O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel
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8/11/2019 O Sol da Liberdade - Luiz Carlos Maciel
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Luiz Carlos Maciel
S L DA LIBERDADE
Edio
Patrcia Marcondes de Barros
Reviso
Marcelo Lima
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Para Maria Claudia, minha herona, e tambm a todos
a!ueles "r#$imos a !uem amo como a mim mesmo%
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SUMRIO
PREFCIO'or(e Mautner ))
APRESENTAO Patrcia Marcondes de Barros )*
1 A POLTICA DA INSANIDADE)+
reverso da hist#ria )-
s & cat.stro/es da 0dade de erro 1
3orman 4% Bro5n e o 6CE de 'o7ce 18
4 mistrio dos v9ndalos 2)
rebelio atual da :uventude 2&
4 "ensamento da direita 2 "reco(nio de Bush &1
lice no Mundo da Cons"irao &*
;ma chance "ara a "az
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?4 mundo no chato@ 11)
Caetano e a doura de e$istir 118
4 O TAO DA FILOSOFIA 12 de Phili" K% ic a Caetano
Geloso, de Baudrillard a 0sabel C9mara, de 3orman Mailer s e$"eriIncias reli(iosas da
seita ;nio do Ge(etal%
escondicionamento e criao, como su(ere o "ensamento orientalista, Maciel
"asseia "elos escombros da "#sJmodernidade e o /im da hist#ria em A P!"#$%&' ('I)*')%('(+J, ca"tulo !ue trata do es(otamento de um modelo linear de re"resentao
"ara e$"licar a hist#ria da humanidade J e o incio de sua reverso como concebe o
/il#so/o 'ean Baudrillard% Esta reverso se re/lete na ascenso do discurso da direita, da
"oltica im"erialista norteJamericana, das teorias cons"irat#rias e de um e/eito "erverso
!ue deslocou o mundo real "ara o virtual% N o incio da chamada ?Era da Mediocridade@,
!ue, se(undo Maciel, tem como caracterstica "rinci"al> o conservadorismo,
"rinci"almente o da :uventude atual, a ?(erao /aceboo@ J conectada s novas
tecnolo(ias de comunicao% =imulacros, ?com"artilhamentos e curtiHes@ num mundo da
e/emeridade, da li!uidez dos si(ni/icados% nalisa o movimento :uvenil brasileiro, o !ual
/icou conhecido como ?o movimento dos vinte centavos@ e traa um "aralelo com 'ames
'o7ce e a!uilo !ue chamou de ?6ere Comes Ever7bod7@%
Em C!)$'&-"$-' + E!$%*!"assamos "ara a discusso da contracultura, tema
!ue ainda ho:e suscita diversas "olImicas% Muitos ne(am !ue tenha sido um marco, uma
transio entre o "ensamento moderno e o "#sJmoderno, caracterizandoJo como um
"ro:eto imaturo, sub:etivo, individualista e ut#"ico !ue /oi /acilmente coo"t.vel "elo
sistema ca"italista% 4utros tentam teorizar o !ue no descritvel> o es"rito de uma
"oca, o as"ecto dionisaco, o lOdico e o car.ter da e$"erimentalidade em todos os
(estos% o miti/icar tal movimento, o "etri/icam%
busca "or uma e$istIncia autIntica levou "arte dessa :uventude a am"liar o
conceito de "oltica, estendendoJo ao cor"o, ao com"ortamento dos indivduos, !uesto
se$ual% s consideraHes mar$istas :. no res"ondiam aos novos "aradi(mas !ue se
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im"unham% !ui, o autor aborda o tema e a necessidade de transcender, su"erar a
!uesto se$ualQ atravs da literatura er#tica atravs dos tem"os, a ma(ia se$ual de
leister Cro5le7 ?Dodo homem e toda mulher uma estrela@Q, a "erverso "olim#r/ica, as
ideias de 6erbert Marcuse sobre se$ualidade e sociedade, 3orman Mailer, a /avor do
se$o como mani/estao de vida, colocando sua revolta e "rotesto contra a destruiodos instintos e da "erverso, determinado "ela moral "rotestante, mono(9mica e
re"ressiva do square americano, e uma entrevista "ara a revista =e$7 com o escritor 'oo
;baldo Ribeiro em ocasio de lanamento de seu livro ? Casa dos Budas
itosos@1---Q%
Em E$+)', +/0+' ')-'(', traz re/le$Hes sobre "oltica cultural no Brasil,
entrevistas e al(umas im"ressHes sobre "ersonalidades como a escritora 0sabel C9mara1- ?o rom9ntico coerente deveria tornarJse
um vision.rio, bastante "r#$imo do misticismo oriental@%
?a hist#ria "ara o mistrio@, como visiona 3orman 4% Bro5n, a orientalizao do
4cidente /oi um dos caminhos da (erao da contracultura% !uesto no era a de ne(ar
o racionalismo da /iloso/ia ocidental, mas criticar !ue o mesmo se:a colocado como
"aradi(ma, Onica /orma de ser, sentir e "ensar%
Em O !! &+!, "oesias de Maciel, !ue nos conta tambm sobre suas
e$"eriIncias com a morte%
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Auando lhe "er(untei sobre a ins"irao do ttulo, ?4 =ol da Liberdade@, /ala sobre
suas e$"eriIncias na seita reli(iosa ;nio do Ge(etal e !ue, sob os e/eitos alucin#(enos
de a7ahuasca, a doutrina /oi e$"licada> ?4 =ol eus@ e ento conclui> ?a liberdade um
sol, o sol a liberdade@% liberdade a essIncia de eus%
ontolo(ia da liberdade realizada "or Maciel nesta obra traz re/erIncias de
"ensadores !ue trou$eram tona a !uesto do ser, a liberdade, a des"eito de todas as
/ormas !ue a en(rena(em se utiliza "ara a"risionar o indivduo e distraJlo de sua
autonomia e ca"acidade de (erir seu "r#"rio caminho%
Aue o sol da liberdade irradie sua /ora sobre n#s%
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1 A POLTICA DA INSANIDADE
O tempo uma criana que brinca, movendo as pedras do jogo para ce para l.
Herclito, Frag. 52
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A ++*! (' %*$%'
Antes que o leitor mergulhe neste primeiro texto, gostaria de fazer uma advertn!ia" Este
n#o $ um livro a!admi!o, sua %ndole pende mais para a !ontra!ultura do que para a
!ultura" Desta maneira, muitas exign!ias normais diante de um livro s#o simplesmente
ignoradas" o me preo!upo em !ontextualizar histori!amente os a!onte!imentos, nem
sequer forne'o o ano da edi'#o de talvez a maioria dos livros que !ito" ( o meu )eito e me
!onsidero velho demais para mudar" *referi a velha !urti'#o" +onfesso que o verdadeiro
o)etivo deste livro $ simplesmente divertir um tipo de leitor que queira se identifi!ar !om
esse ino!ente o)etivo- quero apenas mexer !om ideias !omo uma !rian'a que rin!a"
s conce"Hes mais remotas da 6ist#ria humana, como a Deo(onia do (re(o
6esodo, ou o Daosmo do chinIs Lao Dzu, observam a e$"eriIncia hist#rica como o
declnio de um estado ori(inal "er/eito% Elas no "ossuem a #tica ocidental moderna de
um avano linear% Auanto mais remota a conce"o, mais sustenta uma viso cclica dahist#ria, "ois o ciclo a lei das mani/estaHes naturais, como a sucesso dos dias e das
noites ou das estaHes do ano%
N, "orm, da "r#"ria natureza da 6ist#ria, tal como a concebemos no 4cidente,
!ue ela avance sem"re "ara /rente% Praticamente todos os seus /il#so/os maiores a viram
como um movimento retilneo, "ro(ressivo, no sentido de um clma$ /inal !ue consumaria
/inalmente o seu sentido% 6e(el, cu:a viso da 6ist#ria ainda "revalece, vI esse clma$no Es"rito bsolutoS Mar$, na necessidade da sociedade comunista% Em 6eide((er, o
"r#"rio =er se desvela e se oculta na 6ist#ria%
lio arcaica da 6ist#ria como declnio nos estranha "or mais !ue ela este:a
"resente em al(uns livros como O Declnio do Ocidente,de 4s5ald ="en(ler, ou em
!uase todos os mitos tradicionais, inclusive numa tentativa contem"or9nea a e$em"lo do
/ilme Star Wars, de eor(e Lucas% 4 desenvolvimento da ciIncia ocidental e o im"rio de
sua e$"resso mais "r.tica e totalit.ria, a tecnolo(ia, "articularmente na sua /uno
dominante de servir ambio ca"italista, s# tem re/orado essa noo indiscutvel,
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subconsciente, de !ue a 6ist#ria vai sem"re "ara /rente F com e$ceo do citado
="en(ler "ara !uem a 6ist#ria das civilizaHes imita a sucesso das estaHes naturais%
Mas o advento, a(ora, de um ?novo inverno@ em nossa civilizao F "ara lembrar a
met./ora !ue usei no livroAs Quatro Estaes2))1Q F se a"resenta como, no mnimo,desconcertante% Dodos os avanos !ue vivemos, "or v.rias dcadas, em termos de
liberdade e$istencial, "erce"o social e "oltica, a"ro/undamento da vida es"iritual e,
numa "alavra, e$"anso da consciIncia, "arecem abandonados como se sim"lesmente
nunca tivessem acontecido%
;ma das ideias mais interessantes sur(idas na re/le$o de 'ean Baudrillard sobre
o nosso tem"o a de !ue assistimos a uma reverso da "r#"ria 6ist#ria !ue tendoim"erce"tivelmente ultra"assado o "r#"rio /im inverte o seu sentido "ara o "assado% Ele
cita um te$to de Elias Caneti, "ublicado em 1-8+, "oca em !ue se de/iniria a
"reci"itao de nosso mundo no virtual>
%%%Q "artir de certo "onto a 6ist#ria no era mais real% =em !ue se "ercebesse, toda a
humanidade subitamente abandonou a realidadeS tudo o !ue aconteceu desde ento
su"ostamente no /oi verdadeiroS mas n#s su"ostamente no "ercebemos% 3ossa tare/a
a(ora seria encontrar esse "onto e en!uanto no o localizarmos, estaremos condenados a
mer(ulhar em nossa destruio "resente%
6ist#ria ocultou de n#s o seu /im e comeou o caminho de volta, na direo
o"osta% Por isso, o tem"o no mais contado "ro(ressivamente, "or adio, a "artir da
ori(em, mas "or subtrao, a "artir do /im% 3o temos mais o /uturo a nossa /rente, masuma dimenso anor$ica na !ual se estende uma realidade virtual% 3ela, o simulacro
"recede o real, a in/ormao "recede o acontecimento% Estamos imobilizados entre
nossos /#sseis e nossos clones%
4u se:a> estamos diante do desa"arecimento da 6ist#ria real, dominada "or uma
memorizao /an.tica% Em vez de nascerem e morrerem, os seres sur(em :. como
/#sseis virtuais% 6ist#ria teria sido in/ectada "or um retrovrus e seu novo movimento"rivile(ia a reta(uarda% 0sso e$"lica, se(undo Baudrillard, o /enTmeno do
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desa"arecimento das van(uardas e o ressur(imento de /ormas "assadas e arcaicas,
uto"ias retros"ectivas !ue en(endram uma 6ist#ria es"ectral, /eita de acontecimentosJ
/antasmas% oi o advento da chamada Era da mediocridade% e re"ente, al(um dj!u
!ual!uer ressur(e como uma assombrao im"revista% Como isso /oi "ossvelU Ele no
"ertencia ao "assadoU =# o retrovrus e$"lica%
3os tem"os atuais, a humanidade anda de marcha r% 4s sinais desse ines"erado
movimento, considerado sim"lesmente im"ossvel ou absurdo "elo "ensamento
estrati/icado durante sculos de es"eculao racional, "odem ser "ercebidos ho:e "elo
olhar atento% Essa inverso a"enas dis/arada, mas no desmentida, "elo "ro(resso
cient/ico e tecnol#(ico, !ue no cessa de inventar novos brin!uedos, muitos deles
mort/eros%
3o de admirar, "or e$em"lo, !ue a dialtica da 6ist#ria humana tenha sido
substituda "or um estruturalismo "etri/icador, num movimento de recuo do "ensamento,
de acordo com a met./ora de =artre, da ima(em din9mica do cinema "ara a /oto(ra/ia
"arada% 4u !ue as "ers"ectivas de uma nova or(anizao econTmica, "oltica e social
tenham sido abandonadas em /avor de um neoliberalismo selva(em !ue, como
contra"artida, "reci"itou nossa civilizao num terrorismo /undamentalista% 4u !ue a tica
se:a /undamentada na restaurao de valores iluministas, "rJmar$istas% 4u !ue a
e$"eriIncia es"iritual (enuna tenha sido se"ultada "or i(re:as e seitas i(ualmente
/undamentalistas% 4s sinais de inverso da din9mica coletiva esto "or toda "arte%
ssistimos, "or toda "arte, a um triun/o de"rimente da caretice F ou se:a, do
/ormalismo sobre a es"ontaneidade, da a"arIncia sobre a essIncia, dos ttulos,
comendas e medalhas sobre o mrito le(timo, da hi"ocrisia bur(uesa num ."ice
sur"reendente sobre a vida natural e autIntica% reverso da 6ist#ria "ermitiu s classes
mdias asse(urar a sobrevivIncia de seus deuses ao mesmo tem"o em !ue condena
seus saud.veis demTnios ao es!uecimento% Essas tare/as /oram con/iadas s armas
com !ue ainda conta, em es"ecial, na mdia e na academia% Essas duas instituiHes
alavancaram o "rocesso de reverso%
Primeiro e$em"lo> a moral tradicional, baseada na hierar!uia indiscutvel, na
"re"otIncia e na submisso, na obediIncia e no con/ormismo F ou se:a, numa "alavra, na
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re"resso F teve de en/rentar a emer(Incia de uma moral libert.ria !ue cresceu durante
a maior "arte do sculo "assado, de uma maneira a"arentemente irresistvel%
Com razes na "sican.lise de reud, !ue desmascarou essa moral re"ressiva
como ori(em da neurose, ou na subverso de valores de 3ietzsche, !ue a denuncioucomo contr.ria aos interesses da "r#"ria vida, a nova "ers"ectiva moral (anhou uma
enunciao a(uda no "ensamento de =artre, !ue viu claramente seu /undamento na
liberdade% 4 au(e desse "rocesso de mani/estao da nova moral libert.ria /oi
alcanado, na "r.tica, "elo movimento !ue se convencionou chamar de contracultura%
=ua reverso restaurou al(uns dos mais renitentes "reconceitos da moral tradicional%
Mas a situao atual, se(undo Baudrillard, no sim"lesmente contradit#ria ouirracional F ela "arado$al% 6. uma ironia ob:etiva no "rocesso recente> !uanto mais os
sistemas "olticos, sociais e econTmicos "ro(ridem mais (eram a "r#"ria desconstruo,
a realizao de/la(ra a reverso autom.tica, "ura e sim"les% Essa reverso "rovocou
eu/oria na cidadela da classe mdia, o !ue en/atizou "arado$os sim"lesmente
escandalosos% Com a reverso da 6ist#ria, o mais recente o mais remotoS o mais
distante o mais avanado%
ssim, a"esar dos avanos de Vilhelm Reich, 6erbert Marcuse e 3orman 4%
Bro5n, ou contra eles, a "sican.lise acomodouJse em sua misso de "romover a
ada"tao "assiva e, "ortanto, o con/ormismo% Com o "rete$to de contestar a
de"endIncia de =artre ao co(ito cartesiano, o estruturalismo o declarou su"erado, numa
manobra lo(o abenoada "elas universidades% 4 sistema cu:o "oder /ora denunciado ,
ento, consa(rado como insu"er.vel, uma estrutura inabal.vel% Com tal /undamento
te#rico, as novas (eraHes so /acilmente convencidas da verdade su"rema do realismo
cnico%
o mesmo tem"o, a mdia encarre(ouJse da diluio da contracultura, a"ressando
sua retrao% =ubstituiuJa, no es"rito das novas (eraHes, "elo culto ao a"arecimento
incessante de novas maravilhas do entretenimento, (raas nova tecnolo(ia di(ital% ;m
com"utador e um celular de Oltima (erao so a"resentados F e o !ue "ior>
acreditados F como su/icientes "ara asse(urar a /elicidade /inal%
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4 estado de consciIncia vi(ente /oi re/orado "or meios mais sutis, subliminais%
sse(urouJse, assim, nas novas (eraHes a autoJhi"nose e o em"aredamento mental
!ue inibe a liberdade ori(inal da consciIncia e tende a con(el.Jla, como diria =artre, na
ri(idez do ser emJsi%
4 "anorama atual "rovoca es"anto% Como com"reendIJloU
Baudrillard 2))1Q sustenta !ue uma 6ist#ria virtual, na !ual a in/ormao substitui
o acontecimento, est. ocu"ando, ho:e, o lu(ar da 6ist#ria real, e !ue isso resulta em
nossa /alta de res"onsabilidade, tanto individual !uanto coletiva% ssim, "or e$em"lo, o
a"elo de =artre "ela liberdade e conse!uente res"onsabilidade, considerado, "ara
todos os e/eitos da reverso, uma mera iluso do "assado%
3o "lano econTmico, "oltico e social, a reverso /oi ainda mais es"etacular% 4
desa"arecimento da ;nio =ovitica e do triun/o do ca"italismo selva(em serviu de
"rete$to "ara a desconsiderao do "ensamento te#rico mar$ista% 4 ob:etivo,
naturalmente, a su"resso radical da rica tradio do "ensamento crtico, mais uma vez
bene/iciando a aceitao "assiva e o con/ormismo%
4 deus da classe mdia, ao !ual ela deve sua e$istIncia, o /undamento meta/sico
do ca"italismo, o dinheiro% 3os dias !ue vivemos, a (rana e$"erimenta sua "romoo a
uma es"cie de ivindade =u"rema, (lori/icada em "rosa, verso e uma en$urrada
incessante de tratados de economia, or(anizaHes econTmicas e seus tem"los m.$imos
!ue so os bancos% Esse /etiche abstrato, ?o vil metal@, a cul"a materializada da
6umanidade, se(undo 3orman 4% Bro5n se naturalizou como uma obra de eus ou da
3atureza F como o cu e o mar, o =ol e a Lua, as montanhas e as .rvores% mera
e$istIncia do dinheiro, "ortanto, a verdadeira ori(em da alienao, nos termos de Mar$,
da rei/icao, nos de Luacs, ou da serializao, nos de =artre% Estes trIs conceitos
descrevem, de di/erentes 9n(ulos, o mesmo /enTmeno m#rbido !ue caracteriza nossa
vida em comum F o endeusamento do vil metal%
Mas Baudrillard vai, ho:e, mais lon(e% Ele considera termos como alienao,
rei/icao e serializao, obsoletos demais "ara indicar o !ue acontece ho:e F e descreve
nosso mundo em termos de e$crescIncia tecnol#(ica, obscenidade e obesidade
"roli/erantes e virtualidade desen/reada% Com um humor e um sarcasmo necess.rios
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J Ge:a s#, com"anheiro, esto /alando de n#s de novo%
J Eles /in(em !ue se es!uecem de n#s% Mas, de re"ente, so novamente obri(ados
a lembrar%
Esse di.lo(o "oderia ser re"etido ho:e, se os dois velhos, ho:e centen.rios, ainda
estiverem vivos% Mas no necess.rio% Eu era :ovem, estava l. e ouviS ho:e, estou velho,
mas lembro e re"ito% =omos obri(ados a lembrar de /o/ocas "olticas, de um lado ou de
outro, no "odero ocultar o #bvio% s atuais mani/estaHes de nossa :uventude rebelde
so le(timas, lOcidas, e no so "roduto de nenhum ti"o de mani"ulao, mas
corres"ondem com /idelidade aos sentimentos e ao "ensamento dessa :uventude% =uains"irao nitidamente anar!uista, e, "ortanto, rom9ntica, como /oi a da contracultura
em minha (erao% Esses meninos de ho:e lutam "ela liberdade, a verdadeira, e no a
/alsa liberdade das /o/ocas "olticas%
4s mais velhos, em (eral, no entendem a viso :uvenil% 4 desentendimento
comea com uma di/erena radical entre visHes do mundo% 4s velhos acham !ue o
mundo est. acabado, o /uturo ser. necessariamente i(ual ao "resente e ao "assado,
"rinci"almente no !ue eles tIm de "ior% Para os :ovens, ao contr.rio, o mundo est. "or/azer e "ode ser trans/ormado em sim"lesmente tudo !ue /or necess.rio% "rimeira viso
se a"resenta como realista, mas "ode ser vista como "ura covardiaS a se(unda viso !uer
ser ativa e cora:osa, mas "ode ser vista como "ura iluso% Aual sua o"inio, caro leitorU
i(a e eu adivinho sua idade%
3o me venham dizer !ue /ao "ro"a(anda da ba(una e da destruio do
"atrimTnio "Oblico e "rivado% =eria sim"lesmente ridculo% Em "rimeiro lu(ar, no "reciso
/azer "ro"a(anda de coisa nenhuma% 4s :ovens sabem o !ue !uerem, "or!ue !uerem,"ara !ue !uerem, e o !ue "recisam /azer "ara conse(uir o !ue !uerem% Go se li$ar "ara
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a o"inio de um velho de 8* anos, /eito eu% 3a verdade, escrevo "ara minha (erao !ue,
ali.s, teve uma :uventude de es!uerda, "rinci"almente socialista, e, com a idade e sei l.
mais o !uI, se bandeou em nOmeros assustadores "ara a direita% Muitos so ou eram ou
sem"re /oram meus ami(os, mas suas o"iniHes de ho:e, conservadoras, reacion.rias ou
sim"lesmente /ascistas, me dei$am at meio assustado e enver(onhado%Mas no condeno nin(um% Cada um "ense o !ue !uiser, "ois como dizem os
americanos, ou diziam, ?this is a /ree countr7@% Mas no consi(o dei$ar de es"ecular
sobre uma mudana to chocante% Dalvez o res"ons.vel "or recuo to assustado e
(eneralizado "or "arte de tantos e$Jrebeldes, tenha sido o mero "eso dos anos% idade
madura considera "rioritariamente o tem"o "rovis#rio e im"lac.vel !ue tem diante de si,
uma estrutura /echada "ela morte cada vez mais "r#$ima% Ento, a obsesso "ela ordem
e "or uma su"osta moralidade corres"onde e$"eriIncia crescente da ri(idez e da morte,!ue devem encerrar o ciclo vital num "rocesso considerado ?normal@% Dhanatos triun/a
sobre Eros%
Mas esse mundo senil, su/ocado "or toda es"cie de leis e re(ulamentos, deve ser
are:ado "ela viso :uvenil !ue o seu o"osto e seu antdoto% N uma necessidade social%
Livre do "assado da in/9ncia e do /uturo da maturidade, o tem"o do :ovem a eternidade
e seu "rinci"al sentimento, a conse!uente con/iana absoluta no /uturo mais livre !ue ele
vai construir% a"arente insensatez, !ue a"avora os coroas, , "ortanto, e$atamente o
antdoto !ue renova a vida, a revanche de Eros% s "e!uenas destruiHes "raticadas "or
membros dos +lac. +locs, ou dosAnon%mous, ou !ual!uer outro (ru"o, "or e$em"lo, no
tem im"ort9ncia diante da saOde !ue eles trazem "ara o "r#"rio es"rito da sociedade
vi(ente% E os "rinc"ios anar!uistas, cu:o /undamento a "ai$o "ela liberdade, tem tudo
a ver com isso%
O ?+)*'+)$! (' (%+%$'
5tre droite, c6est avoir peur pour ce qui existe.
Jules Romain
Este e o texto seguinte foram escritos quando Bush ainda era Presidente dos Estados Unidos.
Eu os mantive na forma original porque acredito que descrevem contingncias daquele pa#s
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que permanecem vigentes, apesar de Barack Obama e das poss#veis modifica@es que ele
anunciou mais do que realizou. Al;m disso, achei apropriado manter este texto neste
volume porque o pensamento de direita esthoje em grande moda no Brasil,
principalmente em fun@o do patroc#nio ostensivo da grande m#dia.
Em 1-**, em "lena uerra ria, =imone de Beauvoir "ublicou no seu livro
7ri!il8ges, um ensaio intitulado )a 7ense de Droite, Aujourd6$ui, em !ue "rocura traar
a evoluo do "ensamento da direita, desde seus /undamentos nas inter"retaHes da
6ist#ria de 4s5ald ="en(ler e rnold Do7nbee, at os direitistas /ranceses da "oca%
s an.lises de Beauvoir "odem ser sintetizadas em al(umas caractersticas
/undamentais% "rimeira delas era um "essimismo !ue contrastava com o otimismo !ue
marcou a ascenso das classes mdias% ="en(ler, "ara comeo de conversa, anuncia a
morte da cultura ocidental% 6. nele uma viso catastr#/ica da hist#ria !ue vem de
3ietzsche% civilizao ocidental descobre !ue ela mortal% Mas acredita !ue ela
"oder. sobreviver "or meio de uma /orma contem"or9nea de cesarismo% 3o deu outra%
4 "ensamento da direita rea(e "r#"ria "aranoia em termos de um novo
cesarismo totalit.rio% N "reciso en/rentar a ameaa desi(nando um inimi(o res"ons.vel e
se dedicar a destruJlo% 3os anos cin!uenta, esse inimi(o era claro F o comunismo,
materializado na ;nio =ovitica% 4 "rinci"al su"osto da /iloso/ia da direita a
desi(ualdadeS lo(o, o "ro:eto da i(ualdade considerado "atol#(ico, contr.rio natureza
humana F e o !ue esse "ro:eto "romete um verdadeiro a"ocali"se% ?4 mar$ismo !uer
minha morte@, dizia Dhierr7 Maulnier%
Como era "ossvel, ento, !ue al(uns seres humanos /ossem de es!uerdaU
l(uns, como rthur Koestler, tinham e$"licaHes /isiol#(icas> o "roblema era uma
?/adi(a de sina"se@, um en/ra!uecimento das cone$Hes entre as clulas do crebro dos
es!uerdistas, coitados% Mas a e$"licao mais comum era "sicol#(ica> a ori(em da
es!uerda a /rustrao, "or no deter o "oder, e o ressentimento, con/orme Ma$ =cheler"roclamou e, de"ois, Ra7mond ron e Monnerot re"etiram%
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inda ho:e, dizem !ue o antiamericanismo !ue se es"alha "or !uase todos os
"ases do mundo resultado da inve:a% =e(undo Monnerot, no "r#"rio ttulo de seu livro,
o comunismo O 9sl3 do Sculo ::S atualmente, numa sim"les reverso, "oderJseJia
dizer !ue o islamismo o comunismo do sculo YY0% mbos e$"ressam um mal
meta/sico% 0n/orma Beauvoir !ue, "ara Paul Claudel, "or e$em"lo, condenar a
e$"lorao do homem "elo homem tolice "or!ue o homem ?"ede@ "ara ser e$"lorado%
3o basta, "ortanto, se(undo Claudel, de/ender a ordem estabelecidaS ele sustenta !ue
ela merece o a"oio divino, nada menos% Beauvoir conclui !ue al(um ti"o de mstica
necess.rio "ara a direita F e o "r#"rio eus invocado "ara sancionar seus ob:etivos,
como eor(e Bush sem"re (ostou de /azer%
inalmente, nossa autora menciona um "ersona(em /undamental> 'ames
Burnham% e !uem se trataU ?Ele americano> ele !uer !ue a mrica domine o mundo@
F ela resume, :. em 1-**%
=im, 'ames Burnham /oi o ide#lo(o !ue abriu o caminho "ara a doutrina da
he(emonia americana absoluta dos atuais neoconservadores% oi ele !ue e$i(iu umaestrat(ia mais a(ressiva contra a ;nio =ovitica !ue deveria substituir a de conteno
dtenteQ !ue era a "oltica o/icial dos Estados ;nidos% Ele a chamou de li(erationS seu
ob:etivo> no mais a "az, mas a vit#ria% 4s atuais direitistas americanos atribuem a essa
estrat(ia, "reconizada "or Burnham, o cola"so da ;nio =ovitica e o /im da uerra
ria%
Burnham era, na :uventude, um intelectual de es!uerda, um comunista mesmo, de
tendIncia trotsista !ue, "ortanto, se o"unha ;nio =ovitica stalinista% Ele colaborava
na 7artisan 1e!ie;, era ami(o de =idne7 6oo e, em 1-
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4 livro se(uinte de Burnham,
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eor(e Kennan, '%Robert 4""enheimer e Linus Paulin( "or a:udar os comunistas% Em
suma> tornaJse, ento, um radical de direita F um ti"o !ue se denuncia !uando,
inteiramente "aranoico, comea a descobrir comunistas debai$o da "r#"ria cama%
4 medo abriu os olhos de Burnham "ara o /uturo% Ele, inclusive, "reviu a ascenso
de um "oder im"erial, nos Estados ;nidos, !ue viria rom"er o delicado e!uilbrio
constitucional do "as, estabelecido "elos chamados -ounding -at$ers, num livro ousado,
0ongress and t$e American
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sua "osio he(emTnica absoluta do "laneta% ssim, Bush recusouJse a assinar o
Dratado de Kioto e abandonou o Dratado de Msseis ntibalsticos, entre outras
demonstraHes de arro(9ncia% 4s neoconservadores acreditam !ue os Estados ;nidos
devem resolver os "roblemas internacionais "ela /ora das armas% ssim Bush solicitou e
conse(uiu um aumento "ara as /oras armadas F e continua a "edir mais dinheiro "araos custos militares% 4 !ue, claro, a(rada ao Pent.(ono%
3aturalmente, no /ossem eles "ensadores da direita, os neoconservadores
alimentam seu ti"o "r#"rio de "aranoia e a disseminam no "ovo americano% 'ames
Burnham tinha medo dos comunistas% Por causa de sua teoria, ou no, a uerra ria, a
;nio =ovitica e, naturalmente, a cons"irao comunista acabaram% Mas como o
"ensamento da direita "recisa de al(um ti"o de "aranoia, ele iniciou a moda das teorias
de cons"irao% 4s descendentes de Burnham "recisavam, "ortanto, de uma nova
ameaa F e a descobriram> o terrorismo% '. se observou !ue, "ara tornar vi.veis os
audaciosos ob:etivos de domnio total do "laneta, dos neoconservadores, se no tivesse
acontecido o ?on2e de setem(ro@, seria "reciso invent.Jlo% raas a ele, declararam
?(uerra ao terrorismo@, su"rimiram as liberdades democr.ticas no interior dos Estados
;nidos e atacaram o /e(anisto e o 0ra!ue sem considerao s 3aHes ;nidas% E com
o a"oio "o"ularW 4 "ensamento da direita sem"re se alimenta basicamente do medo% "aranoia atin(iu, nos Estados ;nidos, nveis inima(in.veis, "rinci"almente num "as to
"oderoso, (raas ao deliberada do (overno% Doda semana, o B0 anuncia o "eri(o de
ata!ues terroristas, o alerta laran:a aceso e o "as inteiro submetido a um intenso
"oliciamento% Embora, alm do misterioso ?on2e de setem(ro@, nunca mais tenha ocorrido
nadaW Dudo se "assa como se o atentado s torres (Imeas tivesse sido um ardil
incon/ess.vel "ara criar as condiHes necess.rias "ara a realizao dos ob:etivos dos
neoconservadores% 3o admira !ue, num "as dominado "or uma "aranoia a(uda,setenta "or cento da "o"ulao a"oiem Bush e a sua (uerra%
=e(undo a "si!uiatria, h. um ti"o de "aranoia, o delrio de inter"retao, !ue se
caracteriza "ela alterao do si(ni/icado da realidade% 4 "aranoico a ada"ta aos seus
"r#"rios dese:os e emoHesS "ara :usti/icar seu medo, descobre em indcios /ortuitos e
va(os um ?sentido claro@% Por outro lado, tal ti"o de "aranoia ainda se caracteriza "ela
conservao da clareza mental e, em termos "si!ui.tricos, "ela ?ausIncia de "re:uzo
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demencial@, o !ue lhe con/ere uma a"arIncia de normalidade% Essa descrio clnica se
a"lica como uma luva em Bush e seu (ru"o de /alcHes%
A ?+&!)%@! (+ 7-*B
Em !ue medida "odeJse "rever o /uturo e tomar as "rovidIncias necess.riasU
Para o "residente Bush, a"arentemente sem"re% =ua "oltica em relao ao 0ra!ue, "or
e$em"lo, su"He !ue "odemos saber, "elo menos, tudo o !ue /or necess.rio "ara
tomarmos "rovidIncias enr(icas% s decisHes delas /undamentamJse, "ortanto, sobre o
su"osto da "ossibilidade de conhecimento /uturo, ou "reco(nio% =addam 6ussein tem
armas de destruio em massa e vai us.Jlas ine$oravelmente, esse su"osto no admite
discussoS "ortanto, =addam 6ussein deve ser imediatamente atacado, antes !ue /aa
al(uma coisa%
Dal "osio envolve lo(icamente a ca"acidade de "rever o /uturo, como sem"re
/izeram os "ro/etas e adivinhos% viso "ro/tica imediata, intuitiva, natural, aocontr.rio da arte da adivinhao cu:as "revisHes de"endem da inter"retao de
"ress.(ios e smbolos% Mas ambas visam mesma coisa> a su"resso do ines"erado, da
sur"resa, e o domnio sobre o "orvir% Muitas "ro/ecias so enunciadas em smbolosS e
todas as chamadas ciIncias, ou artes, divinat#rias servemJse do mesmo elemento> as
/i(uras do
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4 autor da hist#ria ori(inal, Phili" K% ic um dos escritores mais /ascinantes do
(Inero liter.rio a !ue se dedicou F a "o"ular /ico cient/ica% o contr.rio de outros
cole(as, sua literatura conse(ue ser boa sem ultra"assar os limites do (Inero% N um caso
raro% Ra7 Bradbur7, "or e$em"lo, um autor e$ce"cionalS mas, se(undo muitos crticos,
um /iccionista cu:a arte no "ode ser limitada ao sciJ/i, seu !ooliter.rio mais alto% 3o o caso de ic% Ele um autor t"ico do (Inero e sua "roduo volumosa, como de
todo /iccionista "o"ular%
Mas, na verdade, ic um escritor srio, um intelectual inteli(ente% az a
chamada /ico cient/ica es"eculativa, na !ual a "r#"ria natureza da realidade "osta
em !uesto, "or meio de eni(mas como este, sobre o tem"o, "rinci"almente a su"osta
indeterminao /le$vel do /uturo e a determinao inalter.vel do "assado%
=eus livros ilustram a tese% s anteci"aHes nas hist#rias de ic so to
'requentes!ue, "ara certos crticos, ele "r#"rio um &recog, um "reco(nitivo% 4 escritor
declara !ue no sabe se mesmo, mas admite !ue muitos eventos ima(inados "or ele,
"ara os livros, de"ois acontecem em sua vida real mais ou menos da mesma maneira% 4
e$em"lo cl.ssico a obra Os
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&&
tem"o no real, como saber o !ue o /uturoU@ s duas "rinci"ais conce"Hes se
e$cluem% Para uns, o /uturo est. "redeterminado e no "ode ser mudadoS "ara outros,
"elo contr.rio, indeterminao "ura%
"rimeira conce"o, "ara a !ual a /ora do destino absoluta, est. bastante
arrai(ada em nosso inconsciente coletivo e /oi herdada dos (re(os% Para eles, na "oca
.urea da cultura helInica, o /uturo est. determinado de maneira ine$or.vel, meta/sica e
inalter.vel% 4s or.culos, "or isso, sem"re acertam%
N curioso observar !ue, na medida em !ue o tem"o F e, "ortanto, o /uturo J
ri(idamente determinado, ele vira um ob:eto F e, "ortanto, "oder. ser considerado ob:etodo conhecimento cient/ico% ssim, a viso de um /uturo ine$or.vel, /atal, "arece a muitos
ter uma conotao de ti"o mais ?cient/ico@ em contraste com a indiscriminao mais ou
menos (ratuita da viso o"osta, a libert.ria%
4 "ensamento do 4riente e as artes m.(icas de toda a "arte no so to r(idos
!uanto viso (re(a% noo hindusta de arma, "or e$em"lo, no e$clui a
"ossibilidade de mudana no destino, visto como uma correlao de /oras ativas e no
como um decreto de/initivo de uma obscura inst9ncia su"erior% N verdade !ue o
"ensamento m.(ico, a e$em"lo da viso oracular, tambm aceita a "ossibilidade da
"reviso, o !ue si(ni/ica !ue tambm "ara ele, de certa /orma, o /uturo :. e$iste% Mas, ao
contr.rio do !ue acontece na viso oracular, cient/ica, h. tambm a "ossibilidade da
mudana%
Essa abertura "ara a escolha humana "ode ser radicalizada% 3o e$tremo o"osto
da determinao in/le$vel est. a "ura indeterminao "ercebida "or doutrinas libert.rias
como a /iloso/ia e$istencialista% Dudo, "ara =artre, "or e$em"lo, de"ende totalmente de
nossas escolhas livres%
Leitor de 'un(, ic acabou se interessando "elo 90$ing% Escreveu um romance
(uiado "or suas consultas do or.culo chinIsS trataJse de O /omem do 0astelo Alto1-2Q, "ara muitos o seu melhor livro% hist#ria se "assa num universo "aralelo no !ual
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& "ro/essor de 7o(a, de meditao,
tera"eutas alternativos, entre outros% 4s "ro/essores de universidade !ue eu "rocurei no
!ueriam de :eito nenhum% ?Aue hist#ria essa de semin.rio "ara /alar de /iloso/ia
orientalU 0sso no e$iste% 3o e$iste !uesto nenhuma !ue os orientais tenham "ensado
!ue a /iloso/ia ocidental no tenha "ensado melhor, mais "ro/undamente e
com"letamente%@
Mas n#s !ue vivenciamos a contracultura, admiramos o "ensamento oriental% 4
taosmo, "or e$em"lo, trata da es"ontaneidade% 6o:e se /ala muito em tica e moral, mas
Lao Dse revela !ue estas so resultados da decadIncia da sociedade e do es"rito% iz
ele !ue, numa sociedade saud.vel, no "reciso ter a tica e a moral, "or!ue todas as
"essoas se com"ortam es"ontaneamente de /orma correta de acordo com esses
"rinc"ios% Eu no mato nin(um, no roubo nin(um, no /ao sacana(em com
nin(um% minha consciIncia no com"orta essas aHes% 0sso de"ende sim"lesmente
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da es"ontaneidade, da naturalidade, de viver a e$"eriIncia imediata% =em as mediaHes
ca"ciosas e mali(nas do "ensamento%
Como nos ensina a verdadeira reli(io, o demTnio e advers.rio o nosso "r#"rio
"ensamento% N ele !ue nos induz ao mal% =e vocI controlar o "ensamento atravs de7o(a, meditao, um "ou!uinho de macrobi#tica, talvez um alucino(enozinho de vez em
!uando%%% 0sso tudo te coloca "ara cima, mas a deciso /inal "ela con!uista da "r#"ria
es"ontaneidade /ica "or conta da /ora da sua vontade%
Em suma> vocI no "recisa de normas re"ressivas de nenhuma es"cie, se vocI
vive naturalmente, es"ontaneamente, de acordo com a vontade de eus% Ento no
"recisa dessa merda toda !ue inventaram%
A"+%*$+ C!8"+:
Ed5ard le$ander Cro5le7 nasceu em Leamin(ton, Varsicshire, 0n(laterra, a 12
de outubro de 1+8*% N considerado um dos maiores ma(os da era moderna e /oi
retratado "elo escritor =omerset Mau(ham no seu romance O "ago ?Esse menino a besta do "ocali"se%%%W@
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E o $omem deseja a mul$er
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Podemos acrescentar !ue o homem e a mulher sem"re "rocuraram dar e /luirQ
e$"resso liter.ria ao seu dese:o mOtuo, to naturalmente !uanto "rocuram satis/azer
esse dese:o% 4 1ig Geda ou o bblico 0Hntico dos 0Hnticosmostram !ue o erotismo
"arece ter nascido, na literatura, com a "r#"ria necessidade de e$"resso atravs da
"alavra artstica% 4 con:unto de te$tos "reservados desde a anti(uidade mais remota, no4riente e no 4cidente, su/iciente "ara /ormar uma substanciosa biblioteca erotol#(ica%
N a transcendIncia da carne !ue est. em :o(o na rica tradio er#tica da literatura
da nti(uidade, desde a cultura e("cia at o 0m"rio romano% ois "es!uisadores so
res"ons.veis "elo invent.rio dessa literatura% riedrich Cael ober( escreveu, no sculo
"assado, um "anual de Erotologia 0lIssica1-2+Q !ue Eduard uchs, em "rinc"ios de
nosso sculo, com"letou com uma /ist4ria da Arte Er4tica@ =o dois volumesim"ortantes%
=e(undo ober(, a literatura er#tica da nti(uidade en/atiza a !uesto das
"osiHes "ara a realizao do ato se$ual% azer amor era, "ara os anti(os, uma arte cu:a
tcnica devia ser dominada atravs de um sistema or(anizado% ober( or(anizou uma
lista total de noventa "osiHes, talvez a mais com"leta :. /eita% Ela com"reende todas as
variaHes inventadas na nti(uidade Cl.ssica, na 0dade Mdia e na Renascena% N bem
verdade !ue, de"ois da 8a"osio, ober( e$tra"ola os limites da c#"ula entre um casal
"ara enumerar outras !ue re!uerem o concurso de um animal ou de mais de dois
"arceiros humanos% Mas todas eram consideradas situaHes er#ticas "er/eitamente
realiz.veis, "or nossos ante"assados%
"reocu"ao com as "osiHes era comum do 4riente ao 4cidente, como "rovam
dois livros e$tremamente "o"ulares, ainda em nossos dias>A Arte de Amar, do romano
4vidio, e o JamaSutra, do indiano Gatz7a7ana%
4vidio recomenda>
Aquela cuja &erna ju!enil, o torso sem de'eito
Deitese sem&re de costas so(re o leito@
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Por outro lado>
Que a&erte o co(ertor com os joel$os e do(re um &ouco a nuca
A que tem de (elo a lin$a de seu 'lanco@
4 KamaJ=utra, se(undo Mul Ra: nand, a codi/icao do trabalho de doze
"redecessores de Gatz7a7ana !ue tambm escreveram manuais sobre se$o% Para eles, o
se$o tem um sentido reli(ioso, o smbolo da beatitude su"rema e um dos meios !ue a
ela conduz% 4 livro estabelece uma es"cie de "sicolo(ia da educao er#tica, catalo(a
as /ormas de bei:os e am"le$os, d. conselhos "r.ticos>
Se um $omem !? o marido de uma mul$er que ele deseja ir a algum lugar, ent3o a ocasi3o
se l$e a&resenta 'a!orI!el@ "as um $omem sensato, que se &reocu&a com sua re&uta3o,
n3o irI sedu2ir uma mul$er medrosa, tmida, e#cessi!amente !igiada ou que !i!a com o
sogro e a sogra, &ois estes !eem mais longe do que o marido@
literatura criou cl.ssicos imortais na nti(uidade% =e(undo a tradio, o "oema
mais belo da 0ndia a S$a.untala, de Kalidasa, a hist#ria de uma belssima "rincesa% O
)i!ro das "il e Uma =oites, o cl.ssico .rabe, tem uma viso er#tica !ue, se(undo o
es"ecialista Lo uca, ? uma das mais com"letas !ue !ual!uer civilizao :. concebeu@%
3a rcia, Plato em seu O +anquete celebra o erotismo alm dos limites da
heterosse$ualidade% rist#/anes le(a ao /uturo comdias de e$trema licenciosidade% s
"eas de s.tiros, escritas "or Ns!uilo, =#/ocles e rist#teles, como com"lementos desuas tra(dias, tambm eram e$tremamente livres em matria se$ual% ;ma das lendas
mais "o"ulares entre os (re(os era a de !ue, certa noite, 6rcules teria mantido relaHes
se$uais satis/at#rias com
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recesso de al(uns mosteiros, encarre(aramJse de "reservar as obras cl.ssicas, a"esar
de o/icialmente condenadas% Renascena assistiu uma vi(orosa revalorizao da
se$ualidade, em Bocaccio e retino% Entre outras obras menos conhecidas, destacaJseA
9n'initude do Amor!ue, em nosso sculo, mereceu uma traduo de Kean7aul Sartre%
4 lar(o "erodo hist#rico !ue se se(uiu ascenso das classes mdias,
dominado, em termos de literatura er#tica, "or um (i(ante anteci"ador, o Mar!uIs de
=ade, e uma /i(ura menor, mas im"ortante, Leo"oldo von =acherJMasoch, cu:os nomes
deram ori(em aos termos sadismo e maso!uismo%
Muito antes de reud, a obra de =ade de/ine o ser humano "ela busca do "razer%
lm disso, anteci"ando a descoberta /reudiana de Dhanatos, o "rinc"io da morte, =ade:. estabelece a relao estreita entre o "rinc"io do "razer e o so/rimento /sico, esse
"rimeiro ensaio de destruio da vida% s descobertas de =ade seriam com"letadas "or
Masoch, !ue a"ontou a maneira "ela !ual o instinto de destruio "ode ser diri(ido
contra a "r#"ria "essoa, no desenvolvimento da relao er#tica% Com e/eito, toda a
investi(ao clnica "osterior a reud demonstrou !ue o sadismo e o maso!uismo so os
dois e$tremos correlatos a !ue tende todo dese:o se$ual% Constituem mesmo os "olos
essenciais de toda vida er#tica, atin(idos claramente em suas /ormas "atol#(icas%
4 modo de autossublimao da se$ualidade, t"ico da literatura er#tica, ca"az de
iluminar, de trazer ao nvel da consciIncia e do domnio da razo, as realidades mais
ocultas e secretas de nossa vida instintiva% 4 e$erccio e a divul(ao da literatura er#tica
a"arecem, assim, como um instrumento de "romoo de saOde social% N ine(.vel o e/eito
salutar da literatura de autores como % 6% La5rence e 6enr7 Miller%
Em
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La5rence, Miller e outros escritores so a"ontados como "arcialmente
res"ons.veis "elo !ue obtivemos, nas Oltimas dcadas, em matria de desmisti/icao
do se$o e maior liberdade se$ual% Miller vai alm dos mais avanados de/ensores do
amor livre% Precisamos de se$o livre "or!ue "recisamos de amor F dizem estes%Precisamos de se$o livre sim"lesmente "or!ue "recisamos de se$o F a/irma Miller% 4
se$o no uma e$"resso do amor !ue deveria vir acom"anhada "or ele% 4 se$o :.
amor e s# dei$a de sIJlo !uando se acredita !ue se "ossa /azIJlo sem estar
im"licitamente amando% Por isso, "ara Miller, s# h. um mal maior do !ue a ausIncia de
amor no se$o, !ue sim"lesmente a "ura ausIncia de se$o%
Mesmo de"ois de vitoriosa a revoluo se$ual como acreditam Miller e muitos den#s, seus livros "ermanecem na van(uarda de uma batalha mais "ro/unda, sustentada
"or todos a!ueles !ue de/endem o instinto contra as instituiHes emasculadoras de nossa
civilizao% Para Miller e outros escritores !ue o se(uem, neste "articular, como 3orman
Mailer, "or e$em"lo, s# seremos inte(ralmente humanos !uando /ormos inte(ralmente
solid.rios com o animal !ue h. em cada um de n#s%
Mas h. di/erenas entre esses autores% Miller tem uma viso realista do se$o>
"odeJse dizer, "or outro lado, !ue La5rence tem uma viso rom9ntica% Mas o realismo de
Miller "arado$almente mstico en!uanto o romantismo de La5rence !ue avalia,
hierar!uiza, :ul(a% Eles se com"letam, de certa maneira% Dalvez "or isso, Mailer tenha
declarado, numa entrevista, !ue (ostaria, como romancista, de /azer al(uma coisa entre
% 6% La5rence e 6enr7 Miller% 3o /undo, Mailer "arece "retender ultra"assar a ambos,
com uma viso mais (lobal do /enTmeno do se$o, aceitandoJlhe a realidade "lena como
Miller, mas dandoJlhe tambm "eso e medida, como La5rence%
=e(undo os erot#lo(os modernos, o erotismo a es"iritualizao da carne e sua
converso em cultura% 0sso distin(ue a literatura er#tica da "orno(ra/ia vul(ar% 3o
meramente obsceno, a carne "ermanece tristemente encerrada em sua imanInciaS a
"orno(ra/ia o si(no ob:etivo do /racasso em transcender essa imanIncia% o contr.rio,
a transcendIncia a dimenso natural da literatura er#tica% Etimolo(icamente, a "alavra
erotismo deriva de Eros, o deus do amorS "orno(ra/ia deriva da "alavra &orno, !ue
desi(na a "rostituta% =o realidades !ualitativamente diversas% Erotismo e "orno(ra/ia
no devem ser con/undidos%
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A R+!"-@! S+-'"
Auem ainda no sabe, /i!ue sabendo> :. /ui condenado a dois anos de "riso "elo
chamado "oder :udici.rio brasileiro e s# esca"ei de ver o sol nascer !uadrado devido a
uma circunst9ncia "rovidencial% Motivo> se$o% 3o, (alera% 3o estu"rei nin(um e
tambm no cometi nenhum atentado ao "udor "or "r.tica e$ibicionista% "enas,
se(undo as autoridades "oliciais !ue me denunciaram e o ma(istrado !ue me :ul(ou e
condenou, in/rin(i a Lei de 0m"rensa com um atentado moral e aos bons costumes%
Como !ue aconteceu uma coisa dessasU '. conto%
oi, naturalmente, nos tem"os :ur.ssicos dos incios dos anos setenta% 6o:e em
dia, em !ue a (andaia est. solta e o/icializada, uma coisa dessas no "oderia acontecer%
Mas na!uela saudosa idade das trevas, no era de se estranhar muito% ProvidIncias
indi(nadas "ara evitar o cataclismo moral !ue ameaava a santa /amlia brasileira e !ue
o Brasil se tornasse uma nova =odoma e omorra eram tomadas a toda hora% Como se
sabe, o es/oro /oi vo> a 6ist#ria mostrou !ue o cataclismo moral realmente se abateu
sobre a /amlia brasileira e o "as se tornou a nova =odoma e omorra, con/orme
observamos atualmente% Mas, na!uele tem"o, ainda se lutava "ela santi/icao do "as
de todas as maneiras, "rinci"almente atravs da censura estO"ida, de "risHes arbitr.rias,
tortura e desa"arecimentos criminosos, uma hist#ria ver(onhosa, em suma, !ue nin(um
conta inteiramente e muito menos a"lica as sanHes cabveis con/orme os "rinc"ios da
nossa "retensa civilizao "or!ue, como a!ueles !ue deveriam ser os res"ons.veis "elo
res(ate da honra nacional /azem sem"re !uesto de lembrar, anistia si(ni/ica
es!uecimento% Ento t. bom% Es!uecemos todos e /ica tudo "or isso mesmo%
e minha "arte, reconheo humildemente !ue tentei es!uecer, mas no conse(ui,
de todo% 3o es!ueci, "or e$em"lo, como /ui "arar nas barras dos tribunais e estive
beira de ver meu "obre nome lanado no rol dos cul"ados, !ue como os (uardiHes da
su"osta :ustia se re/erem aos des(raados !ue tIm a in/elicidade de cair em suas
(arras%
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Dudo comeou !uando al(uns moralistas do re(ime ditatorial de ento resolveram
im"licar, no comi(o, mas com o 'T =oares% 3osso !uerido (ordo havia escrito uma
crTnica naturalmente humorstica "ara O 7asquim cu:o ttulo era A 0ama, m#vel cu:a
se(unda utilidade o/erecer con/orto ao sono das "essoas "osto !ue a "rimeira essa
mesma !ue vocIs esto "ensando% s autoridades moralistas se declararamescandalizadas e "rovavelmente "or!ue !ueriam sacanear o 'T "or al(um motivo
obscuro, "ois tais arbitrariedades no costumam acontecer sem motivaHes ocultas,
resolveram "rocess.Jlo, en!uadrandoJo na Lei de 0m"rensa "or atentado moral e aos
bons costumes% RidculoU Pois % Mas dava dor de cabea, como veremos em se(uida%
oi aberto um in!urito "olicial do !ual a dele(acia da Rua Mem de =., na La"a,
no centro do Rio de 'aneiro, /oi encarre(ada% 4 dele(ado intimou o 'T "ara "restardeclaraHes e, "ara /azer um servio com"leto, con/orme o manual intimou tambm
outros colaboradores /i$os do 7asquimcomo testemunhas% ;m desses inocentes !ue
no tinha nada a ver com as su"ostas obscenidades "raticadas "elo 'T era este criado
!ue vos escreve% 3o meio de uma doce semana carioca, uma !uintaJ/eira se no me
en(ano, numa tarde de sol, tive de sair da "raia mais cedo "ara ir La"a%
4 dele(ado me recebeu atr.s de sua mesa, mandou !ue eu sentasse diante dele,
me olhou como se eu tambm /osse um criminoso e comeou a "er(untar% 4 !ue ele
!ueria saber era se eu achava o arti(o do 'T imoral% Percebi imediatamente !ue seria
melhor res"onder !ue achava sim, !ue era um absurdo "ublicar uma coisa da!uelas num
:ornal !ue "ode entrar na casa das /amlias e ser lido "or :ovens em "erodo de /ormao
e tal% 4 dele(ado "rovavelmente sim"atizaria lo(o comi(o e "oderia concluir !ue eu era,
a/inal de contas, um bom ra"az "erdido no meio dos "ervertidos do 7asquim% Mas achei
!ue seria covardia demais, no se "ode abai$ar a cabea "ara a o"resso o tem"o todo%
=enti !ue tinha de manter a "r#"ria di(nidade, "elo menos uma vez na vida, e res"ondi
com toda sinceridade>
J 3o, no acho% matria do 'T uma brincadeira en(raada e moralmente
ino/ensiva%
J Auer dizer !ue o senhor no vI nada de errado nelaU
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J bsolutamente nada% 4 !ue h. de errado este in!urito% 3o ve:o o menor
motivo "ara !ue o 'T se:a "rocessado%
J Com"reendo% Auer dizer !ue o senhor, "or e$em"lo, assinaria a!uele arti(oU
J Claro% Por !ue noU
cara do dele(ado era ostensivamente de "oucos ami(os% =enti a vibrao%
autoridade tinha a certeza de !ue estava diante de um elemento nocivo sociedade, s#
/altava a con/irmao% Aue veio de uma maneira sur"reendente% Ele reme$eu em seus
"a"is e achou um recorte do 7asquimcom uma entrevista com Dom 'obim%
J 4 senhor leu a entrevista do Dom 'obim "ara O 7asquimU
J Claro, eu "artici"ei dessa entrevista%
J 4 Dom 'obim diz a!ui !ue h. racismo no Brasil%
J =im%
J 4 senhor concorda com essa declaraoU
J Claro% 0ma(ina se no h. racismo no Brasil, evidente !ue%%%
4 dele(ado me cortou abru"tamente a "alavra%
JN o bastante% 4 de"oimento est. encerrado% Pode ir%
J4bri(ado% t lo(o, dele(ado%
J Passar bem%
=a com a sensao de !ue havia dei$ado no homem da lei a convico de !ue eu
no "assava de um subversivo% sensao era correta% ;mas duas semanas de"ois, sou:udicialmente noti/icado de !ue estava sendo "rocessado "ela Lei de 0m"rensa "or ter
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!uando se
vive no mundo civilizado mas no se "ode des/rutar nada do nctar cultural desse
mundo "or!ue os "arado$os sobre os !uais a civilizao est. construda e$i(em !ue se
conserve um /undo de material humano alienado e sem cultura "ara ser e$"lorado, entoa l#(ica de se tornar um mar(inal se$ual se as suas razes "sicol#(icas esto "lantadas
nesse /undoQ !ue assim se tem, "elo menos, uma o"ortunidade de ser /_sicamente
saud.vel en!uanto se estiver vivo%
Como crianas, os $i&stersesto bri(ando "elo doce, e sua lin(ua(em um :o(o
de indicaHes sutis de seu sucesso ou /racasso na com"etio "elo "razer% 6. um senso
social t.cito, mas #bvio de !ue no h. doce su/iciente "ara todo mundo% Portanto, o doce
vai a"enas "ara o vitorioso, o melhor, o m.$imo, o homem !ue souber mais como
encontrar sua ener(ia e no "erdIJla% In/ase na ener(ia "or!ue o "sico"ata e o
$i&sterno so nada sem ela, "ois eles no tIm a "roteo de uma "osio ou de uma
classe de !ue "ossam de"ender !uando tiverem ido alm de si mesmos% Portanto a
lin(ua(em /i& a lin(ua(em da ener(ia, de como encontrada e "erdida%
Estar com a ener(ia ter a (raa, /icar "r#$imo dos se(redos dessa vida interior,
inconsciente, !ue h. de nutriJlo se vocI a escutar, "ois vocI estar. ento mais "r#$imo
da!uele eus !ue todo $i&ster acredita estar localizado nos sentidos do cor"o, ludibriado,
mutilado e, contudo, me(alomanaco !ue 9sto, a ener(ia, a vida, o se$o, a /ora, o "rana
do 0o(a, o or(one de Reich, o ?san(ue@ de La5rence, o ?bom@de 6emin(5a7, a /ora vital
de =ha5S ?0sso@S eusS no o das i(re:as mas o sussurro inalcan.vel do mistrio no se$o,
o "araso da ener(ia e da "erce"o sem limites alm da "r#$ima onda do "r#$imo
or(asmo%
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N!') M'%"+ B!>+
3o seu livro 7residential 7a&ers 1-&Q, 3orman Mailer conta uma entrevista !ue
concedeu ao :ornalista Paul Krassner% Re"roduzo o !ue se(ue de mem#ria "or!ue no
tenho o livro a!ui, nesse momento% 3o meio do "a"o, o :ornalista lembrou !ue, numa
re"orta(em, contou !ue esteve em Cuba e, certa noite, uma "rostituta cubana !ue lhe
/azia 'ellatiolevantou a cabea e "er(untouJlhe se ele ?era comunista@%
J Li sua re"orta(em F res"ondeu Mailer% F E lembro "articulamente desse trecho
"or!ue /i!uei chocadoW
J 3o acreditoW F e$clamou o :ornalista% F Lo(o vocI !ue :. escreveu al(umas das
mais cruas e detalhadas cenas de se$o da literatura americana, /icou chocado "ela
meno a uma cena to corri!ueiraUW 3o "ossvelW
J N verdade% i!uei sim% 3o muito chocado, mas /i!uei%
J 0ncrvelWWW Chocado "or to "oucoW =er. !ue vocI sabe "or !uIU
J cho !ue /oi "or!ue vocI em"re(ou uma "alavra do latim, 'ellatio% =im, /oi isso
!ue me chocou%%%
J GocI /icou chocado com uma e$"resso em latimU
J oi% oi a e$"resso latina, o eu/emismo% cho !ue vocI devia ter escrito> ?ela
estava chu"ando meu "au !uando levantou a cabea e "er(untou se eu era
comunista%%%@ E esta a minha o"inio como escritor "ro/issionalW
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3orman Mailer sem"re /oi um rebelde "or vocao e amou outros rebeldes como
ele, "ois sentia !ue s# essa raa rom9ntica e seduzida "elo sacri/cio "oderia mudar o
mundo "ara melhor% N um escritor "artici"ante e ori(inal, !ualidades !ue o valorizaram
muito h. al(uns anos, embora no este:am sendo muito "resti(iadas no momento atual%
"artici"ao social do escritor est. bem /ora de moda e a ori(inalidade, ho:e, se resumeaos as"ectos mais su"er/iciais da arte liter.ria%
=e(undo os chineses, Mailer do si(no do Co% E se(undo Dheodora Lau,
es"ecialista no assunto, ?o nativo deste si(no ser. amado "or seu ardente carisma e "or
sua not.vel ca"acidade de "enetrao na natureza humana@S ele tem tambm ?um
"ro/undo senso de lealdade@ e ?"ai$o "ela :ustia e "elo :o(o lim"o@S e ainda ?vi(oroso,
atraente e se#a&&eal@% inda se(undo Lau, ?o Co "ode ser combativo e bri(uento, maslevar. suas bri(as "ara cam"o aberto e raramente recorrer. a mtodos ardilosos "ara
vencer@% Eis a!ui um /iel "er/il "sicol#(ico de 3orman Mailer% Dudo isso certamente se
a"lica a ele%
Com o romance
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"arte o clebre e cl.ssico ensaio um
square, um !uadrado, um careta, o homem !ue se considera ?normal@ em nossa
sociedade, em (eral um neur#tico obsessivo com"ulsivo, um caso e$tremo da alienao
radical !ue a!uela !ue "assa des"ercebida, considerada como a ?normalidade@%
Mailer chama seu $i&ster, o rebelde !ue con/ronta os valores do square, de o
?ne(ro branco@, umAmerican E#istentialist, !ue se caracteriza "elo conteOdo reli(ioso de
sua revolta% Mas seu misticismo o da carne% 4 $i&steracredita no "oder reli(ioso do
se$oS em conse!uIncia, seu "rimeiro "rotesto contra a destruio do instinto e a
"erverso do se$o "ela moral "rotestante, mono(9mica e re"ressiva do square% Baseado
em Vilhelm Reich, ele e$"He sua "r#"ria teoria sobre o ?bom or(asmo@% 4 square tem
necessariamente maus or(asmos, "rematuros e insi(ni/icantes, em conse!uIncia de seu
a:ustamento, sua submisso% 4 ob:etivo do $i&ster, do rebelde, o bom or(asmo, sem"re
mais a"ocal"tico do !ue o "recedenteS a nova revoluo , sobretudo, se$ual%
4 con/ormismo no res"ons.vel a"enas "elo mau or(asmoS na verdade, ela
(era doenas terrveis, como o c9ncer, a doena !ue caracteriza nosso sculo de
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re"resso e con/ormismo, um resultado or(9nico direto do a:ustamento social% 4 c9ncer
consiste numa rebelio das clulas, submetidas durante muito tem"o o"resso de uma
sociedade sem liberdade% Auando o indivduo no se revolta, as clulas de seu cor"o o
/azem "or ele%
6. ainda mais um trao t"ico do ?ne(ro branco@% Contra o c9ncer, em busca do
bom or(asmo, o $i&ster re:eita a chamada consciIncia moral, ne(a os (rilhHes do
su"ere(o, tornaJse o !ue Mailer chama ?um "sico"ata /ilos#/ico@% Esta a re/le$o
ori(inal de Mailer% 4 !ue o "reocu"a a "ou"ana das clulas contra o c9ncer, a ener(ia
des"ertada "elo senso do "eri(o, a (rati/icao das necessidades se$uais inerentes a
cada um, as armas da sub:etividade contra a "resso esma(adora das or(anizaHes
sociais, a elaborao /ilos#/ica da viso do "sico"ata e, em suma, a rebelio contra todasas /ormas de institucionalizao F contra, inclusive, a!uelas !ue "retendem disci"linar a
"r#"ria rebelio%
"artir de seu livro Armies o' t$e =ig$t 1-+Q, Mailer se tornou um dos
/undadores do chamado =e; KournalismnorteJamericano% Mas suas obras no (Inero F
como "iami and t$e Siege o' 0$icago 1--Q,A -ire on t$e "oon1-8)Q ou
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investi(ao mais ade!uado% 4 (esto d. ori(em ima(em e esta o "onto de "artida
"ara mais uma aventura do es"rito%
=im> aventura% "rinci"al !ualidade do "ensamento de Mailer sua cora(em% Ele
no se limita a raciocinar dentro das estruturas estabelecidas "ela razo, analtica oudialtica% Pensar e$"lorar os territ#rios ocultos da mente, uma via(em ao desconhecido,
uma aventura% 3os ar(umentos de Mailer, conceitos e cate(orias cedem lu(ar ao !ue ele
chama de equaes &oticas, ou se:a, met./oras F no sentido mais revelador do termo%
ciIncia baseouJse ori(inalmente na met./ora, mas o sculo vinte a e$"ulsou "ara o (ueto
dos "oetas% 4 laborat#rio interditou o es"rito, declarouJse o ventre do conhecimento
cient/ico e sua metodolo(ia desenvolveuJse to incTmoda !uanto ?os c#di(os
trabalhistas de um sindicato de artistas de teatro@% met./ora desa"areceu% oisubstituda, "or artes de um /etichismo /urioso, "ela e$"eriIncia% mediocridade dominou
o conhecimento cient/ico% e$"eriIncia "assou a ser uma /, substituindo a met./ora
como meio de in!urito% e$i(Incia !ue e$"erimentamos ho:e a de deslocar o cientista
do centro da cena e restaurar a met./ora%
Partici"ao "oltica, liberdade se$ual e uso de dro(as%%% F todas as "rinci"ais
e$"eriIncias e$istenciais de !uem viveu "lenamente a se(unda metade do sculo vinte
/oram consideradas, "ensadas, e$aminadas e, last (ut not least, uitilizadas como matria
"rima artstica em seus romances, "elo escritor "ro/issional 3orman Mailer% Como outros
(randes artistas de seu tem"o, ele "artici"ou ativamente da busca de sua (erao e das
"osteriores !ue ins"irou% N do tem"o de Bertrand Russell, na 0n(laterra, 'eanJPaul =artre,
na rana, e tantos outros intelectuais !ue assumiram suas res"onsabilidades como
indivduos e cidados F o !ue, in/elizmente, "arece cada vez mais raro ho:e em dia%
P++*! ?!"%/%&'
utor de )i'e Against Deat$ e )o!e6s +od%, 3orman 4% Bro5n !uer "erceber em
toda cultura humana a realidade oculta do cor"o humano% =a(rada Comunho como
base da comunidadeS a Eucaristia> canibalismo% 0dentidade de su:eito e ob:eto,
"artici"ao mstica% eus no o Lo(os abstrato, a Razo desencarnada, mas a /orma
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humana divinizada% secreta tradio t9ntrica> a libertao atravs do cor"o%
ressurreio do cor"o% ressurreio da carne, em teolo(ia crist%
3orman 4% Bro5n cita a clebre "assa(em do 3ovo Destamento em !ue 'esus diz>
?ei$ai vir a mim as criancinhas "or!ue delas o Reino dos Cus@S ?em verdade vos di(o!ue se no /ordes como uma delas, no entrareis no Reino dos Cus@% Para Bro5n,
'esus se re/ere ao erotismo "olim#r/ico "erverso !ue caracteriza o in/ante% condio
natural do ser humano usu/ruir "razer "or todas as "artes do cor"oS a concentrao do
"razer nos #r(os (enitais uma distoro neur#tica !ue tem a ver com o
entumescimento do e(oS Bro5n vI uma e!uao entre centralizao e(oica e da libido
nos #r(os (enitais%
=e(undo Bro5n, !ue identi/ica a se$ualidade "olim#r/ica, "erversa, !ue reud
descobriu na "rimeira in/9ncia, com o estado de inocIncia dos msticos, a Aueda F
entendida no num su"osto "assado hist#rico, mas como al(o eternamente recorrente,
!ue acontece a!ui e a(ora, uma renovada doena "s!uica F "roduz, no s# a diviso de
se$os, como a "r#"ria restrita or(anizao (enital adulta% 4 andr#(ino corres"onde ao
rom"imento da alienao "or meio de uma erotizao do cor"o todo, isto , alm da mera
bisse$ualidade "olim#r/ica, "erversa, do in/ante, sem di/erenas nem o"osiHes%
re(enerao da es"cie a ressurreio do cor"o, como diz a teolo(ia crist, ou se:a, a
"lena atualizao de todas as "otencialidades do cor"o F e o cor"o assim ressurreto
andr#(ino% Esse cor"o !ue ressur(e, andr#(ino, no tem mais centro (enital, /.lico ou
va(inal, ou se:a, sem centro e(#icoS um cor"o mstico%
M'%' S+-'"
ma(ia "roduto da cultura ocidental com os mesmos ob:etivos da ciIncia%
di/erena est. nos mtodos de o"erao% ciIncia /undamenta seus su"ostos na razo e
lhes con/ere validez atravs da e$"eriIncia% ma(ia /undamenta sua ao na vontade%
mbas "rocuram o controle das /oras da natureza "ara coloc.Jlas a servio de
seus ob:etivos% Danto coincidem no seu "ro"#sito !ue "odemos dizer !ue a ma(ia um
ti"o de ciIncia e`ou !ue a ciIncia um ti"o es"ecial de ma(ia%
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J Eu no (osto de escrever cenas de se$o, /ico com ver(onha% ico acanhado% N
muito /re!uente !ue eu escreva uma linha ou duas, levante e /i!ue "asseando al(uns
minutos% e"ois volto, escrevo duas "alavrinhas e saio andando novamente% N como seeu no achasse direito escrever cenas se$uais%
evo re"arar !ue essa circunst9ncia no trans"arece, em absoluto, nos romances
de ;baldo e invoco o testemunho de seus leitores% Eles concordaro !ue as cenas de
se$o escritas "or ;baldo no dei$am adivinhar tal ines"erado constran(imento% eclaro,
"ortanto, !ue suas cenas de se$o so #timas% Mas ele discorda%
J 3o, no sou muito bom de se$o em meus romances% Auer dizer> acho !ue /iz
boas cenas homosse$uais no Sorriso do )agarto% 4 !ue, ali.s, acabou sendo
embaraoso "or!ue /icaram me "er(untando como conse(ui tamanho realismo% cabei
dizendo !ue /oi "or!ue treinei com ami(os como vocI e Darso de Castro%
;baldo solta sua clebre (ar(alhada% Esclareo aos leitores menos sutis !ue tal
treinamento no "assa de uma "iada% 3a verdade, ;baldo no considera a vivIncia
em"rica uma e$i(Incia essencial da arte liter.ria% 4 treinamento no /oi necess.rio%
J GocI no "recisa "arir "ara descrever um "arto nem ter necessariamente uma
e$"eriIncia direta de !ual!uer coisa "ara "oder descrevIJla% cho uma boba(em su"or
isso% Ed(ar Rice Burrou(hs nunca esteve na ]/rica% Karl Ma7 nunca esteve nos Estados
;nidos% 3o "recisaram% Auer dizer> ima(ino !ue ha:a escritores !ue "recisem% Mas eu
sou do ti"o !ue no "recisa%
J Como "rocede, ento, o escritor, !uando no "recisa da e$"eriIncia "essoalU
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J Eu /ico "ensando como rea(iria o su:eito na!uela situao, "or e$em"lo% Eu sou
estudioso, sou meio cientista louco% =e eu /or escrever sobre um "arto, do "onto de vista
da mulher, sou "rovavelmente ca"az de /azIJlo bem% Mas "ode ser tambm !ue no
se:a% e"ende% Dambm sou ca"az de ler um ca"tulo inteiro de enciclo"dia sobre "artoSmas no tomo nota nenhuma% 4lho a!uele ne(#cio e "ronto% Mas normalmente nem /ao
isso%
=u(iro !ue mudemos de assunto, do se$o na literatura "ara o se$o em nossa vida
"essoal J ou se:a, no caso, na vida "essoal de 'oo ;baldo% Este se(undo tema no
des"erta nele o mesmo interesse !ue demonstrou "elo "rimeiro% Ele rea(e com certo
tdio como se eu tivesse abordado um assunto absolutamente sem interesse%
J Eu sou realmente a "essoa menos interessante se$ualmente !ue vocI "ode
ima(inar% Pelo menos, no sentido da vivIncia em"rica% Posso ser um "oo de "orno(ra/ia
no /undo do crebro, mas no me sinto se$ualmente interessante% 3a realidade, eu no
me envolvo mais "essoalmente nesse assunto%
Eis a uma revelao sur"reendente% Dendo acom"anhado as /aanhas
inenarr.veis de meu ami(o durante a :uventude, /i!uei sinceramente chocado com a
con/isso ines"erada% i(o a ele !ue, ao contr.rio, eu achava !ue ele era to envolvido
no assunto !ue o inclui na minha lista dos ?dez mais se#%"ara uma revista% Ele d. uma
nova (ar(alhada e diz !ue, naturalmente, eu estava brincando% Re"lico !ue s# um "ouco
"or!ue sinceramente acho !ue ele um cara se#%%
J Eu no me acho se$7, no% '. /ui meio tarado, na :uventude at a meia idade, dos
&* aos
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3esta altura de nosso "a"o, saio de meu estado de cho!ue e "ercebo !ue tenho
uma entrevista indita e absolutamente escandalosa nas mos% =er. !ue a revista =e$7
ter. a cora(em de "ublic.JlaU =em dOvida, ser. muita aud.cia% Mas tem mais% ;baldo
entra num terreno abertamente con/essional%
J Denho al(umas ami(as !ue, ima(ino, (ostariam de dar "ra mim, mas no tenho
vontade de comer nenhuma% De#rica "ode ser, mas "r.tica no% Elas /icam sur"reendidas,
acho !ue al(umas nem acreditam% Mas, no /undo, esto sabendo !ue sou assim mesmo,
ali.s, so todas muito sim".ticas% '. vi nuas muitas dessas minhas ami(as, :. escrevi
sobre elas e tal, :. vi at em tudo !uanto "osio% 0sso deve ter me a/etado de al(uma
/orma% E$iste um "rinc"io biol#(ico se(undo o !ual a re"etio continuada do estmuloacaba "or debelar a reao% GocI estimula demais uma reao or(9nica e a che(a a um
"onto em !ue no rea(e mais% N bem "ossvel !ue eu tenha "assado "or isso% 4u este:a
"assando% e !ual!uer maneira, no me interesso mais "or comer nin(um% Auero
sosse(o% Dodo mundo sabe !ue no "asso de um camisolo%
Lembro !ue Bernard =ha5 "roclamou ter encerrado suas atividades se$uais aos
!uarenta anos de idade, considerandoJas uma diverso (rosseira s# su"ort.vel na
:uventude, "ara se dedicar inteiramente aos "razeres su"eriores do es"rito, como a
mOsica de Mozart e a literatura de =haes"eare% Per(unto a ;baldo se isso /az sentido
"ara ele% Claro !ue /az% Ele "r#"rio no se acha numa situao muito di/erente%
J Dranscender o se$o no uma "roeza incomum na hist#ria de /i(uras s !uais
no "osso me com"arar% esde =#crates a Buuel !ue se /az este coment.rio> /inalmente
me livrei dessa merda, no !uero mais saber% Buuel "re/eria seu charuto e seu
conha!ue% E =#crates, "or volta dos !uarenta anos, tambm revela ntido alvio "or se
libertar dessa com"ulso ridcula, de assumir "osiHes ridculas e emitir sons i(ualmente
ridculos a troco de "orra nenhuma%
;baldo cruza os braos e "ede !ue eu /aa o mesmo% 4bserva a se(uir !ue
/izemos o mesmo (esto em sentidos o"ostos% Minha mo direita /icou debai$o do meu
brao es!uerdo e a mo es!uerda sobre o brao direito% Ele, entretanto, cruzou ao
contr.rio, com a mo es!uerda debai$o do brao direito e a mo direita sobre o braoes!uerdo%
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J GocI :. notou !ue al(umas "essoas cruzam os braos naturalmente como vocI e
outras cruzam os braos naturalmente como euU GocIs sabe !ue essas coisas so
(enticasU N en(raado% 4 natural di/erente "ara "essoas di/erentes% 3o e$istenaturalidade% Portanto, tambm natural o !ue eu acho sobre o se$o, ho:e em dia% Eu
no sei "or onde anda a minha libido% Mas a libido no morre nunca% Ela se trans/ere "ara
os lu(ares mais loucos, desde um livro !ue vocI escreve ao es"orte !ue vocI "ratica%
dvirto ao meu ami(o !ue ele corre o risco evidente de ser chamado de brocha
"elos /o(osos leitores da =e$7 "or causa do "ecado im"erdo.vel de ser contra a "rinci"al
devoo deles%
J Eu no tenho nada contra se$o, no% =ou a /avor de se$o% 3o sou candidato a
mon(e tra"ista% 4 se$o "erdeu bastante a im"ort9ncia "ara mim, mas no (ostaria !ue o
ttulo desta matria /osse, "or e$em"lo, 4 rande Brocha% Por!ue, realmente, eu no
brochei% =# no tenho mais o mesmo /ascnio "or se$o, como tambm "erdi v.rios outros
/ascnios da nossa :uventude% GocI, "or e$em"lo, "reserva seu /ascnio "or :azz e eu no%
;baldo levanta de sua cadeira e caminha "ara o terrao da cobertura, a(ora
iluminado "elo sol do cre"Osculo%
J Eu estou en$er(ando mal e /ico com medo de /icar ce(o% =# !uero ler% Auero ler
a 0lada !ue eu :. li !uinze vezes, mas !uero ler de novo% Auero ler% =e eu tirasse uma
me(aJ sena nunca mais escrevia uma linha% icava lendo e :o(ando carteado ou domin#
a!ui com os a"osentados do Leblon%
e"ois, voltaJse "ara mim com o mais amistoso de seus sorrisos no rosto% GocI
!uer sorvete de abaca$iU Eu "e(o sorvete de abaca$i, boto (eleia de moran(o e /ao
uma mistura nauseabunda de to boa% E$"erimente%
J Melhor !ue uma tre"adaU F !uero saber%
J Muito melhor% Dre"ada uma coisa o/e(ante e babosa F ele conclui, rindo,diri(indoJse "ara a (eladeira%
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3 ETERNA, EFMERA VANGUARDA
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3a recente "olImica sobre a "oltica cultural do (overno, notouJse uma (randea(itao no setor dos artistas% oram "rinci"almente artistas F no caso, cineastas F os
"rimeiros a se levantar sobre o !ue !uali/icaram como diri(ismo cultural, evocando
al(uns dos "iores re"resentantes do /enTmeno na /alecida ;nio =ovitica% E /oram
tambm de artistas as vozes !ue se er(ueram contra o "rimeiro "rotesto,
com"reendendo a "osio inovadora do (overno, na !uesto% rtista assim% "r#"ria
criao de"ende desse es"ao em !ue medra a "olImica%
s di/erenas entre os dois (ru"os no so "ro/undas% 6. "ontos essenciais,
inclusive, em !ue todos devero concordar% rte F assim mesmo, com maiOscula,
"or!ue ela merece F tem de ser considerada a "artir de sua "r#"ria natureza es"ec/ica,
em !ual!uer "oltica cultural lOcida% Ela es"ecial% "resenta uma distino /undamental
em relao s demais atividades humanas !ue atendem s necessidades materiais
"or!ue a rte atende, nada menos, aos interesses su"eriores do Es"rito% s di/erenas
no dizem res"eito rte em si, mas sua relao com o Estado% Dudo comeou !uando
o artista do sculo "assado descobriu !ue ela "odia, ou at devia, com"rometer sua arte
com o interesse "Oblico%
conce"o de arte en(a:ada, com"rometida social e`ou "oliticamente, brotou dos
"r#"rios artistas, "articularmente dos escritores% =# de"ois, os burocratas se a"ro"riaram
dela "ara im"or normas !ue :ul(avam convenientes%
oi o !ue aconteceu com o chamado realismo socialista, esttica o/icial do
comunismo, de natureza normativa, con/orme o estabelecido "elos burocratas ocu"ados
da cultura na e$tinta ;nio =ovitica%
N verdade !ue h. uma e$i(Incia de "artici"ao social F no sentido de recriar na
obra a verdade ob:etiva da sociedade ali retratada F "or estetas mar$istas res"eit.veis,
como eor( Luacs, com seu conceito de realismo crtico e$em"li/icado "elos (randes
romancistas do sculo Y0Y% Mas a viso de Luacs !uali/icada e at sutil, em al(uns
as"ectos% ssim, "or e$em"lo, a:ustada viso hist#rica do mar$ismo, sua esttica
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"rivile(ia a narrao, din9mica e, "ortanto, dialtica, sobre a descrio, est.tica e
meta/sica% Contudo, o "r#"rio Luacs condena a liberdade /ormal assumida, "or
e$em"lo, "or um artista tambm mar$ista como Brecht% s normas da ?linha :usta@,
im"ondo "raticamente a obri(ao do realismo, no "oderiam ser di(eridas "or um artista
cu:a "r#"ria ori(em estava na van(uarda an.r!uica do incio do sculo "assado% Brecht obri(ado a ar(umentar contra a esttica o/icial, "ois a "r#"ria dialtica mar$ista e$i(e
"ara o seu teatro uma nova /orma artstica !ue "ossa e$"ress.Jla, alm dos su"ostos
aristotlicos tradicionais%
Com"romisso e estilo, "ortanto, so "reocu"aHes autTnomas% teoria da
literatura en(a:ada /oi /ormulada "or =artre em seu clebre ensaio O que a literaturaU%
=ur"reendentemente o e$istencialista =artre e$orta os escritores "ara um com"romisso
e$"lcito% Mas tem o cuidado de e$cluir a necessidade de en(a:amento nas demais artes
F mOsica, artes "l.sticas, dana, e at a "oesia F "or considerar !ue seus elementos
b.sicos de criao so ob:etos e no si(nos, com acontece com a "rosa% 4
com"romisso est. vinculado essencialmente ao si(ni/icado ostensivo, denotao%
4s escritores !ue :usti/icaram a doutrina sartreana do engagement, numerosos
entre os melhores do sculo "assado, e$"erimentavam o sentimento de !ue esse
com"romisso necess.rio obra de arte "ara !ue ela tenha um sentido na totalidade do
mundo em !ue vivemos, ou se:a, em "alavras mais sim"les, "ara !ue ela, em suma, no
se reduza a um bombom de lu$o%
Evidentemente, "orm, essa uma !uesto de /oro ntimo, /az "arte da intimidade
do artista como ser humano% 3in(um "ode decidir em !ue medida ele deve su:eitar a
sua essIncia, !ue sua arte, circunst9ncia do mundo in:usto em !ue vive% Ele sabe,
em "rinc"io, !ue a rte no "ode /icar su:eita a determinaHes e$ternas, /eito as normas
burocr.ticas% 4 "oder da rte !ue ela "ode e$"ressar, no a"enas os "roblemas
sociais e "olticos, mas sim"lesmente tudoS a arte livre e a"arentemente oni"otente% Por
sua "r#"ria natureza, ela no "ode su"ortar tutelas%
4s artistas !ue !uiserem li(ar sua obra a uma determinada viso "oltica, "or
e$em"lo, tem de ser livres "ara /azIJlo, sem o "revalecimento de "reconceitos
ideol#(icos% 4s !ue !uiserem sim"lesmente se omitir da !uesto em /uno de outras
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a!uilo !ue o (overno, no a rte, tem de /azer% o estabelecer critrios !ue dizem
res"eito ao conteOdo das obras, o sa"ateiro subiu acima das chinelas%
4 diri(ismo cultural tenta se :usti/icar "ela racionalidade !ue seria intrnseca
6ist#ria% Para no ir ?na contramo da 6ist#ria@ F e$"resso "r#"ria da conce"o
he(eliano mar$ista, mas !ue, de to a"arentemente "oderosa, /oi a"ro"riada "or !uase
todas as correntes de "ensamento, inclusivo o aJhist#rico J de"ois da !ueda da ;R==,
havamos che(ado ao ?/im da 6ist#ria@% Parado$almente, !ual!uer con/ronto com o
"ensamento neoliberal "assou a ser imediatamente acusado de estar na ?contramo da
6ist#ria@%
3os anos 2), Ma$ 3ordau escreveu um livro "ara denunciar os artistas modernos
de seu tem"o, como loucos% Ele /az um dia(n#stico "si!ui.trico im"lac.vel da!ueles
artistas, a"ontando "retensos sintomas de loucura em suas obras% 3ordau no mais
levado a srio mas sua reao em /ace da arte e dos artistas no desa"areceu de todo%
"arentemente al(uns continuam a acreditar no seu dia(n#stico% e$"resso
?contra"artida social@ "ara desi(nar a e$i(Incia de uma es"cie de obri(ao de
"artici"ar do es/oro (overnamental "elo avano social no "as bastante in/eliz%
Lembra a im"osio de servios comunit.rios aos cul"ados de trans(ressHes leves sre(ras da sociedade% 4 cidado trans(ride, mas no vai "ara a cadeia "or!ue d. uma
contra"artida social ao delito "raticado% ica "arecendo at !ue a atividade artstica deve
de al(um modo ser ?"unida@ de maneira semelhante, atravs da tal contra"artida%
Por outro lado, avaliar corretamente a arte no es!uecer o resto% 4s esteticistas,
al(uns deles, "elo menos, tIm essa tendIncia> "or outro lado, os sociolo(istas tIm uma
"ostura o"osta% 4s dois lados tem suas razHes> a arte intoc.vel e o "roblema socialdeve ser resolvido% Reconhecer isso, no Brasil, uma necessidade !ue no tem relao
com a transcendIncia da rte% im"ort9ncia de um "ro(rama ome ^ero /undamentalS
"reciso "rimeiro comer, "ara de"ois usu/ruir o (ozo esttico F "ara "ara/rasear Brecht%
"rimeira misso dos (overnantes atender s necessidades in/eriores da matriaS
trataJse do !ue sim"lesmente nos mantm vivos% N evidente !ue o "ro(rama social do
(overno certamente deve ter "rioridade sobre o resto, inclusive a cultura e, "ortanto,
!ual!uer "ro:eto artstico, como a "reservao do atual /lorescimento do cinemabrasileiro, cantado ultimamente em "rosa e verso, no enche a barri(a de nin(um%
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soluo dos "roblemas sociais no de"ende absolutamente da "roduo
artsticaS uma tare/a de todos n#s, inclusive os artistas% Mas no se "ode condicionar
esta "roduo a ob:etivos e$teriores a ela, "or!ue sua transcendentalidade s#
alcanada com a liberdade% Pre/i(urao do reino da liberdade, ela "ode tornarJse, emcertas circunst9ncias, inimi(a do Estado% Mas nunca do "ovo, "ois , "or vocao
libert.ria, sua aliada natural%
I*'=+" C
J Auando minha av# morreu, era muito (rudada nela% Ela me chamou e disse>
?0sabel, chame sua me !ue meu corao est. doendo muito@% Eu chamei, minha me
che(ou ao !uarto% icamos as trIs ali% 3o momento em !ue minha av# morreu, eu senti
!ue /ui :o(ada contra a "arede% P...W =ete dias de"ois, eu estava bem deitadinha na
minha cama e a av# che(ou, sentou na beira da cama e disse> eu vim te buscar%
Res"ondi> ah v#, estou nova demais% E ela> eu vim te buscar "or!ue vocI vai so/rer
muito% Eu disse> ah v#, como !ue vou saber se vou so/rer ou noU
0sabel so/reu% Mas tambm teve ale(rias% 3o "rinc"io dos anos setenta, em "lena
:uventude, ela :. era /amosa, (raas "rinci"almente a uma "ea de teatro,As "oas, !ue
sem"re lembrada como um momento /undamental da moderna dramatur(ia brasileira%
0sabel certamente sentiu o doce "er/ume do sucesso% e"ois desse sucesso, "orm,
!uando se es"erava !ue ela ocu"asse o lu(ar !ue con!uistara no teatro brasileiro, a
e$em"lo de outros de sua (erao, sumiu% =e(uiuJse um silIncio de mais de vinte anos%
E$"eriIncias dolorosas marcaram sua vida durante esse "erodo% 0sabel uma mulher
/r.(il, delicada e sensvel% Mas teve !ue endurecer e en/rentar o seu destino como uma
(uerreira%
3o momento de nosso encontro "ara esta entrevista, morando sozinha em oi9nia,num a"artamento "e!ueno, mas con/ort.vel, encara os so/rimentos "elos !uais "assou
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como "arte de um "assado !ue s# no /icou totalmente "ara tr.s "or!ue o material
/rtil !ue vai alimentar sua arte como escritora% Ela trabalha num livro de "oesia !ue
tambm um re(istro, no s# de suas e$"eriIncias nestes Oltimos vinte anos como de
outras, mais remotas% 4 ttulo Coisas Coise o livro vai ser "ublicado em breve "ela
editora =ete Letras, levado "or um ami(o, Carlos =usseind% Est. !uase "ronto% Elamostra os ori(inais, com indis/ar.vel or(ulho, e diz !ue /altam a"enas umas trinta
".(inas "ara terminar% 4u menos, ela acrescenta, sorrindo%
0sabel /r.(il e delicada, mas tambm e$tremamente inteli(ente e bastante irTnica%
lucidez !ue vaza entre os seus la"sos de mem#ria ine(.vel% 0sabel diri(e essa ironia
"ara si "r#"ria, a cada "asso da conversa, e se diverte, "or e$em"lo, !uando se re/ere ao
ttulo de seu livro% Ela mineira, da cidade de DrIs CoraHes, no devemos es!uecer, e"assou a in/9ncia numa /azenda% Auando, brincando, "edi a ela !ue a"roveitasse esta
entrevista "ara mandar uma mensa(em ao "ovo brasileiro, ela comeou a cantar um
velho sucesso de r7 Barroso>
=ertane:a se eu "udesse` se Pa"ai do Cu me desse` 4 es"ao "ra voar%%%
oi isso !ue 0sabel sem"re "recisou> o es"ao "ara voar% Auando teve, ela voou%
e"ois o "erdeu% Mas, a(ora, o es"ao se abre de novo, diante dela%
J Eu sem"re !uis escrever% esde menina% 0oisas 0oi4conta como isso aconteceu
na minha vida% =em"re tive "roblemas #ticos e, !uando era menina e morava em
/azenda, /icava olhando "ela :anela e /icava inventando "ara as ima(ens inde/inidas !ue
via> ali tem um homem, ali tem uma "rincesa, uma carrua(em, um rio%%%
Mas o (rande im"acto da in/9ncia de 0sabel /oi o cinema>
J Meu avT vendeu um terreno, em DrIs CoraHes, "ara um homem !ue !ueria
construir um cinema% 0m"Ts uma condio> ?eu vendo, mas vocI vai colocar o nome de
Cine =o Mi(uel e vai me dar trIs cadeiras cativas "ara o resto da vida% 4 homem deu%
Doda noite, meu avT vestia ca"ote, cha"u, ben(ala, e ia "ara o cinema% Botava o ca"ote
numa cadeira, a outra era "ara ben(ala e ele sentava na terceira% E dormia% E /alava "araa (ente> vocIs tIm !ue entrar "ela /rente e "a(ar in(resso% Mas a (ente "ulava a cerca
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e usava as cadeiras cativas% Era cinema todo dia% s coisas mais esta"a/Ordias, como a
srie do Batman !ue tinha a!uela roda (irando%%%
Era muito cinema na vida da :ovem 0sabel% cabou dramatur(a% Ela conta como
escreveu seu "rimeiro ori(inal, Os Giajantes, uma hist#ria rural !ue trata de cam"onesessem terra e conta hist#rias de sua "r#"ria /amlia misturadas com /atos inventados%
J Auando sentei "ara escrever, al(o bateu na minha cabea% "rimeira coisa !ue
visualizei /oi um "alco vazio, iluminado s# com a!uela luzinha de servio, linda% Me
concentrei na!uela coisa vazia e veio Os Giajantes% Passa dentro de um Tnibus% Pai e
/ilho, cam"oneses sem terra, !uerem ir /alar com o Presidente% Mas entram num delrio e
comeam a es/a!uear as "essoas% 4 /inal sur"reendente% Eles so levados a umadele(acia, mas no tIm noo do !ue /izeram% ica uma interro(ao no ar%
;m dia, o ami(o omin(os de 4liveira contou a ela !ue a DG lobo ia entrar no ar
e !ue "recisaria de (ente !ue escrevesse% Ela to"ou% ez ada"taHes de O 9ns&etor
Feral, de o(ol, "ara 'T =oares, e de O 9nimigo do 7o!o, de 0bsen, "ara Paulo racindo%
J Me deram at um contrato% Pensei> meu eus, eu no entendo nada de televiso%
Mas com o dinheiro, alu(uei um a"artamentinho% eitei e rolei% Com"rei livros !ue no
acabavam mais% Lia "ra caramba% Passava dez horas "or dia estudando%
0sabel conheceu tambm al(umas /i(uras de sua (erao !ue /oram i(ualmente
im"ortantes "ara a in!uietao e$istencial !ue caracterizou o teatro brasileiro dos
sessenta> 'os Gicente, ntonio Bivar e auzi ra"% oi assim !ue ela escreveu As
"oas>
J Comecei a rabiscarAs "oas% Contei ao auzi e ele disse> vocI tem de escrever
essa "ea% Derminei o "rimeiro rascunho% auzi leu "ara a lauce Rocha e ela comeou
a chorar% Ela !ueria ter um /ilho e a "ea /alava em aborto% Ento ela disse> no "osso
/azer essa "ea% 0ma(ine> uma mulher !ue a(uentou
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Mas o (rande sucesso da "ea /oi alcanado no Rio de 'aneiro, com a monta(em
do Deatro 0"anema, diri(ida "or 0van de lbu!uer!ue, com Leila Ribeiro e DetI Medina% 4
cen.rio era um a"artamento con:u(ado, uma !uitinete com /o(o a (.s e um banheiro
com chuveiro :orrando .(ua de verdade% 4 estilo da encenao era de um realismo cu:ateatralidade sur(ia da sua "r#"ria materialidade im"lac.vel% Leila Ribeiro tinha marcaHes
de cozinhar de verdade, lavar a loua, tirar a rou"a, ir ao banheiro, /azer $i$i, :o(ar a
calcinha numa bacia, tomar banho, entre outras coisas%
As "oas uma das "rinci"ais "eas do !ue na LOcia Gieira de ndrade chama
de a cena do eu, em sua tese sobre a dramatur(ia brasileira de 1--% "rinci"al
caracterstica desse teatro a valorizao da e$"eriIncia sub:etiva, e$istencial% N umteatro so/rido como, "or e$em"lo, o canto de 'anis 'o"lin, smbolo da intensidade
emocional !ue a :ovem arte dos sessenta "rocurava% e$"eriIncia "essoal, vivida e
"un(ente, "ro(ressivamente abandonada nos anos !ue se se(uiram, ou se:a, os anos
do silIncio de 0sabel C9mara, substituda "ela comdia a !ual!uer "reo e "elo
e$"erimentalismo /ormalista% dor e o so/rimento so no teatro do eu, de 0sabel e 'os
Gicente, as caractersticas b.sicas da e$istIncia humana% N uma viso e$istencialista% 4u
vitalista, "ara concordar com 0sabel !ue "re/ere sem"re o termo vida "ara /alar de sua
arte%
Mas 0sabel no tem vontade de /alar sobre As "oas% 3aturalmente "re/ere /alar
sobre 0oisas 0oi4s% Ela su(ere ler al(uns dos "oemas do livro em voz alta% iz !ue /az
"oesia "ara ser dita em voz alta%
J lmoamos numa churrascaria "r#$ima% 0sabel /ala sobre tudo% Conta !ue
declamava Lord B7ron !uando era mocinha, /ala de suas visHes de es"ritos> ?Converso
com eles como estou conversando com vocI% Esse /enTmeno constante comi(o% 4s
!ue me visitam no /.cil J diz ela, e ri@%
0sabel lembra dos ami(os mortos como Br.ulio Pedroso e Gtor ssis Brasil%
Comenta as mortes de 3eci e lauber% ?Che(uei a achar !ue 3eci no tinha morrido, !ue
era tudo inveno%@
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alamos da im"ort9ncia do cinema "ara nossa (erao e ela conta !ue Bivar,
muito :ovem, trabalhava como distribuidor de /ilmes nas cidades do interiorS ele "r#"rio
carre(ava as latas dos /ilmes, os cartazes e a!uela ma!uininha de contar os
es"ectadores na entrada% 0sabel /ala ainda de Maria Beth9nia e declara !ue (osta muito
de mOsica%
3a volta do almoo, su(ere tocar um C com !uartetos de Gilla Lobos, antes de
recomearmos a entrevista% Rela$amos um "ouco antes de che(ar a hora das
lembranas mais di/ceis de 0sabel>
J ui /azer um teste no etran% GocI :. usou dro(asU Como !ue eu vou dizer
!ue no% 4 !ue !ue vocI sentiuU =enti uma merda% Eu no (osto% 3o o !ue me /azbem% 4 !ue me /az bem so os ami(os, eu "oder escrever% Eu (osto das "essoas, as
"essoas (ostam de mim% Mas tive um "erodo horroroso, de uma (rande /ome% E uma
coisa terrvel chamada masturbao% Eu tenho horror, acho !ue o or(anismo da (ente
careta% oi um "erodo tenebroso%
0sabel lembra um arti(o !ue escreveu "ara O 7asquimcom o ttulo Das "in$ocas
7sicanIlise% Ela e$"lica !ue nunca aceitou !ue tivesse minhocas na cabea, mas teve
um sonho, numa noite em !ue dormiu com /ome> sonhou com um "ozinho !uentinho e
a"etitosoS !uando ela o mordeu, saram aos montes, minhocas%
Lo(o de"ois /oi internada% =uas mem#rias em relao ao ass