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7580 O SIGILO BANCÁRIO E A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA: UM ENFOQUE NO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO * THE BANK SECRECY AND THE TAX ADMINISTRATION: AN APPROACH IN THE PARADIGM OF THE DEMOCRATIC STATE Leonardo Varella Giannetti RESUMO Este artigo afirma que o sigilo bancário não é oponível ao Fisco, devendo ser superado o entendimento majoritário da doutrina nacional, que defende que os dados resguardados pelo sigilo não podem ser compartilhados nem solicitados pelo Estado, por refletirem parte da intimidade e privacidade. A concepção adotada pela doutrina majoritária está amparada em uma perspectiva liberal, deixando de enfrentar uma questão prévia, que é a função da tributação no Estado Democrático de Direito e qual é o objetivo deste Estado e da sociedade neste ambiente. As ideias desenvolvidas por diversos autores demonstram que o tributo é o preço que pagamos para viver em uma sociedade organizada, amparada na liberdade. Atualmente, o tributo se justifica pela ideia de solidariedade e que é condição mínima para a realização dos direitos fundamentais, não só os individuais como os sociais. Esse tema não pode ser desconsiderado na análise dos limites do poder de fiscalização do Fisco, dos quais se destaca o sigilo bancário. PALAVRAS-CHAVES: SIGILO BANCÁRIO – TRIBUTO – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS – INTIMIDADE E PRIVACIDADE ABSTRACT This article affirms that the secrecy banking can not be opposed to the Treasury department, having to be surpassed the majority agreement for the national doctrine, who defends that the data protected for the secrecy banking cannot be shared nor requested by the State, because they reflect part of the privacy. The conception adopted for the majority doctrine is supported in a liberal perspective, leaving to face a previous question, that is the function of the taxation inside of a Democratic State and which is the objective of this State and the society in this situation. Thus, the ideas developed by several authors have demonstrated that the tax is the price we pay to live in an organized society, supported in freedom. Actually, the tax is justified for the solidarity’s idea and that is the minimum condition for the accomplishment of the basic rights, which is the individual ones, as the social ones. This * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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O SIGILO BANCÁRIO E A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA: UM ENFOQUE NO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO*

THE BANK SECRECY AND THE TAX ADMINISTRATION: AN APPROACH IN THE PARADIGM OF THE DEMOCRATIC STATE

Leonardo Varella Giannetti

RESUMO

Este artigo afirma que o sigilo bancário não é oponível ao Fisco, devendo ser superado o entendimento majoritário da doutrina nacional, que defende que os dados resguardados pelo sigilo não podem ser compartilhados nem solicitados pelo Estado, por refletirem parte da intimidade e privacidade. A concepção adotada pela doutrina majoritária está amparada em uma perspectiva liberal, deixando de enfrentar uma questão prévia, que é a função da tributação no Estado Democrático de Direito e qual é o objetivo deste Estado e da sociedade neste ambiente. As ideias desenvolvidas por diversos autores demonstram que o tributo é o preço que pagamos para viver em uma sociedade organizada, amparada na liberdade. Atualmente, o tributo se justifica pela ideia de solidariedade e que é condição mínima para a realização dos direitos fundamentais, não só os individuais como os sociais. Esse tema não pode ser desconsiderado na análise dos limites do poder de fiscalização do Fisco, dos quais se destaca o sigilo bancário. PALAVRAS-CHAVES: SIGILO BANCÁRIO – TRIBUTO – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS – INTIMIDADE E PRIVACIDADE

ABSTRACT

This article affirms that the secrecy banking can not be opposed to the Treasury department, having to be surpassed the majority agreement for the national doctrine, who defends that the data protected for the secrecy banking cannot be shared nor requested by the State, because they reflect part of the privacy. The conception adopted for the majority doctrine is supported in a liberal perspective, leaving to face a previous question, that is the function of the taxation inside of a Democratic State and which is the objective of this State and the society in this situation. Thus, the ideas developed by several authors have demonstrated that the tax is the price we pay to live in an organized society, supported in freedom. Actually, the tax is justified for the solidarity’s idea and that is the minimum condition for the accomplishment of the basic rights, which is the individual ones, as the social ones. This

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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subject cannot be disrespected in the analysis of the limits of the power of fiscalization of the Treasury department, which distinguishes the secrecy banking. KEYWORDS: SECRECY BANKING - TRIBUTE - RIGHT AND BASIC DUTIES – PRIVACY

I. Introdução

O sigilo bancário e sua relação com a atividade tributária é tema bastante discutido tanto na doutrina como na jurisprudência. Seu enfoque ressurgiu em 2001, com a entrada em vigor da Lei Complementar n° 105.

Como o Supremo Tribunal Federal ainda não julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade que foram ajuizadas contra a mencionada lei complementar e o decreto que a regulou, permanece aceso o debate que envolve essa parcela da privacidade das pessoas frente à pretensão do Estado de aferir se os contribuintes estão cumprindo as leis tributárias e oferecendo à tributação toda a riqueza obtida.

O presente trabalho está estruturado da seguinte forma: inicialmente, será demonstrado como a doutrina tradicional trata a questão; em segundo lugar, ver-se-á a visão tradicional da jurisprudência do STF sobre o tema; após, serão tratados temas que a doutrina pátria majoritária não traz ao debate, quais sejam, o papel da tributação no Estado Democrático de Direito, a existência de deveres fundamentais ao lado dos direitos fundamentais e o princípio da solidariedade social, tudo dentro de um contexto distinto do paradigma liberal que prevalece nas manifestações da doutrina brasileira.

Tais questões são fundamentais para legitimar o acesso direto pelos órgãos de fiscalização tributária aos dados bancários dos contribuintes.

Uma última explicação merece ser feita. Apesar de haver manifestações tanto doutrinária [1] como jurisprudencial [2] que entendem que a intimidade e a privacidade não protegem os dados bancários resguardados pelo sigilo - excluindo-os, “a priori”, do âmbito de proteção dos mencionados direitos fundamentais - tal questão não será tratada neste artigo. A concepção que será aqui defendida é que, mesmo que os dados bancários estejam inseridos na proteção dos direitos de intimidade e privacidade, é possível sua restrição em face de outros argumentos de sede constitucional.

Isso porque, uma situação pode, prima facie, ser protegida por um determinado direito fundamental, contudo, diante da situação concreta e frente a argumentos que a fundamentam, determinada intervenção estatal poderá ser considerada constitucional. [3]

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II. A posição da doutrina pátria tradicional

O entendimento de que o sigilo bancário reflete parte da intimidade e privacidade e é, portanto, um direito da personalidade, não podendo esses dados ser compartilhados nem solicitados por terceiros (inclusive o Estado), foi acolhido por grande parte da doutrina brasileira. [4]

Para esta parcela da doutrina, a consequência imediata dessa posição é de que, como os incisos X e XII do art. 5º da CF/88 resguardam a intimidade e a vida privada, o sigilo bancário passa a ter status constitucional, sendo considerado um direito fundamental. Mesmo configurado como direito fundamental, a doutrina entende que o mesmo não é absoluto, mas relativo, podendo ser afastado em situações excepcionais. [5] É nesse ponto, justamente, que paira a grande controvérsia do tema.

Alguns trabalhos doutrinários chegam a enfrentar o artigo 145, § 1°, da Constituição da República, que diz que é facultado à Administração Tributária, para assegurar a observância da tributação conforme a capacidade contributiva do contribuinte, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do sujeito passivo, desde que tal atividade fiscalizatória respeite os direitos individuais e seja feita dentro da legalidade. [6]

Contudo, para esta parcela da doutrina, como o sigilo está inserido na cláusula genérica de proteção à intimidade e privacidade, sendo, assim, um direito fundamental e com assento constitucional, o mencionado § 1° do artigo 145 também não daria permissão para que o Fisco obtivesse diretamente os dados bancários. [7] O dever de segredo somente pode ser afastado por ato do Poder Judiciário e pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), estas últimas em razão da permissão expressa descrita no art. 58, § 3°, da Constituição.

Apesar de essa opinião ter sido dada em textos escritos antes da LC 105/2001, ela ainda é reafirmada pela doutrina pátria majoritária. O que se observa de grande parte da doutrina majoritária é uma preocupação em assegurar de forma mais efetiva possível (quase uma ‘adoração’) os direitos individuais contra as “investidas” do Estado, [8] pois, para essa corrente, caso o Estado passe a ter acesso direto aos dados bancários, ele poderá fazer o que bem entender. [9] Ilustra tal proposição a opinião dada por José Delgado para justificar a atribuição de quebra do sigilo apenas ao Poder Judiciário:

“A administração tributária, por melhor que seja a sua estrutura e os seus propósitos, não está emocionalmente preparada para conhecer e aplicar os princípios que sustentam a cidadania fiscal. Isso ocorre, primeiramente, por o fisco ter como missão exclusiva exercer a função de arrecadar tributos. É a sua meta essencial, por ser atribuição que na organização administrativa estatal está obrigado a desempenhar. Não lha cabe administrar o tributo arrecadado, limitando-se, unicamente, a envidar esforços para o cumprimento das metas impostas para imprimir aumento na arrecadação tributária. O sucesso da administração tributária é medido pelo maior volume de recursos fiscais atraídos para os cofres do Governo, nunca pelo respeito que exerça para com os direitos

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fundamentais do contribuinte. É uma questão de cultura administrativa, de distribuição de funções no sistema estatal, difícil de ser mudado só por sugestões doutrinárias. Necessita vontade política.” [10]

Vemos em outros textos que a relação entre o Estado e o contribuinte é sempre vista como uma “luta”, uma “briga”, se valendo, inclusive, de termos e “armas” relacionadas a estes eventos. [11]

Para essa corrente doutrinária, o tributo é uma norma de rejeição social, pois não possui acolhida no direito natural. Ao contrário de normas de aceitação social – como o respeito à vida – a norma de rejeição social só se faz efetiva em razão da existência de uma sanção. Assim, um contribuinte, que seria incapaz de matar alguém, mesmo que não houvesse qualquer penalidade, é muitas vezes tentado a não recolher os tributos, só o fazendo em razão do temor em sofrer a sanção cominada na lei. [12]

Essa concepção do tributo traz consequências tanto na interpretação do direito como no papel que a atividade tributária possui dentro do Estado. Para Ives Gandra, por se tratar de norma de rejeição social, deverão ser invocados princípios hermenêuticos próprios daqueles ramos que implicam restrição de direitos (como o Direito Penal), como o da tipicidade fechada e legalidade estrita, da retroatividade benigna, da não-adoção da interpretação analógica apenadora e das interpretações extensivas ‘in pejus’, “técnicas exegéticas próprias da defesa do cidadão contra a idolatria do Estado.” [13]

Como corolário, a Constituição sempre é vista e interpretada como a única “salvação” do cidadão contra a “fúria arrecadatória” estatal. [14] E a fiscalização nunca poderia possuir um status constitucional ou mesmo por em “perigo” um direito individual.

Nessa ordem de ideias, realmente, a tributação e a figura do Estado estariam inseridos em uma concepção ideológica que torna o sigilo bancário oponível ao Fisco. É compreensível a preocupação da doutrina, pois, apesar da Constituição ter entrado em vigor há 20 anos, a figura do Estado burocrático que perdurou no regime militar e a figura autoritária do agente fiscal ainda estão presentes. Do mesmo modo, existe, ainda, o “estigma” cultural inserido na sociedade de que o Estado é mero gastador e que o tributo é analogicamente tratado como uma “pena”, uma sanção.

Tal concepção é reafirmada cotidianamente quando vemos notícias de corrupção em todos os poderes que compõem a República e exemplos absurdos de ilegalidade e imoralidade. Entretanto, apesar de existir uma realidade que não nos agrada e coloca o próprio ordenamento jurídico e suas instituições em crise, indaga-se se isso seria suficiente para que a tributação seja concebida realmente como norma de rejeição social.

Em suma, a questão em foco, antes de ser apenas um debate sobre se o sigilo bancário é protegido ou não por um direito fundamental, passa pela análise de qual é o papel da tributação dentro de um Estado Democrático de Direito e qual é a função deste Estado e da sociedade neste ambiente. Esse tema será tratado nos tópicos seguintes. Mas, antes, é importante resumir a posição do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

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III – A posição do STF sobre o sigilo bancário

Em síntese, o STF acompanha a doutrina majoritária brasileira e entende que o sigilo bancário possui amparo constitucional e está inserido no direito à intimidade e vida privada. [15] Ele não é um direito absoluto, mas relativo, cedendo “diante do interesse público, do interesse da justiça, do interesse social.” [16] Entretanto, a discussão de quem teria poderes para afastar o dever de sigilo ainda não teve solução final.

No MS 21.729, Relator o Ministro Marco Aurélio, e Relator para o acórdão o Ministro Néri da Silveira, julgado pelo Pleno do STF em 05.10.1995, a questão da possibilidade de quebra do sigilo bancário sem a intervenção do Poder Judiciário voltou à cena. O voto vencedor não adentrou na questão da efetiva necessidade da autorização judicial para a quebra do sigilo bancário, pois esse não era, propriamente, o cerne da questão. Todavia, alguns votos se manifestaram sobre esse tema, mostrando um primeiro posicionamento do Tribunal a respeito da matéria.

Entendeu a Corte, por escassa maioria (6 votos contra 5) que o Banco do Brasil não podia negar informações ao MP quando estas disserem respeito a empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal. Nesse caso, aplicaram o princípio da publicidade, previsto no art. 37 da Constituição da República.

O voto vencedor, subscrito pelo Ministro Néri da Silveira, não entrou no problema do sigilo bancário e de sua proteção. Entretanto, cinco Ministros manifestaram posicionamento exigindo, em qualquer caso, a intervenção do Poder Judiciário para deferir o afastamento da intimidade e privacidade do cidadão. O Ministro Ilmar Galvão expressamente ressaltou o seguinte:

“Veja-se que nem sequer ao Fisco, a quem incumbe prevenir a sonegação de impostos, notadamente os que recaem sobre rendimentos auferidos pelos contribuintes, outorgou a Constituição o poder de devassa das contas bancárias, havendo, ao revés, no art. 145, § 1º, da CF, ao facultar-lhe o poder de identificar o patrimônio, os rendimentos e atividades econômicas do contribuinte, consignado a ressalva – ‘respeitados os direitos fundamentais’ -, cláusula que vale pela indicação de que o poder investigatório, próprio do Fisco, encontra limite na intimidade, na vida privada, na casa, na correspondência e nas comunicações em geral, mesmo de dados, valores que se encontram ao abrigo da garantia constitucional da inviolabilidade.

Trata-se de limite somente afastável pela via judicial, em devido processo legal, e diante de razões bastantes para justificarem a decisão do Juiz.”

Além dos Ministros Marco Aurélio, Maurício Corrêa, Celso de Mello e Ilmar Galvão, o Ministro Carlos Velloso também defendeu essa posição, manifestando que como o

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direito protegido possui status constitucional, sua violação não poderá ser efetuada por quem não tenha o dever de imparcialidade. A questão da imparcialidade voltou a ser analisada no RE 215.301, relator o próprio Ministro Carlos Velloso, DJ 28.5.99, quando restou negado ao Ministério Público o direito de obter diretamente (sem intervenção do Poder Judiciário) os dados bancários sigilosos.

Toda a jurisprudência do STF foi construída antes da entrada em vigor da LC 105/2001, sendo certo que as ADI´s 2386, 2390 e 2397, apesar de ajuizadas em 2001, ainda não foram julgadas pelo STF. Após a entrada em vigor da LC 105/2001, por duas vezes, o STF concedeu liminar em ação cautelar para conferir efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto pelo contribuinte e suspender qualquer medida tomada pelo Fisco, bem como impedir que a Fazenda Pública, com base na mencionada lei complementar, requisitasse diretamente aos bancos as movimentações financeiras do correntista. Tais decisões embasaram-se em vários precedentes, dentre os quais os mencionados neste trabalho. [17]

Entretanto, diante da relevância e a atualidade do tema, a 2ª Turma, ao julgar, em 01/04/2008 (DJ 01/08/2008), o Agravo Regimental no RE 261.278, resolveu prover o recurso da União para anular decisão monocrática proferida pelo Ministro Carlos Velloso e afetar ao Pleno o julgamento do recurso extraordinário. A decisão anulada havia acolhido o recurso do contribuinte para reformar acórdão que entendera ser legítima a quebra do sigilo bancário feita diretamente pelo Fisco. [18]

E em 2008, o Conselho Federal da OAB, utilizando os argumentos doutrinários e os precedentes citados nesta peça, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4010) contra o art. 5º da LC 105/2001, que trata da possibilidade do Poder Executivo disciplinar os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à Administração Tributária da União as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços, tarefa esta que foi feita com a edição da IN 802, de 27/12/2007. [19]

O tema, assim, é atual e ainda está sem definição. Contudo, os precedentes proferidos antes de 2001 ainda possuem força na jurisprudência do STF.

De toda forma, nota-se, inicialmente, que o STF ainda não enfrentou a questão do sigilo tomando como base o papel da tributação dentro de um Estado Democrático de Direito. A interpretação dada ao art. 5º, X e XII, bem como ao art. 145, § 1º, da CR, é apenas parcial, havendo uma lacuna quanto a outro aspecto já bastante discutido na doutrina estrangeira, qual seja, o papel atual da tributação e a realidade de que não existe Estado de Direito sem tributos.

IV. O papel do tributo no Estado Democrático de Direito

Como dito, não se discutirá, neste trabalho, se o sigilo bancário está ou não inserido no art. 5°, X e XII, da Constituição da República. O enfoque é outro. Isso porque, apesar das posições da doutrina e jurisprudência relatadas, não é possível desconsiderar neste debate o atual papel do Estado – que foi ampliado em razão da evolução do

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constitucionalismo – bem como a necessidade da participação da pessoa humana para concretizar os diversos objetivos postos na Constituição.

Como já adiantado, mesmo que se entenda que os dados bancários são, em tese, protegidos pela intimidade e privacidade, isso, por si só, não quer dizer que eles estejam submetidos a uma cláusula de reserva de jurisdição, nem que as administrações fazendárias estejam impedidas de ter acesso direto aos mesmos.

A primeira e importante consideração é a de que, ao lado dos direitos fundamentais, existem os deveres fundamentais do cidadão. Eles representam a face oculta dos direitos constitucionais do indivíduo. [20] Direitos e deveres estão no mesmo plano constitucional, sendo que integram e formam o estatuto constitucional da pessoa. Esse tema ficou esquecido, pois a doutrina européia – tal qual no Brasil depois de 1988 - sempre realçou o papel dos direitos fundamentais.

Para José Casalta Nabais, os deveres fundamentais constituem uma categoria própria, mas que integra o domínio dos direitos fundamentais, “na medida em que este domínio ou esta matéria polariza todo o estatuto (activo e passivo, os direitos e os deveres) do indivíduo.” [21] Esse indivíduo, logicamente, por ser uma pessoa, será sempre detentora de direitos e deveres (simultaneamente livre e responsável). Esses deveres fundamentais residem na Constituição e, portanto, são numerus clausus. Aqueles que não estão no texto constitucional, podem ser criados pelo legislador, mas serão apenas deveres legais. Historicamente, os deveres fundamentais foram surgindo à medida que os direitos foram se formando. Eles são decorrentes ou exprimem a soberania do Estado, mas de um Estado que está fundado na primazia da pessoa humana. Esse fato, por si só, já demonstra que a existência de deveres não torna o Estado onipotente, mas que possui pleno limite.

Entretanto, tais deveres necessitam ser concretizados pelo legislador, pois não operam diretamente. Contudo, não são meras normas programáticas, pois são dotadas de certa eficácia, até por integrarem a Constituição. Assim, na temática dos custos dos direitos, o Estado moderno está necessariamente pautado em deveres fundamentais, que são os custos em sentido amplo que dão o suporte para a existência e funcionamento desta comunidade, que é amparada na liberdade e na concretização dos direitos fundamentais. E um dos custos deste Estado são justamente os financeiros públicos, suportados por tributos. [22]

Nessa última concepção, os tributos (em especial os impostos) são o preço que pagamos para termos a sociedade existente, assentada na idéia de liberdade. Todos os direitos têm seus custos para a comunidade [23] e mesmo aqueles que a doutrina denomina de direitos negativos ou de 1ª geração, para serem efetivados, possuem custos. Tanto a liberdade como a propriedade não existiriam sem prestações positivas estatais. Flávio Galdino assinala inclusive que “o Estado não reconhece simplesmente a propriedade: o Estado verdadeiramente cria a propriedade.” [24] Realmente, o direito de propriedade depende de uma estrutura muito grande: ele existe e é garantido em razão da atuação contínua e perene de agentes dos três poderes, cada qual dentro de sua esfera de competência. Afinal, o que seria dele sem a existência de um Poder Judiciário? Na linha do que está sendo desenvolvido, Liam Murphy e Thomas Nagel ressaltam que:

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“… numa economia capitalista, os impostos não são simples método de pagamento pelos serviços públicos e governamentais: são também o instrumento mais importante por meio do qual o sistema político põe em prática uma determinada concepção de justiça econômica ou distributiva.” [25]

Esses autores buscam discutir o papel do tributo e sua vinculação com a realização de justiça. Eles enfrentam e inovam um tema de grande importância ao direito: a de que a propriedade privada é uma convenção jurídica cuja existência e validade dependem da tributação. Afirmam também que “os impostos têm de ser avaliados como um elemento do sistema geral de direitos de propriedade que eles mesmos ajudam a criar.” [26]

Não haveria, para eles, um direito natural à propriedade, pois o sistema tributário é um elemento importante que estabelece condições que criam um conjunto de bens proprietários. Assim, “os direitos de propriedade são direitos que as pessoas têm sobre aquilo que lhes resta depois de cobrados os impostos, e não antes.” [27]

Como a principal fonte de receitas do Estado atual advém da tributação, assinala Nabais que todos os direitos têm por suporte fundamental a figura dos impostos. [28] É certo que esse “preço” não pode ser muito elevado, sob pena de não ser preservada a liberdade, que é pressuposto do Estado servir. A carga fiscal deve ter limites (preço aceitável e limitado). Entretanto, e é o que interessa neste ponto, por estarmos inseridos no Estado Fiscal, os tributos constituem um “indeclinável dever de cidadania, cujo cumprimento a todos nos deve honrar.” [29] Dessa forma, eventual repúdio a um tributo não é motivo suficiente para que a tributação seja vista como uma ameaça ao cidadão.

O próprio triunfo do liberalismo levou ao fim dos Estados patrimoniais, ou seja, aqueles cujas receitas decorrem do patrimônio público ou do exercício estatal de atividades econômicas. Afinal, na medida em que se instaurou uma economia de mercado, a sustentação do Estado passou a ser dar justamente pela tributação. De outro lado, a liberdade econômica depende da participação dos indivíduos não só na formação de políticas econômicas, como também na “qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar impostos na medida da respectiva capacidade contributiva.” [30]

Nesse entendimento, o Estado Fiscal implica uma cidadania de liberdade cujo preço reside em sermos, todos, destinatários do dever fundamental de pagar impostos. Cidadania que é definida pelo autor como a qualidade dos indivíduos que, enquanto membros de um Estado, são titulares de direitos e deveres universais. [31] Assim, cidadania não se limita o direito de votar ou ser votado. Nela se insere também a cidadania fiscal, que consiste no dever de pagar impostos, dever que constitui o preço a pagar por termos uma sociedade assente na idéia de liberdade. Para o autor, “nenhum membro da comunidade pode ser permitido excluir-se de contribuir para o suporte financeiro da mesma.” [32]

A importância da tributação, o seu papel no Estado moderno e a exigência de uma cidadania fiscal são temas defendidos também por Vitor Faveiro, outro autor português, que ressalta que o dever de contribuir é inato à pessoa na qualidade de ser social, que é o ator principal das relações tributárias. [33]

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Não desconhece o autor a existência na sociedade de uma “aversão” ao tributo[34]. Entretanto, mesmo que haja abusos e ilegalidade, não é essa concepção de “discórdia” descrita pelo autor português que devemos, hoje, ter sobre o Estado e a tributação, pois não foi esta a ideologia adotada na Constituição.

Cabe à sociedade buscar rever esses pressupostos e alterar a realidade construída intersubjetivamente, e não a partir de perspectivas autoritárias ou individualistas. E uma das reformas necessárias envolve uma mudança na mentalidade, que importa na criação, no homem-cidadão, do sentimento de ser social, evolutivo, propenso a outros valores humanos, e, como tal, de contribuinte. Tal reforma, logicamente, realmente, depende da participação ativa do Estado, inclusive por meio de ações de formação cívica e cultural de cidadania, o que impõe ao integrante da sociedade estar ciente e consciente da sua posição neste meio em que não só vive, mas participa de forma responsável. [35]

Em face disso, a análise tributária deve se libertar de um liberalismo denominado de ‘vulgar’, que é fundado, entre outros, nos seguintes aspectos: de que há um direito moral à propriedade da renda pré-tributária; de que os tributos “tomam nosso dinheiro”; e de que a questão de justiça tributária resume-se à distribuição dos sacrifícios segundo a capacidade contributiva. Ao contrário, a justiça do sistema tributário não se resume à forma de imposição, mas também ao modo que o dinheiro arrecadado é gasto - o que reafirma a função distributiva da renda.

A indagação sobre quais os fins legítimos do governo e quais são os meios que o mesmo possui para realizá-los mostra que o governo não é neutro, mas interfere na sociedade, pois o Estado não se limita a regular a vida das pessoas, mas ele é responsável pelo tipo de vida que as pessoas podem levar. [36]

Apesar da economia capitalista de mercado ser o melhor meio para gerar empregos, criar e circular riquezas (em especial o capital), ela gera, sem dúvidas, grandes desigualdades econômicas e sociais. Isso sem esquecer a questão hereditária, que gera desigualdades sem um respaldo moral. Caberá ao governo encontrar soluções que, sem prejudicar o poder produtivo do sistema, limitem ou reduzam os danos que inevitavelmente atingiram aqueles que saíram perdendo na competição do mercado, especialmente por não terem tido, no início da vida, qualquer oportunidade.

Dessa forma, ganha evidência a importância da tributação como instrumento de redistribuição de renda e redução das desigualdades. Nesse sentido, será por meio de ações estatais (entre as quais estão as políticas públicas) que se dará aos mais carentes meios para nivelarem socialmente. A justiça estará, assim, na busca pela igualdade de oportunidades. [37]

Segundo Ronald Dworkin, a legitimidade de um governo depende que ele “demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos sobre os quais afirme seu domínio e aos quais reivindique fidelidade.” Essa consideração igualitária é denominada pelo filósofo como a virtude soberana da comunidade política, sendo que a distribuição desigual das riquezas demonstra que o Estado não considera com igualdade os cidadãos. Ressalta ainda que a distribuição das riquezas é produto de uma ordem jurídica, na medida que depende das leis promulgadas na comunidade, entre elas das leis de previdência, fiscais, de direitos políticos, etc. [38]

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Igualdade, assim, é tratar os indivíduos como iguais ou com a mesma consideração, no sentido de que eles possuem o mesmo valor como pessoa e merecem o mesmo respeito e consideração como cidadãos. [39]

O que os autores aqui indicados buscam é justamente mostrar que não deve mais prevalecer a concepção da tributação como simples necessidade financeira, cujo destino é desconhecido e sem qualquer elemento transformador ou reformador; e também, que o poder tributário é determinado pela autoridade, estando o contribuinte sempre em uma posição defensiva; e, por fim, que inexiste ou é sem relevância uma relação direta do tributo com a realização dos direitos fundamentais.

O fato de este Estado muitas vezes falhar na realização desses objetivos não é suficiente para, retirar do tributo a força e a importância que desempenha no Estado Democrático de Direito. Afinal, mesmo com as múltiplas crises que enfrenta, ele ainda é o “principal garantidor dos direitos fundamentais”, tendo de criar novas instituições e remodelar as já existentes, tendo de estar devidamente “aparelhado” para realizar suas diversas funções. [40] Nota-se, portanto, que a questão debatida possui íntima relação com o afastamento do sigilo bancário diretamente pelo Fisco. Além dela, é importante tratar de um tema de estreita conexão com o dever de contribuir: a solidariedade social.

V. Do princípio da solidariedade.

Apesar de o ideal burguês ter se inspirado na tríade liberdade, igualdade e fraternidade, esta última está vinculada muito mais a uma idéia de filantropia ou caridade do que a um valor que deve ser observado para o êxito da comunidade. Da mesma forma, a solidariedade não poderia se identificar com mero assistencialismo. As mudanças no papel e no modelo de Estado fazem com que a sociedade passe a ser o centro da ciência jurídica, fazendo com que surja o conceito de solidariedade social, que assume grande importância nos debates jurídicos. [41]

Uma das facetas da cidadania é justamente a solidária, que implica no empenho tanto do Estado como do indivíduo na permanente inclusão de todos os membros na referida comunidade, de modo a todos partilharem de um interesse comum. [42] Não mais prevalece a concepção liberal, baseada na igualdade formal e no entendimento de que a solidariedade não era um princípio normativo, mas apenas uma virtude humana. Deve a postura jurídica tradicional se libertar do individualismo e passar a “lançar mão do ‘nós’, pronome plural e coletivo que consubstancia a construção de um espaço de inclusão do outro, sempre com vistas à efetivação e solidificação da dignidade da pessoa humana.” [43]

Afinal, não é possível retirar a força normativa dos artigos 1° e 3° da Constituição, que proclamam que o Brasil é uma república e um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamentos a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana e possui como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos. O próprio preâmbulo da Constituição - que, apesar de não

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se situar no âmbito do Direito, reflete posição ideológica do constituinte e espelha os princípios e objetivos descritos na Carta – diz que o Estado Democrático de Direito instituído em 1988 destina-se a assegurar o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna. [44]

Não era assim na Constituição de 1967, que se estruturava, inicialmente, nos elementos do Estado. Houve, sim, uma alteração de paradigma com a atual Carta, que primeiro se preocupa em “definir o perfil básico da sociedade civil e de quem participa do processo de manifestação da vontade da coletividade.” [45]

Em razão disso, o STF já consagrou que a liberdade de iniciativa pode sofrer interferência do Estado, sendo que os valores positivados, em vários casos, servem como diretriz para a interpretação e aplicação do direito no caso concreto [46] e que “a reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988”, ressaltando, neste e em outros votos, o princípio da solidariedade, [47] inclusive na esfera fiscal, como ocorreu no julgamento da contribuição dos inativos. [48]

O que também está por trás de toda a teoria liberal é a absoluta separação entre o Estado e a sociedade, perspectiva que não é mais defendida por parte da doutrina. [49] O Brasil não é um simples Estado de Direito nem um Estado Social apenas: ele é os dois ao mesmo tempo, na medida em que agrega valores liberais (liberdade e segurança) e sociais (igualdade, solidariedade). Por isso, não cabe o prestígio apenas de um dos valores, mas a solução passa por prestigiar ambos, naquilo que puderem conviver. [50]

Assim, liberdade e igualdade não são valores ou ideias antagônicas, mas aspectos do mesmo ideal de associação política. Em outras palavras, ambas são condições para a cooperação na deliberação democrática. O paradigma liberal e individualista de outrora foi substituído pelo paradigma da intersubjetividade, que compreende a interação e intercompreensão. A ideia de democracia exige participação, tanto do Estado como da sociedade, que não devem mais ser vistos como elementos distantes e em constante confronto, como se fossem opostos ou adversários. Também não devem ser analisados como elementos estáticos, mas, ao contrário, em permanente interação produtora de uma intersubjetividade, discursivamente partilhada. [51]

Por fim, a importância da tributação também foi discutida no STF que, afastando a alegação de ofensa à livre iniciativa e à liberdade econômica e amparando-se na livre concorrência, entendeu pertinente e razoável a aplicação da penalidade de fechamento a uma indústria de cigarros que queria permanecer comercializando seus produtos, não obstante o inadimplemento sistemático da obrigação de pagar o IPI. [52]

Assim, nota-se não haver dúvida que o princípio da solidariedade social possui íntima relação com o Direito Tributário, na medida em que a cidadania se expressa também no dever de contribuir - pautado na capacidade contributiva - sendo os impostos – logicamente cobrados seguindo uma pauta legal – o preço que pagamos para ter uma sociedade organizada e baseada na economia de mercado. [53]

Tudo o que foi exposto é necessário para a compreensão da questão que envolve a quebra do sigilo bancário, pois o ponto de partida da discussão não é apenas a busca

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pela proteção de direitos fundamentais, mas, antes disso, passa pelo reconhecimento do papel que, de fato, possui a tributação no Estado Democrático de Direito, que deve ser visto em um contexto em que estão inseridos valores e objetivos constitucionalmente protegidos e que permite, via legislação, estabelecer determinada intervenção estatal.

VI - A quebra do sigilo fiscal diretamente pela Administração Pública: instrumento para a realização de uma tributação mais adequada aos objetivos constitucionais - Aplicação do princípio da eficiência

A questão envolvendo a tributação e o sigilo bancário, no Brasil, passa pela correta interpretação do art. 145, § 1°, da Constituição. Indaga-se se a interpretação dita liberal adotada pela doutrina majoritária prestigia a concepção de que o tributo possui um papel reformador na sociedade.

Pois bem, não se asseguram apenas direitos aos indivíduos, mas também se impõem deveres, pois a cidadania exige contribuição e participação, na qual, juntamente com o Estado, buscar-se-á a realização dos objetivos postos na Constituição, entre eles a realização da pessoa humana. Não há dúvida, assim, de que se houve um alargamento das funções a serem desempenhadas pelo Estado, é necessária a ampliação dos mecanismos de realização desses fins e dos instrumentos jurídicos de controle.

Nesse contexto, não bastam leis criando os tributos e estabelecendo as obrigações dos contribuintes. A eficácia social de uma lei está condicionada à sua regular observância pelos membros da sociedade. Dentre os instrumentos que o Estado possui para realizar seus fins está o exercício do poder de polícia, no qual se inclui a fiscalização, que se traduz no controle das atividades do contribuinte, verificando se o mesmo a está exercendo dentro da legalidade. Em algum momento, a Administração deve certificar se o contribuinte está ou não cumprindo com as suas obrigações tributárias. [54]

No exercício da fiscalização, além das funções de comprovação, inspeção e de liquidação – que ocorre com o lançamento tributário ou com a simples cobrança, no caso de tributo declarado e não pago – há, antes disso, outra importante função, que é a de obter as informações. [55]

Por meio das informações obtidas, a fiscalização irá conferir se o contribuinte está cumprindo ou não suas obrigações. As informações relativas à realidade econômica do sujeito passivo devem ser entregues ao fisco (declarações), devidas em razão do dever de colaboração do contribuinte. [56]

Todavia, como a fiscalização obterá tais informações se o contribuinte não as fornecer? Tal questionamento fica difícil de solucionar quando vemos que hoje prevalece a autoliquidação do tributo, ou seja, o próprio contribuinte, sem qualquer ato prévio da administração tributária, verifica se ocorreu o fato gerador, calcula o tributo e o recolhe, informando, posteriormente, ao Fisco, a atividade realizada. [57]

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A administração, por isso, é cada vez mais vigilante. Ela deixou de ser a aplicadora das normas de imposição e tributação e passou a ser fundamentalmente a fiscalizadora do cumprimento dessas normas por parte dos particulares. Isso faz com que se questionem os atuais poderes de fiscalização, especialmente para conter a fraude e a evasão fiscal. Em face dessa realidade, Casalta Nabais constata que, “para levar a cabo adequadamente essa missão fiscalizadora ou inspectiva, a administração fiscal há de dispor dos correspondentes instrumentos ou meios.” [58]

As informações das realidades econômicas do contribuinte estão apenas consigo mesmo ou com os bancos, verdadeiras entidades que se fazem presentes na vida de todos – sejam pessoas físicas ou jurídicas. A vida econômica de uma pessoa sempre passa por uma ou mais instituições financeiras, fato que torna a tarefa a cargo da Administração Tributária nada fácil. A necessidade de obtenção direta dos dados bancários faz-se presente na medida em que como se fiscalizará o contribuinte se os documentos ou informações com que se poderia eventualmente provar a falta de correspondência entre a realidade declarada ao fisco e a realidade vivida pelas empresas ou pelos profissionais estão basicamente fora do alcance da administração.

Essa realidade é vivenciada por quase todos os países cujos gastos são suportados pelas receitas tributárias. Em razão disso, e tendo como ponto de partida a ideia de que há um dever fundamental de pagar tributo, fundamentado na solidariedade e na capacidade contributiva, e de que não há Estado sem direitos, nem direitos sem impostos, Saldanha Sanches e João Taborda da Gama afirmam que a vaca sagrada do segredo tributário deve ceder em face da administração tributária. [59]

Realmente, como a renda ou os rendimentos, bem como as receitas ou o faturamento, devem ser conhecidos pelo Fisco bem como comparados com as declarações recebidas, a efetividade da fiscalização fica comprometida se a derrogação do sigilo bancário tiver como pressuposto um procedimento judicial. O procedimento pode e deve ser administrativo, pois o Estado possui prerrogativas, entre as quais o poder de fiscalizar, tarefa esta que deve ser realizada com as devidas cautelas daquelas que envolvem outros atos administrativos que caracterizam o poder de polícia. Reconheceu-se, assim, a necessária conexão entre a declaração e o controle das informações bancárias:

“se existe para o sujeito passivo uma obrigação de declarar a totalidade dos seus rendimentos (princípio da sujeição ilimitada ou ‘world wide taxation’), a verificação da conta bancária serve apenas para verificar a veracidade dessa declaração, pois os dados contidos na conta bancária só poderão acrescentar alguma coisa aos elementos já comunicados à Administração quando se tiverem verificado violações do dever de declarar.” [60]

Além disso, a alegação de que a quebra do sigilo bancário diretamente pelo Fisco viola a intimidade é um pouco contraditória quando se compara com a obrigação de enviar declarações sobre renda, patrimônio e faturamento impostas aos contribuintes, sejam pessoas físicas, sejam jurídicas. Saldanha Sanches e João Taborda assim expressaram sobre tal questão:

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“O controle das contas bancárias ou dos sinais exteriores de riqueza constitui uma mera atividade de verificação das declarações tributárias e por isso uma crítica coerente do acesso administrativo às contas bancárias deveria abranger a tributação do rendimento com base na declaração, ou, mais exatamente, a tributação do rendimento e, por acréscimo, a criação de direitos sociais que impliquem o conhecimento do Estado do rendimento do cidadão. Uma vez que a determinação do rendimento pessoal é única forma de saber se alguém tem direito a uma pensão de reforma, ou ao quantum de uma prestação estadual por doença, por exemplo, todos os instrumentos assistencialistas seriam, por assentarem no conhecimento do rendimento de cada um, inconstitucionais.”[61]

Realmente, declara-se ao Fisco a totalidade da vida econômica do contribuinte: as receitas e rendimentos auferidos, a origem, as variações patrimoniais apuradas no ano (o que vendeu e comprou e para quem ou de quem), os empréstimos tomados ou concedidos, o dinheiro existente e, eventualmente, aplicado no banco, os títulos mobiliários que o contribuinte possui em seu nome, os ganhos de capital auferidos, ganhos com atividade rural, dados que, segundo a doutrina majoritária brasileira, fazem parte da privacidade e intimidade das pessoas, sendo que ninguém questiona a constitucionalidade desta obrigação. Cumpre ressaltar que a ausência dessas declarações pode acarretar na imposição de multas, que poderão ser agravadas na hipótese de intuito de fraude e, ainda, pode configurar crime (Lei 8137/90, art. 2°, I), penalidades também não questionadas pela doutrina.

Diante dessa constatação, fica a dúvida se, na essência, há diferença entre a obrigação de declarar com a possibilidade de a fiscalização obter tais dados econômicos diretamente das instituições financeiras, dados estes que ficarão sujeitos a sigilo fiscal, ou seja, não poderão ser repassados a terceiros.

Creio que não há diferença substancial entre as hipóteses mencionadas para considerar como inconstitucional apenas a questão vinculada à lei que prevê a possibilidade do Fisco ter acesso direto aos dados bancários, bem como a que dispõe sobre a obrigação dos bancos de informar, periodicamente, os valores das transações e operações bancárias feitas pelas pessoas. É importante ressaltar que apenas são informados os valores envolvidos (quanto se gastou) e não os objetos das operações (com o que se gastou). Saber apenas a realidade econômica é bem diferente de ter conhecimento do modo como a pessoa gasta seu dinheiro.

Toda a argumentação desenvolvida neste trabalho busca justamente observar a racionalidade do ordenamento jurídico constitucional, bem como sua ideologia constitucionalmente adotada para mostrar que, atualmente, não mais prosperam teses que compreendem o tributo como uma agressão à liberdade e à propriedade. Nota-se, assim, que os limites do sigilo bancário merecem ser revistos, especialmente porque as instituições jurídicas não podem permanecer rígidas, inflexíveis, mas, ao contrário, amoldar-se às circunstâncias e peculiaridades de cada época, de forma a se harmonizarem com os valores de cada período histórico.

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A efetividade dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da solidariedade passa pela ampliação do poder de fiscalizar com o intuito de identificar o patrimônio, os rendimentos e a atividade econômica do contribuinte. [62] Nesse contexto, surge na discussão outro importante princípio que deve ser observado pela administração pública, qual seja, o da eficiência.

Como explicam Saldanha Sanches e João Taborda, a derrogação do sigilo pela própria Administração é realizada em nome dos próprios contribuintes que vão suportar as despesas do Estado, pois estes têm o direito de exigir uma Administração eficiente e isso implica o legislador, sem restrição inaceitável dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, … encontrar as formas mais eficientes e baratas de controlar a aplicação da lei, o que, numa sociedade moderna, implica o controle administrativo da informação financeira.”[63]

O princípio da eficiência descrito no art. 37 repercute em várias áreas da administração pública, inclusive no âmbito fiscal. Trata-se de mais uma exigência a ser considerada pela mesma quando age para a realização do bem comum, o que implica, logicamente, na realização dos fins propostos na Constituição. [64] Parte da doutrina entende que a eficiência está voltada para os meios a serem utilizados, enquanto eficácia é termo ligado aos resultados. [65] Apesar da distinção, a eficiência, como princípio, não está dissociada dos resultados, sendo um dever jurídico de atuação otimizada, em que considera tanto os objetivos, como a adequada relação entre os meios e os fins a que se propõe alcançar.

Nota-se, assim, que obrigar a administração pública a requerer judicialmente o afastamento do sigilo bancário é medida contraproducente, que redunda na ineficiência do Estado. Ora, se este é obrigado a adotar os melhores meios e instrumentos para realizar suas tarefas e prerrogativas, logicamente as atividades vinculadas à tributação – entre elas a de controle das atividades econômicas - estão inseridas neste dever. E a importância da ação do Estado no controle da tributação é indiscutível, pois, além de ser um dever, este mesmo Estado depende dos tributos para realizar as diversas tarefas descritas na Constituição, entre as quais a realização dos direitos fundamentais. [66]

Reforçam esse raciocínio três dispositivos constitucionais que tratam do tema. O primeiro é o inciso XXII do art. 37 - que foi veiculado com a EC 42/2003 - e ressalta o importante papel das administrações tributárias dos entes da Federação ao qualificá-las como atividades essenciais ao funcionamento do Estado, que terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de informações fiscais e de dados cadastrais.

Corolário desse dispositivo, o art. 167, IV, CF, excepcionando a regra geral, prevê a possibilidade de vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa para realização de atividades da administração tributária. Além disso, o inciso XVIII dispõe que a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos.

Essas diretrizes constitucionais induzem que a estrutura administrativa que cuida da tributação possui grande importância, não podendo ser relegada a um segundo plano. Ao lado disso, os valores constitucionais demonstram que deve haver uma mudança de

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concepção do fenômeno tributário, que não deve mais ser visto como mera agressão ao patrimônio, mas como um instrumento vinculado à solidariedade social.

Tal tema já foi debatido pelo Tribunal Constitucional Espanhol que, ao proferir a Sentença 110/1984, considerou a existência do dever da sociedade de sustentar o Estado uma limitação ao segredo bancário, decisão esta reafirmada posteriormente pelo Tribunal Espanhol, em 1990 e em 2005, (sentenças 76/1990 e 233/2005). Dito tudo isso, nota-se que a alegação de que os incisos X e XII do art. 5° da Constituição da República protegem os dados acobertados pelo sigilo bancário não é suficiente para afastar a possibilidade de a administração tributária obter diretamente os dados bancários.

VII - Conclusão

Assim, voltando ao começo do trabalho, compreende-se que o tema proposto tem como ponto de partida a visão que devemos ter, a partir do texto constitucional, da tributação. E o texto constitucional não só impõe aos cidadãos um dever de contribuir com os gastos públicos como coloca a tributação como um importante instrumento para a realização dos direitos fundamentais e dos objetivos traçados na Constituição.

Infelizmente, o próprio Estado, ao não procurar formar o cidadão-contribuinte, auxilia na preservação deste sentimento de “discórdia”. [67] Contudo, a utilização de um poder de fiscalização não transforma todos os cidadãos em sonegadores em potencial, como faz crer parte da doutrina. [68] O uso dessa prerrogativa estatal busca apenas dar concretude à aplicação correta e igualitária da lei, inclusive em respeito àqueles que cumprem fielmente as leis tributárias e pagam os impostos em dia.

Não é possível interpretar a Constituição sob um paradigma exclusivamente liberal, não prestigiado pela Constituição atual, ou, ainda, dar uma solução ao caso por temor e justo receio de que alguns servidores públicos venham a abusar e cometer uma ilegalidade. Eventuais abusos deverão ser objeto de controle, coibindo tais práticas e punindo as eventualmente praticadas.

Certo é que esse temor não pode nem reduzir a importância da atividade desempenhada pela administração tributária, nem vincular uma interpretação restritiva, capaz de desprestigiar os valores e os princípios constitucionais, entre os quais o de solidariedade das pessoas e a tributação conforme a capacidade contributiva.

Não é porque o Estado falha ao cumprir o seu papel social que os integrantes da sociedade devem se negar a cumprir com o seu. Esta é toda base da ética. O que se deve fazer é exigir que o Estado passe a melhor administrar os recursos arrecadados, tornando eficaz o principal valor da ética fiscal pública que é a solidariedade.

Uma reforma do sistema tributário, por si só, não seria suficiente. Mesmo que ele se torne o sistema tributário como um todo mais justo, são necessárias ações estatais e da sociedade para mudar a mentalidade das pessoas.

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Em conclusão, a Constituição atual dá respaldo a uma lei que faculte à administração tributária o poder de requisitar diretamente os dados bancários que estão na posse das instituições financeiras, bem como contempla a obrigação destas mesmas empresas de informarem periodicamente ao Fisco os valores das operações e transações realizadas por seus clientes.

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[1] Conferir FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional. Liberdade de fumar, Privacidade, Estado, Direitos Humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, p. 171/176. Para este autor, a cláusula constitucional da intimidade e privacidade busca preservar os direitos de liberdade do cidadão, e não a propriedade. Assim, estão alcançadas pelo sigilo aquelas informações transmitidas que, em termos de privacidade, são constitutivas da integridade moral da pessoa. A privacidade alcançaria o ser e não o ter, protegendo a liberdade de crença, sexual, gostos e escolhas pessoais, e não os dados que, não obstante necessitarem de proteção legal, apenas veiculam informações relativas à vida econômica da pessoa. Conferir também ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo bancário e direito à intimidade. Curitiba: Juruá, 2001.

[2] O entendimento de Tércio Ferraz, citado na nota anterior, foi seguido pelo Ministro Francisco Resek, quando do julgamento do MS 21.729/DF e alguma dessas idéias foram recentemente colocadas no voto da Ministra Carmen Lúcia, proferido no RE 461.366, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 03/08/2007.

[3] SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais. Conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. Esse autor ressalta que um modelo baseado em um suporte fático amplo não se preocupa com o que se inclui e o que não deve ser incluído no âmbito de proteção do direito fundamental, mas com a argumentação possível no âmbito da fundamentação constitucional das intervenções (p. 94).

[4] Entre eles Ives Gandra, Celso Bastos, Arnoldo Wald, Sacha Calmon e Misabel Derzi, cujos textos estão indicados na bibliografia. Para se ter uma síntese do pensamento nacional, conferir os diversos artigos publicados na coletânea coordenada por Ives Gandra da Silva Martins, fruto de seminário sobre o assunto, realizado em 17 de agosto de 2001 no Centro de Extensão Universitário (CEU), em São Paulo: III Colóquio Internacional de Direito Tributário. São Paulo/Buenos Aires/Bogotá: La Ley/IOB, 2001.

[5] Conferir TAVARES, André Ramos. O sigilo bancário e o interesse público. In Direitos Fundamentais – Estudos em homenagem ao Prof. Ricardo Lobo Torres. Org. Daniel Sarmento e Flávio Galdino. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 71/84.

[6] Conferir TAVARES, André Ramos. O sigilo … ob. cit. p. 84.

[7] Nesse sentido RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Sigilo Bancário e Tributário. in III Colóquio … ob. cit. p. 182/183.

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[8] Diva Malerbi, por exemplo, escreve que “em nome de um combate eficaz à ocultação ou dissimulação de bens, não cabe ao Estado Democrático de Direito promover medidas ou decisões fiscalizadoras que possam ruir ou abalar os mais elementares princípios da segurança do cidadão e do respeito aos direitos humanos.” MALERBI, Diva. Sigilo Bancário e Tributário. in III Colóquio … ob. cit. p. 84.

[9] Segundo Carlos Henrique Abrão, “preconizar uma margem maior de liberdade à Administração Pública sob o pálio do interesse coletivo pode representar uma via inesgotável de abuso e desvios de finalidade, sem uma conotação precisa da intervenção, diante dos limites a serem respeitados.” ABRÃO, Carlos Henrique. Sigilo Bancário e Tributário. in III Colóquio … ob. cit. p. 144.

[10] DELGADO, José Augusto. O sigilo bancário no ordenamento jurídico brasileiro. In III Colóquio … ob. cit. p. 67.

[11] É frequente lermos trechos como o seguinte: “A falta de legislação não beneficia o Fisco, mas, exclusivamente, o contribuinte. Tem o fisco o direito de brandir a espada da imposição, mas tem o contribuinte o direito de se defender com o escudo da lei.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema Constitucional Tributário. In Curso de Direito Tributário. Vol. 1. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. 5.ed. Belém:Cejup e CEU, 1997, p.19.

[12] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da imposição tributária. In Curso de Direito Tributário. Vol. 1. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. 5.ed. Belém:Cejup e CEU, 1997, p.15.

[13] MARTINS, Curso de Direito Tributário. ob. cit. p. 17.

[14] Assim afirmou Ives Gandra: “Estou convencido de que o atual sistema, como o anterior, é mais uma carta de direitos do contribuinte contra a excessiva e reconhecida carga tributária da Federação tripartida que é o Brasil, …. É, portanto, o sistema plasmado mais uma carta do contribuinte do que em Estatuto do Poder Tributante, nada obstante hospedar considerável aumento da carga tributária, que já não era pequena, à luz do velho sistema. MARTINS, Curso de Direito Tributário … ob. cit. p. 19

[15] Conferir GIANNETTI, Leonardo Varella. Deveres de informação tributária – Fiscalização e sigilo. In Sistema Tributário Nacional na Jurisprudência do STF. SP: Dialética, 2002, p. 113/135.

[16] PET 577, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 23.04.93; no mesmo sentido MS 23.452, j. 16.09.1999, rel. Min. Celso de Mello.

[17] Conferir AC 33. rel. Min. Marco Aurélio, j. 05/07/2003 e AC 415, rel. Min. Cézar Peluso, j. 09/09/2004. Na 1ª ação cautelar (AC 33), o Pleno ainda não referendou a liminar, sendo que, enquanto os Ministros Marco Aurélio e Cézar Peluso confirmavam a liminar, os Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto a negavam. Os autos estão com o Ministro Gilmar Mendes. Quanto à segunda cautelar (AC 415), esta foi julgada prejudicada, pois o RE não foi conhecido.

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[18] O mencionado recurso, até setembro de 2009, ainda não tinha sido novamente julgado.

[19] A liminar não foi apreciada. A Ministra Ellen Gracie, no plantão, solicitou informações ao Presidente da República e ao Congresso Nacional. O relator da ADI 4010 é o Min. Menezes Direito.

[20] Esse tema foi tratado em dois artigos de José Casalta Nabais, ambos publicados no livro Por um Estado Fiscal suportável – Estudos de Direito Fiscal. Coimbra: Almedina, 2005 e denominados “A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos” e “Estado Fiscal, cidadania fiscal e alguns dos seus problemas”. Tais textos foram posteriores à sua principal obra: O Dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998. Sobre o tema conferir também FAVEIRO, Vitor. O Estatuto do contribuinte. A pessoa do contribuinte no Estado Social de Direito: Coimbra Editora, 2002, especialmente p. 823/826.

[21] NABAIS, A face oculta … ob. cit. p. 14.

[22] NABAIS utiliza sempre o termo impostos, mas creio que, em razão do nosso sistema tributário, podemos ampliar para tributos, pois se incluem, ao menos, as contribuições.

[23] Tal ideia também é defendida por Sthephen Holmes e Cass Sunstein, no livro The Cost of Rights. Why Liberty Depends on Taxes, obra citada pelo Nabais e objeto de estudo por Flávio Galdino.

[24] GALDINO, Flávio. Introdução á Teoria dos custos dos Direitos – Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, p. 207. Ver também p. 226/227.

[25] MURPHY, Liam, NAGEL, Thomas. O mito da propriedade. Os impostos e a justiça. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. SP: Martins Fontes, 2005, p. 5.

[26] MARPHY, et al. ob. cit. p. 11.

[27] MURPHY et al. ob. cit. p. 51; 240.

[28] No Brasil, creio que podemos falar em tributos, pois, além dos impostos, deve-se mencionar, ao menos, a figura das contribuições sociais.

[29] NABAIS, José Casalta. Estado Fiscal, cidadania fiscal e alguns dos seus problemas. ob. cit. p. 44.

[30] NABAIS, Estado Fiscal, … ob. cit. p. 57.

[31] NABAIS, Estado Fiscal, … ob. cit. p. 58.

[32] NABAIS, Estado Fiscal, … ob. cit. p. 59. Conferir também VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais – uma leitura da jurisprudência do STF. SP: Malheiros, 2006, p. 606/628.

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[33] FAVEIRO, ob. cit. p. 101/121.

[34] FAVEIRO, ob. cit. p. 120.

[35] Vitor Faveiro afirma, inclusive, que existe um dever-direito, pois “é o dever que determina o direito, não sendo naturalmente possível a invocação dos direitos quando eventualmente omitidos os deveres de que aqueles decorrem.” (ob. cit. p. 17.

[36] MURPHY et al. ob. cit. p. 56.

[37] Afirmam MURPHY e NAGEL: “é impossível fazer com que todos tenham a mesma oportunidade na vida.” O objetivo mais palpável será tentar “garantir que todos os membros da sociedade tenham pelo menos uma qualidade de vida minimamente decente”, como, por exemplo, uma infância que não seja em um ambiente familiar miserável, ou decorrente da falta de abrigo, alimento ou cuidados médicos (MURPHY et al. ob. cit. p. 249). Tal afirmação, contudo, merece uma reflexão, pois o “minimamente aceitável” varia conforme o lugar e o momento/contexto histórico, sendo, assim, algo cotidianamente construído pela sociedade. Não é um dado ‘pronto’ e acabado.

[38] DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. A teoria e a prática da igualdade. Trad. Jussara Simões. SP: Martins Fontes, 2005, p. IX/X.

[39] Conferir GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. SP: Dialética, 1999, p. 105/110.

[40] Conferir SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. In Jurisdição constitucional e os Direitos Fundamentais. Coord. José Adércio Leite Sampaio. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 308.

[41] GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In Solidariedade Social e tributação. Coord. Marco Aurélio Greco e Marciano Seabra de Godoi. SP: Dialética, 2005, p. 144.

[42] NABAIS, José Casalta. Solidariedade Social, Cidadania e Direito Fiscal. in Solidariedade Social e tributação. ob. cit. p. 125/126.

[43] BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional: problemática na concretização dos Direitos Fundamentais pela Administração Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 181.

[44] Conferir ADI 2076, rel. Min. Carlos Velloso, j. 15.08.2002, DJ 08.08.2003.

[45] GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade Social e Tributação. in Solidariedade Social e Tributação … ob. cit. p. 171. SILVA, ob. cit. p. 66.

[46] Conferir, entre outros, ADI 319, rel. Min. Moreira Alves, j. 03/03/93; ADI 3540, rel. Min. Celso de Mello, j. 01.09.2005; ADI 1950, rel. Min. Eros Grau, j. 03.11.2005.

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[47] RMS 26071, rel. Min. Carlos Britto, j. 13/11/2007. Esse caso versava sobre o tratamento diferenciado em concurso público a deficiente físico. Conferir também ADI 1.003-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. 01.08.94, DJ de 10-9-99; ADI 2.649, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 08.05.2008, DJU 17.10.2008, que ressalta os objetivos descritos no art. 3° da CR.

[48] ADI 3105, rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso.

[49] Conferir BREUS, Políticas públicas … ob. cit. p. 38/48; 59/60.

[50] GRECO, Marco Aurélio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. SP: Dialética, 1998, p. 28/29. Verificar também SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. Interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In Interesses públicos versus Interesses privados: Desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Org. Daniel Sarmento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 70/79.

[51] Conferir PEREIRA, Rodolfo Viana. Direito Constitucional Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; TAVARES, André Ramos. Democracia deliberativa: elementos, aplicações e implicações. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. Vol. 1. Belo Horizonte: Fórum, jan/mar. 2007, p. 79/102.

[52] Caso American Virginia, conferir AC-MC 1657/RJ, Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, j. 27/06/2007.

[53] Verificar FAVEIRO, ob. cit. p. 828/829.

[54] BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O poder de polícia fiscal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p.225.

[55] Nesse sentido BATISTA JÚNIOR, O poder … ob. cit. p. 226. FAVEIRO, ob. cit. p. 655.

[56] FAVEIRO, ob. cit. p. 860/862.

[57] NABAIS, Estado Fiscal … ob. cit. p. 68/70

[58] NABAIS, Estado Fiscal … ob. cit. p. 75/76.

[59] SANCHES, J.L. Saldanha, GAMA, João Taborda. Pressuposto administrativo e pressuposto metodológico do princípio da solidariedade social: a derrogação do sigilo bancário e a cláusula geral anti-abuso. In Solidariedade Social … ob. cit. p. 89/103.

[60] SANCHES, et. al. ob. cit. p. 98. Para Aurélio Pitanga Seixas Filho, ninguém tem o direito subjetivo de não ser fiscalizado por uma autoridade tributária, mesmo que não exista indício de erro ou falha no recolhimento dos tributos. SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. O sigilo bancário e o direito à intimidade e privacidade das pessoas. In III Colóquio … ob. cit. p. 156.

[61] SANCHES, ob. cit. p. 97.

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[62] Conferir SANCHES, ob. cit. p. 100; BATISTA JÚNIOR, O poder … ob. cit. p. 230/240.

[63] SANCHES et. al. ob. cit. p. 93/94.

[64] Conferir GRECO, Solidariedade … ob. cit. p. 173/174.

[65] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Parte geral, intervenção do Estado e estrutura da administração. Bahia: Jus Podium, 2008, p. 187/188; BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 112/113.

[66] Nesse sentido, enfatizando o princípio da eficiência neste debate, conferir ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Direito à privacidade e sigilo fiscal e bancário. in Direito Público Moderno. Homenagem especial ao Professor Paulo Neves de Carvalho. Coord. Luciano Ferraz e Fabrício Motta. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 357/358.

[67] Conferir FAVEIRO, ob. cit. p. 26/27.

[68] Conferir FOLMANN, Melissa. Sigilo bancário e fiscal à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, p. 97/103.