O Rigem Das Riquezas

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CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 52, p. 181-182, Jan./Abr. 2008 181 RESENHA BEINHOCKER, Eric D. The origin o f wealth. Boston: Harvard Business School Press, 2007, 527 pgs. Amílcar Baiardi Poucos livros receberam tantos elogios quan- do do lançamento como A origem da Riqueza, de Eric Beinhocker , considerado pelo autor como uma radical reconstrução da economia e do seu signifi- cado para a sociedade. Para o Washington Post, é “uma brilhante peça da história intelectual” e, para o Financial Time, “um brilhante pensamento pro- vocador e raro livro em termos de abrangência”. Indo à sua gênese, que se poderia esperar de uma reunião na qual estivessem presentes renomados físicos, matemáticos, outros cientistas das chama- das “áreas duras” e biólogos, unidos todos pelo propósito de estudar sistemas complexos, expli- car o que é a vida e propor mudanças no approach epistemológico, o qual deixaria de ser top down para ser botton-up e com um viés holístico? Apa- rentemente, nada que tivesse relação direta com a economia e com a sociedade, correto? Não. Erra- do. Não se restringiram as reflexões e conclusões obtidas aos campos temáticos do grupo original. Ademais, os exercícios intelectuais dessa comunidade científica – conduzidos em Los Ala- mos, no Santa Fé Institute, nas proximidades de onde nasceu a Big Science que deu origem ao Pro- jeto Manhattan – chamaram a atenção de um gru- po de pesquisadores, dessa vez economistas des- contentes com as análises da economia tradicional sobre os fenômenos contemporâneos da acumula- ção capitalista. Então, esse grupo de economistas se insinuou para participar das discussões e atraiu para elas historiadores, sociólogos, antropólogos, psicólogos, etc. Essa nova composição interdisciplinar fez com que os avanços – no terre- no da biologia, do funcionamento do cérebro, dos ecossistemas e da internet – se estendessem tam- bém ao terreno das ciências sociais, alcançando- se, assim, uma primeira proposta, qual seja a de que a sociedade humana, por si só, é um macro- sistema complexo, formado por sub-sistemas que são também bastante complexos. Os passos que se seguiram em temos de reflexões, no que tange às ciências humanas, fo- ram no sentido de mostrar que toda a complexida- de tem suas raízes em uma combinação entre as chamadas tecnologias físicas, TFs, e as tecnologias sociais, TSs, as quais, para Beinhocker, são o acúmulo de conhecimento sobre como produzir, apropriado pela sociedade, e não o que se convenciona denominar, no Brasil, como técnicas toscas, desprovidas de complexidade e passíveis de serem utilizadas por agentes produtivos priva- dos de conhecimento avançado e de capital. Pois bem, a combinação das TFs com as TSs, em um processo de história biológica cheia de colapsos e extinções, seguidas de recriações, segundo o au- tor, funda e re-funda instituições como mercado, a ciência e a organização política. Até esse ponto, o livro de Beinhocker não sinaliza para os grandes riscos planetários, o que começa a ser feito quando ele associa os conceitos de riqueza e de progresso com a curva de adoção de tecnologias produtivas, a partir de 1750, com o início da Revolução Industrial. O apocalíptico enfoque que o livro passa a expor tem sua inspira- ção maior em um diálogo do autor com um chefe tribal Massai, no Kenya. Desse diálogo, Beinhocker intui que os complexos sistemas natureza e socie- dade poderiam continuar em harmonia se o con- ceito de riqueza e as tecnologias sociais fossem equivalentes aos adotados pelos Massai, os quais possibilitam que as aberturas do sistema produti- vo não cheguem a desorganizar a natureza como sistema fechado, mantendo as atividades produti- vas em um nível de baixa entropia.

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Artigo sobre a Origem da Riqueza

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BEINHOCKER, Eric D. The origin o f wealth.Boston: Harvard Business School Press, 2007,527 pgs.

Amílcar Baiardi

Poucos livros receberam tantos elogios quan-do do lançamento como A origem da Riqueza, deEric Beinhocker , considerado pelo autor como umaradical reconstrução da economia e do seu signifi-cado para a sociedade. Para o Washington Post, é“uma brilhante peça da história intelectual” e, parao Financial Time, “um brilhante pensamento pro-vocador e raro livro em termos de abrangência”.Indo à sua gênese, que se poderia esperar de umareunião na qual estivessem presentes renomadosfísicos, matemáticos, outros cientistas das chama-das “áreas duras” e biólogos, unidos todos pelopropósito de estudar sistemas complexos, expli-car o que é a vida e propor mudanças no approachepistemológico, o qual deixaria de ser top downpara ser botton-up e com um viés holístico? Apa-rentemente, nada que tivesse relação direta com aeconomia e com a sociedade, correto? Não. Erra-do. Não se restringiram as reflexões e conclusõesobtidas aos campos temáticos do grupo original.

Ademais, os exercícios intelectuais dessacomunidade científica – conduzidos em Los Ala-mos, no Santa Fé Institute, nas proximidades deonde nasceu a Big Science que deu origem ao Pro-jeto Manhattan – chamaram a atenção de um gru-po de pesquisadores, dessa vez economistas des-contentes com as análises da economia tradicionalsobre os fenômenos contemporâneos da acumula-ção capitalista. Então, esse grupo de economistasse insinuou para participar das discussões e atraiu

para elas historiadores, sociólogos, antropólogos,psicólogos, etc. Essa nova composiçãointerdisciplinar fez com que os avanços – no terre-no da biologia, do funcionamento do cérebro, dosecossistemas e da internet – se estendessem tam-bém ao terreno das ciências sociais, alcançando-se, assim, uma primeira proposta, qual seja a deque a sociedade humana, por si só, é um macro-sistema complexo, formado por sub-sistemas quesão também bastante complexos.

Os passos que se seguiram em temos dereflexões, no que tange às ciências humanas, fo-ram no sentido de mostrar que toda a complexida-de tem suas raízes em uma combinação entre aschamadas tecnologias físicas, TFs, e as tecnologiassociais, TSs, as quais, para Beinhocker, são oacúmulo de conhecimento sobre como produzir,apropriado pela sociedade, e não o que seconvenciona denominar, no Brasil, como técnicastoscas, desprovidas de complexidade e passíveisde serem utilizadas por agentes produtivos priva-dos de conhecimento avançado e de capital. Poisbem, a combinação das TFs com as TSs, em umprocesso de história biológica cheia de colapsos eextinções, seguidas de recriações, segundo o au-tor, funda e re-funda instituições como mercado, aciência e a organização política.

Até esse ponto, o livro de Beinhocker nãosinaliza para os grandes riscos planetários, o quecomeça a ser feito quando ele associa os conceitosde riqueza e de progresso com a curva de adoçãode tecnologias produtivas, a partir de 1750, com oinício da Revolução Industrial. O apocalípticoenfoque que o livro passa a expor tem sua inspira-ção maior em um diálogo do autor com um chefetribal Massai, no Kenya. Desse diálogo, Beinhockerintui que os complexos sistemas natureza e socie-dade poderiam continuar em harmonia se o con-ceito de riqueza e as tecnologias sociais fossemequivalentes aos adotados pelos Massai, os quaispossibilitam que as aberturas do sistema produti-vo não cheguem a desorganizar a natureza comosistema fechado, mantendo as atividades produti-vas em um nível de baixa entropia.

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Amílcar Baiardi. Professor Titular da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. É professorPermanente dos seguintes programas de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia:Administração, Filosofia e História da Ciência e Pesquisador do CNPq.

Entretanto, não é isso o que se observa, umavez que, desde a instauração da escravidão, foramimplantados padrões de relações de produção comformação de excedentes e surgimento da riqueza.Mais tarde, quando, pela via do Iluminismo, sur-ge o conceito de progresso, muito discutível se-gundo o autor, dá-se a potencialização do uso dasTSs, cujo ritmo não pára de crescer desde o sécu-lo XVIII, fazendo com que a humanidade, em ape-nas 0,01 do seu tempo de existência, já tenha gera-do entropia de magnitude ameaçadora para os de-mais sistemas complexos, o que a obriga, em de-terminados casos, a reagir com adaptações queretro-alimentam os desequilíbrios de todos tipos.

Em sua viagem à história, para demonstrarque a ambição pela riqueza, associada ao imperati-vo do progresso e à curva de adoção de TSs, sãoas determinantes das ameaças planetárias do pre-sente, Beinhocker aprofunda-se na teoria econô-mica para demonstrar que a economia tradicionalperde cada vez mais a capacidade de explicar ocontemporâneo e faz um didático quadro compa-rativo para os conceitos de dinâmica, agentes, re-des, emergência e evolução, vistos pela economiatradicional e vistos pelo grupo de economistas queaderiu ao paradigma das complexidades, criandoa Economia da Complexidade.

Entretanto, o livro de Beinhocker não con-tinua pessimista. Em seu oitavo capítulo, destina-do a analisar as diferenças entre Politics e Policy, oinício da convergência ideológica em nome da

racionalidade, o papel da cultura e, no melhor es-tilo weberiano, a propensão humana de encontrarsoluções pela via da cooperação, Beinhocker fazpredições otimistas. Para ele, a humanidade cami-nha para uma sociedade pensante, uma sociedadede cérebros, que buscará resolver os problemas dedesequilíbrios e ineqüidades, entre eles conven-cer a China e a Índia a não seguirem o caminho doocidente industrializado em termos de consumode bens e de energia, como convencer esse últimoa definir e a adotar novos padrões de bem estarque não comprometam a natureza, entre eles a re-conceituação da riqueza e do progresso. Nesse gran-de pacto, inspirado pelo paradigma da complexi-dade, estaria presente também a inclusão econô-mica e social dos 650 milhões de habitantes daÁfrica sub-Saariana. Segundo o autor, nesse gran-de acordo, as instituições criadas pelo homemadotarão visões de longo prazo, endereçadas àsnecessidades da sociedade global, a seremalcançadas mediante um amplo e sustentável ca-minho. Dessa forma, para Beinhocker, estaremospondo em prática o que disse Edmund Burke,quando definiu a sociedade como uma parcerianão somente entre os que estão vivos, mas tam-bém com aqueles que já morreram e com os queainda irão nascer.

(Recebido para publicação em novembro de 2007)(Aceito em abril de 2008)