivação é falsa ou

inexistente; nesta última modalidade, denomina-se teoria dos motivos determinantes aquela que

indica a invalidade pela discrepância ou incongruência entre o objeto do ato e a sua

motivação.

A representação, neste caso, não se ampara em fatos que a autorizem. É preciso que a narrativa expressa numa imputação punitiva encontre lastro em elementos que façam

verossímil a acusação. Ela não pode repousar sobre exercícios meramente especulativos,

inspirados por suspeitas que não ostentam sequer o status de indício. Não é possível permitir que o cidadão venha a padecer de todos os ônus, dissabores e preocupações que

inevitavelmente o processo disciplinar acarreta, se não há um motivo bastante para isso.

A inexistência de motivação, expressa em fundamentação suficiente, no ato impugnado, torna

inviável a sua apreciação em sede judicial, e, conseqüentemente, vulnera o direito de acesso à

Justiça que também a Constituição defere a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes

no País (art. 5º, XXXV).

Provada, no caso, a carência de suficiente demonstração do nexo causal entre os fatos

apontados como causa do pedido de sanção e a conduta do representado, impõe-se o

arquivamento liminar do procedimento disciplinar.

Os cidadãos não têm direito adquirido à sabedoria do juiz, mas têm direito adquirido à independência, à autoridade e à responsabilidade do magistrado, o qual, também ele, somente

pode ser submetido a processo disciplinar se atendidos os pressupostos integrantes do devido

processo legal como garantia inafastável do Estado Democrático de Direito instaurado pela

Constituição de 1988.

Decisão monocrática de arquivamento liminar da representação por falta de justa causa (Conselho da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Representação nº 2004.002.00718,

ementa do despacho monocrático de 22 de outubro de 2004, desprovido o agravo regimental por

unanimidade).

A simples existência de processo disciplinar constitui motivo de restrição para o status dignitatis de qualquer servidor público, tipificando-se o crime de denunciação caluniosa dar

causa a processo sem suficiente lastro.

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Quanto ao magistrado, exige o art. 40 da LOMAN:

A atividade censória de Tribunais e Conselhos é exercida com o resguardo devido à dignidade

e à independência do magistrado, devendo o processo disciplinar correr em caráter reservado,

somente acessível aos interessados e seus advogados: Recurso em mandado de segurança. Administrativo. Magistrado. Afastamento de funções. Processo disciplinar. Segredo de Justiça.

Impedimento e suspeição. Conforme precedentes, o processo disciplinar corre em segredo de

justiça, não devendo ser do conhecimento de terceiros a sua fundamentação. Entretanto, o sigilo não alcança o interessado, que tem o direito subjetivo de presenciar, participar e

conhecer das certidões, assentamentos e demais documentos constantes do processo.

Magistrados, réus em ação ordinária movida por impetrante de mandado de segurança, estão

impedidos e sob suspeição, em incidente sopesado, de participarem do julgamento desse "writ". Arts. 134 e 135, CPC. Palavras desairosas, que não se coadunam com a deontologia forense

devem ser riscadas do recurso ora interposto. Recurso conhecido e provido (STJ, 5ª Turma,

RMS nº 1745, de São Paulo, Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgado em 1º de setembro de

1998).

O resguardo quanto à dignidade do magistrado submetido à atividade censória foi previsto pela

ordem jurídica em favor do mesmo e da preservação da magistratura, mas não pode ser

interpretado em desfavor daquele a quem visa garantir.

Nulo se mostra o processo sancionador se não se possibilitaram ao acusado as garantias

constitucionais do contraditório e da ampla defesa:

Administrativo. Magistrados... punidos com a pena de disponibilidade. Mandado de Segurança. Alegada nulidade da decisão, consubstanciada em vícios na composição do Órgão Especial.

Ausência do quórum de deliberação, cerceamento de defesa, nulidade formal do acórdão e

irregularidades insuscetíveis de justificar punição administrativa porque impugnáveis pelos

meios processuais ordinários.

Alegação acolhida tão-somente no que concerne ao cerceamento de defesa, caracterizado pela

realização de julgamento sem a presença dos acusados e de seus advogados, os quais ficaram

impossibilitados de apresentar defesa oral, de, eventualmente, argüir o impedimento de

desembargadores que dele participaram, e de certificar-se da observância do quórum constitucional, para composição e deliberação. Segurança parcialmente concedida para o fim

de anular o processo, a partir do julgamento (Acórdão da 2ª Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por maioria, julgamento em 5 de junho de 1991, Relator o Ministro Ilmar Galvão).

6.4. Prerrogativas previstas na LOMAN

O art. 33 da LOMAN enumera diversas prerrogativas do magistrado que, mais uma vez, não são

exclusivas do seu regime.

A garantia de ser ouvido como testemunha em data previamente designada (Código de Processo Civil, art. 411), de não ser preso a não ser em flagrante delito em crime inafiançável, ser

recolhido a prisão especial quando sujeito a prisão antes do julgamento final, não estar sujeito a

notificação ou a intimação para comparecimento, salvo se expedida por autoridade judicial, e

portar arma de defesa pessoal.

O art. 34 da mesma lei complementar, que exige releitura pela Constituição de 1988 e suas

alterações, diz que Juízes dos tribunais superiores terão o título de Ministros, os dos Tribunais

de Justiça e dos Tribunais federais o título de Desembargador e os magistrados de primeira instância o título de Juiz. Contudo, a Constituição dá o título de Ministro a outros agentes

políticos, e as leis inferiores e o próprio costume social ainda permitem que o árbitro seja

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chamado de juiz (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996) e se usem indiscriminadamente as

expressões tribunal e sentença.

7. As prerrogativas constitucionais da magistratura

Hoje, a Constituição e as leis pouco ou nada amparam a magistratura; parecem, até mesmo,

desafiar e testar a independência dos juízes.

As prerrogativas constitucionais – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos

vencimentos – sequer são exclusivas da magistratura.

Tais prerrogativas, em face da autonomia do Judiciário como Poder da República, simplesmente

contrapõem o Juiz ao próprio tribunal e, agora, ao Conselho Nacional de Justiça.

7.1. Vitaliciedade

A vitaliciedade consiste na garantia de que o juiz somente perde o cargo por sentença transitada

em julgado.

A vitaliciedade, no primeiro grau de jurisdição, somente é adquirida pelo magistrado através do

processo de vitaliciamento, durante o qual, por dois anos, fica submetido à estreita vigilância para se apurar suas condições pessoais para o exercício da magistratura. Neste período de dois

anos, o vitaliciando somente perderá o cargo em razão de processo administrativo em que se lhe

assegurem o contraditório e a ampla defesa, como está na Constituição para o caso de aplicação

de qualquer sanção (art. 5º, LV).

O vitaliciamento é o processo a que são submetidos os magistrados de primeiro grau e os

membros do Ministério Público para a aquisição da prerrogativa de vitaliciedade.

Não estão submetidos ao período de vitaliciamento os magistrados que assumem cargo por

provimento originário nos tribunais, como aqueles que preenchem as vagas do denominado

"quinto constitucional" ou que são nomeados para os tribunais superiores.

Consiste o vitaliciamento em processo de controle e instrução, durante dois anos, para se apurar se o magistrado ou o membro do Ministério Público dispõe de condições pessoais para o

exercício das funções.

Completado esse processo, que a Constituição de 1988, na sua redação originária, estipulou em

dois anos, há declaração formal de que o vitaliciando preencheu os requisitos e, a partir daí,

somente perderá o cargo em razão de sentença judicial transitada em julgado, em que se lhe

assegure a ampla defesa.

Determinadas situações funcionais, como, por exemplo, licença médica, licença para

aleitamento ou qualquer outra licença que implique suspensão temporária do exercício

funcional, são admitidas geralmente como causas de suspensão do curso do vitaliciamento; o que lhe sobejar recomeça a contar a partir da cessação de tal causa, em casos tais, a declaração

administrativa do vitaliciamento, de que o vitaliciando atendeu aos requisitos exigidos pela

ordem jurídica, somente se faz completados os dois anos.

O Juiz vitaliciado somente perderá o cargo por sentença judicial, resultante de processo criminal

com pena legalmente prevista no sentido da perda do cargo público, ou através de processo cível, com pedido expresso da pessoa jurídica de direito público interessada, União ou Estado-

membro, no sentido da desconstituição do vínculo do réu com o Poder Público.

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7.2. Inamovibilidade

A inamovibilidade consiste na prerrogativa de não ser o seu titular removido do local ou lotação

senão mediante a existência de processo administrativo disciplinar em que possa exercer a

garantia da ampla defesa.

A inamovibilidade é garantia constitucional que também assiste ao membro do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, b) e ao Defensor Público (art. 134, § 2º) e, quanto à magistratura e ao

Ministério Público, é garantia que se torna letra morta quando metade dos "beneficiados"

permanece anos sem lotação definida.

7.3. Irredutibilidade dos subsídios

A irredutibilidade, estendida pela Constituição de 1988 aos servidores públicos e aos

empregados privados, não impede que ao Juiz se desconte quase a metade da remuneração a

título de imposto de renda, de contribuições previdenciárias, de seguro-saúde e outras verbas.

O Juiz não pode se dedicar a outras funções que não aquelas típicas da magistratura, salvo

diminuta dedicação ao magistério, nem pode incorporar a seus subsídios parcelas plenamente

acessíveis aos demais servidores públicos.

8. Vedações

O parágrafo único do art. 95 da Constituição expressa diversas vedações, às quais se somam os

deveres do magistrado constantes no art. 35 da LOMAN.

As vedações constitucionais aos magistrados são as mais severas destinadas aos agentes políticos, às quais, pela Emenda Constitucional nº 45/04, estão assimiladas as vedações aos

membros do Ministério Público constantes do art. 128, II, da Constituição.

8.1. Dedicação exclusiva à magistratura, salvo a docência superior

A Reforma da Justiça posta pela Emenda Constitucional nº 7/77, impondo diversas limitações e

deveres à magistratura, extinguiu a permissão que até então existia no sentido de que pudesse o

Juiz exercer a docência no ensino médio.

Desde então, somente se permite ao Juiz a docência em estabelecimento de ensino superior, sem

dedicação exclusiva, devendo cumprir prioritariamente os deveres do seu cargo na magistratura.

A Constituição Federal de 1988, com a redação dada ao art. 95, Parágrafo Único, inciso I,

revogou a LOMAN neste aspecto, permitindo ao Juiz a docência ainda que não seja no nível

superior.

Diz o § 1º do art. 26 da LOMAN que o exercício de cargo de magistério superior, público ou particular, somente será permitido se houver correção de matérias e compatibilidade de

horários, vedado, em qualquer hipótese, o desempenho de função administrativa ou técnica de

estabelecimento de ensino e o § 2º que não se considera exercício do cargo o desempenho de função docente em curso oficial de preparação para judicatura ou aperfeiçoamento de

magistrados.

Também está proibido o magistrado, ainda, de exercer cargo de direção ou técnico de sociedade

civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe

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e sem remuneração, e de exercer o comércio ou participar, salvo como acionista ou cotista, de

sociedade comercial, inclusive de economia mista (LOMAN, art. 36, I e II).

8.2. Restrição ao direito de manifestação do pensamento

É vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo

pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou mesmo emitir juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras

técnicas ou no exercício do magistério superior (LOMAN, art. 36, III).

8.3. Proibição de percepção de quaisquer vantagens que não sejam aquelas decorrentes do

exercício da função

Antigamente, o magistrado recebia custas ou participação nos processos em que atuava, como

os demais personagens processuais, como promotores, escrivães, oficiais de justiça,

procuradores, avaliadores etc.

A proibição do recebimento de custas ou percentagem nos processos representou para a

magistratura um grande progresso no exercício de seus direitos, obrigando os Governos a

remunerá-lo pelo Tesouro.

Veio agora a EC n º 45/04 e também vedou o recebimento, a qualquer título ou pretexto, de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as

exceções que serão ainda previstas na lei complementar que regular a vedação constitucional.

8.4. Proibição de atividade político-partidária

Antes mesmo da criação da Justiça Eleitoral em 1934, já estava o Juiz proibido de exercer a

atividade político-partidária, assim o imunizando das paixões que devastam tal atividade.

A proibição constitucional compreende, como é óbvio, não só a filiação a partido político como

também o exercício da manifestação de pensamento ou do direito de crítica que possa representar, dolosamente, conduta que afronte a esperada imparcialidade que deve ornar a vida

pública e privada do magistrado.

8.5. Proibição temporária da advocacia mesmo após afastado da função judicante

Seguindo a prática imposta por lei do mercado financeiro, protegendo a confidencialidade das

informações, EC nº 45/04 acrescentou nova vedação ao regime jurídico do magistrado,

dispondo que o mesmo, após se afastar das funções por aposentadoria ou exoneração, não poderá exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, ante de decorrido três anos

de afastamento.

Tal norma se mostra de aplicabilidade imediata, incidindo o termo trienal a contar da vigência

da emenda constitucional em 31 de dezembro de 2004, entendendo alguns que não incide na vedação o magistrado que se afastou do cargo em data anterior; outros, no entanto, entendem

que se deve contar o triênio desde o afastamento, ainda que este tenha se efetivado

anteriormente à vigência da norma.

A redação do texto constitucional apostou na idéia de que o magistrado que foi sancionado com

a perda do cargo não obterá inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, valendo observar que a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, em seu art. 8º, exige a idoneidade moral como requisito

para a inscrição como advogado, embora diga, nos §§ 3º e 4º, que não atende ao requisito de

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idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação

judicial, e que a inidoneidade moral deve ser suscitada por qualquer pessoa, somente podendo

ser reconhecida por dois terços do respectivo conselho, em procedimento que atenda aos termos

do processo disciplinar.

A nova proibição se mostra, no entanto, muito frágil para alcançar os fins que foram

trombeteados como seu fundamento, pois a referência específica a juízo ou tribunal inibe o

exercício somente no juízo ou no tribunal do qual se afastou o magistrado, o qual poderá atuar em juízos de mesma competência material (por exemplo, no Foro Central do Rio de Janeiro há

cinqüenta varas cíveis e dezoito varas de família) ou até mesmo em tribunais inferiores ou

superiores.

8.6. Residência na comarca

O Juiz titular residirá na respectiva comarca (CF, art. 93, VII; LOMAN, art. 35, V), salvo prévia

autorização do órgão disciplinar a que estiver vinculado.

Tal norma se mostra de extrema valia somente para aqueles que imaginam que a presença diuturna do magistrado no posto de trabalho onde pode ser encontrado seja um instrumento

imprescindível para a realização da Justiça.

Mas há temperamentos decorrentes de situações que não se amoldam a tais pretensões

cerebrinas, o que legitima a autorização do órgão censória em autorizar a moradia fora da

comarca.

Imagine-se, por exemplo, juízos cuja ‘comarca’, ou melhor, a área de competência territorial, compreenda todo o Estado, como, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, as Varas de

Fazenda Pública e a Vara de Execuções Penais, sediadas na Capital; ou, o que é comum na

região amazônica, comarcas de imensa extensão territorial, em que o jurisdicionado deverá

percorrer dias de barco para se transportar até a sede do juízo.

8.7. Manter conduta irrepreensível na vida pública e particular

Interessante observar que a LOMAN, em seu art. 35, somente inseriu tal dever no inciso VIII,

justamente o último da série, como uma norma de encerramento que poderia, na verdade, não

somente complementar os demais deveres como, também, perfeitamente os substituir.

O magistrado deve manter irrepreensível conduta na vida pública e na vida particular porque,

diferentemente da esmagadora maioria dos demais servidores públicos, é membro de Poder da República, e como os demais agentes políticos, que legalmente devem atender para o decoro

que deles se exige, exerce função por período muito maior do que aqueles que foram eleitos

para cargo temporário, além de que está submetido à atenção não só de seus ‘comarqueanos’

mas de toda a sociedade.

A expressão conduta irrepreensível na vida pública e particular constitui elemento normativo

social, cujo conteúdo somente pode se apurar em específicas situações, a depender do momento

histórico e até do espaço físico de sua incidência.

8.8. Obediência às normas legais

O que está no inciso I do art. 35 da LOMAN (cumprir e fazer cumprir, com independência,

serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício) constitui norma de absoluta

desnecessidade.

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A independência no exercício das funções constitui antes dever moral do magistrado do que

dever jurídico e decorre não do disposto no referido inciso mas da própria função, como

membro de Poder da República e agente de superlativa e essencial atuação social.

A serenidade exigida não constitui virtude nem exigência transcendental à natureza humana do

magistrado, antes espelha a esperada isenção de ânimo que todos esperam de sua atuação.

A exatidão é expressão que pretende tornar objetiva a conduta da pessoa encarregada de

constituir, em cada caso concreto, as normas que o Direito prevê genérica e abstratamente.

Com referência às disposições legais, basta que se remeta aos termos do constante no art. 4º da

Lei de Introdução ao Código Civil e ao art. 126 do Código de Processo Civil: O juiz não se

exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes

e aos princípios gerais do Direito.

Não se tome o comando do transcrito art. 126 da lei processual como exigência a manietar o

Juiz ao princípio da legalidade estrita; antes, é justamente a autorização legal para que possa o

mesmo prestar a jurisdição ainda que o texto legal seja omisso ou equívoco.

8.9. Demais normas do art. 35 da LOMAN

As demais normas do art. 35 da LOMAN somente merecem importância quanto à frustrada

tentativa de limitar a conduta do Juiz aos termos ali postos, bastando se ver que são disposições

legais extraídas das leis funcionais comuns com a diferença de que constituem normas com

elementos culturais e sociais que somente podem ser percebidos na aplicação concreta.

9. O ingresso na carreira

O ingresso na carreira da magistratura se faz por concurso público de provas e títulos, organizado pelo respectivo tribunal com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em

todas as suas fases, obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação.

Na nomeação não mais há lista tríplice, pois desde a redação originária, a Constituição exige

que se obedeça à rigorosa ordem de classificação.

A lista tríplice somente se justificava quando a nomeação era feita pelo governante, o que não

mais é caso, em face do disposto no art. 96, I, c, competindo ao tribunal o provimento originário

(nomeação) e o provimento derivado (promoção).

A participação da OAB se faz em todas as fases do certame, desde a elaboração do edital (que é

a regra geral do certame, elaborado nos termos da Constituição, da lei federal que rege o regime

da magistratura, das resoluções específicas do Conselho Nacional de Justiça e, no restante, pelas normas internas do próprio tribunal) até a homologação final do concurso, passando pela fase de

inscrições e seu deferimento, pelo julgamento dos títulos e pela realização e correção das

provas.

A EC nº 45 passou a exigir que o candidato ao concurso de ingresso na magistratura exiba, ao

menos, o título de bacharel em Direito, expressão que deve ser compreendida no sentido de título universitário deste ramo específico do conhecimento humano, expedido por

estabelecimento de ensino superior nacional com diploma reconhecido pelo Ministério da

Educação. Em se tratando de título obtido no estrangeiro, deve ser o mesmo reconhecido no

Brasil por lei ou ato administrativo de autoridade administrativa competente para tais fins.

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Tem sido admitido pela Administração Pública, inclusive a Judiciária, o entendimento expresso

na Súmula 266 do Superior Tribunal de Justiça de que o diploma ou habilitação legal para o

exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público.

A nomeação e as promoções dos juízes de carreira é feita pelos tribunais e para tal eles ficam

dependentes do limite orçamentário de despesas previsto na Lei da Responsabilidade Fiscal.

A EC nº 45 passou a exigir do candidato três anos de atividade jurídica.

Tal prazo, na linha de orientação da Súmula 266, tem por termo final a data da posse, mesmo

porque há concursos que demoram mais de um ano para a sua realização.

Como o inciso em comento diz exigindo-se do bacharel em Direito, no mínimo, três anos de

atividade jurídica, tem sido interpretado que o termo inicial da atividade jurídica, como

requisito para o concurso, se conta a partir do término do curso de graduação, evento que nem

sempre coincide com o da colação de grau, que é o termo oficial.

Poder-se-ia até mesmo interpretar que o termo inicial da atividade jurídica poderia ser anterior

ao término do curso de graduação, como o estágio forense oficial para fins acadêmicos e da

Ordem dos Advogados do Brasil, mesmo porque, da interpretação literal do texto constitucional, são extraídas duas exigências: primeiro a de ser bacharel em Direito, e segundo a de contar três

anos de experiência jurídica, sem que ali conste que a experiência jurídica deve ser contada a

partir da obtenção do título de bacharel.

No entendimento deste autor, não se pode resumir ao exercício de cargos e funções no serviço

público a mencionada atividade jurídica, mas deve abranger também atividades exercidas na iniciativa privada e que tenha, direta ou indiretamente, vinculação com a aplicação de normas

jurídicas; a regra, decorrente do disposto no art. 37 da Lei Maior, é que eventual dúvida se

resolva em favor do pretendente ao ingresso no cargo pública.

Como o campo de exegese da disposição em comento parece suficientemente amplo para oferecer soluções razoáveis das mais diferentes extensões, prudente seria que a lei

complementar ou uma resolução do CNJ dispusesse sobre o conceito e os termos inicial e final

da atividade jurídica.

Por derradeiro, a exigência constitucional de se realizar o primeiro provimento do Juiz de

carreira em cargo de substituição na magistratura, como consta na redação originária da Constituição, deve ser urgentemente repensada e discutida na próxima reforma do Poder

Judiciário.

Em muitas carreiras judiciais, o número de cargos para substituição e auxílio se mostra

excessivo, acarretando reflexos de instabilidade para o magistrado que, não raras vezes, passa anos sem que se veja lotado em determinado posto de trabalho, assim fazendo tábula rasa do

princípio constitucional da inamovibilidade.

Por outro lado, na entrância inicial, ocorre também que nem sempre existem cargos em número

suficiente para atender ao período de vitaliciamento (art. 95, I, que deve ser futuramente

aumentado para três anos), conduzindo a situações esdrúxulas como a permanência no regime

de vitaliciamento de juiz que foi promovido por merecimento...

Enfim, mais prático seria que se suprimisse a expressão cujo cargo inicial será o de juiz

substituto, constante do art. 93, I, da Constituição.

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10. Promoção

A promoção é a elevação de grau, categoria, posto ou dignidade, superiores aos desempenhados

anteriormente.

Pressuposto lógico da existência da carreira é a promoção, a possibilidade de o magistrado

alcançar movimentação vertical nos cargos judiciais.

A promoção é prevista nos incisos II e III do art. 93, complementado pelo inciso IV, ao prever a Escola da Magistratura, com previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e

promoção do magistrado.

Os critérios clássicos da promoção são o merecimento e a antiguidade, notando-se cada vez

mais que o critério do merecimento tem merecido restrições de forma a torná-lo objetivo e,

assim, com a tendência de lhe excluir eventual existência de fundo clientelista que viria contra a

independência do Juiz.

A Constituição de 1988 exige a promoção de entrância para entrância, alternadamente, por

antiguidade e merecimento, desde logo indicando a interpretação literal do inciso II de que a

antiguidade tem precedência sobre o critério do merecimento.

A nova alínea e do inciso II do art. 93 proclama que não será promovido (por merecimento ou antiguidade) o Juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não

podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão.

Note-se o advérbio injustificadamente a indicar que, em todos os casos de promoção (e de

remoção também, até mesmo por permuta, como está no inciso VIIII-A,), deverá constar nos

autos do expediente administrativo a ser examinado pelos órgãos competentes (o Conselho da Magistratura, que tradicionalmente aprecia preliminarmente os requerimentos, o Pleno, ou

Órgão Especial, que procede ao julgamento) o atestado do órgão encarregado da fiscalização

sobre os feitos com prazo excedido em nome do requerente, o qual deve ser cientificado não só da existência de anotações neste sentido como também para oferecer justificação em prazo

razoável.

O comando constitucional é imperativo – não será promovido –, razão pela qual

necessariamente deverá constar a informação sobre os feitos com prazo excedido em poder do

requerente, não cabendo ao órgão de julgamento dispensar a informação ou mesmo considerar

justificada a demora ex officio ou em todos casos.

A justificação apresentada deve ser motivadamente acolhida pelo órgão julgador para que se

ultrapasse o óbice à promoção ou à remoção.

10.1. Promoção por merecimento

A consciência jurídica nacional exige, cada vez mais, critérios objetivos para a promoção por

merecimento não só do magistrado mas de todos os servidores públicos, o que tem sido

gradualmente atendido pela Constituição.

10.1.1. Lista de promoção

É obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento, o que acabou com a deletéria prática governamental de se omitir quanto à

edição dos decretos de provimento derivado; em certos casos mais extremados, o Juiz aparecia

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uma dúzia de vezes nas listas e, mesmo assim, era rejeitado pelo Governo, aí atendendo aos

pedidos da liderança política do local para o qual seria realizada a promoção.

Como a Constituição de 1988 passou a nomeação e a promoção para o próprio tribunal, tal

obrigatoriedade acabou por perder a sua importância, porque o Presidente do tribunal, que procede ao provimento inicial ou derivado, não dispõe de qualquer autonomia de escolha, assim

realizando ato estritamente vinculado ao que foi decidido pelo tribunal pleno ou órgão especial.

A única limitação válida que pode ser suscitada pelo presidente do tribunal para deixar de lançar

o edital de promoção é a de que deve aguardar condições para que não reste ultrapassado o

limite máximo de despesas previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.

10.1.2. Interstício na entrância e cota mínima

A promoção por merecimento pressupõe dois anos do exercício na respectiva entrância e também integrar o Juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade, salvo se não houver com

tais requisitos quem aceite o lugar vago.

O interstício de dois anos na respectiva entrância instituiu uma importante subdivisão na lista

dos pretendentes à promoção, os quais mesmo sem decorrer o prazo mínimo de exercício na respectiva entrância, pode requerer a promoção, mas o seu requerimento fica condicionado à

eventualidade de que não haja concorrente que tenha preenchido o prazo.

Em caso de promoções coletivas, em que os candidatos caminham progressivamente na

entrância de acordo com as vagas que devem ser preenchidas, alguns tribunais adotaram o

critério do ‘quinto móvel’, isto é, admite-se a promoção do candidato que somente naquela sessão de promoções coletivas entrou na cota do quinto mais antigo da respectiva lista de

antiguidade.

10.1.3. Aferição do merecimento

A Constituição institui critérios objetivos a serem atendidos na promoção por merecimento,

assim limitando o amplo campo discricionário que muitos pretendem navegar se atendidos os

itens anteriores.

A aferição do merecimento, prevista na EC 45/94, na alínea c do inciso II do art. 93 da Constituição, deve atender ao desempenho e a critérios objetivos de produtividade e presteza no

exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos

de aperfeiçoamento.

A nova redação da alínea c, ora comentada, é bem superior à redação originária da Constituição, que somente se referia à aferição do merecimento pelos critérios da presteza e segurança no

exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos reconhecidos de

aperfeiçoamento. Substituiu-se a expressão segurança por produtividade¸ este também conceito normativo indeterminado, correspondendo aos tempos atuais de se exigir a eficiência como

requisito também da prestação de serviço público.

Os critérios objetivos da promoção por merecimento merecem ainda maior ampliação para

restringir a discricionariedade ainda atualmente existente, mesmo porque as votações são feitas

por escrutínio secreto, sem que se saiba os critérios de escolha adotados pelo votante, embora

recebam informações sobre os candidatos.

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A necessidade da maior objetividade possível nas promoções e remoções levou muitos tribunais

e seções estaduais do Ministério Público a adotar exclusivamente o critério de antiguidade na

promoção por merecimento.

O elemento da produtividade mostra-se mais objetivo do que o elemento da segurança no julgamento, este dependente de apreciação de cada ato judicial e aquele hoje facilmente

demonstrável pelo controle informatizado dos processos judiciais.

Contudo, ambos merecem críticas pela inerente impossibilidade de radiografar com precisão a

atividade judicial, bastando se ver que no juízo fazendário poderá o Juiz emitir em um mês

milhares de sentenças de extinção de execuções de dívida ativa com fundamento em anistia, enquanto o Juiz do tribunal do Júri somente poderá prolatar poucas sentenças em face do

complexo ritual procedimental que a lei exige no julgamento popular.

Quanto à presteza no exercício das funções, não basta se apontar se o Juiz excedeu ou não os

prazos processuais, pois a urgência constitui imperativo da decisão que impede que os autos fiquem descansando aguardando a providência e, por outro lado, ainda hoje há a nefasta prática

de somente o cartório tramitar o processo que desperte o interesse do advogado ou da parte,

destes se exigindo frustrante acompanhamento na serventia.

10.2. Promoção por antiguidade

A promoção por antiguidade se dá em alternância com a promoção pelo critério do

merecimento, mas a redação dos termos constitucionais indica a prioridade do critério da

antiguidade sobre o do merecimento.

Na classificação da vaga a ser posta em votação por promoção ou remoção, vem, em primeiro

lugar, a vaga por antiguidade, se não for o caso de se adotar o critério de alternância com vaga

anterior. Da mesma forma, em vaga criada por lei, se a vaga anterior não constitui alternância.

Somente pode ser recusado na promoção ou remoção por antiguidade o magistrado mais antigo entre os concorrentes se a ele foi concedida a oportunidade do contraditório e da ampla defesa e

se houver voto fundamentado de dois terços dos membros do órgão julgador votando pela

rejeição.

A nova redação que se conferiu ao texto constitucional simplesmente positivou entendimento

muitas vezes reiterado pelo Supremo Tribunal Federal repelindo a rejeição imotivada do candidato mais antigo, havendo caso de rejeição imotivada que se repetiu por duas dezenas de

vezes.

Como a promoção por antiguidade é essencialmente objetiva, tem sido utilizada por Tribunais e

Conselhos do Ministério Público como único critério de promoção.

11. Remoção

A remoção é a movimentação do magistrado dentro da respectiva entrância, assumindo comarca

ou posto de lotação diverso.

A remoção pode se dar ex officio, em caráter sancionatório, para o que se exige, em face da prerrogativa da inamovibilidade, a existência de processo disciplinar em que se conceda

oportunidade da mais ampla defesa, bem como decisão motivada do órgão julgador, por maioria

absoluta do tribunal ou órgão especial, ou do Conselho Nacional e Justiça (CF, arts. 95 II; 93, VIII, e 103-B, VIII), ou pode a remoção se dar a pedido, pela vontade do titular do cargo, aí se

compreendendo a remoção por permuta.

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Diz o novo inciso VIII-A do art. 93 que a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de

comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a, b e c, do inciso

II.

A nova redação exigiu que a remoção se faça também por antiguidade, o que não era atendido por alguns tribunais e, conseqüentemente, que todas as vagas postas para promoção sejam

submetidas antes ao concurso de remoção pelos critérios de antiguidade e de merecimento.

Admite-se, com a nova redação do texto constitucional, a remoção por permuta, desde que não

represente a mesma uma fraude aos critérios de antiguidade e merecimento para a remoção e

para a promoção, o que, na prática, limitará a permuta tão somente àqueles magistrados com similar colocação na lista de antiguidade, e que não estejam próximos a qualquer causa de

afastamento compulsório.

12. Acesso ao tribunal

O acesso ao tribunal é direito do magistrado de carreira à movimentação vertical.

A Constituição fala em acesso ao tribunal, no art. 93, III, e não em promoção, em face da

existência do acesso aos Tribunais através do denominado ‘quinto constitucional’ previsto no art. 94 da Constituição, em sistema implantado desde a Constituição de 1934 e que não é o

mesmo vigente para o preenchimento das vagas dos Tribunais Superiores.

Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados

e do Distrito Federal será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos

de carreira, e de advogado de alto saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das

respectivas classes. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-se ao

Poder Executivo que, nos vinte dias consecutivos, escolherá um de seus integrantes para

nomeação.

O magistrado integrante do ‘quinto constitucional’ passa a integrar o tribunal em plena

igualdade de condições com os magistrados de carreira que ali ascendem, devendo ser

observado que a EC nº 45/04, ao dispor sobre a eleição dos membros do órgão especial, no

inciso XI do art. 93, não menciona a reserva de vagas para o quinto, o que, por si só, revoga o disposto no art. 99, e seu § 1º, da LOMAN, quanto à representação de advogados e membros do

Ministério Público na composição do órgão especial e dos órgãos fracionários.

13. A disciplina judiciária

A LOMAN designa o seu título III com a denominação "da disciplina judiciária",

compreendendo o capítulo I, sobre os deveres do magistrado, o capítulo II, sobre as penalidades, e o capítulo III, sobre a responsabilidade civil do magistrado, restando comentar, neste trabalho,

sobre as penalidades.

São previstas as seguintes penas:

a) advertência aplicada reservadamente, por escrito, no caso de negligência no cumprimento dos

deveres do cargo previstos no art. 35;

b) censura, também aplicada reservadamente por escrito, no caso de reiteração da negligência

no cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave. O juiz punido com a pena de censura não poderá figurar na lista

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de promoção por merecimento pelo prazo de um ano, contado da imposição da pena, isto é, do

seu trânsito em julgado;

c) remoção compulsória, por motivo de interesse público;

d) disponibilidade com subsídios proporcionais ao tempo de serviço;

e) aposentadoria compulsória, também com subsídios proporcionais ao tempo de serviço e

d) demissão, em caso de sentença transitada em julgado, ou administrativamente, em caso de

transgressão de vedação constitucional.

Os dispositivos da LOMAN pertinentes à disciplina judiciária permanecem em vigor, mas

merecem releitura que atenda à Constituição de 1988, com as alterações posteriores, bastando se ver, neste aspecto, que antes se exigia para a remoção ex officio, disponibilidade e aposentadoria

compulsória, o quorum qualificado de dois terços do órgão decisor, reduzido agora para a

maioria absoluta.

14. Aposentadoria dos magistrados e pensão de seus dependentes

A Emenda Constitucional nº 20, de 1998, dita "Reforma da Previdência", deu ao inciso VI do art. 93 a redação que lá se encontra, remetendo às disposições comuns do art. 40 as normas do

regime previdenciário dos magistrados.

15. Conclusão

Desde os tempos coloniais até este início do século XXI, houve muitas ‘reformas do Poder

Judiciário’, o que indica que a legitimidade do Poder não resulta somente de sua própria

atividade, mas é decorrência natural do processo de construção da cidadania como fundamento do Estado Democrático de Direito, a prevalecer a dignidade humana como princípio

fundamental.

Neste árduo processo de construção, é essencial a função jurisdicional do Estado como serviço

público voltado à solução pacífica das controvérsias e como função realizadora da vontade

popular expressa na Constituição.

E o Juiz é a Justiça imanente em cada causa, dirigindo o processo de solução das controvérsias e

concretizando na sentença os valores genéricos e abstratos reconhecidos na Constituição e nas

leis.

A mais importante prerrogativa judicial, sua mais destacada garantia, fundamento jurídico da

imprescindível independência como requisito elementar do exercício da magistratura, não está enunciada na Constituição, mas, decorre do regime democrático de governo e do princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana, e consiste na garantia de não ser punido ou

prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.

O juiz tem o dever ético da independência.

A defesa do valor da independência judicial incumbe a todos os membros da sociedade, mas

constitui o primeiro dever do próprio magistrado: A independência dos Juízes, isto é, aquele princípio institucional por força do qual, ao julgarem, se devem sentir desligados de qualquer

subordinação hierárquica, é um privilégio duro, que impõe a quem dele goza, a coragem de

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ficar só consigo mesmo, sem que se possa comodamente arranjar um esconderijo por detrás da

ordem superior (Piero Calamandrei).