O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

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  • 8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

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    Luiz Carlos Maciel

    S L DA LIBERDADE

    Edio

    Patrcia Marcondes de Barros

    Reviso

    Marcelo Lima

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    Para Maria Claudia, minha herona, e tambm a todos

    a!ueles "r#$imos a !uem amo como a mim mesmo%

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    &

    SUMRIO

    PREFCIO'or(e Mautner ))

    APRESENTAO Patrcia Marcondes de Barros )*

    1 A POLTICA DA INSANIDADE)+

    reverso da hist#ria )-

    s & cat.stro/es da 0dade de erro 1

    3orman 4% Bro5n e o 6CE de 'o7ce 18

    4 mistrio dos v9ndalos 2)

    rebelio atual da :uventude 2&

    4 "ensamento da direita 2 "reco(nio de Bush &1

    lice no Mundo da Cons"irao &*

    ;ma chance "ara a "az

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    ?4 mundo no chato@ 11)

    Caetano e a doura de e$istir 118

    4 O TAO DA FILOSOFIA 12 de Phili" K% ic a Caetano

    Geloso, de Baudrillard a 0sabel C9mara, de 3orman Mailer s e$"eriIncias reli(iosas da

    seita ;nio do Ge(etal%

    escondicionamento e criao, como su(ere o "ensamento orientalista, Maciel

    "asseia "elos escombros da "#sJmodernidade e o /im da hist#ria em A P!"#$%&' ('I)*')%('(+J, ca"tulo !ue trata do es(otamento de um modelo linear de re"resentao

    "ara e$"licar a hist#ria da humanidade J e o incio de sua reverso como concebe o

    /il#so/o 'ean Baudrillard% Esta reverso se re/lete na ascenso do discurso da direita, da

    "oltica im"erialista norteJamericana, das teorias cons"irat#rias e de um e/eito "erverso

    !ue deslocou o mundo real "ara o virtual% N o incio da chamada ?Era da Mediocridade@,

    !ue, se(undo Maciel, tem como caracterstica "rinci"al> o conservadorismo,

    "rinci"almente o da :uventude atual, a ?(erao /aceboo@ J conectada s novas

    tecnolo(ias de comunicao% =imulacros, ?com"artilhamentos e curtiHes@ num mundo da

    e/emeridade, da li!uidez dos si(ni/icados% nalisa o movimento :uvenil brasileiro, o !ual

    /icou conhecido como ?o movimento dos vinte centavos@ e traa um "aralelo com 'ames

    'o7ce e a!uilo !ue chamou de ?6ere Comes Ever7bod7@%

    Em C!)$'&-"$-' + E!$%*!"assamos "ara a discusso da contracultura, tema

    !ue ainda ho:e suscita diversas "olImicas% Muitos ne(am !ue tenha sido um marco, uma

    transio entre o "ensamento moderno e o "#sJmoderno, caracterizandoJo como um

    "ro:eto imaturo, sub:etivo, individualista e ut#"ico !ue /oi /acilmente coo"t.vel "elo

    sistema ca"italista% 4utros tentam teorizar o !ue no descritvel> o es"rito de uma

    "oca, o as"ecto dionisaco, o lOdico e o car.ter da e$"erimentalidade em todos os

    (estos% o miti/icar tal movimento, o "etri/icam%

    busca "or uma e$istIncia autIntica levou "arte dessa :uventude a am"liar o

    conceito de "oltica, estendendoJo ao cor"o, ao com"ortamento dos indivduos, !uesto

    se$ual% s consideraHes mar$istas :. no res"ondiam aos novos "aradi(mas !ue se

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    im"unham% !ui, o autor aborda o tema e a necessidade de transcender, su"erar a

    !uesto se$ualQ atravs da literatura er#tica atravs dos tem"os, a ma(ia se$ual de

    leister Cro5le7 ?Dodo homem e toda mulher uma estrela@Q, a "erverso "olim#r/ica, as

    ideias de 6erbert Marcuse sobre se$ualidade e sociedade, 3orman Mailer, a /avor do

    se$o como mani/estao de vida, colocando sua revolta e "rotesto contra a destruiodos instintos e da "erverso, determinado "ela moral "rotestante, mono(9mica e

    re"ressiva do square americano, e uma entrevista "ara a revista =e$7 com o escritor 'oo

    ;baldo Ribeiro em ocasio de lanamento de seu livro ? Casa dos Budas

    itosos@1---Q%

    Em E$+)', +/0+' ')-'(', traz re/le$Hes sobre "oltica cultural no Brasil,

    entrevistas e al(umas im"ressHes sobre "ersonalidades como a escritora 0sabel C9mara1- ?o rom9ntico coerente deveria tornarJse

    um vision.rio, bastante "r#$imo do misticismo oriental@%

    ?a hist#ria "ara o mistrio@, como visiona 3orman 4% Bro5n, a orientalizao do

    4cidente /oi um dos caminhos da (erao da contracultura% !uesto no era a de ne(ar

    o racionalismo da /iloso/ia ocidental, mas criticar !ue o mesmo se:a colocado como

    "aradi(ma, Onica /orma de ser, sentir e "ensar%

    Em O !! &+!, "oesias de Maciel, !ue nos conta tambm sobre suas

    e$"eriIncias com a morte%

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    Auando lhe "er(untei sobre a ins"irao do ttulo, ?4 =ol da Liberdade@, /ala sobre

    suas e$"eriIncias na seita reli(iosa ;nio do Ge(etal e !ue, sob os e/eitos alucin#(enos

    de a7ahuasca, a doutrina /oi e$"licada> ?4 =ol eus@ e ento conclui> ?a liberdade um

    sol, o sol a liberdade@% liberdade a essIncia de eus%

    ontolo(ia da liberdade realizada "or Maciel nesta obra traz re/erIncias de

    "ensadores !ue trou$eram tona a !uesto do ser, a liberdade, a des"eito de todas as

    /ormas !ue a en(rena(em se utiliza "ara a"risionar o indivduo e distraJlo de sua

    autonomia e ca"acidade de (erir seu "r#"rio caminho%

    Aue o sol da liberdade irradie sua /ora sobre n#s%

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    1 A POLTICA DA INSANIDADE

    O tempo uma criana que brinca, movendo as pedras do jogo para ce para l.

    Herclito, Frag. 52

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    A ++*! (' %*$%'

    Antes que o leitor mergulhe neste primeiro texto, gostaria de fazer uma advertn!ia" Este

    n#o $ um livro a!admi!o, sua %ndole pende mais para a !ontra!ultura do que para a

    !ultura" Desta maneira, muitas exign!ias normais diante de um livro s#o simplesmente

    ignoradas" o me preo!upo em !ontextualizar histori!amente os a!onte!imentos, nem

    sequer forne'o o ano da edi'#o de talvez a maioria dos livros que !ito" ( o meu )eito e me

    !onsidero velho demais para mudar" *referi a velha !urti'#o" +onfesso que o verdadeiro

    o)etivo deste livro $ simplesmente divertir um tipo de leitor que queira se identifi!ar !om

    esse ino!ente o)etivo- quero apenas mexer !om ideias !omo uma !rian'a que rin!a"

    s conce"Hes mais remotas da 6ist#ria humana, como a Deo(onia do (re(o

    6esodo, ou o Daosmo do chinIs Lao Dzu, observam a e$"eriIncia hist#rica como o

    declnio de um estado ori(inal "er/eito% Elas no "ossuem a #tica ocidental moderna de

    um avano linear% Auanto mais remota a conce"o, mais sustenta uma viso cclica dahist#ria, "ois o ciclo a lei das mani/estaHes naturais, como a sucesso dos dias e das

    noites ou das estaHes do ano%

    N, "orm, da "r#"ria natureza da 6ist#ria, tal como a concebemos no 4cidente,

    !ue ela avance sem"re "ara /rente% Praticamente todos os seus /il#so/os maiores a viram

    como um movimento retilneo, "ro(ressivo, no sentido de um clma$ /inal !ue consumaria

    /inalmente o seu sentido% 6e(el, cu:a viso da 6ist#ria ainda "revalece, vI esse clma$no Es"rito bsolutoS Mar$, na necessidade da sociedade comunista% Em 6eide((er, o

    "r#"rio =er se desvela e se oculta na 6ist#ria%

    lio arcaica da 6ist#ria como declnio nos estranha "or mais !ue ela este:a

    "resente em al(uns livros como O Declnio do Ocidente,de 4s5ald ="en(ler, ou em

    !uase todos os mitos tradicionais, inclusive numa tentativa contem"or9nea a e$em"lo do

    /ilme Star Wars, de eor(e Lucas% 4 desenvolvimento da ciIncia ocidental e o im"rio de

    sua e$"resso mais "r.tica e totalit.ria, a tecnolo(ia, "articularmente na sua /uno

    dominante de servir ambio ca"italista, s# tem re/orado essa noo indiscutvel,

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    subconsciente, de !ue a 6ist#ria vai sem"re "ara /rente F com e$ceo do citado

    ="en(ler "ara !uem a 6ist#ria das civilizaHes imita a sucesso das estaHes naturais%

    Mas o advento, a(ora, de um ?novo inverno@ em nossa civilizao F "ara lembrar a

    met./ora !ue usei no livroAs Quatro Estaes2))1Q F se a"resenta como, no mnimo,desconcertante% Dodos os avanos !ue vivemos, "or v.rias dcadas, em termos de

    liberdade e$istencial, "erce"o social e "oltica, a"ro/undamento da vida es"iritual e,

    numa "alavra, e$"anso da consciIncia, "arecem abandonados como se sim"lesmente

    nunca tivessem acontecido%

    ;ma das ideias mais interessantes sur(idas na re/le$o de 'ean Baudrillard sobre

    o nosso tem"o a de !ue assistimos a uma reverso da "r#"ria 6ist#ria !ue tendoim"erce"tivelmente ultra"assado o "r#"rio /im inverte o seu sentido "ara o "assado% Ele

    cita um te$to de Elias Caneti, "ublicado em 1-8+, "oca em !ue se de/iniria a

    "reci"itao de nosso mundo no virtual>

    %%%Q "artir de certo "onto a 6ist#ria no era mais real% =em !ue se "ercebesse, toda a

    humanidade subitamente abandonou a realidadeS tudo o !ue aconteceu desde ento

    su"ostamente no /oi verdadeiroS mas n#s su"ostamente no "ercebemos% 3ossa tare/a

    a(ora seria encontrar esse "onto e en!uanto no o localizarmos, estaremos condenados a

    mer(ulhar em nossa destruio "resente%

    6ist#ria ocultou de n#s o seu /im e comeou o caminho de volta, na direo

    o"osta% Por isso, o tem"o no mais contado "ro(ressivamente, "or adio, a "artir da

    ori(em, mas "or subtrao, a "artir do /im% 3o temos mais o /uturo a nossa /rente, masuma dimenso anor$ica na !ual se estende uma realidade virtual% 3ela, o simulacro

    "recede o real, a in/ormao "recede o acontecimento% Estamos imobilizados entre

    nossos /#sseis e nossos clones%

    4u se:a> estamos diante do desa"arecimento da 6ist#ria real, dominada "or uma

    memorizao /an.tica% Em vez de nascerem e morrerem, os seres sur(em :. como

    /#sseis virtuais% 6ist#ria teria sido in/ectada "or um retrovrus e seu novo movimento"rivile(ia a reta(uarda% 0sso e$"lica, se(undo Baudrillard, o /enTmeno do

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    desa"arecimento das van(uardas e o ressur(imento de /ormas "assadas e arcaicas,

    uto"ias retros"ectivas !ue en(endram uma 6ist#ria es"ectral, /eita de acontecimentosJ

    /antasmas% oi o advento da chamada Era da mediocridade% e re"ente, al(um dj!u

    !ual!uer ressur(e como uma assombrao im"revista% Como isso /oi "ossvelU Ele no

    "ertencia ao "assadoU =# o retrovrus e$"lica%

    3os tem"os atuais, a humanidade anda de marcha r% 4s sinais desse ines"erado

    movimento, considerado sim"lesmente im"ossvel ou absurdo "elo "ensamento

    estrati/icado durante sculos de es"eculao racional, "odem ser "ercebidos ho:e "elo

    olhar atento% Essa inverso a"enas dis/arada, mas no desmentida, "elo "ro(resso

    cient/ico e tecnol#(ico, !ue no cessa de inventar novos brin!uedos, muitos deles

    mort/eros%

    3o de admirar, "or e$em"lo, !ue a dialtica da 6ist#ria humana tenha sido

    substituda "or um estruturalismo "etri/icador, num movimento de recuo do "ensamento,

    de acordo com a met./ora de =artre, da ima(em din9mica do cinema "ara a /oto(ra/ia

    "arada% 4u !ue as "ers"ectivas de uma nova or(anizao econTmica, "oltica e social

    tenham sido abandonadas em /avor de um neoliberalismo selva(em !ue, como

    contra"artida, "reci"itou nossa civilizao num terrorismo /undamentalista% 4u !ue a tica

    se:a /undamentada na restaurao de valores iluministas, "rJmar$istas% 4u !ue a

    e$"eriIncia es"iritual (enuna tenha sido se"ultada "or i(re:as e seitas i(ualmente

    /undamentalistas% 4s sinais de inverso da din9mica coletiva esto "or toda "arte%

    ssistimos, "or toda "arte, a um triun/o de"rimente da caretice F ou se:a, do

    /ormalismo sobre a es"ontaneidade, da a"arIncia sobre a essIncia, dos ttulos,

    comendas e medalhas sobre o mrito le(timo, da hi"ocrisia bur(uesa num ."ice

    sur"reendente sobre a vida natural e autIntica% reverso da 6ist#ria "ermitiu s classes

    mdias asse(urar a sobrevivIncia de seus deuses ao mesmo tem"o em !ue condena

    seus saud.veis demTnios ao es!uecimento% Essas tare/as /oram con/iadas s armas

    com !ue ainda conta, em es"ecial, na mdia e na academia% Essas duas instituiHes

    alavancaram o "rocesso de reverso%

    Primeiro e$em"lo> a moral tradicional, baseada na hierar!uia indiscutvel, na

    "re"otIncia e na submisso, na obediIncia e no con/ormismo F ou se:a, numa "alavra, na

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    re"resso F teve de en/rentar a emer(Incia de uma moral libert.ria !ue cresceu durante

    a maior "arte do sculo "assado, de uma maneira a"arentemente irresistvel%

    Com razes na "sican.lise de reud, !ue desmascarou essa moral re"ressiva

    como ori(em da neurose, ou na subverso de valores de 3ietzsche, !ue a denuncioucomo contr.ria aos interesses da "r#"ria vida, a nova "ers"ectiva moral (anhou uma

    enunciao a(uda no "ensamento de =artre, !ue viu claramente seu /undamento na

    liberdade% 4 au(e desse "rocesso de mani/estao da nova moral libert.ria /oi

    alcanado, na "r.tica, "elo movimento !ue se convencionou chamar de contracultura%

    =ua reverso restaurou al(uns dos mais renitentes "reconceitos da moral tradicional%

    Mas a situao atual, se(undo Baudrillard, no sim"lesmente contradit#ria ouirracional F ela "arado$al% 6. uma ironia ob:etiva no "rocesso recente> !uanto mais os

    sistemas "olticos, sociais e econTmicos "ro(ridem mais (eram a "r#"ria desconstruo,

    a realizao de/la(ra a reverso autom.tica, "ura e sim"les% Essa reverso "rovocou

    eu/oria na cidadela da classe mdia, o !ue en/atizou "arado$os sim"lesmente

    escandalosos% Com a reverso da 6ist#ria, o mais recente o mais remotoS o mais

    distante o mais avanado%

    ssim, a"esar dos avanos de Vilhelm Reich, 6erbert Marcuse e 3orman 4%

    Bro5n, ou contra eles, a "sican.lise acomodouJse em sua misso de "romover a

    ada"tao "assiva e, "ortanto, o con/ormismo% Com o "rete$to de contestar a

    de"endIncia de =artre ao co(ito cartesiano, o estruturalismo o declarou su"erado, numa

    manobra lo(o abenoada "elas universidades% 4 sistema cu:o "oder /ora denunciado ,

    ento, consa(rado como insu"er.vel, uma estrutura inabal.vel% Com tal /undamento

    te#rico, as novas (eraHes so /acilmente convencidas da verdade su"rema do realismo

    cnico%

    o mesmo tem"o, a mdia encarre(ouJse da diluio da contracultura, a"ressando

    sua retrao% =ubstituiuJa, no es"rito das novas (eraHes, "elo culto ao a"arecimento

    incessante de novas maravilhas do entretenimento, (raas nova tecnolo(ia di(ital% ;m

    com"utador e um celular de Oltima (erao so a"resentados F e o !ue "ior>

    acreditados F como su/icientes "ara asse(urar a /elicidade /inal%

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    4 estado de consciIncia vi(ente /oi re/orado "or meios mais sutis, subliminais%

    sse(urouJse, assim, nas novas (eraHes a autoJhi"nose e o em"aredamento mental

    !ue inibe a liberdade ori(inal da consciIncia e tende a con(el.Jla, como diria =artre, na

    ri(idez do ser emJsi%

    4 "anorama atual "rovoca es"anto% Como com"reendIJloU

    Baudrillard 2))1Q sustenta !ue uma 6ist#ria virtual, na !ual a in/ormao substitui

    o acontecimento, est. ocu"ando, ho:e, o lu(ar da 6ist#ria real, e !ue isso resulta em

    nossa /alta de res"onsabilidade, tanto individual !uanto coletiva% ssim, "or e$em"lo, o

    a"elo de =artre "ela liberdade e conse!uente res"onsabilidade, considerado, "ara

    todos os e/eitos da reverso, uma mera iluso do "assado%

    3o "lano econTmico, "oltico e social, a reverso /oi ainda mais es"etacular% 4

    desa"arecimento da ;nio =ovitica e do triun/o do ca"italismo selva(em serviu de

    "rete$to "ara a desconsiderao do "ensamento te#rico mar$ista% 4 ob:etivo,

    naturalmente, a su"resso radical da rica tradio do "ensamento crtico, mais uma vez

    bene/iciando a aceitao "assiva e o con/ormismo%

    4 deus da classe mdia, ao !ual ela deve sua e$istIncia, o /undamento meta/sico

    do ca"italismo, o dinheiro% 3os dias !ue vivemos, a (rana e$"erimenta sua "romoo a

    uma es"cie de ivindade =u"rema, (lori/icada em "rosa, verso e uma en$urrada

    incessante de tratados de economia, or(anizaHes econTmicas e seus tem"los m.$imos

    !ue so os bancos% Esse /etiche abstrato, ?o vil metal@, a cul"a materializada da

    6umanidade, se(undo 3orman 4% Bro5n se naturalizou como uma obra de eus ou da

    3atureza F como o cu e o mar, o =ol e a Lua, as montanhas e as .rvores% mera

    e$istIncia do dinheiro, "ortanto, a verdadeira ori(em da alienao, nos termos de Mar$,

    da rei/icao, nos de Luacs, ou da serializao, nos de =artre% Estes trIs conceitos

    descrevem, de di/erentes 9n(ulos, o mesmo /enTmeno m#rbido !ue caracteriza nossa

    vida em comum F o endeusamento do vil metal%

    Mas Baudrillard vai, ho:e, mais lon(e% Ele considera termos como alienao,

    rei/icao e serializao, obsoletos demais "ara indicar o !ue acontece ho:e F e descreve

    nosso mundo em termos de e$crescIncia tecnol#(ica, obscenidade e obesidade

    "roli/erantes e virtualidade desen/reada% Com um humor e um sarcasmo necess.rios

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    J Ge:a s#, com"anheiro, esto /alando de n#s de novo%

    J Eles /in(em !ue se es!uecem de n#s% Mas, de re"ente, so novamente obri(ados

    a lembrar%

    Esse di.lo(o "oderia ser re"etido ho:e, se os dois velhos, ho:e centen.rios, ainda

    estiverem vivos% Mas no necess.rio% Eu era :ovem, estava l. e ouviS ho:e, estou velho,

    mas lembro e re"ito% =omos obri(ados a lembrar de /o/ocas "olticas, de um lado ou de

    outro, no "odero ocultar o #bvio% s atuais mani/estaHes de nossa :uventude rebelde

    so le(timas, lOcidas, e no so "roduto de nenhum ti"o de mani"ulao, mas

    corres"ondem com /idelidade aos sentimentos e ao "ensamento dessa :uventude% =uains"irao nitidamente anar!uista, e, "ortanto, rom9ntica, como /oi a da contracultura

    em minha (erao% Esses meninos de ho:e lutam "ela liberdade, a verdadeira, e no a

    /alsa liberdade das /o/ocas "olticas%

    4s mais velhos, em (eral, no entendem a viso :uvenil% 4 desentendimento

    comea com uma di/erena radical entre visHes do mundo% 4s velhos acham !ue o

    mundo est. acabado, o /uturo ser. necessariamente i(ual ao "resente e ao "assado,

    "rinci"almente no !ue eles tIm de "ior% Para os :ovens, ao contr.rio, o mundo est. "or/azer e "ode ser trans/ormado em sim"lesmente tudo !ue /or necess.rio% "rimeira viso

    se a"resenta como realista, mas "ode ser vista como "ura covardiaS a se(unda viso !uer

    ser ativa e cora:osa, mas "ode ser vista como "ura iluso% Aual sua o"inio, caro leitorU

    i(a e eu adivinho sua idade%

    3o me venham dizer !ue /ao "ro"a(anda da ba(una e da destruio do

    "atrimTnio "Oblico e "rivado% =eria sim"lesmente ridculo% Em "rimeiro lu(ar, no "reciso

    /azer "ro"a(anda de coisa nenhuma% 4s :ovens sabem o !ue !uerem, "or!ue !uerem,"ara !ue !uerem, e o !ue "recisam /azer "ara conse(uir o !ue !uerem% Go se li$ar "ara

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    2*

    a o"inio de um velho de 8* anos, /eito eu% 3a verdade, escrevo "ara minha (erao !ue,

    ali.s, teve uma :uventude de es!uerda, "rinci"almente socialista, e, com a idade e sei l.

    mais o !uI, se bandeou em nOmeros assustadores "ara a direita% Muitos so ou eram ou

    sem"re /oram meus ami(os, mas suas o"iniHes de ho:e, conservadoras, reacion.rias ou

    sim"lesmente /ascistas, me dei$am at meio assustado e enver(onhado%Mas no condeno nin(um% Cada um "ense o !ue !uiser, "ois como dizem os

    americanos, ou diziam, ?this is a /ree countr7@% Mas no consi(o dei$ar de es"ecular

    sobre uma mudana to chocante% Dalvez o res"ons.vel "or recuo to assustado e

    (eneralizado "or "arte de tantos e$Jrebeldes, tenha sido o mero "eso dos anos% idade

    madura considera "rioritariamente o tem"o "rovis#rio e im"lac.vel !ue tem diante de si,

    uma estrutura /echada "ela morte cada vez mais "r#$ima% Ento, a obsesso "ela ordem

    e "or uma su"osta moralidade corres"onde e$"eriIncia crescente da ri(idez e da morte,!ue devem encerrar o ciclo vital num "rocesso considerado ?normal@% Dhanatos triun/a

    sobre Eros%

    Mas esse mundo senil, su/ocado "or toda es"cie de leis e re(ulamentos, deve ser

    are:ado "ela viso :uvenil !ue o seu o"osto e seu antdoto% N uma necessidade social%

    Livre do "assado da in/9ncia e do /uturo da maturidade, o tem"o do :ovem a eternidade

    e seu "rinci"al sentimento, a conse!uente con/iana absoluta no /uturo mais livre !ue ele

    vai construir% a"arente insensatez, !ue a"avora os coroas, , "ortanto, e$atamente o

    antdoto !ue renova a vida, a revanche de Eros% s "e!uenas destruiHes "raticadas "or

    membros dos +lac. +locs, ou dosAnon%mous, ou !ual!uer outro (ru"o, "or e$em"lo, no

    tem im"ort9ncia diante da saOde !ue eles trazem "ara o "r#"rio es"rito da sociedade

    vi(ente% E os "rinc"ios anar!uistas, cu:o /undamento a "ai$o "ela liberdade, tem tudo

    a ver com isso%

    O ?+)*'+)$! (' (%+%$'

    5tre droite, c6est avoir peur pour ce qui existe.

    Jules Romain

    Este e o texto seguinte foram escritos quando Bush ainda era Presidente dos Estados Unidos.

    Eu os mantive na forma original porque acredito que descrevem contingncias daquele pa#s

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    2

    que permanecem vigentes, apesar de Barack Obama e das poss#veis modifica@es que ele

    anunciou mais do que realizou. Al;m disso, achei apropriado manter este texto neste

    volume porque o pensamento de direita esthoje em grande moda no Brasil,

    principalmente em fun@o do patroc#nio ostensivo da grande m#dia.

    Em 1-**, em "lena uerra ria, =imone de Beauvoir "ublicou no seu livro

    7ri!il8ges, um ensaio intitulado )a 7ense de Droite, Aujourd6$ui, em !ue "rocura traar

    a evoluo do "ensamento da direita, desde seus /undamentos nas inter"retaHes da

    6ist#ria de 4s5ald ="en(ler e rnold Do7nbee, at os direitistas /ranceses da "oca%

    s an.lises de Beauvoir "odem ser sintetizadas em al(umas caractersticas

    /undamentais% "rimeira delas era um "essimismo !ue contrastava com o otimismo !ue

    marcou a ascenso das classes mdias% ="en(ler, "ara comeo de conversa, anuncia a

    morte da cultura ocidental% 6. nele uma viso catastr#/ica da hist#ria !ue vem de

    3ietzsche% civilizao ocidental descobre !ue ela mortal% Mas acredita !ue ela

    "oder. sobreviver "or meio de uma /orma contem"or9nea de cesarismo% 3o deu outra%

    4 "ensamento da direita rea(e "r#"ria "aranoia em termos de um novo

    cesarismo totalit.rio% N "reciso en/rentar a ameaa desi(nando um inimi(o res"ons.vel e

    se dedicar a destruJlo% 3os anos cin!uenta, esse inimi(o era claro F o comunismo,

    materializado na ;nio =ovitica% 4 "rinci"al su"osto da /iloso/ia da direita a

    desi(ualdadeS lo(o, o "ro:eto da i(ualdade considerado "atol#(ico, contr.rio natureza

    humana F e o !ue esse "ro:eto "romete um verdadeiro a"ocali"se% ?4 mar$ismo !uer

    minha morte@, dizia Dhierr7 Maulnier%

    Como era "ossvel, ento, !ue al(uns seres humanos /ossem de es!uerdaU

    l(uns, como rthur Koestler, tinham e$"licaHes /isiol#(icas> o "roblema era uma

    ?/adi(a de sina"se@, um en/ra!uecimento das cone$Hes entre as clulas do crebro dos

    es!uerdistas, coitados% Mas a e$"licao mais comum era "sicol#(ica> a ori(em da

    es!uerda a /rustrao, "or no deter o "oder, e o ressentimento, con/orme Ma$ =cheler"roclamou e, de"ois, Ra7mond ron e Monnerot re"etiram%

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    inda ho:e, dizem !ue o antiamericanismo !ue se es"alha "or !uase todos os

    "ases do mundo resultado da inve:a% =e(undo Monnerot, no "r#"rio ttulo de seu livro,

    o comunismo O 9sl3 do Sculo ::S atualmente, numa sim"les reverso, "oderJseJia

    dizer !ue o islamismo o comunismo do sculo YY0% mbos e$"ressam um mal

    meta/sico% 0n/orma Beauvoir !ue, "ara Paul Claudel, "or e$em"lo, condenar a

    e$"lorao do homem "elo homem tolice "or!ue o homem ?"ede@ "ara ser e$"lorado%

    3o basta, "ortanto, se(undo Claudel, de/ender a ordem estabelecidaS ele sustenta !ue

    ela merece o a"oio divino, nada menos% Beauvoir conclui !ue al(um ti"o de mstica

    necess.rio "ara a direita F e o "r#"rio eus invocado "ara sancionar seus ob:etivos,

    como eor(e Bush sem"re (ostou de /azer%

    inalmente, nossa autora menciona um "ersona(em /undamental> 'ames

    Burnham% e !uem se trataU ?Ele americano> ele !uer !ue a mrica domine o mundo@

    F ela resume, :. em 1-**%

    =im, 'ames Burnham /oi o ide#lo(o !ue abriu o caminho "ara a doutrina da

    he(emonia americana absoluta dos atuais neoconservadores% oi ele !ue e$i(iu umaestrat(ia mais a(ressiva contra a ;nio =ovitica !ue deveria substituir a de conteno

    dtenteQ !ue era a "oltica o/icial dos Estados ;nidos% Ele a chamou de li(erationS seu

    ob:etivo> no mais a "az, mas a vit#ria% 4s atuais direitistas americanos atribuem a essa

    estrat(ia, "reconizada "or Burnham, o cola"so da ;nio =ovitica e o /im da uerra

    ria%

    Burnham era, na :uventude, um intelectual de es!uerda, um comunista mesmo, de

    tendIncia trotsista !ue, "ortanto, se o"unha ;nio =ovitica stalinista% Ele colaborava

    na 7artisan 1e!ie;, era ami(o de =idne7 6oo e, em 1-

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    2+

    4 livro se(uinte de Burnham,

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    2-

    eor(e Kennan, '%Robert 4""enheimer e Linus Paulin( "or a:udar os comunistas% Em

    suma> tornaJse, ento, um radical de direita F um ti"o !ue se denuncia !uando,

    inteiramente "aranoico, comea a descobrir comunistas debai$o da "r#"ria cama%

    4 medo abriu os olhos de Burnham "ara o /uturo% Ele, inclusive, "reviu a ascenso

    de um "oder im"erial, nos Estados ;nidos, !ue viria rom"er o delicado e!uilbrio

    constitucional do "as, estabelecido "elos chamados -ounding -at$ers, num livro ousado,

    0ongress and t$e American

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    &)

    sua "osio he(emTnica absoluta do "laneta% ssim, Bush recusouJse a assinar o

    Dratado de Kioto e abandonou o Dratado de Msseis ntibalsticos, entre outras

    demonstraHes de arro(9ncia% 4s neoconservadores acreditam !ue os Estados ;nidos

    devem resolver os "roblemas internacionais "ela /ora das armas% ssim Bush solicitou e

    conse(uiu um aumento "ara as /oras armadas F e continua a "edir mais dinheiro "araos custos militares% 4 !ue, claro, a(rada ao Pent.(ono%

    3aturalmente, no /ossem eles "ensadores da direita, os neoconservadores

    alimentam seu ti"o "r#"rio de "aranoia e a disseminam no "ovo americano% 'ames

    Burnham tinha medo dos comunistas% Por causa de sua teoria, ou no, a uerra ria, a

    ;nio =ovitica e, naturalmente, a cons"irao comunista acabaram% Mas como o

    "ensamento da direita "recisa de al(um ti"o de "aranoia, ele iniciou a moda das teorias

    de cons"irao% 4s descendentes de Burnham "recisavam, "ortanto, de uma nova

    ameaa F e a descobriram> o terrorismo% '. se observou !ue, "ara tornar vi.veis os

    audaciosos ob:etivos de domnio total do "laneta, dos neoconservadores, se no tivesse

    acontecido o ?on2e de setem(ro@, seria "reciso invent.Jlo% raas a ele, declararam

    ?(uerra ao terrorismo@, su"rimiram as liberdades democr.ticas no interior dos Estados

    ;nidos e atacaram o /e(anisto e o 0ra!ue sem considerao s 3aHes ;nidas% E com

    o a"oio "o"ularW 4 "ensamento da direita sem"re se alimenta basicamente do medo% "aranoia atin(iu, nos Estados ;nidos, nveis inima(in.veis, "rinci"almente num "as to

    "oderoso, (raas ao deliberada do (overno% Doda semana, o B0 anuncia o "eri(o de

    ata!ues terroristas, o alerta laran:a aceso e o "as inteiro submetido a um intenso

    "oliciamento% Embora, alm do misterioso ?on2e de setem(ro@, nunca mais tenha ocorrido

    nadaW Dudo se "assa como se o atentado s torres (Imeas tivesse sido um ardil

    incon/ess.vel "ara criar as condiHes necess.rias "ara a realizao dos ob:etivos dos

    neoconservadores% 3o admira !ue, num "as dominado "or uma "aranoia a(uda,setenta "or cento da "o"ulao a"oiem Bush e a sua (uerra%

    =e(undo a "si!uiatria, h. um ti"o de "aranoia, o delrio de inter"retao, !ue se

    caracteriza "ela alterao do si(ni/icado da realidade% 4 "aranoico a ada"ta aos seus

    "r#"rios dese:os e emoHesS "ara :usti/icar seu medo, descobre em indcios /ortuitos e

    va(os um ?sentido claro@% Por outro lado, tal ti"o de "aranoia ainda se caracteriza "ela

    conservao da clareza mental e, em termos "si!ui.tricos, "ela ?ausIncia de "re:uzo

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    &1

    demencial@, o !ue lhe con/ere uma a"arIncia de normalidade% Essa descrio clnica se

    a"lica como uma luva em Bush e seu (ru"o de /alcHes%

    A ?+&!)%@! (+ 7-*B

    Em !ue medida "odeJse "rever o /uturo e tomar as "rovidIncias necess.riasU

    Para o "residente Bush, a"arentemente sem"re% =ua "oltica em relao ao 0ra!ue, "or

    e$em"lo, su"He !ue "odemos saber, "elo menos, tudo o !ue /or necess.rio "ara

    tomarmos "rovidIncias enr(icas% s decisHes delas /undamentamJse, "ortanto, sobre o

    su"osto da "ossibilidade de conhecimento /uturo, ou "reco(nio% =addam 6ussein tem

    armas de destruio em massa e vai us.Jlas ine$oravelmente, esse su"osto no admite

    discussoS "ortanto, =addam 6ussein deve ser imediatamente atacado, antes !ue /aa

    al(uma coisa%

    Dal "osio envolve lo(icamente a ca"acidade de "rever o /uturo, como sem"re

    /izeram os "ro/etas e adivinhos% viso "ro/tica imediata, intuitiva, natural, aocontr.rio da arte da adivinhao cu:as "revisHes de"endem da inter"retao de

    "ress.(ios e smbolos% Mas ambas visam mesma coisa> a su"resso do ines"erado, da

    sur"resa, e o domnio sobre o "orvir% Muitas "ro/ecias so enunciadas em smbolosS e

    todas as chamadas ciIncias, ou artes, divinat#rias servemJse do mesmo elemento> as

    /i(uras do

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    &2

    4 autor da hist#ria ori(inal, Phili" K% ic um dos escritores mais /ascinantes do

    (Inero liter.rio a !ue se dedicou F a "o"ular /ico cient/ica% o contr.rio de outros

    cole(as, sua literatura conse(ue ser boa sem ultra"assar os limites do (Inero% N um caso

    raro% Ra7 Bradbur7, "or e$em"lo, um autor e$ce"cionalS mas, se(undo muitos crticos,

    um /iccionista cu:a arte no "ode ser limitada ao sciJ/i, seu !ooliter.rio mais alto% 3o o caso de ic% Ele um autor t"ico do (Inero e sua "roduo volumosa, como de

    todo /iccionista "o"ular%

    Mas, na verdade, ic um escritor srio, um intelectual inteli(ente% az a

    chamada /ico cient/ica es"eculativa, na !ual a "r#"ria natureza da realidade "osta

    em !uesto, "or meio de eni(mas como este, sobre o tem"o, "rinci"almente a su"osta

    indeterminao /le$vel do /uturo e a determinao inalter.vel do "assado%

    =eus livros ilustram a tese% s anteci"aHes nas hist#rias de ic so to

    'requentes!ue, "ara certos crticos, ele "r#"rio um &recog, um "reco(nitivo% 4 escritor

    declara !ue no sabe se mesmo, mas admite !ue muitos eventos ima(inados "or ele,

    "ara os livros, de"ois acontecem em sua vida real mais ou menos da mesma maneira% 4

    e$em"lo cl.ssico a obra Os

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    &&

    tem"o no real, como saber o !ue o /uturoU@ s duas "rinci"ais conce"Hes se

    e$cluem% Para uns, o /uturo est. "redeterminado e no "ode ser mudadoS "ara outros,

    "elo contr.rio, indeterminao "ura%

    "rimeira conce"o, "ara a !ual a /ora do destino absoluta, est. bastante

    arrai(ada em nosso inconsciente coletivo e /oi herdada dos (re(os% Para eles, na "oca

    .urea da cultura helInica, o /uturo est. determinado de maneira ine$or.vel, meta/sica e

    inalter.vel% 4s or.culos, "or isso, sem"re acertam%

    N curioso observar !ue, na medida em !ue o tem"o F e, "ortanto, o /uturo J

    ri(idamente determinado, ele vira um ob:eto F e, "ortanto, "oder. ser considerado ob:etodo conhecimento cient/ico% ssim, a viso de um /uturo ine$or.vel, /atal, "arece a muitos

    ter uma conotao de ti"o mais ?cient/ico@ em contraste com a indiscriminao mais ou

    menos (ratuita da viso o"osta, a libert.ria%

    4 "ensamento do 4riente e as artes m.(icas de toda a "arte no so to r(idos

    !uanto viso (re(a% noo hindusta de arma, "or e$em"lo, no e$clui a

    "ossibilidade de mudana no destino, visto como uma correlao de /oras ativas e no

    como um decreto de/initivo de uma obscura inst9ncia su"erior% N verdade !ue o

    "ensamento m.(ico, a e$em"lo da viso oracular, tambm aceita a "ossibilidade da

    "reviso, o !ue si(ni/ica !ue tambm "ara ele, de certa /orma, o /uturo :. e$iste% Mas, ao

    contr.rio do !ue acontece na viso oracular, cient/ica, h. tambm a "ossibilidade da

    mudana%

    Essa abertura "ara a escolha humana "ode ser radicalizada% 3o e$tremo o"osto

    da determinao in/le$vel est. a "ura indeterminao "ercebida "or doutrinas libert.rias

    como a /iloso/ia e$istencialista% Dudo, "ara =artre, "or e$em"lo, de"ende totalmente de

    nossas escolhas livres%

    Leitor de 'un(, ic acabou se interessando "elo 90$ing% Escreveu um romance

    (uiado "or suas consultas do or.culo chinIsS trataJse de O /omem do 0astelo Alto1-2Q, "ara muitos o seu melhor livro% hist#ria se "assa num universo "aralelo no !ual

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    & "ro/essor de 7o(a, de meditao,

    tera"eutas alternativos, entre outros% 4s "ro/essores de universidade !ue eu "rocurei no

    !ueriam de :eito nenhum% ?Aue hist#ria essa de semin.rio "ara /alar de /iloso/ia

    orientalU 0sso no e$iste% 3o e$iste !uesto nenhuma !ue os orientais tenham "ensado

    !ue a /iloso/ia ocidental no tenha "ensado melhor, mais "ro/undamente e

    com"letamente%@

    Mas n#s !ue vivenciamos a contracultura, admiramos o "ensamento oriental% 4

    taosmo, "or e$em"lo, trata da es"ontaneidade% 6o:e se /ala muito em tica e moral, mas

    Lao Dse revela !ue estas so resultados da decadIncia da sociedade e do es"rito% iz

    ele !ue, numa sociedade saud.vel, no "reciso ter a tica e a moral, "or!ue todas as

    "essoas se com"ortam es"ontaneamente de /orma correta de acordo com esses

    "rinc"ios% Eu no mato nin(um, no roubo nin(um, no /ao sacana(em com

    nin(um% minha consciIncia no com"orta essas aHes% 0sso de"ende sim"lesmente

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    *&

    da es"ontaneidade, da naturalidade, de viver a e$"eriIncia imediata% =em as mediaHes

    ca"ciosas e mali(nas do "ensamento%

    Como nos ensina a verdadeira reli(io, o demTnio e advers.rio o nosso "r#"rio

    "ensamento% N ele !ue nos induz ao mal% =e vocI controlar o "ensamento atravs de7o(a, meditao, um "ou!uinho de macrobi#tica, talvez um alucino(enozinho de vez em

    !uando%%% 0sso tudo te coloca "ara cima, mas a deciso /inal "ela con!uista da "r#"ria

    es"ontaneidade /ica "or conta da /ora da sua vontade%

    Em suma> vocI no "recisa de normas re"ressivas de nenhuma es"cie, se vocI

    vive naturalmente, es"ontaneamente, de acordo com a vontade de eus% Ento no

    "recisa dessa merda toda !ue inventaram%

    A"+%*$+ C!8"+:

    Ed5ard le$ander Cro5le7 nasceu em Leamin(ton, Varsicshire, 0n(laterra, a 12

    de outubro de 1+8*% N considerado um dos maiores ma(os da era moderna e /oi

    retratado "elo escritor =omerset Mau(ham no seu romance O "ago ?Esse menino a besta do "ocali"se%%%W@

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    *

    E o $omem deseja a mul$er

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    *8

    Podemos acrescentar !ue o homem e a mulher sem"re "rocuraram dar e /luirQ

    e$"resso liter.ria ao seu dese:o mOtuo, to naturalmente !uanto "rocuram satis/azer

    esse dese:o% 4 1ig Geda ou o bblico 0Hntico dos 0Hnticosmostram !ue o erotismo

    "arece ter nascido, na literatura, com a "r#"ria necessidade de e$"resso atravs da

    "alavra artstica% 4 con:unto de te$tos "reservados desde a anti(uidade mais remota, no4riente e no 4cidente, su/iciente "ara /ormar uma substanciosa biblioteca erotol#(ica%

    N a transcendIncia da carne !ue est. em :o(o na rica tradio er#tica da literatura

    da nti(uidade, desde a cultura e("cia at o 0m"rio romano% ois "es!uisadores so

    res"ons.veis "elo invent.rio dessa literatura% riedrich Cael ober( escreveu, no sculo

    "assado, um "anual de Erotologia 0lIssica1-2+Q !ue Eduard uchs, em "rinc"ios de

    nosso sculo, com"letou com uma /ist4ria da Arte Er4tica@ =o dois volumesim"ortantes%

    =e(undo ober(, a literatura er#tica da nti(uidade en/atiza a !uesto das

    "osiHes "ara a realizao do ato se$ual% azer amor era, "ara os anti(os, uma arte cu:a

    tcnica devia ser dominada atravs de um sistema or(anizado% ober( or(anizou uma

    lista total de noventa "osiHes, talvez a mais com"leta :. /eita% Ela com"reende todas as

    variaHes inventadas na nti(uidade Cl.ssica, na 0dade Mdia e na Renascena% N bem

    verdade !ue, de"ois da 8a"osio, ober( e$tra"ola os limites da c#"ula entre um casal

    "ara enumerar outras !ue re!uerem o concurso de um animal ou de mais de dois

    "arceiros humanos% Mas todas eram consideradas situaHes er#ticas "er/eitamente

    realiz.veis, "or nossos ante"assados%

    "reocu"ao com as "osiHes era comum do 4riente ao 4cidente, como "rovam

    dois livros e$tremamente "o"ulares, ainda em nossos dias>A Arte de Amar, do romano

    4vidio, e o JamaSutra, do indiano Gatz7a7ana%

    4vidio recomenda>

    Aquela cuja &erna ju!enil, o torso sem de'eito

    Deitese sem&re de costas so(re o leito@

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    *+

    Por outro lado>

    Que a&erte o co(ertor com os joel$os e do(re um &ouco a nuca

    A que tem de (elo a lin$a de seu 'lanco@

    4 KamaJ=utra, se(undo Mul Ra: nand, a codi/icao do trabalho de doze

    "redecessores de Gatz7a7ana !ue tambm escreveram manuais sobre se$o% Para eles, o

    se$o tem um sentido reli(ioso, o smbolo da beatitude su"rema e um dos meios !ue a

    ela conduz% 4 livro estabelece uma es"cie de "sicolo(ia da educao er#tica, catalo(a

    as /ormas de bei:os e am"le$os, d. conselhos "r.ticos>

    Se um $omem !? o marido de uma mul$er que ele deseja ir a algum lugar, ent3o a ocasi3o

    se l$e a&resenta 'a!orI!el@ "as um $omem sensato, que se &reocu&a com sua re&uta3o,

    n3o irI sedu2ir uma mul$er medrosa, tmida, e#cessi!amente !igiada ou que !i!a com o

    sogro e a sogra, &ois estes !eem mais longe do que o marido@

    literatura criou cl.ssicos imortais na nti(uidade% =e(undo a tradio, o "oema

    mais belo da 0ndia a S$a.untala, de Kalidasa, a hist#ria de uma belssima "rincesa% O

    )i!ro das "il e Uma =oites, o cl.ssico .rabe, tem uma viso er#tica !ue, se(undo o

    es"ecialista Lo uca, ? uma das mais com"letas !ue !ual!uer civilizao :. concebeu@%

    3a rcia, Plato em seu O +anquete celebra o erotismo alm dos limites da

    heterosse$ualidade% rist#/anes le(a ao /uturo comdias de e$trema licenciosidade% s

    "eas de s.tiros, escritas "or Ns!uilo, =#/ocles e rist#teles, como com"lementos desuas tra(dias, tambm eram e$tremamente livres em matria se$ual% ;ma das lendas

    mais "o"ulares entre os (re(os era a de !ue, certa noite, 6rcules teria mantido relaHes

    se$uais satis/at#rias com

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    *-

    recesso de al(uns mosteiros, encarre(aramJse de "reservar as obras cl.ssicas, a"esar

    de o/icialmente condenadas% Renascena assistiu uma vi(orosa revalorizao da

    se$ualidade, em Bocaccio e retino% Entre outras obras menos conhecidas, destacaJseA

    9n'initude do Amor!ue, em nosso sculo, mereceu uma traduo de Kean7aul Sartre%

    4 lar(o "erodo hist#rico !ue se se(uiu ascenso das classes mdias,

    dominado, em termos de literatura er#tica, "or um (i(ante anteci"ador, o Mar!uIs de

    =ade, e uma /i(ura menor, mas im"ortante, Leo"oldo von =acherJMasoch, cu:os nomes

    deram ori(em aos termos sadismo e maso!uismo%

    Muito antes de reud, a obra de =ade de/ine o ser humano "ela busca do "razer%

    lm disso, anteci"ando a descoberta /reudiana de Dhanatos, o "rinc"io da morte, =ade:. estabelece a relao estreita entre o "rinc"io do "razer e o so/rimento /sico, esse

    "rimeiro ensaio de destruio da vida% s descobertas de =ade seriam com"letadas "or

    Masoch, !ue a"ontou a maneira "ela !ual o instinto de destruio "ode ser diri(ido

    contra a "r#"ria "essoa, no desenvolvimento da relao er#tica% Com e/eito, toda a

    investi(ao clnica "osterior a reud demonstrou !ue o sadismo e o maso!uismo so os

    dois e$tremos correlatos a !ue tende todo dese:o se$ual% Constituem mesmo os "olos

    essenciais de toda vida er#tica, atin(idos claramente em suas /ormas "atol#(icas%

    4 modo de autossublimao da se$ualidade, t"ico da literatura er#tica, ca"az de

    iluminar, de trazer ao nvel da consciIncia e do domnio da razo, as realidades mais

    ocultas e secretas de nossa vida instintiva% 4 e$erccio e a divul(ao da literatura er#tica

    a"arecem, assim, como um instrumento de "romoo de saOde social% N ine(.vel o e/eito

    salutar da literatura de autores como % 6% La5rence e 6enr7 Miller%

    Em

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    )

    La5rence, Miller e outros escritores so a"ontados como "arcialmente

    res"ons.veis "elo !ue obtivemos, nas Oltimas dcadas, em matria de desmisti/icao

    do se$o e maior liberdade se$ual% Miller vai alm dos mais avanados de/ensores do

    amor livre% Precisamos de se$o livre "or!ue "recisamos de amor F dizem estes%Precisamos de se$o livre sim"lesmente "or!ue "recisamos de se$o F a/irma Miller% 4

    se$o no uma e$"resso do amor !ue deveria vir acom"anhada "or ele% 4 se$o :.

    amor e s# dei$a de sIJlo !uando se acredita !ue se "ossa /azIJlo sem estar

    im"licitamente amando% Por isso, "ara Miller, s# h. um mal maior do !ue a ausIncia de

    amor no se$o, !ue sim"lesmente a "ura ausIncia de se$o%

    Mesmo de"ois de vitoriosa a revoluo se$ual como acreditam Miller e muitos den#s, seus livros "ermanecem na van(uarda de uma batalha mais "ro/unda, sustentada

    "or todos a!ueles !ue de/endem o instinto contra as instituiHes emasculadoras de nossa

    civilizao% Para Miller e outros escritores !ue o se(uem, neste "articular, como 3orman

    Mailer, "or e$em"lo, s# seremos inte(ralmente humanos !uando /ormos inte(ralmente

    solid.rios com o animal !ue h. em cada um de n#s%

    Mas h. di/erenas entre esses autores% Miller tem uma viso realista do se$o>

    "odeJse dizer, "or outro lado, !ue La5rence tem uma viso rom9ntica% Mas o realismo de

    Miller "arado$almente mstico en!uanto o romantismo de La5rence !ue avalia,

    hierar!uiza, :ul(a% Eles se com"letam, de certa maneira% Dalvez "or isso, Mailer tenha

    declarado, numa entrevista, !ue (ostaria, como romancista, de /azer al(uma coisa entre

    % 6% La5rence e 6enr7 Miller% 3o /undo, Mailer "arece "retender ultra"assar a ambos,

    com uma viso mais (lobal do /enTmeno do se$o, aceitandoJlhe a realidade "lena como

    Miller, mas dandoJlhe tambm "eso e medida, como La5rence%

    =e(undo os erot#lo(os modernos, o erotismo a es"iritualizao da carne e sua

    converso em cultura% 0sso distin(ue a literatura er#tica da "orno(ra/ia vul(ar% 3o

    meramente obsceno, a carne "ermanece tristemente encerrada em sua imanInciaS a

    "orno(ra/ia o si(no ob:etivo do /racasso em transcender essa imanIncia% o contr.rio,

    a transcendIncia a dimenso natural da literatura er#tica% Etimolo(icamente, a "alavra

    erotismo deriva de Eros, o deus do amorS "orno(ra/ia deriva da "alavra &orno, !ue

    desi(na a "rostituta% =o realidades !ualitativamente diversas% Erotismo e "orno(ra/ia

    no devem ser con/undidos%

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    A R+!"-@! S+-'"

    Auem ainda no sabe, /i!ue sabendo> :. /ui condenado a dois anos de "riso "elo

    chamado "oder :udici.rio brasileiro e s# esca"ei de ver o sol nascer !uadrado devido a

    uma circunst9ncia "rovidencial% Motivo> se$o% 3o, (alera% 3o estu"rei nin(um e

    tambm no cometi nenhum atentado ao "udor "or "r.tica e$ibicionista% "enas,

    se(undo as autoridades "oliciais !ue me denunciaram e o ma(istrado !ue me :ul(ou e

    condenou, in/rin(i a Lei de 0m"rensa com um atentado moral e aos bons costumes%

    Como !ue aconteceu uma coisa dessasU '. conto%

    oi, naturalmente, nos tem"os :ur.ssicos dos incios dos anos setenta% 6o:e em

    dia, em !ue a (andaia est. solta e o/icializada, uma coisa dessas no "oderia acontecer%

    Mas na!uela saudosa idade das trevas, no era de se estranhar muito% ProvidIncias

    indi(nadas "ara evitar o cataclismo moral !ue ameaava a santa /amlia brasileira e !ue

    o Brasil se tornasse uma nova =odoma e omorra eram tomadas a toda hora% Como se

    sabe, o es/oro /oi vo> a 6ist#ria mostrou !ue o cataclismo moral realmente se abateu

    sobre a /amlia brasileira e o "as se tornou a nova =odoma e omorra, con/orme

    observamos atualmente% Mas, na!uele tem"o, ainda se lutava "ela santi/icao do "as

    de todas as maneiras, "rinci"almente atravs da censura estO"ida, de "risHes arbitr.rias,

    tortura e desa"arecimentos criminosos, uma hist#ria ver(onhosa, em suma, !ue nin(um

    conta inteiramente e muito menos a"lica as sanHes cabveis con/orme os "rinc"ios da

    nossa "retensa civilizao "or!ue, como a!ueles !ue deveriam ser os res"ons.veis "elo

    res(ate da honra nacional /azem sem"re !uesto de lembrar, anistia si(ni/ica

    es!uecimento% Ento t. bom% Es!uecemos todos e /ica tudo "or isso mesmo%

    e minha "arte, reconheo humildemente !ue tentei es!uecer, mas no conse(ui,

    de todo% 3o es!ueci, "or e$em"lo, como /ui "arar nas barras dos tribunais e estive

    beira de ver meu "obre nome lanado no rol dos cul"ados, !ue como os (uardiHes da

    su"osta :ustia se re/erem aos des(raados !ue tIm a in/elicidade de cair em suas

    (arras%

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    Dudo comeou !uando al(uns moralistas do re(ime ditatorial de ento resolveram

    im"licar, no comi(o, mas com o 'T =oares% 3osso !uerido (ordo havia escrito uma

    crTnica naturalmente humorstica "ara O 7asquim cu:o ttulo era A 0ama, m#vel cu:a

    se(unda utilidade o/erecer con/orto ao sono das "essoas "osto !ue a "rimeira essa

    mesma !ue vocIs esto "ensando% s autoridades moralistas se declararamescandalizadas e "rovavelmente "or!ue !ueriam sacanear o 'T "or al(um motivo

    obscuro, "ois tais arbitrariedades no costumam acontecer sem motivaHes ocultas,

    resolveram "rocess.Jlo, en!uadrandoJo na Lei de 0m"rensa "or atentado moral e aos

    bons costumes% RidculoU Pois % Mas dava dor de cabea, como veremos em se(uida%

    oi aberto um in!urito "olicial do !ual a dele(acia da Rua Mem de =., na La"a,

    no centro do Rio de 'aneiro, /oi encarre(ada% 4 dele(ado intimou o 'T "ara "restardeclaraHes e, "ara /azer um servio com"leto, con/orme o manual intimou tambm

    outros colaboradores /i$os do 7asquimcomo testemunhas% ;m desses inocentes !ue

    no tinha nada a ver com as su"ostas obscenidades "raticadas "elo 'T era este criado

    !ue vos escreve% 3o meio de uma doce semana carioca, uma !uintaJ/eira se no me

    en(ano, numa tarde de sol, tive de sair da "raia mais cedo "ara ir La"a%

    4 dele(ado me recebeu atr.s de sua mesa, mandou !ue eu sentasse diante dele,

    me olhou como se eu tambm /osse um criminoso e comeou a "er(untar% 4 !ue ele

    !ueria saber era se eu achava o arti(o do 'T imoral% Percebi imediatamente !ue seria

    melhor res"onder !ue achava sim, !ue era um absurdo "ublicar uma coisa da!uelas num

    :ornal !ue "ode entrar na casa das /amlias e ser lido "or :ovens em "erodo de /ormao

    e tal% 4 dele(ado "rovavelmente sim"atizaria lo(o comi(o e "oderia concluir !ue eu era,

    a/inal de contas, um bom ra"az "erdido no meio dos "ervertidos do 7asquim% Mas achei

    !ue seria covardia demais, no se "ode abai$ar a cabea "ara a o"resso o tem"o todo%

    =enti !ue tinha de manter a "r#"ria di(nidade, "elo menos uma vez na vida, e res"ondi

    com toda sinceridade>

    J 3o, no acho% matria do 'T uma brincadeira en(raada e moralmente

    ino/ensiva%

    J Auer dizer !ue o senhor no vI nada de errado nelaU

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    &

    J bsolutamente nada% 4 !ue h. de errado este in!urito% 3o ve:o o menor

    motivo "ara !ue o 'T se:a "rocessado%

    J Com"reendo% Auer dizer !ue o senhor, "or e$em"lo, assinaria a!uele arti(oU

    J Claro% Por !ue noU

    cara do dele(ado era ostensivamente de "oucos ami(os% =enti a vibrao%

    autoridade tinha a certeza de !ue estava diante de um elemento nocivo sociedade, s#

    /altava a con/irmao% Aue veio de uma maneira sur"reendente% Ele reme$eu em seus

    "a"is e achou um recorte do 7asquimcom uma entrevista com Dom 'obim%

    J 4 senhor leu a entrevista do Dom 'obim "ara O 7asquimU

    J Claro, eu "artici"ei dessa entrevista%

    J 4 Dom 'obim diz a!ui !ue h. racismo no Brasil%

    J =im%

    J 4 senhor concorda com essa declaraoU

    J Claro% 0ma(ina se no h. racismo no Brasil, evidente !ue%%%

    4 dele(ado me cortou abru"tamente a "alavra%

    JN o bastante% 4 de"oimento est. encerrado% Pode ir%

    J4bri(ado% t lo(o, dele(ado%

    J Passar bem%

    =a com a sensao de !ue havia dei$ado no homem da lei a convico de !ue eu

    no "assava de um subversivo% sensao era correta% ;mas duas semanas de"ois, sou:udicialmente noti/icado de !ue estava sendo "rocessado "ela Lei de 0m"rensa "or ter

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    !uando se

    vive no mundo civilizado mas no se "ode des/rutar nada do nctar cultural desse

    mundo "or!ue os "arado$os sobre os !uais a civilizao est. construda e$i(em !ue se

    conserve um /undo de material humano alienado e sem cultura "ara ser e$"lorado, entoa l#(ica de se tornar um mar(inal se$ual se as suas razes "sicol#(icas esto "lantadas

    nesse /undoQ !ue assim se tem, "elo menos, uma o"ortunidade de ser /_sicamente

    saud.vel en!uanto se estiver vivo%

    Como crianas, os $i&stersesto bri(ando "elo doce, e sua lin(ua(em um :o(o

    de indicaHes sutis de seu sucesso ou /racasso na com"etio "elo "razer% 6. um senso

    social t.cito, mas #bvio de !ue no h. doce su/iciente "ara todo mundo% Portanto, o doce

    vai a"enas "ara o vitorioso, o melhor, o m.$imo, o homem !ue souber mais como

    encontrar sua ener(ia e no "erdIJla% In/ase na ener(ia "or!ue o "sico"ata e o

    $i&sterno so nada sem ela, "ois eles no tIm a "roteo de uma "osio ou de uma

    classe de !ue "ossam de"ender !uando tiverem ido alm de si mesmos% Portanto a

    lin(ua(em /i& a lin(ua(em da ener(ia, de como encontrada e "erdida%

    Estar com a ener(ia ter a (raa, /icar "r#$imo dos se(redos dessa vida interior,

    inconsciente, !ue h. de nutriJlo se vocI a escutar, "ois vocI estar. ento mais "r#$imo

    da!uele eus !ue todo $i&ster acredita estar localizado nos sentidos do cor"o, ludibriado,

    mutilado e, contudo, me(alomanaco !ue 9sto, a ener(ia, a vida, o se$o, a /ora, o "rana

    do 0o(a, o or(one de Reich, o ?san(ue@ de La5rence, o ?bom@de 6emin(5a7, a /ora vital

    de =ha5S ?0sso@S eusS no o das i(re:as mas o sussurro inalcan.vel do mistrio no se$o,

    o "araso da ener(ia e da "erce"o sem limites alm da "r#$ima onda do "r#$imo

    or(asmo%

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    +

    N!') M'%"+ B!>+

    3o seu livro 7residential 7a&ers 1-&Q, 3orman Mailer conta uma entrevista !ue

    concedeu ao :ornalista Paul Krassner% Re"roduzo o !ue se(ue de mem#ria "or!ue no

    tenho o livro a!ui, nesse momento% 3o meio do "a"o, o :ornalista lembrou !ue, numa

    re"orta(em, contou !ue esteve em Cuba e, certa noite, uma "rostituta cubana !ue lhe

    /azia 'ellatiolevantou a cabea e "er(untouJlhe se ele ?era comunista@%

    J Li sua re"orta(em F res"ondeu Mailer% F E lembro "articulamente desse trecho

    "or!ue /i!uei chocadoW

    J 3o acreditoW F e$clamou o :ornalista% F Lo(o vocI !ue :. escreveu al(umas das

    mais cruas e detalhadas cenas de se$o da literatura americana, /icou chocado "ela

    meno a uma cena to corri!ueiraUW 3o "ossvelW

    J N verdade% i!uei sim% 3o muito chocado, mas /i!uei%

    J 0ncrvelWWW Chocado "or to "oucoW =er. !ue vocI sabe "or !uIU

    J cho !ue /oi "or!ue vocI em"re(ou uma "alavra do latim, 'ellatio% =im, /oi isso

    !ue me chocou%%%

    J GocI /icou chocado com uma e$"resso em latimU

    J oi% oi a e$"resso latina, o eu/emismo% cho !ue vocI devia ter escrito> ?ela

    estava chu"ando meu "au !uando levantou a cabea e "er(untou se eu era

    comunista%%%@ E esta a minha o"inio como escritor "ro/issionalW

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    -

    3orman Mailer sem"re /oi um rebelde "or vocao e amou outros rebeldes como

    ele, "ois sentia !ue s# essa raa rom9ntica e seduzida "elo sacri/cio "oderia mudar o

    mundo "ara melhor% N um escritor "artici"ante e ori(inal, !ualidades !ue o valorizaram

    muito h. al(uns anos, embora no este:am sendo muito "resti(iadas no momento atual%

    "artici"ao social do escritor est. bem /ora de moda e a ori(inalidade, ho:e, se resumeaos as"ectos mais su"er/iciais da arte liter.ria%

    =e(undo os chineses, Mailer do si(no do Co% E se(undo Dheodora Lau,

    es"ecialista no assunto, ?o nativo deste si(no ser. amado "or seu ardente carisma e "or

    sua not.vel ca"acidade de "enetrao na natureza humana@S ele tem tambm ?um

    "ro/undo senso de lealdade@ e ?"ai$o "ela :ustia e "elo :o(o lim"o@S e ainda ?vi(oroso,

    atraente e se#a&&eal@% inda se(undo Lau, ?o Co "ode ser combativo e bri(uento, maslevar. suas bri(as "ara cam"o aberto e raramente recorrer. a mtodos ardilosos "ara

    vencer@% Eis a!ui um /iel "er/il "sicol#(ico de 3orman Mailer% Dudo isso certamente se

    a"lica a ele%

    Com o romance

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    "arte o clebre e cl.ssico ensaio um

    square, um !uadrado, um careta, o homem !ue se considera ?normal@ em nossa

    sociedade, em (eral um neur#tico obsessivo com"ulsivo, um caso e$tremo da alienao

    radical !ue a!uela !ue "assa des"ercebida, considerada como a ?normalidade@%

    Mailer chama seu $i&ster, o rebelde !ue con/ronta os valores do square, de o

    ?ne(ro branco@, umAmerican E#istentialist, !ue se caracteriza "elo conteOdo reli(ioso de

    sua revolta% Mas seu misticismo o da carne% 4 $i&steracredita no "oder reli(ioso do

    se$oS em conse!uIncia, seu "rimeiro "rotesto contra a destruio do instinto e a

    "erverso do se$o "ela moral "rotestante, mono(9mica e re"ressiva do square% Baseado

    em Vilhelm Reich, ele e$"He sua "r#"ria teoria sobre o ?bom or(asmo@% 4 square tem

    necessariamente maus or(asmos, "rematuros e insi(ni/icantes, em conse!uIncia de seu

    a:ustamento, sua submisso% 4 ob:etivo do $i&ster, do rebelde, o bom or(asmo, sem"re

    mais a"ocal"tico do !ue o "recedenteS a nova revoluo , sobretudo, se$ual%

    4 con/ormismo no res"ons.vel a"enas "elo mau or(asmoS na verdade, ela

    (era doenas terrveis, como o c9ncer, a doena !ue caracteriza nosso sculo de

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    re"resso e con/ormismo, um resultado or(9nico direto do a:ustamento social% 4 c9ncer

    consiste numa rebelio das clulas, submetidas durante muito tem"o o"resso de uma

    sociedade sem liberdade% Auando o indivduo no se revolta, as clulas de seu cor"o o

    /azem "or ele%

    6. ainda mais um trao t"ico do ?ne(ro branco@% Contra o c9ncer, em busca do

    bom or(asmo, o $i&ster re:eita a chamada consciIncia moral, ne(a os (rilhHes do

    su"ere(o, tornaJse o !ue Mailer chama ?um "sico"ata /ilos#/ico@% Esta a re/le$o

    ori(inal de Mailer% 4 !ue o "reocu"a a "ou"ana das clulas contra o c9ncer, a ener(ia

    des"ertada "elo senso do "eri(o, a (rati/icao das necessidades se$uais inerentes a

    cada um, as armas da sub:etividade contra a "resso esma(adora das or(anizaHes

    sociais, a elaborao /ilos#/ica da viso do "sico"ata e, em suma, a rebelio contra todasas /ormas de institucionalizao F contra, inclusive, a!uelas !ue "retendem disci"linar a

    "r#"ria rebelio%

    "artir de seu livro Armies o' t$e =ig$t 1-+Q, Mailer se tornou um dos

    /undadores do chamado =e; KournalismnorteJamericano% Mas suas obras no (Inero F

    como "iami and t$e Siege o' 0$icago 1--Q,A -ire on t$e "oon1-8)Q ou

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    investi(ao mais ade!uado% 4 (esto d. ori(em ima(em e esta o "onto de "artida

    "ara mais uma aventura do es"rito%

    =im> aventura% "rinci"al !ualidade do "ensamento de Mailer sua cora(em% Ele

    no se limita a raciocinar dentro das estruturas estabelecidas "ela razo, analtica oudialtica% Pensar e$"lorar os territ#rios ocultos da mente, uma via(em ao desconhecido,

    uma aventura% 3os ar(umentos de Mailer, conceitos e cate(orias cedem lu(ar ao !ue ele

    chama de equaes &oticas, ou se:a, met./oras F no sentido mais revelador do termo%

    ciIncia baseouJse ori(inalmente na met./ora, mas o sculo vinte a e$"ulsou "ara o (ueto

    dos "oetas% 4 laborat#rio interditou o es"rito, declarouJse o ventre do conhecimento

    cient/ico e sua metodolo(ia desenvolveuJse to incTmoda !uanto ?os c#di(os

    trabalhistas de um sindicato de artistas de teatro@% met./ora desa"areceu% oisubstituda, "or artes de um /etichismo /urioso, "ela e$"eriIncia% mediocridade dominou

    o conhecimento cient/ico% e$"eriIncia "assou a ser uma /, substituindo a met./ora

    como meio de in!urito% e$i(Incia !ue e$"erimentamos ho:e a de deslocar o cientista

    do centro da cena e restaurar a met./ora%

    Partici"ao "oltica, liberdade se$ual e uso de dro(as%%% F todas as "rinci"ais

    e$"eriIncias e$istenciais de !uem viveu "lenamente a se(unda metade do sculo vinte

    /oram consideradas, "ensadas, e$aminadas e, last (ut not least, uitilizadas como matria

    "rima artstica em seus romances, "elo escritor "ro/issional 3orman Mailer% Como outros

    (randes artistas de seu tem"o, ele "artici"ou ativamente da busca de sua (erao e das

    "osteriores !ue ins"irou% N do tem"o de Bertrand Russell, na 0n(laterra, 'eanJPaul =artre,

    na rana, e tantos outros intelectuais !ue assumiram suas res"onsabilidades como

    indivduos e cidados F o !ue, in/elizmente, "arece cada vez mais raro ho:e em dia%

    P++*! ?!"%/%&'

    utor de )i'e Against Deat$ e )o!e6s +od%, 3orman 4% Bro5n !uer "erceber em

    toda cultura humana a realidade oculta do cor"o humano% =a(rada Comunho como

    base da comunidadeS a Eucaristia> canibalismo% 0dentidade de su:eito e ob:eto,

    "artici"ao mstica% eus no o Lo(os abstrato, a Razo desencarnada, mas a /orma

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    humana divinizada% secreta tradio t9ntrica> a libertao atravs do cor"o%

    ressurreio do cor"o% ressurreio da carne, em teolo(ia crist%

    3orman 4% Bro5n cita a clebre "assa(em do 3ovo Destamento em !ue 'esus diz>

    ?ei$ai vir a mim as criancinhas "or!ue delas o Reino dos Cus@S ?em verdade vos di(o!ue se no /ordes como uma delas, no entrareis no Reino dos Cus@% Para Bro5n,

    'esus se re/ere ao erotismo "olim#r/ico "erverso !ue caracteriza o in/ante% condio

    natural do ser humano usu/ruir "razer "or todas as "artes do cor"oS a concentrao do

    "razer nos #r(os (enitais uma distoro neur#tica !ue tem a ver com o

    entumescimento do e(oS Bro5n vI uma e!uao entre centralizao e(oica e da libido

    nos #r(os (enitais%

    =e(undo Bro5n, !ue identi/ica a se$ualidade "olim#r/ica, "erversa, !ue reud

    descobriu na "rimeira in/9ncia, com o estado de inocIncia dos msticos, a Aueda F

    entendida no num su"osto "assado hist#rico, mas como al(o eternamente recorrente,

    !ue acontece a!ui e a(ora, uma renovada doena "s!uica F "roduz, no s# a diviso de

    se$os, como a "r#"ria restrita or(anizao (enital adulta% 4 andr#(ino corres"onde ao

    rom"imento da alienao "or meio de uma erotizao do cor"o todo, isto , alm da mera

    bisse$ualidade "olim#r/ica, "erversa, do in/ante, sem di/erenas nem o"osiHes%

    re(enerao da es"cie a ressurreio do cor"o, como diz a teolo(ia crist, ou se:a, a

    "lena atualizao de todas as "otencialidades do cor"o F e o cor"o assim ressurreto

    andr#(ino% Esse cor"o !ue ressur(e, andr#(ino, no tem mais centro (enital, /.lico ou

    va(inal, ou se:a, sem centro e(#icoS um cor"o mstico%

    M'%' S+-'"

    ma(ia "roduto da cultura ocidental com os mesmos ob:etivos da ciIncia%

    di/erena est. nos mtodos de o"erao% ciIncia /undamenta seus su"ostos na razo e

    lhes con/ere validez atravs da e$"eriIncia% ma(ia /undamenta sua ao na vontade%

    mbas "rocuram o controle das /oras da natureza "ara coloc.Jlas a servio de

    seus ob:etivos% Danto coincidem no seu "ro"#sito !ue "odemos dizer !ue a ma(ia um

    ti"o de ciIncia e`ou !ue a ciIncia um ti"o es"ecial de ma(ia%

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    J Eu no (osto de escrever cenas de se$o, /ico com ver(onha% ico acanhado% N

    muito /re!uente !ue eu escreva uma linha ou duas, levante e /i!ue "asseando al(uns

    minutos% e"ois volto, escrevo duas "alavrinhas e saio andando novamente% N como seeu no achasse direito escrever cenas se$uais%

    evo re"arar !ue essa circunst9ncia no trans"arece, em absoluto, nos romances

    de ;baldo e invoco o testemunho de seus leitores% Eles concordaro !ue as cenas de

    se$o escritas "or ;baldo no dei$am adivinhar tal ines"erado constran(imento% eclaro,

    "ortanto, !ue suas cenas de se$o so #timas% Mas ele discorda%

    J 3o, no sou muito bom de se$o em meus romances% Auer dizer> acho !ue /iz

    boas cenas homosse$uais no Sorriso do )agarto% 4 !ue, ali.s, acabou sendo

    embaraoso "or!ue /icaram me "er(untando como conse(ui tamanho realismo% cabei

    dizendo !ue /oi "or!ue treinei com ami(os como vocI e Darso de Castro%

    ;baldo solta sua clebre (ar(alhada% Esclareo aos leitores menos sutis !ue tal

    treinamento no "assa de uma "iada% 3a verdade, ;baldo no considera a vivIncia

    em"rica uma e$i(Incia essencial da arte liter.ria% 4 treinamento no /oi necess.rio%

    J GocI no "recisa "arir "ara descrever um "arto nem ter necessariamente uma

    e$"eriIncia direta de !ual!uer coisa "ara "oder descrevIJla% cho uma boba(em su"or

    isso% Ed(ar Rice Burrou(hs nunca esteve na ]/rica% Karl Ma7 nunca esteve nos Estados

    ;nidos% 3o "recisaram% Auer dizer> ima(ino !ue ha:a escritores !ue "recisem% Mas eu

    sou do ti"o !ue no "recisa%

    J Como "rocede, ento, o escritor, !uando no "recisa da e$"eriIncia "essoalU

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    J Eu /ico "ensando como rea(iria o su:eito na!uela situao, "or e$em"lo% Eu sou

    estudioso, sou meio cientista louco% =e eu /or escrever sobre um "arto, do "onto de vista

    da mulher, sou "rovavelmente ca"az de /azIJlo bem% Mas "ode ser tambm !ue no

    se:a% e"ende% Dambm sou ca"az de ler um ca"tulo inteiro de enciclo"dia sobre "artoSmas no tomo nota nenhuma% 4lho a!uele ne(#cio e "ronto% Mas normalmente nem /ao

    isso%

    =u(iro !ue mudemos de assunto, do se$o na literatura "ara o se$o em nossa vida

    "essoal J ou se:a, no caso, na vida "essoal de 'oo ;baldo% Este se(undo tema no

    des"erta nele o mesmo interesse !ue demonstrou "elo "rimeiro% Ele rea(e com certo

    tdio como se eu tivesse abordado um assunto absolutamente sem interesse%

    J Eu sou realmente a "essoa menos interessante se$ualmente !ue vocI "ode

    ima(inar% Pelo menos, no sentido da vivIncia em"rica% Posso ser um "oo de "orno(ra/ia

    no /undo do crebro, mas no me sinto se$ualmente interessante% 3a realidade, eu no

    me envolvo mais "essoalmente nesse assunto%

    Eis a uma revelao sur"reendente% Dendo acom"anhado as /aanhas

    inenarr.veis de meu ami(o durante a :uventude, /i!uei sinceramente chocado com a

    con/isso ines"erada% i(o a ele !ue, ao contr.rio, eu achava !ue ele era to envolvido

    no assunto !ue o inclui na minha lista dos ?dez mais se#%"ara uma revista% Ele d. uma

    nova (ar(alhada e diz !ue, naturalmente, eu estava brincando% Re"lico !ue s# um "ouco

    "or!ue sinceramente acho !ue ele um cara se#%%

    J Eu no me acho se$7, no% '. /ui meio tarado, na :uventude at a meia idade, dos

    &* aos

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    3esta altura de nosso "a"o, saio de meu estado de cho!ue e "ercebo !ue tenho

    uma entrevista indita e absolutamente escandalosa nas mos% =er. !ue a revista =e$7

    ter. a cora(em de "ublic.JlaU =em dOvida, ser. muita aud.cia% Mas tem mais% ;baldo

    entra num terreno abertamente con/essional%

    J Denho al(umas ami(as !ue, ima(ino, (ostariam de dar "ra mim, mas no tenho

    vontade de comer nenhuma% De#rica "ode ser, mas "r.tica no% Elas /icam sur"reendidas,

    acho !ue al(umas nem acreditam% Mas, no /undo, esto sabendo !ue sou assim mesmo,

    ali.s, so todas muito sim".ticas% '. vi nuas muitas dessas minhas ami(as, :. escrevi

    sobre elas e tal, :. vi at em tudo !uanto "osio% 0sso deve ter me a/etado de al(uma

    /orma% E$iste um "rinc"io biol#(ico se(undo o !ual a re"etio continuada do estmuloacaba "or debelar a reao% GocI estimula demais uma reao or(9nica e a che(a a um

    "onto em !ue no rea(e mais% N bem "ossvel !ue eu tenha "assado "or isso% 4u este:a

    "assando% e !ual!uer maneira, no me interesso mais "or comer nin(um% Auero

    sosse(o% Dodo mundo sabe !ue no "asso de um camisolo%

    Lembro !ue Bernard =ha5 "roclamou ter encerrado suas atividades se$uais aos

    !uarenta anos de idade, considerandoJas uma diverso (rosseira s# su"ort.vel na

    :uventude, "ara se dedicar inteiramente aos "razeres su"eriores do es"rito, como a

    mOsica de Mozart e a literatura de =haes"eare% Per(unto a ;baldo se isso /az sentido

    "ara ele% Claro !ue /az% Ele "r#"rio no se acha numa situao muito di/erente%

    J Dranscender o se$o no uma "roeza incomum na hist#ria de /i(uras s !uais

    no "osso me com"arar% esde =#crates a Buuel !ue se /az este coment.rio> /inalmente

    me livrei dessa merda, no !uero mais saber% Buuel "re/eria seu charuto e seu

    conha!ue% E =#crates, "or volta dos !uarenta anos, tambm revela ntido alvio "or se

    libertar dessa com"ulso ridcula, de assumir "osiHes ridculas e emitir sons i(ualmente

    ridculos a troco de "orra nenhuma%

    ;baldo cruza os braos e "ede !ue eu /aa o mesmo% 4bserva a se(uir !ue

    /izemos o mesmo (esto em sentidos o"ostos% Minha mo direita /icou debai$o do meu

    brao es!uerdo e a mo es!uerda sobre o brao direito% Ele, entretanto, cruzou ao

    contr.rio, com a mo es!uerda debai$o do brao direito e a mo direita sobre o braoes!uerdo%

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    +)

    J GocI :. notou !ue al(umas "essoas cruzam os braos naturalmente como vocI e

    outras cruzam os braos naturalmente como euU GocIs sabe !ue essas coisas so

    (enticasU N en(raado% 4 natural di/erente "ara "essoas di/erentes% 3o e$istenaturalidade% Portanto, tambm natural o !ue eu acho sobre o se$o, ho:e em dia% Eu

    no sei "or onde anda a minha libido% Mas a libido no morre nunca% Ela se trans/ere "ara

    os lu(ares mais loucos, desde um livro !ue vocI escreve ao es"orte !ue vocI "ratica%

    dvirto ao meu ami(o !ue ele corre o risco evidente de ser chamado de brocha

    "elos /o(osos leitores da =e$7 "or causa do "ecado im"erdo.vel de ser contra a "rinci"al

    devoo deles%

    J Eu no tenho nada contra se$o, no% =ou a /avor de se$o% 3o sou candidato a

    mon(e tra"ista% 4 se$o "erdeu bastante a im"ort9ncia "ara mim, mas no (ostaria !ue o

    ttulo desta matria /osse, "or e$em"lo, 4 rande Brocha% Por!ue, realmente, eu no

    brochei% =# no tenho mais o mesmo /ascnio "or se$o, como tambm "erdi v.rios outros

    /ascnios da nossa :uventude% GocI, "or e$em"lo, "reserva seu /ascnio "or :azz e eu no%

    ;baldo levanta de sua cadeira e caminha "ara o terrao da cobertura, a(ora

    iluminado "elo sol do cre"Osculo%

    J Eu estou en$er(ando mal e /ico com medo de /icar ce(o% =# !uero ler% Auero ler

    a 0lada !ue eu :. li !uinze vezes, mas !uero ler de novo% Auero ler% =e eu tirasse uma

    me(aJ sena nunca mais escrevia uma linha% icava lendo e :o(ando carteado ou domin#

    a!ui com os a"osentados do Leblon%

    e"ois, voltaJse "ara mim com o mais amistoso de seus sorrisos no rosto% GocI

    !uer sorvete de abaca$iU Eu "e(o sorvete de abaca$i, boto (eleia de moran(o e /ao

    uma mistura nauseabunda de to boa% E$"erimente%

    J Melhor !ue uma tre"adaU F !uero saber%

    J Muito melhor% Dre"ada uma coisa o/e(ante e babosa F ele conclui, rindo,diri(indoJse "ara a (eladeira%

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    3 ETERNA, EFMERA VANGUARDA

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    +2

    J-+*$! (+ &-"$-'

    3a recente "olImica sobre a "oltica cultural do (overno, notouJse uma (randea(itao no setor dos artistas% oram "rinci"almente artistas F no caso, cineastas F os

    "rimeiros a se levantar sobre o !ue !uali/icaram como diri(ismo cultural, evocando

    al(uns dos "iores re"resentantes do /enTmeno na /alecida ;nio =ovitica% E /oram

    tambm de artistas as vozes !ue se er(ueram contra o "rimeiro "rotesto,

    com"reendendo a "osio inovadora do (overno, na !uesto% rtista assim% "r#"ria

    criao de"ende desse es"ao em !ue medra a "olImica%

    s di/erenas entre os dois (ru"os no so "ro/undas% 6. "ontos essenciais,

    inclusive, em !ue todos devero concordar% rte F assim mesmo, com maiOscula,

    "or!ue ela merece F tem de ser considerada a "artir de sua "r#"ria natureza es"ec/ica,

    em !ual!uer "oltica cultural lOcida% Ela es"ecial% "resenta uma distino /undamental

    em relao s demais atividades humanas !ue atendem s necessidades materiais

    "or!ue a rte atende, nada menos, aos interesses su"eriores do Es"rito% s di/erenas

    no dizem res"eito rte em si, mas sua relao com o Estado% Dudo comeou !uando

    o artista do sculo "assado descobriu !ue ela "odia, ou at devia, com"rometer sua arte

    com o interesse "Oblico%

    conce"o de arte en(a:ada, com"rometida social e`ou "oliticamente, brotou dos

    "r#"rios artistas, "articularmente dos escritores% =# de"ois, os burocratas se a"ro"riaram

    dela "ara im"or normas !ue :ul(avam convenientes%

    oi o !ue aconteceu com o chamado realismo socialista, esttica o/icial do

    comunismo, de natureza normativa, con/orme o estabelecido "elos burocratas ocu"ados

    da cultura na e$tinta ;nio =ovitica%

    N verdade !ue h. uma e$i(Incia de "artici"ao social F no sentido de recriar na

    obra a verdade ob:etiva da sociedade ali retratada F "or estetas mar$istas res"eit.veis,

    como eor( Luacs, com seu conceito de realismo crtico e$em"li/icado "elos (randes

    romancistas do sculo Y0Y% Mas a viso de Luacs !uali/icada e at sutil, em al(uns

    as"ectos% ssim, "or e$em"lo, a:ustada viso hist#rica do mar$ismo, sua esttica

  • 8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

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    +&

    "rivile(ia a narrao, din9mica e, "ortanto, dialtica, sobre a descrio, est.tica e

    meta/sica% Contudo, o "r#"rio Luacs condena a liberdade /ormal assumida, "or

    e$em"lo, "or um artista tambm mar$ista como Brecht% s normas da ?linha :usta@,

    im"ondo "raticamente a obri(ao do realismo, no "oderiam ser di(eridas "or um artista

    cu:a "r#"ria ori(em estava na van(uarda an.r!uica do incio do sculo "assado% Brecht obri(ado a ar(umentar contra a esttica o/icial, "ois a "r#"ria dialtica mar$ista e$i(e

    "ara o seu teatro uma nova /orma artstica !ue "ossa e$"ress.Jla, alm dos su"ostos

    aristotlicos tradicionais%

    Com"romisso e estilo, "ortanto, so "reocu"aHes autTnomas% teoria da

    literatura en(a:ada /oi /ormulada "or =artre em seu clebre ensaio O que a literaturaU%

    =ur"reendentemente o e$istencialista =artre e$orta os escritores "ara um com"romisso

    e$"lcito% Mas tem o cuidado de e$cluir a necessidade de en(a:amento nas demais artes

    F mOsica, artes "l.sticas, dana, e at a "oesia F "or considerar !ue seus elementos

    b.sicos de criao so ob:etos e no si(nos, com acontece com a "rosa% 4

    com"romisso est. vinculado essencialmente ao si(ni/icado ostensivo, denotao%

    4s escritores !ue :usti/icaram a doutrina sartreana do engagement, numerosos

    entre os melhores do sculo "assado, e$"erimentavam o sentimento de !ue esse

    com"romisso necess.rio obra de arte "ara !ue ela tenha um sentido na totalidade do

    mundo em !ue vivemos, ou se:a, em "alavras mais sim"les, "ara !ue ela, em suma, no

    se reduza a um bombom de lu$o%

    Evidentemente, "orm, essa uma !uesto de /oro ntimo, /az "arte da intimidade

    do artista como ser humano% 3in(um "ode decidir em !ue medida ele deve su:eitar a

    sua essIncia, !ue sua arte, circunst9ncia do mundo in:usto em !ue vive% Ele sabe,

    em "rinc"io, !ue a rte no "ode /icar su:eita a determinaHes e$ternas, /eito as normas

    burocr.ticas% 4 "oder da rte !ue ela "ode e$"ressar, no a"enas os "roblemas

    sociais e "olticos, mas sim"lesmente tudoS a arte livre e a"arentemente oni"otente% Por

    sua "r#"ria natureza, ela no "ode su"ortar tutelas%

    4s artistas !ue !uiserem li(ar sua obra a uma determinada viso "oltica, "or

    e$em"lo, tem de ser livres "ara /azIJlo, sem o "revalecimento de "reconceitos

    ideol#(icos% 4s !ue !uiserem sim"lesmente se omitir da !uesto em /uno de outras

  • 8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

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    + tudo

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    +*

    a!uilo !ue o (overno, no a rte, tem de /azer% o estabelecer critrios !ue dizem

    res"eito ao conteOdo das obras, o sa"ateiro subiu acima das chinelas%

    4 diri(ismo cultural tenta se :usti/icar "ela racionalidade !ue seria intrnseca

    6ist#ria% Para no ir ?na contramo da 6ist#ria@ F e$"resso "r#"ria da conce"o

    he(eliano mar$ista, mas !ue, de to a"arentemente "oderosa, /oi a"ro"riada "or !uase

    todas as correntes de "ensamento, inclusivo o aJhist#rico J de"ois da !ueda da ;R==,

    havamos che(ado ao ?/im da 6ist#ria@% Parado$almente, !ual!uer con/ronto com o

    "ensamento neoliberal "assou a ser imediatamente acusado de estar na ?contramo da

    6ist#ria@%

    3os anos 2), Ma$ 3ordau escreveu um livro "ara denunciar os artistas modernos

    de seu tem"o, como loucos% Ele /az um dia(n#stico "si!ui.trico im"lac.vel da!ueles

    artistas, a"ontando "retensos sintomas de loucura em suas obras% 3ordau no mais

    levado a srio mas sua reao em /ace da arte e dos artistas no desa"areceu de todo%

    "arentemente al(uns continuam a acreditar no seu dia(n#stico% e$"resso

    ?contra"artida social@ "ara desi(nar a e$i(Incia de uma es"cie de obri(ao de

    "artici"ar do es/oro (overnamental "elo avano social no "as bastante in/eliz%

    Lembra a im"osio de servios comunit.rios aos cul"ados de trans(ressHes leves sre(ras da sociedade% 4 cidado trans(ride, mas no vai "ara a cadeia "or!ue d. uma

    contra"artida social ao delito "raticado% ica "arecendo at !ue a atividade artstica deve

    de al(um modo ser ?"unida@ de maneira semelhante, atravs da tal contra"artida%

    Por outro lado, avaliar corretamente a arte no es!uecer o resto% 4s esteticistas,

    al(uns deles, "elo menos, tIm essa tendIncia> "or outro lado, os sociolo(istas tIm uma

    "ostura o"osta% 4s dois lados tem suas razHes> a arte intoc.vel e o "roblema socialdeve ser resolvido% Reconhecer isso, no Brasil, uma necessidade !ue no tem relao

    com a transcendIncia da rte% im"ort9ncia de um "ro(rama ome ^ero /undamentalS

    "reciso "rimeiro comer, "ara de"ois usu/ruir o (ozo esttico F "ara "ara/rasear Brecht%

    "rimeira misso dos (overnantes atender s necessidades in/eriores da matriaS

    trataJse do !ue sim"lesmente nos mantm vivos% N evidente !ue o "ro(rama social do

    (overno certamente deve ter "rioridade sobre o resto, inclusive a cultura e, "ortanto,

    !ual!uer "ro:eto artstico, como a "reservao do atual /lorescimento do cinemabrasileiro, cantado ultimamente em "rosa e verso, no enche a barri(a de nin(um%

  • 8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

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    soluo dos "roblemas sociais no de"ende absolutamente da "roduo

    artsticaS uma tare/a de todos n#s, inclusive os artistas% Mas no se "ode condicionar

    esta "roduo a ob:etivos e$teriores a ela, "or!ue sua transcendentalidade s#

    alcanada com a liberdade% Pre/i(urao do reino da liberdade, ela "ode tornarJse, emcertas circunst9ncias, inimi(a do Estado% Mas nunca do "ovo, "ois , "or vocao

    libert.ria, sua aliada natural%

    I*'=+" C

    J Auando minha av# morreu, era muito (rudada nela% Ela me chamou e disse>

    ?0sabel, chame sua me !ue meu corao est. doendo muito@% Eu chamei, minha me

    che(ou ao !uarto% icamos as trIs ali% 3o momento em !ue minha av# morreu, eu senti

    !ue /ui :o(ada contra a "arede% P...W =ete dias de"ois, eu estava bem deitadinha na

    minha cama e a av# che(ou, sentou na beira da cama e disse> eu vim te buscar%

    Res"ondi> ah v#, estou nova demais% E ela> eu vim te buscar "or!ue vocI vai so/rer

    muito% Eu disse> ah v#, como !ue vou saber se vou so/rer ou noU

    0sabel so/reu% Mas tambm teve ale(rias% 3o "rinc"io dos anos setenta, em "lena

    :uventude, ela :. era /amosa, (raas "rinci"almente a uma "ea de teatro,As "oas, !ue

    sem"re lembrada como um momento /undamental da moderna dramatur(ia brasileira%

    0sabel certamente sentiu o doce "er/ume do sucesso% e"ois desse sucesso, "orm,

    !uando se es"erava !ue ela ocu"asse o lu(ar !ue con!uistara no teatro brasileiro, a

    e$em"lo de outros de sua (erao, sumiu% =e(uiuJse um silIncio de mais de vinte anos%

    E$"eriIncias dolorosas marcaram sua vida durante esse "erodo% 0sabel uma mulher

    /r.(il, delicada e sensvel% Mas teve !ue endurecer e en/rentar o seu destino como uma

    (uerreira%

    3o momento de nosso encontro "ara esta entrevista, morando sozinha em oi9nia,num a"artamento "e!ueno, mas con/ort.vel, encara os so/rimentos "elos !uais "assou

  • 8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

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    como "arte de um "assado !ue s# no /icou totalmente "ara tr.s "or!ue o material

    /rtil !ue vai alimentar sua arte como escritora% Ela trabalha num livro de "oesia !ue

    tambm um re(istro, no s# de suas e$"eriIncias nestes Oltimos vinte anos como de

    outras, mais remotas% 4 ttulo Coisas Coise o livro vai ser "ublicado em breve "ela

    editora =ete Letras, levado "or um ami(o, Carlos =usseind% Est. !uase "ronto% Elamostra os ori(inais, com indis/ar.vel or(ulho, e diz !ue /altam a"enas umas trinta

    ".(inas "ara terminar% 4u menos, ela acrescenta, sorrindo%

    0sabel /r.(il e delicada, mas tambm e$tremamente inteli(ente e bastante irTnica%

    lucidez !ue vaza entre os seus la"sos de mem#ria ine(.vel% 0sabel diri(e essa ironia

    "ara si "r#"ria, a cada "asso da conversa, e se diverte, "or e$em"lo, !uando se re/ere ao

    ttulo de seu livro% Ela mineira, da cidade de DrIs CoraHes, no devemos es!uecer, e"assou a in/9ncia numa /azenda% Auando, brincando, "edi a ela !ue a"roveitasse esta

    entrevista "ara mandar uma mensa(em ao "ovo brasileiro, ela comeou a cantar um

    velho sucesso de r7 Barroso>

    =ertane:a se eu "udesse` se Pa"ai do Cu me desse` 4 es"ao "ra voar%%%

    oi isso !ue 0sabel sem"re "recisou> o es"ao "ara voar% Auando teve, ela voou%

    e"ois o "erdeu% Mas, a(ora, o es"ao se abre de novo, diante dela%

    J Eu sem"re !uis escrever% esde menina% 0oisas 0oi4conta como isso aconteceu

    na minha vida% =em"re tive "roblemas #ticos e, !uando era menina e morava em

    /azenda, /icava olhando "ela :anela e /icava inventando "ara as ima(ens inde/inidas !ue

    via> ali tem um homem, ali tem uma "rincesa, uma carrua(em, um rio%%%

    Mas o (rande im"acto da in/9ncia de 0sabel /oi o cinema>

    J Meu avT vendeu um terreno, em DrIs CoraHes, "ara um homem !ue !ueria

    construir um cinema% 0m"Ts uma condio> ?eu vendo, mas vocI vai colocar o nome de

    Cine =o Mi(uel e vai me dar trIs cadeiras cativas "ara o resto da vida% 4 homem deu%

    Doda noite, meu avT vestia ca"ote, cha"u, ben(ala, e ia "ara o cinema% Botava o ca"ote

    numa cadeira, a outra era "ara ben(ala e ele sentava na terceira% E dormia% E /alava "araa (ente> vocIs tIm !ue entrar "ela /rente e "a(ar in(resso% Mas a (ente "ulava a cerca

  • 8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

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    ++

    e usava as cadeiras cativas% Era cinema todo dia% s coisas mais esta"a/Ordias, como a

    srie do Batman !ue tinha a!uela roda (irando%%%

    Era muito cinema na vida da :ovem 0sabel% cabou dramatur(a% Ela conta como

    escreveu seu "rimeiro ori(inal, Os Giajantes, uma hist#ria rural !ue trata de cam"onesessem terra e conta hist#rias de sua "r#"ria /amlia misturadas com /atos inventados%

    J Auando sentei "ara escrever, al(o bateu na minha cabea% "rimeira coisa !ue

    visualizei /oi um "alco vazio, iluminado s# com a!uela luzinha de servio, linda% Me

    concentrei na!uela coisa vazia e veio Os Giajantes% Passa dentro de um Tnibus% Pai e

    /ilho, cam"oneses sem terra, !uerem ir /alar com o Presidente% Mas entram num delrio e

    comeam a es/a!uear as "essoas% 4 /inal sur"reendente% Eles so levados a umadele(acia, mas no tIm noo do !ue /izeram% ica uma interro(ao no ar%

    ;m dia, o ami(o omin(os de 4liveira contou a ela !ue a DG lobo ia entrar no ar

    e !ue "recisaria de (ente !ue escrevesse% Ela to"ou% ez ada"taHes de O 9ns&etor

    Feral, de o(ol, "ara 'T =oares, e de O 9nimigo do 7o!o, de 0bsen, "ara Paulo racindo%

    J Me deram at um contrato% Pensei> meu eus, eu no entendo nada de televiso%

    Mas com o dinheiro, alu(uei um a"artamentinho% eitei e rolei% Com"rei livros !ue no

    acabavam mais% Lia "ra caramba% Passava dez horas "or dia estudando%

    0sabel conheceu tambm al(umas /i(uras de sua (erao !ue /oram i(ualmente

    im"ortantes "ara a in!uietao e$istencial !ue caracterizou o teatro brasileiro dos

    sessenta> 'os Gicente, ntonio Bivar e auzi ra"% oi assim !ue ela escreveu As

    "oas>

    J Comecei a rabiscarAs "oas% Contei ao auzi e ele disse> vocI tem de escrever

    essa "ea% Derminei o "rimeiro rascunho% auzi leu "ara a lauce Rocha e ela comeou

    a chorar% Ela !ueria ter um /ilho e a "ea /alava em aborto% Ento ela disse> no "osso

    /azer essa "ea% 0ma(ine> uma mulher !ue a(uentou

  • 8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

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    +-

    Mas o (rande sucesso da "ea /oi alcanado no Rio de 'aneiro, com a monta(em

    do Deatro 0"anema, diri(ida "or 0van de lbu!uer!ue, com Leila Ribeiro e DetI Medina% 4

    cen.rio era um a"artamento con:u(ado, uma !uitinete com /o(o a (.s e um banheiro

    com chuveiro :orrando .(ua de verdade% 4 estilo da encenao era de um realismo cu:ateatralidade sur(ia da sua "r#"ria materialidade im"lac.vel% Leila Ribeiro tinha marcaHes

    de cozinhar de verdade, lavar a loua, tirar a rou"a, ir ao banheiro, /azer $i$i, :o(ar a

    calcinha numa bacia, tomar banho, entre outras coisas%

    As "oas uma das "rinci"ais "eas do !ue na LOcia Gieira de ndrade chama

    de a cena do eu, em sua tese sobre a dramatur(ia brasileira de 1--% "rinci"al

    caracterstica desse teatro a valorizao da e$"eriIncia sub:etiva, e$istencial% N umteatro so/rido como, "or e$em"lo, o canto de 'anis 'o"lin, smbolo da intensidade

    emocional !ue a :ovem arte dos sessenta "rocurava% e$"eriIncia "essoal, vivida e

    "un(ente, "ro(ressivamente abandonada nos anos !ue se se(uiram, ou se:a, os anos

    do silIncio de 0sabel C9mara, substituda "ela comdia a !ual!uer "reo e "elo

    e$"erimentalismo /ormalista% dor e o so/rimento so no teatro do eu, de 0sabel e 'os

    Gicente, as caractersticas b.sicas da e$istIncia humana% N uma viso e$istencialista% 4u

    vitalista, "ara concordar com 0sabel !ue "re/ere sem"re o termo vida "ara /alar de sua

    arte%

    Mas 0sabel no tem vontade de /alar sobre As "oas% 3aturalmente "re/ere /alar

    sobre 0oisas 0oi4s% Ela su(ere ler al(uns dos "oemas do livro em voz alta% iz !ue /az

    "oesia "ara ser dita em voz alta%

    J lmoamos numa churrascaria "r#$ima% 0sabel /ala sobre tudo% Conta !ue

    declamava Lord B7ron !uando era mocinha, /ala de suas visHes de es"ritos> ?Converso

    com eles como estou conversando com vocI% Esse /enTmeno constante comi(o% 4s

    !ue me visitam no /.cil J diz ela, e ri@%

    0sabel lembra dos ami(os mortos como Br.ulio Pedroso e Gtor ssis Brasil%

    Comenta as mortes de 3eci e lauber% ?Che(uei a achar !ue 3eci no tinha morrido, !ue

    era tudo inveno%@

  • 8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel

    90/198

    -)

    alamos da im"ort9ncia do cinema "ara nossa (erao e ela conta !ue Bivar,

    muito :ovem, trabalhava como distribuidor de /ilmes nas cidades do interiorS ele "r#"rio

    carre(ava as latas dos /ilmes, os cartazes e a!uela ma!uininha de contar os

    es"ectadores na entrada% 0sabel /ala ainda de Maria Beth9nia e declara !ue (osta muito

    de mOsica%

    3a volta do almoo, su(ere tocar um C com !uartetos de Gilla Lobos, antes de

    recomearmos a entrevista% Rela$amos um "ouco antes de che(ar a hora das

    lembranas mais di/ceis de 0sabel>

    J ui /azer um teste no etran% GocI :. usou dro(asU Como !ue eu vou dizer

    !ue no% 4 !ue !ue vocI sentiuU =enti uma merda% Eu no (osto% 3o o !ue me /azbem% 4 !ue me /az bem so os ami(os, eu "oder escrever% Eu (osto das "essoas, as

    "essoas (ostam de mim% Mas tive um "erodo horroroso, de uma (rande /ome% E uma

    coisa terrvel chamada masturbao% Eu tenho horror, acho !ue o or(anismo da (ente

    careta% oi um "erodo tenebroso%

    0sabel lembra um arti(o !ue escreveu "ara O 7asquimcom o ttulo Das "in$ocas

    7sicanIlise% Ela e$"lica !ue nunca aceitou !ue tivesse minhocas na cabea, mas teve

    um sonho, numa noite em !ue dormiu com /ome> sonhou com um "ozinho !uentinho e

    a"etitosoS !uando ela o mordeu, saram aos montes, minhocas%

    Lo(o de"ois /oi internada% =uas mem#rias em relao ao ass