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  • FACULDADE DE DIREITO CURSO DE CINCIAS JURDICAS E SOCIAIS

    FREDERICO HAUPT BESSIL

    O REQUISITO DA IDONEIDADE MORAL ANALISADO NA INVESTIGAO DA VIDA PREGRESSA DE CANDIDATOS

    QUE CONCORREM A CARGOS PBLICOS

    Porto Alegre 2010

  • FREDERICO HAUPT BESSIL

    O REQUISITO DA IDONEIDADE MORAL ANALISADO NA INVESTIGAO DA VIDA PREGRESSA DE CANDIDATOS

    QUE CONCORREM A CARGOS PBLICOS

    Trabalho de concluso apresentado banca examinadora como requisito obteno do grau de Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais na Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Orientador: Prof. Cludio Lopes Preza Jr.

    Porto Alegre

    2010

  • FREDERICO HAUPT BESSIL

    O REQUISITO DA IDONEIDADE MORAL ANALISADO NA INVESTIGAO DA VIDA PREGRESSA DE CANDIDATOS

    QUE CONCORREM A CARGOS PBLICOS

    Trabalho de concluso apresentado banca examinadora como requisito obteno do grau de Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais na Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Aprovado pela Banca Examinadora em ......... de .............................de 2010.

    Banca Examinadora:

    _____________________________________________

    Prof. Cludio Lopes Preza Jr. Orientador

    _____________________________________________

    _____________________________________________

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo minha famlia, meu pai Alexandre Tesheiner Bessil, minha me Tereza Cristina Brum Haupt, meu av paterno Antonio Bessil, minha av Clary Tesheiner e minha irm Marcela Haupt Bessil por estarem a postos sempre que precisei e por todo o esforo que me permitiu estudar na PUCRS.

    minha namorada Patrcia Lazarotto Belincanta pela pessoa maravilhosa que e de diversas formas ajudou a mim e a este trabalho, pelos inmeros momentos agradveis e pela compreenso da minha ausncia e cansao em vrios momentos.

    A Deus por ter me abenoado com muita sade e famlia maravilhosa. Ao meu orientador Cladio Lopes Preza Jr. pela pacincia e auxlio, e por ter

    aceitado meu trabalho e a todos os professores da faculdade de Direito da PUCRS. Aos meus colegas e companheiros de curso com quem compartilhei alegrias

    e inquietaes ao longo da faculdade.

  • RESUMO

    O presente trabalho tem como objetivo esclarecer em que se baseia a investigao social de bons antecedentes feita em concursos pblicos, esclarecendo tambm qual o critrio utilizado pelos examinadores para saber se o candidato apresenta o requisito da idoneidade moral para o cargo almejado. A anlise sobre como o candidato se conduz em sociedade, assim como sobre se ele possui bons antecedentes, ou boa conduta social tem por objetivo estabelecer as bases para uma concluso prvia a ser confirmada no posterior estgio probatrio: decidir-se se o candidato merece a confiana da Administrao Pblica e da sociedade. Da a sindicncia de vida pregressa, que ser unilateral e inquisitorial, sem qualquer participao do candidato quando da sua realizao, investigao essa que poder ser a mais ampla possvel, no sendo limitada mera certificao sobre se ele respondeu a aes judiciais. Do princpio da presuno da inocncia extrai-se a proibio de restries antecipadas a direitos do ru pelo simples fato de estar a responder em ao judicial, salvo a imposio de restries e deveres necessrios preservao da integridade da prpria ao judicial, ou da ordem pblica, a qual, em um Estado Democrtico de Direito, ter que observar os parmetros prprios a uma sociedade democrtica. Neste sentido, o foco a no antecipao da sano, ou da pena, que podero ser impostos pela sentena judicial, e dos efeitos primrios e secundrios decorrentes da condenao definitiva. No se trata de uma questo de confiana, mas sim, de como se lidar com os direitos materiais e processuais do acusado no ambiente de um procedimento administrativo ou judicial. Observa-se alguma confuso na jurisprudncia no sentido de relacionar a exigncia de demonstrao de o candidato possuir bons antecedentes, ou boa conduta social, com o princpio da presuno da inocncia. Em alguns casos, v-se a demonstrao de confiana ser considerada satisfeita quando a ao judicial que respondeu o candidato acabou sendo extinta por prescrio, em outros o candidato considerado inidneo mesmo com a ao prescrita; de outro modo que se tem como no cumprida aquela demonstrao se o candidato no houver promovido pedido de reabilitao criminal aps cinco anos de cumprimento da pena. Outro assunto abordado no trabalho a anlise da vida pregressa dos candidatos que concorrem a mandatos eletivos. Contudo, inidoneidade moral no afeta apenas quem pretende

  • investir em um cargo pblico atravs de concurso ou quem almeja um mandato eletivo, mas tambm acarreta alguns impedimentos na vida privada do cidado. Diz o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil que um dos requisitos para a inscrio na OAB como estagirio ou advogado ter idoneidade moral e ainda menciona que no atende ao requisito, aquele condenado por crime infamante; porm o estatuto citado no esclarece quais os crimes classificados como infamantes.

    Palavras-chave: Idoneidade Moral. Vida Pregressa. Concursos Pblicos.

  • ABSTRACT

    The present research aims to clear up social investigation of good preceding foundations in public examinations, clering up as well the most used rules by the examinator to know if the candidate have moral probity requirement for his desired function. The analysis of how the candidate behave his self in society, and if he have moral probity and good preceding, or good behaviour have as the main goal the foundation stablishment for a previous conclusion to be confirmed or not, when he pass through the probation period: decide if the candidate deserve to be trustworthy by Public Administration and society. Then, the social investigation, that will be unilateral and made by the inquisition method, that means, without any candidate participation in the process, this investigation can be the most specified as possible, not be limited if he is responding to a lawsuit or not. Can be undurstood by the innocence presumption principle, that is not allowed to antecipate the accused rights restricitions just by the fact that he is responding to a lawsuit, unless the restrictions impositions and necessary obligations to the integrity preservation of the lawsuit, or of the public order, this one, in a Democratic State of Law, needs to observe the democratic society parameters. In this sense the focus isnt the punishment antecipation, that can be gived by the judicial sentence, and the primary and secondary effects due to the definitive condemnation. It doesnt a question of trust, but how to handle with material and processual law of the accused in a judicial and administration procedure environment. Some confusion can be notted in jurisprudence, in the sense of bring into relatation with demonstration of good preceding of the candidate or good social behaviour exigence to the innocence presumption principle. Its because of this confusion that can be seen the trust demostration is considered enough when the lawsuit that he is respondig prescribed or removed by the name of some kind of criminal reajustment politics and reintegration of social life. Another topic talked on the research is the good preding analysis of candidates that want a elective public function. However, imoral probity do not affects only who wants a public function by public examinations or elections, it carries also some obstructions in the citizens private life. The OAB rules says that one of the requirements to the OABs

  • inscription like a lawyer is the moral probity, and it also says that doesnt have the requirement that person who was condemended by a difamatory crime, however this rule do not explain what kind of crimes are difamatory.

    Key-words: Moral Probity. Past Life. Open Competitions.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 10

    2 O QUE CRACTERIZA MAUS ANTECEDENTES? ................................................ 13

    3 O PRINCPIO DA MORALIDADE E A ADMINISTRAO PBLICA ................... 17

    4 O PRINCPIO DA PRESUNO DA INOCNCIA ................................................ 23 4.1 A INVESTIGAO SOCIAL DOS BONS ANTECEDENTES X O PRINCPIO DA PRESUNO DA INOCNCIA ..................................................................... 29

    5 A EXIGNCIA DE CERTIDES NEGATIVAS PARA NOMEAO DO CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO PBLICO ....................................... 33

    6 EXCLUSO DO CERTAME POR INVESTIGAO DE VIDA PREGRESSA E POSSIBILIDADE DE AMPLA DEFESA E CONTRADITRIO .......................... 36 6.1 O PROCEDIMENTO NA SINDICNCIA DE VIDA PREGRESSA DOS CANDIDATOS ..................................................................................................... 37 6.2 A IDONEIDADE MORAL DO CANDIDATO PODE SER DEFINIDA POR EXISTNCIA DE SUSPENSO CONDICIONAL DO PROCESSO? .................. 42

    7 A ANLISE DA VIDA PREGRESSA DE CANDIDATOS QUE CONCORREM A MANDATOS ELETIVOS .................................................................................... 47 7.1 STF LIBERA CANDIDATOS COM FICHA SUJA CONCORREREM A MANDATOS ELETIVOS ...................................................................................... 49

    8 QUEM J FOI CONDENADO CRIMINALMENTE, PODE PRESTAR CONCURSO PBLICO? ....................................................................................... 53 8.1 A RESSOCIALIZAO DA PENA ...................................................................... 59

    9 O REQUISITO DA IDONEIDADE MORAL PARA INSCRIO NA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL .......................................................................... 63

  • 10 JURISPRUDNCIA DOS TRIBUNAIS SOBRE O REQUISITO DA IDONEIDADE MORAL ANALISADO NA INVESTIGAO DA VIDA PREGRESSA DE CANDIDATOS QUE CONCORREM A CARGOS PBLICOS ........................................................................................................... 65

    11 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................. 74

    REFERNCIAS ......................................................................................................... 77

    ANEXOS ................................................................................................................... 83 ANEXO A - Recurso Extraordinrio para o STF n 111.918 ...................................... 84 ANEXO B - Recurso em Mandado de Segurana para o STJ n 1.321-0/PR ........... 95 ANEXO C - Modelo de Mandado de Segurana Contra Desclassificao de Candidato em Concurso Pblico por Investigao Social Elaborado por Ronald W. Mignone, Advogado de Braslia ................... 119

  • 10

    1 INTRODUO

    Pode um candidato a um cargo pblico ser legitimamente eliminado do concurso respectivo por estar respondendo ou por ter respondido, a processo judicial, sem que haja sido proferida sentena condenatria transitada em julgado? De um lado, tem-se a exigncia de o indivduo possuir boa conduta social, sinal de que ele respeita, em sua vida privada, uma moralidade semelhante que dele ser exigida, na esfera pblica, se vier a ser empossado no cargo pblico para o qual est a concorrer. A investigao sobre se o candidato goza de boa conduta social, portanto vai ao encontro do princpio da moralidade administrativa, expressamente positivado no art. 37 da Constituio Federal de 1988. Do outro lado, tem-se o princpio da presuno da inocncia salvo sentena condenatria transitada em julgado, tambm direito fundamental expressamente positivado no art. 5, LVII da CF/88.

    Entre um e outro, pode-se cometer uma injustia, s vezes irreparvel, com a eliminao de algum que, no fim das contas, era inocente, ou de se permitir a algum, desprovido das mnimas condies morais, o exerccio da autoridade estatal que um cargo pblico confere ao seu ocupante. H um aparente conflito entre os princpios da moralidade administrativa e da presuno da inocncia, entre a exigncia de o candidato possuir bons antecedentes e o risco de se vir a prejudic-lo embora inocente, prejuzo esse, no raro, definitivo, irreparvel, pois eliminado o candidato, e tendo prosseguido o concurso pblico em suas etapas seguintes, no haver como reabrir as etapas anteriores, apenas para que o candidato injustamente excludo volte a participar dele. Realizarei na pesquisa uma comparao entre a sindicncia de vida pregressa feita nos concursos pblicos e a anlise da vida pregressa dos candidatos que concorrem a mandatos eletivos.

    A realidade econmica brasileira tem feito com que cada vez mais o cidado recorra ao concurso pblico. Alis, realidade dura que mostra grande inrcia de ascenso social. Diante de tais problemas, o brasileiro, que persiste digno frente ao martrio social, recorre aos concursos pblicos, que no deixa de ser um fator excludente das minorias, pois estas enfrentam grandes dificuldades para seguir os estudos, enquanto a parcela favorecida economicamente pode se dar o luxo de estudar, sem maiores problemas, na instituio que melhor entender, e o tempo

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    necessrio. Ainda assim, o concurso pblico continua sendo um fator justo, na falta de melhores instrumentos de contratao pelo poder pblico, evitando as contrataes aleatrias, principalmente de familiares dos superiores.

    Sero analisados neste trabalho editais de concursos pblicos tais como este, que regulamenta normas de avaliao do procedimento irrepreensvel e da idoneidade moral inatacvel dos candidatos nos concursos pblicos para provimento de cargos policiais do Departamento de Polcia Federal:

    INSTRUO NORMATIVA DO DPF, DE 23 DE JULHO DE 2009: O diretor de gesto de pessoal do Departamento de Polcia Federal diante da necessidade de definir normas disciplinares de avaliao do procedimento irrepreensvel e da idoneidade moral inatacvel, exigidos dos candidatos nos concursos pblicos para provimento de cargos policiais, resolve: Art. 1 Estabelecer os critrios da avaliao do procedimento irrepreensvel e da idoneidade moral inatacvel dos candidatos inscritos nos concursos pblicos para provimento de cargos policiais no Departamento de Polcia Federal. Art. 2 O procedimento irrepreensvel e a idoneidade moral inatacvel sero apurados por meio de investigao no mbito social, funcional, civil e criminal dos candidatos inscritos nos concursos pblicos para provimento de cargos policiais no Departamento de Polcia Federal. Art. 3 A investigao de que trata o artigo 2 desta Instruo Normativa, atribuio da Diretoria de Gesto de Pessoal e ser realizada pela Coordenao de Recrutamento e Seleo, por meio da Unidade de Inteligncia Policial da Academia Nacional de Polcia, com a participao imprescindvel das Unidades Centrais e das Superintendncias Regionais do Departamento de Polcia Federal. Art. 4 A investigao ter incio por ocasio da inscrio do candidato no concurso pblico e terminar com o ato de nomeao. Art. 5 O candidato preencher, para fins da investigao, a Ficha de Informaes Confidenciais - FIC, na forma do modelo disponibilizado. Pargrafo nico. Durante todo o perodo do concurso pblico, o candidato dever manter atualizados os dados informados na FIC, assim como cientificar formal e circunstanciadamente qualquer outro fato relevante para a investigao, nos termos do edital do respectivo concurso. Art. 6 O candidato dever apresentar, em momento definido em edital de convocao especfico, os originais dos seguintes documentos, todos indispensveis ao prosseguimento no certame: I- certido de antecedentes criminais, da cidade/municpio da Jurisdio onde reside/residiu nos ltimos 5 (cinco) anos: da Justia Federal; da Justia Estadual ou do Distrito Federal; da Justia Militar Federal, inclusive para as candidatas do sexo feminino; da Justia Militar Estadual ou do Distrito Federal, inclusive para as candidatas do sexo feminino; II- certido de antecedentes criminais da Justia Eleitoral; certides dos cartrios de protestos de ttulos da cidade/municpio onde reside/residiu nos ltimos 5 (cinco) anos; certides dos cartrios de execuo cvel da cidade/municpio onde reside/residiu nos ltimos 5 (cinco) anos; 1 Somente sero aceitas certides expedidas, no mximo, nos 90 (noventa) dias anteriores data de entrega fixada em edital e dentro do prazo de validade especfico constante da mesma. Art. 7 So fatos que afetam o procedimento irrepreensvel e a idoneidade moral inatacvel do candidato: habitualidade em descumprir obrigaes legtimas; relacionamento ou exibio em pblico com pessoas de notrios e desabonadores antecedentes criminais; vcio de embriaguez; uso de

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    droga ilcita; prostituio; prtica de ato atentatrio moral e aos bons costumes; respondendo ou indiciado em inqurito policial, envolvido como autor em termo circunstanciado de ocorrncia, ou respondendo a ao penal ou a procedimento administrativo-disciplinar; demisso de cargo pblico e destituio de cargo em comisso, no exerccio da funo pblica, em qualquer rgo da administrao direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, mesmo que com base em legislao especial; demisso por justa causa nos termos da legislao trabalhista; existncia de registros criminais; declarao falsa ou omisso de registro relevante sobre sua vida pregressa. Art. 8 Ser passvel de eliminao do concurso pblico, sem prejuzo das sanes penais cabveis, o candidato que: deixar de apresentar quaisquer dos documentos exigidos nos artigos 5 e 6 desta Instruo Normativa, nos prazos estabelecidos nos editais especficos; apresentar documento ou certido falsos; apresentar certido com expedio fora do prazo previsto no pargrafo 1 do artigo 6 desta Instruo; apresentar documentos rasurados; tiver sua conduta enquadrada em qualquer das alneas previstas no art. 7 desta Instruo Normativa; tiver omitido informaes ou faltado com a verdade, quando do preenchimento da FIC ou de suas atualizaes. 1 constituda uma Comisso de Investigao Social com a finalidade de: promover apreciao das informaes, indicando infringncia de qualquer dos dispositivos elencados no artigo 7 desta Instruo Normativa, ou contendo dados merecedores de maiores esclarecimentos; deliberar por notificar candidato, o qual dever apresentar defesa no prazo de 5 (cinco) dias teis; analisar e julgar defesa escrita de candidato, fundamentando, expondo os argumentos de fato e de direito, em ata a ser lavrada pelo secretrio, que ser assinada pelos integrantes da Comisso.1

    Contudo, as exigncias nos editais, alm da aprovao em provas e ttulos, so legtimas? Como analisado na sindicncia de vida pregressa se o candidato apresenta o requisito da idoneidade moral em concursos pblicos? E a exigncia da certido de antecedentes criminais ou a certido negativa nos registros de proteo ao crdito? Quem j foi condenado criminalmente pode prestar concurso pblico ou se tornar advogado? Essas so as questes a que o presente trabalho se prope estudar.

    1 BRASIL. Ministrio da Justia. Departamento de Polcia Federal. Disponvel em: . Acesso em: 10 set. 2009.

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    2 O QUE CRACTERIZA MAUS ANTECEDENTES?

    A investigao da vida pregressa de candidatos que concorrem a cargos pblicos busca saber se o candidato apresenta bons antecedentes ou boa conduta social, sinal de que ele respeita, em sua vida privada, uma moralidade semelhante que dele ser exigida, na esfera pblica, se vier a ser empossado no cargo pblico para o qual est a concorrer. Portanto, preliminarmente, buscarei definir o que pode caracterizar maus antecedentes.

    Segundo Incio de Carvalho Neto: define-se os antecedentes como tudo o que se refere vida pregressa do ru. Todo o histrico do acusado fica registrado para fornecer ao julgador elementos que possam auxili-lo quando da anlise da personalidade daquele, mngua de regras tcnicas para o desempenho de tal funo. O magistrado no um psiclogo ou socilogo, que disponha de tcnicas capazes de aferir com uma preciosidade, inerente ao ofcio, se de fato o acusado em julgamento possui ou no personalidade voltada para o crime, por isso, socorre-se aos antecedentes penais.2

    So, portanto, considerados, para efeitos de antecedentes, quaisquer fatos relevantes anteriores ao crime. Assim, podemos arrolar com a doutrina: processos paralisados por superveniente extino da punibilidade, inquritos arquivados, condenaes no transitadas em julgado, processos em curso, absolvies por falta de provas.3

    Os antecedentes penais constituem, conforme ensina Jos Frederico Marques,

    As condenaes que sofreu, as persecues criminais contra ele intentadas e que se frustraram por ocorrncia de alguma causa de extino da punibilidade, ou os processos criminais ainda no findos. Questes que tenha tido na justia civil, em que se retrate a fraqueza de seu carter, traduzem, muitas vezes, manifestaes de uma personalidade mal ajustada ao convvio social.4

    2 CARVALHO NETO, Incio de. Aplicao da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 28.

    3 Ibid., p. 28.

    4 MARQUES, Jos Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millennium, 1999. v. III. p. 100.

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    Damsio de Jesus corrobora este entendimento ao afirmar que

    Antecedentes so os fatos da vida pregressa do agente, sejam bons ou maus, como condenaes penais anteriores, absolvies penais anteriores, inquritos arquivados, inquritos ou aes penais trancadas por causas extintivas da punibilidade, aes penais em andamento, passagens pelo Juizado de Menores, suspenso ou perda do ptrio poder, tutela ou curatela, falncia, condenao em separao judicial etc.5

    O posicionamento defendido pelos Tribunais Ptrios pretende, na verdade, impedir seja o cidado prejudicado em sua vida profissional por uma prtica adotada pela maioria dos empregadores: a solicitao da Certido Negativa. A exigncia do Nada Consta deve restringir-se a determinados cargos pblicos, dos quais a lei exige requisitos de conduta social, e ainda assim, os registros devem ser analisados com extrema cautela, a fim de que no sejam valorados equivocadamente, em detrimento do indivduo. Em que pesem as renomadas lies citadas na parte conceitual, h que se discutir as definies apresentadas quer no que se refere a questes que retratem a fraqueza da personalidade do ru quer no que se refere expresso bons ou maus antecedentes.

    Qual seria a capacidade tcnica de um magistrado para avaliar um desajuste de personalidade, tomando-se por base inquritos arquivados e aes prescritas? Para tais assertivas, parece imperioso uma avaliao por junta mdica, habilitada a prescrever um correto diagnstico da personalidade do agente. Conforme o jurista Luiz Flvio Gomes, foroso reconhecer que um julgamento que leve em conta fatos que sequer foram merecedores de investigao, culminando na majorao da pena-base pela personalidade mal ajustada ao convvio social no mnimo errneo e simplista, levando a resultados duvidosos.6

    Outro ponto atacado diz respeito expresso bons ou maus antecedentes. Ora, no h que se falar em bons antecedentes em folha de antecedentes penais. Incio de Carvalho afirma que toda e qualquer anotao ser valorada, e ser valorada negativamente, ainda que seja um trancamento de um inqurito ou uma extino de punibilidade. A verdade que se est registrado nos assentamentos, ser sempre maus antecedentes, pois, ao dosar uma reprimenda, juiz algum, ao

    5 JESUS, Damsio E. de. Direito Penal. 20. ed. So Paulo: Saraiva, 1997. (Parte Geral, v. 1). p. 546.

    6 GOMES, Luiz Flvio. Vida pregressa e concursos pblicos. 5 jul. 2008. Disponvel em: . Acesso em: 15 nov. 2009.

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    menos a grande maioria, considerar uma absolvio de um crime hediondo como bons antecedentes. Bons antecedentes so aqueles que no figuram nos registros penais.7 Neste sentido est a jurisprudncia do TRF da 2. Regio da 1. Turma, no julgamento do processo 2001.02.010359618-RJ do Rel. Des. Fed. Carreira Alvim, na pgina 217:

    ADMINISTRATIVO. CONCURSO PBLICO. AGENTE DA POLCIA FEDERAL. INVESTIGAO SOCIAL. REPROVAO. ABSOLVIO EM PROCESSO. ART. 5., LVII, CF/88. I - ilegal a reprovao, na investigao social, de candidato aprovado na 1. etapa do certame, pelo simples fato de ter sido processado e absolvido em processo criminal. II. Na hiptese, o ato administrativo que reprovou o candidato no guardou a devida congruncia entre a realidade ftica e a sua motivao. III - Apelao e remessa improvidas. No caso, o candidato respondera a ao criminal por uso de entorpecentes oito anos antes do concurso, e fora absolvido.8

    Nem mesmo a tentativa do magistrado Gilberto Ferreira, ao citar em sua obra um caso que acredita ter acontecido, tem o condo de elevar uma anotao em folha penal categoria de bons antecedentes:

    Deve ser considerado, igualmente, que nem sempre o envolvimento em processos judiciais poder implicar em maus antecedentes. Tomemos este exemplo, que ao que me consta, aconteceu: Um velhinho e um moo de porte fsico muito avantajado entraram em luta corporal. Como poderia se esperar, o moo saiu levemente lesionado e o velhinho bastante ferido. Os dois foram processados, passado algum tempo, voltaram a brigar. Novamente, o moo sofreu leses levssimas. O velhinho teve fraturada a clavcula. Novo processo para os dois. O velhinho sarou. Mais um tempo e novo confronto, s que desta feita o velhinho matou o seu contumaz agressor. No caso, os antecedentes do velhinho poderiam ser interpretados como favorveis na medida em que reduziriam o grau de culpabilidade de sua conduta.9

    Vejamos na jurisprudncia como a caracterizao de maus antecedentes pode eliminar um candidato que concorre a um cargo pblico:

    AC no. 1997.39000062351-PA, TRF-1. Regio, 5. Turma, Rel. Des. Fed. Joo Batista Moreira, dec. p. maioria pub. DJU 21.02.2003, p. 35: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. POLCIA FEDERAL. AGENTE. CONCURSO PBLICO. INVESTIGAO SOCIAL. PROCESSO CRIMINAL. ABSOLVIO POSTERIOR. ANTECEDENTES. PRIMARIEDADE. CONDUTA SOCIAL:

    7 CARVALHO NETO, 1999, p. 28.

    8 TRF da 2 Regio da 1 Turma, no julgamento do processo 2001.02.010359618-RJ do Rel. Des. Fed. Carreira Alvim, na pgina 217.

    9 FERREIRA, Gilberto. Aplicao da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 85.

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    1- No h que se confundir presuno de inocncia com requisito de boa conduta, para o ingresso no Cargo de Agente de Polcia Federal, estando dentro da legalidade a investigao social, cuja previso se encontra no art. 8., I do Decreto - lei no. 2320, de 26.01.1987. Prevendo o Edital que o candidato ser submetido a uma investigao de sua vida social, o qual concorda com a exigncia, correta a sua excluso do curso de formao, por meio de portaria fundamentada em normas legais, que regulam o assunto. irrelevante que, posteriormente, o candidato seja absolvido no processo criminal, porque no estavam em discusso, poca do concurso, a primariedade e os bons antecedentes relacionados ao Direito Penal, mas sim a conduta social. 2- Por unanimidade, decidiu a 1. Turma deste TRF-1. Regio, ao julgar a A M S 1997.01.00.051689-3/DF, Rel. Des. Fed. Amlcar Machado: As normas de avaliao previstas no DL 2320/87 contm expressamente que so fatos que afetam o procedimento irrepreensvel e a idoneidade moral inatacvel: estar (o candidato) indiciado em inqurito policial ou respondendo a ao penal ou a procedimento administrativo (Instruo Normativa no. 03, de 30.11.1992, art. 3., subitem 3.1, alnea j). O Edital do concurso prev em seus subitens 7.01 e 7.04: Haver, ainda, com amparo no que estabelece o inciso I do art. 8. do Decreto - lei 2.320, de 26.01.87, investigao social, de carter eliminatrio, para verificar se o candidato possui procedimento irrepreensvel e idoneidade moral inatacvel, segundo as normas baixadas pelo Diretor DPF, por meio da Instruo Normativa no. 003/DPF, publicada no DOU de 16.12.92, e, os candidatos contra-indicados na investigao social, por deciso do Conselho de Ensino, sero desligados do processo seletivo, por ato do Diretor da Academia Nacional de Polcia. 3- O levantamento tico - social dispensa o contraditrio, no se podendo cogitar quer da existncia de litgio, quer de acusao que vise a determinada sano (STF, 2. T., RE 156400-8-SP, Rel. Min. Marco Aurlio, v. u., DJ 15.9.95). Prevendo o edital, ao qual aderiu o candidato, a investigao social, que tem amparo no Dec. - lei 2320/87, correta a sua excluso do concurso, pois o art. 37, I da Constituio Federal preceitua que o ingresso no servio pblico depende do preenchimento de requisitos estabelecidos em lei. Portanto, dependendo o acesso a cargos pblicos no somente de aprovao prvia em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos, mas, tambm, do preenchimento de requisitos previstos em lei, ldima a exigncia de boa conduta, a ser verificada mediante investigao social, de carter eliminatrio, para investidura de candidato nele inscrito, feita no edital respectivo e no impugnada no momento oportuno. Sujeitando-se s regras do edital, nele previsto o desligamento do Curso de Formao Profissional o candidato que omitir fato que impossibilitaria sua matrcula na Academia Nacional de Polcia. Demais de tudo, a sentena declarou que a situao do candidato ficava na dependncia das aes anteriores, intentadas na 14 Vara Federal do DF, cujos processos foram julgados extintos, sem exame do mrito, e esta 5. Turma, por unanimidade, no conheceu das apelaes, por falta de preparo.10

    10 AC no. 1997.39000062351-PA, TRF - 1 Regio, 5 Turma, Rel. Des. Fed. Joo Batista Moreira, dec. p. maioria pub. DJU 21.02.2003, p. 35.

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    3 O PRINCPIO DA MORALIDADE E A ADMINISTRAO PBLICA

    Conforme Marcelo Caetano, a Constituio Federal de 1988, em seu artigo 37, caput, preconizou como princpios da Administrao Pblica a legalidade, a impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia. Com efeito, a Carta de 1988 ao estabelecer tais normas-princpios, demonstrou a preocupao em equacionar e sistematizar regras moralizadoras no mbito da Administrao Pblica. Ao transpor poca do Estado Liberal para o Estado da social democracia, no qual Administrao Pblica tem a misso precpua de efetivar e concretizar os direitos do cidado, cumpre-se estabelecer um regime jurdico diferenciado e exorbitante do direito privado.11

    Insta acentuar as lies de Marino Pazzaglini Filho: Com o advento da Constituio de 1988, a moralidade foi consagrada, no art. 37, como um dos princpios constitucionais bsicos e de observncia universal no exerccio de toda a atividade estatal. O controle jurisdicional da moralidade administrativa j havia sido introduzido no Direito Constitucional Brasileiro, mas restrito ao exerccio da ao popular, com a atribuio constitucional conferida a qualquer cidado de propor a ao popular com vista em impugnar ato lesivo moralidade administrativa (art. 5, LXXIII,da CF).12

    No entanto, o novo formato constitucional do princpio da moralidade, como contedo da validade da atuao administrativa, deu-lhe autonomia e efetividade jurdica ampla, constituindo-se em exigncia fundamental para a validade do comportamento do agente pblico no exerccio de atividade estatal. A sociedade brasileira, nos termos dos parmetros sociais atuais prevalentes, reputa atentados contra o princpio da moralidade administrativa a corrupo e a impunidade de corruptos; o enriquecimento ilcito dos agentes pblicos; exigncia ou solicitao e recebimento de propinas para o atendimento dos pleitos legtimos dos particulares junto Administrao; trfico de influncias; sectarismo da conduta de agentes pblicos, privilegiando interesses pessoais no trato da coisa pblica (nomeao

    11 CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo. 10. ed. Coimbra: Coimbra, 1990. Tomo 2. p. 701-2.

    12 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Princpios constitucionais reguladores da Administrao Pblica. So Paulo: Atlas, 2000. p. 17.

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    desenfreada de parentes em cargos de comisso ou perseguio de desafetos); utilizao do dinheiro pblico, aplicado seja em mordomias abusivas, seja em propaganda institucional intil ou de proselitismo pessoal ou partidrio.13 Ainda dentro dessa temtica, so precisas as palavras de Celso Antnio Bandeira de Mello:

    De acordo com ele, a Administrao e seus agentes tm de atuar na conformidade de princpios ticos. Viol-los implicar violao ao prprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidao, porquanto tal princpio assumiu foros de pauta jurdica, na conformidade do art. 37 da Constituio. Compreendem-se em seu mbito, como evidente, os chamados princpios da lealdade e boa-f.14

    Segundo os cnones da lealdade e da boa-f, a Administrao haver de proceder em relao aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malcia, produzindo de maneira confundir, dificultar ou minimizar o exerccio de direitos por parte dos cidados.

    Segundo Jos Afonso da Silva, se cabe Administrao concretizar efetivar os direitos do cidado, satisfazendo as necessidades coletivas, infere-se, pois, a magnitude do princpio da moralidade, o qual ir governar as atitudes dos agentes pblicos no trato da coisa pblica. Com efeito, o agente pblico, ao exercer suas funes, deve-se portar sempre de acordo com as balizas da honestidade, da boa-f, da tica, da probidade e da lealdade, porquanto, somente assim, o Estado Federal Brasileiro efetivar os direitos fundamentais e os objetivos fundamentais estabelecidos no artigo 3, da Constituio, quais sejam: garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.15

    Como conceber que a Administrao Pblica possa efetivamente concretizar os direitos fundamentais e satisfazer as necessidades coletivas, se alguns responsveis por tais misteres esto envolvidos em descalabros administrativos e

    13 BARACHO, Jos Alfredo Oliveira de. Direito Processual Constitucional: Aspectos Contemporneos. Belo Horizonte: Frum, 2006. p. 32

    14 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. So Paulo: Malheiros, 2004. p. 109.

    15 SILVA, Jos Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 28. ed. So Paulo: Malheiros, 2007. p. 42.

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    financeiros, tipificados como delitos? Deste modo, o princpio da moralidade no s pode, como deve ser parmetro legtimo para indeferimento de candidaturas ou de inscrio em concursos pblicos daqueles que esto respondendo a processos criminais ainda no findos. No merece prosperar, portanto, com o devido respeito, aquele argumento levantado na direo de que o artigo 14, 9, da Carta Magna, de eficcia limitada, porquanto, em nosso sentir, trata-se de norma de eficcia contida, ou seja, norma que tem aplicao imediata, podendo apenas a legislao infraconstitucional restringir a sua aplicabilidade. Sobre o assunto, so as lies do Procurador de Justia Marcos Ramayana:

    Cabe ao rgo jurisdicional competente para o deferimento do pedido de registro ou inscrio de candidato em concurso pblico, verificar se o interessado possuidor de vida pregressa ilibada aplicando a norma dos artigos 1, II, e 14, 9, da CF. Se concluir que as anotaes criminais so decorrentes de fatores graves, tais como: processos criminais hediondos ou assemelhados aos mesmos; crimes de roubo, extorso, estelionato, defraudaes, seqestros, latrocnios e outros devero fiscalizar a ordem constitucional e indeferir os respectivos pedidos, cabendo as instncias superiores analise da razoabilidade destas decises.16

    Conforme o entendimento do jurista Leo Van Holthe, as normas so de eficcia contida e no limitada: o que neste ponto, discorda-se da posio sumulada do Egrgio Tribunal Superior, conforme acima j destacada. De mais a mais, ao se entender que o dispositivo artigo 14, 9 da Constituio possui eficcia limitada, implica relegar a fora normativa do princpio da moralidade mera vontade do legislador infraconstitucional em editar a esperada lei, fazendo tabula rasa o princpio da moralidade.17 Urge concluir que, a vida pregressa do candidato fere o princpio da moralidade administrativa e poltica, constituindo obstculo para o deferimento de registro de candidaturas e posse em cargos pblicos, mesmo que no Brasil ainda no tenha sido regulamentado o pargrafo novo do artigo 14 da Constituio da Repblica, no que tange especificamente ao princpio da moralidade em relao vida pregressa (de anotaes penais do interessado candidato).

    Segundo Alexandre de Moraes, o princpio da moralidade administrativa previsto no art. 37 da CF e est em consonncia com os princpios da lealdade e boa-f. Em igual sentido so os artigos 5, LXXIII, e 85, V, da Constituio Federal.

    16 RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. p. 27.

    17 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 343.

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    Os acessos ao poder pblico em geral, inclusive aos cargos decorrentes de mandatos eletivos se pautam pelas normas constitucionais.18 Todavia, o conceito subjetivo de moralidade superlativo e toca ao direito natural de convivncia social, ensejando uma proteo pelas autoridades responsveis pela defesa do regime democrtico brasileiro. Vejamos o que diz a jurisprudncia do TJRS na apelao n 70011533015, cuja ementa restou assim definida:

    ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PBLICO. CAPACITAO MORAL. ADMISSIBILIDADE. O concurso pblico visa a recrutar os mais capacitados para desempenhar o cargo pblico, no universo dos candidatos, e, por tal motivo, exigindo a funo policial peculiares atributos de idoneidade moral, mostra-se razovel o pronunciamento do Conselho Superior de Polcia que, considerando a condio pessoal do candidato, reputa-o fora do patamar mnimo de conduta moral e social indispensvel para a legitimidade do exerccio do cargo perante a sociedade. RELATRIO do DES. ARAKEN DE ASSIS (RELATOR): FELIPE JORGE BAUM CONTINO ajuizou ao cautelar contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Segundo alega, logrou aprovao nas provas do concurso para o cargo de Inspetor de Polcia. Ocorre que, realizada sindicncia de vida pregressa, resultou inapto quanto idoneidade moral para o cargo. Insurge-se contra a Resoluo 37.933/03 do Conselho Superior de Polcia, sustentando que no declarou a terceira ocorrncia (delito contra a liberdade pessoal, em que restou absolvido) porque dela no sabia no momento em que prestou as declaraes e entregou os documentos exigidos. Postula a concesso de liminar, para mant-lo no certame, legitimando-o a participar de todas as demais fases do concurso para provimento do cargo de Inspetor de Polcia, inclusive quanto entrega de documentao para a matrcula no Curso de Formao Profissional, ao ingresso na turma do Curso de Formao a ser realizado na ACADEPOL, e ainda, nomeao e posse, em caso de aprovao. Deferida a tutela antecipada. O Estado contestou, sustentando que no h como ser verdica a alegao do autor de que no tinha conhecimento do terceiro fato quando prestou as informaes. Aduziu que no houve qualquer equvoco na Resoluo 37.933 j que prolatada aps a defesa do autor e na qual ele ento refere o terceiro processo, insistindo que dele no tinha conhecimento, em outubro de 2002. Alegou que o autor, em outubro de 2002, deixou de mencionar e fornecer a certido positiva relativa ao Processo 110751691, distribudo j em agosto daquele ano. Salientou que o acesso aos cargos, empregos e funes pblicas subordinado ao atendimento dos requisitos legais, sendo que o Edital do Concurso 002/2002 para ingresso nas Carreiras de Escrivo de Polcia e Inspetor de Polcia estabelecia que os candidatos aptos seriam submetidos sindicncia sobre a vida pregressa. Argumentou que a avaliao dos fatos emergidos quando da investigao da vida, pregressa e atual, dos candidatos bem como de sua idoneidade moral ato discricionrio da Administrao Pblica. Houve rplica. Apensada a ao principal, onde o autor postulou a declarao de nulidade do ato administrativo que o eliminou do concurso em razo da sindicncia de vida pregressa, mantendo-o no concurso, inclusive quanto nomeao e posse, caso aprovado no Curso de Formao, tornando definitiva a liminar concedida na ao cautelar.

    18 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23. ed. So Paulo: Atlas, 2008. p. 16.

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    O Estado apelou, sustentando que a deciso no est fundamentada no que diz respeito cautelar, violando o disposto no art. 458, II, do CPC, devendo ser anulada. No mrito, sustentou que o apelado restou considerado inapto por omitir a existncia de termo circunstanciado em que figurou como autor do fato, quando instado a informar. Postulou o provimento da apelao, para julgar improcedente o pedido deduzido tanto na ao principal como na ao cautelar, com a inverso dos nus da sucumbncia e a aplicao do disposto no art. 811 do CPC. Sem resposta, subiram os autos. A Dra. Procuradora de Justia opinou pelo desprovimento da apelao. o relatrio. VOTO do Des. Araken de Assis: No h a pretendida nulidade da respeitvel sentena, que julgou simultaneamente a pretenso cautelar e a demanda principal. Tambm no me atrevo a estimar tipicamente cautelar a providncia reclamada. Pouco importa. O fato que tudo se passa no mbito da cognio do rgo judicirio, consoante o grau empregado em cada caso, e, colhida a prova, alcanado o patamar da cognio plena, o acolhimento da pretenso principal provoca o acolhimento da pretenso cautelar. De fato, no teria sentido rejeit-la, pois a situao de urgncia existia na oportunidade da propositura e da verossimilhana se passou certeza, naturalmente na perspectiva do rgo judicirio de primeiro grau. Invoco, a este propsito, as ponderaes de GALENO LACERDA: Nada impede, tambm, que, mesmo nas cautelas antecedentes, concedida a liminar nos autos prprios, posteriormente apensos aos da ao principal, proceda o juiz instruo conjunta, se necessria, porque, em caso de julgamento antecipado, desde logo se resolvem as duas demandas (LACERDA, Galeano. Comentrios, n. 76, p. 419 v. 8, t. 1, Porto Alegre, Forense, 1980). No h infrao ao art. 458, II, do Cd. de Proc. Civil. Rejeito a preliminar de nulidade. O problema posto nos autos no novo e j recebeu exame em outras oportunidades. Trata-se de ponderar princpios constitucionais em coliso. De um lado, o concurso pblico visa a recrutar os candidatos mais aptos. Frise-se o ponto: no se busca recrutar qualquer um, seja qual for a aptido requerida segundo as atribuies do cargo. Ensina JOS DOS SANTOS CARVALHO FILHO: Concurso pblico o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptides pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funes pblicas. Na aferio pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, fsica e psquica de interessados em ocupar funes pblicas e no aspecto seletivo so escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificao. Cuida-se, na verdade, do mais idneo meio de recrutamento de servidores pblicos. Para tal finalidade, a Administrao institui requisitos especiais, conforme as atribuies dos cargos oferecidos totalidade das pessoas. Ora, h cargos que exigem plenitude intelectual. Outros reclamam singulares dotes fsicos. E h os que, a par desses atributos, exigem idoneidade. Para algum receber a investidura na Corte Suprema, por exemplo, a Carta Poltica reclama do indicado pelo Presidente da Repblica notvel saber jurdico e reputao ilibada (CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito administrativo, p. 419, 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999). O que reputao ilibada? A dogmtica jurdica localiza um conceito jurdico indeterminado neste conjunto semntico. A meu ver, bem mais fcil definir quem no exibe tal atributo do que afirm-lo positivamente existente em alguma pessoa. Tal conceito se expressa mais negativa do que positivamente. Em escala menor, talvez, mas com igual importncia a funo policial exige o que a lei aponta como boa conduta social e moral. Esta parte do dispositivo sobreviveu inconstitucionalidade proclamada no Incidente 598525624, julgado em 23.03.99, Relator o Sr. Desembargador VASCO DELLA GIUSTINA. Na verdade, inconstitucional a violao presuno de inocncia (art. 5., LVII, da CF/88), e, por isso, simplesmente responder a processo-crime no impede o acesso ao cargo. Mas, ainda assim,

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    intuitivo que para se legitimar perante a sociedade, o policial h de exibir boa conduta social e moral ou - permitam-me a analogia - reputao ilibada. Ora, os elementos de prova demonstram que tal no sucedeu. Em primeiro lugar, apesar de suas negativas, o apelado omitiu a existncia de um terceiro processo. verdade que somente foi citado em janeiro de 2003. Sucede que a ao penal foi distribuda em 12.08.02 e, portanto, devendo ele apresentar certides negativa ou positiva at 30.10.02, fatalmente o dado apareceria nos registros da distribuio. Como afirmou o Estado, poderia no conhecer pormenores e at desconhecer os fatos que lhe eram imputados (um inocente completo), mas, seguramente, no ignorava a pendncia e lhe cabia inform-la ao Conselho Superior de Polcia. Em outras palavras, ningum pode ter seu acesso ao cargo de policial impedido porque responde a processos. o custo social de um direito fundamental, no caso o da presuno de inocncia; porm, a pessoa que omite a verdade em situao to delicada jamais desempenhar a contento qualquer cargo pblico. Na verdade, o que no desabona em algumas situaes, torna-se crucial em outras, no se mostrando razovel conferir f pblica para algum que omite informaes relevantes. Ademais, h que ponderar o comportamento social do apelado consoante a regra da normalidade. As razes apelatrias ferem o ponto com propriedade: A idoneidade moral pode ser aferida em funo de dados de natureza extrapenal: a omisso da informao da existncia de processos criminais, em si e por si, no constitui crime, mas no recomenda o demandante para o cargo em questo, at porque, para a profisso que ele exerce - Mdico Veterinrio- e para o prprio estrato social que freqenta - reside na rua Marqus de Pombal e tem condies de manter consultrio no Bairro Moinhos de Vento -, a sua presena no juzo criminal ultrapassa o que normalmente seria de se esperar - artigo 335 do Cdigo de Processo Civil -, mesmo que no tenha sido condenado. Ele no ser idneo para o exerccio da tarefa que dele se exige. Ao fim e ao cabo, o apelado no produziu a prova que lhe competiria, nos termos do art. 333, I, do Cd. de Proc. Civil, para elidir a presuno derivada da resoluo (motivada) do Conselho Superior de Polcia, que goza de f pblica (art. 19, II, da CF/88 c/c art. 364 do Cd. de Proc. Civil). Julgada improcedente a ao cautelar, pelos motivos inversos que resultaram na sua procedncia em primeiro grau, j no cabe aplicar o art. 811 do Cd. de Proc. Civil, pois semelhante responsabilidade objetiva automtica. Trata-se de efeito secundrio da sentena. Caber ao vencedor, se for o caso, promover a liquidao - e demonstrar a existncia de dano. Pelo fio do exposto, dou provimento apelao para julgar improcedentes as aes, invertidos os nus da sucumbncia.19

    19 Apelao n 70011533015 do TJRS, Acrdo do Relator Des. Araken de Assis.

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    4 O PRINCPIO DA PRESUNO DA INOCNCIA

    O Estado Democrtico de Direito consiste na criao de um novo conceito de Estado, baseado na dignidade da pessoa humana, cuja tarefa fundamental superar as desigualdades sociais e regionais, bem como a instaurao de um regime democrtico que vise justia social. Importante destacar a relevncia da lei pela sua funo de regulamentao das relaes estatais e individuais, objetivando a realizao da igualdade e justia, contudo, da essncia do Estado Democrtico de Direito em subordinar-se Carta Magna.20 Os direitos e garantias individuais esto subdivididos em cinco captulos, dentro do Ttulo II, da Lei Maior. A distino entre os dois est, resumidamente, em que os direitos configuram-se na existncia legal dos interesses individuais reconhecidos, de modo que as garantias vedam as aes do poder pblico que atentem contra esses direitos consagrados.21

    As garantias individuais advm da necessidade de proteo da liberdade perante o Estado, por a se percebe a sua plenitude como meio de defesa em face de um interesse que demanda proteo. As garantias colocam-se diante de um direito, mas com ele no se confundem, pois so disposies assecuratrias, possibilitando, por via de conseqncia, a proteo liberdade individual.22 As normas consagradas pela Lei Maior com relevncia processual, possuem a natureza de normas de garantia, estabelecidas no interesse pblico, logo, as violaes desses dispositivos constituem em ato absolutamente nulo ou, at mesmo, ato juridicamente inexistente.23

    Tambm conhecido como princpio do estado de inocncia ou da no- culpabilidade. Alguns autores como Mirabete preferem trat-lo como princpio da no-culpabilidade sob o argumento de que a Lei Maior no presume a inocncia, mas estabelece que o acusado inocente durante o desenrolar do processo.24 Da mesma forma, Paulo Rangel considera que a nomenclatura presuno da inocncia

    20 SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 89-90.

    21 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. So Paulo: Atlas, 2004. p. 47.

    22 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. So Paulo: Malheiros. 2005. p. 529-32.

    23 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 27-30.

    24 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. So Paulo: Atlas, 2005. p. 44.

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    no resiste a uma anlise mais profunda.25 A presuno da inocncia uma conseqncia direta do devido processo legal, est consolidado expressamente na Constituio Federal de 1988, que assim dispe no seu art. 5, inciso LVII: ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria.

    Trata-se, pois, de um princpio constitucional explcito, previsto, tambm, na Declarao Universal dos Direitos Humanos da ONU26, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos27 e no Pacto San Jos de Costa Rica28. Tratados esses em que o Brasil signatrio e, segundo o art. 5, 3, da CF, equivalem s emendas constitucionais. A presuno da inocncia, como princpio basilar do Estado Democrtico de Direito, decorre do sistema processual acusatrio, no qual cabe ao Ministrio Publico ou, nos casos de ao privada, ao ofendido ou ao seu representante, o nus da prova contra o ru.29 Para Delmanto os direitos fundamentais tm como principal fundamento o valor da dignidade humana, que se afigura como uma pilastra do Estado Democrtico de Direito. Salienta que a presuno da inocncia deve ser entendida como orientao poltica de cunho constitucional. Oportunas as ponderaes do autor:

    Nesse contexto, negar o direito presuno de inocncia significa negar o prprio processo penal, j que este existe justamente em funo da inocncia, afigurando-se, em um Estado Democrtico de Direito, como o nico instrumento que dispe o estado para, legitimamente, considerar uma pessoa culpada.30 O autor acima transcrito segue afirmando que a presuno da inocncia abrange: a) o nus da prova para a acusao; b) inadmissibilidade de qualquer tratamento preconceituoso em funo da condio de acusado; c) o resguardo da imagem do ru e o silncio que no importa em admisso de culpa; d) local condigno destinado ao ru na sala de audincia; e) o no uso de algemas, salvo em casos excepcionais;

    25 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2004. p. 44.

    26 Art. XI. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumidamente inocente at que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento pblico no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessrias sua defesa.

    27 Art. 14, 2. Toda a pessoa acusada de um delito ter direito a que se presuma sua inocncia enquanto no for legalmente comprovada sua culpa.

    28 Art. 8, 2, 1 parte. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocncia enquanto no se comprove legalmente sua culpa.

    29 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo de Execuo Penal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 75-6.

    30 DELMANTO JNIOR, Roberto. As modalidades de prises provisrias e seu prazo de durao. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 64.

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    cautelaridade e excepcionalidade da priso provisria. Dessa forma, a presuno da inocncia no afetaria apenas o mrito da culpabilidade, mas, inclusive, como o ru tratado durante o desenrolar do processo.31

    Diante do exposto, prevalecero os princpios que asseguram aquelas peculiaridades, que, na situao em questo, so os princpios da moralidade, da probidade e da legitimidade, inerentes que so, pessoa humana, como tambm ao Estado Democrtico de Direito, do qual todo o poder emana do povo. No se trata de adotar e levantar a bandeira, com esse posicionamento, de questes subjetivas em detrimento do princpio da presuno do estado de inocncia e do devido processo legal, eis que no se quer mitig-los porque so fundamentais. Porquanto ningum est sendo considerado culpado antes do trnsito em julgado e nem se estaria suspendendo os direitos polticos, uma vez que continuaro, os acusados, a serem processados em seus devidos trmites legais e processuais, sendo considerados e tratados, no processo criminal, como inocentes, at que sobrevenha condenao judicial transitada em julgado, restringindo-se o princpio da presuno da inocncia a seara do processo penal.32

    Entretanto, apenas est-se posicionando no sentido do indeferimento dos pedidos de registro de candidaturas ou inscrio em concurso pblico de pessoas que no atendem com as caractersticas e exigncias da moralidade, da probidade, da boa-f e da tica, to necessrias ao esprito e a essncia daqueles que pretendem concorrer a cargos pblicos. Eis que, possivelmente, sero os responsveis pelas condies de sobrevivncia das geraes presentes e vindouras, quando do exerccio da gesto da mquina administrativa e financeira. Portanto, se eventual candidato a determinado mandato eletivo estiver respondendo a processos por crimes graves ainda no findos, continuar tal pessoa a ser tratado e processado como inocente at que sobrevenha deciso final condenatria com o devido trnsito em julgado, observando-se o princpio constitucional da presuno do estado de inocncia. Em absoluto no se pretende romper com tal postulado.33

    Em suma, sequer se est diante de conflito entre normas constitucionais, porquanto o artigo 5, LVII, da CF, nada tem a ver com o caso em tela, j que este Egrgio Tribunal no ir efetuar juzo sobre a culpa do requerente nos delitos

    31 DELMANTO JNIOR, 2001, p. 67-8.

    32 GRINOVER, 2004.

    33 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. ed. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 61.

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    anotados em seu desfavor. Aqui se aplica exclusivamente a sistemtica trazida pela EC 04/94, que contm princpios ticos a informar as hipteses de inelegibilidade, que, obviamente, no dependem de Lei Complementar para vigerem, por isso que auto-aplicveis.34

    Cretella ressalta, para fins de demonstrar que o princpio da presuno da inocncia restringe-se ao mbito do direito penal e do processo penal, que o Cdigo Civil arrola em seu artigo 1814, algumas hipteses de excluso da herana por indignidade, dentre as quais pode-se destacar aquela prevista no inciso I - que houverem sido autores, co-autores ou partcipes de homicdio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucesso se tratar, seu cnjuge, companheiro, ascendente ou descendente.35 A doutrina civilista, em sua maioria, segundo os juristas Slvio de Salvo Venosa e Silvio Rodrigues, pontifica que tal causa de excluso da herana por indignidade prescinde de condenao criminal. Ora, se possvel excluir por indignidade o autor, co-autor ou partcipe de homicdio doloso consumado ou tentado, sem necessitar da condenao penal, resta evidente que o princpio da presuno da inocncia limita-se seara do direito penal e processual penal, corroborando, pois, o entendimento, aqui, sufragado.

    Ainda que esse entendimento no autorize abusos e excessos de interpretaes, pois de exegese restritiva, j que se trata de uma exceo regra, porquanto no deve servir como meio de perseguies e combates polticos, mas de resguardar a sociedade, mediante um trabalho preventivo, quando da aplicao ao caso especfico. O que se busca evitar eventuais descalabros administrativos e financeiros por parte daqueles que no atendam com aquelas mencionadas peculiaridades e requisitos. Isto , devemos sempre lembrar, antes de iniciar qualquer ponderao, que nenhum princpio deve ser invlido e nenhum tem precedncia absoluta sobre o outro.36 Mas pode ser formulada uma regra de procedncia geral ou bsica quando se determina em quais circunstncias especiais um princpio deve ceder ao outro, uma clusula que permite estabelecer excees.

    34 Recurso Extraordinrio n 568030, voto do Relator Min. Menezes Direito.

    35 CRETELLA JNIOR, Jos. Comentrios Constituio brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1992. v. 5. p. 29.

    36 KARAN, Maria Lcia. Garantia do estado de inocncia e priso decorrente de sentena ou acrdo penais condenatrios recorrveis. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, n. 11, p. 166-75, 2005.

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    Portanto, conforme Walter Claudius Rothenburg restaro parmetros capazes de equacionar e equilibrar os conflitos de interesses pessoais e coletivos, tendo em vista que um verdadeiro Estado Democrtico tem suas vertentes embasadas na liberdade, igualdade, fraternidade, diversidade e participao popular. Conclui-se que o princpio da presuno da inocncia restringe-se ao mbito do direito penal e do processo penal, com a devida permisso das posies de alguns tribunais, comunga-se do entendimento da constitucionalidade de indeferimento do registro de candidatura e inscrio em determinados concursos pblicos para cargos complexos, tendo como pedra angular o princpio da moralidade e conforme os artigos 1, inciso II, c/c os artigos 14, 9, e 37, caput, da Constituio Federal.37 Vejamos o que diz a jurisprudncia do STJ no RECURSO ESPECIAL N 414.933 - PR:

    ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PBLICO. CONCURSO PBLICO. INVESTIGAO SOCIAL. EXCLUSO DE CANDIDATO EM RAZO DE PROCESSO CRIMINAL J EXTINTO PELA PRESCRIO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCPIO DA PRESUNO DE INOCNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO: Em observncia ao princpio da presuno de inocncia - art. 5, LVII, da Constituio Federal, no se admite, na fase de investigao social de concurso pblico, a excluso de candidato em virtude de processo criminal extinto pela prescrio retroativa. Tal fato no tem o condo de afetar os requisitos de procedimento irrepreensvel e idoneidade moral. RELATRIO DO MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA: Trata-se de recurso especial interposto pela UNIO, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituio Federal, contra acrdo do Tribunal Regional Federal da 4 Regio que manteve deciso de primeira instncia, a qual, por sua vez, julgou procedentes pedidos formulados em aes ajuizadas, sucessivamente, pelo recorrido, com vistas a: a) na primeira, sua reintegrao no curso de formao da Polcia Federal, do qual foi desligado por ter sido processado por porte de substncia entorpecente - art. 16 da Lei 6.368/76; b) na segunda, sua nomeao para o cargo de Agente, tendo em vista a concluso do curso, ao qual foi reintegrado por fora de liminar concedida na primeira. Opostos embargos de declarao, foram eles rejeitados. A recorrente insurge-se, no presente recurso, contra a deciso que determinou o prosseguimento do recorrido no curso de formao da Polcia Federal. Alega, preliminarmente, contrariedade ao art. 535 do CPC. No mrito, sustenta que, nos termos dos arts. 8, I, do Decreto-Lei 2.320/87 e 65 e 66 do Cdigo de Processo Penal, a extino da punibilidade pela prescrio no afasta a responsabilidade civil e administrativa. Destarte, o recorrido no preencheria os requisitos para ingresso no curso de formao da Polcia Federal. No foram apresentadas contra-razes. O recurso especial foi admitido pelo Tribunal de origem. VOTO DO MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator): O recorrente pretende, com fundamento nos arts. 8, I, do Decreto-Lei 2.320/87 e 65 e 66 do CPP, a reforma da deciso que determinou o prosseguimento do recorrido no curso de formao da Polcia Federal. Inicialmente, esta Corte

    37 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princpios Constitucionais. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Ed., 1999. p. 72.

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    possui entendimento firmado no sentido de que o rgo julgador, desde que tenha apresentado fundamentos suficientes para sua deciso, no est obrigado a responder um a um os argumentos formulados pelas partes. Ademais, no se verifica ofensa ao art. 535, II, do CPC, quando inexistem, na deciso agravada, omisso, contradio ou obscuridade, mas to-somente finalidade de prequestionamento. Na espcie, o acrdo recorrido apresentou fundamentos suficientes para reconhecer ao autor o direito permanncia no curso de formao e sua nomeao ao cargo de agente da Polcia Federal. No que tange ao mrito, verifico dos autos que o recorrido foi aprovado em concurso pblico para provimento do cargo de Agente da Polcia Federal. Em setembro/1996, quando j participava do curso de formao, foi determinado seu desligamento em razo de ter sido processado pela prtica do crime previsto no art. 16 da 6.368/76, o que afetaria o requisito de procedimento irrepreensvel e idoneidade moral inatacvel, nos termos dos artigos 8 e 15 do Decreto-Lei 2.320/87: Art. 8. So requisitos para a matrcula em curso de formao profissional, apurados em processo seletivo, promovido pela Academia Nacional de Polcia: ter procedimento irrepreensvel e idoneidade moral inatacvel, avaliados segundo normas baixadas pela Direo-Geral do Departamento de Polcia Federal. Ser demitido o servidor policial que, para ingressar nas categorias funcionais da carreira Policial Federal, tenha omitido fato que impossibilitaria a sua matrcula em curso de formao ou de treinamento profissional, apurado mediante processo disciplinar. A Instruo Normativa n 3/DPF, que regula tais dispositivos, dispe: So fatos que afetam o procedimento irrepreensvel e a idoneidade moral inatacvel: prtica de ato que possa importar em escndalo ou comprometer a funo pblica; prtica de ato tipificado como infrao penal; estar indiciado em inqurito policial ou respondendo a ao penal ou a procedimento administrativo. Ocorre que referido processo foi posteriormente extinto em virtude da prescrio retroativa da pretenso punitiva, deciso transitada em julgado em 15/12/1992. Em observncia ao princpio da presuno de inocncia - art. 5, LVII, da Constituio Federal -, a conduta do recorrido no pode afetar os requisitos de procedimento irrepreensvel ou idoneidade moral inatacvel, uma vez que no foi condenado no processo criminal e, conforme informaes constantes dos autos, primrio e possui bons antecedentes. Com efeito, no restou comprovada a materialidade e a autoria da conduta. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PBLICO. POLCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. AGENTE PENITENCIRIO. INVESTIGAO SOCIAL. CANDIDATO PROCESSADO. PRESCRIO. PRESUNO DE INOCNCIA. RECURSO ESPECIAL. NO CONHECIMENTO. DISSDIO NO CARACTERIZADO. ART. 255 DO RISTJ: O simples fato do candidato ter sido processado, h anos, pela prtica de crime de porte ilegal de entorpecentes, sendo que foi extinta sua punibilidade pela prescrio da pretenso punitiva, no pode ser considerado como desabonador de sua conduta, seu maior detalhamento, a ponto de impedir sua participao no concurso pblico, sob pena de ofensa ao princpio da presuno de inocncia. Para caracterizao do dissdio, indispensvel que se faa o cotejo analtico entre a deciso reprochada e os paradigmas invocados. A simples transcrio de ementas, sem que se evidencie a similitude das situaes, no se presta para demonstrao da divergncia jurisprudencial. Recurso no conhecido.38

    38 REsp 327.856/DF, do Ministro Relator da Quinta Turma Felix Fischer, DJ 4/2/2002, p. 488.

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    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LIMITES NORMATIVOS. APRECIAO DE MATRIA CONSTITUCIONAL. INADEQUAO DA VIA ELEITA. CONCURSO PBLICO. INVESTIGAO SOCIAL. CANDIDATO PROCESSADO. PRESCRIO. PRESUNO DE INOCNCIA. PRECEDENTES. Consoante j se manifestou o Superior Tribunal de Justia, o simples fato de o candidato haver sido investigado em inqurito policial posteriormente arquivado ante a ocorrncia da extino da punibilidade pela prescrio, no pode ser considerado como desabonador de sua conduta, seu maior detalhamento, de forma impedir sua participao no concurso pblico, sob pena de ofensa ao princpio da presuno de inocncia. Precedentes. Agravo interno desprovido. Ante o exposto, conheo do recurso especial e nego-lhe provimento.39

    Destarte, entende-se que o acusado s poder ser considerado culpado e, por conseguinte, sofrer os efeitos da condenao, aps o trnsito em julgado da sentena condenatria.

    4.1 A INVESTIGAO SOCIAL DOS BONS ANTECEDENTES X O PRINCPIO DA PRESUNO DA INOCNCIA

    Segundo o juiz federal do Rio de Janeiro Alberto Nogueira Jnior, a investigao sobre se o candidato goza de boa conduta social, vai ao encontro do princpio da moralidade administrativa, expressamente positivado no art. 37 da Constituio Federal. Do outro lado, tem-se o princpio da presuno da inocncia salvo sentena condenatria transitada em julgado, tambm direito fundamental expressamente positivado no art. 5, LVII da CF/88. O conflito entre estes princpios, se materializado na prtica, haver que ser resolvido caso a caso, tanto na esfera administrativa, como na esfera judicial.40 Mas por que este conflito, em regra, ser aparente, e no real?

    A investigao sobre como o candidato se conduz em sociedade, assim como sobre se ele possui bons antecedentes, ou boa conduta social - especialmente, mas no somente, criminais - tem por objetivo estabelecer as bases para uma concluso prvia - a ser confirmada, ou no, quando do posterior estgio probatrio: decidir-se

    39 Agravo Regimental n 463.978/DF, do Ministro Relator da Quinta Turma Gilson Dipp, DJ 4/8/2003, p. 370.

    40 NOGUEIRA JNIOR, Alberto. Eliminao de candidatos em concursos pblicos. Out. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 4 set. 2009.

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    se o candidato merece, ou no, a confiana da Administrao Pblica e da sociedade. Conforme entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho, o princpio da presuno da inocncia extrai-se, como conseqncia geral, a proibio de restries antecipadas a direitos do ru pelo simples fato de estar a responder em ao judicial, salvo a imposio de restries e deveres necessrios preservao da integridade da prpria ao judicial, ou da ordem pblica, a qual, em um Estado Democrtico de Direito, ter que observar os parmetros prprios a uma sociedade democrtica.41 Neste sentido est a jurisprudncia do STJ, como percebe-se no julgamento do RESP n 48278-DF da 6. Turma, Relatado pelo Ministro Pedro Acioli:

    ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANA. CONCURSO PBLICO. AGENTE DE POLCIA. INVESTIGAO SOCIAL. CRIME (HOMICDIO) COMETIDO POR CANDIDATO QUANDO ERA MENOR INIMPUTVEL. ILEGALIDADE DA INVESTIGAO SOCIAL DA BANCA EXAMINADORA, COM VIOLAO LITERAL DO ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE (ARTS. 143 E 144). A PRESUNO DE IRRECUPERABILIDADE DE QUEM J COMETEU DELITO PENAL, A PAR DE SOLAPAR UM DOS PILARES DA CIVILIZAO OCIDENTAL, JOGARIA POR TERRA TODA A POLTICA CRIMINAL DA REABILITAO E REINTEGRAO DO DELINQUENTE EM SEU MEIO SOCIAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PELA ALNEA A DO AUORIZATIVO CONSTITUCIONAL: O recorrente especial, quando menor penalmente inimputvel, assassinou colega. Ao candidatar-se a concurso pblico (agente de polcia), teve seu pedido indeferido, porque a Banca Examinadora apurara, por conta prpria, o fato ocorrido perto de 10 anos atrs. Irresignado, o ora recorrente especial ajuizou ao de mandado de segurana. O TJ teve como legal o ato impetrado. O STJ tem considerado legal o indeferimento de inscrio de candidato com base na investigao social prevista em edital do concurso.42 No caso concreto, todavia, o rgo impetrado violou expressamente os arts. 143 e 144 do ECA (Lei no. 8060/1990), que vedou a divulgao de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianas e adolescentes a que se atribua a autoria de ato infracional. Ademais disso, no caso particular do recorrente, a vedao de participar de concurso para cargo pblico, vivel at para o penalmente reabilitado, jogaria por terra toda a poltica criminal de reajustamento e reintegrao vida social, alm de solapar um dos primados de nossa civilizao. III - Recurso especial conhecido pela alnea a.43

    Diante do exposto, o foco a no antecipao da sano, ou da pena, que podero ser impostos pela sentena judicial, e dos efeitos primrios e secundrios decorrentes da condenao definitiva passada em julgado. No se trata, pois, de

    41 TOURINHO, Fernando da Costa Filho. Manual de Processo Penal. So Paulo: Saraiva, 2001. p. 17.

    42 REsp n 15410/DF, voto do Ministro Garcia.

    43 REsp n 48278-DF da 6 Turma, Relatado pelo Ministro Pedro Acioli.

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    uma questo de confiana, mas sim, de como se lidar com os direitos materiais e processuais do acusado no ambiente de um procedimento administrativo, ou de um processo judicial. Observa-se alguma confuso na jurisprudncia no sentido de relacionar a exigncia de demonstrao de o candidato possuir bons antecedentes, ou boa conduta social, com o princpio da presuno da inocncia. Neste sentido est a jurisprudncia que segue:

    A M S no. 2004.34.000297080-DF, STJ, 6. Turma, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, dec. p. maioria pub. DJU 13.8.2007, p. 67: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANA. CONCURSO PBLICO. POLCIA RODOVIRIA FEDERAL. INVESTIGAO SOCIAL. PROCESSO CRIMINAL SUSPENSO NOS TERMOS DO ART. 89 DA LEI NO. 9099/95. CANDIDATO SUBMETIDO A PERODO DE PROVA. ELIMINAO DO CERTAME. ILEGALIDADE. PRESUNO DE INOCNCIA. CONCESSO DA SEGURANA: Afigura-se pacfico o entendimento doutrinrio e jurisprudencial de que so legtimos os requisitos de procedimento irrepreensvel e idoneidade moral aos candidatos a cargo pblico, mormente quando pretendem ingressar, por concurso pblico, em carreira policial, como na hiptese dos autos. No entanto, afigura-se ilegtima a eliminao de candidato em fase de investigao social, sob o fundamento de existncia de processo penal suspenso, na forma do artigo 89 da Lei o. 9099/95, porque o citado benefcio, diante de sua prpria natureza e requisitos de concesso, mostra que a infrao atribuda no torna o impetrante incompatvel com o exerccio do cargo, para o qual obteve regular aprovao em concurso pblico, no podendo ser a malograda restrio considerada como desabonadora de sua conduta, sob pena de ofensa ao princpio da presuno da inocncia (CF, art. 5., LVII).Determina-se, em questo de ordem, o cumprimento imediato do julgado, para a nomeao e posse do Impetrante no cargo de Policial Rodovirio Federal. Apelao provida, para conceder a segurana pleiteada.44

    Conforme entendimento do ministro do STJ Demcrito Reinaldo, o tempo mais ou menos longo desde que o candidato respondeu, ou foi condenado, em ao judicial no o mais importante; pode, claro, servir de indcio objetivo sobre se o candidato efetivamente deve receber a confiana da Administrao Pblica. perfeitamente legtimo ao Poder Judicirio, no exerccio de suas competncias constitucionais, exercer o controle da razoabilidade dos motivos declinados pela Administrao Pblica para excluir o candidato de concurso pblico, por reput-lo desmerecedor de confiana.45

    44 AMS n. 2004.34.000297080-DF, STJ - 6 Turma, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, pub. DJU 13.8.2007, p. 67.

    45 Recurso em Mandado de Segurana do STJ n 1.321-0/PR, ministro relator Demcrito Reinaldo.

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    O jurista Humberto Bergmann vila afirma que h que afastar-se o subjetivismo puro, arbitrrio, violador do princpio constitucional da isonomia, ao qual a Administrao Pblica est vinculada; para tanto, haver que apurar-se se foi guardada a devida congruncia entre a realidade ftica e a sua motivao, no sendo de se olvidar, quando da ponderao da razoabilidade da excluso, as circunstncias fticas especficas do candidato envolvido.46

    46 VILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos princpios jurdicos. 4. ed. rev. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 29.

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    5 A EXIGNCIA DE CERTIDES NEGATIVAS PARA NOMEAO DO CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO PBLICO

    Outra afronta dignidade da pessoa humana a consulta aos bancos do SPCs e Serasa, para admisso em concursos pblicos. Ora, grande parte das vezes o candidato a uma vaga procura exatamente melhores condies de vida. Pois um cidado satisfeito dificilmente procura amparo em outras atividades. Segundo Vitor Vilela Guglinski em artigo publicado, o devedor no pode ser tratado como mal pagador. verdade que no cumpriu sua responsabilidade, mas grande parte das vezes a prpria situao econmica, a qual o Estado por parcela culpado, que fez com que naquela realidade constrangedora viesse ocupar seu espao.47 Impedindo o ingresso no cargo, o qual por direito possuidor, o prprio governo est influenciando para que o credor no receba o crdito devido, e impedindo que o devedor venha ocupar condies mais dignas de sobrevivncia.

    verdade que grande parte das vezes foi feita uma escolha por no pagar, mas isso no suficiente para uma generalizao. Alis, at que se mostre comprovadamente o contrrio, todos os cidados possuem boa-f. Provavelmente, se perguntassem ao prprio credor se interessaria a ocupao do cargo pelo devedor a resposta seria afirmativa. Visto que no h expectativa de recebimento antes que este tenha condies.

    O jurista Luiz Flvio Gomes, afirma que em tempos em que os concursos pblicos notoriamente vm se tornando cada vez mais objeto de aspirao de considervel parcela dos cidados brasileiros, com certa freqncia que se presencia uma infinidade de pessoas discutindo sobre a legitimidade de se eliminar candidatos em concurso pblico, em razo de os mesmos estarem inscritos em cadastros restritivos de crdito e similares. Discutindo a questo com colegas da rea jurdica, surpreendentemente alguns me apresentaram entendimento no sentido da possibilidade de se utilizar tal critrio na fase do concurso destinada ao exame psicotcnico, onde se afere a capacidade psicolgica do candidato para o desempenho da funo e outros como critrio a ser utilizado na investigao de vida

    47 GUGLINSKI, Vitor Vilela. Concursos pblicos e os cadastros restritivos de crdito. 14 jun. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

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    pregressa.48 Vejamos o que diz a jurisprudncia no tocante a anlise de certides apresentadas pelos candidatos em concursos pblicos:

    MS no. 6854-DF, STJ, 3. Seo, Rel. Min. Flix Fischer, dec. un. pub. DJU 06.11.2000, p. 190: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PBLICO. ADVOCACIA - GERAL DA UNIO. ASSISTENTE JURDICO DE 2. CATEGORIA. INSCRIO. INDEFERIMENTO. CERTIDO. JUSTIA ELEITORAL. APRECIAO. CRITRIOS SUBJETIVOS. IMPOSSIBILIDADE. vedado Administrao, para indeferir a inscrio do Impetrante em concurso pblico, valer-se de critrios subjetivos de interpretao da documentao apresentada pelo candidato. Precedentes. Segurana concedida.49

    Conclui-se ento, que as informaes contidas nos cadastros de proteo ao crdito servem apenas como meio de consulta por parte das empresas associadas, objetivando unicamente resguardar seus interesses empresariais. Inexiste interesse pblico a ser tutelado com a criao daqueles cadastros, sob pena de invaso da vida privada do indivduo. A esse respeito, Jos Afonso da Silva discorre sobre a vida privada como sendo integrante da esfera ntima da pessoa, seu modo de ser e viver, partindo da constatao de que a vida das pessoas compreende dois aspectos: um voltado para o exterior e outro para o interior, sendo que,

    A vida exterior, que envolve a pessoa nas relaes sociais e nas atividades pblicas, pode ser objeto das pesquisas e das divulgaes de terceiros, porque pblica.50 A vida interior, que se debrua sobre a mesma pessoa, sobre os membros de sua famlia, sobre seus amigos, a que integra o conceito de vida privada, inviolvel nos termos da Constituio.51

    Diante dos fundamentos alinhados, conclui-se que a investigao da vida financeira dos candidatos a cargos e empregos pblicos irrelevante e ilegtima por parte do Poder Pblico, porquanto as respectivas informaes dizem respeito vida privada do indivduo, afigurando-se, portanto, critrio subjetivo de avaliao, enquanto a ordem pblica reclama um comportamento objetivo por parte de cada membro da sociedade, isto , sua conduta conforme as exigncias inerentes coletividade.

    48 GOMES, 2008.

    49 MS n 6854-DF, STJ - 3 Seo, Rel. Min. Flix Fischer, dec. un. pub. DJU 06.11.2000, p. 190.

    50 SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 2003. p. 51.

    51 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14. ed. So Paulo: Malheiros, 1997. p. 204.

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    Conforme entendimento do advogado Vitor Vilela Guglinski, ningum pior que outrem por estar em dbito junto a particulares, ressaltando, ainda, que grande parcela da nossa populao enfrenta dificuldades financeiras, at mesmo em razo do abuso do poder econmico das grandes corporaes, sendo fato notrio que o prprio Estado assegura proteo quelas, em detrimento dos direitos e garantias individuais elencados na Constituio Federal. Perquirir acerca da vida privada quando somente admissvel a verificao da vida pblica nada menos do que garantir a desigualdade perante a lei.52

    52 GUGLINSKI, 2007.

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    6 EXCLUSO DO CERTAME POR INVESTIGAO DE VIDA PREGRESSA E POSSIBILIDADE DE AMPLA DEFESA E CONTRADITRIO

    Aplicando o precedente firmado no julgamento do RE 156400/SP no sentido de que o levantamento tico-social dispensa o contraditrio, no se podendo cogitar quer da existncia de litgio, quer de acusao que vise a determinada sano, a Turma deu provimento a recurso extraordinrio interposto pelo Estado do Cear contra acrdo do Tribunal de Justia local. A Corte de origem concedera a segurana em favor do ora recorrido que, aps haver concludo, com aproveitamento, todo o curso de formao de soldado da polcia militar daquela unidade federativa, fora excludo do certame ao fundamento de no preencher o requisito da honorabilidade, apurado com base em investigao sumria sobre vida pregressa. Afastou-se a aplicao do art. 5, LV, da CF. Reiterou-se o entendimento sobre a impropriedade de invocar-se o aludido preceito constitucional para, diante do indeferimento de inscrio em face do que investigado sobre a vida pregressa do candidato, chegar-se concluso sobre o desrespeito mencionada garantia constitucional.53

    Trata-se de importante deciso prolatada pelo STJ em relao a concursos pblicos. Como visto, o cerne da questo est no fato de o autor ter sido excludo do certame por no preencher o requisito da honorabilidade quando da investigao de sua vida pregressa. Com isso, pugnou pela possibilidade de ampla defesa e de contraditrio quanto ao fato. Cumpre informar que a ampla defesa e o contraditrio esto dispostos no inciso LV do artigo 5 da CR/88: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.54

    So garantias constitucionalmente asseguradas, fato. Contudo, consoante ao voto do Ministro Marco Aurlio, relacionam-se com os litigantes, que estejam envolvidos em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral. Isso quer dizer que ambos so referentes existncia de litgios ou de acusados sujeitos a aplicao de uma sano, e isso se extrai da prpria redao da norma, a qual se refere: aos litigantes [...] e aos acusados em geral.

    53 RE 233303/CE, voto do ministro relator Menezes Direito.

    54 BRASIL, 2003.

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    Conforme entendimento da advogada Gabriela Gomes Coelho Ferreira, deve-se observar que a participao em concurso e a avaliao dos requisitos em questo no importam em nenhuma das possibilidades acima relatadas. Assim, segundo o Marco Aurlio, h uma impropriedade de evocar-se o preceito para, diante o indeferimento de inscrio em face do que investigado sobre a vida pregressa do candidato, chegar-se concluso sobre o desrespeito citada garantia. No h litgio ou acusado passvel de sano na hiptese de indeferimento de inscrio. Evidentemente, na deciso do precedente citado, o Ministro frisou que, ao candidato, ficou assegurada a via ordinria, na qual, com o devido estabelecimento do litgio, ter os meios indispensveis prova de improcedncia dos fatos ensejadores do indeferimento da inscrio.55

    6.1 O PROCEDIMENTO NA SINDICNCIA DE VIDA PREGRESSA DOS CANDIDATOS

    Nos editais dos concursos pblicos que levarem em considerao a anlise da vida pregressa, estar explicado o procedimento que dever ser seguido pelo candidato, tal como este do concurso da polcia civil do Distrito Federal:

    A sindicncia da vida pregressa e investigao social ter carter unicamente eliminatrio, e os candidatos sero considerados recomendados ou no-recomendados. A sindicncia da vida pregressa e investigao social, levada a efeito por Comisso de Sindicncia da Polcia Civil do Distrito Federal, ser realizada a partir das informaes constantes do formulrio e dos documentos entregues pelos candidatos quando da realizao da Avaliao Psicolgica, em conformidade com o Edital, e atravs de pesquisas em bancos de dados. [...] A Comisso de Sindicncia apurar, por meio do formulrio preenchido pelo candidato, pelos documentos entregues junto com o formulrio e atravs de pesquisas em bancos de dados, verificaro se o candidato possui procedimento irrepreensvel e idoneidade moral inatacvel. A apurao considerar, tendo em vista os meios disponveis Comisso, se a conduta do candidato, quanto ao cometimento de crimes e outros fatos que, luz do Artigo 43 da Lei 4.878/65, e dos Arts. 116, 117, 132, 136, da Lei n 8112/90, o recomenda ou no para assumir cargo efetivo nos quadros da Polcia Civil do Distrito Federal. A Comisso poder efetuar entrevistas com candidatos, por telefone ou pessoalmente, para consolidar seu posicionamento acerca de recomendao ou no, conforme a convenincia dos trabalhos indicar".56

    55 FERREIRA, Gabriela Gomes Coelho. Idoneidade Moral e suspenso condicional do processo. 12 set. 2008. Disponvel em: . Acesso em: 27 jan. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 27 jan. 2010.

    56 POLCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL (PCDF). Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2010.

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    Estabelecida concluso no sentido da aplicabilidade da anlise da vida pregressa de candidatos, resta uma ltima questo a tratar: como faz-lo. Afinal, quando um candidato ter a vida pregressa manchada de tal forma a impedir-lhe o acesso temporrio a cargos pblicos? De incio, cabe indagar: quais as aes que poderiam ensejar a excluso do candidato no certame ou a inelegibilidade do candidato que concorre a mandato eletivo? E a partir de quando? Seria da simples propositura da demanda? Do recebimento da denncia (art. 41 do Cdigo de Processo Penal) ou da inicial (art. 17, 9, da Lei n 8.429/1992)?

    Muitas so as correntes a respeito. Descarta-se, em princpio, aquelas que consideram a simples existncia de aes, sem qualquer condenao, como fato a autorizar o indeferimento de inscrio em concurso pblico ou para concorrer a mandato eletivo. Segundo Marlon Jacinto Reis, trata-se de extremismo no recomendvel, porque sequer h pronunciamento judicial baseado em cognio exauriente sobre os fatos, inexistindo indcio de mcula sobre a conduta do acusado. Por outro lado, inicialmente fiquei tentando a aplicar a regra do art. 27, 2, da Lei n 8.038/90, a fim de considerar como inelegveis somente aqueles condenados em segunda instncia, cujos processos estejam pendentes de resoluo por fora de recursos especial ou extraordinrio.57

    Contudo, essa soluo parece-me dissociada do esprito da norma constitucional e ignora o fato de que a condenao em primeiro grau, por si s, j autoriza a emisso de um juzo de suspeita mais do que fundada acerca da conduta do acusado. Com efeito, o juzo de primeiro grau, ao proferir sentena condenatria, avalia as circunstncias fticas e jurdicas envolvidas, sopesa todas as provas produzidas e emite sua deciso de forma imparcial. Se o acusado foi condenado, porque certamente encontrou indcios que no podem ser desconsiderados, e, assim, lanou fagulha capaz de turvar a vida pregressa do candidato. Os que argumentam em sentido contrrio sustentam que h a possibilidade de ter o Juiz agido de m-f, ou imbudo por desejos polticos.58 No me parece razovel, presumir a m-f do magistrado, que se submete a rgido concurso pblico onde sua

    57 REIS, Mrlon Jacinto. Investigao da vida pregressa no plano dos Direitos Fundamentais. 8 jan. 2009. Disponvel em: . Acesso em: 6 fev. 2010.

    58 BOSCHI, Jos Antnio Paganella. O devido processo legal: escudo de proteo do acusado e a prxis pretoriana. Revista da Ajuris, ano XXXII, n. 101, p. 129-56, mar. 2006. p. 129.

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    vida pregressa objeto de anlise, em detrimento da presuno de veracidade e legitimidade que o prprio ato jurisdicional goza.59

    Aos que defendem essa tese, parece mais fcil acreditar que o juzo sentenciante tenha agido de m-f do que vislumbrar que existem fortes indcios e argumentos dando conta de que o condenado em primeira instncia agiu em desacordo com a lei. Generaliza-se, assim, a exceo, abrindo-se a porteira para que diversos condenados em primeiro grau, com a vida pregressa j atingida, ingressem em cargos polticos e se valham da prerrogativa de foro para atrasarem o processamento dos feitos, livrando-se das condenaes muitas vezes pela incidncia da prescrio.

    Resta definir o termo ad quem dos efeitos da inelegibilidade. Segundo Roberto Rosas, se a sentena condenatria restar confirmada nas infindveis instncias recursais a que for submetida, ela gerar suspenso de direitos polticos e inelegibilidades (conforme o caso) decorrentes da condenao final. Todas elas tm prazo certo de durao. Findo esse prazo, o candidato estar reabilitado e, nesse caso, o processo que gerou a inelegibilidade no poder mais ser considerado para macular a vida pregressa do candidato, sob pena no s de se dar o bis in idem, mas de perpetuao dos efeitos de condenao, em desacordo com a lei, representando verdadeira cassao de direitos polticos.60

    Segundo Soraya Taveira Gaya (Procuradora de Justia do Ministrio Pblico do Rio de Janeiro), apesar de a Constituio Federal assegurar no art. 5, inc. LVII que ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado da sentena penal condenatria, o que vemos na prtica so situaes bem diversas como, por exemplo, o caso de anotao imediata na Folha de Antecedentes Penais da existncia de inqurito ou processo assim que so instaurados, quando o certo deveria ser a anotao apenas quando houvesse transito em julgado da sentena condenatria. Ora, se ningum pode ser considerado culpado enquanto estiver respondendo a um inqurito ou processo, como penalizar algum fazendo constar em sua Folha de Antecedentes anotaes que vo lhe prejudicar social ou profissionalmente? Trata-se de hiptese clara de constrangimento ilegal que pode ser discutida em grau de Habeas Corpus ou Mandado de Segurana, conforme o caso. muito comum o

    59 Recurso Ordinrio em Mandado de Segurana n 1991/0019963-0, voto do Ministro relator Demcrito Reinaldo.

    60 ROSAS, Roberto. Direito Sumular. 12. ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros, 2004. p. 85.

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    sujeito se envolver numa leso corporal culposa e esse fato constar dos seus assentamentos sem que ele venha posteriormente responder qualquer processo a respeito, possvel at que esse delito prescreva, mas a macula permanecer na Folha de Antecedentes para prejudic-lo no seu dia a dia, j que no poder se socorrer do instituto da reabilitao que pressupe cumprimento de pena.61

    No caso do concurso pblico que tem como uma das etapas eliminar o candidato que possui antecedentes penais que a discusso se torna mais latente. Ora, uma anotao a respeito de um inqurito ou mesmo uma referencia a um processo em que o sujeito foi absolvido tem sido motivo para excluir o candidato do certame. Como pode o Estado assegurar o principio da presuno da inocncia e ao mesmo tempo nega-lo, deixando o sujeito marcado pelo resto da vida? H a uma contradio que deve ser avaliada. Segundo Claus Roxin, muitas vezes existem casos em que uma nica Folha Penal trs anotaes graves diversas que, a principio, contra-indicariam o sujeito ao cargo publico, porm outros fatores devero ser analisados antes do candidato ser eliminado por apresentar perfil que o contra-indique ao cargo. Por outro lado, existem situaes si