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Rua dos Duques de Bragança, 7E -1249-059 LISBOA - Portugal | http://www.jornalistas.eu/ Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas Observatório de Deontologia Nº 3 - Junho 2010 do Jornalismo pág. 12 ÉTICA, JUSTIÇA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO Processos indemnizatórios agravam constrangimentos à liberdade de expressão Ilustração de Maria Ramos Partidos censuram acto do deputado Ricardo Rodrigues CD recebido por todos os grupos parlamentares Cada vez são mais frequentes os processos cíveis contra jornalistas por “danos aos direitos de personalidade”, confirmou a Procuradoria-Geral da República. Tais processos, porque constantes e com indemnizações tão elevadas, põem em risco a sobrevivência das publicações e intimidam os jornalistas no seu dever de informar. » O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, considera a independência da imprensa face aos poderes político e económico, mas também a sua isenção, como valores intrínsecos à função pública de informar. Pág. 3 O Juiz Desembargador Rui Rangel considera que “a liberdade de expressão não é um direito do jornalista, mas um direito do cidadão, um direito da sociedade”. As suas declarações ao «Observatório de Deontologia do Jornalismo» constituem um libelo a que ninguém escapa. Jornalistas, editores, empresas da comunicação social, justiça e políticos são alvo de críticas acutilantes. Pág. 7

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Rua dos Duques de Bragança, 7E -1249-059 LISBOA - Portugal | http://www.jornalistas.eu/

Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Observatório de DeontologiaNº 3 - Junho 2010 do Jornalismo

pág. 12

ÉTICA, JUSTIÇA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Processos indemnizatórios agravam constrangimentos à liberdade de expressão

Ilustração de Maria Ramos

Partidos censuram acto do deputado Ricardo RodriguesCD recebido por todos os grupos parlamentares

Cada vez são mais frequentes os processos cíveis contra jornalistas por “danos aos direitos de personalidade”, confirmou a Procuradoria-Geral da República. Tais processos, porque constantes e com indemnizações tão elevadas, põem em risco a sobrevivência das publicações e intimidam os jornalistas no seu dever de informar. »

O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, considera a independência da imprensa face aos poderes político e económico, mas também a sua isenção, como valores intrínsecos à função pública de informar. Pág. 3

O Juiz Desembargador Rui Rangel considera que “a liberdade de expressão não é um direito do jornalista, mas um direito do cidadão, um direito da sociedade”. As suas declarações ao «Observatório de Deontologia do Jornalismo» constituem um libelo a que ninguém escapa. Jornalistas, editores, empresas da comunicação social, justiça e políticos são alvo de críticas acutilantes. Pág. 7

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Estes, a par dos que exis-tem pelo crime de “viola-ção do segredo de justiça”, acrescentam uma agravan-te aos “condicionalismos” à liberdade de expressão dos jornalistas, quer sejam de carácter politico quer económico, o que alguns referem como “auto cen-sura” mas que para outros profissionais é simples-mente “censura” em mol-des modernos.

Existem dezenas de pro-cessos movidos contra jor-nalistas sempre que apa-rece um caso que envolve figuras públicas com res-ponsabilidades perante os cidadãos. Devido a uma maior sensibilidade dos magistrados na pondera-ção dos direitos em causa, alguns acabam por ser ab-solvidos ou as queixas ar-quivadas.

O dever de informar e o interesse público têm, na orientação da jurisprudên-cia europeia, maior con-templação, com prevalên-cia da liberdade de expres-são prevista no artº10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e que foi ratificada por Portugal em 1978.

Até Março de 2010, ha-via uma dezena de casos de condenação do Estado Português por “entraves à liberdade de expressão”, obrigando-o a pagar in-demnizações aos jornalis-tas penalizados pelos tribu-nais portugueses. Alguns haviam sido absolvidos em primeira instância, mas por recurso da parte queixosa foram condenados em sede de Supremo Tribunal de Justiça.

Tais decisões, referem-se maioritariamente à sobre-valorização pelos tribunais portugueses da honra ou o bom nome de políticos, em detrimento do interesse público das matérias noti-ciosas.

É entendimento da ju-risprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), confir-mável nos vários acórdãos emitidos, que qualquer pessoa, incluindo os jor-nalistas, que exerça o seu direito à liberdade de ex-pressão assume “deveres e responsabilidades”. A pro-tecção daquele artigo não nos isenta de cumprir as leis penais em vigor.

A principal conflituali-dade incide sobre “viola-ção do segredo de justiça”, “difamação”, e ainda “o segredo profissional do jornalista”, “imagem” e “privacidade”.

As queixas tendem a aumentar sempre que se tratem de processos que envolvem figuras do po-der político e económico e em casos de “teias” de re-lações dos chamados “cri-mes de colarinho branco”, como os casos “Casa Pia” (pedofilia), “Face Oculta” (económico”) “Freeport” (tráfico de influências) e “Apito Dourado” (despor-to), entre outros. A que acrescem outros de gran-de influência com carácter social, politico e diplomá-tico, como o Caso Maddie (desaparecimento de crian-ça inglesa no Algarve).

A orientação da jurispru-dência europeia tem sido de dar prevalência ao inte-resse público de informar

e, mesmo nos processo de danos aos direitos de per-sonalidade, o sentido das decisões tem resultado da ponderação entre os fac-tos serem verdadeiros e não prejudicarem a inves-tigação eventualmente em curso.

A lei portuguesa tutela em geral, no art. 70.º do Código Civil a persona-lidade individual, deter-minando a protecção dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade fí-sica e moral, e especifica-mente protege no art. 484.º do CC aspectos particula-res da personalidade mo-ral, impondo a reparação dos danos causados por “quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa singular ou colectiva”.

A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, não obstante o respectivo lugar constitucional (arts. 37.º e 38.º da CRP), es-tão, como outros direitos fundamentais, sujeitas a condições ou limites que são impostos pela conside-ração de outros valores ou direitos com semelhante dignidade constitucional.

No entanto, destacados académicos mantém o entendimento de que há crimes que continuarão a ter supremacia, ainda que haja interesse público na informação descrita como a defesa da honra que, di-zem, “se situa no âmbito superior dos direitos de personalidade e é por isso hierarquicamente superior à liberdade de impren-

sa” (cf. Jónatas Machado, Liberdade de Expressão: Dimensões Constitucio-nais da Esfera Pública no Sistema Social, 2002, pág. 767).

Sempre que se atinge o “coração do poder político” processos aumentam

Um corpo ético e qua-litativo jornalístico exige princípios e também leis protectoras da liberdade dos órgãos de comunicação social e dos seus profissio-nais, alerta a Federação In-ternacional de Jornalistas, equacionando que os prin-cípios constitucionais são “janelas abertas para a de-mocracia, mas os mesmos exigem que se verifique o seu cumprimento prático”.

Sobre esse cumprimento ou falta dele, bem como »

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das infracções à ética e da adequabilidade de leis protectoras da liberdade de expressão, o «Obser-vatório de Deontologia do Jornalismo» ouviu diferen-tes profissionais de vários órgãos de comunicação social, que se dedicam ao jornalismo de investigação e ao quotidiano judicial, uma das áreas de traba-lho mais complexas e que maior quantidade de pro-cessos gera.

A necessária formação dos jornalistas em áreas específicas e a hipotética revisão de leis, que cons-tituem um paradoxo ao direito de infomar, foram questões transversais a to-dos os profissionais.

Felícia Cabrita, actual-mente jornalista no “SOL” e uma das profissionais que já sofreu ameaças fí-sicas quando da investiga-ção do caso Casa Pia (um cameraman chegou a ser

atropelado), considera que os processos contra os pro-fissionais de comunicação social “são para nos cala-rem. São tentativas intimi-datórias assustadoras”.

Está convicta de que “há pessoas a ressuscita-rem a censura, servindo-se de todos os expedientes”. “Somos responsáveis, pois temos deixado que o poder político faça tudo”, con-sidera Felícia Cabrita que diz acreditar agora mais na sociedade civil do que no próprio Estado.

Considera que as leis têm sido casuísticas em reacção aos processos mais mediá-ticos porque “atingem o coração da política”. Refe-re o exemplo mais recente sobre as escutas, a propó-sito do “caso TVI/PT”, em que se pretende que só pos-sam ser utilizadas com o consentimento do visado, o que, à partida, se cons-tata ser “uma concepção

ridícula”.Mais leis são, em seu

entender, desnecessárias, pois elas já estão “contra nós” e, mesmo os poderes intermédios” são de no-meação política como a ERC – entidade reguladora de comunicação social”, exemplifica.

Acusa de inércia o Sindi-cato e o Conselho Deonto-lógico dos Jornalistas e cri-tica a própria classe que se acomoda no silêncio, atitu-te que, observa, só pode ser de “cumplicidade com o poder político”. “Assiste-se em directo ao «gaman-ço», de um gravador, por uma pessoa que por acaso é deputado e que preside à Comissão de Direitos Li-berdades e Garantias” e, “

a classe é incapaz de pro-mover um debate “.

Sobre a formação dos jornalistas, Felícia Cabrita nota que as camadas mais novas estão preparadas e por vezes até se excedem nas precauções, chegando ao ponto de guardar na cas-sete a frase de pedir licen-ça para gravar e respectiva resposta confirmativa, pois “já sabem que até por aí os tribunais podem pegar...” E quanto às fontes a pro-teger, “elas são sagradas”. Recorda que por causa dis-so o jornalista Manso Preto foi preso.

Uma das mais graves fal-tas dos jornalistas é “o não ‘checar’ as informações”, divulgando-as sem as in-vestigar e confrontar. »

O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, considera a independência da imprensa face aos pode-res político e económico, mas também a sua isenção, como valores intrínsecos à função pública de infor-mar.

Convidado pelo «Obser-vatório de Deontologia do Jornalismo», a comentar a suficiência legislativa de garantia da liberdade de expressão e de protecção dos jornalistas, Pinto Mon-teiro concedeu o seguinte depoimento:

“A liberdade de impren-sa é hoje considerada um direito fundamental. A imprensa tem a função pú-blica de informar, embora

nem toda a actividade da imprensa se revele como um meio adequado e ra-zoável de cumprimento da função pública de informar face ao caso concreto.

A liberdade de impren-sa é fundamental e con-tribui de forma relevante para assegurar a transpa-rência da Administração Pública e para alertar não só o cidadão, mas também os poderes instituídos para a necessidade de protecção

PINTO MONTEIRO:

Imprensa tem de manter-se “isenta, independente, consciente e preparada”

de alguns face a ilícitos que durante muitos anos ti-veram tratamento de desfa-vor (caso de violência nas escolas, violência contra os idosos, violência do-méstica, por exemplo).

É importante que se mantenha isenta, indepen-dente dos poderes político e económico, consciente e preparada.

Só assim cumprirá a fun-ção pública de informar.”

“Há pessoas a ressuscitarem a censura, servindo-se de todos os expedientes”

Felícia Cabrita, “SOL”

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Notou também a existên-cia de falta de ética dos jornalistas entre si: “Já me aconteceu, recentemente. Num trabalho apresenta-do na SIC, sobre Graça Machel e Nelson Mande-la, foi utilizado material meu, feito quando eu es-tava ainda no ‘Expresso’, sobre mulheres no séxulo XXI e nem sequer houve a delicadeza de me dizerem algo. Fui confrontada com ele, quando olhei para a televisão e vi que a autora era Cândida Pinto... ainda por cima uma fraude que não vem de uma jornalista qualquer...”

A jornalista nota que as cláusulas sobre os direitos de autor, quanto ao traba-lho jornalístico, deviam ser revistas, pois “há trabalhos que são utilizados por di-versas publicações de um mesmo grupo, que são in-seridos em diferentes con-textos e que, abusivamen-te, são colados a uma outra coisa”, explicou.

É urgente “cordão de segurança ético” de distância entre os jornalistas e o Poder

José António Cerejo, do jornal “Público” é peremp-

tório: “Actualmente há condicionalismos à liber-dade de expressão como nunca houve na última década”. Considera que “os jornalistas tem de ter capacidade para enfrentar as diferentes limitações, que tanto ocorrem na alta política como na pequena frequesia, nas associações patronais ou em pequenas empresas”.

Considera que há respon-sabilidade dos jornalistas que por vezes não estabe-lecem o necessário “cor-dão de segurança” no seu relacionamento e envolvi-mento com as histórias das “fontes”.

Em sua opinião as leis existentes são suficientes, embora exista um parado-xo nos processos de natu-reza cível, aqueles onde as indemnizações são cada vez mais elevadas. São mais fáceis de colocar por-que basta que os trabalhos jornalisticos lesem alguém, mesmo se os tribunais até considerem não ter existi-do qualquer crime, expli-cou. Enfatizou que “nós, jornalistas, não comete-mos crimes. Procuramos a verdade, temos o dever e o compromisso com a busca da verdade”.

Mas nota que existem muitas decisões judiciais

que não traduzem, no dia a dia, o entendimento da liberdade de expressão. Apesar de se registar uma melhoria, sobretudo sen-do cada vez mais raras as ocorrências de condenação por situações que cerceiem a liberdade (TEDH), há ainda grande número de decisões que são intimida-tórias.

Naturalmente que, “se nós jornalistas incomo-damos, é porque há mui-tos casos que incomodam muito a sociedade”. “Se os jornalistas cumprirem as suas obrigações, haverá mais processos”

José António Cerejo, que apesar de também ser mui-to escrutinado, parece sa-ber conviver bem com as diferentes leis e até “ame-aças, quase sempre vela-das”. Observa que “o jor-nalista não é intocável!”.

Verifca-se hoje que houve um percurso de melhoria no desempenho das fun-ções, mas apesar disso, re-fere, “ainda existem falhas gravíssimas”.

Os próprios jornalistas são responsáveis por situa-ções que são muitas vezes a origem dos condicio-namentos à liberdade de exercicio da actividade e tem a ver com a facilidade – um problema que não é de agora – com que se en-volvem com o poder politi-co, quando tinham obriga-ção de manter um cordão

de segurança e não pactuar com situações de promis-cuidade. “Andam com esta gente ao colo e depois não se podem queixar. E isto é tão grave como o anonima-to da fonte. A sua falta de distanciamento em presen-ça de hierarquias”.

O jornalista aponta uma situação recorrente e grave quanto ao anonimato das fontes. “Escreve-se sem que a notícia seja credibili-zada com fontes documen-tais e pessoais, sem uma credibilização exógena... Notícias aparecem sem se perceber de onde vêm, o que na área da justiça acon-tece muito. Por vezes, as partes não podem ser iden-tificadas e a notícia sem fonte perde credibilidade. Isto é grave porque os jor-nalistas deixam-se instru-mentalizar pelas partes do processo, órgãos da admi-

nistração judicial, polícias ou Ministério Público”.

“Há empresas de comu-nicação social a quem não interessa que se incomode os poderes que para aí an-dam a incomodar os ami-gos, os primos e os afilha-dos dos partidos. Apesar de dizerem que estão interes-sadas no aprofundamento das notícias, há quem não queira”.

José António Cerejo ad-verte: “Aos jornalistas compete aquilatar se as in-formações são importantes e a qual a perspectiva a »

“Se incomodamos, é porque há muitos casos que incomodam muito a sociedade”

José António Cerejo, “Público”

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divulgar pela notícia”. Considera que “os pro-fissionais, em geral, têm consciência dos condicio-nalismos existentes, mas por causa da sua subsis-tência procuram ‘não fazer ondas’ e era bom que hou-vesse atitutes de denúncia, de forma mais colectiva”.

Auto-censura dentro das redacções mina a isenção do trabalho noticioso

Carlos Lima, do “Diário de Notícias”, argumenta que “temos liberdade de expressão, mas não pode-mos esquecer que o respei-tinho é muito bonito” e ob-serva que “é preciso uma linguagem cuidadosa”.

O maior risco dos jorna-listas, nota, ocorre quan-do os processos “sobem de patamar”, mais na área política do que económica. Explica que se os proces-sos forem sobre as ocor-

rências de negócios ilíci-tos da noite lisboeta ou os chamados “crimes pé de chinelo” “ninguém se pre-ocupa”, ao contrário dos casos “Freeport” ou “Face Oculta”. Aí, diz, começam a “chover queixas de viola-ção de segredo de justiça”. Acrescenta que “os jornais ainda não se interessaram pela justiça fiscal e admi-nistrativa... das grandes contas...”

Em sua opinião, a exi-gência da verdade sobre-põe-se a qualquer receio pelo segredo de justiça e acresenta: “O que tem de ser será!”

Denuncia o que consi-dera “auto-cen-sura”, muitas vezes fomentada nas próprias re-dacções dos res-pectivos órgãos de comunicaçao social, onde há profisisonais de c o m u n i c a ç ã o social que têm o hábito de di-

zer: “Olha, fulano é primo de beltrano, aquele é pre-sidente da empresa x que por sua vez é irmão de y” e isso, “gera um auto-cons-trangimento ao jornalista que está a escrever sobre um caso polémico”.

Uma das brechas recor-rentes nesta actividade jor-nalística de investigação na área da justiça é a não “audição das partes atendí-veis” envolvidas na história a relatar, o “contraditório”, como se diz comumente e erradamente, pois é um termo do processo jurídi-co, obrigatório. Algumas devem-se à recusa dessas envolventes em falar, ou ao facto do tempo da feitu-ra do próprio processo ser incompativel com o tempo mediático.

O nosso meio, refere, é um espaço onde quem tem a notícia não a deve guar-dar para o dia seguinte, por causa da concorrência dos média entre si.

Tânia Laranjo, jornalista que trabalha no “Correio da Manhã”, no Porto, e sobre quem também têm recaído vários processos, alerta, pela sua experiência, que mesmo os que cobrem a di-versidade de temas de jus-tiça diariamente “enfren-tam muitos obstáculos”.

Também ela já sofreu muitas ameaças fisicas que a obrigam a recorrer a re-cursos engenhosos de livre circulação e segurança.

Acusa o que considera de “marcação cerrada” de entidades, sobretudo ad-vogados de constituintes, sempre os mesmos, que se queixam dos mais peque-nos pormenores, ainda que os factos sejam verdadei-ros.

Em seu entender, exis-tem leis que precisavam de ser revistas, pois o re-curso a processo cível leva a que os cidadãos no uso dos seus direitos recorram sempre que se sintam ofen-didos por verem aspectos menos bons das suas vidas no dominio público. “Que-rem preservar uma ilusó-ria imagem social que não praticam e, ainda que os factos sejam verdadeiros, os jornalistas são frequen-temente condenados. Não raras vezes é subestimada a devida apreciação do in-teresse público”.

Da parte da justiça “exis-te liberdade de informa-ção”, mas Tânia Laranjo considera que a área é cada vez mais intrincada de complexidades sociais e a informação jornalistica não espera pela morosida-

de processual.Em sua opinião

“há ainda desconhe-cimento de alguns magistrados sobre o que é o trabalho dos jornalistas”. Conta que um dia, respon-dendo em tribunal, um juiz lhe pergun-tou: “Porque é que não guardou o »

“Fulano é primo de beltrano, aquele é presidente da empresa

x que por sua vez é irmão de y” e isso, “gera um auto-

constrangimento”Carlos Lima, “Diário

de Notícias”

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A Constituição da Repú-blica Portuguesa consagra a liberdade de expressão e informação, a liberdade de imprensa e meios de comunicação social, a re-gulação da comunicação e dos direitos de antena, de resposta e de réplica polí-tica (artigos 37º, 38º, 39º e 40º).

Embora os direitos consti-tucionais constituam “uma janela para a democracia”, é preciso uma verificação constante do seu cumpri-mento e do balanceamento com outras leis gerais pe-nais e cíveis e daquelas que são específicas da tipicida-de de cada órgão como im-

LEIS

É exigível fazer o “trabalho de casa”prensa, televisão e rádio.

Em 2007, a continuação da produção legislativa na área de comunicação so-cial com a revisão de várias leis, suscitou fortes criticas que tomavam como cen-tro “um excesso de regu-lações” e que do ponto de vista da liberdade vieram agravar o desempenho dos profissionais de comunica-ção social.

O jornalista possui o seu Código Deontológico, que deve cumprir escrupulo-samente, e está sujeito a auto-regulação, como é o caso do Conselho Deonto-lógico, e ainda a sistemas de regulação da Comissão

da Carteira Profissional de Jornalista e Entidade Reguladora de Comunica-ção Social (ERC), além do escrutínio final do próprio público/leitor.

O conhecimento dos di-reitos mas também dos deveres, impostos ou auto-atribuídos, são um impera-tivo ou resultam de normas de conduta da profissão.

O núcleo central das leis que regem a profissão e a actividade são as seguin-tes:

A Constituição da Repú-blica Portuguesa (revista em 2005) art. 26.º e art.

37.º e seguintes; A Lei da Imprensa (Lei

n.º 2/99 de 13 de Janeiro de 1999, alterada pela lei 18/2003 de 11 de Junho);

O Estatuto dos Jornalis-tas (alterado pela Lei 64/2007de 6 de Novembro);

Estatuto Disciplinar do Jornalista (DR 2º Série, nº180 – 17 Setembro de 2008;

Código Civil, art. 70.º e seguintes, art. 484;

Código Penal, art. 180.º e seguintes (alterações lei 59/2007);

Código de Processo Ci-vil, art. 381.º e seguintes;

Código de Processo Penal (alterações Lei 48/2007).

“Há ainda desconhecimento de alguns magistrados sobre o que é o trabalho dos

jornalistas”Tânia Laranjo, “Correio da Manhã”

comunicado da GNR?”. Ora, o comunicado refe-rido “tinha acontecido há seis anos...”, comenta.

A jornalista considera que os orgãos de comu-nicação social devem dar sucessivas formações aos seus jornalistas que co-brem estas áreas e, embora se tenha melhorado, refere que existem ainda muitos profissionais que não tem a noção da complexidade das leis que formam um “colete de forças” em torno do trabalho dos jornalistas.

Outro profissional que pediu para não ser identifi-cado, para “evitar pretexto para eventuais reparos das chefias” no órgão de co-municação social onde tra-balha, afirma que a maior parte dos jornalistas que hoje cobre a área de justi-ça”, senão tem a licencia-tura em Direito, possui for-mações adequadas à área em que se especializaram.

“Têm conhecimento per-feito das leis, mas, muitas vezes preferem violar o se-gredo de justiça, porque a

verdade tem de se saber”. Questionado sobre a éti-

ca e o respeito pelo Código Deontológico, o mesmo profissional acrescentou que este tipo de infracções “irá acontecer sempre”, porque “os casos são cada vez de maior complexida-de e a sua tendência é de aumentar”. Salienta que as infracções à ética se devem também às pressões que os directores exercem sobre os jornalistas e à exigível rapidez da publicação das notícias, a qualquer custo, porque quer ser “o primei-ro a noticiar”. Mas “o pre-ço final é sempre o jorna-lista a pagar!”.

Otília Leitão

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As declarações de Rui Rangel ao «Observatório de Deontologia do Jorna-lismo», obtidas mediante perguntas escritas, consti-tuem um libelo a que nin-guém escapa. Jornalistas, editores, empresas da co-municação social, justiça e políticos são alvo de críti-cas acutilantes.

O juiz desembargador faz o diagnóstico do estado do jornalismo no seio das em-presas do sector e na sua relação com os poderes, políticos e económicos, e com a justiça. O seu dis-curso será para uns lúcido e incisivo e, para outros, uma diatribe.

Vale pela reflexão que suscita e pelo debate que pode proporcionar. Com frontalidade afirma que “os homens que estão à frente da democracia por vontade do povo manipulam a ver-dade, convivem mal com a liberdade de expressão e estão pouco interessados em fomentar debates”.

Mas também não poupa nas palavras dirigidas à justiça, esse “poder majes-tático que pensa que é” e considera não ter que “dar explicações”. Critica os jornalistas, os quais nem dez sabem “os 10 Manda-mentos do seu Código De-ontológico”.

RUI RANGEL

“A liberdade de expressão é um direito do cidadão”O Juiz Desembargador Rui Rangel considera que “a liberdade de expressão não é um direito do jornalista, mas um direito do cidadão, um direito da sociedade”.

Pronuncia-se também so-bre a lei da concentração da propriedade das empre-sas de comunicação social, que “é uma vergonha”, as-sim como o pluralismo que «não existe ou se quiser existe mas não se dá por ele.”

Rui Rangel considera que esta “é a selva na sua magnitude.”

Observatório de Deon-tologia do Jornalismo — Existem na actualidade muitos processos contra jornalistas? É verdade que os queixosos recor-rem mais ao processo cível, normalmente por difamação ou ofensa ao bom nome, para obter in-demnizações?

Rui Rangel — Existem alguns processos contra jornalistas mas não os sufi-cientes para atenuar e com-bater os abusos que são cometidos muitas vezes pelos jornalistas, designa-damente, quando fazem uma utilização abusiva do direito de informar e ser informado e da liberdade

de expressão que existe no interesse do cidadão e não do jornalista.

É verdade que recorrem mais à instância civil do que criminal porque os critérios de fixação das indemnizações são outros, sendo esta sempre ou quase sempre mais elevada. No processo criminal também podem ser fixadas indem-nizações. Mas ainda somos um País miserável na fixa-ção das indemnizações e os tribunais têm também responsabilidades neste estado de coisas. O crime (ex: com a venda do jornal) não pode compensar.

Os jornalistas estão mal informados sobre as leis a que devem respeito, ou o seu incumprimento ou atentados à ética devem-se aos diferentes tempos e velocidades da justiça e dos média? Pode exem-plificar casos de irregu-laridades frequentes de particular gravidade?

Costumo dizer aos meus alunos e nas conferências que faço para jornalistas

que não existem dez jor-nalistas a saberem os 10 Mandamentos do seu Có-digo Deontológico.

Conhecem muito mal as leis, estando, por isso, mal informados. Normalmente os atentados à ética jorna-lística são cometidos pelo próprio jornalista por não fazer o trabalho de casa e não cumprir com a sua le-gis artis. Os atropelos aos direitos de personalidade, máximo, direito ao bom nome, à imagem, à priva-cidade e à reserva da vida privada são cometidos não por existirem diferentes tempos e velocidades entre a justiça e os média. Mas pelo estado da comunica-ção social em Portugal; pela concorrência louca entre os diferentes órgãos de comunicação social pela disputa de um bolo publicitário exíguo; pela falta de formação ética e deontológica do jornalista, apesar de terem um códi-go; pela deficiente forma-ção académica no que toca à ética e deontologia; pela ausência de um Código de ética para as empresas de comunicação social; e pela disputa a qualquer preço das audiências.

Haverá um “emara-nhado” de leis que »

Os atropelos são cometidos “pelo estado da comunicação social em Portugal; pela

concorrência louca”

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torpedeiam a liberdade de expressão, e por causa disso, os bons advogados sabem jogar com elas e obter proventos que os seus clientes desejam?

Há um excesso de leis que torna por vezes incom-preensível e confuso todo o edifício legislativo. Mas não é esse excesso de leis que torpedeia a liberdade de expressão. A liberda-de de expressão está mui-to bem consagrada na lei, quer na Constituição, quer na lei ordinária, quer na lei específica.

O Segredo de Justiça é ou não uma “falácia” no contexto comunicacio-nal?

Não. O segredo tem ra-zões que justificam a sua existência apesar das cons-tantes violações. A colisão constante entre direitos não me preocupa. Essa co-lisão sempre existiu e está muito bem tratada na lei-tura e aplicação do nosso regime jurídico-constitu-cional. Quer o segredo de justiça, quer a liberdade de expressão gozam de igual protecção constitucional. Em caso de colisão deve recorrer-se à casuística para saber qual deles deve prevalecer. Nenhum destes direitos são absolutos num Estado de Direito Demo-crático. A liberdade de ex-

pressão não é um direito do jornalista, mas um direito do cidadão, um direito da sociedade. Ainda estamos a crescer neste domínio de relações. Aqui a culpa não morre solteira. É de todos.

A lei portuguesa pro-tege os média das inter-ferências e proibições de todas as formas governa-mentais de censura?

Não. Cada vez mais o jornalista, que não os mé-dia, estão dependentes das várias formas de censura governamental. No domí-nio das empresas detento-ras de órgãos de comunica-ção social a lei portuguesa é muito frágil e macia. As empresas de comunicação social obedecem a uma ló-gica pura e dura da procura do lucro. Pouco interessa a ética e a deontologia do jornalista. E a maioria es-tão dependentes do mundo financeiro que as susten-tam por isso não conse-guem nem querem fazer frente às formas de censura do governo. Já não falando nos jornalistas avençados que também são uma porta aberta à censura e às inter-ferências e proibições. En-fim é um mundo que está podre.

Como interpreta a exis-tência de vários casos em que o Tribunal Europeu vem condenar Portugal

por restrições à liberdade de expressão em vários casos de penalização de jornalistas pelos tribu-nais portugueses?

Em primeiro lugar é ver-dade que só vi em Portugal jornalistas a serem conde-nados por violação do se-gredo de justiça. Ainda não vi ninguém de dentro do sistema de justiça a serem julgados e condenados. Não quero morrer sem ver. Os de dentro do sistema são os principais causado-res da violação do segredo de justiça.

Quanto ao Tribunal Eu-ropeu impera ainda uma cultura muito marcada pela história. Por um mundo di-vidido em blocos, saído da guerra, onde não existia liberdade de expressão. Foi neste contexto que se criou o Tribunal Europeu. O mundo mudou e muito e essa mudança ainda não chegou a este tribunal. A melhor doutrina é aquela que é praticada pelos tribu-nais portuguesas. Em cada momento deve procurar-se analisar qual dos direitos deve prevalecer. Nem a li-berdade de expressão deve prevalecer sempre sobre o segredo de justiça e sobre o bom nome das pessoas nem o contrário. O Tribu-nal Europeu tem uma cul-tura fundamentalista muito virada para a protecção da liberdade de expressão a todo o custo. E não pode

ser assim.

A lei sobre o direito dos jornalistas a protegerem as suas fontes confiden-ciais, é suficiente, mesmo se obriga a divulgação em caso de crime, deixan-do ao critério do juiz essa qualificação, ou deveria ser revista?

Em democracia não exis-tem leis absolutas. Penso que a lei sobre o direito dos jornalistas a protegerem as suas fontes é suficiente. O mal está na regra e na má prática jornalística. A regra passou a ser a fonte anónima (não identificada) quando devia ser o contrá-rio. A regra deontológica é de identificação sempre da fonte. Só em caso de peri-go ou outra razão pondero-sa para a fonte deve justi-ficar o anonimato. Muitas vezes é o próprio jornalista que oferece o anonimato para conseguir primeiro a informação para depois dar a notícia. É grave esta prá-tica e daí não há direito que resista. Em caso de crime grave ou de manipulação e instrumentalização do jor-nalista é difícil sustentar as fontes.

Os direitos de autor, no que concerne aos jorna-listas, permitem abusos na utilização do trabalho noticioso. Esses artigos (artigos 7º e 7ª) que per-mitem a manipulação »

“As empresas obedecem a uma lógica pura e dura da procura do lucro. Pouco

interessa a ética e a deontologia”

“Os editores são a voz do dono e estão pouco preocupados com a violação dos direitos de autor e com a liberdade de

expressão”

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

desse trabalho, às vezes com cortes pelos editores que alteram os conteúdos, deveriam ser revistos?

A resposta só pode ser positiva. Existem de facto muitos abusos e constantes violações dos direitos de autor no que concerne ao jornalista.

Já este problema pode tornar-se de difícil resolu-ção no caso do abuso ser praticado dentro do mesmo grupo empresarial. Fora nunca.

A lei aqui devia ser mais clara e melhorada para proteger o trabalho do jor-nalista e impor regras mais rigorosas aos pequenos napoleões que existem e comandam as linhas edito-riais. Os editores são a voz do dono e estão pouco pre-ocupados com a violação dos direitos de autor e com a liberdade de expressão na

sua forma mais genuína.

A protecção da priva-cidade tem sido devida-mente equilibrada com os direitos dos jornalistas?

Não. Temos todos muito pouco amor pela priva-cidade dos outros e pela protecção dos direitos de personalidade. A lei é equi-librada. A prática não. To-dos os dias a privacidade é violada e sem grandes consequências. O crime, a notícia, aqui compensa porque os tribunais tam-bém não fazem o seu papel com condenações exem-plares em termos finan-ceiros. A regra é, primeiro publica-se e depois logo se vê. Sem fazer o trabalho de casa, sem ouvir o visado e sem fazer o cruzamento das fontes.

Há medidas legais de

protecção ao pluralismo que combatam a concen-tração da propriedade de órgãos de comunicação social?

A lei que existe neste do-mínio é uma vergonha. Por isso temos a concentração que temos. O pluralismo não existe ou se quiser existe mas não se dá por ele. A lei favorece também a concentração encapota-da. É a selva na sua mag-nitude.

Há liberdade de infor-mação na área da Justi-ça? Podem os cidadãos e os jornalistas ter acesso

O livro «Os Crimes dos Jornalistas - Uma Análise dos Processos Judiciais contra a Imprensa Portuguesa», da autoria da jornalista e docente Cláudia Araújo, foi apresentado no dia 30 de Junho, na Almedina, em Coimbra. Trata-se da tese de mestrado da autora, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. No estudo, o “crime de difamação” é o que tem maior peso nos processos, enquanto

“o crime de violação do segredo de justiça, com o surgimento de um maior número de casos mediáticos na justiça, começa já a ter também alguma expressão.” O valor dos pedidos de indemnização tem vindo a aumentar nos últimos anos, com montantes que “alternam, em média, entre os 25 mil e os 100 mil euros, tendo, no entanto, já atingido os 500 mil euros”. A autora constata que a classe política, os empresários e as

personalidades públicas são aquelas que instauram mais processos à imprensa. O caso Freeport, em que o primeiro-ministro José Sócrates instaurou, em Abril de 2009, nove processos contra jornalistas (cinco da TVI, três do “Público” e um do “Diário de Notícias”), é apontado como exemplo. O recurso ao direito de resposta é também focado no estudo que refere que “as pessoas que instauram processos judiciais contra os média muito raramente utilizam o direito de resposta.Relativamente ao aumento considerável de processos contra a imprensa

portuguesa, o grupo Cofina “é aquele que enfrenta maior número de processos (média de 400 por ano)”. Nele, o “Correio da Manhã” destaca-se com os seus cerca de 200 processos por ano. No grupo Global Notícias, que enfrenta em média 80 processos por ano, 40 por cento dizem respeito ao “Jornal de Notícias” e outros 40 por cento ao “24 Horas”. O “Público”, que já chegou a ter 18 processos, tem vindo a diminuir nos últimos anos.

OL

“OS CRIMES DOS JORNALISTAS”

Indemnizações já chegam aos 500 mil euros

a uma informação públi-ca através de um serviço próprio adequado às exi-gências de uma sociedade de informação?

Não. A justiça não gos-ta de comunicar e de dar explicações. Como poder majestático que pensa que é considera que não tem que dar explicações. Tre-mendo erro. Esta cultura só serve para tentar defender-se dos seus erros e das suas fraquezas. Não existe esta preocupação. Não há gabi-netes de empresa para fazer este papel. Nem o Conselho Superior da Magistratura tem esta preocupação. »

“Os homens que estão à frente da democracia […] manipulam a verdade,

convivem mal com a liberdade de expressão”

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

Aqui pararam no tempo. A justiça precisa da comu-nicação social séria, isenta e responsável. A justiça só se torna mais autêntica, mais transparente e mais verdadeira se chegar ao cidadão e ser for compre-endida por este. E aqui os média têm um papel fun-damental. Quem não per-cebe isto não percebe nada nesta vida de comunicação por excelência.

Deveria o Estado fo-mentar o debate com a sociedade civil, de forma transparente, e de acordo com as leis internacionais de defesa da liberdade dos órgãos de comunica-ção social, sobre a impu-nidade dos atentados à ética jornalística e tam-bém daqueles que limi-tam o seu trabalho, in-fringindo a liberdade de expressão?

Claro que sim. Mas o Estado só está preocupado com o combate ao défice orçamental. Só as contas públicas é que são impor-tantes. Tudo isto são assun-tos menores. O Estado está colonizado pelas questões financeiras. As instâncias financeiras e bancárias to-maram conta do Estado. Já pouco nos resta enquanto Estado e enquanto Nação. Os homens que estão à frente da democracia por vontade do povo manipu-lam a verdade, convivem mal com a liberdade de expressão e estão pouco interessados em fomentar debates para discutir ques-tões que têm que ver com a dignidade do homem.

Difamação — Em 2000, Portugal foi condenado, pela primeira vez, por vio-lar a liberdade de expressão num processo apresentado por Vicente Jorge Silva.

O então director do “Pú-blico” escreveu em edito-rial, na edição de 10 de Ju-nho de 1993, sobre a opção do CDS candidatar Silva Resende à Câmara de Lis-boa. O jornalista foi alvo de queixa-crime, por difa-mação, e, em 1995, absol-vido. O queixoso recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa e Vicente Jorge Silva seria condenado, por abuso de liberdade de im-prensa. O Tribunal Consti-tucional negou provimento a um recurso do jornalista que, em 1997, queixar-se-ia ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).

Para o Tribunal Europeu, os escritos do jornalista eram “polémicos”, mas não “um ataque pessoal gratuito’, porque o autor dava “uma explicação ob-jectiva”. “A invectiva po-lítica extravasa, por vezes, para o plano pessoal”, mas estes são os riscos do jogo político e do debate livre de ideias, garantes de uma sociedade democrática”, refere o TEDH (fonte Tei-xeira da Mota).

Segredo de Justiça — Uma notícia do “Públi-

Processos com história

Vicente Jorge Silva, Eduardo Dâmaso, António Laranjeira e Manso Preto, entre outros jornalistas, viram reconhecidos os seus direitos em tribunal. Em três casos, o Estado português foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e outro aguarda a decisão.

co”, de Eduardo Dâmaso (1998), processo concluído em 2008 pelo Tribunal Eu-ropeu dos Direitos do Ho-mem, teve como desfecho a condenação do Estado Português.

Dâmaso foi alvo de con-denação do Tribunal de Esposende, confirmada na Relação de Guimarães, por ter revelado a acusação do deputado do PSD Nuno Delerue, por crimes fiscais e outros. Eduardo Dâmaso assumiu em julgamento o seu conhecimento da lei que proibia a divulgação da acusação, mas tinha consi-derado mais importante o exercício do direito/dever de informar. O TEDH con-siderou que o papel do jor-nalista de investigação é o de informar e de alertar o público.

Segredo de justiça e di-famação — Em Janeiro de 2010, o Tribunal Europeu condenou o Estado portu-guês por entraves à liber-dade de expressão, consi-derando a supremacia do interesse público.

A decisão surge dez anos depois da notícia que lhe deu origem no “Noticias de Leiria”, em 2000. “Foi fei-ta justiça e reposto o meu bom nome profissional, além de que é defendida de forma clara e inequívoca a liberdade de expressão e o jornalismo”, disse António

Laranjeira.Em causa estava um tra-

balho noticioso que re-velou suspeitas sobre um médico, dirigente local do PSD, por abuso sexual de uma paciente. A condena-ção havia sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por violação do segredo de justiça e difamação. Em 2008, foi proposto um acordo extra-judicial, mas António La-ranjeira recusou. “Só seria feita justiça com uma sen-tença” (in Veritas, revista justiça).

Difamação pessoa co-lectiva - O “Público” foi condenado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) na acção indemnizatória que o Sporting Club de Portugal lhe moveu.

“Funcionou como o to-que a rebate de todo o jornalismo português (...), foi o começo deste tempo novo por parte de quem percebeu que os conceitos comunitários também vão chegando a Portugal” – (lê-se no discurso do Presiden-te do Supremo Tribunal na abertura do Colóquio de Direito Penal e Processo Penal).

Em Setembro de 2007, foi apresentada pelos jor-nalistas e pelo “Público” uma queixa contra Portu-gal no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem »

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

por esta decisão do STJ violar a liberdade de ex-pressão, queixa que ainda não foi julgada.

Protecção da fonte – O jornalista Manso Preto foi absolvido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 2005, depois de ter sido condenado em primeira instância, “por desobedi-ência”, a 11 meses de pri-são (com pena suspensa a três anos), por se recusar a divulgar a identidade de uma fonte de informação.

Na ocasião a Federação Internacional de Jornalis-tas (FIJ) considerou que tal facto “aumenta os receios entre os jornalistas de uma crescente tendência global de ataques ao direito de protecção das fontes”. O acordão considerou que o jornalista “não estava obri-gado a prestar testmunho” porque, neste caso, foi “preponderante o seu direi-to à manutenção do sigilo profissional”.

O tratamento noticioso do desaparecimento da jo-vem Carina Ferreira a 1 de Maio e encontrada morta, a 8 de Junho, amarrada ao cinto dentro do seu carro numa ravina, suscita uma reflexão aos jornalistas no sentido de maior ética e ri-gor investigativo.

As primeiras notícias da-vam conta de que «Carina Ferreira desapareceu no sábado, dia 1 de Maio. A jovem saiu de casa poucos minutos antes das 22 horas em direcção ao Clube de Caça e Pesca do Alto Dou-ro (CCPAD), onde tinha combinado encontrar-se com uma amiga e a irmã, mas não chegou ao local combinado».

A Policia Judiciária do Porto clarificou, após au-tópsia da vítima, que os indícios apontam para um acidente de viação que a fez cair de uma ribanceira junto à A24, perto de La-mego: «Ponderámos a pos-sibilidade de ser um desa-parecimento voluntário, ou porque pretendia sair do ambiente em que vivia ou

por eventual suicídio». A outra hipótese que surgiu foi a de «um desapareci-mento involuntário (em que Carina tivesse sido) vítima de um acidente ou de um crime».

É legítimo questionar porque a Policia Judiciária apenas descobriu um mês depois, após informações sucessivas admitindo as mais diversas hipóteses e buscas em locais distantes do percurso anunciado.

Durante várias semanas veiculou-se a suspeita de assassínio, rapto ou suicí-dio, teses que foram sen-do alimentadas pelo “es-quadrinhar” de aspectos da vida privada da jovem de 21 anos. Muitas dessas informações foram vei-culadas pelas autoridades envolvidas e outras resul-taram de desabafos, daque-les típicos e que resultam das emoções.

Em vários jornais liam-se informações a induzir suspeições. «Ela tinha um relacionamento com um militar das operações es-peciais», que foi ouvido e

mandado em paz.Num jornal nacional, o

“Diário de Notícias”, uma semana depois do inciden-te lia-se: «Um dos muitos comentários nas redes so-ciais dá conta que a jovem teria tido “um desenten-dimento com um dos fre-quentadores do Clube de Caça e Pesca, onde traba-lhava”. Porém, nem a PSP, que registou a queixa do desaparecimento apresen-tada pelos pais, nem a PJ corroboraram este facto».

Os jornalistas foram em-barcando, tomando tam-bém como fontes comen-tários em redes sociais, incorrendo em comporta-mentos pouco rigorosos, sem serem exigentes. Ago-ra é a vez de suspeitar que houve alguma negligência da polícia. O tio da vítima Manuel Catarino criticou as autoridades que «de-viam ter dado ordens para que um helicóptero fizesse o mesmo trajecto que a Ca-rina costuma fazer».

OL

Carina Ferreira vítima de informação pouco exigente

A Universidade de Coim-bra vai realizar um curso de Verão, de 30 de Agos-to a 3 de Setembro, para formadores de jornalistas, escolas de Jornalismo e organizações formativas europeias, em cooperação com o Conselho da Euro-

pa e a Agência Europeia de Direitos Humanos.

Esta “formação piloto” agregará 30 participantes e pretende abordar a liberda-de de expressão, o respeito pela diversidade cultural e religiosa, bem como inicia-tivas anti-discriminatórias.

Em causa está uma me-lhor compreensão dos direitos humanos e a sua reflexão nos trabalhos no-ticiosos.

OL

“Formação piloto” na Universidade de Coimbra

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

Não expressaram, porém, posição unânime na apre-ciação do caso pela Assem-bleia da República. Todos os partidos assumem que não têm competência para sancionar o comportamen-to pessoal dos deputados, mas quatro dos grupos par-lamentares pronunciaram-se favoravelmente a que a atitude do deputado do PS fosse discutida.

Essa era, de resto, a po-sição do Conselho Deonto-lógico (CD) quando instou a comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Ga-rantias a pronunciar-se so-bre a violação dos direitos e liberdades dos jornalistas da «Sábado».

Todavia, aquela comis-são remeteu o pedido do CD para a comissão parla-mentar de Ética, Sociedade e Cultura. Esta primeiro e a outra comissão depois, após segunda solicitação do CD, acabaram por ale-gar não ter competência para se pronunciarem.

Fernando Negrão, acom-panhado por mais quatro deputados do PSD, afir-mou à delegação do CD que devia ter sido tomada

uma posição política na Assembleia da República sobre o caso. Acrescentou que outros partidos não tiveram o mesmo entendi-mento.

Admite que o caso seja retomado em plenário quando for discutido o pro-jecto de requerimento que apresentaram com vista à aprovação de um código de conduta dos deputados ao parlamento e à criação de um Conselho de Ética e de Conduta, como órgão consultivo do Presidente da Assembleia da Repúbli-ca e na sua dependência.

Cecília Meireles, depu-tada do CDS/PP, afirmou também que o assunto de-via ter sido discutido na Comissão de Ética. Aduziu, inclusive, que o partido su-geriu que o Presidente da Assembleia da República se pronunciasse.

Também a deputada He-lena Pinto, do BE, con-siderou que o furto dos gravadores devia ter sido discutido na Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Partido Ecologista Os Verdes, onde o CD foi rece-

bido por Joaquim Correia, assessor do grupo parla-mentar, exprimiu a posição de que o caso deveria ter sido tratado na Assembleia da República.

O grupo parlamentar do PCP, onde o CD foi rece-bido pelos deputados An-tónio Filipe e Rita Rato, considerou inviável a discussão nas comissões, atendendo a que a Assem-bleia da República não tem competência para sancio-nar o comportamento dos deputados.

A posição do PS foi con-trária à discussão do caso nas comissões, segundo posição expressa por Fran-cisco Assis e Inês de Me-deiros, que receberam a delegação do CD. O líder parlamentar admitiu, po-rém, que o acto de Ricardo Rodrigues «em si é cen-surável» e «é irrepetível». O deputado «não devia ter feito aquilo», mas Fran-cisco Assis sentiu-se na necessidade de defender a pessoa, que estava a ser atacada de todos os lados.

Cecília Meireles, do CDS/PP, censurou e repu-diou a atitude de Ricardo Rodrigues, posição idên-

tica expressou ao CD He-lena Pinto. A deputada do Bloco de Esquerda consi-derou o acto do deputado do PS como um atentado à liberdade de imprensa.

António Filipe, do PCP, reputou o acto como «ab-solutamente condenável». Disse também que o furto dos gravadores foi conde-nado pelo partido e por si próprio num blogue pesso-al.

O Conselho Deontológi-co considera positiva esta ronda de contactos e a tro-ca de opiniões com grupos parlamentares, a quem re-correu após ter deplorado a decisão tomada pelas duas comissões parlamentares.

A iniciativa visou sensi-bilizar os partidos políticos com assento no parlamen-to para tentativas futuras de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. E expressou-lhes a sua frontal oposição a quaisquer actos que confi-gurem restrições à liberda-de de informação.

Entretanto, está em apre-ciação pela Provedoria da Justiça uma queixa que o Conselho Deontológico apresentou contra o depu-tado Ricardo Rodrigues, membro da Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Iniciativa legislativa

Durante a audiência com o PCP, a deputada Rita Rato informou que o grupo parla-mentar do partido vai apre-sentar um projecto-lei de alteração ao Estatuto do »

Os partidos com assento na Assembleia da República censuraram o acto praticado pelo deputado Ricardo Rodrigues que furtou dois gravadores a jornalistas da «Sábado». A posição foi expressa ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, no decurso de contactos estabelecidos em Junho com todos os grupos parlamentares.

Partidos censuram acto do deputado Ricardo RodriguesCD recebido por todos os grupos parlamentares

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

O RIGOR E A CREDIBILIDADE: A não é igual a B

Faz parte dos princípios básicos do jornalismo que o rigor é tão importante, que uma simples distracção na troca de nomes, denota a ausência dele e descredibiliza a notícia. Ou seja trocar o A pelo B, não é a mesma coisa.

Aconteceu com a capa da edição 37 da revista “País Positivo”, publicação bimensal, distribuída encartada num jornal diário de referência.

Numa entrevista ao presidente do Inatel, por certo uma figura pública reconhecida, e sobre a sua foto com a di-mensão de um “A4”, o título “Inatel investe 10 milhões e contribui para a recuperação económica”, lê-se: Entre-vista com Vítor Carvalho, presidente do Inatel”.

Há uma pessoa Vítor Carvalho e há uma pessoa Vítor Ramalho, cujos percursos são diferentes e tem a sua di-versidade.

No caso valha-nos o rosto conhecido de Victor Rama-lho, dirigente socialista com largo curriculum politico.

OL

Jornalista com o objectivo de consagrar os direitos de autor e reforçar as compe-tências dos conselhos de redacção.

Francisco Assis e Inês de Medeiros, durante a audiên-cia concedida, afirmaram o seu empenho em defender a liberdade de imprensa. A deputada salientou que o partido intentou promover o debate sobre a liberda-de de imprensa associada, designadamente, à preca-

riedade, à concentração de empresas e ao chamado jornalismo cidadão, mas os outros partidos centraram-se no caso TVI.

Anunciou que o PS ten-ciona futuramente promo-ver esse debate em jorna-das parlamentares, tendo os deputados convidado o Conselho Deontológico a participar. O CD disse es-tar disponível para tomar parte em todos os debates que contribuam para sal-

vaguardar os direitos dos jornalistas.

A garantia dos direitos permite aperfeiçoar a qua-lidade do jornalismo. E o bom jornalismo assegu-rará, por certo, o cumpri-mento da sua função so-cial, que implica também dar um contributo para que a qualidade da política me-lhore.

Francisco Assis conside-rou que a degradação da qualidade do jornalismo

anda a par com a degra-dação da qualidade da po-lítica e que a democracia precisa que uma e outra situação se altere.

O CD foi recebido pelos partidos entre 4 e 17 de Ju-nho. Ana Machado, Etiano Branco, Orlando César e Otília Leitão, membros do CD, participaram nos con-tactos com os grupos par-lamentares.

Conselho Deontológico

Anna Finocchiaro, do Partido Democrata que lidera a oposição no Senado italiano, qualificou de «massacre da liberdade» a aprovação do projecto-lei de Silvio Berlus-coni sobre escutas telefónicas.

A oposição acusa Berlusconi de querer «proteger os criminosos e liquidar a liberdade de informação», se-gundo noticiou Barbara Trionfi, do Press Freedom Ad-viser.

A lei, que suscitou grande controvérsia, restringe as escutas telefónicas e impõe pesadas multas aos jornalis-tas que publicarem as gravações. Em votação realizada no passado dia 10, a lei foi aprovada com 164 votos a favor. Do total de 323 senadores, apenas 189 estavam na sala no momento da votação.

Aos magistrados são impostas restrições à utilização de escutas telefónicas e aos jornalistas é vedada a publi-cação das gravações. Barbara Trionfi salienta que há a convicção de que esta lei foi ditada pelo desejo dos po-líticos evitarem alegações embaraçosas sobre a sua vida privada, mais do que a intenção declarada de preservar a privacidade dos cidadãos comuns.

A lei estabelece uma pena até 450 mil euros às edito-ras e 30 dias de cadeia e o pagamento até dez mil euros aos jornalistas que publiquem material obtido por escu-tas telefónicas antes do início do julgamento.

David Dadge, do Instituto Internacional de Imprensa, citado por Trionfi, afirmou-se desapontado pela apro-vação de uma lei no Senado que «põe em risco a livre circulação da informação e o direito dos jornalistas a relatarem matérias de interesse público. A lei terá de ser agora votada no parlamento italiano e Dadge apelou aos deputados que vetem a lei e defendam «os princípios da liberdade de expressão e informação consagrados na Constituição italiana».

Massacre da liberdade

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

É reincidente a pouco ri-gorosa utilização do nome do Sindicato dos Jornalistas como sinónimo de Conselho Deontológico. Atropelo que é apropriado por alguns jor-nalistas e também por outras pessoas e entidades, desig-nadamente deputados.

Foi o que aconteceu e teve expressão em meios de comunicação social que noticiaram casos recentes como a audição parlamentar e a comissão de inquérito à compra da TVI ou o furto dos gravadores dos jornalis-tas da “Sábado”.

Admite-se que o erro re-sulte de uma débil expres-são de princípios éticos na sociedade, de um reduzido peso e influência de órgãos que verifiquem o cumpri-mento de normas profissio-nais de conduta e de uma ainda mais rara assumpção da prestação de contas no conjunto das comunidades profissionais, sociais e po-líticas.

O Conselho Deontológi-co é um órgão do Sindicato dos Jornalistas, tal como a Assembleia Geral, o Con-selho Geral, o Conselho Fiscal, a Direcção nacional e as direcções das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Mas o Conselho Deonto-lógico é desde a revisão es-tatutária de 1991, quando a actual designação substituiu a de Conselho Técnico-De-ontológico, um órgão eleito em lista separada dos res-tantes órgãos e a sua com-posição final, caso haja mais do que uma lista, é decidida pela aplicação do método de Hondt.

A alteração ocorreu duran-te a direcção presidida por João Mesquita, que no 3º Congresso dos Jornalistas

Portugueses (1998) descre-veu essa evolução e a causa próxima que a provocara. Afirmou ser preciso «fazer alguma coisa no sentido de reforçar a separação de po-deres entre o Conselho e os restantes corpos sociais do Sindicato, impedindo que sobre a Direcção deste re-caísse o ónus das decisões daquele e consolidando a in-dependência de cada órgão, de forma a que cada um exe-cutasse melhor as tarefas da sua competência.»

João Mesquita aludiu tam-bém no congresso ao mérito da elaboração de «progra-mas específicos no domínio da deontologia», tanto pela sua importância como pela possibilidade de que fos-sem eleitas «diferentes sen-sibilidades deontológicas, aumentando consideravel-mente o debate interno e a própria democraticidade e o prestígio do órgão».

Aludiu também a outro objectivo que João Mes-quita preconizava que era a eleição do Conselho Deon-tológico pelo conjunto dos portadores de título profis-sional. Todavia, afirmou a sua oposição «a fórmulas que excluam todo e qual-quer tipo de articulação com o Sindicato». Considerava que «a defesa da deontolo-gia profissional e a defesa da melhoria das condições laborais dos jornalistas» po-diam e deviam estar numa única organização e articu-larem-se entre si.

Hoje, outros órgãos são eleitos em lista separada. É o caso do Conselho Geral, órgão consultivo que dá ex-pressão ao exercício de ten-

dência no seio do Sindicato dos Jornalistas, e com a apli-cação do método de Hondt se concorrer à eleição mais do que uma lista. Também a eleição das direcções regio-nais é feita em simultâneo com a dos órgãos nacionais, mas em lista separada.

Conselho Deontológico

O Conselho Deontológi-co, tal como estabelecem os estatutos do Sindicato dos Jornalistas, «é um órgão de auto -regulação dos jornalis-tas portugueses, que tem por objectivo principal o deba-te, a reflexão e a promoção dos valores e das práticas relacionadas com a ética e a deontologia profissional dos jornalistas, no quadro dos direitos e deveres resultan-tes das liberdades de infor-mar e de ser informado.»

As suas competências vi-sam suscitar o debate entre os jornalistas, tendente a melhorar a qualidade do jor-nalismo. Compete ao Con-selho Deontológico «avaliar criticamente o cumprimento da função social dos meios de comunicação social e da responsabilidade social dos jornalistas», assim como «elaborar e promover es-tudos, dar pareceres e fa-zer recomendações, de sua iniciativa ou que lhe sejam solicitados pelos diferentes órgãos do Sindicato, por jornalistas ou por qualquer outra entidade pública ou privada, sobre questões éti-cas e de deontologia da pro-fissão».

Analisa «as infracções ao Código Deontológico, aos

Estatutos do Sindicato, ao Estatuto dos Jornalistas e ao Regulamento da Car-teira Profissional por sua iniciativa ou que lhe sejam apresentados por terceiros». Mas também lhe compete «denunciar e combater os atropelos ao livre acesso dos jornalistas às fontes de in-formação».

Defende e esclarece com o conjunto dos jornalistas «as decisões éticas, a de-ontologia da profissão e a função do jornalismo». De-verá também «favorecer um melhor entendimento dos princípios do jornalismo junto da opinião pública» e «sensibilizar as empresas de comunicação social para o valor económico e social da credibilidade e independên-cia dos jornalistas».

O Conselho Deontológi-co não é de todo um órgão coercivo, tanto mais que os princípios deontológicos são, em si mesmo, deveres auto-atribuídos. Pretende com a sua acção entabular o diálogo com os jornalistas e favorecer os mecanismos de prestação de contas que te-nham, em última instância, a finalidade de aumentar a credibilidade dos jornalistas e do jornalismo.

O diálogo entre o órgão e os jornalistas deve ser fran-co e produtivo, pressupondo que um e outros têm o mes-mo objectivo, que é a con-cretização dos princípios de conduta que estruturam a profissão. O Conselho De-ontológico visa ainda de-nunciar e combater os con-dicionamentos que, no seio das empresas e na sociedade, possam afectar a autonomia e a independência dos jor-nalistas e o seu juízo ético e deontologia profissional.

Em nome do rigor

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

A directora-geral da UNESCO, Irina Bokova, condenou no passado dia 15, em Paris, a morte do jornalista turco Cevdet Kılıçlar, durante o ataque das forças navais de Israel a um dos barcos da frota humanitária que se dirigia a Gaza.

Apelou a que fossem es-clarecidas as circunstân-cias que causaram a mor-te do jornalista e instou as autoridades israelitas a respeitarem os direitos dos média que cobrem a situação de Gaza. «A liber-dade plena de expressão e a liberdade de acesso à informação são essenciais se queremos que a paz, a democracia e o domínio do direito tenham uma oportu-nidade em Gaza», afirmou Irina Bokova.

O jornalista Cevdet Kılıçlar foi atingido com uma bala na cabeça quan-do, na madrugada de dia 31 de Maio, o barco Mavi

Marmara foi tomado de as-salto pelas forças de Israel, quando navegava em águas internacionais. Um outro jornalista, Sura Fachrizaz, foi ferido gravemente por balas no decurso da mesma intervenção militar.

A directora-geral da UNESCO recordou às au-toridades israelitas que têm a obrigação de permitir à imprensa a cobertura dos acontecimentos. Obriga-ção que resulta da Declara-ção Universal dos Direitos Humanos, que garante a liberdades de expressão, e de outros acordos inter-nacionais respeitantes ao estatuto dos jornalistas em zona de conflito.

A operação das forças navais israelitas causou a morte a mais oito pessoas e feriu dezenas gravemen-te. Tripulantes, activistas humanitários e cerca de 60 jornalistas que seguiam a bordo dos barcos foram coercivamente conduzidos para o porto de Ashdod. Pelo menos 20 jornalistas foram detidos pelas auto-ridades de Israel. A frota procurava furar o bloqueio a Gaza, imposto por Israel há três anos.

Após o assalto, as au-toridades israelitas blo-quearam o equipamento electrónico, impedindo os jornalistas de transmitirem notícias, de acordo com a informação divulgada pelo centro palestiniano para o desenvolvimento da liber-dade dos média (MADA), pela organização Artigo 19, Repórteres sem Fron-teiras (RSF) e IFEX.

Muitos dos jornalistas detidos relataram à RSF que foram tratados com desumanidade, privados de água e alimentos, humi-lhados e agredidos verbal-mente. Parte deles foram conduzidos para o centro de detenção Beer Sheva, sem possibilidade de con-tactarem advogados ou as embaixadas dos respecti-vos países.

Marcello Faraggi, jorna-lista italiano, disse que re-cebeu visita da embaixada, na tarde de dia 1 de Junho, quando o conduziam pe-rante um juiz. No dia se-guinte foi transferido para o aeroporto Ben Gurion. «No avião, obrigaram-nos a assinar uma declaração em inglês, reconhecendo que tínhamos entrado ile-

galmente em território is-raelita», disse à RSF.

O equipamento e vídeos confiscado aos jornalistas não foram devolvidos. A alguns deles nem sequer lhes devolveram os pas-saportes. Faraggi afirmou que foi «vítima de assalto à mão armada. Perdi mais de 20 mil euros de equipa-mento. Encontrava-me a bordo daquele barco como jornalista, não como ac-tivista. Os soldados isra-elitas são culpados de um acto de pirataria».

Ayse Sarioglu, uma jor-nalista turca, foi interroga-da e humilhada por um po-lícia no porto de Ashdod. «Enquanto me interroga-va, cuspia-me para cima e chamava-me idiota. Até puxou-me a língua. Nem acreditava no que via, foi tão desumano!».

O material confiscado aos jornalistas serviu para justificar o ataque à frota. A Associação de Imprensa Estrangeira, que represen-ta centenas de jornalistas em Israel e na Palestina, declarou que os militares utilizaram o material con-fiscado, sem autorização e identificação da fonte, segundo noticiou a Asso-ciated Press. O material apareceu no sítio YouTube do exército como «captu-rado».

UNESCO condena mortede jornalista turco

Observatório de Deontologia do Jornalismo - Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Director e editor de fecho: Orlando CésarEditor desta edição: Otília LeitãoDesign e paginação: Marta Gonçalves

Redacção: Ana Isabel Costa, Ana Machado, Etiano Branco, Francisca Leal, Gabriela Chagas, Orlando César, Otília Leitão e Susana Oliveira.

Ilustrações: Maria Ramos

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Cevdet Kılıçlar