O sentimento do outro - Artur da Távola
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Transcript of O sentimento do outro - Artur da Távola
O mais difícil dos sentimentos é o sentimento do outro.
O outro é ele e és tu. Ele é realmente o outro ou
é a parte tua que não queres ser, saber, ver ou aceitar?
Tu és o outro para os outros, logo és igual a ele.
Todos somos “outros”.
E, no entanto o outro invade, ameaça, mastiga de boca aberta,
irrita, eriça, machuca.
Até teu filho é o outro.
E tu, pobre pretensioso, pensas que ele é teu...
O sentimento do outro quantas vezes te faz parar, meditar, deixar
de fazer o melhor que tens ou podes, só porque o outro é o
mistério que te ameaça.
Por que o outro te ameaça?
Porque és tu.
Quanto maior teu sentimento do outro, maior será teu o sentimento
do melhor e do pior que tens.
O sentimento do outro não é sentir por ele.
É saber o que ele sente.
É avaliar o como e o quanto ele sente.
O sentimento do outro não é o masoquismo
de fazer teu, um sofrimento que só a ele pertence.
É dimensionares a medida certa do sofrimento dele e só poderes ajudar porque
não fazes teu um sofrimento que é alheio mas o entendes e sentes, na exata medida
de sua extensão, sem as marcas e as limitações
da dor enquanto dói.
Não é ficar como o outro.
É ficar com o outro.
O sentimento do outro é quase um milagre.
Cuidado com ele, vai te obrigar a ceder,
a entender.
Atrapalhará para sempre teu desejo,
tua gula e vontade.
O sentimento do outro é aquilo que é
mais prático não ter.
Mas, em caso positivo é contágio de saúde:
não podes deixar de exercê-lo.
Senão fermentas.
Senão apodreces.
Ele freará tua vitória, calará teu brilho e tua boca,
impedirá tua vaidade.
Pode, até, te pregar a suprema peça de te fazer entender
os detestáveis.
Cuidado com ele!
Quanto maior, mais anulador!
Quanto mais anulador, mais repleto de grandeza.
O sentimento do outro, talvez te faça tímido, herói,
cais, antena.
Ser antena dilacera, sabias?
O sentimento do outro te exigirá nervos, músculos, e
uma paciência de anacoreta.
Quanto mais o outro o perceba em ti, mais ele te invadirá,
cobrará, exigirá, até quando, exaurido, ainda consigas juntar os cacos do teu cansaço para,
ainda assim, prosseguir.
O sentimento do outro é tua glória
e tua tragédia!
Tanto mais o terás quanto encontres em ti
os escaninhos escurecidos do que és e, ao mesmo tempo
as luzes do que, ainda puro, brilha em ti.
FORMATAÇÃO: Mima (Wilma) [email protected]
MÚSICA: Dreaming (Schumann)(Repasse com os devidos créditos)
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