o Segredo Da Piramide Cap VIII

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GENRO FILHO, Adelmo. O Segredo da Pirâmide: para uma teoria marxista dojornalismo. Florianópolis, Insular: 2012.

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  • Referncia:

    GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirmide - para uma teoria marxista dojornalismo. Porto Alegre, Tch, 1987. pp. 165-182. [Ref.: T196]

    CAPTULO VIII

    Capitalismo e jornalismo:

    convergncias e divergncias

    Foi na segunda metade do sculo XIX que, na Europa e nos EstadosUnidos, ocorreram grandes transformaes na imprensa, coincidindo com aexpanso mundial do capitalismo e o aparecimento de inovaestecnolgicas ligadas direta e indiretamente reproduo e circulao dasinformaes. Nesse perodo, o jornalismo sofreu modificaes profundas. "Atento o jornalismo era um instrumento nas lutas sociais e polticas,identificado com os partidos, difusor de opinies, escritos em estilo literrio,que apenas reservava espao para a informao".

    O capitalismo lanava as bases materiais e sociais para um novo tipode jornalismo.

    "Alguns inventos e inovaes tecnolgicas, como o telgrafo (l840), arotativa (l864), o cabo submarino (l850), a expanso das linhas frreas (l928-1850), a linotipo (l886), o aperfeioamento da fotografia (l897), permitirammelhorar o jornalismo e produzi-lo em menos tempo. O crescimento dapopulao urbana, a diminuio do analfabetismo e o desenvolvimento docorreio contriburam para aumentar o nmero de leitores. A utilizao dosavanos tcnicos e o aumento da circulao, que foi impulsionado com abaixa do preo do exemplar, aumentaram sensivelmente os gastos. O prpriodesenvolvimento do capitalismo mostrou a soluo atravs da publicidade.Os anunciantes se encarregariam de financiar os custos".

    Estava nascendo o jornalismo informativo ou, se preferirmos, o"jornalismo por excelncia". A idia simplista de que "os fatos so sagrados"e de que a opinio pertence a uma rbita autnoma, tornou-se a expresso

  • prosaica do que viria a ser a " ideologia da objetividade", marcando o fim deuma poca na qual a notcia sempre se escrevia entremeada de comentriose salpicada de adjetivos. Tambm os temas da notcia vo mudandogradualmente. Ao lado das questes polticas, econmicas, literrias oucientficas, surgem as informaes sobre acontecimentos banais que, cadavez mais, despertam interesse nos novos leitores e ocupam um espaocrescente nos jornais.

    Na Amrica Latina, esse processo est ligado, como indica FernandoReyes Matta, dependncia informativa que se gerou com base naintegrao e subordinao econmica, poltica e cultural aos Estados Unidos.Desde o final do sculo XVIII, quando nasceu - diz o referido autor -, aimprensa latino-americana era entendida como uma corrente de opinio,tendo se constitudo em expresso significativa das lutas pela independnciae libertao nacional. No sculo passado, quando a imprensa norte-americana j tinha um carter sensacionalista, a imprensa latino-americanaseguia seu estilo literrio e opinativo. A partir dos anos trinta, com apresena mercante do rdio, comea a impor-se o conceito de notciaobjetiva. Principalmente pela integrao econmica, cultural e polticacrescente da Amrica Latina, o que se produzia era uma crescentedependncia informativa. Em 1920, a United Press (hoje UPI) conseguiu seuprimeiro acordo com o dirio La Prensa de Buenos Aires.

    A tonalidade nacionalista dos argumentos de Reyes Matta deixatransparecer, no entanto, mais do que a simples constatao do fatohistrico. Ele pretende sugerir, ao que parece, que teria ocorrido umaarbitrria importao cultural e, atravs dela, a ruptura de uma tradio quepoderia (ou at deveria) ser preservada para sempre, no fosse a dominaoimperialista. Na verdade, o processo de expanso imperialista dos EstadosUnidos e a conseqente subordinao econmica, poltica e cultural daAmrica Latina coincide, em linhas gerais, com o processo de urbanizao eindustrializao dos pases mais adiantados do continente. Para esses pases- entre os quais se inclui o Brasil - a subordinao ao imperialismocorrespondeu a uma forma de integrao no contexto mundial do capitalismoe da civilizao que ele patrocinou. Por isso, em funo tambm de condiesinternas e no apenas externas, o "conceito objetivo de notcia" acabaria seimpondo - ainda que mais tarde -, por derivar de necessidades sociaisgeradas pelo desenvolvimento capitalista.

    Por trs dessa recusa do "conceito objetivo de notcia", que orienta ofazer jornalstico contemporneo, est a tese de que o prprio jornalismo nopassa de um epifenmeno do capital. Um exemplo que tipifica essaabordagem nos dado, outra vez, por Marcondes Filho:

    "O aparecimento do jornal est subordinado ao desenvolvimento da

  • economia de mercado e das leis de circulao econmica. Ou seja, o jornalsurge como o instrumento de que o capitalismo financeiro e comercialprecisava para fazer que as mercadorias flussem mais rapidamente e asinformaes sobre exportaes, importaes e movimento do capitalchegassem mais depressa e mais diretamente aos componentes do circuitocomercial".

    O problema que essa tese, correta em seu sentido geral, vale tantopara o jornalismo como para o telgrafo, o automvel, a televiso, a estradade ferro, etc.

    A cidadania real e a imaginria

    Embora s no sculo XIX tenham surgido alguns inventos quefavoreceram diretamente o jornalismo, o papel apareceu no Ocidente nosculo XII, a imprensa em 1450 e os primeiros jornais (que ainda no eramdirios) j circulavam no sculo XVI. Naturalmente, foram os banqueiros e osmercadores os primeiros interessados em receber e utilizar os jornais.

    Com a inveno de Gutemberg que comeam a se espalhar pelaEuropa (primeiro Itlia e Alemanha), a partir do sculo XVII, as gazetassemanais. Embora tenham nascido, de fato, sombra do interesse dosbanqueiros e mercadores, essas gazetas semanais que se espalharam pelaEuropa (e foram precursoras do nascimento, ainda no sculo XVII, dosprimeiros jornais dirios) j apontavam para uma vocao emergente dojornalismo. "Para estes novos jornais, no se trata j unicamente de informar,mas de distrair e divertir um leitor mundano, cada vez mais culto e curioso.Promoes, anncios e crticas de espetculos, nomeaes, poesias, enigmase discursos acadmicos, misturam-se a, de uma pgina a outra". Adiversificao indica a razo de fundo do sucesso dos jornais, que aquiloque nos interessa situar. O pblico cada vez mais "mundano" e curioso. que esse pblico, com a universalizao progressiva das relaes mercantis ecapitalistas, est cada vez mais ligado, efetivamente, a uma multiplicidadede fenmenos que ocorrem em todos os lugares e, de diferentes maneiras,passam a interferir na vida das pessoas.

    Referindo-se aos vrios jornais peridicos que surgiram na Europa,todos na primeira metade do sculo XVII, Nilson Lage observa: "Basta repararo breve intervalo entre essas datas para concluir que a imprensa peridicavinha atender uma necessidade social difusa". E acrescenta que, nessesjornais primitivos, j o incomum e o sensacional apareciam nos textos.

    Pode-se supor que essa distino ntida entre as "notcias srias" (sobreo comrcio, espetculos, acontecimentos oficiais, etc.) e aquelas sobre

  • "curiosidades" ou fatos incomuns, o que parece ter atribudo umaambivalncia ao contedo desses jornais, possua uma base histrico-socialconcreta. A dificuldade para captar o particular e o universal sob a gide dosingular, isto , dos "fatos", certamente est ligada a uma limitao histrica.No perodo do mercantilismo no havia ainda a dinmica radical daconverso entre o singular, o particular e o universal. Os fatos apareciamcomo se fossem estanques, encerrados numa determinada dimenso darealidade. Por exemplo, uma deciso do governo poderia levar meses ou anospara interferir na vida de um indivduo e gerar todas as suas conseqncias.

    A dinmica radical desse processo somente vai ocorrer mais tarde, como capitalismo. Portanto, o significado social dos fatos mais diversos no eraevidente, j que eles apresentavam mediaes obscuras, longnquas e atmsticas com seus contextos particulares e com a totalidade histrico-social.Os significados sociais s se revelavam quando os fatos nasciam com umacruz na testa, marcados pela autoridade dos acontecimentos econmicos,expressamente culturais ou datados e assinados pelo poder espiritual outemporal.

    Somente mais tarde, a partir da segunda metade do sculo XIX, queas relaes sociais vo implantar uma nova dinmica na complexa rede dedeterminaes entre os indivduos e a sociedade, condicionando uma sriede obrigaes e direitos que tensionam no sentido da igualdade formal comogarantia da desigualdade real. "O sentido individual da leitura jornalstica sesitua, assim, ao nvel da cidadania: condio imaginria do indivduo nasociedade, o qual atravs desse procedimento se inteira daquilo que dizrespeito ao meio de que "scio".

    Pode-se, aqui, apenas corrigir a afirmao de que a cidadaniapatrocinada pela sociedade burguesa uma "condio imaginria". Aocontrrio, a cidadania no capitalismo desenvolvido , via de regra, umarelao histrica real e efetiva. O que imaginrio ou, mais precisamente,jurdico-formal a igualdade que ela implica. A cidadania burguesa constituda por relaes efetivas entre os indivduos, cuja base so asnecessidades do capital de assalariar e submeter trabalhadores "livres".

    Na perspectiva marxista, essa cidadania apresenta, ento, aspectosformais (relativos igualdade) que devem ser concretizados e, de outro lado,aspectos concretos (explorao e opresso) que devem ser erradicados.Portanto, essa relao social envolve dimenses objetivas de universalidadeque transcendem a sociedade burguesa e se projetam como exignciapoltica revolucionria, situada historicamente na perspectiva da explicitaoe autoproduo do gnero humano. E envolve, igualmente, aspectosparticulares referentes dominao de classe, que situam a estrutura socialcomo politicamente antagnica s prprias possibilidades da totalidade. o

  • fenmeno que Lukcs chamou de "centralidade ontolgica do presente".

    Assim, a universalidade referida aqui nada tem a ver com a tese da"democracia como valor universal", defendida pelos eurocomunistas e outrosque pretendem apenas reformar as instituies burguesas para transitar demodo ordeiro e pacifico ao reino do socialismo. As dimenses concretas dacidadania burguesa que apontam para o futuro, no sentido da verdadeiraigualdade, esto assentadas nas relaes de trabalho cada vez maissocializadas e na prpria igualdade formal. Mas tanto uma como a outraesto inseridas numa totalidade cujas relaes sociais so de explorao eopresso da grande maioria da sociedade pelos detentores do capital.

    A necessidade do jornalismo informativo envolve, portanto, essacontradio entre a cidadania real e, digamos, a "cidadania potencial" que constituda pelo capitalismo. A cidadania burguesa implica uma situaoprtica e efetiva de universalidade dos indivduos. Uma universalidade que,em graus variveis, vai atingir a todos. Mas essa cidadania estcomprometida com a desigualdade econmica, social e poltica. O jornalismoinformativo encarna essa ambivalncia, cuja explicao est na relaodialtica entre a particularidade e universalidade do prprio modo deproduo capitalista.

    Por um lado, o jornalismo vem suprir necessidades profundas dosindivduos e da sociedade que, teoricamente, independem das relaesmercantis e capitalistas, embora tenham sido necessidades nascidas de taisrelaes e determinadas por elas. No se trata, ento, de carnciasmeramente subjetivas ou ideolgicas dos indivduos que, atravs dojornalismo, teriam reforada sua "condio imaginria" de cidadania. Poroutro lado, em virtude do carter de classe da sociedade burguesa, ojornalismo cumpre uma tarefa que corresponde aos interesses de reproduoobjetiva e subjetiva da ordem social.

    Nesse sentido, a jornalismo desempenha seu papel ideolgico dereforar tambm determinadas condies imaginrias de cidadania,preparando os indivduos e as classes para a adeso ao sistema. Isso ocorre,tanto atravs da produo de um conhecimento que coincide com apercepo positivista que emana espontaneamente das relaes reificadasdo capitalismo, como pela reproduo e ampliao dessa percepo, a fim degarantir que a universalidade conquistada pelo capital continue sob a gideparticular dos interesses capitalistas.

    essa contradio que forma a base histrica para que o jornalismoseja um fenmeno ambivalente, j que esse conflito atravessa a lgicajornalstica. esse fenmeno que autoriza pensar num jornalismo informativofeito sob uma tica de classe oposta e antagnica tica burguesa, assim

  • como abre brechas para certas posturas crticas ordem burguesa nosveculos controlados pelas classes dominantes. Esse ltimo aspecto depende,no apenas da capacidade terica e tcnica do jornalismo, da sua ideologia etalento, mas tambm de uma dupla relao de foras: a luta poltica internana redao e a luta mais ampla - e fundamental - pela influncia e o controlesobre os meios de comunicao. So batalhas que se travam na redaes esindicatos das categorias, mas basicamente fazendo com que o movimentooperrio e popular assimile e adote bandeiras polticas vinculadas a essaquesto.

    A notcia como produto industrial

    Para uma abordagem terica do jornalismo, imprescindvel delimitarcom preciso o conceito de notcia, ao invs de generaliz-lo como fazem amaioria dos autores. Nilson Lage afirma que se considerarmos que "a notcia,no sentido mais amplo e desde o tempo mais antigo, tem sido o modocorrente de transmisso da experincia - isto , a articulao simblica quetransporta a conscincia do fato a quem no o presenciou - parecerestranho que dela no se tenha construdo uma teoria".

    A notcia jornalstica no pode ser considerada como uma modalidadeda informao em geral. No foi a transmisso genrica da experincia - oque sempre ocorreu em sociedade - e sim a transmisso sistemtica, pordeterminados meios tcnicos, de um tipo de informao necessria integrao e universalizao da sociedade, a partir da emergncia docapitalismo, que deu origem notcia jornalstica.

    "Mudou, de fato, o modo de produo da notcia: crenas e perspectivasnela includas no so mais as do indivduo que a produzia, mas dacoletividade hoje produtora, cujas tenses refletem contradies de classe oude cultura. Provavelmente uma boa razo para o descrdito contemporneode uma teoria da notcia se encontre no carter coletivo, industrial, daproduo desse bem simblico".

    Ora, o motivo desse suposto descrdito apontado por Lage - o cartercoletivo e a produo industrial da notcia - precisamente a consideraobsica e preliminar para uma teoria do jornalismo e da notcia enquantoforma de conhecimento historicamente condicionada.

    O jornalismo, enquanto forma especfica de transmisso deinformaes, requer um meio tcnico apropriado capaz de multiplicar etransportar a mesma informao em propores de espao e temporadicalmente diferentes da comunicao interpessoal direta ou dos mtodosartesanais. Por isso, a "indstria da informao" surge como uma extenso da

  • indstria propriamente dita e encontra nela sua base material, seu corpo deexistncia.

    A distino entre jornalismo e imprensa, conseqentemente, fundamental: a imprensa o corpo material do jornalismo, o processo tcnicodo jornal - que tem sua contrapartida na tecnologia do rdio, da TV, etc. - eque resulta num produto final, que podem ser manchas de tinta num papelou as ondas de radiodifuso. O jornalismo a modalidade de informao quesurge sistematicamente destes meios para suprir certas necessidadeshistrico-sociais que, conforme j indicamos, expressam uma ambivalnciaentre a particularidade dos interesses burgueses e a universalidade do socialem seu desenvolvimento histrico.

    Assim como os produtos industriais diferem dos artesanais, tanto pelasrelaes sociais em que esto inseridos como pelas caractersticasintrnsecas que decorrem nos produtos, a comunicao jornalstica tem suanatureza prpria, distinta da comunicao interpessoal e das demais formaspr-industriais.

    bastante comum a crtica liberal de que o jornalismo moderno estalicerado numa estril "impessoalidade", pois o emissor no se apresentacomo um indivduo em carne e osso, com nome e endereo. Esse tipo decrtica situa-se numa larga tradio de crtica do capitalismo industrial, sejaquanto aos objetos materiais de consumo como em relao aos produtosculturais e artsticos. Sua fonte ideolgica , no que diz respeito aosconsumidores, aristocrtica.

    J vimos como a Escola de Frankfrut acaba defendendo uma posioelitista em termos culturais. Podemos observar tambm certos segmentosburgueses que cultuam uma tradio aristocrtica como elemento dediferenciao dentro das prprias classes dominantes, valorizando mveis ouobjetos ornamentais "feitos mo" e, por isso, "originais". Porm, no que dizrespeito aos produtores diretos, essa crtica da "despersonalizao" daatividade jornalstica possui outra fonte ideolgica: ela expressa osaudosismo dos artesos e pequenos-burgueses que perderam suaidentidade ao longo do processo que os subjugou ao capital comotrabalhadores assalariados. Ocorre que o jornalista, atualmente, deixou deser um "intelectual" no sentido adjetivo dessa palavra, tornado-se algumque - salvo excees - apenas um "trabalhador intelectual" (no sentidosubstantivo) especializado. As velhas geraes de jornalistas, principalmente,no se conformam com essa perda de status intelectual.

    A crtica da "despersonalizao" do jornalismo informativo demonstra,apenas, que a essncia da questo no foi sequer tocada por tais anlises e,conduz, geralmente, a uma apologia, aberta ou velada, do jornalismo do

  • passado, quando a subjetividade e as idiossincrasias dos redatores eram oaspecto dominante na notcia. Os fatos singulares que, supostamente,estavam sendo informados, precisavam ser procurados como a um pequenopssaro verde numa floresta exuberante, entre adjetivos, metforas,parfrases, anacolutos e literatices diversas.

    O problema central que, assim como os produtos industriais no somais confeccionados pelo modesto arteso e suas ferramentas individuais,mas coletivamente numa linha de montagem, a informao jornalsticamanifesta - predominantemente - uma percepo de classe ou grupo social.O talento, a capacidade tcnica e a viso ideolgica pessoal de cadajornalista so importantes, como j foi acentuado, e podero at prestigi-lodiante de seus colegas e do pblico, no tanto como criador, masprincipalmente como intrprete de uma percepo social da realidade, queele vai reproduzir e alargar.

    Enfim, o aspecto esttico, ou essencialmente criador - quando se tratade jornalismo -, embora tenha seu espao garantido em qualquer atividadedo esprito (mesmo na aridez da cincia), ser sempre subordinado aoprocesso de conhecimento cristalizado no singular. Isso quer dizer que osaspectos lgicos subjacentes apreenso do real atravs do singular-significante sero predominantes na atividade jornalstica tomada em seuconjunto.

    Sob a inspirao de Benjamin

    J referimos, na discusso sobre a Escola de Frankfurt, que Adorno,Horkheimer e Marcuse formam uma vertente importante nas tentativas deteorizao sobre a cultura de massa e o jornalismo. As agudas crticas suprestrutura ideolgica e cultural do capitalismo monopolista e do"socialismo" stalinista possuem mritos tericos e polticos inquestionveis. Ojornalismo, por seu turno, foi tratado como um dos aspectos da "indstriacultural" e desprezado como fenmeno distinto. Em conseqncia, opressuposto da cultura como manipulao e, alm disto, a falta deespecificidade no tratamento do fenmeno jornalstico, impediram umaabordagem capaz de transcender a mera crtica do jornalismo comoreproduo da ideologia burguesa.

    Portanto, resgatar Walter Benjamin - embora ele no tenha avanadona questo particular do jornalismo - tomar um outro caminho. Permiteiniciar uma crtica determinados pressupostos que impedem acompreenso terica do problema. Benjamin percebe as enormespotencialidades culturais e estticas que nascem com a reprodutividadetcnica, ao mesmo tempo que se dissolve a "aura" das obras de arte, que

  • estaria ligada idia do "original" e teria suas origens longnquas na magia.Ele reconhece, no terreno cultural e esttico, as inovaes tecnolgicas comoparte de uma prxis que ultrapassa a manipulao de classe a quepresentemente servem tais instrumentos, ou seja, enquanto criao histricade possibilidades culturais socialistas e comunistas.

    Fortemente influenciado por Benjamin, Hans-Magnus Enzensbergerindica as potencialidades poltico-revolucionrias dos meios eletrnicos decomunicao, confrontando igualmente com a tradio de Frankfurt. ParaEnzensberger os meios de comunicao no podem ser considerados comosimples instrumentos de consumo ou manipulao. "Em princpio, sempre soao mesmo tempo meios de produo. E uma vez encontrando-se nas mosdas massas, so meios de produo socializados". Ele nota uma funo dosmeios que ultrapassa as necessidades estritas de reproduo do capital: "Osmeios eletrnicos no devem seu irresistvel poder a nenhum artifcioardiloso, mas fora elementar de profundas necessidades sociais, que semanifestam mesmo na atual forma depravada de tais meios".

    Sob o influxo dessa perspectiva terica, tomada em seu sentido geral eno pelas concluses particulares extradas pelos autores, talvez sejapossvel dar um passo frente. Quer dizer, reconhecer as potencialidadesdos meios de Comunicao modernos no s no que tange s configuraesculturais e polticas que esto nascendo - e apontam para o futuro -, masigualmente em relao a uma nova forma de conhecimento.

    Noutras palavras, admitir o surgimento de uma nova forma social deconhecimento como, por exemplo, foi o caso da cincia e da arte (emboraesta ltima no se limite a essa funo). Tais formas de conhecimentosurgem com base no desenvolvimento tecnolgico e correspondem adeterminadas "necessidades sociais profundas", para repetir a expresso deEnzensberger. So, ento, incorporadas historicamente como novasmodalidades de apropriao subjetiva do mundo e transcendem o modo deproduo que est na sua origem. Noutro plano, mas de modo semelhante,surgem muitas disciplinas cientficas novas como, por exemplo, nasceu aantropologia no contexto do colonialismo. E, hoje, ela est se legitimandocada vez mais como uma abordagem original e imprescindvel compreenso da sociedade, inclusive com uma forte corrente anticolonialistae anti-imperialista.

    O surgimento do jornalismo pode ser situado no contexto desse modelodialtico. No se trata de um fenmeno eterno, dotado de uma essnciaapriorstica ligada ao conceito metaf- sico do homem, mas to somente deum fenmeno histrico que ultrapassa a base social imediata que o constitui,a saber, o capitalismo. A essncia do homem , ela tambm, um processo eno uma substncia inerte. Ou, o que significa a mesma coisa, a substncia

  • essencial do ser humano precisamente o processo - seu processo deautoconstruo.

    A cincia, tal como era concebida, ou seja, um ramo especulativo dafilosofia, foi superada pela cincia moderna, baseada na experimentao esujeita a determinados preceitos lgicos e sistemticos. Esse tipo de cincia,um dia poder vir a ser superada por outra forma de saber que consiga,talvez, uma reintegrao com a filosofia em novas bases, fazendo da cinciacontempornea um momento subordinado desse novo patamar doconhecimento. No importa, neste caso, qual seja o futuro, mas apenasassinalar que ele ser diferente do passado e do presente. E que ojornalismo, algum dia, poder tambm vir a ser radicalmente transformado.Mas o que estamos procurando acentuar que o jornalismo nodesaparecer com o fim do capitalismo e que, ao contrrio, ele est apenascomeando a insinuar suas imensas possibilidades e potencialidadeshistrico-sociais no processo de autoconstruo humana.

    Como forma histrica de percepo e conhecimento ele est no fim docomeo, no no comeo do fim. Noutras palavras, no entardecer docatalismo, em que estamos adentrando, o jornalismo recm est chegando sua juventude.

    A fecundidade do singular e a necessidade da manipulao

    O jornalismo moderno possui no s um potencial crtico erevolucionrio na luta contra o imperialismo e o capitalismo, mas um"potencial desalienador" insubstituvel para a construo de uma sociedadesem classes. Ele permite, pela natureza mesma do conhecimento que produz,uma imprescindvel participao subjetiva no processo de significao do sersocial.

    No capitalismo, as singularidades em que se manifestam os fenmenossociais tendem, pela interpenetrao e a dinmica de tais manifestaes, aexpressar cada vez com mais vigor e evidncia as contradies fundamentaisda sociedade. Alm disso, existem contradies (embora no antagnicas)entre a ideologia pequeno-burguesa dos setores assalariados ligados aotrabalho intelectual, como os jornalistas, e os interesses polticos do capitalmonopolista, reproduzindo vises diferenciadas e percepes crticas dosfenmenos sociais. Finalmente, em virtude do aguamento das contradiesglobais do modo de produo capitalista, das lutas econmicas que surgemespontaneamente e das lutas polticas promovidas conscientemente pelasvanguardas, aumenta a capacidade crtica das massas em geral e doproletariado em particular. Isso proporciona uma possibilidade maior deapreenso das conexes que o jornalismo burgus procura obscurecer ou

  • distorcer.

    Em conseqncia dos fatores apontados acima, a tendncia dojornalismo hegemonizado pelos interesses da burguesia monopolista ainstituio crescente de formas planejadas e deliberadamentemanipulatrias.

    Por sua lgica intrnseca de perseguir o singular e expressar suasignificao imediata, o jornalismo ao refletir a hegemonia da ideologiadominante, expressa tambm as contradies com as quais ela se debate, medida que obrigado a respeitar certa hierarquia objetiva dos fenmenos.Ou seja, enquanto se aprofundam as contradies do capitalismo, ojornalismo tende a refletir espontaneamente aspectos crticos da prpriaobjetividade que reproduz. A soluo o controle mais estrito eideologicamente mais cuidadoso dos meios de comunicao e dasinformaes elaboradas.

    Em sntese, o carter objetivo das contradies que se avolumam nocapitalismo, lana sementes de crise na prpria "objetividade burguesa" dojornalismo, reforando a necessidade da manipulao. Alis, a utilizao dainformtica, cada vez mais intensa, amplia essas possibilidades de controle ehierarquizao do processo informativo.

    A informao jornalstica, vale insistir, e a base tcnica para suaproduo (imprensa, rdio e TV) nasceram no bojo do mesmo processo dedesenvolvimento das relaes mercantis. Surgiu, ento, o jornalismo comouma forma social de percepo e apropriao da realidade, correspondendo aum aspecto determinado da prxis humana.

    Ocorre que o objeto da apropriao prtica dos homens , cada vezmais, a totalidade do mundo social e natural. Cada indivduo exerce suaatividade no apenas sobre uma parcela dessa realidade, mas sobre atotalidade, atravs das mediaes objetivas e subjetivas que se constituemcom o avano das foras produtivas e a socializao da produo.

    Portanto, cada indivduo, em alguma medida, precisa aproximar-sedessa realidade atravs de uma relao tanto mediata como imediata.Sabemos que o "imediato" que ele percebe pelos meios de comunicao no, realmente, algo dado imediatamente, mas uma realidade elaboradasistematicamente em funo de certas tcnicas e segundo um ponto de vistaideolgico. Trata-se, portanto, do resultado do processo de apreenso eelaborao feito por intermedirios. Mas sabemos, do mesmo modo, que o"imediato" que ele v com seus prprios olhos - quer dizer, que ele percebediretamente pelos sentidos - a rigor, tampouco uma realidade semmediaes.

  • Entre o sujeito individual e o objeto permeia todo um mundo histrico -o crebro dos mortos oprime o crebro dos vivos, como disse Marx -, acultura, os conhecimentos e conceitos acumulados e a prpria ideologia.Assim, todo o imediato tambm mediato, como todo o mediato, no final dacadeia de percepes, apreendido como imediato em relao s mediaesprecedentes e subseqentes.

    O que diferencia um do outro, relativamente, o grau de generalidadecristalizada na formulao que vai subsidiar o conhecimento, conforme apredominncia do singular, do particular ou do universal. Alm disso, h quese considerar tambm a natureza das mediaes: se so apenas aquelasintrojetadas atravs da cultura (como na percepo individual direta) ou seexistem objetivamente enquanto instrumentos, atividade social e mtodoatuantes na mediao (tal como ocorre no jornalismo). Neste ltimo caso, oproblema da linguagem torna-se crucial para a compreenso e acaracterizao da forma de conhecimento, j que ela vai expressar aorganizao racional das mediaes em seu conjunto.

    O processo de mediao inerente ao conhecimento jornalstico, queenvolve instrumentos adequados a uma atividade social organizada, exigeuma linguagem que otimize a predominncia da singularidade. A"funcionalidade" da linguagem jornalstica, a que se referem certos autores,pode ser explicada fundamentalmente tomando por critrio essa exigncia.

    verdade que a linguagem jornalstica deve ser pertinente tanto ao"registro formal" como ao "registro coloquial", buscando ao mesmo tempoobter o mximo de informao em menor espao, atravs de um estiloconciso, claro e preciso. Mas o que oferece sentido a essas exigncias eestabelece uma lgica entre elas a natureza do conhecimento que ojornalismo produz. Afinal, a conciso, a clareza e a preciso so importantesem muitas outras formas de comunicao e no s no jornalismo. Adensidade informativa tambm exigida em outras formas de comunicao.Um relatrio eficiente ou uma ata bem elaborada no podem dispensarnenhuma das qualidades referidas acima.

    No jornalismo no se pode dizer, por exemplo, que "a burguesia procurareprimir as greves porque elas ameaam a reproduo ampliada do capital",afirmao que poderia caber num ensaio de cincias sociais. Dir-se- algocomo: "os diretores da Ford, fulano e beltrano, pediram a interveno doExrcito para reprimir os piquetes grevistas, depois que a proposta patronalfoi rejeitada numa assemblia de cinco mil trabalhadores, realizada ontem tarde no ptio da empresa. (... )"

    A linguagem cientfica tem uma configurao universal. Ela buscadissolver as singularidades e particularidades, para mant-las superadas nos

  • conceitos e categorias universais e nas formalizaes universalizantes. claro que, na cincia, no est em jogo uma espcie de universal puro, o queseria uma concepo idealista. medida que as singularidades eparticularidades so superadas, elas passam a existir como determinaesvirtuais do universal, recolhidas pelo conceito em sua concreticidade.

    A linguagem jornalstica quer apreender a singularidade, mas s podefaz-lo no contexto de uma particularidade determinada, ou seja, no contextode generalizaes e conexes limitadas capazes de atribuir sentido aosingular sem, no entanto, dissolv-lo enquanto fenmeno nico e irrepetvel.

    Por um lado, os conceitos cientficos ou tericos tendem a diluir a forada experincia imediata - o singular - no interior de uma abstrao ou mesmode uma concretitude intangvel percepo dos indivduos. Por outro lado, aadjetivao excessiva tende ao formalismo do universal-abstrato ou a umatica puramente normativa. Se afirmo, por exemplo, que um determinadohomem que espancou sua mulher praticou "um ato de crueldade", estouqualificando universalmente o fato, isto , tornando-o simplesmente umexemplar do gnero de "atos cruis" j sobejamente conhecidos. Assim, nopermito que o prprio evento contribua com sua singularidade paracomplexificar, acrescentar ou negar, com sua determinao irrepetvel, acompreenso particular e universal que o pblico tem da crueldade. Perde-sea fecundidade do singular como dimenso legtima e criadora da realidade edo conhecimento.