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265 Capítulo 4 - Segurança Pública Antonio Roberto dos Anjos Padilha - SESP Wânia Rezende Silva - UEM 1 Introdução Na sociedade do século XXI, nota-se que o individualismo é crescente. SORJ (2004) menciona que na dinâmica da modernidade, as pessoas se individualizam e a sociedade se complexifica; entrelaçam-se cada vez mais os destinos individuais e sociais, o que exige uma crescente intervenção do poder público. Devido ao avanço tecnológico vivido e à rapidez das informações e transformações constantes, as quais estão sujeitos dentro da sociedade moderna, criam uma dependência indireta do indivíduo para com o Estado. Característica de uma sociedade onde há um rompimento das estruturas tradicionais, onde a família era vista como ponto referencial no modelo patriarcal, significativamente modificado dentro da atual estrutura social brasileira. Para VALENTE (2006) apud BAUMAN (2003) esta mudança é conseqüência dos efeitos da globalização sobre as pessoas, tornando-as cada vez mais anônimas e solitárias. E assim, desagregadas e isoladas, onde os estranhos são as projeções dos nossos medos, levantam-se muros, contrata-se vigilância privada, verifica-se cada vez mais um distanciamento da liberdade de ir e vir, perde-se a individualidade. Por conta dessa ausência de individualidade, percebe-se que no campo da segurança pública a responsabilidade está sendo atribuída cada vez mais ao Estado. Isso ocorre em função da passagem de responsabilidade, repassada indiretamente ao poder público, contrariando o preceito constitucional que enuncia no Artigo 144: “A segurança Pública, direito e responsabilidade de todos (grifo nosso), é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]”. A responsabilidade na educação dos filhos está cada vez mais para o Estado do que para a família. Isso porque a desigualdade social e a falta de emprego criam uma prática de que tudo provém do poder público, seja através dos benefícios sociais oferecidos pelo governo ou por programas sociais. Observa-se que a Polícia Militar do Paraná (PMPR) tem a sua solicitação de serviços aumentada, extrapolando a sua missão constitucional, sendo convocada pela comunidade para resolução dos problemas do cotidiano, muitas vezes não conseguindo atender a demanda do clamor público por segurança. Buscando respostas a estes anseios da comunidade, a Polícia Militar executa as atividades tradicionais de policiamento ostensivo de rádio patrulha, policiamento de trânsito urbano e rodoviário, e ainda, dentro da filosofia de polícia comunitária, desenvolve diversas modalidades de policiamento, visando à aproximação do policial militar com a sociedade, sendo que atualmente são desenvolvidos a Patrulha Escolar Comunitária, o Policiamento Ostensivo Volante (POVO), Patrulha Rural, Policiamento Ambiental e também desenvolve programas de caráter preventivo educacional, como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD), prevenção esta em longo prazo, pois ensina crianças do ensino fundamental a dizer não as drogas, educando-as para a convivência em grupo. Ainda o Projeto Formando Cidadão, que tem por objetivo a inserção social na comunidade de crianças e adolescentes carentes, contribuindo para a formação do caráter e inclusão destas no mercado de trabalho, através dos ensinamentos oferecidos. Contudo, não se criou um ambiente adequado para que o público interno da PMPR, principalmente nos sargentos, cabos e soldados executores da atividade de policiamento ostensivo, O RELACIONAMENTO DO POLICIAL MILITAR COM A COMUNIDADE

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265Capítulo 4 - Segurança Pública

Gestão de Políticas Públicas no Paraná

Antonio Roberto dos Anjos Padilha - SESPWânia Rezende Silva - UEM

1 Introdução

Na sociedade do século XXI, nota-se que o individualismo é crescente. SORJ (2004) menciona que na dinâmica da modernidade, as pessoas se individualizam e a sociedade se complexifica; entrelaçam-se cada vez mais os destinos individuais e sociais, o que exige uma crescente intervenção do poder público. Devido ao avanço tecnológico vivido e à rapidez das informações e transformações constantes, as quais estão sujeitos dentro da sociedade moderna, criam uma dependência indireta do indivíduo para com o Estado. Característica de uma sociedade onde há um rompimento das estruturas tradicionais, onde a família era vista como ponto referencial no modelo patriarcal, significativamente modificado dentro da atual estrutura social brasileira.

Para VALENTE (2006) apud BAUMAN (2003) esta mudança é conseqüência dos efeitos da globalização sobre as pessoas, tornando-as cada vez mais anônimas e solitárias. E assim, desagregadas e isoladas, onde os estranhos são as projeções dos nossos medos, levantam-se muros, contrata-se vigilância privada, verifica-se cada vez mais um distanciamento da liberdade de ir e vir, perde-se a individualidade.

Por conta dessa ausência de individualidade, percebe-se que no campo da segurança pública a responsabilidade está sendo atribuída cada vez mais ao Estado. Isso ocorre em função da passagem de responsabilidade, repassada indiretamente ao poder público, contrariando o preceito constitucional que enuncia no Artigo 144: “A segurança Pública, direito e responsabilidade de todos (grifo nosso), é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]”.

A responsabilidade na educação dos filhos está cada vez mais para o Estado do que para

a família. Isso porque a desigualdade social e a falta de emprego criam uma prática de que tudo provém do poder público, seja através dos benefícios sociais oferecidos pelo governo ou por programas sociais.

Observa-se que a Polícia Militar do Paraná (PMPR) tem a sua solicitação de serviços aumentada, extrapolando a sua missão constitucional, sendo convocada pela comunidade para resolução dos problemas do cotidiano, muitas vezes não conseguindo atender a demanda do clamor público por segurança.

Buscando respostas a estes anseios da comunidade, a Polícia Militar executa as atividades tradicionais de policiamento ostensivo de rádio patrulha, policiamento de trânsito urbano e rodoviário, e ainda, dentro da filosofia de polícia comunitária, desenvolve diversas modalidades de policiamento, visando à aproximação do policial militar com a sociedade, sendo que atualmente são desenvolvidos a Patrulha Escolar Comunitária, o Policiamento Ostensivo Volante (POVO), Patrulha Rural, Policiamento Ambiental e também desenvolve programas de caráter preventivo educacional, como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD), prevenção esta em longo prazo, pois ensina crianças do ensino fundamental a dizer não as drogas, educando-as para a convivência em grupo. Ainda o Projeto Formando Cidadão, que tem por objetivo a inserção social na comunidade de crianças e adolescentes carentes, contribuindo para a formação do caráter e inclusão destas no mercado de trabalho, através dos ensinamentos oferecidos.

Contudo, não se criou um ambiente adequado para que o público interno da PMPR, principalmente nos sargentos, cabos e soldados executores da atividade de policiamento ostensivo,

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aceitasse essa nova mudança, havendo resistência significativa para esse paradigma. O modelo de gestão da polícia militar tem sido caracterizado, desde sua criação (1854), para defesa do Estado pelas forças bélica e humana, o qual não facilitou a aproximação da Polícia Militar com a sociedade e vice-versa, sendo que durante o Estado Novo o regime militar serviu como força de repressão estatal:

No caso da formação tradicional dos agentes policiais no Brasil, muitos têm sido os estudiosos que chamam a atenção para um processo de socialização que enfatiza a internalização de determinadas práticas e valores orientados para um modelo extremamente militarizado, onde os princípios da hierarquia e da submissão instrucional serviriam de justificativa para a aplicação de ritos de humilhação e práticas violentas e desrespeitosas infligidas aos agentes policiais (CUNHA, 2004, p.203).

Para demonstrar a percepção dos policiais militares em relação às atividades desempenhadas, foram entrevistados 100 policiais militares, com graduações de soldado, cabo e sargento, que executam a atividade de policiamento ostensivo na PMPR.

Constatou-se que o tempo de serviço prestado é de 6 meses a 30 anos de trabalho, sendo que o nível de escolaridade dos entrevistados é de 4% com o ensino fundamental, 57% com o ensino médio e 39% dos entrevistados com curso ou cursando nível superior. Também foi demonstrado na entrevista com os policiais que 90% praticam o rito católico, enquanto 10% seguem outras religiões.

Foi ainda realizada uma pesquisa com 150 pessoas, aleatoriamente, divididas, proporcionalmente, entre homens e mulheres, nos Municípios de Campo Mourão, Cianorte e Goioerê, totalizando 170.884 habitantes nos três Municípios pesquisados (IBGE). A faixa etária dos entrevistados foi de 20 a 70 anos, com grau de escolaridade de 19% com ensino fundamental, 67% com ensino médio e 14% com curso superior.

2 Polícia Militar durante o Regime Autoritário

Na organização do Estado brasileiro a Polícia Militar foi instituída para disciplinar as relações sociais entre as pessoas nas cidades que, durante um longo período, passaram a ser confundidas com a própria administração da cidade, tomando as responsabilidades da administração, no tocante à elaboração das normas e suas conseqüentes aplicações. A Polícia Militar, por delegação e competência dos governantes, passou a impor algumas vezes, arbitrariamente, extrapolando os limites das leis.

A ditadura soberana se fundamenta na capacidade da revolução se legitimar por ela mesma e de substituir toda a jurisdição existente. A nova autoridade se considera autodotada, tendo em vista sua condição revolucionária, dona de um poder suficiente para eliminar fatores adversos que perturbem a ordem, e para adotar medidas visando assegurar e consolidar o movimento revolucionário e impor seus objetivos. Ela supõe, evidentemente, uma forma altamente autoritária do exercício do poder. Nesse sentido o autoritarismo da Doutrina de Segurança Nacional integra entre seus elementos característicos os aparelhos repressivos (BORGES, 1994, p.59).

Durante o regime militar, compreendido entre 1964 a 1985, a Polícia Militar caracterizava-se tão somente como órgão repressor, a serviço do governo, e não como protetor de uma sociedade carente e sedenta de segurança.

Nesse período, a população tinha a imagem que a polícia era truculenta, em conseqüência, logicamente, do constante emprego da violência para conter as manifestações populares que, quase sempre, eram consideradas de oposição ao regime autoritário.

A polícia representava, assim, força e poder, firmando-se uma tradição que, por culpa de poucos, ainda perdura, para muitos.

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Gráfico 1 - Em sua opinião, o atendimento prestado pela polícia militar nos últimos anos

o domínio político usando exclusivamente a repressão, mas lançando mão diretamente da ideologia, que legitima a violência. Desse modo, a ideologia dominante invade os aparelhos de Estado, que têm por função laborar e reproduzir esta ideologia. Salienta-se, ademais, que a ideologia dominante intervém na organização dos aparelhos aos quais compete principalmente o exercício da violência legítima (BORGES, 1994, p.135).

A partir daí, houve um estreitamento ainda maior com a força militar federal nos regulamentos, na estrutura e no modo de agir, truculento e autoritário, característicos em tempos de repressão, incompatíveis com o Estado democrático de direito.

Além disso, a Polícia Militar serviu como órgão opressor, ficando, assim, ainda hoje, estereotipada como repressiva, a serviço dos interesses dos governantes e não como a serviço da comunidade.

Percebe-se que o atendimento prestado pela PMPR, mesmo com o processo de redemocratização, permaneceu aquém das expectativas da sociedade. Isso é demonstrado no Gráfico 1, onde 14% dos entrevistados responderam que o atendimento piorou, 40%, que permaneceu igual, enquanto 46% responderam que melhorou.

Toda essa situação liga-se, além do problema social, à herança que a polícia militar recebeu ao radical processo de repressão, quando o poder executivo exercido pelos militares, em seus atos, ampliou os poderes no intuito de obter o controle do Estado. Com isso, os demais poderes tiveram anuladas suas prerrogativas em detrimento do autoritarismo dos governos naquele período. Nesta época, os preceitos de direitos humanos não foram respeitados e a polícia foi instrumento para manter a situação, até mesmo por sua força nos Estados.

O Estado também tem um papel específico na organização das relações ideológicas e da ideologia dominante, pois ele não pode reproduzir

Gráfico 2 - Como é o atendimento do policial militar para com a população?

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Nota-se essa imagem negativa também, pois 5% dos entrevistados vêem o policial militar como mal educado; 41% afirmam que o policial é pouco educado no relacionamento com a população, e 54% consideram o policial educado no atendimento ao público. Vê-se, com isso, que 46% ainda têm uma imagem negativa em relação à abordagem do policial militar.

Comportamentos esses em razão, conforme expõe BITTNER (2003), “são extraordinariamente complicadas as razões de serem atribuídos imensos poderes nas vidas dos cidadãos a homens que são recrutados com a expectativa de engajar-se em uma ocupação de baixo grau educacional [...]”. Ensinou-se a combater o inimigo e as classes ditas perigosas, valer-se da força apenas das pessoas sem poder, com práticas padronizadas de arbitrariedade, dentro da ética policial praticada na rua, estabelecendo uma sub-cultura policial da violência.

O ordenamento jurídico, então existente, não proporcionava à comunidade a oportunidade de expressar seus sentimentos, nem tampouco a de participar de grandes decisões nacionais.

Somente em 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal, é que foram resgatados os direitos participativos à política e a sociedade democrática e livre.

Hoje, evidentemente, a sociedade vive um estado de direito, com novos conceitos sociais, morais e legais, bem mais amplos e, conseqüentemente, passaram a existir com mais freqüência conflitos de interesses pessoais.

É preciso tomar decisões, adotar medidas corajosas que favoreçam a consolidação de um país democrático. É preciso trabalhar, sem trégua e sem demoras, na remoção dos rastros do autoritarismo e na edificação de um legítimo Estado de Direito, que seja sólido e ao mesmo tempo permeável a critica. Onde não seja proibido participar, nem discordar, nem contestar. Onde o grito dos pobres possa ser ouvido. O grito de todos. (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985, p. 21).

3 Projeta-se uma Nova Polícia Militar

A Polícia Militar é um órgão do Estado que tem como missão institucional a preservação da ordem pública, uma vez que polícia é um vocábulo de origem grega, conforme explica Bobbio (1983), politeia, e passou para o latim politia, com o mesmo sentido de “governo de uma cidade, administração, forma de governo”, mas com o tempo, no entanto, assumiu um sentido particular, passando a representar a ação do governo, enquanto missão de tutela da ordem jurídica, assegurando a tranqüilidade pública e a proteção da sociedade contra as violações e manifestos.

Para a consecução deste objetivo formal, não se pode jamais imaginar a Polícia Militar dissociada da comunidade, devendo ser analisados dois pontos fundamentais: mantendo contato permanente com as pessoas, de modo a poder fortalecer a integração e angariar a confiança dessa comunidade e, ao mesmo tempo, detectar seus anseios e aspirações, a fim de que seja atendida dentro dos limites a que estejam submetidos sob o aspecto legal e moral.

Gráfico 3 - Como você percebe o meio em que o policial militar atua?

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O Gráfico 3 demonstra que a população conhece pouco sobre a atividade desenvolvida pela PMPR, pois 57% dos entrevistados percebem como normal, 9% consideram hostil e violento, 6% como agressivo, enquanto que 19% acreditam ser conflituoso. Na avaliação dos policiais militares quanto à colaboração da sociedade para o enfrentamento dos infratores da lei, esses responderam que 62% colaboram através de denúncias anônimas, informações que levam à prisão de marginais, existindo uma negativa de 38% dos entrevistados, informando e conscientizando a comunidade do tipo de trabalho que a Polícia Militar pode prestar à sociedade, para que esta possa avaliar a qualidade do serviço e como melhor usufruir dele. Para que uma Corporação possa prestar um bom serviço, jamais deverá prescindir da colaboração efetiva da comunidade, que é a razão de sua existência.

Nota-se que a velocidade das transformações sociais e as instituições que estão mais próximas dos cidadãos são as primeiras a serem atingidas. Ressalta-se que a liberdade, vista antes como participação do Poder do Estado, nos nossos dias se avalia na medida em que o indivíduo se afirma diante desse poder com crescentes exigências de respeito à cidadania.

A Polícia Militar, como órgão responsável pela preservação da ordem pública, tem em sua atividade uma semelhança com o pai de um adolescente, ou seja, cabe à PM verificar aquele que não tem conduta conveniente (como um adolescente rebelde) e tal qual um pai diz: “não pode, não faça, você está errado!”. Isto, logicamente, desagrada aquele que está sendo advertido e a tendência é hostilizar, pelo menos por algum tempo, aquele que o está advertindo.

Gráfico 4 - Qual o sentimento que a população tem em relação ao Policial Militar?

Na concepção dos policiais militares entrevistados, o sentimento de respeito que a população lhes tem corresponde à metade dos entrevistados; 32% demonstram-se indiferentes; 11% responderam que têm medo e 7% têm medo e respeito.

4 A Ostensividade da Polícia Militar

Com relação à necessidade de uma polícia ostensiva, ciente de suas obrigações sociais, expõe SAVARIS (2000):

[...] Esta função precisa ser vista através de um conceito ampliado de polícia ostensiva, onde o policial se coloca como agente do bem-estar dos

cidadãos, não se limitando à ação coercitiva que lhe é inerente, mas agindo como um fator de equilíbrio e de composição dos interesses individuais geradores de conflitos. De outro lado, num processo de interação entre o policial e a comunidade a que serve, haverá recíproca influência de um sobre o outro: o policial influindo nas relações sociais e os cidadãos influindo no método e nas prioridades policiais. O policial agirá como um prestador de serviços de segurança, na sua mais ampla conceituação, e o cidadão agirá como um cliente que não pode prescindir da prestação do serviço, mas pode escolher que tipo e em que medida quer recebê-lo (SAVARIS, 2000, p. 40-41).

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Gráfico 5 - Você considera o trabalho do policial militar como

Devemos observar que a atuação policial deve respeitar os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência pública. “As leis dizem o que a polícia deve e pode fazer sendo indispensável que as autoridades policiais também às respeitem, pois, se elas agirem fora da lei, mesmo que seja com desculpas de proteger as pessoas, ninguém estará seguro” (DALLARI, 2004, p. 98).

Em relação à ostensividade do policial militar, esta vai além das suas atribuições no que diz respeito a sua jornada de trabalho, pois a sociedade o vê atuando diuturnamente, e este é sempre solicitado pela sua comunidade, quando houver a necessidade da intervenção da Polícia Militar. Os entrevistados acreditam que o trabalho policial é preventivo e repressivo, conforme 59%; já 25% vêem tão somente como preventivo, enquanto 16% mensuram como repressivo.

Gráfico 6 - Você considera a ação do policial militar adequada no exercício da função?

Os princípios constitucionais norteiam a ação policial e visam prestar um bom atendimento à sociedade, proporcionando-lhe a sensação de segurança. Isso porque a população acredita que sua ação é adequada, conforme é visto no gráfico, onde 54% dos entrevistados a aceitam; 19% não acreditam e 27% desconhecem a ação da PM.

O Sistema Nacional de Segurança Pública busca padronizar a atividade das Polícias Militares no Brasil. No entanto, o que se percebe é que se passa por uma transição do modelo tradicional de policiamento, para um policiamento interativo com a comunidade. O repasse de recursos federais no aparelhamento dos órgãos policiais busca melhorar sua ostensividade.

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5 O Policial Militar e sua Formação

Na visão estabelecida pelo Plano Nacional de Segurança Pública, a exemplo dos modelos de polícia adotados em países da Europa e América do Norte, mostra-se que a eficácia no policiamento ostensivo será adquirida através da aproximação dos órgãos de polícia da sociedade, em geral.

“O policiamento comunitário no Canadá tem sido considerado um dos melhores do mundo, tem servido de referência para muitos países; entre eles o Brasil [...] Na França a concepção de interação comunitária parte da chamada polícia de proximidade” (BONDARUK; SOUZA, 2004, p. 95-96).

Isso ocorrerá através da qualificação profissional e treinamento do policial durante sua formação. Sabe-se que a seleção é condição necessária, mas não o suficiente para se conhecer um bom profissional em qualquer área de atuação. É imprescindível que haja uma continuidade de

ações planejadas, e que essas perdurem durante a formação do indivíduo. Mas o objetivo da formação é único e indispensável, ou seja, colocar o homem em condições de executar com técnica e segurança a sua missão, por mais difícil que possa ser.

PAULO FREIRE (1983) ressalta a importância do processo educacional se vincular à história de vida de seus participantes, como forma de transformação do processo pedagógico em prática da liberdade.

O treinamento é o processo educacional, aplicado de maneira sistemática e organizado, através do quais pessoas aprendem conhecimentos, atitudes e habilidades, em função de objetivos definidos. No sentido usado em administração, treinamento envolve a transmissão de conhecimentos específicos relativos ao trabalho, atitudes frente a aspectos da organização, da tarefa, do ambiente e envolvimento de habilidades (FREIRE, 1983 apud DIAS, 2002, p. 127).

Gráfico 7 - A experiência adquirida pelo policial militar durante a prática do exercício da função é compatível com a teoria e coordenação dos seus superiores?

A formação e o treinamento do policial militar, realizados em um ambiente de hierarquia e disciplina, devem facilitar o entendimento de que o instruído tem a seu encargo o desempenho de deveres e obrigações que são dos homens de maior responsabilidade na vida pública. A experiência adquirida deve ser compatível na opinião de 52% dos PMs entrevistados, enquanto 48% não acreditam.

O treinamento deve ser constante toda a vida do empregado na empresa, tendo em vista que

a ciência progride incessantemente, surgindo

novas imagens e noções que o trabalhador deve

se assenhorear para não ficar ultrapassado,

isso (sic) traz uma constante melhoria na sua

eficiência, porque o desempenho se aperfeiçoa

continuamente. Deve ser criado um mecanismo de

atualização de conhecimentos, e mantido através

da empresa, para que o empregado fique bem

informado dos avanços tecnológicos em sua área

de trabalho (SERSON, 1980, p. 299-304).

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6 Círculo Vicioso da Má Prestação de Serviço Policial

Dentro da realidade vivenciada na administração da atividade policial, percebe-se que no orçamento dos governos estaduais não ocorreu ampliação dos investimentos na área de segurança pública. Os recursos são insuficientes, não acompanhando o crescimento populacional para atender a demanda,

do atendimento repressivo às ocorrências policiais e, mais graves ainda, não proporcionando que a Polícia Militar realize um bom policiamento preventivo, por deficiência de recursos humanos e de condições técnicas para o enfrentamento da criminalidade.

Tal realidade enseja no círculo vicioso identificado por FINEGOLD e SOSKICE.

Figura 1 - Círculo vicioso da má prestação de serviço policial (1988 apud GOLD, 1997, p. 124).

A ruptura desse modelo de policiamento está ocorrendo a passos lentos, pois falta qualificação à base policial, interação com a comunidade. Tal interação entre policial militar e comunidade acontecerá quando este perceber que a sua metodologia de trabalho deve ter como característica, o apoio da comunidade onde ele é prestador de serviço, pautando pelo compromisso com o resultado através da iniciativa, inovando o modelo de gestão, em que, muitas vezes, as soluções estão com quem realiza a atividade-fim, mas não tem autonomia para a resolução dos problemas. SENNETT (2005) propõe que “as empresas buscam eliminar camadas de burocracias, tornando as organizações mais planas e flexíveis, em vez de organizações tipo pirâmides, a administração agora deve pensar nas organizações como redes”.

7 Ampliação do Conceito de Polícia Preventiva

Questiona-se sobre qual o papel da polícia militar na sociedade atual, pois já não se possui

mais a exclusividade na segurança pública, mitigando a atividade de policiamento ostensivo com as guardas municipais em diversos municípios brasileiros. Por outro lado, analisa-se o atual modelo de gestão, na prestação de serviço de segurança pública e a estrutura centralizada e burocratizada, dificultando o dinamismo e a iniciativa da ação policial, conseqüência disto apresenta-se também o crescimento desordenado das empresas de segurança privada, mediante o clamor do público por segurança. Pergunta-se, ainda, será que a polícia militar não se adaptou a esta nova realidade? Diante de todas as alterações estruturais e da nova situação social em que a policial militar atua, resultou-se na insatisfação da sociedade que exige uma mudança do modelo policial mais eficiente.

Devemos entender quanto maior o processo democrático se instala dentro do estado brasileiro menor será a intervenção policial, pois o poder de polícia é o que legitima a ação da polícia é a sua (sic) própria razão de ser, apresentando-se como seus tributos ou características: alto executariedade,

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discricionariedade e coerciebilidade, entretanto não legaliza a violência desproporcional (VALLA, 1999, p. 6).

Abordando o processo democrático em democracia inesperada, BERNARDO SORJ (2004, p. 30) discorre:

Embora nos países latino-americanos a experiência das ditaduras militares dos anos 70 e 80 e a queda do comunismo tenham motivado a conversão dos intelectuais de esquerda a uma ideologia centrada nos direitos humanos, ainda permanece uma zona obscura sobre a relação entre direitos humanos e as instituições que devem sustentá-los, zona alimentada pela desigualdade social e pela brutal diferença de acesso aos órgãos de justiça, bem como pela corrupção e pela desmoralização da vida política.

Vive-se em um momento de transição em que, por decisões governamentais, apresentam-se modelos de policiamento comunitário de aproximação com a população, mas com a demanda reprimida de ocorrências, em razão da necessidade de recursos humanos qualitativos e quantitativos. Tem-se uma subcultura policial, em que a ética de

grupo demonstra que a resolução dos problemas da criminalidade passa pela eliminação da vida, pela falta da credibilidade do policial na percussão criminal, pois há a reincidência no cometimento de crimes por parte de infratores da lei, que são, na maioria das vezes, de classes de baixa renda e de população jovem, marginalizada pela sociedade, sem perspectiva de ascensão social.

A sociedade fica refém desta situação, conforme evidencia o BAY (2004):

Em que a violência policial é atribuída nas camadas mais baixas da população, denominada teoria da vulnerabilidade, pois os indivíduos são pobres e desconhecem o sentido da palavra cidadania, vive em lugares marginalizados onde o Estado é praticamente ausente. O papel que lhe cabe é preenchido por marginais. A polícia não repreende a ação criminosa e aterroriza moradores. Estes não protestam temendo uma reação mais violenta.

A imagem da polícia militar, nesta citação, é de uma força que não respeita os direitos dos cidadãos, agindo com violência e arbitrariedade.

Gráfico 8 - Você tem conhecimento dos serviços prestados pela polícia militar?

Para vencer esta barreira do sentimento de medo que a população tem em relação ao policial militar, algumas ações têm sido desenvolvidas pela PMPR, das quais se destaca o PROERD, que teve início na PMPR em 2000, e atende escolares da 4.ª e 6.ª séries do ensino fundamental, sendo, na maioria das vezes, o primeiro contato da criança com o policial fardado. Apesar de a mídia explorar

de maneira negativa a violência praticada por uma minoria de policiais, o aluno, nesta faixa etária, tem grande admiração pelo policial instrutor, eliminando aquela imagem de repressão que acompanha o policial em razão do exercício da função, ampliação do policiamento ostensivo através da Patrulha Escolar Comunitária com vistas à diminuição da violência praticada nos estabelecimentos de ensino.

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Por isso, sabe-se que a Polícia Militar, como órgão estadual de segurança pública, está incumbida de proporcionar a segurança a todos os cidadãos, através das diversas modalidades de policiamento existentes para a preservação da ordem pública. Para tanto, há necessidade do conhecimento das áreas em que a Polícia Militar atua. Demonstra-se no gráfico, onde 42% dos entrevistados conhecem algumas das suas atuações, 37% dizem conhecer algumas, enquanto 21% desconhecem a sua abrangência.

A sociedade diz que conhece poucas as áreas de atuações da PM. Em função disso, cabe ao policial militar fazer o marketing da instituição, mas será que este está preparado para assumir essa tarefa nas diversas modalidades existentes? Vê-se que ainda há muito a melhorar.

O Estado, através dos órgãos responsáveis em avaliar a eficácia da Polícia Militar, cria mecanismos de policiamento que ainda não estão sendo totalmente assimilados pelos policiais. Dentre as modalidades existentes, o exemplo da Patrulha escolar, que na realidade vai além do policiamento em colégios, pois o PM deve tomar conhecimento dos problemas existentes nos estabelecimentos de ensino, para, junto com a direção, buscarem a solução para o problema, tal prática não é tão simples assim, pois existe a necessidade da reestruturação curricular do que é passado ao policial em sala de aula. Antes de o policial vivenciar os problemas alheios, o mesmo deve buscar solução para os seus.

Sob este prisma, há muito a ser feito para a aproximação da Polícia Militar com a sociedade que com ela convive, sendo a imprensa uma das grandes responsáveis pelo marketing da polícia para com a comunidade. Pelo seu alto poder de influência, consegue desencadear a simpatia ou empatia do público externo com a polícia.

8 Conclusão

Verifica-se que a abrangência das atividades executadas pela Polícia Militar a cada dia proporciona a interação com a comunidade. No entanto, há um caminho longo a ser percorrido para que haja uma mudança comportamental do trabalho desenvolvido pelos policiais militares e também que a estrutura policial seja modificada. O desafio para as polícias no século XXI é descobrir modos criativos de ajudar as comunidades a ajudarem a si próprias (BRODEUR, 2002). Para

tanto, faz-se necessária à aceitação da comunidade e o reconhecimento de que o policial é parte integrante desta, e que este tem seu interesse pessoal e institucional para que haja tranqüilidade pública. A valorização profissional é fundamental para que aconteça a interação entre o profissional de segurança e a sociedade.

A atividade de polícia é executada para o controle social. Muitas vezes, o fazer cumprir a lei não torna simpática a ação policial. O que a sociedade preza é o agir com correção de atitudes, para que se possa ampliar o respeito da população e que esta, efetivamente, tenha confiança no policial, e o policial por sua vez um melhor desempenho, buscando melhorar a imagem da instituição na sua ação diuturna.

Precisa-se ampliar a comunicação com a sociedade, pois o aspecto repressivo sobressai aos olhos da população em detrimento da prevenção executada pela Polícia Militar. Aliás, passou recentemente a mensurar as atividades preventivas executadas pela instituição. Deve-se trabalhar no sentido de apresentar uma polícia pró-ativa em substituição ao modelo de polícia reativa, pois o que mais interessa ao cidadão é que o crime não ocorra. Em ocorrendo, que haja uma eficácia maior na sua elucidação, para uma resposta imediata à população, independentemente da gravidade da infração penal ou administrativa.

A visibilidade das ações policiais deve nortear a conduta de seus integrantes, proporcionando a participação efetiva da população, que pode contribuir para a eficácia da ação policial. O trabalhar em coletividade não quer dizer demandar a responsabilidade à comunidade local, mas, sim, chamá-la à responsabilidade na resolução das questões do cotidiano. Outro aspecto a observar é a questão da imagem da corporação, tendo respeito com o cidadão quando da violência policial, truculência, apatia na execução do policiamento, corrupção praticada pelos agentes encarregados de cumprir a lei, enfim, todos os desvios de condutas praticados devem ser, com o devido processo legal, apurado. Para isso, faz-se necessário o aperfeiçoamento do controle interno através de corregedorias independentes do canal de comando.

Portanto, os gestores de segurança pública devem estar cada dia mais atento às mudanças de conceito, tanto na área de recursos humanos, quanto nas áreas tecnológicas, buscando a interação destes para o alcance do modelo de policiamento ideal.

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Referências

ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais. 33. Ed. São Paulo: Vozes, 1985.

BAY, N. A ética e a violência policial militar. APMG, São José dos Pinhais, PR, 2004.

BAUHMAN, Z. Comunidade: A busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

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Gestão de Políticas Públicas no Paraná