O siginificado da Epilepsia para o Professor do Ensino Fundamental e as Ações de Enfermagem

122
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – CAMPUS CABO FRIO DENILSON FELICIANO DIAS DA SILVA O SIGNIFCADO DA EPILEPSIA PARA O PROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL E AS AÇÕES DE ENFERMAGEM

Transcript of O siginificado da Epilepsia para o Professor do Ensino Fundamental e as Ações de Enfermagem

1

CURSO DE CINCIAS BIOLGICAS E DA SADE CURSO DE GRADUAO EM ENFERMAGEM CAMPUS CABO FRIO

DENILSON FELICIANO DIAS DA SILVA

O SIGNIFCADO DA EPILEPSIA PARA O PROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL E AS AES DE ENFERMAGEM

Cabo Frio 2008

2

DENILSON FELICIANO DIAS DA SILVA

O SIGNIFCADO DA EPILEPSIA PARA O PROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL E AS AES DE ENFERMAGEM

Trabalho de Concluso de Curso apresentado Disciplina TCC IV do Curso de Graduao em Enfermagem da Universidade Veiga de Almeida Campus Cabo Frio, como requisito parcial para obteno de ttulo de Bacharel em Enfermagem.

Orientadora: Prof. Dr. CRISTINA LAVOYER ESCUDEIRO

Cabo Frio 2008

3

DENILSON FELICIANO DIAS DA SILVA

O SIGNIFCADO DA EPILEPSIA PARA O PROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL E AS AES DE ENFERMAGEM

Trabalho de Concluso de Curso apresentado Disciplina TCC IV do Curso de Graduao em Enfermagem da Universidade Veiga de Almeida Campus Cabo Frio, como requisito parcial para obteno de ttulo de Bacharel em Enfermagem. Monografia defendida em ___/___/___. BANCA EXAMINADORA

Prof Dr Cristina Lavoyer Escudeiro Presidente Universidade Veiga de Almeida

Prof. Msc. Gustavo Alberto Suarez das Chagas Filho 1 Examinador Universidade Veiga de Almeida

Prof Msc. Leila Dumard Tomazinho 2 Examinador Universidade Veiga de Almeida

Enf Maria Lcia Aguiar Miranda Guidorizzi 3 Examinador

Cabo Frio 2008

4

Dedicatria

Dedico este trabalho, primeiramente a Deus, fora maior que nos move e sobre a qual deposito a f nos bons frutos que advm de tudo aquilo que produzo e sem o qual minha vida no ganharia sentido completo; num segundo momento, a minha famlia, que apesar do no entendimento sobre a importncia que esta empreitada tem para a minha formao profissional e acadmica, sempre me apoiou nas decises que tomei durante este processo, e sacrificou-se para que eu alcanasse os objetivos que almejava. E, no menos importante, a minha orientadora, Prof Dr Cristina Lavoyer Escudeiro, que me deu todo o apoio e dispensou seu tempo mais que precioso para correr em meu auxlio sempre que precisei. Agradecimentos

Existem pessoas em nossas vidas que nos deixam felizes pelo simples fato de terem cruzado o nosso caminho. Algumas percorrem ao nosso lado, vendo muitas luas passarem, mas outras apenas vemos entre um passo e outro. A todas elas chamamos de amigo.

5 H muitos tipos de amigos. Talvez cada folha de uma rvore caracterize um deles. Os primeiros que nascem do broto o amigo pai e a amiga me. Mostram o que ter vida. Agradeo meu pai, homem sem igual, que negou a si mesmo em prol da educao dos filhos e fez o que eu sou hoje dia, mesmo com todas as dificuldades que passamos juntos. Agradeo a honestidade, a franqueza, o carter, os momentos felizes, os sacrifcios, o afinco em desempenhar seu papel de pai com apreo, em suma, todos os princpios e valores que atravs dos puxes de orelha ou no, dos seus exemplos, fez com que eu assimilasse-os em minha vida; e tenha certeza do meu amor eterno por voc. Depois vem o amigo irmo, com quem dividimos o nosso espao para que ele floresa como ns. Passamos a conhecer toda a famlia de folhas, a qual respeitamos e desejamos o bem. Aos meus irmos: Demtrio, Dbora e Digo; apesar de todos os percalos que a vida nos imps, hoje estamos unidos ainda mais, agradeo a torcida e a fora que me deram, no somente nesse perodo importante de minha vida, mas por toda ela. O destino ainda nos apresenta outros amigos, os quais no sabamos que iam cruzar o nosso caminho. Muitos desse so designados amigos do peito, do corao. So sinceros, so verdadeiros. Sabem quando no estamos bem, sabem o que nos faz feliz... Um deste grandes amigos, encontrei nesses 4 anos trabalhosos de universidade. Como mestre, minha querida orientadora, Prof Dr Cristina Lavoyer Escudeiro. Diferencial nesse meu processo de crescimento acadmico, tudo aqui disposto nesse estudo fruto da confiana que esse ser humano maravilhoso depositou em mim, fomentando um esprito de superao, colocando e exigindo em mim aquilo que ela sabia que eu poderia produzir nesse momento. Agradeo muito, imensamente, por Deus ter colocado sua presena em minha vida, nunca mais esquecerei tudo que fizestes por mim e saiba que, apesar da injustia que alguns alunos podem cometer, para mim a senhora representa um exemplo inspirador. Mas tambm h aqueles amigos por um tempo, talvez umas frias ou mesmo um dia ou uma hora. Esses costumam colocar muitos sorrisos na face, durante o tempo que estamos por perto. todos meus companheiros de faculdade que no pretendo citar nomes a fim de no cometer nenhuma injustia, obrigado pelo carinho e pela confiana. Falando em perto, no podemos nos esquecer dos amigos distantes, que ficam nas pontas dos galhos mas que quando o vento sopra, aparecem novamente entre uma folha e outra. Brbara Cristina Santana Gomes; Jos Carlos Portella de Souza. Em especial, amigos muito queridos, presentes no meu dia-adia: Dawre Carvalho Santa Roza; Anderson Rodrigues Pereira; e, com carinho e apreo ainda maior: Maira Arruda Cardoso ; Marianne Oslay Cortes Alonso

e Rafael Rounier Filgueiras; amigos mais que verdadeiros sem os quais minha vida teria um vazio e menos brilho.O tempo passa, o vero se vai, o outono se aproxima, e perdemos algumas de nossas folhas. Algumas nascem num outro vero e outras permanecem por muitas estaes. O que nos deixa mais felizes quando as folhas que caram continuam por perto, continuam alimentando as nossas razes com alegria. Lembranas de momentos maravilhosos enquanto cruzavam o nosso caminho. Desejo a vocs, folhas da minha rvore, paz, amor, sade, sucesso, prosperidade... Hoje e sempre...

6 Simplesmente porque cada pessoa que passa em nossa vida nica. Sempre deixa um pouco de si e leva um pouco de ns. H os que levaram muito, mas no h os que no deixaram nada. Esta a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente de que duas almas no se encontram por acaso. E, parafraseando Klinger Fontinelle Jnior, agradeo a todo e qualquer ser que tenha como norte em sua existncia a busca do conhecimento e sua consecutiva utilizao, em prol da humanidade.

"Para mim a questo de como chegamos a conhecer algo, ou, de fato, as condies da possibilidade de afirmarmos que sabemos, podemos respond-la melhor se nos voltarmos para uma questo anterior: quem esse 'ns' que faz com que a questo se torne uma questo para ns? Como que esse 'ns' foi construdo em relao a essa questo do conhecimento? Em outras palavras: como a prpria questo epistemolgica se tornou possvel?" (Judith Butler)

RESUMO

7

SILVA, Denilson Feliciano Dias da. O significado da epilepsia para o professor do Ensino Fundamental e as aes de enfermagem. 2008. 82f. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Enfermagem) Curso de Graduao em Enfermagem, Universidade Veiga de Almeida, Cabo Frio, 2008. A epilepsia se trata de uma sndrome de etiologia neurolgica com relatos que datam desde a antiguidade. Sua evoluo histrica remonta um carter estigmatizante que conferido a quem a possui e envolta numa aura de misticismo que ainda hoje prevalece em muitas regies. Existem diferentes tipos e manifestaes das crises epilticas. A epilepsia possui alta incidncia na infncia e prevalncia em pases em crescimento devido s condies de desenvolvimento humano que apresentam e oferecem aos indivduos dessa fase do ciclo da vida. Com isto, o professor assume papel importante na garantia do bom desdobramento da evoluo psicossocial da criana com epilepsia no ambiente escolar, por se tratar este o principal ambiente social que a criana conviver em boa parte da sua vida, considerando-se ainda o ambiente familiar. Neste sentindo, o objeto de estudo da pesquisa vem a ser a criana com epilepsia no ambiente escolar e a viso que o professor tem sobre a sndrome. Como objetivos do estudo, foram traados: descrever os conhecimentos que os professores tm sobre o tema epilepsia; relatar a percepo que o professor possui sobre o estigma associado a epilepsia; e identificar e discutir qual o desenho social que o professor faz sobre o seu papel no processo de educao da criana com epilepsia. Trata-se de um estudo descritivo e exploratrio com abordagem qualitativa do tema, restringindo os dados quantitativos a caracterizao dos sujeitos da pesquisa. Tal estudo foi desenvolvido em 4 escolas pblicas de Ensino Fundamental do municpio de Armao dos Bzios. Foram entrevistados 9 professores numa proporo de 1:2:3:3 nesse universo de 4 instituies. Os resultados foram tratados por categorias a partir de uma anlise temtica. Tais categorias tiveram definio por modelo misto e so: o significado da epilepsia para o educador; a percepo do desenvolvimento scio-cognitivo da CCE; e a escola como agente de socializao.Os dados foram obtidos atravs de uma entrevista semi-estruturada gravada em fitas K7 com a aplicao de roteiro previamente formulado de 5 perguntas. A partir dos dados, concluiu-se que o professor formula o significado que d a epilepsia pela apreenso de informaes fracionadas e soltas e se vale do senso comum para estruturar a concepo que faz da mesma; desconhece a etiologia real da epilepsia e a qualifica como uma doena estigmatizante; caracteriza a criana portadora de epilepsia como passvel de sofrer dificuldades de interao social e aprendizagem decorrentes do preconceito suscitado pela manifestao de crises convulsivas em sala de aula; e confere a si mesmo o papel social de educar a criana no sentido de garantir seus direitos sociais e socializao. O enfermeiro deve agir nesse contexto promovendo a difuso de informaes que diminuam as deficincias pertinentes afeco e garantindo a progressiva diminuio do estigma associado a doena, com a promoo e proteo da sade do individuo, tendo, assim, o professor como aliado nesse processo. Palavras-chave: epilepsia, infncia, educao.

ABSTRACT

8

SILVA, Denilson Feliciano Dias da. The significance of epilepsy for the teacher of elementary school and the actions of nursing. 2008. 82f. Completion of work of course (undergraduate nursing) - Graduate Course in Nursing, University Veiga de Almeida, Cabo Frio, 2008.

The epilepsy is a neurological syndrome with reports which date from antiquity. Its historical development confers a stigmatizing character that is given to those who has such disease and is shrouded in an aura of mysticism that still prevails in many regions. There are different types of crises and events epileptics. The epilepsy in childhood has a high incidence and prevalence in countries in growth due to human development and offer to the individuals of this phase of the cycle of life. So, the teacher has an important social action making possible the well psychosocial development of children with epilepsy in the school space, because of this major social sense that a child to live in a good part of his life, considering also the home living. As objectives of the study were outlined: to describe the knowledge that teachers have epilepsy on the subject; to report the perception that the teacher has on the stigma associated with epilepsy, and discuss what social design is that the teacher about your role in the education of children with epilepsy. This is a descriptive study with qualitative approach the issue by restricting the quantitative data to characterize the research subjects. This study was conducted in 4 public schools in elementary school in the municipality of Armao dos Bzios. 9 teachers were interviewed in the ratio of 1:2:3:3 in this universe of 4 institutions. The results were processed by categories from a thematic analysis. These categories had mixed model and by definition are: the meaning of epilepsy for the teacher, the perception of social-cognitive development at the elementary school teacher, and school as an agent of socializing.The datas were obtained through a semi-structured recorded K7 tapes in the implementation of roadmap with previously formulated in 5 questions. From the data, we concluded that the teacher makes the meaning giving by epilepsy seizure of information and broken loose and is worth of common sense to structure the design that makes the same; know the real cause of epilepsy and qualifies as a stigmatizing disease, characterized in children with epilepsy as likely to suffer difficulties in social interaction and learning arising from bias caused by the expression of seizures in the classroom, and gives himself the social role of educating the child to ensure their socialization and social rights. The nurse must act in this context promoting the dissemination of information to reduce the shortcomings of information relevant to disease and ensuring the progressive reduction of the stigma associated with disease, with the promotion and protection of health of the individual and, therefore, that the teacher as ally process. Key words: epilepsy, childhood, education.

9

SUMRIO INTRODUO........................................................................................................ 11 CAPTULO 1: Reviso de Literatura................................................................................ 17 1.1 Epilepsia: Conceito e Tipologia......................................................................... 18 1.1.1 Epilepsia do Grande Mal....................................................................... 19 1.1.2 Epilepsia do Pequeno Mal..................................................................... 20 1.1.3 A Epilepsia Focal................................................................................... 21 1.2 Histria da Epilepsia....................................................................................... 21 1.3 Qualidade de Vida na Epilepsia.................................................................... 4 2 1.4 O Ajuste Familiar........................................................................................... 29 1.5 A Escola.......................................................................................................30 1.6 O Estigma...................................................................................................... 31 1.7 O Enfermeiro da Rede Bsica.....................................................................35 CAPTULO 2: Consideraes Metodolgicas.................................................................... 38 2.1 Tipo de Estudo............................................................................................... 39 2.2 Cenrio do Estudo......................................................................................... 40 2.3 Sujeitos........................................................................................................41 2.4 Tcnica e Instrumento de Coleta de Dados.................................................... 41 2.5 Coleta de Dados............................................................................................ 42 2.6 Anlise e Discusso dos Dados...................................................................... 43 2.7 Aspectos ticos............................................................................................ 4 4 CAPTULO 3: Resultados e Discusso........................................................................ 46 3.1 Caracterizao dos Sujeitos........................................................................ 7 4 3.2 Classificao das Categorias....................................................................... 48 3.2.1 O Significado da Epilepsia para o Educador.....................................48 3.2.2 O Desenvolvimento Scio-cognitivo da CCE..................................... 3 5 3.2.3 A Escola como Agente de Socializao............................................. 8 5 CONSIDERAES FINAIS...................................................................................... 65 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.............................................................................. 70 APNDICES..................................................................................................................... 75 Apndice A: Dados de Identificao e Caracterizao dos Sujeitos.................76 Apndice B: Instrumento de coleta de dados....................................................... 77 ANEXOS..................................................................................................................... 8 7 Anexo A: Carta de Consentimento Livre e Esclarecido....................................... 79 Anexo B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido........................................ 80

10

Anexo C: Carta de Autorizao Instituio.......................................................... 81

11

IntroduoNa origem das mentiras est a imagem idealizada que temos de ns prprios, a qual desejamos impor aos outros (Anais Nin).

12

Introduo

No incio da humanidade, a irracionalidade e os sentimentos instintivos do homem dominavam as suas aes. Isto se fazia necessrio devido s condies de vida que o mesmo enfrentava (GAARDER, 1995). Com o passar dos milnios a raa humana foi se desenvolvendo e passamos a viver em sociedade; um convvio, teoricamente, harmnico e benfico para todos. A razo ganha a sua importncia em detrimento dos atos impensados; e conceitos e padres de vida so empregados. A sociedade constri seu saber no mais na escurido de uma caverna, mas luz dos novos tempos, significando descoberta ou avano para a mesma (ibid.). Apesar de tais avanos mais do que significativos no processo de desenvolvimento do homem, ainda demonstramos certas atitudes inconseqentes e incoerentes com o nvel intelectual e cultural que apresentamos atualmente, nos remetendo ao passado (ibid.). Um, dentre tantos, o preconceito, um sentimento materializado de forma ignorante: a estigmatizao de outro ser, uma pessoa igual a qualquer outro ser humano, mas que como tal, nica; tem opinies diferentes, conceitos diferentes, e problemas como tantos outros possuem (ibid.). Este sentimento pode ser entendido como o medo que as pessoas criam do que diferente aos seus olhos, tomando como base os seus conceitos e valores de vida. Mas isso tambm demonstra uma alienao durante a construo da individualidade do individuo que vigora na sociedade atual em relao ao que vem a ser a verdade e o seu relativismo. Verdade pura e absoluta terreno frtil para extremismos. A construo de saberes socialmente referendados e aceitos como verdade em determinado perodo histrico, dada num processo dialtico constante de contraposio de dados, fatos, opinies, que geram conceitos momentneos, que, no entanto, poder ser contestado adiante e no corresponder mais s expectativas do novo momento histrico demandando a construo de novos saberes. A epilepsia vem sendo datada desde os tempos de Cristo. Entretanto, o estigma que ela impregna em seu portador no se perdeu pelo passar dos sculos.

13

Ele visto, por muitos ainda hoje, como o portador de um mal, um castigo divino ou punio aos seus antepassados. O que me motivou e despertou meu interesse pelo desenvolvimento desse estudo, de certa forma, foi minha indignao como tais pessoas so tratadas e vistas pela sociedade, em plena contemporaneidade. Mas, principalmente, e de modo especial, por eu ter sido expectador do processo de desenvolvimento pisicossocial1 de uma criana com epilepsia (CCE)2: meu irmo. Observei no decorrer do seu crescimento, o sofrimento pelo qual ele passou durante anos, tentando se inserir no meio social, educacional e, at mesmo, na famlia, na criao da sua identidade3 e reconhecimento como ser participante e atuante no convvio social. Presenciei sua dificuldade de permanncia em escolas da rede pblica de ensino, sendo expulso inclusive de uma, com a alegao de que a mesma no possua infra-estrutura adequada para acomodar um aluno com epilepsia, como se este fosse um problema de ordem mental ou fsica. Vivenciei, junto a ele, o preconceito que tal desordem neurolgica acarreta na vida social de uma pessoa, gerando um mal no s no portador da afeco, mas principalmente na sua famlia. Em um estudo apresentado por Maia Filho, Costa e Gomes (2006, p. 85) a identidade que cada um constri de si, explicada como sendo a associao de valores, crenas e sentimentos que o indivduo tem dele mesmo ao longo do tempo que constituda a partir da percepo das atitudes e reaes que os outros demonstram e apresentam.

1

Compreendendo o sentido etimolgico do termo, siqu = mente + social, torna-se mais fcil abarcar a compreenso psicolgica do mesmo. Uma teoria psicossocial apresenta aspectos psicolgicos relacionados com a sociedade e com a conduta social do ser humano. No estudo da personalidade, considerar a dimenso psicossocial tratar dos mecanismos adaptativos ou destruidores da vida social.O sentido positivo visa sempre insero benfica para o sujeito e para o grupo social (FREUD, 1970). 2 Durante o texto, algumas abreviaes se fizeram necessrias para, assim, evitar repeties demasiadas de alguns termos, como, por exemplo, este. Uma vez exemplificado o sentido da abreviao, este no se repetir, tomando-se como costume apenas o uso da abreviao do respectivo termo. 3 o resultado das identificaes que a pessoa vai fazendo ao longo da vida. E identificao o processo mediante o qual um sujeito adota um comportamento com referncia a uma pessoa ou grupo. Faz seu um modo de ser e agir que, originalmente, no criou, no lhe pertencia, mas tomou-o de emprstimo, copiou-o e o tornou prprio a partir do momento em que simpatizou com o mesmo. A identificao pode ser tanto um processo de aprendizagem e maturao como um mecanismo de defesa quando se identifica com o agressor (FREUD, 1970).

14

na fase da infncia que comeamos a criar a nossa identidade pessoal, e para isso, absorvemos o que vemos e sentimos a nossa volta. Criamos nossos valores morais; a distino do certo e errado; nosso conceito de vida, mesmo que provisrio, talvez. Portanto, o processo de desenvolvimento psicossocial durante essa fase determinante para o adulto que a criana vir a ser. A observao de como ela reage e absorve as reaes das pessoas que esto a sua volta em relao a sua condio de portadora de epilepsia e a perspectiva de influncia que isto possa ter no comprometimento da garantia do seu bom crescimento, tanto metal quanto fsico, se torna importante. Logo, o objeto de estudo desta pesquisa vem a ser a criana com epilepsia no ambiente escolar e a viso que o professor do ensino fundamental tem sobre a sndrome O professor tem participao importante nessa demanda, devido influncia que ele tem sobre a vida da criana, j que a mesma passar boa parte de sua infncia e adolescncia na escola, unidade social na qual se inicia o contato com outras pessoas da sua idade, de forma contnua, e comea a se inserir na sociedade, construindo sua identidade, como dito antes. A partir destas consideraes introdutrias, podemos resumir o problema central desta pesquisa que vem a ser o seguinte: como os professores lidam e compreendem a questo da epilepsia na infncia e adolescncia? Logo, como objetivo geral desta pesquisa, trao: compreender e discutir o preparo dos professores do ensino fundamental no mbito escolar ao lidar com crianas portadoras de epilepsia. No contexto da elucidao de tal problema, se faz importante a anlise dos contribuintes para este quadro de forma segmentada, afim de uma melhor compreenso do todo. Trs agentes influenciadores so destacados: a famlia, a escola, na figura do professor, e a comunidade. Para a famlia, de acordo com Souza, Nista, Scotoni e Guerreiro (1998, p. 39), a epilepsia encarada como algo desestimulador, frustrante. Acarreta um desajuste emocional, mobilizando-os no sentido de se adaptarem a uma doena crnica.

15

Lins (1983, p. 305-307 apud ROSA, 1997, p. 38) ressalta que atitudes inadequadas frente questo da epilepsia no se restringem pessoas estranhas ao paciente, mas tambm ao seio familiar. As formas como os pais se ajustam a doena dos filhos acaba os influenciado tambm, e diversas vezes negativamente: ou com uma atitude superprotetora, privando a criana das experincias de vida que se fazem necessrias para o seu bom desenvolvimento, como: jogar bola, brincar com os amigos, andar de bicicleta. Por outro lado, atitudes de permissividade prejudicam da mesma maneira o desenvolvimento social e emocional da criana. natural os pais se encontrarem nesse labirinto inicial, que faz surgir sentimentos contrapostos (ibid.). A escola se mostra como outro fator de extrema importncia, pois ali a criana adquire conhecimentos e informaes para o andamento de sua vida e o seu progresso. Interage com outras crianas, aprendendo a manter e a desenvolver laos sociais com outras pessoas alm de sua famlia e desenvolve a sua cognio. Os professores se tornam parte ativa desse processo e facilitadores para o seu alcance pleno e satisfatrio, de forma complementar. Segundo Pupo (1971, p. 161 apud ROSA, 1998, p. 38), a relevncia da propagao ampla dos conhecimentos evidentes sobre epilepsia, objetiva gerar atitudes positivas aos portadores no meio familiar, social, escolar e de trabalho, e destaca o valor de estimular o movimento educacional de professores do ensino fundamental e mdio na direo de anunciar o saber geral sobre epilepsia. A incidncia de epilepsia alta em crianas com idade escolar o que, de acordo com Rosa (1997, p. 37), justificado pelo sistema nervoso imaturo, logo, mais sujeito a afeces. Grande parte de sua vida a criana passa no meio escolar, portanto a percepo dos professores importante nesse enredo. Deste modo, encontramos a primeira questo a nortear este estudo: que conhecimentos os professores tm acerca do tema epilepsia? Muitas pessoas acabam tendo crenas irracionais sobre epilepsia, mormente pela falta de informaes. Poucos indivduos sabem como lidar em um momento de crise (seja ela de ausncia ou convulsivante); outros crem que seja contagiosa ou que pode gerar uma propenso maior para o surgimento de dificuldades para o aprendizado, entre outros. Todas essas idias equivocadas so culturalmente

16

reforadas e ajudam a proporcionar sentimentos e reaes negativas (FERNANDES et al., 2007, p. 29). O senso comum, saber espontneo, a primeira compreenso que temos do mundo, a percepo que temos dele; passado de gerao em gerao, ao mesmo tempo em que enriquecido. Tal saber no tem dado de experincia racionalizada. Baseia-se unicamente no achismo, e, em sua maioria, incoerente com a realidade (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 59). Por este mesmo processo, os mitos relacionados epilepsia se desenvolveram. A populao por temer o desconhecido, acabou por criar explicaes que justificassem o que acometia as pessoas epilticas; e assim foi se transferindo o saber popular pelos anos, e mesmo luz da modernidade so alimentados e, de fato, pelo povo. Encontra-se, dessa maneira, uma forte barreira para a insero da criana na coletividade, dificultando sua auto-afirmao como cidado e prejudicando a sua auto-estima. Qual a percepo que o professor tem sobre o estigma associado epilepsia? E mais, qual o desenho social que o professor faz sobre o seu papel no processo de educao da criana com epilepsia? Para alcanar a resposta para o problema deste estudo, trao como objetivos especficos: descrever os conhecimentos que os professores tm sobre o tema epilepsia; relatar a percepo que o professor possui sobre o estigma associado a epilepsia; e identificar e discutir qual o desenho social que o professor faz sobre o seu papel no processo de educao da criana com epilepsia. A ausncia de polticas pblicas que tratem de forma mais especfica as questes relacionadas s comorbidades associadas epilepsia e que no foquem apenas o tratamento nico e exclusivo deste mal, algo a ser pensado e considerado, pois a influncia exercida por estas no desenvolvimento psicolgico, social e cognitivo da criana passa a ser causa maior de preocupao do que a doena propriamente dita. A escassez de literatura que aborde este tema no sentido aqui disposto expressa na contribuio que este estudo trar, no somente para a sociedade, mas para o meio cientfico, especificamente da enfermagem, esclarecendo mais detalhadamente como se d o processo de adaptao da criana a sua condio, a influncia que exercida sobre ele em diferentes aspectos.

17

Captulo 1: Reviso de LiteraturaTodas as misrias verdadeiras so interiores e causadas por ns mesmos. Erradamente, julgamos que elas vm de fora, mas ns que as formamos dentro de ns, com a nossa prpria substncia (Jacques Anatole France).

18

A Epilepsia em contextos sociais, culturais e da sade

O presente captulo, inicialmente, traz algumas consideraes especficas a cerca da sndrome epilepsia, assim caracterizada pela concorrncia de condies e resultados que repercutem na vida do indivduo com epilepsia. Num primeiro momento, so descritos alguns aspectos, como o conceito de epilepsia, baseando-se em uma anlise cientfica do assunto. Ao mesmo tempo, so feitos alguns apontamentos sobre a tipologia da sndrome, sem permitir que a leitura se torne maante. Foi considerado importante, tambm, apresentar a evoluo histrica da epilepsia a fim de familiarizar o leitor, principalmente o leigo, ao tratamento social dispensado s pessoas com esta afeco e como se deu seu processo de secularizao no que tange sua significao, apesar do ainda insistente misticismo associado a ela em alguns grupos sociais. Posteriormente, o enfoque recaiu sobre fatores, aqui destacados, que considero como agravantes no processo de desenvolvimento psicossocial da PCE, notadamente quando a sndrome se manifesta na fase da infncia, como: a escola, a qualidade de vida, a famlia, o estigma da doena e como o enfermeiro se insere nesse contexto to complexo. A necessidade de se abrir uma discusso ampla sobre os fatores secundrios a epilepsia, ou seja, s condies biopsicossociais desencadeadas pela doena, torna-se necessrio para melhor compreenso e evidencia a relevncia do tema.

1.1

EPILEPSIA: CONCEITO E TIPOLOGIA

Antes de tudo, precisamos entender como funciona o crebro e os nervos no que tange a atividade neuromotora, o que, basicamente, representa a essncia da atividade cerebral. Toda atividade muscular mediada por um estmulo eltrico que por fim leva liberao de neurotransmissores especficos; estmulos estes que se iniciam no

19

crebro, percorrem os nervos, e, por fim, chegam aos msculos (GUYTON; HALL, 1998). De maneira totalmente oposta, os estmulos sobre a pele (tato, temperatura, dor e etc.) ou msculos, percorrem os nervos at chegarem ao crebro onde, ento, temos percepo daquele estmulo e uma resposta cerebral (ibid.). No caso da epilepsia, existe uma determinada rea, ou seja, uma pequena regio do crebro, que est afetada e gera estmulos eltricos demasiados, propagando-se pelo crebro (produzindo a alterao de conscincia) e so carreados at os msculos, ocasionando as manifestaes musculares, no caso das crises convulsivas4 (ibid.). Uma pessoa com tendncia natural para epilepsia, de acordo com Guyton e Hall (1998, p. 440), tem ataques quando o nvel basal de excitabilidade do sistema nervoso (ou a parte que suscetvel ao estado epiltico) sobe acima de um certo limiar crtico. Ainda de acordo com Guyton e Hall (ibid.), a epilepsia pode ser classificada em trs tipos principais bsicos: a epilepsia do grande mal, a epilepsia do pequeno mal e a epilepsia focal.

1.1.1 EPILEPSIA DO GRANDE MAL

A epilepsia do grande mal tem como caractersticas principais as descargas neuronais exacerbadas por toda a extenso cerebral. De l, direcionam-se para a medula espinhal, ocasionando as convulses tnicas, perodo no qual o indivduo, normalmente, cai ao cho com a musculatura toda enrijecida. Logo em seguida, ocorrem as contraes musculares repetitivas, ou seja, uma alternncia entre tonicidade e espasmos musculares, caracterizando as convulses tnico-clnicas. Geralmente, nesta fase em que a pessoa, possivelmente, morde a lngua ou tem queda da base da mesma (engole a lngua) tamponando a entrada de ar pelas vias areas superiores (VAS), acarretando a dificuldade de respirar. Essas descargas4

O termo convulso, na maioria das vezes usado de forma equivocada, designa, to somente, contraes musculares involuntrias, repentinas e fortes, que geralmente esto associadas s crises epilticas, mas por si s no as caracterizam (ADAMS; VICTOR; ROPPER, 1997 apud RODRIGUES; VIEIRA; MELO, 2007, p. 233).

20

deliberadas acabam por enviar sinais eltricos para nervos viscerais, o que proporciona a freqente mico e defecao involuntrias durante a crise (ibid.). Tal acometimento perdura por alguns segundos a at 3 ou 4 minutos. A pessoa se encontra num estado de estupor logo que a crise termina, bem como extremamente cansada e adormece por at muitas horas. Acredita-se que esta fadiga, mas neuronal, seja a razo para a cessao da crise do grande mal, ou seja, o intenso trabalho das sinapses5 neuronais acaba por acarretar a parada das descargas neuronais repetitivas (GUYTON; HALL, 1998, p. 441).

1.1.2 EPILEPSIA DO PEQUENO MAL

A epilepsia de pequeno mal (ausncias), em contraste com a do grande mal, se caracteriza por sua brevidade e pela escassez de atividade motora. Na verdade, elas podem ser to breves que o indivduo nem as percebe e aos olhos de terceiros, podem parecer um momento de distrao ou desateno, onde a pessoa se desliga do mundo a sua volta (ibid.). Rodrigues, Vieira e Melo (2007, p. 233) relatam que nas epilepsias do tipo pequeno mal ou ausncias, geralmente no h perda do tnus postural. As epilepsias acinticas usualmente no apresentam convulses e as parciais simples (epilepsia focal) podem no apresentar perda de conscincia. Duram de 3 a 30 segundos, em mdia, e possvel ocorrer centenas delas num s dia, alm disso, a pessoa pode apresentar diversas contraes rpidas, como abalos musculares, geralmente na regio da cabea (especialmente ao piscar os olhos), depois voltam conscincia e continuam as atividades anteriores (ibid.) A ausncia a epilepsia mais caracterstica na infncia, dificilmente elas se iniciam antes dos quatro anos de idade ou aps a puberdade. Assim, percebe-se, quando so freqentes, que elas podem perturbar a ateno e o pensamento da criana, a ponto de esta ter um mau desempenho escolar repercutindo na percepo

5

Sinapses so pontos onde as extremidades de neurnios vizinhos se encontram e o estmulo passa de um neurnio para o seguinte por meio de mediadores qumicos, os neurotransmissores (GUYTON; HALL, 1998).

21

errnea que os indivduos tm sobre as crianas que sofrem da epilepsia de pequeno mal. Aos olhos de terceiros, como a famlia, os amigos ou professores, pode parecer que se trata de uma criana desatenta, com um transtorno de dficit o acaba repercutindo na demora para o diagnstico real da epilepsia de pequeno mal.

1.1.3 A EPILEPSIA FOCAL

Esta pode afetar qualquer parte do encfalo de forma localizada, sejam regies corticais ou mais profundas, ou at mesmo o tronco cerebral. Quase sempre est relacionada a algumas causas orgnicas ou alguma anormalidade funcional, como colocam Guyton e Hall (ibid.) que, como exemplo, citam um tecido cicatricial no crebro que traciona o tecido neuronal adjacente, um tumor [...], uma rea destruda de tecido cerebral, [...] circuitos locais congenitamente perturbados. So divididas em dois grupos: as simples e as complexas, que, basicamente, podem ser entendidas pela preservao ou no da conscincia, respectivamente, durante o acometimento (RODRIGUES; VIEIRA; MELO, 2007, p. 233). importante ressaltar que as classificaes pertinentes aos tipos de epilepsia no se resumem a essas 3 categorias aqui descritas. Existem tantas outras classificaes, mas que aqui no se fazem necessrias serem destacadas, haja visto que o intuito do estudo e seu foco principal no se tratam de explicar detalhadamente o funcionamento da sndrome e sim promover uma melhor familiarizao do tema aos leitores a fim de se conseguir compreender com melhor exatido o problema do estudo.

1.2

HISTRIA DA EPILEPSIA

Apesar de todo o conhecimento que apreendemos com o passar de todos esses anos, necessrio e inevitvel admitirmos que no fcil, e nem to pouco simples, viver neste mundo. Remetendo-nos, pois, ao passado, avaliando a condio

22

humana no princpio de sua existncia, h de se conseguir imaginar os confrontos e desafios impostos pela natureza a este ser pr-histrico; como exemplo, temos a descoberta do fogo que, por si s, no de grande valia ao homem se o mesmo no raciocinar sobre o que este elemento, como produzi-lo, conserv-lo e transport-lo (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 17). E assim ele o fez, por questo, essencialmente, de sobrevivncia e assim ele o faz, no decorrer da construo de sua histria, em permanentemente produo do saber primordial a sua existncia, ainda que por si s em determinadas ocasies (ibid.). Essa necessidade de dar razo ao desconhecido para permitir a mente humana absorver e compreender o novo, torn-lo inteligvel, mesmo que atravs do uso da imaginao, da experincia de vida, das crenas, valores e etc. do individuo/grupo social, permeia a histria da epilepsia. Dantas, Ribeiro e Silva Jnior (2008, p. 71), ao realizarem um estudo acerca do tema, colocam que a epilepsia tem sido razo de discusses dialticas regulares desde as pocas em que se acreditava estar associada a uma etiologia mstica, sobrenatural. Ainda em seu estudo, justificam isto pelo desconhecimento acerca da fisiopatologia dos fenmenos epilticos, o que serviu de terreno frtil para o cultivo de lendas, atitudes e pensamentos preconceituosos, sem fundamentao cientifica alguma e at mesmo pela ideologia dominante. A prova documental mais antiga sobre epilepsia advm da sociedade babilnica, datado de 2000 a.C., e encontra-se em um museu britnico (MOREIRA, 2004, p. 108). O manuscrito registra, em mincias, diferentes tipos de ataques epilticos dando nfase ao carter mstico/espiritual de cada um deles e associando aos mesmos um dado nome de um deus ou esprito, geralmente do mal (ibid.). Na Bblia, pode-se tambm verificar a secularidade do tema, atravs de passagens no evangelho de So Marcos, captulo IX, versculos 13 a 28, onde uma pequena histria de cunho moral onde Jesus exorciza um demnio de um menino relatada, cujo corpo apresentava convulses, por oraes e preces (GUERREIRO, 2003 apud FERNANDES; LI, 2006, p. 209). Adiante, concepes relativas epilepsia surgiram na Grcia remota. Hipcrates (460-375 a.C.) destaca, em seus escritos, a dissociao total do sobrenatural no que tange ao entendimento da doena, justificando esta por um distrbio cerebral, com nuances de hereditariedade (MOREIRA, 2004, p. 108); e vai

23

alm, chega a relacionar a epilepsia com seus transtornos de humor, confirmados hoje em dia. Entretanto, o misticismo ainda envolvia as acepes acerca deste mal (KAIRALLA; BRESSAN; MARI, 2004, p. 59). Ainda na Idade Antiga, Galeno, em 175 d.C, admite no apenas que a epilepsia uma doena de ordem cerebral, como, tambm, a separa em dois tipos: as de origens desconhecidas e as secundrias a outras doenas, como salienta Dreifuss (1996 apud MOREIRA, 2004, p. 109). Essa mescla de explicaes de ordem mstica e racional perdura por toda antiguidade e invade o perodo da Idade Mdia sem se ter plena aceitao de uma ou outra. E permanece assim por este perodo devido baixa produo intelectual da poca, j que o meio no era propcio para o fomento produo racional do saber, pois a sociedade vivia sob o domnio religioso no campo ideolgico, sem dar horizonte aos conhecimentos sobre epilepsia no campo mdico (MOREIRA, 2004, p. 109). A famigerada Inquisio perseguia e queimava na fogueira pessoas com epilepsia6 (PCE) por considerar que toda afeco sem explicao advinha de feitiaria, logo, tal pessoa deveria ser extirpada do convvio social (ibid.). O sculo XIX teve como marco o avano nas cincias biolgicas, sob a tica positivista, com avanos no saber da epilepsia (ibid.). Logo, este quadro comea a mudar com o incio da Idade Moderna e o aumento da propagao do conhecimento, das novas cincias, o surgimento do mtodo para verificao e validao cientifica e o reconhecimento da razo como premissa na explicao do desconhecido. Contundo, a epilepsia passa a ter um elo com a insanidade, a partir dos estudos divulgados neste perodo, tambm fazendo consonncia com o crescimento da rea da psiquiatria que assim a justificava. O estigma doena se intensificou mais ainda, ao ponto destas pessoas serem isoladas do convvio social, permanecendo em asilos (MOREIRA, 2004, p. 110). Mas, j no sculo XX, estudos encontraram harmonia a respeito do assunto, atravs do reconhecimento real do que vem a ser epilepsia, e, alguns autores chegam a classific-la no como uma doena, mas sim como uma sndrome, o mais aceitvel na atualidade, decorrente de episdios convulsivos (sem aluso a doena6

Termo mais adequado a se utilizar quando nos referimos a um individuo com epilepsia, diferentemente de epiltico, termo convencional, mas que com o passar dos tempos ganhou trejeitos pejorativos, e portador de epilepsia, que pode dar idia de contgio devido ao uso do termo portador.

24

txico-metablica ou febril) que podem ou no acarretar perda de conscincia, ou to somente esta ltima, com a associao de mudanas comportamentais, dentre outras (MOREIRA, 2004, p. 111-112). O maior problema, na atualidade, sobre epilepsia, o preconceito que a doena gera e traz a quem a tem. Desmistificar as crenas que rodeiam tal sndrome se torna mais importante que o seu tratamento em si, haja vista a eficcia que o mesmo tem na garantia da manuteno do bem-estar do individuo, sendo o estigma que ela carrega consigo (e este sendo transferido a PCE) o grande mal causado por ela. Apesar de a sociedade ainda conferir s pessoas com epilepsia idias prconcebidas sobre a etiologia da doena e assim alimentar o estigma da sndrome, isso no impediu que grandes pessoas, mesmo sendo PCE, desempenhassem papis importantes na histria da humanidade, enriquecendo-a e tornando-a louvvel em vrios aspectos. Como exemplo de pessoas que j viveram com epilepsia, e foram excepcionais no seus respectivos campos de atuao, podemos citar: Vincent van Gogh, renomado pintor de obras clssicas; Joana Darc, herona francesa durante a Guerra dos Cem Anos e padroeira do pas; Fidor Dostoivski, escritor russo que relatava seus episdios de crises atravs de personagens em seus romances; Machado de Assis, considerado e aclamado como o maior de todos os escritores brasileiros, genitor das crnicas no Brasil e um dos que fundaram a Academia Brasileira de Letras; Emanuel Swedenborg, sueco famoso por sua produo como inventor, cientista, filsofo, telogo e por seus relatos medinicos (DANTAS; RIBEIRO; SILVA JNIOR, 2008, p. 72); e Dom Pedro I, primeiro imperador do Brasil, alm de sua famlia que possua histricos desta doena (GOMES; CHALUB, 2007, p. 711).

1.3 QUALIDADE DE VIDA NA EPILEPSIA

Nas dcadas que se passaram, emerge da sociedade um interesse sobre qualidade, o que estimulou o desenvolvimento de tcnicas e parmetros de avaliao no mbito da produo industrial e prestao de servios (PREBIANCHI, 2003, p. 57).

25

Paralelamente, apontamentos acerca da qualidade da condio humana foram sendo feitos e evoluindo, levando concepo e importncia que adquiriu na atualidade. A Organizao Mundial da Sade (OMS), de acordo com Fleck (2000, p. 34), observando que no havia um consenso em torno da definio de qualidade de vida (QV), convocou peritos do mundo inteiro que a definiram como a percepo do indivduo de sua posio na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relao aos seus objetivos, expectativas, padres e preocupaes. A qualidade de vida deixa de ser baseada no estado fsico da pessoa e passa a envolver determinados aspectos, tais como: mental, social, auto-estima, perspectiva de futuro, religio, meio ambiente dentre outros. Ela sofre influncia de vrios fatores, como Salgado e Souza (2001, p. 540) expem em seu estudo, dos quais podemos destacar: mecanismos para adaptao psicossocial, as caractersticas da individualidade da pessoa, sua histria e perspectiva de vida, sua identidade e auto-eficincia e percepo do controle de crises, no caso especfico da epilepsia. Desempenhar as atividades pertinentes a rea de enfermagem de maneira humanizada focando a promoo e recuperao da sade evitando, assim, ter que necessariamente assistir ao cliente no perodo de recuperao de uma afeco, notrio na atualidade e que oneroso ao municpio/estado alm de oferecer mais riscos de prejuzo ao indivduo na recuperao do processo sade-doena, se torna processo importante nesse sentido. Para tanto, de grande valia o desenvolvimento destas atividades no campo da Sade da Famlia. O momento atual pede medidas mais racionais acerca da problemtica que a sade oferece no atual contexto social e, visionando a tendncia na conceituao biopsicossocial da sade e das atitudes a serem tomadas, a promoo e recuperao do bem estar do indivduo conferem uma melhor qualidade de vida para a populao no que tange ao fomento de mudanas de atitudes, prticas e idias deturpadas. A epilepsia afeta cada pessoa de modo nico. Apenas as pessoas com esta sndrome tm a percepo das limitaes e barreiras do dia a dia. Cada crise possui um sentido dependente da histria de vida de cada ser humano, gerando padres de resposta a respeito da doena (SALGADO; SOUZA, 2001, p. 537).

26

Souza (1999, p. 35), ao abordar a questo da qualidade de vida na epilepsia durante o perodo da infncia, destaca que, em relao ao comportamental e emocional, vrios estudos demonstram a elevao de problemas relacionados a estas questes, at mesmo quando estes resultados so confrontados com os de crianas com outros tipos de doenas crnicas, como asma e diabetes. A justificativa se encontra relacionada com a gama de fatores sociais que esto envolvidos no processo de ajustamento sndrome, mormente na relao paisfilhos. Isto vem ratificar a necessidade de se detectar os problemas associados ao surgimento e desenvolvimento da sndrome no perodo infantil. Estabelecer programas de interveno eficientes que visem garantir, controlar e manter o bom desenvolvimento scio-cognitivo da CCE e, em um contexto mais aprofundado, abarcar a famlia nesse processo, pode diminuir o impacto do diagnstico da epilepsia, principalmente para os familiares, e, assim, proporcionar uma melhor qualidade de vida para a criana. No se pode deixar de destacar, tambm, os efeitos que o uso das drogas anti-epilticas (DAE) desencadeia nas CCE, entendendo-se, a, a repercusso de seus efeitos colaterais na vida do infante. O uso das DAE imprescindvel na teraputica da epilepsia e seus efeitos adversos, mesmo quando no reconhecidos, so extremamente comuns, haja visto que atuam na criana em um espao do ciclo de vida crtico para o desenvolvimento e aprendizagem do indivduo (ibid.). A qualidade de vida refere-se a bem estar e multidimensional. QV um conceito subjetivo baseado na perspectiva do sujeito, como sente e funciona (ibid.). Mas no se pode negar a influncia que a coletividade exerce sobre a qualidade de vida do indivduo. Salles (2005, p. 34), em seu estudo, ao colocar a relao indivduo-sociedade, diz que esta, muitas vezes, aparece como uma relao entre elementos apartados e que o indivduo, algumas vezes, visto como mera reproduo do social e, em outras vezes, como independente dela, como se houvesse um paralelo entre ambos. Mas Salles (ibid.) retifica tal conceito difundido por alguns autores. O autor foca que a subjetividade se edifica na organizao e cultura na qual os indivduos esto inseridos, mesmo que nem sempre tenha sido entendido dessa forma [...]. O autor continua e diz que a subjetividade s pode ser concebida a partir do momento que se tem como referncias homens reais e concretos [...].

27

Existe um processo de apropriao da realidade pelo sujeito que, dessa forma, torna o social, ou seja, o que produzido no mundo exterior, parte integrante sua, interioriza esta realidade submetendo-a aos seus conceitos e conhecimentos pr-formulados, tornando isto familiar e inteligvel para si (LEONTIEV, 1978 apud SALLES, 2005, p. 34). Assim constituda a subjetividade, dependente das condies histricas, sociais e culturais nas quais o ser est inserido e, tambm, importante neste processo, as experincias pessoais vividas pelo sujeito que determinam a sua individualidade. Essa individualidade, que pode ser entendida como a identidade que cada um cria de si, em crianas e adolescentes construda hoje atravs de uma cultura que tem como ponto alto a existncia de uma indstria de informaes, de bens culturais, de lazer e de consumo onde a nfase est no presente, na velocidade, no cotidiano, no aqui e no agora, e na busca do prazer imediato (SALLES, 2005, p. 35). Enfim, a subjetivao , desta maneira, formada no comigo mesmo, na relao com o outro e num tempo e num espao social especficos (ibid.). Outro fator a ser destacado na questo da QV na epilepsia vem a ser as crises convulsivas ou mesmo as no convulsivas. Salgado e Souza (2001, p. 539), ao desenvolverem um estudo acerca da QV correlacionando percepo do controle das crises, com os resultados obtidos e a partir da discusso sobre os mesmos, destacam a importncia das variveis subjetivas controlando as respostas de bem estar. O modo como ns avaliamos uma situao e o juzo de valor que fazemos sobre ela est atrelado a maneira como a entendemos e s esperanas que guardamos sobre ela, e isso vai depender da histria de vida de cada um e das estratgias que se utilizam para ajustar-se a uma condio de doena (ibid.). Assim, o significado afetivo-cognitivo de uma situao determinada que controla o nvel de sentimentos e comportamentos subseqentes. Entrando nas repercusses que a instalao de uma doena crnica pode gerar na vida do indivduo que a desenvolve (especialmente no campo social, econmico e emocional, bem como em seus planos para o futuro), o autor (op. cit.) ainda salienta que a percepo de bem estar sofre mais influncia dos mecanismos de auto-avaliao do que significa estar doente, do que do prprio estado fsico. A percepo do controle de crises sofre influncia destes mecanismos de avaliao, como relata ainda o autor.

28

Alm da percepo do controle das crises, outros fatores afetam a QV do individuo com epilepsia, tais como: adaptao psicossocial, personalidade do indivduo, suas experincias de vida e expectativas em relao a ela, seu autoconceito e auto-eficincia, o apoio que recebe das pessoas que so importantes na sua vida e seu lcus de controle, conceito disposto por Salgado e Souza (2001, p. 540) em seu estudo. O lcus de controle entendido como a percepo que o cliente tem de causalidade, ou seja, da qualidade de algo produzir algum efeito. O lcus de controle interno aponta a percepo da habilidade em controlar os eventos da vida, j o externo indica que a pessoa acredita que sua vida controlada por foras como destino ou sorte (ibid.). Normalmente, PCE possuem um lcus de controle externo, j que estas acreditam no ter controle algum sobre sua doena e muito menos sobre suas vidas. Esta concepo de lcus de controle externo por parte de PCE se justifica nas crises, no no controle sobre o seu corpo, na dependncia das DAE, tudo isto acaba influenciando na forma que o individuo se ajusta a sndrome e como ele a encara no contexto da sua vida (ibid.). Salgado e Souza, ainda colocam que o lcus de controle externo est associado algumas psicopatologias, como a depresso e dificuldade de ajustamento psicossocial. A pessoa com epilepsia tem a percepo da sua doena atravs de suas crises. Entretanto, mesmo que ela no tenha mais estas crises epilticas, se houver preocupao que elas retornem, a sua qualidade de vida afetada da mesma forma (SALGADO; SOUZA, 2003, p. 166). As pesquisas sobre qualidade de vida em adultos, segundo Prebianchi (2003, p. 59), tm evoludo, mas com crianas e adolescentes os estudos no tm sido sistemticos. Observando que um direito da criana ter modelos de qualidade de vida de acordo com as suas necessidades fsicas, psicolgicas e de crescimento social, o respeito a isso imprescindvel porque contribui para o bem-estar do indivduo na vida adulta atravs da deteco e avaliao dos fatores que interferem na manuteno ou melhoria da mesma. Uma viso mdica se inclina a trabalhar intensamente os resultados clnicos oriundos da avaliao da sintomatologia da doena. Escutar o que o paciente tem a falar abarca uma expectativa de atendimento integral em sade e abre espao para

29

a avaliao dos efeitos dos procedimentos teraputicos. A vivncia de uma doena crnica dinmica e complicada, afeta a famlia e o cliente. Na epilepsia, h muito tempo, reconhecem-se os agravos que prejudicam a vida das pessoas, mas s h pouco tempo avaliaes sistemticas tm tratado o tema dentro do conceito terico que proporciona base aos programas sobre qualidade de vida (SOUZA, 1999, p. 36)

1.4 O AJUSTE FAMILIAR

Como dito anteriormente, a epilepsia considerada uma experincia frustrante para a famlia e ela tende a se ajustar a uma doena crnica, e sofre todos os males que essa cronicidade traz consigo. A forma como ela se ajusta a essa nova realidade determina tambm como se dar o processo de ajuste por parte da criana, o modo como ela se v e o modo como ela entende o que acontece com ela. A orientao que a famlia recebe passa a ser, ento, determinante para a garantia da boa evoluo psicossocial da criana com epilepsia. ela quem estabelece os limites, de fato, para a criana; estimula os seus interesses e procura desenvolver suas habilidades especficas e natas. Cabe aos pais esclarecer e passar confiana a criana, mostrando-lhes o limite que a doena impe, mas ao mesmo tempo mostrando que ela um ser como outro qualquer de sua idade, apesar destas mesmas limitaes, e que isso no representa uma barreira para que ela possa, no futuro, vir a ter uma vida relativamente normal, assim como outras pessoas: casar-se, ter um emprego, constituir uma famlia, ter seus filhos e filhas e ser uma pessoa feliz. Estes pais acabam tendo sentimentos conflitantes, como nos mostram Souza, Nista, Scotoni e Guerreiro (1998, p. 39) em seu estudo, tais como: medo, ansiedade, raiva, mgoa, culpa e as reaes de superproteo, permissividade, superindulgncia [...], e dificuldades que sentem em impor limites disciplinares ou mesmo estabelecer punies adequadas [...]. Rosa (1997, p. 38) ainda salienta que atrelado a isso esto comportamentos de insegurana, imaturidade, dependncia, falta de autonomia e baixa auto-estima, bases psicolgicas freqentes na epilepsia.

30

Essas

reaes

apresentadas

por

esses

pais

so

influenciadas,

principalmente, pelo comportamento exibido pela sociedade para com uma criana com de epilepsia, pois muitas vezes essas crises inesperadas e imprevisveis assustam quem no conhece o que epilepsia, especialmente em ambientes sociais como a escola. Isso acaba levando a uma reao em cadeia: a sociedade reage de maneira negativa; a famlia, absorvendo essa reao e sem possuir informaes adequadas que elucidem o transtorno que afeta o filho, acaba reagindo da mesma maneira; a criana recebe tudo isso sem poder se defender mentalmente, e acaba assimilando dados errneos sobre sua doena e transtornos de ordem psquica acabam surgindo, bem como alteraes do humor. Assumpo Junior (1993 apud VALENTE; THOM-SOUZA; KUCZYNSKI; NEGRO 2004, p. 292-93) em seus estudos relata que as perturbaes depressivas na infncia podem se revelar por transtornos de comportamento, com uma insistente e peridica quebra de regras e de normas sociais, que, alm disso, podem se manifestar por agresso fsica contra outras pessoas ou propriedade privada, ou, ainda mesmo, modelos no agressivos, como uso de drogas e mentiras, muitas vezes confundidas como atitudes normais dessa fase da vida.

1.5 A ESCOLA

A escola o ambiente social onde a criana ir passar grande parte da sua vida, principalmente na fase da infncia. Portanto, a importncia que tal instituio possui na formao do infante substancial. Sabe-se que a freqncia de epilepsia nesse perodo de vida do ser humano, a infncia, alta e devido aos males que este transtorno traz para a vida da criana, ela acaba no se saindo to bem na escola, desenvolvendo dificuldades de aprendizagem e de insero no meio social. Tais barreiras podem no estar associadas epilepsia em si, mas, em grande parte, a fatores psicolgicos, como: baixa expectativa tanto dos pais como dos professores, a baixa auto-estima da criana, entre outros (FERNANDES; SOUZA, 2004, p. 190). A questo do preparo dos professores para lidar com esse aluno que requer uma ateno maior que os outros importante porque ele exercer uma influncia a

31

longo-prazo na vida dessa criana e formidvel exemplo para ela, ou seja, uma figura da qual ir absorver atitudes e reaes, as quais a ajudaram na construo de uma identidade e na compreenso daquilo que acontece a sua volta (FERNANDES et al., 2007, p. 29). importante que a CCE tenha uma vida escolar normal, e indispensvel que estes professores tenham informaes suficientes para que possam compreender adequadamente sobre este problema e, desta maneira, possuam subsdios pertinentes ao tema e, assim, ajam de maneira conveniente e coerente com as necessidades apresentadas. Um professor desinformado, ao se deparar com uma criana em um momento de crise, pode acabar abordando atitudes totalmente desastrosas com o aluno, no s na maneira de agir com ele, mas tambm com os demais alunos (ROSA, 1997, p. 38). Uma divulgao ampla no meio educacional sobre o tema epilepsia, focando a natureza do problema, alimentaria e traria frutos esclarecedores sobre as questes latentes deste transtorno. Criaria atitudes positivas no ambiente escolar e at mesmo familiar, ajudaria a desmistificar esse negativismo que envolve esse mal diminuindo o estigma que o marca. O modo como se dar a evoluo da criana no campo educacional est intimamente relacionado com o nvel de inteligncia, sua adequao comportamental ao diagnstico de epilepsia e a sua capacidade de aprendizado. De uma maneira geral, as CCE como um problema isolado, ou seja, sem manifestaes de comorbidades comuns epilepsia, como depresso, transtornos do humor, dficit de ateno e hiperatividade, apresentam nvel normal de inteligncia, embora cursem com maior nmero de problemas escolares (YACUBIAN, 2003, p. 130). Mas necessrio salientar tambm que a famlia exerce papel importante para a criao de um ambiente escolar favorvel criana, como Rosa (1997, p. 41) faz em seu estudo. Esta autora nos diz que a falta de colaborao em manter informada a escola acerca dos problemas da criana, acaba dificultando e prejudicando o atendimento prestado a ela. Portanto, deve haver um canal entre famlia e escola a fim de facilitar a adaptao desta ultima a condio que a criana apresenta devido aos problemas de socializao e aprendizagem que podem surgir caso esse mecanismo no seja adotado ou mal trabalhado.

32

1.6 O ESTIGMA

Na lngua portuguesa, segundo o dicionrio Aurlio (1993), estigma definido como cicatriz, sinal. Mas essa palavra muitas vezes associada a degradao, hoje em dia. Doenas, como o cncer ou a AIDS, tm esse termo associado, pois carregam consigo o medo que a populao desenvolve em relao a elas por temerem o desconhecido. De acordo com Fernandes e Li (2006, p. 208), na antiguidade clssica, a presena do estigma em si, representava uma pessoa marcada, ritualmente poluda e que devia ser evitada. Em outras palavras, segundo os mesmos autores, a pessoa estigmatizada vista com uma caracterstica diferente daquelas aceitas pela sociedade e, sendo assim, recebe tratamento diferenciado da comunidade, que demonstra conhecimentos errados e preconceitos sobre o indivduo; logo, vrios aspectos pessoais so afetados, como auto-estima, autoconfiana e qualidade de vida. Para Link e Phelan (2001 apud FERNANDES; LI, 2006, p. 209) o estigma envolve cinco processos sociais,no primeiro, as pessoas distinguem e rotulam diferenas nas pessoas. Segundo, as crenas das culturas dominantes relacionam as caractersticas indesejveis a esteretipos negativos e as pessoas comeam a perceber que so diferentes. No terceiro processo social, as pessoas rotuladas so distribudas em categorias distintas e conseqentemente, separadas das outras. No quarto processo, as pessoas rotuladas vivenciam a perda de status social e a discriminao. E no quinto processo a fora do estigma, como sendo a produo social do estigma.

A epilepsia, assim como outras afeces de ordem crnica, individualizada pela incerteza e pelo seu significado social. A maioria das pessoas no possui conhecimento algum ou quase escasso sobre o que envolve essa questo e algumas idias no so embasadas cientificamente. Essa falta de informao apresentada pela populao refletida nas atitudes negativas que as pessoas tomam frente aos epilticos, influenciando o seu ajustamento psicossocial (FERNANDES; SOUZA, 2001, p. 196). O estigma relacionado epilepsia j tem o seu incio logo no nome, na sua origem. Esta palavra oriunda do grego e significa

33

ser invadido, dominado ou possudo, como nos relatam Fernandes e Li (2006, p. 209). Isso reflete bastante o que as pessoas pensam de quem possui este transtorno. Elas acreditam que os portadores de epilepsia esto possudos por algum esprito mal devido ao processo de como se d a crise convulsiva e j que eles desconhecem a natureza dessa doena, comeam a imaginar coisas deste tipo, pois necessitam de explicaes lgicas, de acordo com a sua cultura, que justifiquem o que os seus olhos vem. Isso acaba se propagando e transmitido de geraes em geraes como ensinamento e se perpetua no imaginrio das pessoas, principalmente aquelas que no possuem informaes o suficiente para poder organizar suas idias. Em alguns pases, como Estados Unidos e Inglaterra, existiam leis at a dcada de 1970 que limitavam a circulao de pessoas com epilepsia em locais pblicos e at mesmo proibia casamentos com pessoas afetadas por esta doena. Ainda hoje, na sia, a negao ou anulao de casamentos devido epilepsia comum; e na China, em pesquisa realizada em torno do ano de 2005, 31% dos entrevistados consideraram que os epilticos no deveriam ser empregados. O saldo desses pensamentos e atitudes extremamente negativo, este estigma imposto afeta a famlia, a vida social, conjugal, a auto-estima e perspectiva de futuro do epiltico. Para evitar ser taxado, ele acaba escondendo seu problema inclusive com ajuda da famlia, seno por iniciativa dela prpria; prejudicando o tratamento (GALLUCCI NETO; MARCHETTI, 2005, p.325). At mesmo na Bblia aparecem passagens que se remetem a epilepsia. Em So Marcos, Captulo IX, versculo 13 a 28 aparece uma parbola na qual Jesus expulsa um esprito maligno do corpo de uma criana que estava em estado convulsivo, atravs oraes e imposies de mos. A se encontra fonte inegvel de disseminao de idias erradas acerca da doena por religiosos fervorosos, que vem nisso a prova de que se trata sim de foras sobrenaturais agindo em qualquer criana que desenvolva epilepsia (GUERREIRO; LI, 2003 apud FERNANDES; LI, 2006, p. 209). Este relato aparece tambm nos evangelhos de So Matheus, Captulo XVII, versculos 14 a 20; e no de So Lucas, Captulo IX, versculos 37 a 43, o qual segue a transcrio fiel;No dia seguinte, descendo eles do monte, veio ao encontro de Jesus uma grande multido. Eis que um homem exclamou do meio da multido: Mestre, rogo-te que olhes para meu filho, pois o nico que tenho. Um

34esprito se apodera dele e subitamente d gritos, lana-o por terra, agita-o com violncia, f-lo espumar e s o larga depois de o deixar todo ofegante. Pedi teus discpulos que o expelissem, mas no o puderam fazer. Respondeu Jesus: gerao incrdula e perversa, at quando estarei convosco e vos aturarei? Traze c teu filho. E quando ele ia chegando, o demnio lanou-o por terra e agitou-o violentamente. Mas Jesus intimou o esprito imundo, curou o menino e o restitui a seu pai. Todos ficaram pasmados ante a grandeza de Deus.

Por estes e tantos outros motivos, o estigma relacionado epilepsia vem sendo tratado com um dos mais importantes fatores a influenciar de forma negativa a vida do epiltico no dia a dia, e de sua famlia tambm (FERNANDES; LI, 2006, p. 210). Mas, h de se considerar, que a epilepsia afeta cada um de diferentes maneiras, e que o modo como o indivduo reage doena depende da sua histria de vida, da sua cultura, do ajuste familiar e do processo de adaptao de todos aqueles que participam e influenciam ativamente a vida do mesmo. Seguindo esse contexto, a epilepsia passa a representar perdas em diferentes reas, que acabam culminando no comprometimento da qualidade de vida do seu portador por afetarem necessidades bsicas, como: relaes sociais, psicolgica, emprego, familiares, fsica. Quando a pessoa se v como epiltico um mundo de significados e crenas invade seus pensamentos e acaba dificultando o seu ajuste a essa nova realidade, impondo dvidas, revoltas, anseios, resignao. O medo e a vergonha passam a dominar as suas atitudes: ela tem medo de sair a rua e ser apontada, de perceber que por onde ela passa as pessoas comentam e expe a sua vida para todos. Para se sentirem normais e fugirem desses ataques acabam se escondendo, camuflando o que realmente elas so; suprimindo a sua identidade e criando uma nova, que acaba agradando aos outros e no a ela. Mas para que todo esse processo se desenvolva do modo que vem sendo descrito aqui, necessrio que a pessoa que carrega essa afeco no acredite nas idias erradas e infundadas que a populao cria. Sendo assim, o destaque que passa a ganhar a orientao que dada a essas pessoas e, no caso de crianas, aos seus familiares tambm, se torna indispensvel. E o agente transformador que o profissional de sade, especialmente o enfermeiro, que deve focar o seu trabalho no nvel de ateno primrio prevenindo o comprometimento das necessidades bsicas do ser humano deve ser observado e ter a conscincia da importncia de se trabalhar as alteraes que podem vir a

35

ocorrer nas pessoas portadoras de epilepsia, esclarecendo duvidas e orientando para o auto cuidado. Desta maneira ele no s ajuda o epiltico, mas tambm ajuda a desmistificar as crenas que envolvem a doena atravs do estimulo de atitudes positivas e disseminao de informaes que esclaream a populao sobre idias e conceitos que no correspondem realidade, reconstruindo, desta maneira, a forma de pensar e fomentando a crtica reflexiva sobre os fatos do cotidiano.

1.7 O ENFERMEIRO DA REDE BSICA

Como j evidenciado aqui, a epilepsia culturalmente relacionada a diversas crenas inadequadas, o que acaba levando ao surgimento de distrbios de ordem psicolgica, de conduta ou ao prprio agravamento do quadro epiltico, pois as crises se tornam mais freqentes devido ao estresse que o indivduo submetido. Tais agravos podem ser reduzidos mediante a implementao de polticas voltadas para a diminuio das complicaes associadas a pouca instruo sobre a natureza da doena ou mesmo sobre as crenas criadas a partir destas mesmas desinformaes. O profissional de sade da rede bsica de assistncia assume papel importante, mormente nas comunidades carentes onde o acesso a informao precrio e o saber popular considerado raiz para a padronizao da vida nesse meio. Em seu livro, Laville e Dionne (1999, p. 19) inserem o conceito de tradio como sendo o principal meio de transmisso do saber espontneo atravs das geraes. Seja na famlia, na pequena sociedade, em diferentes e variadas escalas, a tradio fornece o saber que aparenta ser de utilidade a qualquer um e que se julga conveniente absorv-lo para poder levar a vida adiante. Essa cincia popular mantida inalterada e transmissvel, pois se acredita que ela seja necessria nos dias atuais assim como foi no passado e ser no futuro. Estes autores ainda destacam que ela indica o que se deve conhecer, entender, e, por conseqncia, direciona o comportamento que deve ser adotado.

36

Mas importante salientar que cada segmento social adota atitudes diferenciadas. As condies de vida e de trabalho caracterizam de formas distintas o modo como as classes e seus segmentos pensam, sentem e tomam atitudes acerca de determinadas questes. Isso levanta a questo do acesso a informaes e origens dessas informaes. Classes sociais mais favorecidas tm um acesso melhor a informaes de melhor qualidade em detrimento a indivduos de classes sociais menos favorecidas. Trazendo estes fatores para o contexto que envolve a epilepsia, observa-se que a lacuna de informao proporcionada pela perpetuao de mitos e a dificuldade de acesso da populao pobre, que maioria neste pas, a estas mesmas informaes, contribuem sistematicamente para a manuteno do estigma desta doena. Li et al. (2005, p. 299) em estudo realizado observaram que os profissionais de sade da rede bsica esto sensveis e conscientes sobre a carga social da epilepsia. Este diagnstico importante, pois, de acordo com o mesmo estudo, as pessoas com epilepsia acabam por buscar ajuda na rede bsica, o que descaracteriza este setor como apenas uma rea de vacinao e distribuio de medicamentos. O profissional deve estar preparado para ter o conhecimento necessrio e, desta maneira, poder direcionar o atendimento ao epiltico, bem como sua famlia. Desde a sua formao, ele deve estar em contato com as questes psicolgicas que envolvem ser portador de epilepsia, o estigma que a doena carrega consigo e transfere para a pessoa que a desenvolve; a questo familiar, o seu ajuste nesse processo to complexo, deve ser orientado como proceder para o auxlio a esse mesmo ajuste, determinando, no caso de crianas, que esta famlia mantenha um vnculo mais forte com a escola da mesma. Fonseca et al. (2004, p. 1072) dizem que existem progressos no conhecimento e aes dos estudantes da rea de sade, mas, ainda assim, existem vrios pontos que podem ser melhorados com aes adequadas e articuladas. Nesse mesmo estudo, estes autores evidenciaram que os acadmicos da rea de sade ao entrar na universidade e no final do curso no apresentam avanos to significativos em relao ao conhecimento alcanado sobre epilepsia. Este fator causa de preocupao j que sero eles os responsveis pelo atendimento a essa clientela de um modo geral (ibid.)

37

Rosa (1997, p. 41) destaca na discusso sobre os resultados alcanados com seu estudo que esta clientela no est sendo contemplada pelo atendimento total, que considera as necessidades fsicas, emocionais e sociais da pessoa em conseqncias da patologia. Os pais esto quase que isolados do sistema de sade e assim, de acordo com a autora, permanecem procura de atendimento, em sua grande maioria, acatando o conselho mdico que assiste a criana e que baseado apenas no controle das crises, resumindo-se a orientaes quanto a posologia do medicamento e retornar quando este estiver acabando. Gallucci Neto e Marchetti (2005, p.324) tambm abordam essa lacuna no tratamento do epiltico. Destacam que apesar do prognstico bom para a doena, os portadores deste transtorno no esto recebendo a teraputica adequada que o distrbio pede, especificamente em pases em desenvolvimento. As comorbidades de ordem psicolgica so substratos para diversos estudos acerca do tema. Os transtornos de humor so freqentemente associados a ela. Eles vm sendo abordados desde Hipcrates e continuam o sendo at os dias atuais. A depresso presumivelmente o distrbio mais ordinrio nos pacientes epilticos, como Kairalla, Bressan e Mari (2004, p. 59) explicitam. Um diagnstico atento da presena destes transtornos, assim como a teraputica adotada e as informaes dadas a famlia e ao paciente, so imprescindveis para a diminuio da freqncia das crises e um avano na qualidade de vida do paciente portador de epilepsia. Enfim, sendo a rede bsica de sade a porta de entrada para estes pacientes e sua famlia, o profissional de sade deve se encontrar preparado para prestar um atendimento de qualidade para ambos, objetivando suprir todas as necessidades afetadas atravs de um olhar holstico7.

7

Vem de holismo, cuja raiz grega "holos", significa todo, total, universal. H muitas outras palavras portuguesas que tm o mesmo prefixo: Holos=todo+photos, holofote. O holismo um sistema que, em seu modo de contemplar as coisas, o mundo e a vida, leva em conta a globalidade dos sistemas e das foras intervenientes. Em decorrncia, a pessoa fica com uma viso holstica da vida e do universo. Considerar a totalidade das foras intervenientes possibilita um juzo mais real do objeto estudado.

38

Captulo 2: Consideraes MetodolgicasA coisa mais difcil do mundo dizer pensando o que todos dizem sem pensar(mile-Auguste Chartier).

Consideraes Metodolgicas

39

2.1 TIPO DE ESTUDO

O presente estudo foi desenvolvido com abordagem qualitativa que, segundo Chizzotti (2001, p.79), se origina no conceito de que existe uma conexo ativa entre o mundo real e o sujeito, uma interdependncia viva entre o sujeito e o objeto, um vnculo indissocivel entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. Ou seja, a partir de uma interao dinmica entre sujeito-objeto, uma relao de dependncia viva entre ambos e um processo dialtico constante, tem-se o substrato inerente a pesquisa de ordem qualitativa. O autor (op. cit.) ainda pontua que o saber no se limita a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenmenos atribuindo-lhes um significado. Logo, a abordagem qualitativa de determinado fenmeno ou fato, preocupa-se em analisar e interpretar os aspectos mais profundos dessa relao sujeito-objeto, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Presumese, ento, a anlise mais detalhada sobre as investigaes de atitudes, tendncias, comportamentos, tomadas de decises, dentre outros. Esse conceito da abordagem qualitativa que privilegia um foco subjetivo da questo a ser estudada, aprofundando-se no nvel das relaes sociais e preocupando-se em explicar minuciosamente os fatos acerca dos fenmenos estudados, vem a ser a essncia dessa pesquisa, o que entra em consonncia com os objetivos propostos. Trata-se, pois, tambm, de uma pesquisa exploratria e descritiva. Exploratria j que visa desenvolver uma maior familiaridade com o problema se valendo de mtodos especficos para tanto, tais como: entrevista, levantamentos bibliogrficos, visita a websites etc., principalmente na fase de coleta de dados em campo e literrio. Tambm descritiva visto que objetiva relatar um fenmeno ou fato atravs de uma averiguao sistemtica das qualidades conhecidas (SANTOS, 1999, p. 26-27).

40

2.2 CENRIO DO ESTUDO

O estudo se realizou em 4 escolas pblicas do municpio de Armao dos Bzios, no estado do Rio de Janeiro. A cidade se localiza no litoral do estado, mais precisamente na Regio dos Lagos, conhecida por seus atrativos e belezas naturais, tem como principal atividade econmica o turismo. A cidade era distrito do municpio de Cabo Frio at 1996, quando conseguiu sua emancipao graas ao turismo de alto poder aquisitivo nacionalmente e internacionalmente, ou seja, trata-se de uma cidade relativamente nova no contexto federativo, com 12 anos de emancipao. A cidade ganhou fama, inclusive mundial, quando, na dcada de 1960 recebeu uma das atrizes mais cobiadas do cinema no mundo, Bridget Bardot (LARTIGUE; MARTINHO, s/d apud BARBOSA, 2003, p. 28). Esse foi o divisor de guas na histria da cidade, que ganhou impulso e projeo, fortalecendo o turismo que comeou no que antes era uma vila de pescadores e hoje se tornou numa cidade pequena de cerca de 20 mil habitantes, mas com renome internacional (BARBOSA, 2003, p. 28). Com esse carter de cidade turstica e a economia da cidade voltada para esta rea, a populao se qualifica nesse sentido, logo, isso vem a explicar porque a maioria dos professores entrevistados so de outros municpios. Foram utilizados como campos especficos de coleta de dados 4 escolas, sendo que 2 ofereciam servio educacional da 1 a 4 srie, e outras 2 especificamente da 5 a 8 srie. Nas instituies do primeiro segmento do Ensino Fundamental, uma escola dispunha de uma rea para recreao infantil com brinquedos, mas sem conservao, enquanto a outra escola apenas possua um espao para recreao. As do segundo segmento do Ensino Bsico possuam quadras poliesportivas, mas fora das dependncias escolares. Nessas instituies os alunos tinham livre acesso a entrada e sada das dependncias escolares, mesmo em horrio de aula. Todas as escolas apresentavam algum sucateamento, seja em recursos materiais, como cadeiras e carteiras; seja na infra-estrutura; ou mesmo na esttica, com pichaes por suas dependncias. Nenhuma das escolas se situava em reas da periferia da cidade, o que no significa que no abarquem alunos dessas

41

localidades; duas se localizavam no centro da cidade e duas em um bairro nobre da cidade.

3.3 SUJEITOS

Os educadores do Ensino Fundamental foram escolhidos como sujeitos da pesquisa justamente pelo papel social que desempenham, principalmente na fase da infncia, ao servir como uma das referncias para o educando. O critrio de incluso se baseou no espao escolar. Todas as escolas deveriam ser Pblicas, visto que grande parte da populao encontra no ser pblico a forma de atender necessidades bsicas, como sade e educao, apesar da viso depreciativa do que de ordem pblica; e tais necessidades so deveres do Estado. Foram entrevistados 9 professores, 4 do primeiro segmento do ensino bsico e 5 do segundo segmento, que vem a ser 1 a 4 srie e 5 a 8 srie do Ensino Fundamental, respectivamente.. Para garantir o anonimato dos sujeitos da pesquisa, estes receberam nomes fictcios. A escolha dos nomes teve como fundamentao a relao professor-aluno, com enfoque no ser criana e a magia que super-heris, comuns no imaginrio de muitas crianas, suscitam nas atividades do dia-a-dia, tendo o professor como exemplo, j que um heri se dedica a atos em prol do interesse pblico. Os nomes escolhidos foram: Homem-aranha, Mulher-maravilha, Elektra, Mulher Gavio, Batgirl, She-ha, Tempestade, Mulher Invisvel e Mestra Ghenkai.

3.4 TCNICA E INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

As informaes para a elucidao do problema foram adquiridas atravs de um roteiro de questes (APNDICE A) a ser implementado em uma entrevista semiestruturada.

42

No que tange a entrevista semi-estruturada, Trivios (1987) a define como aquela que, embora se utilize um roteiro bsico de questes, abre ao informante a possibilidade de, seguindo sua linha de pensamento e experincias, contribuir com novas vises/questionamentos, podendo, inclusive, vir a provocar a reformulao do problema da pesquisa. nesse sentido que os participantes se transformam em coparticipantes no processo de investigao. Nesse sentido, as questes foram formuladas de forma que acarretassem na apreenso de informaes que respondessem aos objetivos propostos, sem com isso, impedir que os entrevistados levantassem questionamentos importantes a serem contemplados na anlise de dados. As duas primeiras indagaes tinham como objetivo levantar o conhecimento e as percepes do educador a cerca do tema central da pesquisa; as duas seguintes se concentravam no desenho social que o professor faz sobre a CCE em sala de aula, ou seja, no ambiente escolar; a 5 e ltima questo visava identificar a auto-avaliao que o mestre faz de si mesmo ao, em caso de necessidade, lidar com a CCE, remetendo-se a fatores destacados por ele mesmo.

3.5 COLETA DE DADOS A coleta de dados foi realizada no perodo de 15/12/2008 20/12/2008. Foi utilizada carta de consentimento da instituio (APENDICE C) para a autorizao de uso do espao escolar para a realizao das entrevistas com os professores. A entrevista fornece uma gama maior de informaes a serem extradas do entrevistado do que questionrios, mesmo este sendo aplicado de forma mista, com perguntas fechadas atreladas alguma questo enquanto outras so abertas (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 187). A partir do momento em que o indivduo no recebe um documento para preencher com a dicotomia pergunta-resposta e passa a ter a possibilidade de expressar suas respostas pela fala, numa dinmica com o indagador, diversas vezes, o entrevistado pode exprimir questionamentos que possivelmente no os suscitassem num questionrio. Alm disso, o entrevistador tem a possibilidade de reordenar, ou reformular, as perguntas de forma a atender s necessidades do entrevistado, tendo coerncia em suas trocas com o interrogado;

43

tem ainda a chance de esmiuar ou determinar melhor as respostas com acrscimos de perguntas, tais como: Como assim? Por qu? D-me um exemplo (op. cit.). Num primeiro contato com os professores, a intimidao com o intuito da pesquisa era evidente. Logo, ento, eram feitos os esclarecimentos, a fim de tornar mais claro e objetivo a finalidade do estudo, ou seja, sobre o que se pretendia com o mesmo. Entretanto, a recusa foi grande em todas as instituies visitadas, mesmo naquelas onde se pde encontrar educadores que aceitaram ceder entrevista. Foram visitadas 9 escolas, das quais apenas em 4 houve aceitao. Apesar do nmero grande de escolas, o contraste com o nmero de sujeitos gritante, o que denota ainda mais a dificuldade em agregar professores para compor o substrato necessrio ao desenvolvimento da pesquisa. Os mestres se dividem numa proporo de 1:2:3:3 nesse universo de 4 instituies.

3.6 ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS

Considerando o tipo de estudo, foi necessrio o tratamento dos dados com uma abordagem qualitativa, restringindo-se os dados quantitativos a caracterizao dos sujeitos. Remetendo-nos aos dados qualitativos a serem analisados, estes foram tratados por categorias a partir de uma anlise temtica, que consiste em desvendar os ncleos de sentido que fazem parte de uma estrutura comunicativa onde a presena ou freqncia tenham alguma representatividade para o objetivo final da anlise (MINAYO, 1992). Laville e Dionne (1999, p. 219) ao dissertarem sobre a anlise, colocam que a pesquisa dos temas pode melhor aproximar o pesquisador do sentido do contedo, pois ele se v obrigado, [...], a construir suas unidades de anlise a partir de sua compreenso desse contedo. Estes autores ainda destacam a importncia do recorte de contedo que vem a ser a primeira tarefa do pesquisador na fase inicial de preparao da pesquisa, e que consiste em elementos que ele tem a possibilidade de ordenar dentro de categorias. Ainda ressaltam (1999, p. 216)

44que a finalidade evidentemente agrupar esses elementos em funo de sua significao cumpre que esses sejam portadores de sentido em relao ao material analisado e s intenes da pesquisa. Estes elementos assim recortados vo constituir as unidades de anlise, ditas tambm unidades de classificao ou de registro. A palavra importante aqui unidade [grifo do autor] para significar que cada um desses fragmentos de contedo deve ser completo em si mesmo no plano do sentido.

Neste sentindo, a definio das categorias se deu atravs de um modelo misto, onde esta definio ocorreu a priori em conhecimentos tericos do autor da pesquisa e no seu quadro operatrio. Este modelo no confere imutabilidade s categorias, estando estas a merc do processo de verificao, anlise e interpretao no qual o pesquisador no se limita a diagnosticar a presena de elementos pr-determinados (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 222). Logo, ento, na primeira fase da anlise, foram estabelecidas algumas categorias iniciais, com embasamento terico, ante o processo de coleta de dados, sendo estas postas a prova da realidade. Posteriormente, durante este processo e ao debruar-me sobre os dados obtidos, as categorias tomaram forma e veracidade pelas falas dos sujeitos, sendo moldadas por estes, e atendendo aos objetivos da pesquisa. A partir destas etapas, as categorias de anlise foram: o significado que o professor confere a epilepsia; o desenvolvimento scio-cognitivo da CCE; e a escola como agente de socializao.

3.7 ASPECTOS TICOS

Como Fontinele Jnior (2003, p. 15) salienta, devido dignidade do homem respeito, e isso requer que todo estudo cientfico tramite aps o consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, [...] que por si e/ou seus representantes legais manifestem a sua anuncia participao na pesquisa. A legislao que normatiza as questes ticas no que tange pesquisas que envolvem seres humanos foi respeitada e seguida no decorrer de todo o estudo. Legislao esta expressa na Resoluo 196/96 que outorgada pelo decreto 93933 de 14/01/87. Os aspectos pertinentes a esta pesquisa esto transcritos abaixo:

45

O respeito devido dignidade humana exige que toda pesquisa se processe aps consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais se manifestem a sua ausncia participao da pesquisa. Exige-se que o esclarecimento dos sujeitos se faa em linguagem acessvel e que inclua necessariamente os seguintes aspectos: Justificativa, os objetivos e os procedimentos que sero utilizados na Os desconfortos e riscos possveis e benefcios esperados; Os mtodos alternativos existentes; A liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu pesquisa;

consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalizao alguma e sem prejuzo ao seu cuidado; A garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos lados confidenciais envolvidos na pesquisa. Esse termo dever obedecer aos seguintes requisitos: Ser elaborado pelo pesquisador responsvel, expressando o cumprimento de cada uma das exigncias acima; Ser aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa (CEP), que referenda a instituio; Ser assinado por todos e cada um dos sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais; Ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu representante legal e uma arquivada pelo pesquisador. Portanto, o estudo seguiu os preceitos estabelecidos pela resoluo em questo, tendo cada sujeito sido apresentado o intuito, ou seja, o objetivo geral a ser alcanado com o estudo, como este ir contribuir em diferentes aspectos e as razes que o veem justificar. A seguir, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO B) e a Carta do Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO A), tendo estes sofrido estruturao a partir de modelos prvios. instituio foi entregue a Carta de Consentimento Livre para a utilizao do espao escolar para a realizao das entrevistas (ANEXO C).

46

Captulo 3: Resultados e Discusso mais fcil construir um menino do que consertar um homem. (Charles Chick Govin)

Resultados e Discusso

47

Este captulo trata da anlise e interpretao dos dados coletados no presente estudo, o qual se divide em duas partes. A primeira parte consta da caracterizao dos sujeitos do estudo, e a segunda parte corresponde classificao das categorias.

3.1 CARACTERIZAO DOS SUJEITOS

Professores do Ensino Fundamental foram escolhidos como sujeitos da pesquisa e deveriam lecionar em escolas necessariamente pblicas de 1 a 4 srie e/ou de 5 a 8 srie como requisito parcial de insero no estudo. Foi realizada uma entrevista semi-estruturada com um roteiro prvio de questes formuladas para que servissem de orientao e direcionamento a fim de se alcanarem os objetivos propostos. Em relao aos entrevistados, estes somam um total de 9 sujeitos, dos quais apenas um era do sexo masculino. Um sujeito possua apenas a formao de professores ofertada pelo Ensino Mdio nesta modalidade, 5 tinham formao de nvel superior em graduao de cursos que variam entre Pedagogia, Letras, Histria e Educao Fsica; 3 dos entrevistados, alm da formao superior em um dos cursos citados, tinham alguma especializao que variava de uma ps-graduao a um mestrado, ou mesmo os dois, no caso de um dos sujeitos, especificamente. Dos 9 entrevistados, 4 residiam no prprio municpio, Armao dos Bzios, os outros estavam fixados em municpios adjacentes prpria regio. As idades variavam dos 26 anos aos 43 anos, com 4 sujeitos na faixa etria dos 20 anos, 2 na dos 30 anos, e 3 na dos 40 anos. O tempo de magistrio foi dividido em 4 grupos (Apndice B), nos quais se encaixaram: 2 sujeitos no grupo de 1-5 anos, 3 sujeitos no de 6-10 anos, 2 sujeitos no de 11-15 anos e 2 sujeitos com mais de 15 anos de magistrio. O que significa que 55,5% dos entrevistados so professores com formao relativamente recente. Quanto ao estado civil, a maioria dos professores de casados.

48

importante salientar a dificuldade enfrentada por este pesquisador no que diz respeito entrada no campo de pesquisa, notoriamente ao tentar abarcar o maior nmero de professores o possvel para a coleta de dados. Isto se deu devido a recusa de um grande nmero de profissionais em conceder entrevista, por 3 fatores que destaco: proximidade do recesso escolar, com o aumento das atividades burocrticas a cerca do resultado do desempenho dos alunos; medo de falar sobre um assunto que no domina e acreditar que o deveria, como professor; este fator anterior acaba por desenrolar o ltimo, a intimidao com o fato da entrevista ser gravada para posterior anlise das falas e o que viria a ser feito dessas gravaes em fitas K7. Mesmo com os esclarecimentos pertinentes, a carta de consentimento livre e esclarecido (Anexo A), a identificao do pesquisador e as garantias necessrias para o anonimato dos sujeitos da pesquisa, a recusa foi grande e com veemncia em alguns dos vrios casos.

3.2 CARACTERIZAO DAS CATEGORIAS

A anlise dos dados possibilitou a apreenso, atravs das falas dos sujeitos, de 3 categorias que se encontram de acordo com os objetivos propostos: o significado da epilepsia para o professor; o desenvolvimento scio-cognitivo da criana com epilepsia; e a escola como agente de so