O resgate de "A Noite do Castelo"

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42 MAIO 1999 PUBLICAÇAO MENSAL DA FUNDAÇAO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SAO PAULO ' Começa o seqüenciamento da bactéria causadora do cancro cítrico Pág.l3 O ProBE, novo programa da FAPESP, acesso a 606 publicações científicas Pág.ll

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Notícias FAPESP - Ed. 42

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42 MAIO 1999

PUBLICAÇAO MENSAL DA FUNDAÇAO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SAO PAULO '

Começa o seqüenciamento • da bactéria causadora do cancro cítrico

Pág.l3

O ProBE, novo programa da FAPESP, dá acesso a 606 publicações científicas

Pág.ll

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EDITORIAL

Leque abrangente Para muitos, pode parecer estranho a FAPESP aprovar um

projeto liberando recursos para a aquisição, em leilão, da par­titura original da primeira ópera de Carlos Gomes, A Noite do Castelo, para posteriormente ser doada ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Afinal, o que isso tem a ver com uma fundação voltada para o financiamento da pes­quisa científica e tecnológica?

Em primeiro lugar, como assinala a professora Flávia Toni, do IEB, entrevistada para a reportagem de capa desta edição, uma partitura como essa, para um musicólogo, equi­vale a um laboratório. A partir dela, abre-se um enorme leque de pesquisas possíveis sobre o compositor, seu processo cria­dare suas idéias, influências e caminhos musicais. Tarefa, não para um, mas para muitos estudiosos realizarem pesquisas científicas, tendo a artecomoobjeto. Afinal, como disse o pró­reitor de Cultura e Extensão da USP, professor Adilson A van­si de Abreu, na cerimônia de apresentação da partitura à co­munidade, "as artes, além de deleite e expansão da capacida­de criadora do homem, também produzem pesquisa científi­ca." A ação da FAPESP, portanto, esteve perfeitamente de acordo com o seu objetivo teleológico, a pesquisa. E essa ação ganha significado ainda maior numa época em que a cultura de um povo é requisito fundamental para a sua diferenciação, em um mundo globalizado.

Assunto igualmente importante tratado nesta edição - desta feita, com impacto biológico e econômico - é o novo projeto da FAPESP, o Genoma-Xanthomonas, que deverá fazer o seqüen­ciamento genético completo da bactéria Xanthomonas axono­podis pvcitri, responsável pelo cancro cítrico, a mais séria doen­ça dos laranjais. Praticamente controlada, o cancro cítrico teve um recrudescimento alarmante no ano passado e no começo des­te ano, no Estado de São Paulo. Em 1998, foram 270 novos focos e 187 recontam i nações. Neste ano, até o dia 23 de maio, o Fundo Paulista de Defesa da Citricultura, Fundecitrus, con­tabilizou 266 novos focos e 83 recontaminações.

Desde 1963, a FAPESP vem liberando recursos para pes­quisas diversas sobre a doença, que já totalizaram R$ 5 mi­lhões. Para o Genoma Xanthomonas, a FAPESP deverá libe­rar recursos da ordem deUS$ 5milhões, e o Fundecitrus, US$ 500 mil. A laranja não será a única cultura beneficiada com o

projeto. Ele terá repercussões em outras culturas, ainda que de menor peso econômico no estado, como a do feijão, a do arroz e a do maracujá, vítimas de espécies diferentes deXanthomo­nas, mas que são geneticamente bastante semelhantes entre si.

O novo projeto, o quarto do Programa Genoma FAPESP, vai trabalhar dentro do mesmo esquema de rede de laborató­rios utilizado pelos projetas Genoma Xylella , Genoma Cana e Genoma Humano do Câncer. O sucesso e a rapidez com que esses três projetas se desenvolvem foram garantidos, entre outros fatores, pela informática e pela existência de uma rede como a ANSP, da FAPESP, que interliga os pesquisadores e centros de pesquisa do estado entre si e com o exterior, crian­do-se o sistema de laboratório virtual. Muito mais ágil e eco­nômico, como mostra a reportagem sobre o assunto.

É a informática também que possibilita, além do inter­câmbio direto entre os pesquisadores, o acesso a publicações científicas internacionais. Depois do convênio da FAPESP com o lnstitute for Scientific lnformation (IS!), disponibili­zando o banco de publicações dessa instituição norte-ameri­cana, o Web ofScience, para a comunidade científica paulis­ta, a Fundação cria o Programa Biblioteca Eletrônica, ProBE, que disponibiliza, por enquanto, 606 publicações científicas da editora holandesa Elsevier para as bibliotecas das univer­sidades paulistas.

Mostrando, por fim, que o leque da pesquisa é bastante abrangente e que a FAPESP é sensível a isso, esta edição traz duas importantes reportagens. A primeira é um estudo mais próximo da ciência básica, em que professores da Universi­dade Federal de São Carlos, alterando a microestrutura dos ma­teriais e combinando novos compostos de diversas formas , chegam a nanocompósitos metais e cerâmicos, base para os novos materiais. A segunda revela os resultados de uma pes­quisa que se desenvolve no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica em Parceria: pesquisadores da Escola Politécni­ca da USP desenvolveram painéis para aplicação na constru­ção civil , feitos de um cimento que tem como componente principal a escória, um resíduo das usinas siderúrgicas, até então sem utilidade e altamente poluente do solo e da água.

Música, laranja, cimento, novos materiais são exemplos do cumprimento do objetivo teleológico da FAPESP.

Prof. Dr. Celso de Bwros Gomes Equipe Responsável

Notícias FAPESP é uma publicação

mensal da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

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Conselho Técnico-Administrativo

Prof. Dr. Francisco Romeu Landi (Diretor Presidente)

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(Diretor Científico)

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Coordenador: Prof. Dr. Francisco Romeu Landi Editora responsável: Mari/uce Moura (MTB-790) Editora executiva: Maria da Graça Mascarenhas Editor assistente: Fernando Cunha Arte: Moisés Dorado Capa: Hélio de Almeida Foto: Arquivo Emporium Brasilis Colaboradores: Carlos Fioravanti, Carlos Haag,

Margareth Lemos, Mário Leite Fernandes, Mauro Bellesa, Míriam Clark, Míriam lbaiiez e Otto Filgueiras

Encarte especial: As chances da América Latina Planejamento gráfico: Hélio de Almeida Produção gráfica: Tânia Maria dos Santos Fotolitos: GraphBox Caran Impressão: Gráfica Peres Tiragem: 22.000 exemplares

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OPINIÃO

A cultura popular na fabricação da identidade nacional

Muitos autores já demonstraram que a cultura das classes populares é a matéria­prima por excelência da construção das na­cionalidades nos Estados gerados nestes úl­timos ISO anos. Com efeito, embora esse tipo de estrutura burocrática se inaugure no campo jurídico e da política, é no campo da cultura que ele ganha espessura. Isto por­que, para que os Estados nacionais se legi­timem, é preciso que eles constituam cul­turalmente seu povo, homogeneizando o território e universalizando as particulari­dades locais.

Esse processo de construção simbóli­ca da nacionalidade, que procura incluir e dar um sentido nobre ao modo de vida das camadas pobres, é tradicionalmente obra dos intelectuais. No caso brasileiro, o Es­tado republicano teve que enfrentar-se, desde muito cedo, com o problema do di­vórcio da sociedade política com as cama­das populares, já que sua constituição des­tituiu de direitos civis os i letrados. Como bem observa José Murilo de Carvalho em seu livro Os Bestializados, o vasto mundo da cultura popular vicejava, fora do mun­do político oficial. A falta de pontes entre o modo de vida das elites e das camadas po­bres estimulava um imaginário que as per­cebia como perigosas e ameaçadoras da nova ordem e reduzia a "política cultural" à criminalização e perseguição policial de suas manifestações culturais e religiosas.

Algumas tentativas foram feitas , já no final do século, para descriminalizar ca­poeiras e batuques, e tomá-los ícones de bra­silidade. No entanto, pode-se dizer que so­mente a partir da chamada era Yargas se esboça mais nitidamente um novo pacto político que procura incorporar as manifes­tações populares ao Estado, de modo a pro­duzir, nas elites e no povo, uma convicção compartilhada de nacionalidade. Para tan­to, foi preciso domesticar essa cultura po­pular, retirar-lhe sua autonomia própria e sua excessiva alteridade: foi preciso torná­la mestiça. Tratou-se, com efeito, de romper a lógica da honra e das redes de lealdades lo­cais, que organizavam essa vida popular de modo a incorporá-las em formas de represen­tação política mais universais.

O êxito desse empreendimento deveu­se, em grande parte, à cumplicidade, mais ou menos consciente, entre os intelectuais (das elites e das camadas populares) e o projeto do Estado nacional; os primeiros, procurando integrar o negro à nação, os segundos buscando ampliar seu espaço na

Paula Montero

sociedade brasileira. A obra inaugural de Gilberto Freyre (1933) , Casa Grande e Senzala, ao romper com o peso das teorias raciais européias que, na sua lógica deter­minista, só podiam concebera mestiçagem como degeneração, cria o paradigma da cultura mestiça que permite pensar positi­vamente essa incorporação do negro à bra­silidade.

Não é fácil explicar a rápida acolhida dos valores mestiços, a partir da era Yar­gas, como ícones de nacionalidade. Na tri­lha aberta pela interpretação freyriana , muitos pensadores buscaram decifrar esse enigma da cultura brasileira: por que, en­tre as inúmeras possibilidades de se perce­ber as relações entre as raças, o brasileiro fez da mestiçagem um valor tão arraigado?

Não há uma resposta simples para essa questão. Um dos mais doces legados de Gil­berto Freyre foi nos ter feito realmente acre­ditar que somos um povo mestiço. Ames­tiçagem teria começado no momento em que o português desembarcava nestas ter­ras e cedia aos encantos das mulheres indí­genas e teria se prolongado com a escravi­dão, que deu aos senhores a oportunidade de escolherem as escravas "mais belas e mais sãs para suas amantes". Desse encon­tro teria nascido a raça mais eugênica e melhor adaptada aos trópicos: o mulato, feliz meio-termo entre a degradação do e~­cravo e os vícios dos senhores.

A pregnância dessa auto-representa­ção tem dificultado a percepção do papel que os próprios intelectuais desempenham continuamente na moldagem da cultura popular. Ao tornar o hibridismo e a ambi­güidade modos de ser próprios ao mundo mestiço, a reflexão naturaliza a cultura, fazendo de suas expressões mais visíveis ­o malandro com sua dupla moral, o futebol com suas regras claras de combate ao ini­migo, o carnaval como momento do debo­che autorizado - propriedades de uma alma brasileira que caberia interpretar e descrever.

O meu propósito não é, evidentemen­te, negar a vivacidade e a inteligência pre­sentes nessas lógicas populares de navega­ção em uma sociedade que parece notabi­lizar-se pela distância que promove entre suas regras de convivência formais e as reais. O que gostaria de sublinhar é a necessida­de de recusarmos considerar essa formas de perceber o mundo como objetos em si mes­mo, legados de uma tradição que perdura desde nosso longínquo passado colon ial; é

3 PESP

preciso buscar, para além do conteúdo que elas expressam, os atores, as estratégias e os interesses que dão sentido a essas formas de auto-representação.

Um bom exemplo de como as expres­sões da cultura popular são continuamente retrabalhadas simbolicamente pelos inte­lectuais em função de conjunturas determi­nadas, é a história da capoeira. Em seu belo trabalho sobre o tema, O Mundo de Pernas para o Ar, Letícia Reis mostra como inte­lectuais brancos e negros trabalharam con­tinuamente para recriar a capoeira: os pri­meiros fazendo dela um esporte; os segun­dos tentando preservar seu aspecto lúdico e combativo. esse processo unificaram­se regras e métodos, codificaram-se os gol­pes, promoveram-se campeonatos nacio­nais, mas também recriaram-se simbolica­mente tradições regionais, inventaram-se hierarquias associadas às cores dos o ri xás. Nenhuma dessas características represen­ta um legado imediato das maltas cariocas do século passado. São construções resul­tantes das estratégias simbólicas de diver­sos grupos - elites brancas e mulatas , mestres baianos, etc - para, em diferen­tes momentos históricos, legitimar seu modo de perceber o lugar do negro na so­ciedade nacional.

Não resta dúvida que, apesar das trans­formações quanto às formas de organização socia l e significado que a capoeira sofreu ao longo de seus quase duzentos anos de

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vida urbana, há algo nessa ex­pressão cultural que permane­ce: a centralidade do corpo como forma de autonomia, a valorização do confronto indi­reto da ginga e da malícia, a in­teligência dos pés. Isto não quer dizer que ela retrata simples­mente uma maneira de ser. A questão que devemos nos colo­car é, pois, por que ela ainda faz sentido: se tais expressões cul­turais resultam de uma expe­riência social particular- are­lação entre negros e brancos no mundo urbano do Império e da jovem república - por que per­manecem significativas até hoje como formas de represen­tação do brasileiro? A única maneira de responder a essa questão é nos perguntarmos para quem essas expressões culturais fazem sentido: em pri­meiro lugar, a eficácia dessa re­presentação não implica que a totalidade da população nela se reconheça. Em segundo lugar, apesar da aceitação da cultura mestiça como representação da bras i !idade, isto não acarretou uma valorização da condição do negro enquanto tal , que con­tinua, de uma forma mais ou menos generalizada, excluído do Brasil oficial. Finalmente, se o país parece aceitar com orgulho a malícia de seu povo, sua ginga e malandragem como definidores do seu cará­ter, ninguém aceita publica­mente para si essas qualidades como virtudes. Assim, é preci­so que nos perguntemos por que erigiu-se a malandragem, a capoeira, o jogo do bicho, o carnaval como manifestações da nacionalidade, entre tantas outras manifestações possí­veis - o gauchismo, o canga­ceiro, o barroco, etc .. -Tudo leva a crer que essas imagens ainda constituem as melhores metáforas para expressar a in­capacidade de o Brasil formal coincidir com o Brasil real. Nesse espaço vazio, o con­fronto político, direto e ex­plícito, permanece menos efi­ciente do que a malícia e o jei­tinho. Transformar essa condi­ção em caráter é eximir-se de pensar outras formas possíveis, institucionais e simbólicas, de superação desse dilema.

Antropóloga, diretora do Museu de Ar­queologia e Etnologia da USP, pes­quisadora do Cebrap

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Análise por pares: conceito explicitado Os novos formulários para

solicitação de bolsas e auxílios da FAPESP vão conter uma de­claração para ser assinada pelos candidatos a qualquer dos dois tipos de fomento, nos seguintes termos: Declaro que tenho co­nhecimento da sistemática de avaliação por pares adotada pela FAPESP para a análise de solicitações neste programa. Autorizo que esta solicitação seja analisada segundo essa sis­temática e, em particulw; que ela seja submetida ao exame de pesquisadores escolhidos pela FAPESP, cujas identidades se­rão mantidas em sigilo.

A Fundação passa a adotar agora esse procedimento, dentro de uma preocupação mais ampla

No texto em que propõe a nova declaração para os fommlá­rios de pedidos de bolsas e auxí­lios, Processo de Avaliação: o Sistema de Análise por Pares, a Diretoria Científica (DC) da FA­PESP explica que nesse sistema "cada sol icitaçãoéexaminada por um ou mais pesquisadores dares­pectiva área de conhecimento, que emitem pareceres de mérito, na qualidade de assessores ad hoc, sem nenhum vínculo formal

com a explicitação do conceito de análise por pares que vem utili­zando desde o começo de sua his­tória. O conceito, sem dúvida, era bem conhecido da comunidade científica paulista, mas não esta­va detalhado em qualquer texto formal ou documento da Fun­dação. Com o crescimento explo­sivo do número de solicitações encaminhadas à FAPESP nos úl­timos anos, o que reflete simulta­neamente o crescimento do nú­mero de bolsistas e pesquisadores em São Paulo e a abe1tura de pro­gramas da FAPESP para novos públicos (por exemplo, empresá­rios e professores do ensino médio e fundamental), a clara explicita­ção do que significa essa análise por pares tornou-se imperiosa.

Conceito explicitado II com a FAPESP". São esses pare­ceres as bases indispensáveis para as decisões da FAPESP, "à qual não cabe pronunciar juízos de valor sobre as solicitações, mas apenas intermediar a avaliação das propostas dos pesquisadores por seus próprios pares". A DC enfatiza ainda que, nos casos em que o parecer recomenda o não atendimento da solicitação, é ga­rantido ao candidato a bolsa ou auxílio o mais amplo direito de re-

Conceito explicitado III . Outro aspecto do conceito

de análise por pares usado pela FAPESP:é de fundamental im­portância o sigilo que protege o assessor ad hoc, em cada ava­liação. A experiência interna­cional e a experiência já acu­mulada pela FAPESP demons­tram que o bom funcionamen­to desse sistema de avaliação exige tal sigi lo. "É inquestioná­vel que o grau de independên­cia e objetividade das avalia­ções entre pares é proporcional ao grau de fidedignidade da ga­rantia de sigilo oferecida pela agência quanto à identidade desses assessores", diz o texto sobre análise por pares. Por isso mesmo é que o Conselho Supe­rior da FAPESP determinou que toda solicitação de parecer a um assessor ad hoc seja enca­minhada junto com um com­promisso expresso, por parte da

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Fundação, de "observância dessa confidencialidade". Em contrapartida, os assessores se comprometem a manter sigilo quanto ao conteúdo de seus pa­receres.

O sistema de análise por pares envolve, assim, um vín­culo de confiança entre a FA­PESP e seus assessores "q ue não pode ser rompido sob ne­nhum pretexto". Trata-se de um vínculo, segundo o professor Perez, similar ao que se estabe­lece entre médico e paciente, ou entre jornalista e fonte. E é so­bre essas bases que a FAPESP pode contar com cerca de 6 mil assessores ad hoc, pesquisado­res do mais alto nível , que via­bilizam, de fato, um sistema de avaliação de projetos de pes­quisa considerado um dos mais aperfeiçoados em termos inter­nacionais.

Até porque, como bem ob­serva o diretor científico da Fundação, professor José Fer­nando Perez, há diferentes mo­dos de fazer análise por pares, preservando-se seu princípio básico: avaliação realizada por iguais - o que, no universo da pesquisa científica, sempre sig­nifica pesquisadores avaliando projetos de outros pesquisado­res. Assim, a análise pode ser feita por meio de comitês espe­cializados, modelo adotado, por exemplo, pelos NIH, nos Estados Unidos, e pelo CNPq, no Bras i I, por uma extensa rede de assessores, como fazem a NSF, nos Estados Unidos, e a FAPESP, no Brasil, ou por ou­tros modelos.

correr da decisão negativa. Esse recurso deve ter a forma de um pe­dido de reconsideração, com base na discussão das objeções levan­tadas pelo assessor ad hoc e, no limite, pode implicar o pronun­ciamento de outros assessores ad hoc. Porque, conforme o texto, o exercício amplo do direito de re­curso "é a contrapartida necessá­ria do peso que têm os pareceres dos assessores externos nas deci­sões da Diretoria Científica".

Prêmio Jabuti 99

O livro As Barbas do Impe­rador, da historiadora Lília Moritz Schwarcz, vencedor do PrêmioJa­buti 1999 como Livro do Ano de Não-Ficção, foi resultado de pes­quisa parcialmente fmanciada pela FAPESP e pelo Conselho Nacio­nal de Desenvolvimento Científi­co e Tecnológico (CNPq).

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NOfASNOfA OTAS NOTAS NOTAS NOTA~ OTAS NOTAS NOrA~ OrAS NOTAS OTAS o~AS NO AS

Parceria amplia acesso ao WoS O Web of Science (WoS) é

uma base de dados produzida pelo Institute forScientific lnfor­mation (ISI) com informação sobre artigos publicados a partir de I 974, em mais de 8.400 perió­dicos especializados e indexados pelo próprio ISI, em todas as áre­as do conhecimento, ou seja, Ci­ências, Ciências Humanas e Sociais, Artes e Humanidades. De cada um dos artigos pode-se obter o resumo, referências e ci­tações. E a infom1ação sobre eles pode ser acessada no WoS a par­tir dos autores, periódicos em que foram publicados, institui­ções responsáveis e palavras­chaves dos títulos ou resumos, entre outras possibilidades. As­sim, o WoS é um poderoso ins­trumento não só de pesquisa bi­bliográfica como de acompanha­mento do processo de propaga­ção da informação científica,

além de ser muito útil para a pes­quisa cientométrica.

A assinatura do WoS no Brasil foi feita inicialmente pela FAPESP, em I 997, como parte do projeto SciELO, que vem construindo uma biblioteca ele­trônica das principais revistas científicas brasileiras (http:/1 www.scielo.br). Com isso, a Fundação permitiu que 52 ins­tituições de pesquisa do Estado de São Paulo pudessem acessá­lo . Mais recentemente, a CA­PES, reconhecendo a importân­cia dessa base de dados, também decidiu assiná-la . Com esse ob­jetivo, firmou um convênio com a FAPESP, que permite o uso compartilhado da infra-estrutu­ra instalada e garante acesso ao WoS, daqui por diante, a outras 67 instituições brasileiras de pesquisa, situadas fora do Esta­do de São Paulo.

Carta aponta incorreção Recebemos de Francisco

Albuquerque, da Companhia Brasileira de Alumínio e repre­sentante da empresa na pesquisa Construção e Operação de Usi­na Piloto para Recuperação de Gálio a partir do Licor de Bayer, realizada em parceria com pes­quisadores da Escola Politécni­ca da USP, a seguinte carta:

"Fazemos menção ao bri­lhante artigo (edição março/99) Dominando a Tecnologia de Produção de Gálio , dessa pres­tigiosa revista, não só pelo eleva­do teor elucidativo como pela apresentação gráfica.

Apenas gostaríamos de fa-

zer dois reparos: O primeiro se refere ao

comparativo do valor atual do gálio em relação ao alumínio, que seria aproximadamente 300 vezes, e não 2000 vezes, o que seria ótimo.

O segundo se refere ao itens 3 e 4 do fluxograma apresentado; o correto seria indicar - cristais de hidróxido de alumínio (se­mente) são adicionados ao licor de Bayer (aluminato de sódio) para acelerar a reação das con­centrações para depois ser preci­pitado sob a forma de hidróxido de alumínio. A soda é recupera­da e volta ao processo."

Seminário da Embrapa A Embrapa Meio Ambien­

te promove, no dia 14 de junho próximo, como parte das co­memorações da Semana Interna­cional do Meio Ambiente, o se­minário Aproveitamento da Bio­diversidade na Agricultura, na Indústria e na Preservação Am­biental. O objetivo do evento é apresentar e debater métodos de manejo e conservação da biodi­versidade em regiões tropicais e suas funções ecológicas. Estão programadas duas mesas-re­dondas: Biodiversidade xAgri-

cultura, coordenada por Afonso Valois, chefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecno­logia, e com a participação da senadora Marina Silva e do pro­fessor João Lúcio de Azevedo, da Escola Superior de Agricul­tura Luiz de Queiróz (Esalq/ USP), e Biodiversidade e De­senvolvimento da Indústria Far­macêutica, coordenada pelo chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Bernardo van Raij. Maiores informações pelo tele­fone (O I 9) 867-8710.

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Gestão da Inovação Tecnológica A Federação das Indústrias

do Estado do Ceará promove, no período de 9 a 11 de junho, em F01ialeza, Ceará, o I Seminário Internacional sobre Gestão da Inovação Tecnológica no Nor­deste, o INOVA 99. O objetivo é desenvolver um maior intercâm­bio entre empresários, cientistas e tecnólogos, além de promover as melhores experiências nacio­nais e internacionais na utiliza­ção de ferramentas de gestão da

inovação tecnológica, O encontro pretende contri­

buir para que a região avance na I inha do desenvolvimento tecno­lógico, pem1itindo que as empre­sas nordestinas possam compe­tir nos mercados nacional e inter­nacional , o que depende, na opi­nião dos organizadores, do apoio à inovação, das práticas de coo­peração, da ampliação da capa­citação nacional e do estímulo à competitividade.

SBPC realiza 51 a reunião anual

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realiza, de I I a I 6 de julho pró­ximo, na Pontificia Universida­de Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, a sua 51 a

reunião anual, com o tema cen­tral Mercosul - A Quebra das Fronteiras? O programa inclui a discussão de alternativas ao ne­oliberalismo em ~ma conferên­cia, no dia 12, proferida por Pau­lo Nogueira Batista Júnior, da Fundação Getúlio Vargas, e em

dois simpósios, coordenados por Renato de Oliveira, da Associa­ção Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) e Reinaldo Guinwães, da Univer­sidade Estadual do Rio de Janei­ro. Os temas dos simpósios são Educação, Universidade e For­mas Contemporâneas de Auto­nomia e Ciência e Tecnologia em um Brasil em Transformação: do passado ao jitturo.

Com mais de 30 eventos já confirmados, a reunião contará com a participação dos mais im­portantes pesquisadores brasi­leiros. Entre os assuntos que serão tratados estão a biodiver­sidade, as bases da religiosida­de no Brasil e naArgentina, cul­tura e comportamento político, opapeldofinanciamentopúbli­co e privado no desenvolvinlen­to científico e tecnológico, ge­nética de alimentos, violência urbana e outros temas atuais.

Biodiversidade é tema internacional Os programas Biota e Geno­

ma, financiados pela FAPESP, se­rão temas de palestras que serão apresentadas no dia 15 próximo durante a 2"d lUPA C- lnternatio­nal Conference on Biodiversity, que será realizada em Belo Hori­zonte, no período de 1 I a 15 de ju­nho. Promovida pela União Inter­nacional de Química Pura e Apli­cada (lUPA C) e Universidade Fe­deral de Minas Gerais (UFMG), a conferência pretende reunir cien­tistas de diferentes áreas do conhe­cimento para discutir os mais re­centes avanços químicos, biológi­cos e biotecnológicos da biodiver­sidade e suas contribuições para

conservação e uti I ização sustenta­da dos recursos naturais.

A conferência tem patrocí­nio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fape­mig), Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Con­selho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológico ( CNPq), Financiadora de Estudos e Projetas (Finep) e FAPESP e também inclui as áreas de ecolo­gia química, biologia estrutural , química de produtos naturais, bi­oinformática, biocatálise e produ­tos naturais no desenvolvimento de fármacos antiparasitários.

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POlÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

MEMÓRIA

Homenagem a Ulhôa Cintra Médico e pesquisador, professor e for­

mador de várias gerações de discípulos, um formulador de política científica. Assim foi Antonio Barros de Ulhôa C intra, um dos prin­cipais responsáveis pela criação da FAPESP, em 1960, e seu primeiro presidente. Faleci­do em dezembro passado, o Museu Históri­co da Faculdade de Medicina da USP e aSo­ciedade Brasileira de História da Medicina o homenagearão, no próximo dia 4 de junho, com a inauguração de seu retrato na galeria de grandes mestres da Medicina brasileira.

O professor Ulhôa C intra nasceu em São Paulo, a 13 de setembro de 1907, tendo-se diplomado em 1930 pela Faculdade de Me­dicina e Cirurgia de São Paulo. Iniciou suas atividades no antigo Instituto de Higie­ne da Faculdade de Medicina, tendo, logo em seguida, começado a trabalhar simultanea­mente no serviço de Pediatria da Santa Casa de Misericórdia. Em 1933, foi designado para a cadeira de Pediatria da Faculdade de Medi­cina, exercendo também as funções de res­ponsável pelo laboratório de Clínica. Assu­miu, em 1936, a cadeira de Clínica Médica, obtendo, em 1940, o primeiro lugar em con-

Antônio Barros de Ulhôa Cintra, primeiro presidente da FAPI

curso para livre-docência, com a tese Contri­buições para o Estudo da Exploraçâo Fun­cional do Fígado.

Mas, segundo o médico Emílio Mattar, em artigo publicado na Revista do Hospital das Clínicas, por ocasião das comemorações dos setenta anos do Prof. Ulhôa C intra, ele foi, antes de tudo, "um investigador clínico da mais elevada qualificação". Antes mesmo de se diplomar, começou a interessar-se por bio­química, tendo estagiado no Laboratório de Química Fisiológica. E, posteriom1ente, em suas atividades, passou, ainda segundo Emí­lio Mattar, a introduzir uma "nova metodo­logia de investigação, com a aplicação das ciências básicas aos problemas clínicos".

Seus trabalhos acabaram por levá-lo aos Estados Unidos, em 1941 , com bolsa de es­tudos da Fundação Rockfeller. No Massachu­setts General Hospital , da Universidade de Harvard, trabalhou com Füller Albright, con­siderado um dos mais importantes investiga­dores clínicos. Naquele país, estudou ainda no Pratt Diagnostic Hospital , em Boston.

Em 1943,já no Brasil , foi nomeado mé­dico chefe do Serviço de Moléstias da Nutri­

ção e Dietética do Hos­pital das Clínicas, que ele organizou e chefiou até 1950. Ali , aplicou métodos de pesquisa bioquímica ao estudo de anormalidades me­tabólicas e orientou a formação de clínicos, químicos e analistas especializados em pro­blemas de metabolis­mo, nutrição e endocri­nologia, sendo um pio­neiro nessa disciplina, no Brasil. Em 1948, com uma segunda bol­sa, estagiou em diver­sos hospitais dos Esta­dos Unidos e do Cana­dá. No ano seguinte, assumiu a cátedra de Clínica Médica da Fa­culdade de Medicina da USP, com a tese Doen­ças 6sseas Metabóli­cas. Até 1982, segundo o professor Carlos da Silva Lacaz, havia pu­blicado 168 trabalhos de pesquisa clínica.

"O Professor Ulhôa Cintra liderou e foi , em grande parte,

responsável peÍa formação de uma jovem equipe de investigadores que, primeiro no Serviço de Moléstias da utrição e, depois, na 13' Cadeira da Faculdade de Medicina, se constituiu num dos mais ati vos e produtivos centros de pesquisa do país", escreveu Emí­lio Mattar, que foi seu assistente.

A Reitoria e a FAPESP Seu dinamismo e sua visão da importân­

cia da pesquisa científica levaram-no, em 1960, ao cargo de Reitor da Universidade de São Paulo. De acordo com Hélio Pereira Bi­cudo, em depoimento prestado ao Projeto FAPESP- HistóriaeMemória , "a escolha de Antonio Barros de Ulhôa Cintra para Reitor da USP deu-se dentro da linha desse pensa­mento, de dar uma estrutura moderna à Uni­versidade, capaz de torná-la num grande cen­tro de pesquisa e ensino". Teve participação decisiva na implantação do campus da USP, e na elaboração da lei de criação da Universi­dade Estadual de Campinas e da Faculdade de Ciências Médicas de Botucatu.

A criação da FAPESP, pela Lei 5.918, sancionada a 18 de outubro de 1960 pelo go­vernador Carlos Alberto de Carvalho Pinto, também teve a participação do professor Ulhôa Cintra. Aliás, segundo o professorAl­berto Carvalho da Silva, ex-presidente da Fundação, em depoimento publicado em Cientistas do Brasil, "ele teve uma influência decisiva nessa medida de Carvalho Pinto."

"Sancionada a lei que instituía a Funda­ção de Amparo à Pesquisa, determinava-se um prazo de 90 dias para serem tomadas as medidas cabíveis. Como reitor da USP, Ulhôa Cintra foi incumbido pelo governa­dor de tomar as medidas necessárias para o funcionamento da Fundação", escreveram Amélia Império Hamburger e Walquíria Chassot em Projeto FAPESP - História e Memória (no prelo) . As reuniões para a or­ganização da Fundação realizavam-se no ga­binete do reitor, naquela ocasião localizado na rua Helvétia. E ao ser formado o primei­ro Conselho Superior da FAPESP, Ulhôa C intra foi eleito seu presidente, cargo no qual se manteve até 1973.

Em depoimento prestado ao Projeto FAPESP- História e Memória , Antonio Bar­ros de Ulhôa C intra falou sobre o significado da criação da FAPESP para a comunidade científica: "Era simplesmente uma abertura enorme para quem trabalhava em ciência, de poder ter amparo para continuar a trabalhar. ( ... )A FAPESPfoi criada para amparar a ciên­cia que se quisesse realizar. A ciência é que ia bater à porta da Fundação para dizer qual o projeto que tinha".

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DOCUMENTO

A réplica do ministro O ministro da Ciência e Tecnologia,

Luiz Carlos Bresser Pereira, não gostou das críticas e observações feitas pelo Fórum Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia a algu­mas propostas do Ministério, em especial a transferência para as Fundações de Am­paro à Pesquisa (FAPs) da responsabilida­de por parcela de recursos para os progra­mas PADCT e FNDCT. A posição dos se­cretários, definida na última reunião do Fórum, em Brasília (Notícias FAPESP W 41 ), fora transmitida a Bresser Pereira, por

carta, por Adão Vilaverde, presidente do Fórum e Secretário de Ciência e Tecnolo­gia do Rio Grande do Sul.

Em resposta a Vilaverde, o ministro declara que a proposta do Ministério não subtrai recursos das FAPs nem fragmenta o Sistema Federal de C&T, como acreditam os secretários, mas, ao contrário, viabiliza "uma estratégia conjunta para tratar, em ní­vel nacional e de forma integrada, as difi­culdades transitórias pelas quais passa ore­ferido sistema." Veja, a seguir, a íntegra do documento.

A CARTA-RESPOSTA Senhor Presidente

Recebi com surpresa seu oficio infor­mando a posição do Fórum de Secretários, e com decepção a circular enviada à comu­nidade científica, que encaminha como anexo o oficio a mim enviado. Pelos seus termos, evito comentar esta circular. Com relação à correspondência sobre o Fórum dos Secretários, destaco desta alguns itens, nos quais se declara:

"4) Durante a reunião, foram discuti­das também as últimas propostas do MCT para que os Estados assumam encargos e responsabi !idades que, historicamente, sempre foram atribuições do Governo Fe­deral. ..

5)As medidas propostas podem impli­car na fragmentação do Sistema Federal de C&T...

6) Além da fragmentação, também caberia ser destacado que a adoção da po­lítica de repasse de recursos para os esta­dos acarretaria uma sobrecarga às institui­ções de fomento regionais (FAPs) na me­dida em que elas passam a arcar com inves­timentos tradicionalmente demandados ao Governo Federal.

7) Neste contexto, o Fórum de Secre­tários de C&T posiciona-se contrário aos re­passes de encargos e responsabi I idades, en­tendendo que os estados não têm condições de suportar tais condições ... "

Estes pontos devem referir-seà reunião que realizamos com as FAPs em Brasília, em 15/04/99, e à intervenção do Secretário Executivo na abertura do Fórum de Secre­tários Estaduais de C&T, realizado em Bra­sília, em26/04/99. O que informamos e pro­pusemos então?

Informamos que os compromissos as­sumidos com investimentos do PADCT e do FNDCT (isto é, projetos aprovados até o final de 1998) eram superiores à dispo­nibilidade de recursos orçamentários. Este desequi I íbrio decorre menos do corte de or­çamento e mais do fato de que os investi­mentos sugeridos não tinham relação com a série histórica de recursos orçamentários doMCT.

Diante deste fato, tínhamos duas alter­nativas:

I) Escolher, dentre a carteira disponí­vel, os projetos a serem implementados, de acordo com nossos próprios critérios;

2) Combinarmos esses critérios com as prioridades dos estados e a eventual contri-buição que poderiam vir a dar. •

Optamos pela segunda alternativa e, na reunião com as FAPs, seguindo uma políti­ca de estrita transparência, informamos to­dos os dados de que dispomos sobre o nosso orçamento, bem como a relação de projetos pendentes, com a caracterização dos respectivos conteúdos, dos valores sugeridos para sua execução e das insti­tuições envolvidas em cada Estado. Dis­cutimos, também, a possibilidade de que os estados viessem a participar de apor­tes de recursos do Banco Mundial e do BID. A reunião foi excelente, tendo se conseguido o consenso entre todos os pre­sentes sobre a importância de estreitar laços entre os sistemas estaduais e fede­ral , e sobre a importância do desenvolvi­mento do trabalho cooperativo, não ape­nas conjunturalmente, mas como uma prática permanente, indispensável para o fortalecimento do Sistema Nacional de C&T.

Nesta proposta, não estamos subtra-

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indo recursos das FAPs nem fragmentan­do o Sistema. Ao contrário, estamos via­bilizando uma estratégia conjunta para tratar, em nível nacional , e de forma in­tegrada, as dificuldades transitórias pe­las quais passa o referido sistema. Ao mesmo tempo, acreditamos que a expli­citação do conjunto de projetos aprova­dos e a defesa de sua relevância no âm­bito estadual permitem que o senhor e os demais secretários tenham novos argu­mentos na defesa de recursos adicionais para as respectivas FAPs. A nosso ver, isso consolidaria uma conquista de toda a comunidade de cientistas e tecnólogos, que levou à inscrição das FAPs nas res­pectivas Constituições Estaduais.

O ofício enviado pelo senhor leva­nos a crer que, em seu nome e no dos de­mais secretários do Fórum, renuncia às formas de cooperação do MCT com as FAPs e as Secretarias de C&T estaduais debatidas naquela reunião em Brasília. Lamento.

Para terminar, quero deixar claro o motivo de minha surpresa com o oficio.

ão me surpreende, em absoluto, que uma proposta inovadora não seja aceita. Mas por que manifestar essa posição em carta, formalmente? Afinal, estamos no mesmo barco, lutando pela mesma cau­sa - a da C& T- e enfrentando as mes­mas dificuldades. Não seria mais produ­tivo telefonar-me, marcar uma conversa, e sugerir outras formas alternativas de cooperação? Nossos dois primeiros en­contros foram excelentes. Porque, de re­pente, formalizar e assim criar conflitos que na verdade não existem?

Atenciosamente Luiz Carlos Bresser Pereira

Ministro de Estado

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Imagine um imenso instituto de pesqui­sas, sem portas, paredes, janelas ou corredo­res. Uma organização da qual participam cen­tenas de cientistas, separados por quilômetros na distância, mas em conta to pem1anente e tão estreito que qualquer avanço pode ser com­partilhado imediatamente. Um grupo quere­úne equipes multi profissionais e interinstitu­cionais dedicadas a tarefas que seriam demo­radíssimas ou mesmo impossíveis pelos re­cursos convencionais. Esse instituto já exis­te. É assim que funciona o Biota-FAPESP, o Instituto Virtual da Biodiversidade. Lançado em março, envolvendo mais de 300 pesqui­sadores de diversas instituições, ele está cri­ando, no Estado de São Paulo, um gigantes­co banco de dados sobre todos os aspectos da biodiversidade. Mais que isso. O programa Biota-FAPESP vai realizar mapeamentos e análises, com a vantagem de todos os envol­vidos poderem disponibilizarconhecimentos e descobertas em tempo real.

O sistema já tem um precedente, e dos mais positivos. E assim que trabalham as equi­pes envolvidas no Programa Genoma-FA­PESP Esse programa, agora operando em duas novas frentes, o Genoma-Cana e o Genoma Humano do Câncer, foi inaugurado com o Genoma-Xylella, destinado a fazer o seqüen­ciamento genético da bactéria Xylella fasti­diosa. A tarefa está adiantada com relação ao prazoequaseconcluída.lssosedeve, em gran­de parte, aos recursos da pioneira rede virtual Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos (ONSA, de Organizationfor Nucleotide Sequencing andAnalysis).

O Biota e o Programa Genoma são exemplos evidentes de que o avanço da pes-

quisa científica hoje, que pressupõe agilida­de e interdisciplinaridade, só é possível com uma boa rede de infom1ática disponível.

"O projetoXylella nos ensinou uma coi­sa muito importante", diz João Meidanis, es­pecialista em bioinformática do Laboratório de Computação da Unicamp e coordenador de informática dos projetos Genoma-Xylella, Genoma Cana e Genoma Xanthomonas. "O maior beneficio conquistado no trajeto, mais que ter feito o genoma, foi colocar os grupos de pesquisadores em contato. Pessoas que nunca tinham ouvido falar uma das outras estão trabalhando juntas e têm projetos cola­borativos." A rede, logicamente, não substi­tui completamente o trabalho face-a-face. Mas é importantíssima para quem está fisica­mente separado por grandes distâncias. Além disso, facilita a rotina de trabalho, permitin­do que uma série imensa de pequenos deta­lhes seja comunicada por e-mail , sem neces­sidade de deslocamentos ou mesmo de demo­rados e caros telefonemas.

Mesma metodologia Realizar um trabalho como o Programa

Genoma seria impensável sem a rede, afirma José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, instituição que foi pioneira no uso e disseminação desse tipo de ferramenta no Brasil, por meio da redeANSP (AnAcademic Network at São Paulo) , mantida e gerencia­da pela entidade desde 1989 (veja o quadro Antevendo o Futuro). O biólogo Carlos Alfre­do Joly, coordenador do Biota-FAPESP, tem opinião semelhante. "O programa é viável porque existe a rede eletrônica de comunica­ção", comenta. "Oprojetopennitiráque, pela

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primeira vez, pesquisadores atuantes na vas­ta área do tema Conservação e Uso Sustentá­vel da Biodiversidade, no Estado de São Pau­lo, tenham objetivos comuns e utilizem a mesma metodologia básica para identificare referenciar geograficamente suas coletas", acrescenta. Todos os resultados serão ime­diatamente integrados a um Sistema de Infor­mação Ambiental, disponível via Internet.

Existem, além disso, muitas novas pos­sibilidades, como o comparti lhamento de pro­gramas de computador à distância. Muitos desses programas, bastante específicos, vão sendo criados ao longo do trabalho. "Posso fazer um software para localizar, por exemplo, todos os lugares em um genoma onde haja de­terminada seqüência de elementos", comenta Meidanis. Uma de suas preocupações é tomar as informações disponíveis de maneira bem simples, acrescentando facilidades ao acervo já usado. Recentemente, visitando uma das ins­tituições que participam do trabalho, Meida­nis perguntou se os pesquisadores usavam, realmente, as ferramentas colocadas à sua dis­posição on I ine. A resposta não poderia ser mais gratificante. " A gente não sai da tela, fazemos tudo pelo web si te", ouviu.

Mesmo estudiosos que não participam dos institutos virtuais têm seu trabalho faci­litado pela Rede ANSP. Por exemplo, eles agora podem usar o Web of Science, uma poderosa ferramenta de pesquisa bibliográ­fica. O Web of Science é uma base interna­cional de dados de publicações científicas, mantida pelo Institute for Scientific Informa­tion (ISI), relativa a todas as áreas da ciência, e que podem ser pesquisados por autor ou por palavras-chaves. Com ela é possível saber

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quem citou detenninado artigo e onde, diz o professor Rogério Meneghini, coordenador do projeto SciELO. Esse projeto está estruturado nos mesmos moldes do Web ofScience e an­tes só estava disponível em bibliotecas infor­matizadas das universidades, porque seu cus­to era altíssimo. Agora, o acesso se espalhou. O SciELO (Scientific Electronic Library On Line ), patrocinado pela FAPESP e mantido em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Infonnação em Ciências da Saúde (Bireme), coloca publicações científicas bra­sileiras à disposição dos cientistas de todo o mundo, ampliando a visibilidade de seu traba­lho. Hoje, 29 revistas, com texto completo, já estão disponíveis na rede.

Capacidade de acesso Tudo isso conduz a uma enorme econo­

mia, em tempo, viagens e conversas porteie­fone. Os telefonemas nonnais, por exemplo, são cobrados em função da distância das li­gações, enquanto a Internet trabalha com um custo único para cada ligação, mesmo se for para o outro lado do mundo. Para garantir o acesso a essas facilidades, porém, é preciso estar em dia com o que há de mais moderno. A Rede A SP faz isso. Acompanha os avan­ços da Internet, a começar pela constante ex­pansão da capacidade de acesso, diante de uma demanda que cresce exponencialmente.

Já disponível para a comunidade cientí­fica brasileira mesmo antes da abertura ofi­cial da própria WEB no Brasil , em 1995, a Rede ANSP está estruturada de maneira a evitar problemas de demanda reprimida. Essa possibilidade é perigosa, pois só é detectável no momento em que a capacidade está prati­camente esgotada. Problemas desse tipo aconteceram no início do funcionamento do sistema, quando muita gente desistia de usar o serviço porque não conseguia completar a conexão. Para evitar isso, é preciso estar sem­pre na frente .

"A Internet é como se fosse um cano de água, quanto mais infonnações por segundo eu quiser que passem, maior tem de ser o diâ­metro do tubo", afinna HartmutRichard Gla­ser, coordenador da Rede A S P e assessor da presidência da FAPESP. Como todo tipo de tráfego, a Internet exige velocidade de fluxo, sem pontos de congestionamento na entrada, no percurso e na saída. A velocidade de aces­so é importante. No começo, a velocidade disponível era de 4.600 bites por segundo, muito menos até que a usada normalmente hoje nas ligações dos computadores domés­ticos aos grandes provedores de acesso. Na época, porém, o tráfego era relativamente simples: praticamente se restringia a mensa­gens, compostas apenas de palavras e núme­ros. Agora, há inúmeros outros recursos, in­clusive gráficos. Eles demandam maior ca­pacidade de trânsito.

A velocidade é medida agora em mega­bites - milhõesde bitesporsegundo. OBra­si! inteiro dispõe de 200 megabites para via­jar na Internet , hoje com 2,5 milhões de usuá-

rios, mas com potencial para chegar a no mí­nimo 15 milhões durante os primeiros anos do próximo milênio. Da capacidade instala­da, I 0% estão disponíveis para a comunida­de acadêmica. Universidades e institutos de pesquisa têm à sua disposição 20 Mbps, dos quais 12 são concentrados na Rede ANSP, ponto de acesso para I 00 diferentes institui­ções de ensino e pesquisa paulistas, além de outros centros estaduais, interligados via Rede Nacional de Pesquisas. Há folga em relação à demanda média, hoje na faixa dos I O Mbps. É um cuidado necessário, porque é

difícil detectar a demanda reprimida e ela sig­nifica perda de infonnação.

Fibra óptica Mesmo atuando com folga para absor­

ver mais demanda, a Rede ANSP tem au­mentado anualmente sua capacidade. Inves­te, também, em equipamentos para manter o parque atualizado. Recentemente passou por grande reformulação, com ênfase no uso de cabos de fibras ópticas. Um dos cabos, instalado em março de 1998, liga a sede da

Antevendo o futuro A criação da Rede ANSP é, basicamente, ore­

sultado de uma antevisão do então presidente do Conselho Superior da FAPESP, professor Oscar Sala. Físico nuclear de amplo trânsito no exterior, ele ob­servou o nascimento da Internet nos Estados Unidos, quando as ligações entre computadores ainda enga­linhavam e eram limitadas a mensagens simples. Era esse o panorama em meados da década de 80: na­vegar pela rede era privilégio de raros iniciados, Ca­pazes de lidar com fórmulas de acesso complexas.

Hartmut Glaser, hoje o coordenador da Rede ANSP, foi aluno e mestrando de Sala. "Ele deve ter pensado, ao ver o embrião da net nos Estados Uni­dos, que era melhor trazer o instrumento para o meio acadêmico brasileiro antes que começasse em algum fundo de quintal e acabasse nos atropelando. O gran­de passo inicial foi fazer uma ligação direta entre a entidade e o Fermilab, de Illinois, o primeiro a nos aco­lher, sugerindo um elo via grande provedor local, por questões de custo."

Quem criou a rede em termos práticos foi o então responsável pelo Centro de Processamento de Dados da FAPESP, Demi Getschko, hoje diretor de tecnologia da Agência Estado. "A comunidade aca­dêmica, já em 1986, começava a solicitar conexões com o exterior. Ainda não se falava em Internet, mas em redes acadêmicas, entre as quais a mais conhe­cida era a Bitnet (Because 1t Is Time Network), usada basicamente para correio eletrônico", lembra. Naque­la época, um movimento semelhante partiu do Labo­ratório Nacional de Computação Científica (LNCC), do Rio de Janeiro, que se ligou à Universidade de

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Maryland. O Laboratório, no entanto, permaneceu sempre vinculado à Bitnet, enquanto a FAPESP ia evo­luindo e se ligando a outras redes, como a Hepnet (High Energy Physics Network).

Essa vocação de abertura ficou evidenciada também em decisões como as relacionadas com as linguagens de acesso. Enquanto a própria Embratel permanecia à espera de um sonhado e não concluí­do padrão aberto- uma espécie de esperanto da in­formática -até o final de 1994, a redeANSP, três anos antes, passava a ter tráfego TCP/IP (Transmission Contrai Protocol/lnternet Protocol). Antes, em 1989, ela se transformara em POP (ponto de presença) in­terestadual da Rede Nacional de Pesquisas, para comunicação com o exterior.

Essa trajetória e a permanente busca de atua­lização fazem do projeto uma referência inclusive para a organização da própria rede no país. Desde o iní­cio, cabe àANSP o registro dos domínios .br, ou seja, os locais com os códigos usados para acesso aos sites. A opção pela listagem diferenciada foi da pró­pria FAPESP, que organizou uma titulagem por divi­sões que facilitam a localização, como gov.br para órgãos governamentais ou mil.br para a área militar.

Esse serviço, mantido até hoje, é o único pres­tado pela Rede fora da comunidade acadêmica. Ade­manda é crescente e o volume quase dobra de ano para ano. Calcula-se que haverá cerca de 140 mil endereços no fim de 1999, contra cerca de 70 mil no fim de 1998. A orientação para as universidades é de que constituam redes locais, com acesso à Internet por meio daANSP.

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Cem mensagens por dia ferências para a rede de nova geração. Da mes­ma fonna, no Bras il , é nos centros acadêmicos que surgem as pesquisas para esse futuro. "Os laboratórios nos ajudarão a detectar as novas demandas", afirma G laser. Para ele, a vocação da RedeANSP é manter o pioneiri smo. "Gos­taríamos de repetir a proeza de Oscar Sala, em meados da década de 80, fazendo com que a FAPESP sirva de alavanca para a pesquisa de ponta, com a oferta de ferramentas adequadas ao estágio da nossa tecnologia", comenta.

Faz parte da rotina de muitos pesquisadores re­servar uma parte de seu trabalho diário para a nave­gação pela Internet, em busca de informações gerais ou à cata de elementos para seus próprios estudos. Muitas fontes fornecem informações gratuitamente. Outras cobram assinaturas, mas, sobre as revistas, têm a vantagem da distribuição imediata. Todos se falam diretamente. Não existem intermediários entre a fonte geradora e o receptor, a não ser as redes e provedores de acesso.

Uma das maiores vantagens da rede é a possi­bilidade de troca de mensagens eletrônicas. O espe­cialista em bioinformática João Meidanis, da Uni­camp, reserva pelo menos uma hora diária para ler e responder a cerca de 1 00 mensagens que recebe, em média, a cada 24 horas. Por isso, considera a Inter­net uma faca de dois gumes. "Por um lado, ela otimi­za o tempo, ao facilitar as consultas", comenta. "Por outro, no entanto, exige dedicação à correspondên­cia, pois, se você não dá atenção a ela, a comunica­ção não serviu para nada."

O físico Carlos Henrique de Brito Cruz, presi-

FAPESP à central de telefonia de sua área em São Paulo. O uso desse recurso eliminou um importante ponto de estrangulamento, pois muitas faculdades estavam conectadas à ins­tituição por cabos metálicos e não havia mais espaço tisico no prédio da Fundação para ex­pansões. A nova tecnologia permitirá inclu­sive o aumento de velocidade de tráfego de informações, que em junho deve subir dos aluais 34 Mbps para 140 Mbps.

A fib ra óptica também é usada para o elo - antes feito via rádio - com a Embraiei, que responde pela ligação da rede com o ex­terio r. O sinal sa i da FAPESP em direção a uma torre situada a poucos quilômetros de distância. Daí segue para a sede da empresa de telecomunicações em São Paulo e depois para o Rio de Janeiro, onde entra num cabo submarino com destino aos Estados Unidos. A mudança do rádio para a fibra óptica acon­teceu em fevereiro.

São avanços que ampliam a confiabili­dade do sistema, afirma Glaser. "Estamos substituindo equi pamentos para reduzir o ru­ído dos sinais eletrônicos, agora menos suj ei­tos a interferências, com ganho de qualidade", acrescenta. A modernização se estendeu às máquinas da rede, em espec ial os seis ratea­dores, substituídos por um único superequi­pamento, que concentra as informações e economiza ligações, reduzindo ri scos de fa­lha ou de queda do sistema.

Internet 2 A Rede ANSP trabalha com um orça­

mento anual de R$ 8 milhões, 70% dos quais destinados ao pagamento das linhas interna­cionais. A Rede tem configuração e equipe próprias, desvinculadas do Centro de Proces­samento de Dados da FAPESP. São esferas de competência técnica diferentes. Enquanto o

dente da FAPESP, outro freqüentador regular da In­ternet, é usuário da rede ANSP desde o final da dé­cada passada. Começou com a troca de correspon­dência eletrônica. "Não era fácil como agora", lembra. "O endereçamento exigia o conhecimento de expres­sões quase cabalísticas, como IN%VAXCP, não raro acompanhadas de várias e impraticáveis aspas ."

Brito acessa a WEB para várias finalidades, além da procura de fontes na área acadêmica, como obter números de telefone ou comprar livros. Ele sempre aparece com uma novidade captada no mundo virtual. Já criou até algumas rotinas para organizar suas incursões. "Às segundas-feiras, por exemplo, entro no Web of Science, que a FAPESP subscreve para São Paulo, usando palavras-chaves para verificar quais são as novas publicações dis­poníveis em áreas de meu interesse." Isso não im­pede que novas aplicações sejam descobertas. "A Web pode ser muito útil também para o ensino", su­gere, "pois permite disponibilizar informações para os alunos acessarem quando for mais conveniente para eles."

CPD tem como base analistas de sistema, o trabalho com a Internet é coordenado por engenheiros de tel ecomunicações. A própria entidade é cliente da rede, e programas como o Genoma ou o Biota dependem de seu fun­cionamento.

"Agora, estamos postulando atuação na Internet 2", infonna Perez, o diretor científi­co da FA PESP. Esse é o próx imo passo do projeto. Implica, entre outras possibilidades, no uso de voz e imagens co loridas em movi­mento, para uma videoconferência, por exemplo. Essa aplicação requer velocidade de tráfego muito maior do que a usada por infor­mações ou pacotes gráficos. A transmissão de uma reunião em tempo rea l para três cidades, simultaneamente, ex ige 500 kbps (500 m·il bites por segundo) para cada grupo de duas pessoas, se a meta é oferecer- como o meio ex ige- uma imagem absolutamente nítida e livre de interferências.

Mesmo nos Estados Unidos, a Internet 2 ainda está em desenvolvimento, iniciado há dois anos. É uma iniciativa circunscri ta à co­munidade científi ca e deve pern1anecer nessa esfera, a princípio. O governo americano in­veste pesadamente no sistema, ajudando as universidades a criar tecnologia, padrões e re-

Vias expressas Glaser compara a nova rede com uma

rodovia de alta velocidade, com quatro pi s­tas ou canais. Cada um deles tem um destino: um exclusivo para tráfego de correspondên­cia eletrônica, ou e-mail s, outro para voz, um tercei ro dedi cado a videoconferências e o quarto para usos como telemedicina ou te! e­ducação. Essa separação já é feita hoje, ex­perimentalmente.A redeANSP busca no ex­terior, diariamente, cerca de 30 a 40 sites de multimídia que coloca à disposição das uni­versidades em um canal separado, não fi sica­mente, mas por software. Para G laser, no fu­turo, essa separação pode atender a priorida­des. "Poderemos ampliar a capacidade do canal de videoconferências, durante algum evento, estrangulando ligeiramente os outros canais, sem perigo de parali sação - algo pa­recido com as vias expressas de ônibus usa­das nas grandes metrópoles."

Outro objetivo para o futuro próximo é usara redeANSP como substituta do serviço telefônico convencional , diminuindo as des­pesas com comunicações das universidades integrantes do sistema. As univers idades, possivelmente, serão as pioneiras no uso ex­clusivo de comunicações por voz via Internet. A economia será substancial. O preço da te­lefonia é fixado por distâncias e por impul­sos, enquanto a rede cobra um va lor único para ligar um ponto a outro.

Aexperiênciadesucessoda FAPESPcom o projeto Rede ANSP, além de todos as possi­bilidades abertas, traz uma importante cons­tatação. Desta vez, o Bras il não perdeu o bon­de da tecnologia. Em termos de Internet, como diz um dos pioneiros na instalação da Rede ANSP, Demi Getschko, ele embarcou no final­zinho da primeira onda e ainda está lá. Glaser tem mais uma observação. "O grande trunfo da ferramenta é ter acabado com as distâncias entre o Primeiro e o Terceiro Mundo."

GLOSSÁRIO Roteador: máquina onde estão listados todos os endereços eletrônicos, para acesso imediato TCP (Transmission Contra/ Pro toco/): protocolo ou linguagem que assegura a entrega de informações a seus corretos destinatários lP (Internet Pro toco/): protocolo para Internet, regras padronizadas de comunicação entre dois ou mais lados Internet: rede vi rtual de comunicação e de trabalho Domínio: local ou refe rência, estrutura hierárquica que associa uma entidade (institucional) ou país (geográ­fico) a um nome ou conjunto de nomes DNS: denominação da máquina, nome do servidor de domínio, o endereço

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PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

ProBE, informação em tempo real Os textos completos de 606 periódicos

científicos da editora Elsevier Science lnc. estarão em breve disponíveis eletronicamente para 86 bibliotecas, quase 12 mil pesquisado­res e cerca de 115 mil estudantes de gradua­ção e pós-graduação de cinco universidades paulistas, mais o Centro Latino Americano de Informação em Ciência da Saúde - Bireme. Esse novo acesso amplo e ágil à infom1ação científica internacional mais atualizada está sendo propiciado à comunidade científica de São Paulo pelo Programa Biblioteca Eletrô­nica - ProBE, lançado pela FAPESP no dia 18 de maio. Os títulos da Elsevier constitu­em um primeiro passo do programa, e publi­cações de outras editoras deverão gradativa­mente somar-se a eles.

No ato de lançamento do ProBE, foram assinados, entre a FAPESP e a editora holan­desa Elsevier, uma das maiores do mundo no segmento de periódicos científicos, os dois contratos que o formalizaram. O primeiro es­tabelece os termos de licença de uso, pela Fundação, da versão eletrônica das 606 revis­tas assinadas, disponibilizando seus textos completos, através da RedeANSP (Academic Network a/ São Paulo), para as instituições já engajadas no programa. O período da licen­ça previsto no contrato é de 1998 a 2000, mas, ainda na solenidade de lançamento do progra­ma, o presidente da Elsevier, Derk Haank, brindou os novos usuários da versão eletrô­nica de suas publicações com o acesso, sem ônus adicional, aos textos de 1997. O segun­do contrato assinado concede à FAPESP li­cença de uso do software de gerenciamento da base de publicações eletrônicas.

Sei http ·//www .sc1elo . br

29 títulos indexados Projeto FAPESP/BIREME

Programa Biblioteca Eletrônica

606 títulos em texto completo da Elsevier

Science lnc.

A inter-relação das bases de dados

O ProBE teve origem em um projeto ela­borado pelos Sistemas de Bibliotecas das uni­versidades de São Paulo - USP, Estadual Paulista - UNESP, Estadual de Campinas­Unicamp, Federal de São Carlos - UFSCar, Federal de São Paul o- U IFESPe Bireme. O termo de adesão ao projeto, assinado por essas instituições em agosto de 1998, lev~u-

·-

li

Web of Science·M htt ://webofsc1ence fa es .br

8.000 títulos indexados Projeto FAPESP

(análise de citações/ linhas de pesquisa)

as a se reunir num consórcio que comparti­lha, internamente e com a FAPESP, custos e esforços para a implantação do programa. As­sim, ao consórcio, que deverá mais adiante in­cluir novas instituições, principalmente uni­versidades particulares, cabe em termos fi­nanceiros basicamente o custo das assinatu­ras das revistas impressas em papel (pouco

mais de R$ 9 milhões, para o período de 1998 a 2000). Já a FAPESP banca os custos refe­rentes ao suporte eletrônico, incluindo aí hardware, softwa­re e treinamento de pessoal (R$ 2, I milhões para o período considerado).

O ProSE soma-se, na ver­dade, a duas iniciativas anterio­res da FAPESP de colocar ao alcance da comunidade cientí­fica paulista informações cien­tíficas por via eletrônica: o Pro-jeto SciELO e o acesso ao Web of Science - WoS. O SciELO, iniciadoem 1997,numaparce­ria entre a FAPESP e a Bireme, é um projeto de estruturação de uma base de dados eletrônica de revistas científicas brasilei­ras. Com os textos em inglês, essa base, que no momento já conta com 29 revistas, torna os mais importantes periódicos

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brasileiros acessíveis tanto à comunidade científica nacional quanto internacional, re­tirando assim a melhorproduçãocientífica do país de uma certa clandestinidade a que ela se via relegada. Quanto ao WoS, é uma base de dados do lnstitute for Scientific lnforma­tion - JS!, dos Estados Unidos, que contém informação (resumo, referências e citações) sobre os artigos publicados, a partir de 1974, em mais de 8.400 periódicos especializados, e indexados pelo próprio IS!. As três bases de dados, conectadas, mudam completamente o padrão de acesso que até há pouco os pesqui­sadores paulistas tinham às mais recentes in­formações científicas especializadas.

Explosão da informação Essa mudança, espécie de rápida aber­

tura de janelas para visualizarem tempo real tudo que se passa no mundo da informação científica, parece estar sendo bem compre­endida e absorvida por pesquisadores e pro­fissionais de biblioteconomia e documenta­ção das universidades paulistas. E sinal dis­so é que eles lotaram o auditório da FAPESP, na manhã do dia 18 de maio, para assistir ao lançamento do ProBe, que teve, na mesa de trabalhos, o presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz; o representante do secretário da Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econõmico, Eliezer Rizzo de Oliveira; o reitor da UNIFESP, Hélio Egydio Nogueira; o reitor da UFSCar, José Rubens Rebelatto; o reitor da UNESP, Antonio Ma­noel dos Santos Silva; o reitor da U 1-CAMP, Hermano Tavares; o representante do reitor da USP, Hernan Chaimovich; o di­retor da Bireme, Abel Laerte Packer; o pre-

sidente da Elsevier, Derk Haank; e o diretor da Elsevier para a América Latina, Cláudio Marcelo Rothmuller.

Uma exposição técnica sobre o ProBE foi apresentada pela coordenadora do progra­ma e diretora do Sistema de Bibliotecas da USP, Rosaly Favero Krzyzanowski, depois das falas do professor Brito Cruz e de Derk Haank.

Rosaly começou mostrando a extraordi­nária expansão experimentada pelas publica­ções científicas ao longo do século 20, e em especial nos últimos 20 anos, para explicar por que se tornou imperioso organizar bases de dados referenciais, destinadas a fac i I i ta r o acesso do pesquisador à I iteratura especializa­da que mais diretamente lhe interessa.

Assim, se em 1700 existiam no mundo apenas 1 O títulos que podiam ser enfeixados como periódicos científicos, eles eram I mil em 1800, 10 mil em 1900,20 mil em 1947, I 00 mil em 1979 e, já em 1998, 890 mil. As projeções apontam a existência de I milhão de títulos de revistas científicas no ano 2000. "Dada a extraordinária expansão da literatura na segunda metade deste século, com a con­seqüente dificuldade dos pesquisadores para absorvê-la, já a partir de 1960 começavam os esforços para organizar bases de dados referen­ciais", disse Rosaly. Dessa forma, surgiram primeiro os bancos referenciais com material em papel, depois os bancos acessados por li­nha discada, até chegar-se à era dos CD-Roms e, por fim, à busca on line de dados.

A coordenadora do ProSE explicou em seguida, detalhadamente, os objetivos desse programa, os passos que foram dados para sua viabilização, a metodologia a ser seguida para

A expansão das revistas científicas no mundo número 1.000.000

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WIEERS,Leo. A vision on the library of the future. ln: GELEIJNSE, H., GROOTAERS, C. (eds.). Developing the library of lhe future: lhe Timburg experience. Tibutg: Tiburg University, 1994. p. 1-11

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o desenvolvimento da biblioteca eletrônica e os beneficias que se esperam do ProSE para a pesquisa científica em São Paulo.

Segundo Rosaly, os pesquisadores das instituições consorciadas terão de imediato acesso on line aos textos disponíveis no banco de dados da editora em ova York, enquanto não está pronta a instalação local da base de dados da Elsevier, o que ocorrerá entre final de agosto e início de setembro. O primeiro ano de funcionamento do ProSE, em paralelo aos tra­balhos de instalação, capacitação de recursos humanos e operacionalização do sistema, vai implicar uma avaliação criteriosa do uso dos textos em versão eletrônica, para que se tomem em seguida algumas decisões.

"Hoje as instituições consorciadas ain­da mantêm muita duplicidade na assinatura das revistas em papel, por exemplo. Temos 606 títulos assinados, mas um total de 1.200 assinaturas feitas pelas instituições do consór­cio. A avaliação nos permitirá, por exemplo, decidir por cortes de assinaturas em versão impressa das revistas, reduzindo custos", diz Rosaly Favero. Depois de algum tempo, será preciso decidir também quem fica com aguar­da das revi stas impressas. "Por ora, elas es­tão espalhadas pelas bibliotecas das institui­ções consorciadas. É possível que seja melhor reunir as coleções num só local , ou concen­trar algumas revistas onde elas são mais uti­lizadas", completa. Todos esses são pontos que devem ser acompanhados de perto.

Entre os muitos beneficias do programa que sua coordenadora relacionou, está a pos­sibilidade de uso ilimitado e de acesso simul­tâneo dos textos de uma revista por muitos usuários, com base em uma única assinatura, o que equivale a uma impressionante redução de custos. Ou melhor, a uma redução típica da era da informação em tempo real.

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PROGRAMA GENOMA

Na mira, o cancro cítrico

O alarmante recrudescimento do can­cro cítrico no Estado de São Paulo, que se ex­pressa com força nos 349 focos da doença até agora confinnados e espalhados por toda a área de plantio da laranja, começa a ser con­tra-atacado, para além do controle emergen­cial em curso, com um projeto de pesquisa de grande porte que, a médio prazo, pode de­sarm~r o problema em suas origens genéti­cas. E esse o objetivo último do Projeto Ge­noma - Xanthomonas , que a FAPESP está iniciando formalmente no mês de junho, dentro de seu Programa Genoma.

Com investimentos programados de US$ 5 milhões da FAPESP, mais US$ 500 mil do Fundo Paulista de Defesa da Citricul­tura - Fundecitrus, esse quarto projeto do Programa Genoma vai realizar o seqüencia­mento genético da bactéria Xanthomonas axonopodis pv citri, dentro do mesmo esque­ma de rede de laboratórios utilizado pelos anteriores - ou seja, o projeto pioneiro, já praticamente concluído, de seqüenciamen­to da bactéria Xylella fastidiosa , causadora de uma outra doença das laranjeiras, a CVC ou praga do amarelinho, mais o Genoma Hu-

mano do Câncer e o Genoma Cana, que es­tão em fase inicial.

A lista dos laboratórios que vão parti­cipar do GenomaXanthomonas deverá es­tar definida até 30 de julho. Para conse­

guir isso, a FAPESP disponibiliza em sua pá­gina na Internet, a partir de 2 de junho, o

edital do projeto, com todas as instruções para que os grupos de pesquisa interes-

sados possam se inscrever até o dia 2 de ju­lho e participar do processo de seleção previsto. A expectativa é de que entrem no mais novo projeto de pesquisa genômica, em São Paulo, tanto grupos já ligados à Or-

ganização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos, ONSA - de Organizationfor Nucleotides Sequencing andA nalysis, a rede virtual de laboratórios criada pela FAPESP, no final de 1997, para tocar o projeto da Xy­lella , e hoje responsável pelos projetos Qe­noma em andamento, quanto novos grupos.

O Projeto-Xanthomonas tem prazo de conclusão previsto para dentro de dois anos, mas poderá, na verdade, ser antecipado, gra­ças ao know-how científico e tecnológico acumulado no trabalho com aXylella - bac­téria, aliás, muito pareci-

pesquisa que visem a análise das funções biológicas dos genes identificados e di reta­mente ligados à patogenicidade e virulência da bactéria, capazes de gerar informações fundamentais para o combate e a erradica­ção do cancro cítrico.

Inovação nas bibliotecas Em certa medida, o Genoma-Xanthomo­

nas já começou e é por isso que figura há al­gumas semanas na base de dados do TI G R­The lnstitutefor Genoma Research, institui­ção dirigida pelo conhecido pesquisador nor­te-americano Craig Venter. Os dois laborató­rios centrais do projeto já estão definidos: o dos professores Fernando Reinach,Ana Cláu­dia Rasera, Ronaldo Quaggio e Shaker Chu­ck Farah, no Instituto de Química da USP, e o Laboratório de Bioquímica e Biologia Mole­cular, do professor JesusAparecido Ferro, no Departamento de Tecnologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária da Unesp de Jaboticabal. Está definido também que, naco­ordenação de infonnática, atuará o Labora­tório de Bioinfonnática da Unicamp, dos pro-

Região Nobre da Citricuttura do cancro cítrico até maio de 1999

da com a causadora do cancro cítrico. Além da decifração do código ge­nético do microorganis­mo, o projeto, do mesmo modo que foi feito no caso da Xylella , vai abrir-se para um chama­do Genoma Funcional, no momento em que se tiver resultados signifi­cativos do seqüencia­mento. Isso quer dizer que, mais adiante, a FA­PESP lança um novo braço do Genoma-Xan­thomonaspara acolhere financiar projetos de

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Devem ser feitas ainda uma biblioteca em bacteriófago, ou seja, um vírus de bactéria, o Fago lambda, contendo fragmentos clonados de até 20 Kb; uma biblioteca de cosmídeos, co"m fragmentos clonados que têm entre 35 e 40 Kb, e, por último, uma de BACs (Bacterial Artificial Chromosome), com fragmentos clo­nados de até 200 Kb. O último vetor não foi usado no projeto da X .fastidiosa.

Já foi feito, segundo o professor Jesus Fer­ro, o seqüenciamento de 1.000 clones da bi­blioteca randômica em Jaboticabal e São Pau­lo. Essas seqüências estão sendo comparadas com as do Gen Bank, dos Estados Unidos e com as do banco de dados daXylella, para verifica­ção de homologias. Ressalte-se que existem até o momento apenas 29 genes já conhecidos de Xanthomonas axonopodis pv citri.

Jesus Ferro e Ana Cláudia Rasero: novo projeto tem alta relevância cientifica, biológica e econômica

Afora a mudança estratégica que está ar­ticulada com a composição das bibliotecas, a outra inovação do Projeto Xanthomonas em relação ao daXylella, será a tentativa de fazer seu seqüenciamento em larga escala, a um custo menor, compatível com o padrão inter­nacional (US$ I por par de base), graças ao aumento de capacidade de processamento das máquinas já existentes. Essa otimização ope­racional, em paralelo à competência técnica

fessores João Meidanis e João Setúbal, o mesmo que já vem exercendo essa função nos projetos GenomaXylella e Genoma-Cana.

Para fazer o seqüenciamento, os pesqui­sadores utilizarão o material contido em qua­tro bibliotecas de DNA, e esse é precisamen­te um dos pontos em que o projeto da Xan­thomonas avança em relação ao da Xylella. "A estratégia agora é diferente, porque va­mos tentar obter muito mais seqüências menores de clones ao acaso, para depois an­corar as seqüências maiores entre as ilhas que devem se formar, e assim completar o seqüenciamento da bactéria", explica o pro­fessor Jesus Ferro. Dessa forma, espera-se que o problema dos gaps entre seqüências, que foi um grande desafio nas fases finais de seqüenciamento da Xylella , seja bastante reduzido.

A primeira biblioteca, a randômica (pa­lavra que se refere exatamente a processo alea­tório), já foi construída nos dois laboratórios centrais, com recursos remanescentes do

projetodaX),fella. Ela foi elaborada a partir do DNA total da bactéria, isto é, o genômico e o plasmidial , que foi fragmentado ao acaso, em pedaços contendo de 2 mil a 4 mil pares de base (ou 2 a 4 quilobases, Kb), e clonados em se­guida, constituindo os plasmídeos.

CLASSIFICAÇÃO DOS FOCOS- 1996 a 1999

FOCOS NOVOS PROPRIEDADES 1996 1997 1998 Pomares Domésticos 17 80 151 Pomares Comerciais 14 51 119 SUBTOTAL 31 131 270

RECONTAMINAÇÕES PROPRIEDADES 1996 1997 1998 Pomares Domésticos o 18 42 Pomares Comerciais 14 41 145 SUBTOTAL 14 59 187 TOTAL 45 190 457

1999 (23105)

137 129 266

1999 (23105)

10 73 83

349

A nova explosão do cancro cítrico tirar o sono dos produtores. Em 1999, depois de ter produzido prejuízos deUS$ 500 milhões no ano an­terior, intensificou violentamente sua escalada: de 1° de janeiro até 23 de maio foram registrados pelo Fun­decitrus 266 focos novos e 83 focos de recontami­nação, em 77 municípios do Estado (veja gráfico). Para efeito de comparação, registre-se que nesse momento, nos Estados Unidos, há apenas 4 focos confirmados da doença e o governo já destinou uma verba de US$ 25 milhões para o controle do cancro.

Trabalhar num projeto de pesquisa ligado ao cancro cítrico é, para a FAPESP, uma espécie de re­encontro com os primórdios de sua história. Em 1963, quando a Fundação mal completara um ano de fun­cionamento, a doença se alastrava e ameaçava dra­maticamente a jovem agroindústria da laranja no Estado de São Paulo. E foi nesse momento que ela concedeu o primeiro auxílio para os estudos de con­trole do cancro, realizados no Instituto Biológico sob a direção da doutora Victoria Rosseti. Daí até 1985, sucederam-se os auxílios para projetos de pesquisa coordenados pela doutora Victoria (14), para publi· cações científicas, apresentação de trabalhos em reuniões internacionais, visitas a outros centros de pesquisa, publicações científicas e bolsas para pes­quisadores. Os investimentos da FAPESP nesse campo totalizaram US$ 5 milhões.

Em 1985, considerava-se a doença pratica­mente erradicada, e a Campanha Nacional de Erra­dicação do Cancro Cítrico, lançada 11 anos antes, completamente vitoriosa. O Fundecitrus, criado para a defesa da citricultura, transformara-se numa insti· tuição sólida e eficiente, e a doutora Rosseti era re­conhecida como a excepcional especialista em do· enças de citros, que desenvolvera um programa de trabalho fundamental para a erradicação e o contro· ledo cancro, sem deixar de pesquisar outros males das laranjeiras. Mais: a citricultura transformara-se numa das principais atividade sócio-económicas do Estado, e numa das muito importantes para a pauta de exportações brasileiras.

Mas, a natureza faz suas surpresas: o cancro começou a dar sinais de seu reaparecimento em 1994 e, em 1997, já não deixava dúvidas de que pretendia

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O plano de combate, com varredura de cer­ca de 150 milhões de pés de laranja em São Paulo, sob o comando do Fundecitrus, já começou. O governo federal liberou no começo de abril R$ 5 milhões, de um total de R$ 17 milhões prometidos para este ano. O setor privado deverá gastar mais R$ 30 milhões. E a FAPESP volta a esse cenário no campo que lhe é próprio: financiando pesquisas que, talvez, possam transformar o cancro, dentro de alguns anos, num inimigo eliminado.

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propiciada pelo trabalho com a Xylella, torna possível que o projeto daXanthomonas tenha um custo previsto equivalente a quase um ter­ço daquele, embora o microorganismo causa­dor do cancro cítrico, com cerca de 5 milhões de pares de base e estimados 4 mil genes, te­nha o dobro do tamanho do agente da praga do amarelinho.

Virulência espantosa De certo modo será impossível falar

nos próximos meses da Xanthomonas sem recorrer ao conhecimento já acumulado so­bre a X fastidiosa. Na verdade, as duas bac­térias são muito semelhantes e essa foi a principal razão científica do novo projeto (a outra razão determinante é econômica, ou seja, a bactéria em questão é causadora de um problema de enorme relevância eco­nômica para o país). A comparação entre os dois genomas, prevêem os pesquisadores envolvidos com o projeto, permitirá certa­mente avanços significativos no conheci­mento de ambos.

Mas, além disso, o novo projeto tem uma relevância considerável do ponto de vista bio­lógico, porque o gêneroXanlhomonas infec­ta várias outras culturas, como a do feijão (X a. pv phaseolis ), a do arroz (X a. pv o1 yzae) e a do maracujá(X a. pvpassijlora) . "Todas as espécies são muito semelhantes, e o estudo de uma delas permitirá conhecer um pouco to­das as outras", diz o professor Jesus Ferro. O fato é que, em termos científicos, o Bras i I está construindo uma situação singular no conhe­cimento genõmico de fitopatógenos , e alçan­do-se a uma posição especial no campo do genoma de bactérias, a cuja pesquisa, por enquanto, só oito países vêm se dedicando. Entre eles, encontra-se o Japão, com quem o Brasil passa a estarem condições de igualda­de nessa área,já que ambos contam com dois projetas.

"Depois do estudo de dois agentes cau­sadores de importantes doenças da laranjei­ra, é natural que, em futuro próximo, o Pro­grama Genoma parta para a pesquisa genô­mica da própria planta", prevê o diretorcien­tífico da FAPESP, professor José Fernando Perez. Nada a estranhar, quando no progra­ma já está em desenvolvimento a pesquisa genômica da cana-de-açucar, outra planta de decisiva importância econômica para o Esta­do de São Paulo.

Se aXfastidiosa e aXanthomonas axo­nopodis pv c i/ri são semelhantes, a virulên­cia da segunda é, no entanto, muito maior. Isto porque a bactéria que a provoca é transmiti­da pelo ar, pelo saco de coleta, pelos engra­dados utilizados na colheita, pela roupa do trabalhador, pela rodado caminhão que trans­porta os frutos colhidos.

Bem controlado até 1997, o cancro cítri­co explodiu a partir daí (ver box), no rastro do aparecimento da lagarta ou larva minado­ra na área de plantio. Essa larva do inseto Phyllocnistis cifre/la abre uma lesão na folha, principalmente, mas também nos ramos das

vegetações novas e em frutos, e é essa lesão que serve de porta de entrada àXanthomonas. A partir daí, ela vai fazendo seu caminho de minas (ou túneis) na laranjeira e em outros

citros que atingir. Suspeita-se hoje que o Phyl/ocnislis cilrella adulto carrega a bacté­ria e transmite o cancro - mas por enquanto (sso é apenas uma suspeita.

Os laboratórios do Genoma Câncer Coordenador de DNA:

Andrew John George Simpson, Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer

Laboratórios Associados de Bioinformática: 1. Aline Maria da Silva, Bioquímica/Instituto de Química/USP 2. Antonio Carlos Cassola, Depto. Fisiologia e Biofísica, lnst.Ciências Biomédicas/USP 3.1gor Polikarpov, Grupo de Cristalografia de Proteína, Lab. Nacional Luz Síncrotron, CNPq/LNLS 4. Jesus Aparecido Ferro, Fac. Ciências Agrárias Veterinárias Jaboticabai/UNESP 5. João Carlos Setúbal, Instituto de Computação/UNICAMP 6. Milton Faria Júnior, Departamento de Química, Física e Matemática /Unaerp 7. Nancy Amarai Rebouças, Instituto de Ciências Biomédicas/USP 8. Richard Charles Garra!!, Departamento de Física e Informática, São Carlos/USP 9. Roy Edward Larson, Dept. Bioquímica- Fac. Medicina Ribeirão Preto/USP

Laboratórios Centrais e Laboratórios de Seqüenciamento:

Centro de Seqüenciamento 1 -Instituto de Química/USP Coordenador: Sérgio Verjovski Almeida

Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro: •Arthur Gruber- Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia/USP •Edna Teruko Kimura- Histologia e Embriologia, Instituto de Ciências Biomédicas/USP •Hamza Fahmi Al i EI Dorry- Bioquímica, Instituto de Química/USP •Mari Cleide Sogayar- Bioquímica, Instituto de Química/USP

Centro de Seqüenciamento 2- Esc. Paulista de Medicina/UNIFESP Coordenador: Marcelo Ribeiro da Silva Briones

Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro: • Ismael Dale Cotrim G.Silva- Biologia Molecular/Ginecologia/UNIFESP •João Bosco Pesquero- Biofisica/UNIFESP •Luís Eduardo Coelho Andrade- Medicina/UNIFESP •Rui Monteiro de Barros Maciel- Endocrinologia Molecular/Medicina/UNIFESP

Centro de Seqüenciamento 3- Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP Coordenador: Fernando Ferreira Costa

Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro centro: •Christine Hackel- Genética Médica/Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP •Gonçalo Amarante Guimarães Pereira- Genética/Instituto de Biologia/UNICAMP •Helaine Carrer- ESALQ/USP • •Maria de Fátima Sonati- Patologia Clínica/UNICAMP

Centro de Seqüenciamento 4- Faculdade de Medicina/USP Coordenador: Maria Aparecida Nagai

Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro: •Angelita Habr Gama-Gastroenterologia/FMUSP •Daniel Giannella Neto- Endocrinologia/FMUSP •Eiizabeth A.L.Martins- Biotecnologia/ Instituto Butantan/SSSP •Suely Kazue Nagahashi Marie -Neurologia/FMUSP

Centro de Seqüenciamento 5- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Coordenador: Marco Antonio Zago

Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro: •Enilza Maria Espreafico- Morlologia/FMRP/USP •Gustavo H. Goldman - Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFRP)/USP •Maria Luisa Paco-Larson- Morlologia/FMRP/USP •Vanderlei Rodrigues- Parasitologia/FMRP/USP

Centro de Seqüenciamento do Estado -lnst. Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer Coordenador: Andrew J.G. Simpson

Laboratórios Centrais do Estado: •Eioiza Helena Tajara da Silva- IBILCE/UNESP •Maria Inês de Moura Campos Pardini-Hemocentro/Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP •Marina Pasetto Nóbrega -Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, IPED/UNIVAP • Sandra Roberto Valentini - Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara/UNESP • Silvia Regina Rogatto- Genética/Instituto de Biociências de Botucatu/UNESP

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CIÊNCIA

NOVOS MATERIAIS

No coração da estrutura Lentamente, o enorme jumbo, repleto de

passageiros e carga, começa a rolar pela pis­ta. Ganha velocidade até que, finalmente, suas rodas deixam o solo e o avião eleva-se no ar. Começa uma longa viagem, sem escalas, rumo à Europa ou à América do Norte. Há 30 anos, uma viagem dessas levaria muito mais tempo. Os aviões eram mais lentos, tinham alcance inferior, fazendo várias escalas antes de chegar ao seu destino, consumiam mais combustível e transportavam muito, muito menos passageiros. Esse enorme progresso da tecnologia se deve, em grande parte, à ciên­cia dos materiais. Os aviões comerciais con­seguem essa performance, em grande parte, porque são feitos de ligas cada vez mais le­ves e resistentes. Se fossem feitos do mesmo aço do seu automóvel, teriam autonomia de vôo muito menor.

As ligas leves de alumínio usadas nos aviões comerciais estão entre os exemplos mais citados das recentes conquistas da ciên­cia dos materiais. Mas não estão sozinhas. Em praticamente todas as áreas, estão aparecen­do novos materiais, que aliam resistência cada vez maior com peso cada vez menor. Para chegar a isso, é necessário um enorme esfor­ço de pesquisa. Inclusive na redução das di­mensões de alguns dos componentes das es­truturas internas dos materiais, de tal manei­ra que, em vez de mícrons, eles passam a ser medidos em nanômetros, a bilionésima par­te do metro. Alterando-se a microestrutura dos materiais e combinando novos compos­tos de diversas formas, chega-se a novos ma­teriais, cada vez mais fortes e resistentes. Como, por exemplo, os materiais nanoestru­turados.

Por enquanto, essas novas ligas super­resistentes ainda não têm aplicação comer­cial. Mas isso não impede que o desenvolvi­mento dos materiais nanoestruturados seja uma das áreas mais importantes da pesquisa fundamental e tecnológica dos últimos anos. Investigadores brasileiros estão no mesmo ritmo dos maiores centros mundiais de pes­quisa na área, como Estados Unidos, Alema­nha e Japão, especialmente na área de Enge­nharia de Materiais. Há cerca de dez anos, pesquisadores do Departamento de Engenha­ria de Materiais do Centro de Ciências Exa­tas e Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) desenvolvem impor­tantes trabalhos para a obtenção de novas microestruturas não convencionais.

Um dos exemplos desses trabalhos é o projeto temático Transformações de fases em nanoestruturas e desenvolvimento de nano­compósitos cerâmicos e metálicos, iniciado em setembro de 1996. Coordenado pelo pro-

fessor Walter José Botta Fi lho, com a colabo­ração dos professores Roberto Tomasi, que age como vi ce-coordenador, e Cláudio Shyin­ti Kiminami, o grupo da UFSCar pesquisa metais e cerâmicas e já chegou a vários na­nocompósitos, como, por exemplo, em ligas de alumínio com valores de propriedades me­cânicas equivalentes aos de aço de alta resis­tência. Para isso, conta com um financiamen­to da FAPESP da ordem de R$ 452,4 mil.

"Se levarmos em consideração que o aço pesa três vezes mais que o alumínio, o ganho com as novas ligas é enorme", diz o profes­sor Botta. A escolha do alumínio não se deu por acaso. É um dos metais mais abundantes da face da Terra, sendo mais encontrado até que o ferro, é relativamente barato e, de saí­da,já é bastante leve. Os novos materiais pes­quisados em São Carlos ainda não foram pro­duzidos em grande volume. O custo disso seria altíssimo. Mas sua simples obtenção e o fato de eles estarem disponíveis, se um dia forem necessários, já é um feito e tanto.

Grãos ultrafinos Para a obtenção dos novos materiais, os

pesquisadores tentam controlar todas as eta­pas de desenvolvimento da microestrutura, incluindo a própria composição dos materi­ais. Na microestrutura, ou estrutura interna dos materiais em nível microscópico, existem componentes cristalinos, presentes na maio­ria dos metais, ou amorfos, muito encontra­dos em vidros e plásticos. Esses componen­tes podem aparecer em volumes homogéne­os e contínuos, como grãos, partículas, fibras, plaquetas e agulhas, entre outras formas. O tamanho varia de poucos micrômetros a pou-

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cos milímetros. A novidade, nos materiais na­noestruturados, é a capacidade de reduzir o tamanho de alguns dos componentes estrutu­rais a partículas ainda menores, os na nos. Eles então podem ser combinados, de modos di­ferentes, para desenvolver novos materiais com novas propriedades.

"Está comprovado que o refino dos grãos, no caso dos materiais cerâmicos, pro­porciona ganhos em resistência à abrasão, em dureza e em resistência ao impacto", diz o professor Botta. "Ou seja, uma peça, nessas condições, terá durabilidade muito maior", completa. Porque isso acontece? As explica­ções ainda não são muito claras. "Os meca­nismos associados às melhoras de proprieda­des desses materiais ainda estão em discus­são", continua. "Talvez haja uma contribui­ção importante no processamento de pós-na­nométricos, ou ultrafinos, devido à elevada área superficial."

Um artigo publicado na revista científi­ca Nature em abril de 1994 mostra que as li­gas de alumínio nanoestruturadas têm diver­sas vantagens com relação à resistência quan­do comparadas com ligas de alumínio nor­mais. "As ligas nanoestruturadas obtidas por meio do resfriamento rápido têm resistência extraordinariamente alta, devido à presença de um volume entre 20% e 25% de partículas de alumínio cristalino numa matriz amorfa", indica a revista.

Ligas de ferro Além das ligas de alumínio super-resis­

tentes, os pesquisadores de São Carlos tam­bém estão desenvolvendo novas ligas à base de ferro. Chegaram a novas ligas com pro-

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priedades magnéticas consideradas excelen­tes. "Agora, estamos buscando novas compo­sições, mais resistentes aos efeitos da corro­são", diz o professor Botta. Esses materiais podem ter aplicação prática mais rápida. Eles possuem grande potencial para a fabricação dos magnetos moles, os sensores magnéticos usados para protegerCDs, livros e outros pro­dutos contra fut1os em lojas, bibliotecas, etc. "Esses sensores já são feitos com ligas de fer­ro amorfas, mas já se comprovou que, obti­dos de uma liga submetida ao processo de na­nocristalização, suas propriedades são bem melhores", afirma o pesquisador.

Na área das cerâmicas, a equipe de São Carlos já controla processos para a obtenção de diversos tipos desses materiais, inclusive na forma de pós ultrafinos. "Agora, estamos em uma fase adiantada do estudo da sinteri­zação (o processo pelo qual as partículas são consolidadas) desses pós", revela o professor Botta. Esses nanocompósitos têm enorme po­tencial de utilização, devido à sua alta resis­tência a temperaturas muito elevadas e ao des­gaste. Podem ser usados, por exemplo, na fabricação de ferramentas de corte, a partir de uma mistura de diversos componentes cerâ­micos e metálicos. As ferramentas feitas dessa maneira serão muito mais resistentes e durá­veis que as atualmente utilizadas.

Para chegar a esse ponto, os pesquisado­res primeiro produzem materiais que não po­deriam ser obtidos através de processos con­vencionais. Então, são estudadas as caracterís­ticas desses materiais, além das novas fases que vão sendo formadas quando são dadas condi­ções para o seu retomo à condição de equilí­brio. Um exemplo é o trabalho com o vidro

metálico (ou fitas metálicas), uma das princi­pais áreas de aplicação do projeto temático.

Numa situação normal, ou estável, o metal é cristalino. Mas, quando se submete um metal em estado líquido a um processo não convencional, como o resfriamento rápido, ele pode transformar-se num metal amorfo, assumindo, assim, uma condição metaestá­vel com relação à sua condição de equilíbrio. Aliás, casos semelhantes ocorrem no dia-a­dia. Se você esquecer uma latinha de cerveja no freezer, a bebida pode até permanecer em estado líquido, mesmo abaixo da temperatu­ra de solidificação. Mas basta um choque mínimo, uma aplicação qualquer de energia, para que ela congele, ou seja, passe para a sua condição de equilíbrio para as condições de temperatura imperantes.

O resfriamento rápido vem sendo bas­tante usado em São Carlos para obter fases amorfas dos metais. Para produzir pós, são usados outros processos, como a atomização, a moagem de alta energia e a precipitação química. Depois disso, como segundo passo, os pesquisadores caracterizam os resultados obtidos em cada processo, usando a difração dos raios X e a microscopia eletrônica para medir os tamanhos das partículas, observar suas formas e analisar sua composição.

Última geração Poucas dessas atividades seriam possí­

veis sem o uso de equipamentos cada vez mais sofisticados. O enorme desenvolvimento da microscopia eletrônica nas últimas décadas, por exemplo, foi essencial para o estudo dos materiais nanoestruturados. Um microscópio óptico pode aumentar um objeto cerca de duas

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mil vezes; um microscópio eletrônico de alta resolução pode ampliá-lo até um milhão de vezes. As pesquisas com novos materiais en­volvem ainda outros equipamentos de última geração, como fomos de alta temperatura para sinterização a vácuo, sistemas de análise tér­mica, moinhos para a fabricação de pós, apa­relhos do tipo melt-spinning para solidifica­ção rápida e prensas a quente.

"A partir daí", conta o professor Botta, "conhecendo as nanoestruturas metaestáveis, estudamos a volta do material ao equilíbrio, à sua condição estável". A forma como ocor­re o retomo e o controle da microestrutura final estão entre as principais preocupações dos pesquisadores. Existem diversas técnicas para esse trabalho. Mas, para a compreensão das transfom1ações que vão ocorrendo duran­te o retorno ao equilíbrio, uma, a calorimetria diferencial de varredura, tem relevância par­ticular.

Para o coordenador, esse é o momento mais importante do trabalho. Entendendo as transformações que ocorrem nos materiais metaestáveis, é possível interferir no proces­so de retorno e detê-lo num ponto determina­do, definindo a microestrutura final do mate­rial. Na prática, o procedimento pode ser bem complexo. Os vidros metálicos, por exemplo, exigem um processo de recozimento para a cristalização, que deve ser interrompido no momento adequado.

A intervenção para a melhoria das pro­priedades do material também não é rotinei­ra. "Por exemplo, no caso das ligas metálicas, por meio da escolha de elementos e compo­sições adequadas, pode-se obter, durante a cristalização, uma alta freqüência de nuclea­ção de uma fase primária e uma baixa taxa de crescimento", exemplifica o professor Bot­ta. Desse modo, pode-se gerar uma dispersão de nanopartículas, no alumínio e no ferro. A matriz residual, enquanto isso, se mantém amorfa. Muitas vezes, conseguem-se assim melhores propriedades magnéticas ou mecâ­nicas do material.

"O projeto temático tem obtido resul­tados animadores, equivalentes aos apresen­tados pelos grupos de estudo mais importan­tes da área", afirma o coordenador. O térmi­no do trabalho está previsto para agosto do próximo ano. O grupo que trabalha na pes­quisa inclui sete professores do Departa­mento de Engenharia de Materiais da UFS­Car, quatro pesquisadores em nível de pós­doutorado, 16 alunos de pós-graduação e 14 de graduação. Os resultados já começaram a aparecer. Até agora, já foram concluídas três teses de doutorado e três dissertações de mestrado a partir da pesquisa.

Perfil O pesquisador Walter José Botta Filho, 44 anos, for· mou-se em Engenharia de Materiais pela Universida­de Federal de São Carlos, onde é professor adjunto. É doutor em Ciências de Materiais pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e fez pós-doutorado no Insti­tuto Nacional Politécnico de Grenoble, na França.

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PESQUISA

Que tal um abacaxi com quase o dobro do teor de açúcares dos abacaxis com os quais você está acostumado? Um abacaxi menor, com cerca de I kg, mais apropriado a esta época de famílias menores? Que pode ser tirado mais maduro da terra e, portanto, ainda mais doce, pois tem casca resistente e suporta em boas condições a prateleira do su­permercado até 12 dias depois de ser colhi­do? E que, ainda por cima, pode ser consu­mido aos gomos, como se fosse uma jaca? Prepare-se. É possível que ainda este ano você encontre os primeiros exemplares nas prateleiras dos supermercados. E, depois, muito mais. Os técnicos calculam que den­tro de poucos anos, quando houver mudas disponíveis, o novo cultivar de abacaxi , cha­mado IAC Gomo-de-Mel , será responsável por pelo menos 20% da produção brasileira da fruta.

"A polpa do abacaxi gomo-de-mel tem coloração amarelo-ouro, textura macia, bai­xa acidez e doçura acentuada, qualidades ftm­damentais para o consumo de mesa", diz o agrônomoJoséAifredo Usberti Filho, do Ins­tituto Agronómico de Campinas (IAC), ores­ponsável pelo novo cultivar (antes, Usberti tinha lançado também novos cultivares de capim-colonião e de arroz). Com relação à doçura, pelo menos, ele é imbatível. Além de ter menos acidez que as variedades mais co­muns, seu teor de brix, uma maneira de me­dir a proporção de açúcares numa fruta, che-

AGRONOMIA

Doce novidade ga a 20,9%. No caso do cultivar pérola, essa proporção é de li ,9%, e, no caso do cultivar smooth cayenne (também chamado de havaí e bauru), é de 13,5%. Essas duas são as varie­dades mais plantadas atualmente no Brasil.

O novo cultivar apareceu quase por aca­so. A pesquisa que levou ao gomo-de-mel , Avaliação Final de Híbridos lntraespecificos de Abacaxi e de Abacaxi de Gomo Visando a Eleição do Novo Cultivar com Característi­cas M01joagronômicas e de Qualidade de Produto Desejáveis, surgiu como decorrên­cia de outro trabalho, iniciado em 1991 , no qual os investigadores do IACtentam fonnar um novo cultivar resistente à fusariose , uma das principais doenças da planta. Essa pesqui­sa é chamada Melhoramento Genético do Abacaxi (Ananascomosus L.) Visando Resis­tência à Fusariose e Melhor Qualidade de Produto Final, A través de Hibridação Intra­especifica. A FAPESP colaborou com R$ 60 mil para os dois projetos. A empresa de se­mentes Matsuda, da cidade de Alvares Ma­chado, entrou com mais R$ I 00 mil.

Desde 1991 O novo abacaxi resistente à fusariose

também está a caminho. Os técnicos do IAC pretendem colocar as primeiras mudas à dis­posição dos agricultores a partir do ano que vem. É dinheiro bem gasto. A fusariose, ou gomose, doença provocada pelo fungo Fu-

O Gomo-de-Mel: abacaxi muito mais doce e que pode ser dividido em gomos, como a jaca

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sarium moni/iforme, que mata a planta ou pelo menos prejudica o fruto , é um dos res­ponsáveis por São Paulo produzir apenas 5% dos abacaxis que consome. A fusariose não ocorre só no abacaxi. Aparece em vários ou­tros tipos de plantas cultivadas e mesmo em ervas daninhas. Por isso, ainda não se conse­guiu controlar a doença por meios químicos ou de cultura. A solução mais viável parece ser mesmo o desenvolvimento de um culti­var resistente.

Usbetii e sua equipe vêm tentando isso desde 1991 . Ele conta com a colaboração de cinco pesquisadores do lA C e das infra-estru­turas dos laboratórios do !AC em Campinas e em Registro e do laboratório da empresa Matsuda em Álvares Machado, no Oeste do Estado. Para fazer os cruzamentos destinados a encontrar um cultivar resistente à fusario­se, o grupo usou os recursos genéticos do ban­co de germoplasma do IA C. Lá, está materi­al de propagação de cultivares de abacaxi vin­dos das mais diversas partes do mundo.

Entre esse material , estava um conjunto de sementes vindas do outro lado do planeta, da China. Essas sementes têm uma história curiosa. Um pesquisador de origem chinesa que trabalhava na Bioplanta, uma subsidiá­ria da Souza Cruz, trouxe da China cerca de mil sementes de abacaxis resultantes de cru­zamentos naturais. Quando sua empresa fe­chou, ele doou todo esse material ao lA C.

As sementes chinesas entraram na pes­quisa sobre a fusariose e quando se fez a primeira colheita, em 1994, os pes­quisadores do IAC notaram um cultivar cujos frutos eram de altíssima qualida­de. "Enviamos o material ao Instituto de Tecnologia deAiimentos (!tal), aqui em Campinas, e os resultados das análises chamaram a atenção", lembra Usberti. Nenhum outro cultivar do lote era semelhante. De to­dos os tipos originários das sementes chinesas, só aque­le tinha a qualidade excep­cional que levou ao gomo­de-mel.

Os pesquisadores ela­boraram então o novo pro­jeto de pesquisa, que foi sendo tocado paralelamen­te aos estudos sobre a resis­tência à fusariose. Em 1996, com uma nova co­lheita, foi possível fazer as

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comparações em laboratório entre o novo cultivar, então chamado de abacaxi-da-Chi­na, e os abacaxis comuns. No lançamento, em fevereiro deste ano, o cultivar foi batizado como IAC Gomo-de-Mel. Tradicionalmen­te, os cultivares lançados pelo Instituto levam a sua sigla como parte do nome oficial.

Como o papaia Quando for levado à mesa, o gomo-de­

mel não precisará ser descascado. A polpa pode ser dividida com a mão, como uma jaca, pois é formada por diversos frutilhos. Basta partir a fruta pela metade e ir retiran­do os gomos. Ou, se o consumidor prefe­rir, usar a fruta da maneira tradicional, em fatias. A fruta é arredondada e pesa cerca de I kg, enquanto os cultivares tradicionais pesam mais que o dobro. Como tem a cas­ca bem resistente, pode ser colhido madu­ro - as variedades tradicionais são colhi­das antes do ponto ótimo, o que diminui ainda mais seu teor de açúcar. Os testes in­dicam que o novo cultivar tem uma vida de prateleira de até 12 dias.

Usberti acredita que o gomo-de-mel re­presentará, para o abacaxi , o mesmo que o papaia significou para o mamão, uma alter­nativa que, além de muito saborosa, é indi­cada para o consumo individual ou de peque­nas famílias. Seu cálculo é de que, a rnédio prazo, ele atingirá 20% da produção brasi­leira, hoje na casa de I ,6 milhão de tonela­das por ano. Apesar de o Brasil ser um dos berços do abacaxi - a planta, da família das bromeliáceas, a mesma dos caraguatás usa­dos em decoração, é originária das bacias dos rios Paraná e Paraguai -, ele não é o maior produtor mundial. Está apenas em segundo lugar. A liderança cabe à Tailândia, com qua­se 2 milhões de toneladas por ano. A produ­ção mundial é de cerca de 12,8 milhões de toneladas por ano.

"A procura por um abacaxi de mesa é muito grande", diz Usberti. Mesmo com o novo cultivar ainda nos seus estágios iniciais, já existem pedidos de empresas exportado-

ras, que pretendem vender, no mínimo, 300 mil frutos por mês fora do Brasil. Assim, a tendência pode ser de que o novo cultivar venha a dominar o consumo do abacaxi como fruta fresca , ficando os outros culti-

vares para a industrialização, na forma de suco ou compotas.

As mudas do novo cultivarjá estão sen­do multiplicadas pelo processo in vitro, nos laboratórios do IAC e da Matsuda. A empre­sa de sementes tem prioridade na comercia­lização, pois participou da pesquisa e, além disso, já tem material genético em seu po­der. Até o fim de 1999, calcula-se que a Matsuda produzirá I ,5 milhão de mudas e o IA C, outras 500 mil. Muito pouco do ponto de vista comercial. Usam-se cerca de 50 mil mudas no plantio de um hectare de abacaxi.

O grande salto virá de cerca de I 00 pro­dutores rurais, na maioria da região de Pre­sidente Prudente, os mesmos que pretendem colocar, em dezembro deste ano, os primei­ros frutos no mercado. É que, além dos fru­tos, eles pretendem usar as mudas produzi­das pelas próprias plantas para aumentar sua área de plantio ou vendê-las a outros produ­tores. Não será pouca coisa. Os agricultores conseguem tirar até 15 mudas de cada plan­ta no campo. Provavelmente, não vai demo­rar muito até que o gomo-de-mel chegue, também, à sua mesa.

Perto da solução O maior produtor brasileiro de abacaxi

é Minas Gerais. Produz 523 mil toneladas por ano. Depois, vem a Paraíba. Comercializa 177 mil toneladas por ano. São Paulo produz apenas 5% do que consome: 42 mil toneladas por ano, especialmente nas regiões deAraça­tuba, Bauru, Marília e São José do Rio Preto. Se o abacaxi surgiu aqui perto, na bacia do Paraná, e São Paulo tem solos arenosos, pró­prios para a lavoura, além de ser campeão na produção de suco concentrado orientado para a exportação, por que produz tão pouco? Em grande parte, por causa da fusariose .

"Os problemas provocados pela fusarió­se continuam a prejudicar o desenvolvimen­to da cultura do abacaxi no Brasil e são mais graves, talvezporcontadoclima, em São Pau­lo", diz o agrônomo Usberti. O fungo, quan­do não mata a planta, inutiliza o fruto. Ele também aparece na Paraíba, mas em escala bem menor. Em São Paulo, inclusive, já sur­giram raças fisiológicas, ou mutações do fun­go. Em grande parte por culpa dele, o plantio do abacaxi , em São Paulo, tomou-se ati vida­de itinerante. Há 15 anos, o centro da produ­ção era a região de Bauru. Hoje, ele está em Araçatuba, onde a fusariose , aliás, é cada vez mais encontrada nas plantações.

Para chegar a uma variedade resistente ao Fusarium, os pesquisadores do IAC fize­ram vários cruzamentos e plantaram semen­tes de diversas partes do mundo. Para evitar contaminação por outros tipos de fungos, a multiplicação das plantas foi feita in vitro. Cada uma, então, foi inoculada com o fungo. As que desenvolveram a doença foram elimi­nadas. As outras foram submetidas a uma segunda inoculação. As que sobreviveram foram levadas para o campo.

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"Hoje, já temos 60 variedades híbridas, altamente resistentes à doença", narra Usber­ti. Os pesquisadores estão trabalhando prin­cipalmente com uma delas, uma variedade semelhante ao cultivar pérola, com resistên­cia à doença, boa produção, tolerante ao plan­tio adensado, o que significa maior produção por hectare, e uma vantagem a mais: folhas lisas, quase sem espinhos. Em teor de doçu­ra, chega a atingir os 20 graus brix do gomo­de-mel. Mas o resultado é inferior, pois tem também um teor de acidez muito maior.

Logicamente, Usberti e sua equipe não estão satisfeitos. Já estão preparando outro projeto de pesquisa, desta vez para desenvol­ver um abacaxi de gomos que seja também resistente à fusariose. "O gomo-de-mel tem resistência moderada aos nematóides, mas é suscetível à fusariose", diz o pesquisador. O trabalho já começou, com cruzamentos entre o gomo-de-mel e as variedades roxa-de-tefé, da Amazônia, e perolera, da Colômbia. O pró­ximo passo será o plantio das sementes.

Perfil:

José Alfredo Usberti Filho, 54 anos, é formado em agro· nomia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Quei­roz (Esalq), de Piracicaba. Desde 1968, é pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), onde tra­balhou com melhoramento genético de arroz, milho, capim-colonião e, desde 1991, abacaxi. Tem doutora­dos em Genética e Melhoramento Vegetal , obtido em 1973 na Esalq, e em Ecologia de Plantas Forrageiras, obtido em 1978 na Universidade da Califórnia, em Da­vis. É responsável por três novos cultivares de capim­colonião, IAC Tobiatã, IAC Centenário e IAC Centauro, este mais apropriado para cavalos, e por dois cultivares de arroz, o IAC 165, para plantio de sequeiro, e o IAC 4440, para plantio irrigado.

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INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

EMBALAGEM

Poupando recursos

Quanto, realmente, de recursos naturais consome um produto para chegar ao consu­midor? Ou, talvez mais importante, qual o impacto na natureza da fabricação e descar­te daquela parte que às vezes é tão ignorada, a embalagem? Não é coisa que se despreze. Mesmo os produtos classificados apenas como ecologicamente corretos, ou seja, que podem ser reciclados ou não poluem os rios, estão com os dias contados. As novas nor­mas que surgem no comércio internacional exigem muito mais que isso, o controle do impacto ambiental de cada etapa da produ­ção. Já há sinais firmes de que essa é uma ten­dência do futuro. Os países da Comunidade Européia, por exemplo, só compram polpa de papel de países que comprovadamente usam comedidamente os recursos naturais. Os exportadores brasileiros já passaram nes­se teste.

Agora, é a vez dos fabricantes brasilei­ros de embalagens. Seu principal instrumen­to é um estudo que está nos estágios finais, conduzido por especialistas do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Insti­tuto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas. A pesquisa, que deve ficar pronta em outubro deste ano, vai indicar medidas estratégicas a serem tomadas para reduzir o impacto ambiental da fabricação de embala­gens de plástico, vidro, madeira, alumínio e papel. Chamado Análise do Ciclo de Vida de Embalagens para o Mercado Brasileiro, o trabalho, iniciado há dois anos, teve financi­amentodeR$231 mildaFAPESPedeR$425 mil de um convênio de associações e empre­sas fabricantes de embalagens, representadas pela Fundação de Desenvolvimento da Pes­quisa Agropecuária (Fundepag), e se desen-

volve no âmbito do Programa de Parceria em Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP

E a primeira vez que o setor de embala­gens realiza um estudo tão abrangente. Ele segue, inclusive, um método de diagnóstico e de planejamento de produtos com reconheci­mento mundial, a Análise do Ciclo de Vida (ACV). "Estamos mudando a avaliação sub­jetiva ou orientada apenas para um ponto do processo de produção de embalagens, para uma visão mais ampla e consistente do ponto de vista ambiental", diz o engenheiro de alimen­tos Luis F emando Ceribell i Ma di, coordenador do Cetea e responsável pela pesquisa.

Os efeitos são claros. A partir do estudo do Cetea, as empresas brasileiras de embala­gens poderão reivindicar os certificados da série ISO 14000, que reconhecem os esfor­ços feitos pelos fabricantes para reduzir, con­tinuamente, o impacto ambiental de seus pro­cessos. Os responsáveis por esses certifica­dos adotam desde 1992 o método ACV como critério de avaliação. Nos próximos anos, sublinha a gerente de embalagens plásticas e meio ambiente do Cetea, a engenheira de ali­mentos Eloísa Garcia, a exigência desse cer­tificado pode transformar-se numa barreira não tarifária no mercado internacional: pode­rão circular livremente entre os países apenas produtos que respeitem normas mínimas quanto ao uso de recursos naturais.

Eletricidade As conclusões preliminares formam um

retrato dos pontos positivos e negativos das embalagens brasileiras. Já está claro, por exemplo, que a situação em relação à energia elétrica, um dos principais insumos indus­triais, é a princípio confortável. No Brasil ,

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predomina a energia gerada por usinas hidre­létricas, de baixo impacto ambiental se com­paradas às termelétricas, mais comuns na Eu­ropa, que consomem recursos naturais não re­nováveis, como óleo diesel, carvão ou gás na­tural. Para amenizar as objeções dos grupos ecologistas internacionais que questionam as áreas alagadas pelos reservatórios das hidre­létricas, os pesquisadores do Cetea adiciona­ram uma variável nesta análise: o uso da terra.

"O impacto de uma hidrelétrica sobre uma terra urbana, já transformada, é menor que oca usado em uma área de floresta", diz a engenheira Eloísa. Mesmo assim, as terme­létricas ainda são mais agressivas à natureza do que as hidrelétricas. "Não há tecnologia inteiramente limpa", observa Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente da Tetra Pak, uma das duas empresas participantes do pro­jeto (a outra é a Companhia Siderúrgia Nacio­nal , de Volta Redonda). "Todo processo in-

Decisões em grupo O estudo sobre o ciclo de vida das embala­

gens tem um modelo próprio de organização e de planejamento das atividades. Cinco representan­tes das associações de empresas (de vidro, alumí­nio, embalagens de PET, papelão ondulado e ce­lulose e papel), dois das indústrias participantes (Tetra Pak e CSN) e a equipe do Cetea do ltal for­mam o Comitê Diretor, que se reúne a cada dois meses para avaliar ou redirecionar o trabalho. Es­ses encontros são fundamentais para a pesquisa. Num deles, logo no início do estudo, há dois anos, cada se to r escolheu os tipos específicos de emba­lagens a serem analisadas. Mais tarde, a adoção do grupo de consultores internacionais, o Critica/ Review, que não constava do planejamento inicial, também passou pela análise do grupo.

"O Comitê Diretor é uma forma de manter o grupo coeso e de facilitar a cole ta de informações, que é a maior dificuldade da análise de ciclo de vida das embalagens", explica Madi, o coordenador da pesquisa. Segundo o engenheiro do ltal, o Comitê pode intervir nos rumos do trabalho, mas não tem o direito de opinar no delineamento do estudo ou na metodologia adotada pelos pesquisadores.

Os participantes do Comitê recebem um re­latório dos trabalhos a cada dois meses. No final da pesquisa, devem receber o relatório geral e cada um, separadamente, os setoriaisespecíficos. Cada empresa participante, ao longo do trabalho, tam­bém será informada sobre sua contribuição no im­pacto ambiental da produção de embalagens a que estiver relacionada. "Como este trabalho envolve empresas e setores concorrentes, nunca deixare­mos aparecer no conjunto informações individuali­zadas", diz Madi.

Page 21: O resgate de "A Noite do Castelo"

dustrial gera impacto ambiental, maior ou menor", diz ele.

No caso do transporte, que aparece di­versas vezes durante a fabricação e a distri­buição das embalagens, a situação não é tão tranqüila. Enquanto as empresas da Europa utilizam principalmente o transporte ferro­viário ou aquático, as brasileiras se apóiam quase inteiramente no transporte rodoviário. Do ponto de vista ambiental, é uma desvan­tagem. Comparados com trens ou navios, os caminhões consomem mais óleo diesel, de­rivado do petróleo, um bem natural cada vez mais escasso, e emitem mais gases, como o monóxido e o dióxido de carbono.

Sete etapas A equipe do Cetea analisou o impacto

ambiental da produção de energia, do sistema de transportes e de um terceiro item, o geren­ciamento de resíduos sólidos e tóxicos, ao lon­go da história de cada embalagem. A trajetória é dividida em sete etapas: a extração da maté­ria-prima, a fabricação do material da embala­gem, a fabricação da própria embalagem, o uso industrial da embalagem, a distribuição, a reci­clagem ou a reutilização e o descarte, quando o material é definitivamente eliminado. A visão de conjunto desfaz alguns mitos.

Etapas que se repetem, a exemplo do consumo de água ou de óleo diesel, são mais importantes para a avaliação ambiental do que um item isolado, como a decomposição de materiais, restrita ao capítulo sobre geren­ciamento de resíduos. É o caso das garrafas plásticas de polietileno tereftalato (PET), usadas em refrigerantes. Com elas, se reapro­veitadas, podem ser feitos fios, tecidos, tape­tes ou novas garrafas. "Quando não são reu­tilizadas, as garrafas são enviadas para ater­ros e lixões e se mantêm inertes, sem risco de contaminação de lençóis freáticos, solo ou ar", diz Eloísa. "Elas apenas ficam lá."

A amostragem do estudo cobriu 20 sis­temas de embalagens de plástico, vidro, a lu-

mínio, madeira e papel, formados pelas pró­prias embalagens e seus acessórios, como chegam aos consumidores. Caixas de leite e de sucos de frutas e as latas e garrafas de cer­vejas e refrigerantes são apresentadas nos supermercados em caixas com 6, 12 ou 24 unidades, envolvidas em papelão ondulado e, às vezes, com filmes plásticos de polietileno. Maçãs chegam ao varejo em caixas de pape­lão, raramente à vista dos compradores. Madi e sua equipe estudaram também embalagens utilizadas em indústrias e na construção civil , como os sacos de 50 kg, feitos de papel kraft, usados em embalagens de cimento.

Centenas de visitas Todo o trabalho realizado pelos sete pes­

quisadores da equipe é externo. Eles visita­ram e entrevistaram funcionários de cerca de 500 empresas. No caso do cimento, pesqui­sas em cinco fábricas de papel kraft levaram

O Impacto ambiental da energia elétrica O levantamento do Cetea permite comparar o impacto ambiental causado pelo consumo de energia originada nas usinas hi­drelétricas e nas termelétricas. Duas empresas hipotéticas consomem a mesma quantidade de energia (540 quilowatts/hora, associados à produção de 1.000 kg de um determinado tipo de embalagem). O processo da empresa A consome essa energia diretamente do sistema elétrico brasileiro (96,6% de energia de origem hidráulica e 3,4% de origem térmica). O processo da empresa B consome 50% de energia da rede elétrica brasileira e 50% de geração própria (por termelétrica a óleo combustivel).

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Comparando o consumo de recursos naturais ...

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... e as emissões de poluentes

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a quatro fabricantes de sacos e a II empresas de cimento, usuárias dos sacos. O estudo das embalagens de maçã levou a II fábricas de papel capa, 15 de papel miolo, 17 de papelão ondulado, mais 17 de caixas de papelão on­dulado e a 20 centrais de distribuição de pro­dutos hortifrutigranjeiros.

O número de empresas varia de acordo com o tipo de material e de embalagem, mas o desafio é o mesmo: descobrir o consumo de materiais, energia e água, a emissão de gases e a produção de resíduos. Cada tipo de emba­lagem terá uma análise própria, mas não se pretende chegar a uma pontuação final, que classifique os produtos. Para a equipe do Cetea, comparações são indesejáveis. "Entre uma embalagem de alumínio e outra de plás­tico, não há uma melhor e outra pior", diz a engenheira Eloísa. Se uma consome bauxi­ta, lembra, a outra usa petróleo. "Todas devem buscar melhorias contínuas", afinna.

O grupo de pesquisa precisou coletar todas as infonnações, pois estatísticas de ou­tros países, neste caso, pouco adiantariam para fonnar um modelo brasileiro. Mas, no campo conceituai , não faltou apoio interna­cional. O Cetea contou com a consultaria do Pira , um instituto inglês especializado em Análise de Ciclo de Vida, do qual adquiriu o programa Pira Environmental Management System (PEMS), para medir o impacto am­biental a partir das informações coletadas das empresas brasileiras.

Referências importantes para o desen­volvimento do trabalho vieram também da Society of Environmental Toxicology and Chemist1y (Setac), a qual , na década de 80, definiu a metodologia para Análise de Ciclo de Vida. Cumprindo uma recomendação in­ternacional, os resultados apurados são super­visionados por um grupo externo de especia­listas, o chamado critica! review, formado por um brasileiro, um alemão e um americano.

As infonnações coletadas e checadas com base nesses critérios poderão ser adotadas ou detalhadas pelas próprias indústrias. "Anali­sando o ciclo de vida, cada empresa vai conhe­cere encontraras pontos em que pode melho­rar a qualidade dos seus produtos", comenta Ernesto Ronchini Lima, assessor técnico de meio ambiente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), uma das entida­des que patrocinaram a pesquisa. As implica­ções podem ser ainda maiores. Segundo von Zuben, da Tetra Pak, esse trabalho permitirá não só mapear as necessidades das indústrias como também rever o planejamento estratégi­co nacional, enfatizando-se, por exemplo, o uso mais intenso de ferrovias .

Perfil: Luis Fernando Ceribelli Madi é graduado em engenha­ria de alimentos pela Faculdade de Engenharia de Ali­mentos da Universidade Estadual de Campinas (Uni­camp), com mestrado na Escola de Embalagens da Uni­~ersidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos. E coordenador do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ltal) , onde trabalha desde 1972.

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

ENGENHARIA

O resíduo que vira cimento A cada tonelada de aço produzido nas

usinas siderúrgicas, 330 kg de um resíduo escorre como lava de vulcão, a 1600 °C, das construções de quase 30 metros de altura, os altos-fornos. Resfriado bruscamente, toma­se uma espécie de areia. É a escória, forma­da pela argila do minério de ferro misturada com silício e alumínio. As indústrias side­rúrgicas não encontram aplicação para esse material. Afinal , uma usina grande produz cerca de I ,2 milhão de toneladas de escória granulada por ano, o equivalente a 3 mil to­neladas por dia, volume suficiente para en­cher cerca de 20 caminhões, a cada 24 horas.

Sem uso, os resíduos acumulam-se em conjuntos de morros, de 20 ou 30 metros de altura, que, com o tempo, se tornam rochas artificiais, sobre as quais, por causa de au­sência de solo, não cresce qualquer vegeta­ção. O desconforto vai além do impacto vi­sual. Essa areia pouco ecológica polui o solo e a água do subsolo, além de gerar custos, ao ocupar áreas que poderiam ter usos mais nobres.

Esses problemas, entretanto, podem es­tar com os dias contados. Um grupo de pes­quisadores da Escola Politécnica da Univer­sidade de São Paulo (USP) desenvolveu um novo tipo de cimento, no qual a escória é a base da composição. Não se trata de aumen­tar a participação dos resíduos da fabricação do aço no cimento comum, o Portland, como é feito no Brasil há 40 anos, em quantidades que correspondem, aproximadamente, ao mesmo volume que se acumula sem serven­tia nos arredores das usinas siderúrgicas. Muito mais que isso, a pesquisa Painéis de

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Cimentos de Escória Reforçados com Fibra de Vidro E resultou em um material absolu­tamente inovador. Coordenada pelo enge­nheiro civil Vahan Agopyan, a pesquisa se desenvolve no âmbito do Programa de Ino­vação Tecnológica em Parceria , da FA­PESP, que entrou com um financiamento de R$ 210 mil. A empresa parceira, a Owens Corning Fiberglas, fabricante de fibras de vidro, participa com recursos da ordem de R$ 415 mil. O trabalho contou, ainda, com o apoio da Companhia Siderúrgica de Tuba­rão (CST), do Espírito Santo.

Na formulação do novo cimento elabo­rada pela equipe do professor Vahan, a es­cória faz parte de uma mistura que contém outros dois componentes: os ativadores (compostos como silicatos de sódio e sulfa­tos e hidróxidos de cálcio, empregados jun­tos ou isoladamente) e as fibras de vidro do tipo E (o mais comum, usado como isolante elétrico, daí o E). Mas a escória predomina, representando 85% do volume. A combina­ção dela com os ativadores produz cimentos de baixa alcalinidade, uma característica química importante, por permitir a mistura com fibras naturais ou artificiais que seriam destruídas pela alcalinidade mais elevada do Portland. A adição de ativadores também acelera o endurecimento da escória, que, por endurecer lentamente, não pode ser usada sozinha, como o Portland.

As fibras, explica o professorVahan, fim­cionam como reforço: ampliam a resistência mecânica e a possibilidade de moldar o mate­rial em superficies curvas, sem risco de que­brar-se facilmente. "Estávamos desperdiçan-

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Vahan Agopyan: há quase 20 anos estudando materiais para construção civil com reforços de fibras

do cimento", resume o engenheiro civil Van­derley John, um dos pesquisadores da equipe.

Painéis versáteis No ano passado, o cimento de escória

tomou a forma de painéis de formas e usos variados. Quadrados ou retangulares, planos ou sinuosos, bem mais finos e mais leves do que os equivalentes de cimento comum ou de alvenaria, têm aplicações imediatas na construção de paredes, forros, pisos e divi­sórias. a avaliação de Ernani Seddon, ge­rente de desenvolvimento de negócios da Owens-Corning, que fabrica e distribui com­ponentes para construção civil , pode nascer desse trabalho, em poucos anos, um proces­so construtivo genuinamente brasileiro, de custo reduzido e fácil aplicação. "Os espe­cialistas da Escola Politécnica têm nos aju­dado a desenvolver soluções técnicas eco­nômicas e modernas que atendam às neces­sidades da indústria", diz Ernani.

A pesquisa encontra-se agora no está­gio de repasse de tecnologia a indústrias, para produção em escala comercial. Até o momento, há apenas negociações incipien­tes com empresas interessadas. O ~otencial de mercado já está mais definido. A medida em que for iniciada a produção em escala co­mercial , os painéis com o novo cimento es­tarão literalmente ocupando o espaço da al ­venaria convencional na vedação interna de

casas e edifíc ios, que movimenta cerca de US$ 500 milhões por ano no Brasil.

Há outros usos poss íve is para o novo material. Durante o mestrado realizado na Escola Poli técnica, a arqui teta Vanessa Go­mes da Si I va anal i sou as aplicações potenciais do cimento de escória, que pode ser usado em bancos, postes, lixeiras, tanques e tubulações, além de simulações de cenários naturais-as pedras, árvores e animais que apenas parecem verdadeiros. "O cimento de escória é viável também para uso externo, em telhados e pai­néis de fachadas, mas a confirmação final de­pende de mais alguns estudos", diz Vanessa, atualmente professora do curso deArquitetu­ra e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Segundo ela, o cimen­to de escória reforçado com fibra de vidro é também uma alternativa ao polêmico cimen­to misturado com fibras de amianto, bastante utilizado em telhas e caixas-d'água,já proibi­do em diversos países da Europa.

Valorizando a escória Com o novo cimento, os pesquisadores

criam mercado para a escória e eliminam uma preocupação das usinas, que têm de en­contrar um destino seguro aos dejetos que criam. Na prática, as siderúrgicas ganham duas vezes: reduzem os custos de manuten­ção dos aterros e acrescentam valor aos re­síduos, convertidos em matéria-prima no­bre. Quando vendida como aditivo ao cimen­to Portland, a escória moída não custa mais deUS$ I O a tonelada, mas pode valer cinco vezes mais se utilizada como aglomerante (cimento). O professor Vahan estima que o novo material custaria no máximo 60% do Portland, a despeito de suas peculiaridades. "Detemos conhecimento para elaborar ci­mento de escória duas vezes mais resistente que o Portland", diz o pesquisador. Há qu"a­se 20 anos ele estuda materiais para constru­ção civil com reforços de fibras. Começou com as vegetais, com as de coco, e chegou às de vidro, mais homogêneas, uniformes e de maior resistência mecânica.

A equipe da Escola Politécnica dispõe no momento de cinco fórmulas básicas do novo material. Sua fabricação é relativamen­te simples. Consiste da secagem e da moa­gem da escória, seguida da mistura com os ativadores. Como a escória já foi queimada, há uma economia de 80% no consumo de energia elétrica em relação ao processo de fabricação do cimento Portland, que impli­ca o aquecimento de argila e de calcários a cerca de 1.500 oc.

O material resultante do processo de­senvolvido na USP, considerado de baixa al­calinidade, tem pH, o índice de acidez ou de alcalinidade, II ,5 (quanto mais baixo o pH, mais ácida é uma substância, e quanto mais alto, mais alcalina ela é). O cimento Portland tem alcalinidade elevada, com pH acima de 12,5, que dificulta a mistura com fibras de vidro, mesmo as do tipo especial, capazes de

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lhe dar usos mais variados. A di ferença en­tre os valores, ainda que aparentemente di s­creta, é larga o suficiente para permiti r mis­turas estáveis com a fi bra de vidro ou vege­ta is. Mas os pesqui sadores não consideram as comparações intei ramente adequadas. "Não estamos concorrendo com o cimento Portland", salienta Vanderley. "O cimento de escória com reforço de fi bra de vidro sedes­tina a aplicações específicas."

Valor histórico A tendência atua l na construção civil,

reforça o professor Vahan, é usar materiais reforçados com fibras ( compósitos ), mais maleáveis e mais leves que os tradicionais. "Com a escória, podemos formular varia­ções de cimento completamente diferentes entre si", diz ele. Podem ser ajustadas a com­posição, a espessura e a curvatura dos pai­néis, a textura da superfície e até mesmo a cor (adicionando corantes, o cimento pode se tornar azul ou vermelho, por exemplo, dis­pensando o trabalho de acabamento). Como não há material perfeito, este também apre­senta limitações. Pode ser usado com fibras de vidro e vegetais, mas não com fibras de aço, em estruturas de construções, já que a alcalinidade é importante para proteger os reforços feitos de aço.

Este pode ser um marco na história do cimento, na qual, indiretamente, a pesquisa da Escola Politécnica se apoiou. A gipsita (o conhecido gesso, definido quimicamente como um sulfato de cálcio), que fez parte das massas usadas para colar as pedras das pirâ­midesdo Egito, há cerca de 3.000 anos, é um dos ativadores da escória das moderníssimas usinas siderúrgicas. Pode estar se encerran­do também, quem sabe, o capítulo iniciado em 1822 pelo engenheiro civil inglês John Smeaton. Foi ele o descobridor de uma mis­tura argilosa que funcionava fantasticamen­te para manter em pé as construções da épo­ca - era o cimento comum, que Smeaton chamou de Portland por ter a mesma cor acinzentada da terra de origem vulcânica da ilha de Portland, na Inglaterra. Agora é a vez do cimento de escória cumprir as exigên­cias de seu tempo. "Criamos um novo para­digma industrial, de acordo com um dos pre­ceitos da ova Revolução Industrial, quere­comenda fornecer o que cada cliente preci­sa", diz o professor Vahan. Com o cimento comum, lembra ele, tornava-se dificil acom­panhar a História.

-Perfil Vahan Agopyan, 48 anos, é engenheiro civil com gra­duação e mestrado na Escola Politécnica da Universi­dade de São Paulo (USP) e doutorado no King's Colle­ge London. Trabalha desde 1974 no desenvolvimento de materiais e componentes de Construção Civil , espe­cialmente materiais reforçados com fibras e uso de re­síduos. É professor titular de Materiais e Componentes de Construção Civil desde 1994 e vice-diretor da Esco­la Politécnica da USP desde 1998.

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CarlosGomes: O que você faria se soubesse que um quando compôs documento importantíssimo para sua área de

asua pnmelra estudos, sumido por muitas décadas, apare-opera o autor d . I .1 d d , tinha 26 anos cera e repente e sena e1 oa o a1 a poucos

dias? Que existia a forte possibilidade de ser mergulhado no cofre de um colecionador ou especulador, perdendo-se outra vez no tem­po e no espaço? Diante desse problema, o pianista e professor José Eduardo Martins, do DepartamentodeMúsicadaEscoladeComu­nicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), recorreu à FAPESP. Deu certo. Graças a uma ação extremamente rá­pida e decidida, a partitura original de A No i-

ARTE

CARLOS GOMES

O reSgate da ópera te do Castelo, a pri­

meira ópera de Car­los Gomes, um dos

mais importantes com­positores brasileiros no sécu-

lo 19, já está nos laboratórios do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, passan­do por um muito necessário processo de lim­peza, e em breve estará disponível para estu­dos e pesquisas.

No começo da noite de 4 de maio passa­do, no IEB, foi realizada a cerimônia de apre­sentação pública da partitura manuscrita da ópera, encerrada com um recital do pianista José Eduardo Martins, quando ele executou, é claro, a abertura de A Noite do Castelo, além de outras peças brasileiras (ver comentário de Flávia Toni na página 27). Os oradores que se sucederam na cerimônia - breves todos, para não retardar a audição da música -mostraram-se entusiasmados com a recon-

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quista da partitura, encantados com o que a aquisição representa de um momento privi­legiado de convergência entre o universo da pesquisa científica e a arte, e orgulhosos da eficiência com que foi conduzido o processo de recuperação da obra. Além disso, o reitor da USP, professor Jacques Marcovich, sau­dou a colaboração entre instituições - FA­PESP, ECA e IEB - ,de que a guarda da parti­tura do documento no IEB ficará como um testemunho. O pró-reitor de Cultura e Exten­são, professor Adilson Avansi de Abreu, ob­servou que as artes, além de deleite e expan­são da capacidade criadora do homem, tam­bém produzem pesquisa científica. O diretor do IEB, professor Murilo Marx, situou a im­portância da partitura, e especialmente a da ópera, "a primeira de Carlos Gomes, e a úni­ca que escreveu em português". O diretorcien­tífico da FAPESP, professor José Fernando Perez, demonstrou como, ao a tua r com sen-

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sibilidade para garantir que a partitura de A Noite do Castelo fosse arrematada pela ECA no leilão, a Fundação não fez mais que cum­prir "seu objetivo teleológico, que é a pesqui­sa". E o diretor da ECA, professor Tupã Go­mes Corrêa, lembrou alguns traços biográfi­cos fundamentais, alguns deles trágicos, de Carlos Gomes.

Posteriormente, outros comentários bus­caram demarcar o significado da aquisição da partitura. "O entendimento da linguagem de um manuscrito é fundamental para o enten­dimento da linguagem de um compositor", afirma Martins. "No caso de A Noite doCas­telo , por ser a primeira ópera de Carl os Go­mes, poderemos conhecer seus passos ini­ciais, os quais permitiram que ele chegasse, mais tarde, à grandeza de O Guarani ", acres­centa. Tudo isso poderia ser perdido se Mar­tins, avisado pelo maestro Ronaldo Bologna, da Orquestra da USP, de que o documento seria posto em leilão pelo seu proprietário, João Leite Sampaio Ferraz Júnior, de São Paul o, não decidisse agir rapidamente. Ele então procurou o diretor científico da FA­PESP, professor José Fernando Perez, com o problema.

"Perez sensibilizou-se com o problema e tomou as providências para a compra em menos de 24 horas", lembra o professor. "Isso permi tiu que eu fizesse uma proposta aos donos dos originais e os resgatasse por R$ 20

mil , para que fossem preservados pela univer­sidade", prossegue. O processo foi tão rápi­do que Martins elaborou o projeto à mão, na sa la ao lado da diretori a da FAPESP, para ganhar tempo. "Só temos a louvar essa inicia­tiva da FAPESP, que reconhecemos com en­tusiasmo e esperanças de outras futuras aqui­sições desse porte", afirma Murilo Marx, di­retor do IEB da USP, também envo lvido na compra. "Foi uma bela compreensão, por pa11e da di retori a científi ca da Fundação, de que, para um musicólogo, uma partitura equi­va le a um laboratório", completa Flávia Toni, pesquisadora do IEB.

Conversa com idéias A partitura está dividida em dois volu­

mes, com 276 e 324 páginas, encadernados em couro. O trabalho está devidamente redi­gido e assinado pelo compositor. O objetivo do I EB é, depois de restaurare estudar a obra, publicá-la numa edição crítica. "O maestro John Neschl ing, regente da Orquestra Sinfô­nica do Estado de São Paulo (Osesp), já de­monstrou interesse em fazer uma montagem da ópera, depois que o trabalho nos originais estiver mais adiantado", prossegue a profes­sora Toni . Ela está otimista sobre a importân­cia do documento. "Por ele, será possível compreender seu processo criador, as etapas da criação com cortes e adendos do próprio punho, nas quais se percebe, nitidamente, um

Bem maior do que pensavam os aduladores O que houve com Gomes após o sucesso de A

Noite do Castelo? Bem, são proezas dignas das an· danças dos manuscritos. Bem-sucedido com Joana de Flandres, conseguiu que o imperador lhe conce­desse uma bolsa de estudos na Europa. Wagneria­no, Pedro li o queria na Alemanha, mas, sábia, a im­peratriz, Tereza Cristina, insistiu para que fosse à Itá­lia. O rapaz vibrou, pois sua música vinha das árias de Verdi, Rossini e Donizetti e não das brumas dos nibelungos. Em 1864, chegou a Milão, mas, sem a idade necessária para entrar no célebre Conserva­tório, foi estudar com Lauro Rossi. Mais que preso pe­los poucos anos, Gomes percebeu que o sucesso em casa não era páreo para a concorrência milanesa, que não perdoava as lacunas em sua formação e suas ori­gens estrangeiras e, mais do que isso, exóticas.

Uniu-se, por natureza, aos scapigliati (desca­belados), jovens rebeldes que desejavam renovar a cultura italiana, entre elesArrigo Boito, o futuro libre­tista de Verdi. Para fugir do frio local, que o aterrori­zava, dispôs-se a escrever melodias para pequenas operetas em dialeto, como Se Sa Minga, tarefa fácil para o melodista de veia intensa que já criara, no Brasil, a encantadora miniatura Quem Sabe?, modi­nha deliciosa que ainda derrete corações. O livro de José de Alencar foi o mote para sua nova ópera, O Guarani, beneficiada pela nova onda de entusiasmo pelo exótico, levantada com a monstruosa Grand Opera de Meyerbeer. O Teatro alia Scala, o templo inatingível para qualquer operista, aceitou-a como

opera de obbligo, ou seja, para cumprir a obrigação de incluir uma nova criação em cada temporada. Mais uma vez, desta vez em terras européias, o sucesso, em 19 de março de 1870, quando os selvagens to­maram o palco do Scala e o coração dos italianos.

No Brasil, Carlos Gomes é convertido em herói e ícone do império, orgulho da pátria, pecha terrível que o destruirá em vida, e agora, na posteridade. Seguiram-se Fosca (que será alvo de críticas, já que colocada no fogo cruzado entre verdianos e wagne· rianos: muitos acreditaram encontrar na ópera de Go· mes, a sua obra-prima, aliás, ecos dos leitmotivs do autor de Lohengrin, algo que os italianos, em guerra cultural, não podiam perdoar, ainda mais de um es­trangeiro), Salvador Rosa (grande triunfo), Lo Schi­avo (em que, para evitar censuras, troca negros por índios, a fim de não desagradar o patrono escrava­gista e imperial), Condor e o oratório Colombo.

Era um apaixonado pela boa vida e pelas mu­lheres, gastando o que tinha e pedindo empréstimo para gastar o que não tinha em noitadas e numa vi la esplendorosa, em Lecco, a que chamou, saudoso, de Villa Brasilis. No fim, vivendo entre o Brasil e a Itália, contam os biógrafos que saía pela porta dos fundos de sua casa assim que batiam na porta da frente. Temia os credores, vorazes. Vítima do sucesso, obri­gado a repetir o triunfo do exotismo de O Guarani, Gomes parece ter dedicado a vida a vencer em sua carreira, como a justificar as esperanças depositadas, o crédito excessivo da pátria. Envolvido em arrancar

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jovem compositor ainda conversando com suas idéias", declara.

Quando completou A Noite do Castelo, Gomes, nascido em 1836 em Campinas, tinha apenas25 anos. "A chegada da parti tura, além das óbvias contribuições vitais para o traba­lho musico lógico, abre também um leque de opções igualmente prec iosas, especialmen­te na defl agração de mais e novas pesquisas de edições crí ticas, uma prática comum no exterior, mas ainda incipiente no Bras il", diz o professor Marx, do IEB. Ele aponta para outra vantagem: o trabalho com a obra de Carlos Gomes permiti rá também um aumen­to nas ligações entre diferentes departamen­tos da USP e entre a universidade e a comu­nidade em geral.

O va lor do achado aumenta quando se lembra que A Noite do Castelo fo i fundamen­tal na carreira de Gomes. Logo ao estrear no Rio de Janeiro, em 186 1, com a presença do imperador dom Pedro II , a quem o composi­tor dedicou mais tarde a obra, fo i um estron­doso sucesso de público e aj udou a firmar a carreira do maestro. Gomes estava na Corte há apenas um ano e, embora já fosse muito conhecido como compositor de modinhas, aspirava a vôos mais altos. Queria escrever óperas como as do ita liano Giuseppe Verdi , autor de II Trova/ore, cuja parti tura, ainda criança, ganhara do pai, o professor de pia­no, canto, órgão e violino Manuel José Go-

aplausos que os europeus nem sempre estavam dis­postos a lhe dar, não teve o precioso tempo da pau· sa, do descanso para a reflexão e para o estudo que lhe permitiriam desenvolver melhor seu idioma mu­sical particular. Dessa forma, foi prisioneiro dos gua· ranis da fama, amarrado na rotina estafante dos con­tratos e das estréias a toque de caixa.

Mas o grande compositor transborda por entre as muitas concessões que a época e os lugares lhe impuseram. Ainda assim, vegeta, hoje, nas mãos dos conservadores que só querem a veneração vazia, acrítica, continuando a deixá-lo preso no limbo da gló· ria oficialesca. A maioria dos que o defendem mal o conhecem. Daí o valor da coleção de CDs da Master Class, com a integral operística, que nos permitiu, pela primeira vez, vislumbrar suas grandezas e as suas muitas tacanhices, mediocridades e clichês.

Ainda assim, no todo, Carlos Gomes é maior do que tudo isso e bem maior do que os velhinhos que o cultuam como um medalhão machadiano, algo que os verdadeiros artistas, como ele foi , dispensam. Mas isso ele já pôde experimentar em vida. Doente, com um câncer na língua, sem dinheiro, aceitou o convite para dirigir o Conservatório de Belém do Pará. Ei-lo de volta à selva que o fez célebre. Em Portugal, pou· co antes de embarcar para o Brasil, encontrou-se com Antonio Feliciano de Castilho, o autor do poema que serviu como base para o libreto de A Noite do Caste­lo. Fechou-se um ciclo que seria encerrado com sua morte, só, em Belém, um peso desagradável para a nascente República, que não o desejou no Rio de Janeiro. Assumiu em junho e faleceu em setembro.

Carlos Haag

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Flávia Toni mostra detalhes da partitura ao reitor Jacques Marcovitch (centro) e ao diretor da FAPESP, José Fernando Perez

mes, o Maneco Músico da Vila de São Car­los, como então se chamava Campinas.

Projeto brasileiro Um dos objetivos de Gomes, ao viajar

para o Rio de Janeiro, era melhorar sua for­mação musical. Não ficou muito satisfeito com os resultados, especialmente porque Gioacchino Giannini, seu professor de com­posição no Imperia l Conservatório de Músi­ca, não se mostrava muito entusiasmado com o trabalho. Gomes quase desistiu da emprei­tada. Salvou-o José Amat, um empresário espanhol que criara a Imperial Academia de Música e a Ópera Nacional. Amat tinha um projeto: encenar no Rio de Janeiro grandes óperas estrangeiras, traduzidas para o portu­guês, e, a partir daí, reinventar o gênero, em moldes genuinamente brasileiros.

Amat viu o que Giannini não enxergou, o talento de Gomes. Deu-lhe o emprego de maestro ensaiador de sua companhia e esti­mulou-o a escrever uma ópera. Cansado de ouvi -lo reclamar que seus amigos poetas de São Paulo não lhe enviavam os libretos mui­tas vezes prometidos, Amat passou a Gomes um texto que mantinha, desde 1859, guarda­do numa gaveta: o libreto de A Noite doCas­telo, escrito por Antônio José Fernandes dos Reis, com base num poema de Antôn io Feli­ciano de Casti lho. Era um drama! hão, bem ao gosto da época. Talvez por isso, fez enorme sucesso.

Em resumo, A Noite do Castelo conta a história de uma noite de festa no castelo do conde Orlando. Leonor, filha de Orlando, era noiva de Henrique, sobrinho do conde. Hen­rique parte para uma cruzada na Terra Santa e é dado como morto. Leonor então fica noi­va de outro cavaleiro, Fernando. A festa é para comemorar esse noivado. No meio da noite, chega ao éastelo um cavaleiro mascarado. É Henrique, disfarçado. Leonor fica dividida entre os doi s. Henrique mata Fernando. O conde surpreende Henrique no quarto de Leo­nor e mata o mascarado, só depois perceben­do quem era. Leonor morre de desgosto.

Rasgar o crepe As críticas foram mais do que favoráveis

ao novo compositor. "É a música dos trópi­cos, a harmonia da nossa terra brasileira que o sr. Gomes, inspiração potente, mágica, apa­nhou na sua grande imaginação de artista, de poeta, de brasileiro", dizia uma delas. "A musa da arte nacional rasgou o crepe que en­volvia a música brasileira desde a morte de José Maurício", afirmava outra. Mas, diz uma história não confirmada, Gomes manteve os pés no chão. Quando o pai comentou com entusiasmo o fato de toda a assistência ter-se posto de pé, inclusive o imperador, para aplaudir o compositor, ele teria respondido: "É o patriotismo que está fazendo a maior parte desse entusiasmo".

Foram muitas as homenagens, como batutas banhadas a ouro e mesmo uma co­menda do imperador. Mas também não falta­ram maledicências. Artigos não assinados, publicados nos jornais, punham em dúvida se Gomes era mesmo o autor da ópera. Dizia-se também que Gomes fora forçado a escrever o papel de Leonor sob medida para a cantora

Página original com assinatura do compositor

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Luísa Amat, mulher de José. No decorrer da carreira, Gomes vo ltaria outras vezes a A Noite do Castelo. Fez, por exemplo, uma re­visão pessoal de uma redução da ópera para canto e piano, realizando cortes e acréscimos que refletem seu amadurecimento como com­positor.

Quando Gomes morreu, sua filha Ítala deu os originais da ópera de presente a um tio, José Pedro de Sant' Anna Gomes, também músico. Sant' Anna, muito cuidadoso, man­dou encadernar a partitura nos dois volumes envolvidos em couro, pedindo que ficasse gravado, em letras douradas, que eles perten­ciam à sua biblioteca particular. "Chamamos um especialista em encadernação para exa­minar o manuscrito", conta a professora Toni. "Descobrimos que, originalmente, era com­posto de vários cadernos com furos, amarra­dos com fitas. Provavelmente, a ópera esta­va nessa forma quando foi regida por Carlos Gomes na estréia, em 1861."

Excesso de bagagem O material não ficou muito tempo com

a família do compositor. O marido de uma sobrinha do maestro o deu de presente ao vice­cônsul da Itália em Campinas, Ugo Tomma­sini. Ele prometeu que, quando voltasse à Europa, deixaria os dois volumes no Brasil. Não cumpriu o trato. O material, aliás, nem chegou à Itália. Quando passou por Paris, a caminho da sua terra, Tommasini o deixou num guarda-móveis, onde abandonou o que considerou como excesso na sua bagagem.

Os dois volumes foram retirados do de­pósito após a morte do diplomata, por seus herdeiros, que os colocaram à venda num sebo de Paris, onde foram comprados pela mãe de Sampaio Ferraz, em 1961. Voltou as­sim para o Brasil e ficou de posse da família, até que ela resolveu colocá-lo em leilão, em março deste ano. Sua história, porém, conser­va alguns mistérios. Por exemplo, em 1936, o pesquisador Luiz Heitor Corrêa de Azeve-

i= , i

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do procurou a partitura, para fazer um estudo comparativo entre A Noite do Castelo e Joa­na de Flandres. Não a encontrou, mas foi in­formado de que um diplomata italiano resi­dente no Peru oferecera a obra ao governo bra­sileiro. Consultou o ltamaraty, mas soube ape­nas que a doação nunca se concretizara.

Outras versões Pesquisas como essa, e muito outras,

agora se tomarão possíveis. "Enfim, podere­mos preparar uma edição completa que tor­nará possível saber com certeza como é real­mente a ópera, tal como Carlos Gomes a idea­lizou", diz a professora Toni . Essa edição, que será preparada em dois anos, será o retrato definitivo de A Noite do Castelo, incluindo as revisões feitas pelo maestro. "Não será ape­nas uma edição genética, ou seja, apenas do processo criativo original , mas obtida a par­tir do cotejamento dos manuscritos com ou­tras versões existentes da obra, como a redu­ção para canto e piano e a redução para piano solo, essa última, ao que tudo indica, não re­visada por Gomes", acrescenta.

Uma outra cópia, existente em Campi­nas, cuja origem é desconhecida pelos pesqui­sadores, serviu como base para a montagem

da ópera feita em 1978 com a Orquestra Sin­fônica de Campinas, regida por Benito Jua­rez. Essa versão é a que existe em versão em CD, incluída na íntegra das óperas de Carlos Gomes editada em 1997 pelo selo Master Class, de São Paulo. O maestroJuarez, inclu­sive, num primeiro exame, já encontrou di­vergências entre a partitura original e a cópia que usou em 1978.

"Essa obra é um arauto de novos tempos, pois, a partir do trabalho de uma comissão técnica, que ainda está sendo organizada, so­bre esse manuscrito, será possível investir no futuro, incentivando alunos de pós-graduação a se dedicarem ao estudo e preparação de novas edições críticas, das quais nosso país tanto carece", diz o professor Martins. "Uma ópera chamada Noite pode, curiosamente, ser um Sol que mostra um novo caminho a ser trilhado dentro da universidade brasileira."

Nacionalismo rítmico Enquanto isso, novas respostas já estão

sendo procuradas, como se as críticas da épo­ca foram justas com relação aos valores de então e até onde, realmente, ia a brasilidade da música de Gomes, quando ainda estava preso às raízes e não entrara no mercado eu-

Um recital bem brasileiro

Dia 4 de maio de 1999, 18 horas. Esse dia ficará marcado na história do Instituto de Estudos Brasilei­ros. Em seu amplo saguão de entrada, onde foi insta­lado um piano Steinway de meia-cauda, o Prof. José Eduardo Martins apresentou um pequeno recital para comemorar a chegada da partitura de Carlos Gomes. O repertório foi selecionado com a sensibilidade do pianista que, em sua carreira, transita com facilidade pelas páginas de compositores de todas as épocas. Mas, para aquela tarde, escolheu só obras brasileiras, curtas, de grande efeito sonoro e importância musical.

De Carlos Gomes, o Prelúdio de A Noite doCas-

te/o na redução para piano do próprio Gomes. Sim, pois devido ao grande sucesso alcançado pela ópe­ra quando de sua estréia, em 1861 , Rafael Coelho Machado angariou o apoio de alguns entusiastas e naquele mesmo ano editou a partitura revisada pelo compositor. E a audição do trecho- originalmente para orquestra- por José Eduardo foi o momento mais esperado, pois atestou a todos a importância do manuscrito recém-chegado. De fato, neste Prelúdio, vigorosocomoosdasóperasde Bellini, Donizetti, Ver­di e tantos outros que vieram após Rossini , já se en­trevê a ambientação italiana onde bailam melodias

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ropeu, cujo gosto seria forçado a levar em con­ta. "Nesse ponto, não concordo com a crítica estética de Mário de Andrade, que condicio­nava o nacionalismo a questões rítmicas e, assim, não o via plenamente na obra de Car­los Gomes", diz o professor Martins. "Acre­dito que esse nacionalismo está em cada um de nós, transparecendo de alguma forma", acrescenta. ~

Na opinião de Martins, em A Noite do Castelo "há um frescor, apesar do italianismo dominante, e procedimentos que denotam sua brasilidade". A professora Toni vai um pouco além. "A composição dessa ópera está em per­feita consonância com os moldes italianos da época, mas é perceptível, no prelúdio e nos primeiros compassos de muitas áreas, um cer­to ar modinheiro, das melodias que Gomes fazia naquele tempo e que traem o sabor me­lódico do cancioneiro luso-ítalo-brasileiro."

No mais, as marcas do trabalho de Go­mes estão em todo lugar. Como fez em outras obras, nas rubricas de ação, o compositor deixava de lado as indicações de cena, mas não se esquecia de anotar as emoções que deveriam ser mostradas por personagens. Para Leonor, muitas vezes, reservou a expres­são: "amorosamente".

brasileiras do músico campineiro. Com o Estudo de 1897, de Henrique Oswald , composto em Florença, o pianista deu aos ouvintes a oportunidade de per­manecer mais um pouco em domínios italianos. Ven­tos propriamente nacionais sopraram quando pas­samos para o século XX: Villa-Lobos, Gilberto Men­des e um extra! Do maestro carioca, Alma Brasilei­ra, vale dizer, o Choro nº 5, composto em 1926, obra extremamente bem construída e por isso mesmo das mais executadas. Estados de ânimo opostos, emblemáticos de nossa música popular, como as se­restas ou os ritmos alucinantes das macumbas, fo­ram tratados com maestria, tanto na composição quanto por José Eduardo. A audição de Viva- Vil/a , de Gilberto Mendes, introduziu o jogo, a "blague", com esta obra composta em 1987 comemorando o centenário da morte de Villa-Lobos. Nela, Gilberto adotou uma forma arrojada, minimalista, para dia­logar com o passado, introduzindo os ritmos biná­rios pesquisados na obra do autor das Bachianas; conclui em compasso de bossa-nova, única esfera da música popular brasileira que Vil la não usou por­que morreu em 1959.

No "extra", uma dupla homenagem: de Camar­go Guarnieri , Martins tocou a Dança Negra, composta em 1946, dedicada a Lídia Simões, já falecida, gran­de intérprete do compositor paulista. Curioso, pois, na escolha de José Eduardo, ele homenageou não apenas o autor, artista que desenvolveu parte de sua vida criadora junto à Universidade de São Paulo, como também Cinthia Priolli , outra grande intérprete da obra de Guarnieri , aluna da Pós- Graduação do Departamento de Música da Escola de Comunica­ções e Artes, recém-falecida.

Entre homenagens e boa música, um fim de­tarde brasileiro para receber A Noite do Castelo.

Flávia Toni

Page 28: O resgate de "A Noite do Castelo"

LIVRO

Memórias de uma cidade estilhaçada O conhecido refrão "São Paulo é acida­

de que mais cresce no mundo" foi inventado para captar o clima de unanimidade e de eufo­ria coletiva, proporcionadas pelo espantoso crescimento da paulicéia nos anos vinte. Mas, a rápida e vertiginosa metropolização de São Paulo também produziu urna espécie de ofus­camento das lembranças pessoais e da memó­ria coletiva. Parece que esse esquecimento geral foi característico do processo de criação das megalópoles modernas, algo necessário até mesmo para reproduzir superficialmente a unanimidade dos refrões e o triunfalismo dos lugares-comuns. Como homens e mulheres, imigrantes e negros, construíram suas vidas e delinearam seus destinos numa cidade que vi­via o auge do seu crescimento populacional? Como esses personagens desenraizados, re­cém-saídos da escravidão ou provenientes de terras estranhas, vivenciararn o caótico proces- ­soda metropolização paulistana? Através de uma detalhada pesquisa das histórias de vida de48 pessoas, Memória em Branco e Negro; Olhares sobre São Paulo, de Teresinha Ber­nardo (Educ/Fapesp/Edit. da Unesp ), recons­trói o mosaico das lembranças e memórias pessoais, retirando definitivamente esses per­sonagens anônimos dos esquecimentos e dos silêncios da História.

Já se disse que a memória é um mecanis­mo de esquecimento programado: nem tudo ela registra e, do que registra, pouco ou quase nada aflora à nossa vida presente. A memória individual é também social, embora ela se ali­mente mais da história que as pessoas realmen­te vivem no seu cotidiano do que na história apreendida. Contra todas as unanimidades, este livro mostra que a memória da cidade de São Paulo é uma confusão de vozes, está en­volta em sombras e silêncios: são memórias subterrâneas, marcadas por sofrimentos pes­soais que jamais puderam exprimir-se publi­camente, por isso, também são memórias in­dizíveis, zelosamente guardadas na intimidade ou em estruturas de comunicação informais. Dos retalhos das narrativas e dos cacos das lem­branças dos 48 velhos aparecem novos, varia­dos e surpreendentes olhares sobre a História de São Pau lo. Inspirando-se tanto em estudos clás­sicos da memória social, como os de Maurice Halbwachs, quanto em trabalhos mais recentes, como os de Michael Pollack, a pesquisadora revela um notável talento em juntar todos esses fragmentos das lembranças pessoais e apresen­tá-los com invulgar clareza ao leitor.

A São Paulo que se revela nas lembran­~as das mulheres negras é a "cidade escura". E a cidade daquelas mulheres que experimen­taram a separação, a diferença, a iniqüidade da pobreza, a mobilidade forçada e, quando não, o descrédito dentro do próprio grupo negro. Discriminadas no trabalho, discriminadas no lazer- no carnaval do Largo da Concórdia ou no footing nas ruas Direi ta e São Bento-, elas

reafirmam a condição de mulheres sós, já que a urbanização paulista aprofunda aquele dolo­roso processo de diluição da famí-1 ia, herdado da época da escravidão. Mulheres que, no seu isolamento social, improvisam du­ramente a sobrevivência diária de si e dos seus fi­lhos, nos cortiços do Bexi­ga, do Brás ou de Pinheiros, marcadas, para sempre, pela aura de exclusão e do menos­prezo social.

A São Paulo dos homens negros talvez seja a cidade que a história grandiosa mais escondeu: os remanescentes da escravidão, ~ também discriminados em todas as dimensões da cidade,já que, como descenden­tes de escravos, não tinham sequer sobrenome; expulsos para os se tores residuais da economia da cidade, sobrevivendo de expedientes ou dependendo dos efêmeros gestos de proteção de estranhos, já que a estrutura familiarinexis­tia. Suas lembranças, dificeis de virem à tona porque crivadas de ressentimentos e constran­gimentos reprimidos, mostram que a convul­siva metropolização de São Paulo empurrou­os mais ainda para onde sempre estiveram, na linha limite da sobrevivência.

Já a São Paulo que ressurge nas lembran­ças das mulheres brancas identifica-se mais como "a cidade do progresso",já que "progre­dir" constituía, para elas, não apenas uma ex­pectativa de futuro mas um espelho de suas próprias vidas. Enquanto a São Paulo que fi­cou na memória dos velhos italianos é, deci­didamente, "a cidade do trabal~o": suas len1-branças desenham um cotidiano de trabalha­dores pertencentes às classes pobre mas pos­suidores de um projeto de ascensão social que, para a maioria, viabilizou-se. As memórias de imigrantes italianos e dos seus descendentes, seja da dona de casa ou do trabalhador bem­sucedido, também revelam que São Paulo pos­sibilitou-lhes - ao contrário dos negros - a redescoberta de espaços para um novo enrai­zamento social: a religião católica, com suas festas e cultos dedicados às santas italianas; o teatro, com suas óperas e operetas; o esporte, com o futebol aos domingos no Palestra Itália e, afinal, a própria família, rearticulada e des-

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

dobrada nos círculos de proximidade e vi­zinhança.

Viver em São Paulo deveria ser algo partilhado por todos, que, afmal, conviveram nomes­mo espaço urbano: viram o iní-cio da construção da Catedral da Sé, do Edifício Martinelli, da Estação Julío Prestes ­sentiram na pele o diagnós­tico do escritor Alcântara Machado, quando dizia que "em São Paulo, não há nada acabado e nem definitivo, as casas vi-

,.,, vem menos que os ho--~ [; . 'd mens e se a astam, rap1 as,

para alargar as ruas". Andaram a pé, co­brindo longas distâncias que iam, não raro, do Paissandu à Penha; ou no "Caradura" - um bonde mais barato, implantado pela Light, que aproveitava os antigos (e péssimos) veículos puxados a buno, atrelando-os aos elétricos. T ra­balharam nas inúmeras fábricas da Moóca e do Ipiranga. Sofreram com as enchentes, com o ata­quede gafanhotos, com a gripe espanhola e com a Revolução de 1924, na qual a cidade passou por um bombardeio indiscriminado. Viveram juntos acontecimentos alegres e calamidades, mas a São Paulo que ressurge nas memórias in­dividuais não é a imagem de urna cidade parti­lhada, referenciada àquilo que nos acostuma­mos a chamar, um tanto abstratamente, de "ci­dadania" - mas sim, à urna cidade múltipla, fragmentada, estilhaçada e cheia de rebarbas.

Porque, afinal, as imagens de São Paulo que ressurgem neste livro são compostas por lembranças de seres humanos comuns, despro­vidos de projeções ou delírios de grandeza. Os marcos de suas vidas nada têm a ver com a his­tória monumental, pois são brechas na narra­tiva contínua do progresso e da racionalidade, sugerindo, no limite, que tudo aquilo só iria dar certo ao custo de um alto preço social. Combi­nando a objetividade dos métodos com a sen­sibilidade da análise, Teresinha Bernardo re­escreve as memórias dessas vidas anônimas, produzindo um livro que, como disse tão bem Italo Calvino, realiza aquela proeza de dar ao mundo não escrito a oportunidade de expres­sar-se através da escrita da ciência social.

Elias Thomé Saliba

GOVERNO DO ESTADO DESAOPAULO

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ESPECIAL

AS CHANCES DA AMÉRICA LATINA* Revista britânica vê oportunidade inédita para o progresso da ciência na América Latina

Science in Latin America, suplemento especial da Nature, volume 398, número 6.726, publicado em 1°

de abril deste ano, traça um panorama da pesquisa científica na América Latina, analisando sua situação em alguns países: Brasil, Argentina e México, que define como as três potências científicas da região; Chile, percebido como um país inovador, e Cuba, classificada como uma exceção no atual quadro político e econômico regional, na medida em que "é a única nação ainda engajada numa Guerra Fria".

Trabalho jornalístico de fôlego, o suplemento, além de informações, oferece delicadamente algumas sugestões aos responsáveis pela política de Ciência e Tecnologia na América Latina. Por exemplo, que aproveitem a oportunidade única que o continente tem hoje para conquistar um lugar mais proeminente no mundo da ciência. Ou ainda, que não se prendam a uma visão que enfatiza o desenvolvimento tecnológico e subestima a pesquisa científica - ultrapassada, em sua avaliação. Há uma terceira mensagem que não aparece com clareza no suplemento, mas figurou com todas as letras no editorial da revista que o trouxe, e ela é: se Brasil Argentina e México querem construir economias competitivas devem atentar para a necessidade de uma cooperação científica pan-regional.

Pode-se ou não concordar com a visão da revista britânica, mas é sem dúvida positivo para o amadurecimento das nossas próprias reflexões, observar esse olhar externo a nosso respeito. Nas próximas páginas encontram-se na íntegra as matérias que dizem respeito diretamente ao Brasil e resumos das reportagens sobre os outros países tratados.

Uma rara chance de progredir

Nenhuma parte do mundo pagou um preço mais alto pela Guerra Fria do que as Américas do Sul e Central. Como um de campo de batalha entre governos corruptos e com freqüência opressivos, apoiados pelos Estados Unidos, e variados matizes de oposi­ção, amparados mais tacitamente pela União Soviética, a região estagnou em termos eco­nômicos, políticos e científicos. Agora, que

caiu o pano sobre aquela era, a região tem uma oport.~ni~ade única de conquistar um lugar de maior destaque no mun~o da Cie~oa.

Toda a região tem, em comum, essa oportumdade, alem de suas duas línguas e de sua herança pré-colonial e colonial. Assim, _este suplemento da Nature procura reunir e analisar os desafios e oportumdades_ comu?s que se oferecem aos responsáveis pela política científica na Aménca Lanna.

Ele examina detalhadamente a situação em alguns p'aíses, e não em ou­tros. Porque é melhor estudar uns poucos casos com alguma profundid~­de do que fazer uma cobertura superficial de muitos. Escol~emos Brasil, Argentina e México, como as três potências científicas dommantes na re­gião (veja gráficos na página 3); o Chile con:o um país inovado~ e Cuba, a nação insular ainda engajada na Guerra Fna, como u~a e~ceçao. ·-

0 suplemento aborda também os problemas que os cientistas da regiao ainda encontram para obter materiais de pesquisa. Examina o progr;u:na es­pacial brasileiro, os telescópiC:s nos Arldes e a biodiversida~e da ~a~ônia como exemplos, respectivamente, de dois importantes proJetos ctennficos - um, em grande medida nativo, e o outro, dependem~ de know-how es­trangeiro - e da aplicação da ciência a uma que~t.ão regwnal complexa.

Este levantamento não pede desculpas pelo elmsmo. Conversamos com alguns dos melhores cientistas da América Latina para ver ~orno s: se_nrem integrando-se às fileiras dos melhores d~ mundo. qu~to a questao Igual­mente importante da educação e do tremamento Ciennficos para ~ma ca­mada mais ampla da sociedade latino-americana, não é_ tratada aqu~.

A relevância da pesquisa de alto nível para as necessidades de pa1ses po­bres é freqüentemente posta em questão, e os cientistas da região sofrem ~~a crescente pressão para comprovar a importância de seu trabalho. !"- mai~na deles aceita bem a oportunidade de trabalhar com problemas de Importan­cia econômica ou social. Mas, no próximo século, as sociedades irão se de­senvolver com base, antes de mais nada, em seu acesso ao conhecimento. No longo prazo, portanto, os países da região se beneficiarão do apoio à busca da boa ciência em si.

COLLIN MACILWAIN

Correspondente senior

• lmpmso com p~rmúsão da Natun, Snmu in Latin America, suplemento do volume 398, mímero 6.726, / 0 de abril tÚ 1999, copyr1ght 1999 Macmillan Magazmes Ltd.

NOTICIAS FAPESP

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AS C H ANCES DA AM~ RI CA LAT I NA

A estabilidade oferece um.a oportunidade única para a pesquisa

COLLIN MACILWAIN

Em 13 de janeiro deste ano, o Brasil sofreu um choque que, na opinião de co­

mentaristas externos, o abalou profundamente. Mas, na se­mana seguinte, em São Pau­lo, os habitantes locais mos­travam-se indiferentes. Pelos padrões latino-americanos, uma desvalorização de 25% (depois, 45%) não é motivo de grande excitação. No al­voroço do centro comercial de São Paulo, em suas univer­sidades e escolas de medicina, nos salões do Congresso e nos edi­fícios governamentais por toda a América Latina, e, mais significativa­mente, nos quartéis, a vida continua.

Essa nova estabilidade é a história da Améri-ca Latina no despontar do novo milênio. Pela primeira vez, desde a fundação das nações da região por colonizadores espanhóis e portugueses, a maioria delas desfruta de condi­ções políticas e econômicas capazes de fazer a ciência pros­perar. Apesar de alguns dos governos militares que costuma­vam controlar a região terem sido muito generosos com a ciência - o último regime brasileiro do começo dos anos 80, por exemplo -, sua hostilidade à liberdade de pensa­mento em geral, e às universidades, em particular, impediu que isso acontecesse.

Transformação política: Embora preocupados com dinhei­ro, campus dilapidados e a morosidade na liberação de ma­teriais, os pesquisadores da região têm uma oportunidade sem paralelo de melhorar sua situação. A queda das ditadu­ras militares na Argentina, no Brasil, no Chile e em outros países, e o gradual desmembramento do partido único es­tatal, de fato, do México, foram seguidos por um período de relativa estabilidade econômica e política. A despeito de recentes complicações com o real brasileiro, essa estabilida­de oferece a empreendimentos de longo praw, como a pes­quisa científica, uma maior oportunidade de prosperar.

Até agora, não há entre os cientistas latino-americanos um reconhecimento geral de que essa oportunidade existe. Boa parte dos maiores países da região vem experimentan­do um expressivo crescimento econômico nos últimos dez

2

anos, mas os intelectuais, incluindo os cien­tistas, tendem a desdenhar essa con­

quista. Em particular, lamentam a extinção da grande, auto-suficien­

te, mas calamitosamente não competitiva base industrial que

existia por trás das barreiras comerciais da velha econo­mia latino-americano.

O papel da ciência e tec­nologia era claro naquela economia: a ciência ajudaria a tecnologia a construir uma base industrial doméstica,

conduzindo a região para o mundo desenvolvido. Entre­

tanto, boa parte dessa indústria era essencialmente não competiti-

va, e entrou em colapso quando fi­cou exposta aos ventos da competição

internacional. Fábricas e empresas foram vendidas a corporações multinacionais que as

estão modernizando com tecnologia importada do exterior. A ciência e tecnologia nativas ainda precisam definir seu pa­pel nessa nova configuração.

Em organizações como o Banco Mundial e o Banco lnte­ramericano de Qesenvolvimento, que influenciam fortemen­te a política científica na região, os economistas geralmente têm reagido à mudança defendendo uma ênfase maior no de­senvolvimento tecnológico e menor na pesquisa científica. Dirigentes políticos, de ministros da ciência do Brasil e Ar­gentina para baixo, estão instruindo cientistas sobre a impor­tância de "aplicações".

Essa idéia, de certa forma familiar aos estudiosos da his­tória do "desenvolvimento" no Terceiro Mundo, está sendo difundida muitos anos depois de ter caido em desuso nos Es­tados Unidos, onde a pesquisa básica é a principal priorida­de do governo, e na Europa, onde esforços de "pesquisa apli­cada", como os antigos programas Framework, registraram poucos êxitos apreciáveis no fomento da inovação industrial.

Há, felizmente, uma segunda vertente na política cien­tífica da região: o advento de uma abordagem mais impie­dosa e elitista na seleção dos cientistas a serem auxiliados. Enquanto os governos anteriormente procuravam expandir suas comunidades científicas distribuindo, o mais ampla­mente possível, o dinheiro, os representantes da nova ver­tente têm se mostrado mais propensos a modificar seus pla­nos e auxiliar as pessoas que realmente estão fazendo um

NOTICIAS FAPESP

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bom trabalho. Argentina, Chile e o governo federal no Bra­sil têm, todos, iniciativas para fornecer recursos realmente significativos a pequenos grupos de pesquisadores. O Ho­ward Hughes Medical lnstitute, com sede nos Estados Uni­dos, selecionou um pequeno grupo de 27 dos melhores es­pecialistas em ciências da vida na região para lhes conceder um apoio substancial por cinco anos. Uma proposta chi­lena encaminhada aos Millennium lnstitutes levaria esse princípio ainda mais longe, ao garantir apoio generoso e de longo prazo a um número muito reduzido de grupos sele­cionados internacionalmente.

Com os governos pressionando a ciência aplicada e ado­rando uma abordagem mais seletiva para a pesquisa básica, alguns cientistas estão claramente sentindo o aperto. Entre­tanto, o investimento total em ciência básica, embora difí­cil de medir e sujeito a flutuações de curto prazo, vem cres­cendo gradualmente.

Em qualquer conversa com cientistas, em quase todos os países latino-americanos, dois problemas ressurgem cons-

ARGENTINA

BOLIVIA

BRASIL

CHILE

COLOMBIA

COSTA RICA

CUBA

EQUADOR

MÉXICO

PANAMÁ

URUGUAI

VENEZUELA

O Brasil, com sua grande base industrial, alega gastar muito mais em P&D do que todo o resto da região ...

NOTfC!AS FAPESP

$ 5.484

em milhões

AS C HA NCES DA AM~RICA LATINA

tantemente: falta de recursos e acesso moroso a materiais. Ambos poderão melhorar com o tempo, com o crescimen­to econômico e a suspensão de barreiras tarifárias, respec­tivamente. Mas ambos estão, em grande medida, fora do controle, seja dos cientistas, seja dos ministros da ciência.

Cinco problemas a enfrentar: Para a própria comunidade científica, há alguns problemas mais acessíveis que precisam ser tratados. Em ordem crescente de dificuldade, são eles: a re­lutância em aceitar a análise por pares externa; a falta de in­tegração regional em ciência; a acitação constrangida do li­vre mercado pelos cientistas; a urgente necessidade de uma reforma universitária e o não reconhecimento da importância dos direitos de propriedade intelectual na pesquisa moderna.

A análise por pares, nos países que respondem pela maior pane da atividade científica na região, é basicamente hones­ta. No entanto, no mundo atual de intensa especialização, as sub-disciplinas científicas no Brasil, em sua maioria, para nem falar da situação nos países menores da região, são sim-

ARGENTINA

BOLIVIA

BRASIL

CHILE

COLOMBIJ\

COSTA RICA

CUBA

EQUADOR

MÉXICO

PANAMÁ

PERU

URUGUAI

VENEZUELA 886

... mas em relação a artigos científicos publicados anualmente em revistas indexadas pelo !SI, outros países acusam uma presença mais forre.

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AS C H ANCES DA AMtRICA LAT I NA

plesmente pequenas e entrelaçadas demais para permmr uma avaliação por pares interna objetiva.

No entanto, quando se sugere que especialistas residen­tes no exterior sejam envolvidos na análise por pares de pro­postas de auxílio, alguns cientistas reagem como se a sobe­rania de seu país estivesse sob ameaça. Na verdade, a análise por pares internacional é uma ferramenta valiosa e barata para melhorar a qualidade de programas científicos.

A maioria dos cientistas seniores da região foi treinada nos Estados Unidos ou na Europa, e é para lá que primeiro se voltam para construir uma cooperação científica. "Nos­sos vínculos são geralmente com instituições poderosas dos Estados Unidos e da Europa", diz José Maza, chefe do De­partamento de Astronomia da Universidade do Chile, para quem a cooperação entre dois países em desenvolvimento é mais difícil: "É difícil coordenar coisas quando se tem pro­blemas nas duas pontas da linha".

Essa falta de cooperação dentro da região- que os go­vernos enfrentam com muitas palavras, mas pouca ação­está prejudicando, sem necessidade, o desenvolvimento de redes humanas que poderiam aumentar a competência e a confiança dos melhores grupos de pesquisa locais, que se queixam, todos, de seu isolamento.

Muitos cientistas, assim como políticos, imaginam que uma maior integração económica, principalmente através do bloco comercial do Mercosul, terá que preceder uma maior integração científica. Mas os cientistas poderiam agir desde já. "Devíamos olhar para o continente como uma unidade do ponto de vista científico", diz Francisco Claro, diretor de pesquisa da Universidade Católica de Santiago, Chile, salientando a inclusão do México numa tal estraté­gia. "A ciência poderia ser a pedra de toque da integração".

A ideologia de livre mercado - que, dependendo de como cada um a vê, vem sendo, ou imposta pelos Estados Unidos à América Latina desde o final da Guerra Fria, ou implementada por seus recém democratizados governos - não tem sido recebida de forma mais calorosa por acadê­micos da região do que o foi pelos dignatários de Oxford, em sua famosa recusa a conceder a Margaret Thatcher o grau honorífico a que todos os primeiros-ministros britâ­nicos estão habituados.

É compreensível, e de fato necessário, que pesquisado­res acadêmicos resistam à retórica do livre mercado, no sen­tido de que a indústria, e não o governo, deva pagar pela pesquisa universitária. "Isso é um absurdo", assinala Leo­poldo de Meis, destacado biólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Mesmo o MIT obtém 85% de seus fundos para pesquisa do governo". Entretanto, persiste nas universidades um truculento viés anti-comercial que, até se dissipar, vai limitar sua importância para o mundo além de seus portões.

E não é apenas o sentimento anti-comercial que amea­ça a posição das universidades voltadas à pesquisa na Amé­rica Latina. Algumas dessas próprias instituições estão em­penhadas prioritariamente, não na pesquisa ou no ensino, mas na auto-preservação.

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Em países que nunca tiveram uma democracia genuína e estável, é necessário, sem dúvida, que as universidades protejam zelosamente sua autonomia. Mas o pessoal mais aplicado das próprias universidades ressente-se agora do tanto que está cercado por pessoas que não fazem nada além de receber um salário. Na medida em que a democra­cia se consolidar, os administradores universitários poderão fazer algo a esse respeito, sem que suas ações sejam equipa­radas às de militares truculentos. Enquanto isso, um consis­tente progresso na avaliação sistemática dos departamentos universitários (puxado pela Universidade de São Paulo e pela Universidade Autónoma Nacional do México), e o in­centivo a uma maior diversidade de universidades com ên­fase em pesquisa, públicas e privadas, ajudarão a criar um ambiente de pesquisa mais saudável.

Finalmente, esse ambiente exigirá um rápido progresso no reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual, e de sua importância na pesquisa contemporânea. O Brasil produz cerca de 1 o/o da ciência publicada em revistas internacionais - a mesma proporção que a Coréia. Mas enquanto a Coréia gera também 1 o/o de todas as patentes registradas no departa­mento de patentes dos Estados Unidos, o Brasil gera um quinto de 1%. A maior universidade de pesquisa do México nomeou um diretor de patentes, mas espera que os cientistas financiem às próprias custas os pedidos de patentes - mes­mo quando a universidade detiver a propriedade das patentes.

Muitos cientistas da América Latina lerão tudo isso e di­rão: bom, excelente, mas nada vai mudar. Muitos deles fo­ram educados nas ricas universidades de pesquisa dos Esta­dos Unidos e estão frustrados com os desafios cotidianos que agora enfrentam. Mas a oportunidade que têm en­quanto comunidade é real e, apesar da desvalorização cam­bial no Brasil, sem paralelo na história da América Latina. Isso é melhor compreendido, talvez, por aqueles bastante jovens para não ser cínicos, ou bastante velhos para saber o quanto as coisas já melhoraram.

Moysés Nussenzweig, um veterano físico da Universida­de Federal do Rio de Janeiro, tem tido ampla participação na política científica brasileira desde seu retorno ao país, em 1975, depois de 12 anos nos Estados Unidos. Ele nunca la­mentou ter voltado e olha para o futuro com resoluto oti­mismo. Nussenzweig é uma testemunha do progresso já alcançado: ele viu a comunidade de físicos aumentar dra­maticamente- para 2.000 físicos, talvez- e a porcenta­gem de trabalhos brasileiros publicados em Physical Review Letters dobrar nos dez últimos anos. A ciência no Brasil, diz ele, "ficou muito mais profissional".

Sua determinação é compartilhada pelos jovens homens e mulheres, que carregarão a bandeira avançada da ciência na região. "As coisas não estão muito bem por aqui", admi­te Diego Comerei, estudante de pós-graduação no Institu­to de Biotecnologia da Universidade Nacional de General San Martín, em Buenos Aires. "Há grandes dificuldades para se fazer ciência, problemas económicos e problemas com a política nacional. Mas eu penso que as coisas vão mudar. Nós vamos lutar para mudá-las".

NOTICIAS FAPESP

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AS CHANCES DA AMÉRICA LATINA

BRASIL

Colapso do real aguça contrastes do Brasil

COLLIN MACILWAIN

Uma das tarefas mais ingratas para os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro - a se­gunda maior universidade dedicada à pesquisa do

Brasil- é avaliar pedidos de auxílio de colegas instalados a 400 quilômetros de distância, em São Paulo. "Eles pedem dinheiro para ar condicionado para vacas e ovelhas (usadas em pesquisa agrícola)", diz um deles, correndo os olhos por seu laboratório imerso num calor abrasador. "Por aqui, temos sorte quando conseguimos ar condicionado para as pessoas".

A persistente dicotomia entre a condição dos pesquisa­dores da industrializada São Paulo e a de seus colegas do resto do Brasil só fez aumentar com a mais recente crise econômica do país. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a agência estadual de fi­nanciamento à ciência, continuará investindo este ano em equipamentos de padrão internacional, apoiando uma co­munidade científica considerável, em níveis do mundo de­senvolvido. O resto do país, por sua vez, testemunha o drástico corte de despesas num sistema que já era manifes­tamente incapaz de apoiar a grande quantidade de cientis­tas qualificados e talentosos que as universidades brasilei­ras produziram nos últimos vinte anos.

Expansão científica em São Paulo: A FAPESP gastou em torno de R$320 milhões em auxílios e equipamentos no ano passado (b real brasileiro valia apro-

científica de seu estado natal. Os cientistas locais têm pronto acesso a publicações internacionais e acesso instan­tâneo à Internet, através de um backbone da FAPESP.

Igor Polikarpov, chefe da Estação de Cristalografia de Proteínas do LNLS, esbanja confiança sobre o impacto que a moderna instalação de US$70 milhões poderá exer­cer sobre a ciência na região. Poliarkov vem procurando encorajar biólogos argentinos e brasileiros a usá-la para es­tudar estruturas moleculares. Ele acredita que a disponi­bilidade da fonte de luz, juntamente com o ambicioso pro­jeto de seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa da FAPESP (ver box) podem revolucionar a bio­logia molecular no país.

O orçamento operacional do laboratório tem permane­cido estável, em torno de R$12 milhões por ano, desde 1996. Mas a despeito de sua forte concentração em ciência dos materiais, tem recebido pouco apoio da indústria. "A indústria brasileira não compra pesquisa no Brasil, ela a adquire do exterior", diz Ricardo Rodrigues, diretor asso­ciado do LNLS, vocalizando um refrão comum para mui­tos acadêmicos brasileiros.

"Esperamos que a situação mude", diz o diretor do labo­ratório, Cylon Gonçalves da Silva, observando que o Brasil não pode contar com a importação de todas as suas necessi­dades de tecnologia. "Este laboratório todo é uma aposta no sentido de que as coisas vão caminhar na direção certa".

Na Universidade de São Paulo, a principal universi-dade de pesquisa do Brasil, a mesma

ximadamente um dólar americano até janeiro; desde então seu valor caiu quase pela metade). Dois terços dessa quantia vieram de um governo estadual que é obrigado, pela constituição do Estado, a repassar 1% da arrecadação fiscal para a agência de financiamento à pesquisa. Os recursos restantes vie­ram do lucro de investimentos do pa­trimônio que a FAPESP construiu ao longo dos anos, quando gastava menos do que o governo estadual repassava -um precioso abrigo da tempestade eco­nômica que atualmente fustiga o Brasil.

ARTIGOS BRASILEIROS EM REVISTAS

INTERNACIONAIS (%)

aposta vem sendo feita desde 1934. Foi então que um grupb de refugiados chegou do tumulto da Europa, para ajudar a fundar a universidade baseada no modelo alemão, a partir de algumas faculdades já existentes. "Eles trouxe­ram uma cultura no bolso", diz Her­nan Chaimovich, pró-reitor de pesqui­sa da universidade.

O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron-LNLS, que foi concluído em Campinas, no Estado de São Paulo, em 1997, é operado pelo governo fe­deral, mas recebeu equipamentos da FAPESP e reflete a relativa opulência

NOTICIAS FAPESP

0.7

0.6

A proporção de artigos brasileiros publicados em revistas internacionais tem crescido constantemente.

A universidade tem um orçamento de R$800 milhões, 25.000 alunos de pós-graduação, vários departamentos altamente respeitados e um recorde de publicações (2.600 trabalhos em revis­tas internacionais no ano passado), ci­fras comparáveis, com vantagem para a USP, às de uma universidade de pes­quisa em posição média no rank dessas instituições nos Estados Unidos. No entanto, Chaimovich reconhece que o

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AS CHANCES DA AMf.RICA lATINA

impacto global da USP não se equipara ao de uma tal uni­versidade nos EUA e admite que a estrutura burocrática da universidade é um empecilho para se conseguir esse impacto.

"De 200 departamentos que temos, 1 O são claramente de nível internacional, e têm tido problemas com a univer­sidade", diz. Chaimovich argumenta que "a atmosfera e o contato humanos" são mais importantes do que recursos na criação de um ambiente de pesquisa de padrão interna­cional e planeja desenvolver "núcleos de pesquisa" na uni­versidade onde pesquisadores de diferentes disciplinas ope­rem fora dos limites dos departamentos existentes.

Laços com a indústria: A universidade tem feito alguns pro­gressos no desenvolvimento de laços com a indústria. Por exemplo, Marcelo Zuffo, um jovem pesquisador da área de computadores, ajuda a dirigir uma unidade de processamen­to paralelo no departamento de engenharia elétrica que atraiu milhões de dólares de auxílio da Motorola. O centro está desenvolvendo supercomputadores baratos, maciça­mente paralelos, que a Elebra, uma indústria brasileira de equipamentos, espera vender a operadores de TV a cabo e a outros usuários potenciais de supercomputadores. "Estamos buscando o modelo certo", diz Zuffo a respeito de seu cen­tro, "leve e flexível, com alto giro de pessoal, forte vínculo com a universidade e uma diretoria administrativa na qual nossos parceiros da indústria estejam representados".

A base industrial do Brasil sofreu uma dolorosa trans­formação na última década: as empresas estatais, que su­postamente deveriam impulsionar a modernização, foram privatizadas e desmanteladas, enquanto corporações estran­geiras despejavam investimentos em montadoras de com­putadores e carros, usando tecnologia externa.

Mas onde alguns cientistas brasileiros enxergam apenas as ruínas da antiga base industrial, Zuffo identifica opor­tunidades. "O Brasil logo se tornará o quarto maior fabri­cante de carros do mundo", afirma. "Cada carro terá 200 chips. Nossa sensação é de que existe um enorme mercado para nossas idéias - quando temos idéias, saímos atrás de parceiros industriais e eles nos financiam".

Se o otimismo radiante de Zuffo faz eco à agitação mo­derna de São Paulo, ele destoa da realidade cotidiana en­frentada pelo resto do país. O Rio de Janeiro não é, de maneira alguma, a região mais pobre do Brasil, mas as con­dições enfrentadas pelos pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) refletem os problemas gerais que afligem a ciência no país.

O orçamento da universidade vai para salários: A univer­sidade gasta quase 95% de seu orçamento de R$500 mi­lhões em salários, deixando pouco para as amenidades necessárias ao empreendimento de pesquisa. Há exceções - a moderna e bem equipada escola de engenharia, por exemplo, que recebe uma ajuda substancial da indústria através de uma fundação privada criada para este fim.

O acesso à Internet é, porém, dolorosamente lento na universidade, e a biblioteca parou de comprar todas as publi-

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cações no último verão quando o governo federal cortou uma verba destinada a isso. O governo do presidente Fernan­do Henrique Cardoso nomeou recentemente um novo reitor para a universidade, mas este, como não foi eleito pelo corpo docente, tem sido objeto de considerável animosidade.

O Estado do Rio de Janeiro tem procurado sobrepujar São Paulo criando um dispositivo constitucional para in­vestir não 1%, mas 2% da arrecadação fiscal do Estado em ciência e tecnologia. Contudo, o dispositivo não foi apro­vado. Como diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, "ninguém vai pedir o impeachment de um gover­no estadual só porque não se cumpre a lei". No ano passa­do, o Estado do Rio de Janeiro gastou apenas O, 1% da re­ceita- R$9 milhões - com ciência.

A performance desanimadora poderá melhorar muito em breve, porém. O novo governador do Estado firmou o compromisso de atingir a meta de 2%, e nomeou Wander­ley de Souza, um popular biofísica da UFRJ, como seu se­cretário de ciência. "Nossa idéia é chegar a 2% até o final do mandato", diz Souza. "tá pelo meio do ano, saberei se as coisas estão avançando conforme o planejado".

Este ano, a agência de fomento à ciência no Rio de Ja­neiro, FAPERJ, tem um orçamento de R$48 milhões, e fi­nalmente recebeu as duas primeiras parcelas mensais de R$4 milhões cada. Afora isso, os cientistas não estão exces­sivamente otimistas. "O último governo anunciou que fa­ria assim em 1995, mas isso não aconteceu", diz Leopoldo de Meis, destacado bioquímico da universidade.

Mas os pesquisadores da UFRJ se orgulham do que já conquistaram, mesmo em condições adversas. George dos Reis, outro biofísica da universidade, comenta que ela pro­duz aproximadamente a metade do tanto de boa ciência que é produzida na Universidade de São Paulo, com mui­to menos apoio do governo estadual. "É muito difícil, mas penso que estamos nos mantendo equiparados aos padrões internacionais", diz ele. "Estamos fazendo um bom traba­lho, numa situação calamitosa", diz o pesquisador de bio­logia molecular de plantas, Paulo Ferreira.

Realinhamento radical: A transição econômica do país ao longo da última década está forçando, agora, um realinha­mento igualmente radical da política científica brasileira. O país levou 25 anos planejando um desenvolvimento in­dustrial auto-suficiente, sustentado por um grande grupo de cientistas e engenheiros treinados nas universidades do país ou do exterior (os brasileiros geralmente retornam ao país depois de estudar no exterior). Essa estratégia de de­senvolvimento protecionista é hoje encarada como um fra­casso - o Brasil privatizou as corporações industriais que estavam no cerne de tal estratégia e abriu-se para corpora­ções multinacionais que importam tecnologia.

Nesse admirável mundo novo, o papel da ciência, da tecnologia e das universidades é menos claro. "No começo dos anos 90, a crise tornou-se visível", diz Luís Carlos Bres­ser Pereira, o economista treinado na Universidade de Chi­cago, que foi nomeado ministro da Ciência e Tecnologia no

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a antiga rivalidade entre o próprio mi­nistério e seu conselho semi-autônomo de pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno­lógico (CNPq), fundindo os dois e nomeando a si próprio presidente des­te último. A medida alarmou os cien­tistas, que não foram consultados. "Há certos tipos de mudanças que, ou se faz no começo, ou não se faz nunca", ex­plica Bresser.

As linhas de luz do LNLS são usadas em pesquisas de química, biologia, físi ca e ciência dos materiais.

Ele pediu a Fernando Reinach, bio­químico e bolsista do Howard Hughes na Universidade de São Paulo, para executar a reorganização. Reinach diz que a mudança vai promover os vice­presidentes do CNPq ao status e salá­rio de subsecretários do governo, per­mitindo-lhe atrair cientistas de alto nível a Brasília para gerir os programas do ministérios durante alguns anos.

novo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. "Apenas gastar dinheiro em ciência e tecnologia não estava resolvendo nossos problemas" . O governo vê o distanciamen­to entre academia e indústria como um problema funda­mental, embora muitos acadêmicos se eximam da culpa. "A indústria inovadora, se é que existiu, está desaparecendo", diz Sérgio Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. "O orçamento para ciência estagnou, como se ela não fosse uma coisa necessária para o Brasil".

Bresser é um consumado reformador e sua chegada ao cargo foi recebida com algum temor pelos cientistas brasi­leiros. Num recente encontro de cientistas promovido pelo Howard Hughes Medical Institute, no Rio de Janeiro, em janeiro, Bresser manifestou sua preocupação com a oferta excessiva de pesquisadores e não pareceu se convencer com os apelos em favor de mais recursos. "Costumamos impor­tar equipamento que nunca é usado" , disse ele, em respos­ta a uma queixa nesse sentido.

Os cientistas estão frustrados com os números do gover­no, que situam os gastos anuais do Brasil com pesquisa e desenvolvimento em US$5,5 bilhões (Interamerican Scien­ce & Technology Indicators de 1997), enquanto eles lutam para manter os magros programas do governo federal que financiam bolsas e pesquisa básica. Como disse Sérgio Fer­reira, bolsista do Howard Hughes na UFRJ, a Bresser, "em Brasília vocês falam em bilhões de dólares, mas, na outra ponta, ficamos contentes quando recebemos centavos!"

Bresser quer que a ciência se aproxime das necessidades próprias do Brasil. "Precisamos realizar a pesquisa que for relevante para a sociedade", diz ele. "Devemos desenvolver soluções que sejam relevantes para o clima, ou para o solo -coisas que os franceses e norte-americanos não estão fa­zendo para nós".

Entretanto, sua primeira medida foi embarcar numa reor­ganização do Ministério de Ciência e Tecnologia, eliminando

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A idéia é fundir a credibilidade científica do CNPq com o poder financeiro do ministério, criando um meca­nismo mais eficaz para apoiar a pesquisa e o ensino de pós­graduação no Brasil. O país tem mais pesquisadores do que pode apoiar e Bresser questiona a concessão, pelo CNPq, de tantas bolsas para estudantes, especialmente para o nível de mestrado.

A intenção do ministério é concentrar seus recursos no apoio à ciência de alta qualidade, através de mecanismos como o Programa Nacional de Excelência em Ciência (Pro­nex), que, criado em 1996, apoia atualmente 208 grupos multidisciplinares. Moysés Nussenzweig, físico da UFRJ que desenvolveu o conceito do Pronex, diz que o programa atraiu apenas çerca de R$40 milhões por ano de financia­mento, em comparação com os R$250 milhões inicialmen­te previstos. "O modo como esses projetas são escolhidos é significativamente melhor do que qualquer outro processo no Brasil", diz Nussenzweig, que teme a "destruição" do programa, caso o apoio seja cortado ainda mais.

Especialistas duvidam de estatísticas: A verdadeira situa­ção do financiamento à ciência no Brasil era difícil de se averiguar mesmo antes da crise cambial de janeiro, segun­do os especialistas que compilam as estatísticas. Apesar de o governo dizer que o investimento nacional em pesquisa e desenvolvimento (P&D) estabilizou-se em torno de R$5 bilhões por ano, um grupo de estudos de ciência da UFRJ argumenta que ele despencou para a metade desde 1996. "Há uma quantidade de dinheiro estável do governo" , afir­ma Bresser, acrescentando que a P&D industrial cresceu.

Os críticos dizem que a indústria obtém isenções fiscais sobre trabalho de pesquisa inexistente, distorcendo grave­mente os números. Além disso, as agências freqüentemente gastam menos do que a quantia orçada. "O dinheiro para auxílios está sendo muito reduzido", diz Jacqueline Leta, es-

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AS CHANCES DA AMtR I CA LAT I NA

pecialista em estatísticas de pesquisa da UFRJ. "Ninguém sabe quanto eles investem em ciência e eles estão sempre nos confundindo (com mais estatísticas)", diz ela.

A situação da ciência na sociedade brasileira também é assunto polêmico. "A maioria das pessoas tem uma visão negativa da ciência", diz Meis, da UFRJ. Mesmo quando as elites prometem apoio à ciência, observa, "há uma distân­cia entre o que dizem e o que realmente fazem. Para vencer essa distância são propostas soluções administrativas". Mas Nussenzweig, um observador igualmente tarimbado, sus­tenta que a população do país ama a ciência e a tecnologia.

O fato de muitos estados brasileiros terem um disposi­tivo constitucional alocando dinheiro para ciência e tecno­logia- um dispositivo que seria impensável nos Estados

Unidos, por exemplo- fala por si mesmo da fé que essa nação depositou na ciência como chave para seu progres­so. O mesmo vale para o impressionante campus da Uni­versidade de São Paulo e para o modo como até mesmo o governo militar investiu, antes de sua extinção, em 1985, num ambicioso programa espacial (ver página 9) e na pós­graduação. Apesar de inconsistências políticas e do abismo que separa o Estado de São Paulo do resto do país, uma ampla comunidade científica continua acumulando forças. "O Brasil tem sido muito obstinado e persistente no apoio à ciência, nos bons e nos maus tempos", diz Andrew Simp­son, geneticista inglês especialista em câncer do Ludwig lnstitute, em São Paulo. Será apenas questão de tempo para este investimento frutificar.

PROTEGENDO A CULTURA DE CITROS

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0 "Não havia absolutamente ~ nenhuma informação biológica ~ (sobre a Xylella) ", diz Andrew ~ Simpson, do Ludwig lnstitute,

Além de ser responsável pela metade da ciência produ­zida no Brasil, o Estado de São Paulo produz aproxima­damente um terço das laran­jas do mundo. Parece mais do que natural, portanto, que a liderança científica do Estado esteja procurando impulsio­nar sua presença na genética molecular, por meio de um ambicioso programa de se­qüenciamento do genoma in­teiro de uma bactéria que co-

lnspeção semanal contra a clorose variegada de cirros.

em São Paulo que, juntamen­te com dois experientes grupos da Universidade de São Paulo e da Unicamp, está coordenan­do as atividades de todos os di­ferentes grupos de seqüencia­mento. "Achamos que esse é um caminho viável de abordar problemas biológicos, e penso

loca em risco as culturas de citros. A FAPESP, agência de fomento à ciência do estado,

decidiu, há dois anos, que era necessário um projeto es­pecial para impulsionar a genética na região. Hoje, 30 grupos de pesquisa espalhados por todo o estado estão perto de completar o total seqüenciamento genético (2, 1 megabases) da Xylella fastidiosa, bactéria que representa uma perigosa ameaça à cultura cítrica da região, uma vez que provoca a clorose variegada dos citros, doença que bloqueia a circulação de nutrientes nas laranjeiras.

"É o primeiro projeto de seu gênero a ser realizado fora dos Estados Unidos, Europa ou Japão", alardeia Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. Obtendo a seqüência genética de um organismos cuja biologia tem sido precariamente estudada e tentando depois estabele­cer as funções dos genes e o funcionamento da doença, a equipe do projeto espera se projetar para a linha de frente da genética.

Os plantadores de citros brasileiros contribuíram com US$500.000 para o projeto de US$10 milhões, res­saltando sua potencial relevância para seus negócios.

que nunca foi feito antes". A FAPESP qlleria se envolver em genômica, explica

Simpson, mas decidiu contra o lançamento de uma cha­mada normal a propostas individuais ou a criação de um centro- "nós ainda estaríamos discutindo onde insta­lá-lo" - , em favor da criação de um projeto único, de âmbito estadual. Observadores do projeto dizem que ele extraiu o melhor de seus participantes- em especial da­queles que estavam anteriormente isolados ou subempre­gados -, além de despertar grande interesse público. O projeto tem sido comentado na imprensa científica e econômica internacional e em breve será objeto de um documentário científico em quatro partes, a ser exibido na TV estatal de São Paulo.

Perez diz que a FAPESP tem US$35-40 milhões alo­cados atualmente na pesquisa de genoma e, para além do seqüenciamento da X fastidiosa, está olhando para pro­jetos que vão seqüenciar a Xanthomonas campestri­outra bactéria que infecta laranjeiras-, e obter seqüên­cias de cDNA da cana de açúcar. Mas é o trabalho do ge­noma funcional, subseqüente ao seqüenciamento, que mais entusiasma os biólogos brasileiros.

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O progran1a espacial brasileiro atinge a maioridade

TONY R.EICHHARDT

Este ano, se o cronograma for mantido, o Brasil vai finalmente concretizar uma ambição de 20

anos de juntar-se ao primeiro time dos países envolvidos na pesquisa espacial. A agenda para 1999 tem todos os in­gredientes de um programa espacial maduro, desde a estréia de um novo foguete brasileiro até a seleção de as­tronautas para voar na estação espacial internacional.

Embora o programa remonte aos anos 60, foi a aprovação da chamada Missão Espacial Completa Brasileira, em 1979, que colocou o Brasil no ca­minho da auto-suficiência. A meta des­se plano tem sido desenvolver os meios independentes para construir e lançar satélites, e para isso o Brasil investiu mais de um bilhão de dólares.

~ O INPE espera lançar o primeiro de Ci um par de pequenos satélites de obser­~ vação da terra, com custo de US$30

milhões, nos próximos dois anos. Os satélites, chamados de SSR, serão colo­cados numa órbita equatorial apropria­da para observar o Brasil e outros países tropicais.

Este ano, o plano chega ao momen­to de fruição. O novo foguete VLS, de tamanho modesto, mas 100% brasilei­

O VLS-1 na torre móvel de integração.

Historicamente, o INPE, que rece­be aproximadamente a metade do orça­mento anual de US$200 milhões para atividades espaciais do Brasil, tem sido também o principal centro de interpre­tação de imagens de sensoriamento re­moto do país. O instituto costumava relutar em partilhar seus dados com pesquisadores de fora, mas a situação está melhorando. Uma indústria priva­da está lentamente se desenvolvendo na área de análise de sensoriamento remo­to, particularmente para aplicações agrícolas, e cientistas brasileiros têm es­tabelecido suas próprias relações com agências espaciais estrangeiras, inde­pendentemente do INPE. Roberto Ca-

ro, deverá fazer sua estréia depois de uma tentativa fracassada de colocação em órbita em 1997. O primeiro dos dois Satéli­tes Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS) será lan­çado em julho por um foguete chinês. O Brasil pagou 30% do custo de US$1 00 milhões do satélite e construiu uma de suas três câmeras. O país espera reduzir sua dependência das imagens do Landsat, norte-americano, e do SPOT, francês, e obter imagens mais freqüentes da região amazônica.

Em grande parte devido à vastidão de seu território, o sensoriamento remoto continua sendo "muito importante para este país", diz Luiz Bevilacqua, professor de engenha­ria mecânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que representa a comunidade científica numa comissão consultiva da Agência Espacial Brasileira. Mais ainda, o go­verno parece reconhecer essa importância. Há vários anos, o presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), princi­pal agência para ciência espacial e suas aplicações, aumen­tasse a freqüência da coleta espacial de dados sobre o des­matamento da Amazônia. Agora, diz Thelma Krug, chefe da Coordenação de Observação da Terra do INPE, o Brasil tem "o maior programa do mundo" para o monitoramen­to florestal do espaço.

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lheiros, cientista da área de meteorologia da Universidade do Estado de ~ão Paulo-UNESP, é o coordenador científi­co do projeto de um sensor de umidade, programado para voar no satélite PM-1 da NASA.

Uma questão chave, porém, é até que ponto o Brasil pode arcar com um programa espacial. No começo dos anos 90, quando o orçamento do INPE estava em queda, o diretor do instituto, Márcio Barbosa, optou pela redução da pesquisa em ciência espacial para financiar projetos de maior priorida­de. Bevilacqua acredita que Barbosa "fez a coisa certa" na ocasião. Mas uma conseqüência disso foi que a agência reali­zou pouco em astronomia espacial ou em ciência planetária.

Mas isso pode mudar com o lançamento do primeiro microsatélite científico do Brasil, o SACI-1, no mesmo fo­guete chinês que levará o satélite de sensoriamento remoto, CBERS, em julho. A bordo estarão quatro pequenos expe­rimentos centrados em física espacial. Com as recentes re­duções no tamanho e no custo dos satélites, o SACI-1 cus­tará ao INPE menos de US$5 milhões.

O mais recente acréscimo ao portfólio espacial do Bra­sil é a pesquisa em microgravidade. Cinco experimentos já voaram no ônibus espacial norte-americano e uma comuni­dade de pesquisa está "crescendo rapidamente" para se be-

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AS CHANCES DA AMtRICA LATINA

neficiar do novo papel do país na estação espacial interna­cional, diz Bevilacqua.

O governo brasileiro destinou cerca de US$150 milhões para se associar à estação. O primeiro astronauta brasileiro já foi nomeado, e outro será escolhido este ano. Entre as contribuições do país, estará uma janela de alta qualidade óptica para a observação da terra, que poderá ser usada para testar instrumentos que posteriormente seriam adaptados para satélites de sensoriamento remoto.

Entre os cientistas brasileiros, as reações à participação do Brasil no projeto mostram-se divergentes. Enquanto alguns a vêem como uma ameaça, outros dizem que o comprometi­mento de recursos é relativamente pequeno. A maioria, po­rém, concorda em que ainda é cedo para saber se o novo en­foque em astronautas e na pesquisa de microgravidade vai desviar recursos de outros setores do programa espacial.

A ameaça de cortes orçamentários preocupa bastante os éientistas espaciais brasileiros. José Monserrat, editor do

. Jornal da Ciência, publicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC, queixa-se de que "não temos

prioridades claras" na questão espacial, e de que cada pro­jeto é forçado a lu tar por seus próprios interesses num período de cortes. O dinheiro anda escasso, não só pela situação oscilante da economia, mas também porque os re­cursos destinados pelo governo ao INPE são freqüentemen­te desviados para algum outro fim antes de chegarem ao instituto. O orçamento do INPE, lamenta Monserrat, é uma "fantasia", acusação que Bevilacqua apoia. Cientistas brasileiros de todas as áreas, e não apenas da pesquisa espa­cial, estão aborrecidos por não estar "recebendo o que está escrito no contrato", diz. Ele também se preocupa porque a agência "não está atraindo jovens cientistas de qualidade", por não poder pagar salários competitivos.

Apesar de todos esses problemas, a maioria dos cientis­tas de dentro e de fora do INPE acredita que o programa, não só vai sobreviver, como vai avançar. Segundo Calheiros, o governo e o povo brasileiro passaram a compreender o va­lor do programa espacial, não apenas para a observação da terra, mas pela capacidade que tem de impulsionar o desen­volvimento tecnológico no Brasil.

Faltatn recursos para salvar a biodiversidade da Amazônia

ANDREA KAUFFMANN-ZEH

opulação da bacia amazônica está entre as mais po­res da América Latina, mas as florestas equatoriais a região abrigam a diversidade de vida mais rica do

mundo. O potencial dessa riqueza foi reconhecido implici­tamente, pela primeira vez, em 1992, quando representan­tes de 150 países reuniram-se no Rio de Janeiro para assi­nar a Convenção sobre Biodiversidade. Sete anos depois, porém, a região ainda luta para extrair alguma coisa dessa riqueza natural ou ao menos planejar sua futura exploração.

A convenção redefiniu biodiversidade como a "herança comum da humanidade" e deu direitos de soberania sobre ela a cada nação. Apesar de não ter sido ratificada pelos Es­tados Unidos, provavelmente o maior importador de bio­diversidade, as grandes corporações farmacêuticas estão tentando atuar de acordo com seus termos. Mas os países amazônicos têm avançado pouco no exercício de seus direi­tos estabelecidos pelo acordo. Em vez disso, o uso da biodi­versidade da região por habitantes da floresta, cientistas e grupos industriais, permanece como fonte de controvérsias. As parcerias com corporações estrangeiras para a biopros­pecção despertam sentimentos ainda mais fortes.

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Os defensores da Convenção, porém, continuam oti­mistas. Roberto Çavalcanti, presidente do braço brasileiro do grupo preservacionista Conservation International e or­nintólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que a bioprospecção- se feita corretamente- ajudará a desenvolver a capacidade científica local, preservar e docu­mentar o conhecimento indígena e proporcionar incentivos à conservação. "Poderia ajudar a agregar valor econômico à preservação da biodiversidade amazônica", diz ele.

Walter Reid, bolsista do World Research Institute, (WRI) com sede em Washington, acredita que ainda é muito cedo para afirmar que a bioprospecção se tornará economica­mente significativa. "A chance de encontrar compostos po­tencialmente úteis é pequena, e desenvolver um remédio comercializável toma tempo", diz. "Há quem defenda paga­mentos adiantados aos países de origem dos produtos, mas eles geralmente representam quantias muito pequenas".

Os países amazônicos interessados na bioprospecção es­tão analisando atualmente uma entre duas opções. A pri­meira é usar a biodiversidade como simples ferramenta para ganhar dinheiro, via concessões para mineração ou extração de madeira, por exemplo. "O problema com essa opção é que ela pode levar a uma exploração descontrolada e à dila-

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pidação de recursos naturais, sem lucros significativos ou progresso tecnológico", diz Cavalcanti. A segunda opção é administrar os recursos biológicos e o conhecimento tradi­cional de forma a incentivar a conservação, junto com a trans­ferência de tecnologia, o treinamento e a educação.

"U111 dos maiores benefícios potenciais da bioprospec­ção é a transferência de capacidade científica e tecnológica", diz Adalberto Luís Vai, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), para quem ela pode ajudar os países da região a superar seu papel tradicional de expor­tadores de matérias primas.

A exigência de um grande esforço: Mas será necessário um esforço considerável para promover o processo. Sérgio Ferreira, pre­sidente da SBPC, diz que "um levanta­mento regional abrangente (da biodiver­sidade) é urgentemente necessário". Este deveria ir além da coleta de amostras e da construção de inventários, agregando valor aos recursos biológicos antes que eles deixem o país.

Um grande esforço é também necessário para preservar a biodiversidade existente para fu­turas gerações. Carlos Peres, biólogo conserva­cionista da Universidade de East Anglia, observa que embora a ênfase atual esteja no ganho eco­nómico, o futuro de toda a biota amazónica vai acabar exigindo sua completa caracterização e preservação.

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tais e corporativas, e deverá apoiar o investimento de capital de risco em empresas de biotecnologia iniciantes, mecanis­mos para a obtenção de patentes e outras iniciativas para a impulsionar o setor no Brasil.

O financiamento da ciência em outros países da região amazónica tem sido limitado e inconsistente, deixando so­fisticados programas locais para além de seu alcance. Mas a cooperação internacional oferece uma estratégia alternativa. A coordenação política em toda a região foi iniciada em 1978 com a criação do Tratado de Cooperação da Amazô­nia (ACT), estabelecido para promover o desenvolvimento económico. O tratado fomentou estudos e discussões, vem

criando comissões para o meio ambiente e para a ciên­cia e tecnologia, e tem ainda esboçado acordos bila-

Essa caracterização mal começou, e é difícil visualizar os governos da região pagando por ela enquanto enfrentam desafios, obviamente mais urgentes, de assistência sanitária e educação bá­sicas. José Galizia Tundisi, da Universidade Fe­deral de São Carlos-UFSCar que, até janeiro,

Uacari branco, habitante das florestas equatorial brasileira e subtropical do Equador.

presidia o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí­fico e Tecnológico-CNPq, diz que o Brasil deveria investir no treinamento de mais pesquisadores. Mas o próprio Tundisi teve que congelar o programa de bolsas do CNPq em setembro de 1998, para "cumprir outros compromis­sos da agência".

Embora não esteja claro como a ciência vai sair da recen­te crise económica brasileira, o país está ma·is preparado do que qualquer outro da América Latina para montar um em­preendimento de bioprospecção nativo. O Programa de Ecologia Molecular para o Desenvolvimento Sustentável da Região Amazónica (PROBEM), por exemplo, pretende estimular a bioindústria, e é apoiado pelos governos es­taduais e federal, pela comunidade científica e pelo setor pri­vado. Wanderley Messias da Costa, diretor do programa, diz que um Centro de Biotecnologia da Amazônia, de US$60 milhões, que está sendo construído como parte do PRO­BEM, será suficientemente forte para atrair cientistas de alto nível do Brasil e do exterior. O PROBEM está criando tam­bém um fundo para receber doações privadas, governamen-

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terais que ajudariam, segundo autoridades do ACT, todos os países envolvidos na administração da biodiversidade.

Esforços acadêmicos combinados: A Associação de Uni­versidades da Amazônia (UNAMAZ) é uma iniciativa an­tiga para combinar os recursos acadêmicos dos oito países da região. Mas ela tem sido prejudicada pela falta de um fi­nanciamento efetivo por parte dos países membros.

Parcerias com companhias farmacêuticas estrangeiras são outra possibilidade para os países da região, que olham para o INBio da Costa Rica e para o programa International Co­operative Biodiversity Group (ICBG), financiado pelos Esta­dos Unidos, como exemplos promissores dessa cooperação. O JCBG começou seu programa de bioprospecção em 1994, no Suriname, na borda setentrional da região amazónica. O programa é dirigido por David Kingston, do Virgínia Polyte­chnic Institute and State University, e apoiado pela Conserva­tion International, Missouri Botanical Garden, BGVS (a com­panhia farmacêutica local) e a Bristol Myers Squibb (BMS), corporação farmacêutica norte-americana. "A BMS vai pagar

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AS C HANCES DA AMIÔRICA LATINA

US$150.000 ao Suriname ao longo de cinco anos (para remu­nerar a comunidade)", explica Kingston. "Além disso, o proje­to está treinando pessoas, transferindo tecnologia para insti­tuições de pesquisa locais, e dará uma participação nos royalties resultantes de qualquer produto obtido, a todas as partes."

Sarah Laird, pesquisadora que avaliou esses programas para a WRI e a World Wildlife Founda­tion, diz que a região pode aprender com empresas farmacêuticas estrangeiras.

Mas pesquisadores e autoridades gover­namentais da região continuam desconfia­dos dessas corporações, temendo que as parcerias de pesquisa com elas sejam assi­métricas. "O treinamento deveria ir além da coleta de amostras, estendendo-se a to­dos os níveis da pesquisa, e a informação científica deveria ser livremente comparti­lhada por todas as partes - nada disso aconteceu", diz Bráulio Dias, presidente da Fundação para a Biodiversidade Brasileira.

Necessidades difíceis de antecipar: Sejam quais forem as leis existentes, os contratos entre partes são críticos. "Nos­sa experiência com o ICBG indica que é muito difícil ante­cipar todas as necessidades e potencialidades de um de­terminado acordo", diz Joshua Rosenthal, do Fogarty lnternational Center do National lnstitutes of Health, ad­

ministrador geral do programa ICBG. O acordo peruano com o ICBG, por exem­plo, foi estabelecido antes de existir a Re­solução 391 ou qualquer outra lei perua­na, e sua primeira fase foi criticada por falta de transparência e eqüidade. Ele foi reelaborado para atender melhor as ne­cessidades da população local e as outras partes envolvidas. "Aprendemos com nos­sos erros passados e tentamos fazer nossos acordos mais eqüitativos", diz Rosenthal. "A chave é flexibilidade e comunicação entre todas as partes".

Os países estão estudando mudanças le­gais e administrativas para garantir que os resultados da pesquisa e os benefícios de ati­vidades de bioprospecção sejam compartilha­dos. Uma base legal para afirmar, monitorar e proteger direitos de propriedade inte-lectual, também está sendo desenvolvida. Uma biota rica, incluindo a jaguaririca.

Na prática, porém, as comunidades locais, pesquisadores e representantes de governo envolvidos com os acordos de bioprospecção raramente têm suficiente experiência para negociá-los, e raramente estão em posição política ou financeira para exercer os direitos obtidos. Ademais, a receita com direitos de propriedade in­telectual pode ser suplantada pelos custos Pelo menos dois projetos de lei, estão

sendo debatidos no congresso brasileiro, um, proposto pela se­nadora Marina Silva, e o outro, pelo governo. O projeto de Silva exige que pesquisadores estrangeiros façam um acordo formal com suas contrapartes brasileiras antes de começar a pesquisar em solo brasileiro ou receber espécimes brasileiros.

Alguns cientistas temem que leis inadequadas prejudi­quem a pesquisa futura. "Uma legislação restritiva pode não ser capaz de estabelecer diferenças entre a bioprospec­ção para o desenvolvimento de produtos e a genuína pes­quisa acadêmica", diz Sir Ghillean Kew, diretor do Royal Botanical Gardens, em Kew, Londres. Pode também impe­dir parcerias desejáveis entre esses países e corporações es­trangeiras. Manolo Ruiz Muller, advogado peruano que trabalha atualmente em Kew, diz que tem visto os dois re­sultados, em decorrência de uma legislação feita às pressas por membros do Pacto Andino, a aliança comercial entre Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e Venezuela.

A Resolução 391 do Pacto Andino estabelece regula­mentos mínimos, obrigatórios, para o acesso a recursos ge­néticos. Muller diz que o problema da Resolução 391 não é tanto seu escopo, mas a inconsistência com que está sen­do implementada. Colômbia e Bolívia sancionaram-na in­tegralmente, o Equador aprovou uma versão resumida, o Peru fez um projeto de lei que será avaliado em breve, e uma lei compatível com a Resolução 391 está sendo anali­sada na Venezuela. Um "Parlamento Amazônico", fundado pelos signatários do ACT, tem procurado coordenar o trata­mento legislativo por esses países.

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para obter e aplicar essa proteção. "É quase naturalmente injusto", diz Walter Reid. "As corporações estrangeiras são freqüentemente assessoradas por grandes equipes de advo­gados tarimbados e têm meios financeiros suficientes para lidar com essas situações".

Para restabelecer o equilíbrio, o Banco Mundial vem en­corajando países c;m desenvolvimento a adorar uma atitude firme em negociações de propriedade intelectual. Assim, não constitui surpresa o fato de alguns países ainda estarem erguendo barreiras contra a exploração externa da biodiver­sidade, apesar das proteções que obtiveram com a Conven­ção sobre Diversidade Biológica.

Sete anos após a assinatura da convenção, a delicadeza e a complexidade das questões envolvidas, antes se intensifi­caram do que abrandaram, e os países da Amazônia ainda buscam soluções para problemas relacionados com o me­lhor uso e a proteção da biodiversidade.

Um código equilibrado de conduta científica, permitin­do a livre circulação de conhecimento e, ao mesmo tempo, preservando os interesses estratégicos nacionais e regionais, é extremamente necessário e poderia ser criado e imple­mentado por associações profissionais de biólogos. E embo­ra fundos como o Global Environment Facility, um meca­nismo financeiro de US$2 bilhões implementado pela ONU e Banco Mundial para financiar a proteção ambien­tal, tenham dado alguma assistência no estabelecimento de políticas, ainda faltam recursos para desenvolver o know­how cientifico e tecnológico necessário na bacia amazônica.

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AS C H ANCES DA AMÉ RI CA L AT I NA

MÉXICO

Pesquisadores buscalll apoio da opinião pública Dlexicana*

LAURA GARW1N I * resumo

rônica falta de confiança nos cientistas do país mar­a a indústria do México e esse é um dos muitos roblemas que a ciência mexicana deve superar para

ser encarada como uma ferramenta de desenvolvimento na­cional. Muitos cientistas sentem que, a despeito das reitera­das afirmações públicas do presidente Ernesto Zedillo sobre a importância da ciência e tecnologia, isso não é aceito pe­los que estão no poder ou pela opinião pública.

Parte do problema é cultural. O México herdou a tradi­ção européia do cientista como acadêmico e não o modelo norte-americano do cientista inventor e empresário. Para um pesquisador universitário, ter ligação com a indústria é se ar­riscar a ser acusado de "prostituição" pelos colegas. Tradicio­nalmente, os contratos universitários concedem apenas um tempo mínimo para consultarias ou outro trabalho externo.

Além disso, uma grande parte do salário de um cientista (às vezes, mais de 50%) vem de um sistema de suplementa­ção salarial - administrado por instituições de pesquisa e pelo CONACYT, o Conselho de Pesquisa do México -, cujo valor está vinculado ao número de trabalhos publicados em revistas internacionais respeitadas. E trabalhos de pesqui­sa aplicada junto a indústria raramente rendem publicação.

Do lado da indústria, não há forte tradição de investi­mento em P&D, seja internamente ou nas universidades. Até o início dos anos 80, o México tinha uma política in­dustrial de propriedade estatal e protecionismo que resul­tava em pouco incentivo ao investimento em inovação. Agora, as empresas querem modernizar sua tecnologia, mas voltam-se mais para empre­sas estrangeiras atrás de aju­da, e não se mostram muito dispostas a esperar o tempo necessário para que a ciência e a tecnologia nacionais en­contrem respostas para suas necessidades.

culo vicioso: a comunidade é pequena demais para resolver os problemas nacionais, o que favorece a falta de apoio pú­blico à pesquisa, o que, por sua vez, impede o crescimento da comunidade.

A esse quadro crônico de dificuldades, somam-se as con­tínuas oscilações da política governamental derivadas do sis­tema eleitoral mexicano que, ao proibir a reeleição de presi­dentes e membros do Congresso, provocam instabilidade no fluxo de investimentos em P&D por parte do governo.

Várias iniciativas do governo têm procurado alterar esse quadro, aumentando e intensificando os vínculos da pes­quisa científica com a indústria do país e com suas necessi­dades de desenvolvimento econômico. O CONACYT está tentando promover a pesquisa aplicada através de seu siste­ma de 27 centros de pesquisa, financiados pelo Ministério da Educação, com o que espera sensibilizar a sociedade para o poder da ciência e da tecnologia. Esses centros trabalha­ram com 9.000 companhias no ano passado, e de 30% a 40% do orçamento total do sistema veio de fontes externas.

O CONACYT pretende ainda reduzir a falta de incen­tivo salarial à pesquisa aplicada, ampliando os critérios de classificação para o sistema de suplementação salarial, e nele incluindo patentes, contratos com a indústria, criação de novos softwares e similares, assim como publicações ana­lisada por pares.

Esse esforço de aproximação entre a academia e a indús­tria vai recebeJ; um impulso substancial com um emprésti­mo de US$300 milhões do Banco Mundial, aprovado em junho do ano passado. Juntamente com US$210 milhões do governo mexicano e US$150 milhões do setor privado

local, o fundo assim criado ~ será usado para financiar o ~ Projeto de Conhecimento ~ e Inovação, de cinco anos, u absorvendo cerca de um ter-

Um outro problema para o México é o pequeno porte de sua comunidade científi­ca. No país de 100 milhões de habitantes, há apenas 4.500 pesquisadores em ciên­cias naturais e engenharia, pro­duzindo cerca de 300 PhD por ano, e isso, segundo al­guns cientistas, cria um dr-

Planta piloto de fermentação, erguida em 1990, "quando o governo

queria transformar universidades em fábricas ", segundo os críticos.

ço dos financiamentos do CONACYT neste período. Cerca de 60% dos US$660 milhões serão gastos na pro­moção de vínculos entre a academia e a indústria e em apoio tecnológico a empre­sas; o restante financiará a pesquisa acadêmica, mas com uma parte reservada a cam­pos de "alta relevância cien­tífica, econômica e/ou social para o México".

NOTÍCIAS FAPESP 13

Page 42: O resgate de "A Noite do Castelo"

AS CHANCES D A A M ÉR I CA LAT I NA

ARGENTINA

Reforflla peronista divide cofllunidade científica*

COLLIN MCILWA!N I *resumo

O presidente Carlos Menem negligenciou a pesquisa em seu primeiro mandato, mas desde 1996 vem procurando re­novar a considerável tradição científica argentina através de várias medidas: um plano nacional de ciência e tecnologia, a criação de um gabinete de ciência - presidido por seu chefe de gabinete, Jorge Rodríguez, um geneticista de plan­tas - e a criação da Agência Nacional para a Promoção da Ciência e da Tecnologia (conhecida como "a Agência").

As iniciativas têm sido combatidas por amplos setores de uma comunidade que ainda se sente subfinanciada e des­confiada da anterior negligência do regime peronista. Mas a Agência, com forte apoio do Banco lnteramericano de De­senvolvimento, está se fortalecendo e começa a implementar suas reformas, reduzindo a resistência da comunidade.

Via Agência, o governo tem procurado incentivar a coo­peração com a indústria e acordos com governos estrangei­ros, propondo-se a apoiar a pesquisa básica "nas coisas que fa­zemos bem", como diz Rodríguez. Ele se refere especialmente à biotecnologia, campo em que a Argentina tem potencial de expansão, valendo-se da tradição estabelecida pelos três bioquí­micos ganhadores do Nobel:

tutos ficam e quantos vão fechar ou ser fundidos". Ele prevê que quatro quintos permanecerão, mas sua gestão mudará, envolvendo mais administradores de fora do meio científico.

A Argentina vem encorajando também o crescimento de novas universidades orientadas para a tecnologia, como a Universidade Nacional de General San Martín. O gover­no e pesquisadores consideram as velhas universidades bu­rocráticas, distantes da indústria e impossíveis de reformar.

Mas uma parte substancial da infra-estrutura de pesqui­sa permanece intocada pelas reformas. A Comissão Nacio­nal de Energia Atómica, cujo orçamento de US$1 00 milhões representa cerca de 10% do investimento do país em P&D, parece estar fora de controle, depois que Dei Bello tentou e não conseguiu transformá-la em agência científica. Ela se­parou-se do Ministério da Ciência, voltando a se compro­meter com a busca de energia de fissão viável, com forte apoio dos setores peronistas. A intenção do órgão, na voz de seu presidente, Dan B'eninson, é "renuclearizar a comissão", procurando desenvolver reatores seguros para exportação.

Mario Albornoz, diretor do Instituto para o Estudo de Ciência e Tecnologia da Universidade de Quilmes, em Bu­enos Aires, preparou um documento de política científica

para a aliança de partidos que Bernardo Alberto Houssay (Medicina, 1947), Luis Le­loir (Química, 1970) e César Milstein (Medicina, 1984).

1-:;7"::-......-:~---yy::r]ii!ii!~I!Jr------:-,."""":;:::-:-l ij pretende derrotar os peronis­~ tas na próxima eleição presi­~ dencial - nessa eventualida­~ de, ele está cotado para ~ assumir o Ministério da Ciên-:r: ~ cia. A aliança pretende desen-

Mas os jovens biólogos fa­lam das dificuldades de seguir carreira, alegando que há di­nheiro para formar cientistas, mas não para sustentar seu tra­balho. Criticam o Conselho Os três Nobel da Argentina: Houssay, Milsrein e Leloir.

volver uma política industrial mais forte e dobrar, finalmen­te, os gastos com P&D para 1 o/o do PIB. Albornoz, po­rém, defende a Agência e as Nacional para Ciência e Tec-

nologia (CONICET), que emprega a maioria dos cientistas nos 147 centros de pesquisa espalhados pelo país.

Apesar dos protestos e temores, a Agência continua fazen­do progressos. Em seu segundo ano de operações, elevou o teto dos auxílios de US$25.000 para US$50.000 por ano. Seu diretor, Mario Mariscotti, espera conceder 600 auxílios este ano, além dos 700 do ano passado. "Temos a impressão de que a qualidade de ponta está limitada a perto de 1.500 grupos", diz. Por sua vez, o CONICET, que emprega três quartos de seu orçamento de US$220 milhões em salários de pesquisadores, pôde contratar 600 novos pesquisadores este ano, pondo fim ao congelamento de vagas, e está reava­liando seus institutos. Segundo Carlos Dei Bello, ministro da Ciência e Tecnologia, depois vai se decidir quantos insti-

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outras reformas empreendidas por Dei Bello, acusando os cientistas de obstruí-las. Ele considera o sistema obsoleto, com muitos pesquisadores sem recursos ou equipamentos.

Um linguajar de luta pelo poder freqüentemente permeia as discussões sobre a política cientifica argentina, refletindo as agressões sofridas pela comunidade acadêmica sob a di­tadura militar, extinta em 1983. Como apontam os argen­tinos, o país ainda não acertou as contas com o legado da di­tadura: a punição dos crimes cometidos em seu nome será a questão central das eleições deste outono. Neste clima, os pesquisadores e outros acadêmicos valorizam, acima de tu­

do, sua independência intelectual, e as tentativas do gover­no peronista ou de bancos estrangeiros para dirigir a políti­ca de ciência e tecnologia têm sido tratadas com suspeição.

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Page 43: O resgate de "A Noite do Castelo"

AS C H ANCES DA AMÉR ICA LATINA

CHILE

Chile tenta alcançar padrões científicos internacionais*

COLLIN MCILWAIN I *resumo

S ob qualquer ângulo de visão - a reputa­ção internacional de suas lideranças cien­tíficas ou a organização das universida­

des, os gastos do governo em ciência ou o número de trabalhos publicados internacio­nalmente pelos pesquisadores - a pequena comunidade científica do Chile é uma das mais bem formadas da América Latina.

Segundo dados do ISI, o Chile, conside­rada sua população, publica mais artigos do que a Argentina e três vezes mais do que o Brasil e o México. O governo gasta 0,67% do PIB em pesquisa, muito mais que qual­quer outro país na região, exceto o Brasil, cujo investimento declarado está artificial-

~ Teitelboim está trabalhando com o Ban­.~ co Mundial para estender o mesmo apoio <::! aos chamados Millennium Institutes, que

vão receber, cada um, US$2 milhões anuais para fazer pesquisa internacionalmente com­petitiva. O físico imagina um abismo sobre o qual é preciso saltar para que o Chile alcan­ce "o outro lado", onde se concentram os postos mais avançados da ciência mundial.

mente inflacionado. As principais universi- Vitral da Universidade Católica.

Há um clima de excitação provocado pela proposta dos Millenium, especialmente entre neurobiólogos e astrônomos, que se conside­ram em melhor posição para liderar a expe­riência. Mas há também críticas dos que defen­dem uma abordagem mais ampla. "Apoiar os jovens é uma prioridade maior", diz Jorge Allende, diretor do Instituto de Ciências Bio­médicas da Universidade do Chile, depois de observar que o país está produzindo apenas dades não foram desmanteladas pela ditadu­

ra militar, nem foram forçadas pelos governos democráticos a absorver um número inviável de alunos de graduação. E os neurobiólogos chilenos chegaram muito perto dos mais altos padrões internacionais nesse campo.

No entanto, para a elite científica do país, os sucessos são menos visíveis que os fracassos. Talvez por ter visto de perto o sucesso sem restrições - a maioria dessa elite foi formada nas melhores universidades da Europa e dos Estados Unidos -, ela continua a enxergar um quadro insatisfatório.

Nos últimos seis anos, o governo do presidente Eduardo Frei vem adorando um novo enfoque para o desenvolvimen­to da excelência científica no país. Com a orientação de Claudio Teitelboim, respeitado físico teórico que atua como seu conselheiro científico, Frei tem procurado concentrar re­cursos em uns poucos grupos de cientistas altamente quali­ficados, independentemente de sua disciplina ou instituição.

Enquanto a maioria dos países da América Latina tenta copiar as estruturas de política científica do mundo desen­volvido, mesmo quando lhes faltam fundos para imple­mentá-las, o Chile não tem conselho consultivo de ciência e tecnologia nem política científica clara. Teitelboim diz que no mundo inteiro há gestores demais de política cien­tífica, e que qualquer grande política de ciência no Chile não passaria de um amontoado de belas palavras.

Em vez delas, Frei tem buscado garantir o apoio à exce­lência, sem restrições. Assim, 40 "cátedras presidenciais" fo­ram concedidas, e cada um de seus ocupantes ganha em torno de US$100 mil por ano para pesquisas- uma soma que os aproxima dos níveis norte-americanos.

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50 PhD por ano, e não está formando pesquisadores em novos campos vitais da ciência, como genômica e bioinformática.

O precário apoio à pós-graduação é um problema. Mau­ricio Sarrazin, diretor do CONICYT, a agência nacional de pesquisa, diz que uma de suas prioridades é ampliar recursos humanos. O orgão hoje concede 350 bolsas, e auxílios anuais médios de US$25 mil a quase 1.000 pesquisadores.

Outro problema é a média de idade dos pesquisadores, muito alta- não há, no país, aposentadoria compulsória por idade. Em 12 departamentos do instituto dirigido por Allen­de, a idade média dos 350 docentes era de 52 anos, até o ins­tituto dar incentivos à aposentadoria e contratar 35 professores.

A Universidade Católica do Chile, considerada uma das melhores da América Latina, aplica US$12 milhões, de seu orçamento anual de US$1 00 milhões, em auxílios à pesqui­sa. Mas não pode competir, diz Francisco Claro, pró-reitor de pós-graduação e pesquisa, com típicas universidades ame­ricanas de pesquisa, como Stanford, que destina a esse fim 25% de um orçamento muito maior.

Para Hernán Quintana, chefe do Departamento de As­tronomia da Universidade Católica, se a questão for de re­cursos, a Astronomia tem a resposta. O Chile deve obter em torno de 10% do tempo de utilização dos telescópios inter­nacionais, de US$2 bilhões, que serão colocados em funcio­namento nos Andes, por volta de 2010.

Teitelboim pensa que é preciso estabelecer algumas ilhas de excelência antes de reformar todo o sistema. Mas mesmo ele, embora se orgulhe das "cátedras presidenciais", revela-se um tanto desapontado com o pouco que foi feito até agora.

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AS C H ANC E S DA AMt RI CA LAT I NA

CUBA

Biotecnologia cubana segue un1 can1inho solitário*

KlMBERLY CARR / * resumo

Na década de 60, Cuba pas­sou a ter um programa de ciência patrocinado pelo governo, ates­tando a importância atribuída à pesquisa científica pelo regime liderado por Fidel Castro. E 40 anos depois, pelo menos o cam­po da biotecnologia mostra que a aposta não foi inócua.

cos. Em testes estão também vaci­nas contra hepatite C, leptospirose e cólera. E há projetos para vaci­nas contra Haemophilus injluenzae, salmonella e dengue hemorrágica.

Depois da revolução, as uni­versidades foram reformuladas pa­ra ensinar ciência e, nos anos 60 e 70, milhares de estudantes foram

Che Guevara fundou em 1964

O Instituto Cubano para a Pes­quisa de Derivados da Cana-de­Açúcar (ICIDCA) foi criado, em 1964, por Che Guevara com a ex­pectativa de que os derivados al­gum dia se tornariam mais impor­tantes que o próprio açúcar. Hoje, um dos novos produtos mais pro­missores de Cuba- o PPG, ou policosanol - é um 8-álcool ex­

o laborarório para pesquisar derivados de cana-de-açúcar.

enviados ao exterior para receber formação científica avança­da. Em 1965 era fundado o primeiro centro cubano de pes­quisa multidisciplinar, o Centro Nacional para Pesquisa Ci­entífica (CNIC), e, em 1981, o trabalho de biotecnologia iniciava-se com a produção do intereferon-a .

Segundo o vice-ministro de ciência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, Daniel Codorniú, Cuba investiu pelo menos US$1 bilhão em biotecnologia nos últimos 15 anos e, dos US$125 milhões do orçamento destinado à ciência este ano, 30% destinam-se a projetas li­gados a biotecnologia, a maioria em pesquisa aplicada de tera­pias para problemas de saúde pública. Segundo funcionários do governo, a receita com exportação dos frutos dessa pes­quisa já sustenta o programa de pesquisa em biotecnologia.

Boa parte da receita provém de dois produtos: a vacina para hepatite B, em processo de certificação pela OMS, ex­portada para mais de 30 países, e a única vacina conhecida em todo o mundo contra a meningite B. A exportação não era o objetivo principal desta última, mas Cuba começou a exportá-la em 1989, quando o Brasil teve uma epidemia da doença e pediu ajuda. Desde então, uma dezena de outros países a compraram e licenciaram. A vacina está sendo tes­tada na Grã-Bretanha, e a SmithKline Beecham gostaria de fabricá-la em sua divisão da Bélgica. Por isso vem tentando conseguir isenção do embargo movido pelos Estados Uni­dos contra companhias que negociam com Cuba.

A vacinação é um fator decisivo do sistema de saúde pú­blica do país, cujo programa de imunização infantil levou à erradicação de sarampo, caxumba e pólio, e a uma redução de 30 vezes na incidência da meningite. Vacinas são, assim, uma prioridade natural da biotecnologia cubana. Uma vaci­na contra o vírus da imunodeficiência humana, o HIV (dire­cionada contra a proteína virai gp120) está em testes clíni-

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traído da cera da cana. O PPG, cuja sigla deriva da expressão "producto para ganar", é um composto seguro para redução do colesterol. Já obteve registro em 26 países em desenvolvi­mento e não penetrou em outros devido à competição das companhias farmacêuticas internacionais.

Um dos principais institutos de biotecnologia, o CIM é o responsável por boa parte da pesquisa básica. Os cien­tistas cubanos estão interessados no sistema imunológico, especialmente em seu papel no câncer e em doenças autoi­munes, e estão trabalhando no desenvolvimento de uma imunoterapia para câncer.

Para Fidel, "n.enhum sistema pode fazer progredir a ciên­cia e a tecnologia mais do que o socialismo, porque nenhum outro pode buscar uma tal integração e cooperação de todos os cientistas, centros de pesquisa, profissionais, hospitais ... " O sistema político de Cuba certamente lhe permite direcionar a pesquisa de uma maneira impensável na maioria dos outros países. Mas suas desvantagens incluem o fato de a maior par­te da pesquisa ser aplicada. E há pouco espaço para as pesqui­sas individuais. Na comunidade científica local, ninguém se queixa de qualquer aspecto do sistema a estrangeiros, e não está claro se têm a liberdade de criticá-lo internamente.

É difícil avaliar se o enfoque de C&T de Cuba tem sido um sucesso. O fator impacto da média dos artigos cubanos é 39% da média mundial, segundo os dados do ISI, em comparação com 55% no resto da América Latina. Esse fator dobrou nos últimos 12 anos, e é maior em algumas áreas: na farmacologia alcança respeitáveis 87% da média mundial.

A despeito da situação econômica difícil, exacerbada pelo embargo norte-americano, os cientistas cubanos estão fazen­do um bom trabalho. Tiveram alguns êxitos comerciais com seus produtos e angariaram o respeito dos membros da co­munidade científica internacional que colaboraram com eles.

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