O Sorriso do Gato

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Círculo do Graal Vítor de Figueiredo FRC Página 2 O Sorriso do Gato Ensaio Sobre a Alma de Vítor de Figueiredo, FRC LISBOA - 2007

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Ensaio sobre a alma

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O Sorriso do Gato

Ensaio Sobre a Alma

de

Vítor de Figueiredo, FRC

LISBOA - 2007

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O Sorriso do Gato

Ensaio Sobre a Alma

Índice EVOCAÇÃO DE DÍLIA

PORQUÊ “O SORRISO DO GATO”?

INTRODUÇÃO

PREÂMBULO

UMA VIAGEM ASTRAL

DESCARTES E A GLÂNDUAL PINEAL

AS COSMOGONIAS PRÉ-SOCRÁTICAS

ENTÃO – E A ALMA?

RESPOSTA A BRIGITTE

A BUSCA DA ARKHÊ, O PRINCÍPIO ÚNICO DO TODO E A DUALIDADE DAS COISAS DA CRIAÇÃO (LEI DA POLARIDADE E “NOUS”) AS POLARIDADES DE “NOUS”

O “ESPÍRITO”

A FORÇA VITAL

REENCARNAÇÃO E CARMA

ALMA –“O SORRISO DO GATO”

A MORTE E A ALMA – UMA ÚLTIMA E MAIS ECLÉCTICA ABORDAGEM O FÉDON, DE PLATÃO

HARVEY SPENCER LEWIS – MANSÕES DA ALMA – CONCEPÇÃO CÓSMICA – REENCARNAÇÃO DA ALMA NA TERRA

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EVOCAÇÃO DE DÍLIA

Dília partiu na Páscoa de 2001 para um Plano Superior de Luz e de Paz Profunda, que muito merecia, e venho evocá-la, agora, neste Ensaio, porque sempre me pedia que o publicasse. Todavia, não pude acabá-lo senão agora. Lamento que o Carma e a sua grave doença não lhe tenham permitido esperar uns anos mais.

Com a imensa gratidão e saudade que se deve às almas excelsas e raras que muito dificilmente se encontram nesta vida terrena, capazes de um verdadeiro Amor, total dedicação e superior compreensão, repito aqui a dedicatória que lhe fiz no meu Livro de Poemas “Memórias do Amor Impossível”, em 1996: Dília:

Estás presente em muitas páginas deste livro, e sem o teu dedicado auxílio e Amor não me teria sido possível organizá-lo.

Nosso Amor foi possível ao longo de 30 anos e com ele construímos uma vida inteira de realizações, de grandes voos felizes e também de agruras e lutas que suportámos estoicamente juntos.

E sempre te mantiveste abnegadamente a meu lado, sem um desfalecimento que abalasse o nosso pleno entendimento e a indestrutível fusão de sentimentos e de união.

Esse afecto que me devotaste, profundo, raro, inabalável, através de muitos dias de felicidade e também de provações, continuará em minha alma, em eterna admiração e gratidão, para além desta encarnação terrena.

Será afinal a prova, negando o tema básico deste livro, de que o Amor é possível quando uma mulher como tu é capaz de transcender a sua condição humana e vir a este plano terreno com a missão de amar incondicionalmente um homem e de lapidar uma alma imperfeita, como eu.

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Obrigado pela dádiva do teu incomparável Amor e do filho que não podias ter e que milagrosamente fecundaste e me deixaste.”

Este afecto profundo e raro que nos uniu por longos anos continuará, assim creio, para além desta encarnação terrena.

Encontrar-te-ei, assim o espero e desejo, nas mansões etéreas da Alma.

11 de Janeiro de 2007 Vitor de Figueiredo, FRC

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PORQUÊ “O SORRISO DO GATO” ?

No livro “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, existe uma singular personagem, “O Gato de Chesire”, um “gato risonho”, que sorri, permanentemente, empoleirado no alto de uma árvore.

Por vezes, o gato desaparece, mas o seu sorriso permanece sempre ali. Como o “Sorriso do Gato”, também o homem desaparece inúmeras vezes deste mundo físico, enquanto sua Alma sempre permanece.

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INTRODUÇÃO

“NÃO SE ACENDE UMA CANDEIA E SE COLOCA DEBAIXO DO ALQUEIRE, MAS NO VELADOR, PARA QUE DÊ LUZ A TODOS. POIS NADA ESTÁ OCULTO SENÃO PARA SER MANIFESTO, E

NADA SE FAZ ESCONDIDO SENÃO PARA SER REVELADO”

(CRISTO)

Este trabalho sobre a alma é necessariamente complexo e visa auxiliar o aprendizado e conhecimento daquelas pessoas seriamente interessadas no tema da Alma, ou já próximas do alcance místico de uma “Verdade” que, não podendo ser racionalmente descodificada pode, todavia, ser sempre melhor intuída. Não estranhe, pois, o leitor que, na medida em que avançar na leitura, seja conduzido, cada vez mais intrincadamente, por um vasto labirinto de conceitos, ideias, teorias, às vezes até parecendo desconexo com o pano de fundo onde nos movemos.

É a caminhada necessária para chegarmos ao fim deste Ensaio e divisarmos um pouco de Luz. E um pouco de Luz, neste mundo de treva, já será uma bênção e, talvez, uma compensação divina.

Conhecemos o velho aforismo hermético de que “A carne é para os homens e o leite para as crianças” mas, não podendo distingui-los nem julgá-los, deixamos que cada um, pelo seu próprio interesse e compreensão, possa discernir para si mesmo da profunda importância do Ensaio, pois não concordamos (em oposição a René Guenon, alguns místicos e Organizações Esotéricas) que se deva fazer um juízo de valor preconcebido sobre as pessoas e seleccioná-las, por tudo quanto se argumente em contrário. A selecção é feita pelo próprio leitor, que se interessa ou não pelo assunto. A Luz é para todos, mesmo que a alguns possa incomodar e mesmo cegar seus olhos demasiadamente habituados à treva.

Alguns temas abordados subsidiariamente no trabalho poderão parecer dispensáveis, supérfluos, como “A Busca da

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Arkhê…” e “A Lei da Polaridade”; e até poderão sê-lo para alguns leitores mas, creio que tudo o que buscámos para uma concepção da alma, como a entendemos, é útil, pois pensamos que todas as coisas estão inexoravelmente ligadas; todas são tijolos da imensa pirâmide do conhecimento e pequenos nós da imensa tapeçaria cósmica ainda oculta que, de um modo ou de outro, todos pretendemos alcançar e desvendar.

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PREÂMBULO

Para enquadrarmos melhor algumas experiências de vida

interessantes, permitam-nos o recurso a alguns aspectos pessoais que iremos revelar, assim como o uso da primeira pessoa, que melhor serve a autenticidade deste preâmbulo.

Ao longo de alguns anos, e durante as experiências vividas no estudo e práticas pelos caminhos do Misticismo e do Esoterismo, em especial no Brasil, e por várias Organizações, destacadamente a Grande Loja do Brasil da Ordem Rosacruz- AMORC, o tema da Alma esteve sempre presente na minha consciência como algo transcendente que desejava desenvolver e aprofundar.

Depois do regresso a Portugal, fui entretanto escrevendo outros ensaios e livros com diferentes temáticas, com vontade de escrever e de publicar, algum dia, um ensaio de importância transcendente para o entendimento das pessoas, que conseguisse desvendar a Alma a toda a gente.

Paradoxalmente, mesmo tendo reunido ao longo dos anos material existencial mais do que suficiente para esse objectivo, senti sempre – com prematura maturidade – que apenas valeria a pena escrevê-lo quando tivesse adquirido grande experiência e vivido o suficiente para transmitir algo valioso e importante sobre o tema. Para que ele não fosse mais uma dessas obras que – muitas vezes literariamente bem escritas – não trazem nada de novo, de construtivo, de inspirador. É claro que nem o tempo nem a experiência de uma só vida justificam qualquer livro e só alguns génios raros conseguem escrever uma obra com algo profundo, capaz de contribuir para a evolução da Humanidade. E, ainda, capaz, pela sua universalidade e transcendência, sobreviver ao olvido do tempo.

Todavia, ao mesmo tempo que é sensato deixar decorrer pelo menos metade de uma vida, em valioso aprendizado, é também um erro acumular demasiada experiência e conhecimento pois, a partir de certa altura, estes tornam-se embaraçosos, pela impossibilidade de torná-los coesos, lúcidos,

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coerentes. É que uma multiplicidade de vivências, de acontecimentos, provações e experiências, parecem, a certo tempo, não ter ligação e concatenação, como se transbordassem da vida, não podendo ser contidos, e jorrem de nós por todas as bordas possíveis da taça que já enchemos demasiado. Isto é também o preço que deve ser pago pela frustrada pretensão de desejar ser melhor do que os outros e de querer, num Ensaio único, fazer uma obra transcendente. Sobretudo, o preço maior ainda é o de, em determinado momento, o acúmulo dessas múltiplas e diversificadas facetas de uma existência começarem a parecer-nos demasiadas para que tenham ocorrido numa vida apenas e, portanto, em nossa pequenez mental e intelectual, afiguram-se impossíveis de sintetizar num só livro.

Lemos livros e jornais demais, vimos filmes, lugares, países e coisas demais, conhecemos pessoas e situações excessivas, e mesmo que consigamos extrair de tudo uma única verdade, um conceito genérico, abrangente da existência, do Mundo, do Universo, temos de os dispersar em mil verdades relativas, múltiplas tentativas explicativas da Criação, comunicando aos outros imensas ideias e conceitos que, realmente, não conseguimos ligar nesse “Fio de Ariadne” que tudo unifica na sua diversidade. E só podemos arriscar uma síntese única para o Todo das coisas, numa palavra controversa que não tem, mesmo assim, sentido para toda a gente. E, para muitos, não tem mesmo qualquer sentido: DEUS, ou O ABSOLUTO, INOMINÁVEL ARQUITECTO DO MUNDO E DA HUMANIDADE.

E por isso fui escrevendo outras obras, ao longo do tempo, maiores e menores, sobre vários temas – Poesia – Contos – Ensaios, um Romance, deixando sempre que algo transcendente me iluminasse para que este Ensaio trouxesse algo revelador sobre a Alma. Sempre me achei incapacitado para poder falar dela com propriedade e alguma transparência e conhecimento.

Adolescente ainda, no princípio dos anos cinquenta, eu era um jovem desencontrado, só, diferente, sonhador e romântico, para quem o mundo era estranho e hostil, sem sentido, procurando na poesia a evasão para os sonhos impossíveis, desconhecendo ainda que ela tinha sido o meio de expressão dos antigos filósofos que pretendiam dizer a sua “verdade” com a roupagem mais acessível da Beleza.

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Vivi, assim, longos dias e anos de introspecção, de silenciosa contemplação do mundo, de isolamento meditativo, buscando o mais belo e o melhor, em forma e conteúdo, embora estivesse muitas vezes acompanhado por um ou outro sonhador como eu que, enamorado da beleza e da utopia, resistia estóica e fraternalmente, junto comigo, à fome de pão e de triunfo. Sobrevivíamos ao anonimato, ao ridículo, ao desprezo e à miséria, convencidos de que um dia a glória perfumaria o nosso caminho e compensaria o sofrimento da incompreensão, o desencontro com a época, a desigualdade anónima com os homens vulgares, insensíveis e materialistas.

Algumas experiências mais marcantes, tão irrisórias quanto dolorosas, e até mesmo traumáticas, para quem navegava sem bússola e sem norte por aqueles difíceis dias duma Lisboa antiquada e de um país atrasado, fizeram-me buscar, entretanto, outros caminhos menos alienantes e mais humanos, conquanto ninguém – e aqui incluo escritores, poetas e filósofos consagrados – fosse capaz de me apontar um objectivo coerente com os meus ideais, um significado ou sentido da vida.

E essa vida (revoltava-me eu), teria de ser forçosamente menos penosa, mais compensadora e equilibrada. A fórmula a que finalmente cheguei, por desilusão e cansaço, e mesmo antes de concluir que só valeria a pena escrever quando a vida me ensinasse algo de superior para dizer aos outros, era uma fórmula simples: Subsistir, viver como toda a gente, sem fome, sem carências, com o possível amparo de uma mulher, lar, dias tranquilos. Depois, então, sim – pensava - talvez ser poeta, escritor, mas não deixar que a vida me tornasse mais um Bocage, um Camões, um Pessoa (em razão de miséria ou solidão, não de talento), ou mesmo um Sá Carneiro, um António Nobre, uma Florbela Espanca (em razões existenciais de desencanto, frustração, desespero).

Como país de sofrimento e sem esperança, a história em Portugal era pródiga o suficiente para que eu não ultrapassasse a linha perigosa e sem retorno desses que foram longe demais nos caminhos árduos da Arte, embora eu não tivesse jamais a pretensão da genialidade dos poetas citados. Nem valerá a pena discutir aqui se eu seria bom poeta ou bom escritor. Tenho a convicção profunda de que tinha, pelo menos, a inspiração e experiência anterior de algumas reencarnações percorridas nos

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atalhos da Literatura, para poder sê-lo, com algum sucesso, nesta vida. Mas já na adolescência tinha a lucidez necessária para perceber que não valeria a pena porfiar nesse propósito. Íntimas recordações e decerto subconscientes reminiscências de vida ou vidas anteriores por esse caminho, preveniam-me para não prosseguir nessa via, que sabia dolorosa, em parte percorrida mas com muito chão ainda para trilhar. Era também, creio, uma intuição forte de que a Arte é somente um atalho secundário para o verdadeiro conhecimento e evolução pessoal.

Os anos seguintes deram-me essa certeza, depois de ter bebido até à exaustão toda a possível “verdade” que os poetas e escritores me puderam dar, às vezes até em doses elevadas e sublimes, deslumbrantes mesmo. Embora o caminho diverso que acabei por percorrer tivesse sido por vezes mais suave, direi agora que foi, no seu todo, ainda mais acidentado e duro do que aquele que eu temia para me tornar grandioso e admirado. Porém, os resultados foram não apenas diferentes mas muito mais compensadores e valiosos em termos existenciais.

Alguns episódios menos comuns, entre outros, concorreram bastante – quer pelo seu impacte na minha personalidade em desenvolvimento e ávida de conhecimento, quer pela minha ignorância e ausência de alguém que me orientasse em ocorrências e fenómenos paranormais – para a mudança de rumo e quase abandono da almejada carreira literária, que me parecia ser, não obstante, a razão mais premente da minha vida.

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UMA “VIAGEM ASTRAL”

A grande maioria dos lisboetas não se recorda já, decerto,

de um dos melhores cafés de Lisboa, hoje desaparecido na voragem que descaracterizou esta cidade, o Café Martinho, situado onde actualmente fica o Banco Fonsecas & Burnay, no Largo D. João da Câmara, perto da Estação dos comboios do Rossio. Era um café enorme – que dispunha até de uma ampla cave – que eu, como poeta desocupado, frequentava diariamente. Era ali que escrevia e marcava encontros com raros amigos, como o Costa Pinheiro, hoje um tanto célebre como pintor de Arte e quase sempre vivendo na Alemanha, o Baptista Bastos, hoje um jornalista e escritor conhecido e realizado, e outros jovens como eu, em busca do caminho certo, da via da realização.

Um dia, estava eu no “Martinho”, só, numa manhã quente e

ensolarada, acendendo de quando em quando mais um cigarro, tomando café e escrevendo febril e concentradamente mais um poema, quando ocorreu comigo uma experiência alucinante que jamais pude esquecer, e para a qual só trinta anos mais tarde encontrei explicação satisfatória.

Não é fácil descrever a sensação da experiência (ou é

impossível), mas lembro que, de repente, senti-me “subir” da mesa, rapidamente, e encontrei-me sentado no tecto alto do café, de cabeça para baixo. Além do pânico inicial por supor que ia cair, tive a lucidez de olhar e ver bem onde estava, reconhecendo as caras familiares dos empregados, de várias pessoas nas mesas e, espantosamente, também eu próprio (o meu corpo), ainda sentado na mesa, exactamente por baixo de mim, na vertical, com o pormenor de o meu cigarro (recordo bem) continuar ardendo na minha mão esquerda. A experiência era real, lúcida, vívida, e a primeira ideia que tive, com susto, ao mesmo tempo que me sentia leve e transparente, foi de que tinha morrido e que o meu corpo jazia lá em baixo.

Tive vontade de gritar e acho que o fiz, mas ninguém

pareceu ouvir-me e, curiosamente, ninguém me via, pois tudo continuava normal. Recordo, ainda, que vários pensamentos me sucederam, como o do corpo poder cair da cadeira (estava

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imóvel, parecendo hirto, em baixo), o de eu próprio poder cair daquela altura, desamparado, etc. Não sei quanto tempo (do relógio) durou a experiência, que me pareceu longa demais, e que mais tarde acabei por considerar como uma “saída fora do corpo” (termo que mais tarde encontrei em alguns livros sobre o assunto). a famosa “Out of Body Experience”. Não tinha noção de tempo e sentia uma espantosa sensação de leveza, de flutuação, comparável, creio, à ausência de gravidade, como se eu pairasse no ar, sem peso, sem volume.

Acho até que pensei poder “voar” dali mas que tive,

também, medo de o tentar. Então, de repente, senti-me outra vez na mesa, sentado, ligado ao corpo, com uma estranha sensação de volume, algo pesado e esponjoso, como se tivesse vestido um escafandro ou algo espesso e mole; uma sensação de humidade desconfortável e uma ligeira náusea. E pensei: morri e voltei.

Apenas voltei a ter experiência semelhante, nova

“Projecção Psíquica” involuntária (pois “Viagem Astral” é um termo incorrecto e vulgar), se isto faz sentido para o leitor não familiarizado com estas ocorrências, numa Clínica Médica de Curitiba, a “Paraná Clínicas, muitos anos depois, no Sudeste do Brasil, durante uma operação a que fui submetido em 1976, a qual contarei mais tarde, se vier a propósito e for elucidativa para o tema que me proponho tratar.

Com receio de ser ridicularizado e não acreditado, só

muitos anos depois contei esta experiência, mas a explicação (séria) que me foi dada não foi, então, por mim compreendida, pois eu ainda não tinha possibilidade de entender que o ser humano físico, possuía um outro corpo, psíquico, (um duplo imaterial) que podia desligar-se, normalmente sem perigo, do corpo físico, em certas condições e circunstâncias. Nem mesmo tinha ainda a simples percepção de que alma e corpo eram separados no nascimento e na morte.

Havia um longo caminho a percorrer, uma longa

experiência para adquirir, e muitos anos pela frente de absolutas dúvidas e relativas certezas, para testar intimamente, para elaborar mentalmente, para dirimir na consciência e vencer o cepticismo natural, o assombro, o deslumbramento, a surpresa de muitas outras experiências invulgares que me foram ocorrendo ao longo da vida.

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Esta “Projecção Psíquica”, insólita e prematura,

espontânea, imprevista, foi, de certa forma, um ponto de partida, uma tomada de consciência para perceber que havia uma nítida distinção entre o corpo físico e algo mais (que pensava fosse a minha alma, apenas). Fiquei a saber, por experiência própria, que existia uma consciência ou ser imaterial, diáfano, um “eu”, sem forma física, que podia pairar no tecto de um café por algum tempo e, mais importante, que ambos podiam separar-se sem perigo aparente, embora ignorasse, na altura, se eles poderiam separar-se voluntariamente ou apenas como fenómeno aleatório, independente da vontade.

Pelo insólito e raridade, esta experiência seria para a

maioria das pessoas, se a acreditassem, algo que tentariam racionalizar como sugestão, sonho, alucinação, abstracção, etc. Para mim, foi, durante anos, a motivação que me endereçou para a busca de uma resposta coerente para ela e para outras ocorrências, ditas paranormais, e que eu direi psíquicas, detonando em mim um ardente desejo de saber, de descobrir a complexa natureza do Homem.

Ela levou-me, consequentemente, não à fácil obtenção de

respostas, é certo, mas cada vez mais a dúvidas e à formulação de perguntas que não tinha a quem fazer e às quais, julgava eu, ninguém saberia responder concretamente. – O que era a alma? Que objectivos tinham o corpo, a alma e a vida? De onde vínhamos ao nascer, por que estávamos aqui? Para onde iriam o corpo e a alma depois da morte? E que significavam nascer e morrer? Ingenuamente, estas questões transcendentais pareciam-me originais, dúvidas que só eu tinha, muito pessoais, quando, afinal, vim a descobrir mais tarde serem questões tão antigas como o Homem, e objecto de inquirição, reflexão e busca de filósofos, em todas as épocas, desde os pré-socráticos, bem como de teólogos, místicos, e mesmo de alguns cientistas menos pragmáticos.

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DESCARTES E A GLÂNDULA PINEAL

Nunca consegui descobrir se Descartes era “Virginiano” (do signo de Virgem, como eu), pois, da mesma forma que para mim sempre foi um tanto dramático harmonizar a minha dupla natureza racional e espiritualista, deve ter sido para ele, suponho, um profundo conflito interior conjugar o seu espírito intrinsecamente místico (e este é um aspecto muito ignorado sobre o filósofo), com toda a formulação do sistema científico, racional e metódico que nos legou e que tanto influenciou o mundo ocidental.

Inopinadamente, recordei aqui Descartes por duas razões:

a primeira foi a de eu ter intuitivamente concluído, na pureza de um poeta adolescente que se vê de súbito confrontado com experiências de ordem metafísica, sem qualquer preparação ou conhecimento, que (como o filósofo disse), desde que um indivíduo coloque as perguntas certas (mesmo que ninguém possa respondê-las), Deus fará que ele obtenha as respostas correctas.

Sem, então, conhecer Descartes, pensava eu que tudo

quanto pudesse pensar deveria existir e ter uma explicação possível, e se esta não me fosse dada por Deus (porque eu não soubesse ouvi-lo), ela chegaria até mim, indirectamente, por qualquer outra via. As infinitas possibilidades Divinas são insondáveis, A segunda razão, conforme descobri lá pelos quarenta anos, é que ninguém tinha colocado tão bem e tão racionalmente como Descartes a dualidade MENTE/CORPO ou CORPO/ALMA – ESPÍRITO E MATÉRIA, cuja separação real tanto me afligiu na “Viagem Astral” dos anos cinquenta.

Relativamente à colocação de perguntas e obtenção de

respostas na senda do conhecimento, minha intuição estava certa. De resto, é a Intuição (como ligação à Divina Sabedoria Cósmica) que sempre está certa quando se dirime com a Razão. Só não sabia que a cada pergunta, além das respostas surgem, fatalmente, outras perguntas e que, num espírito dialéctico, lógico e racional como o meu, as respostas raras, surpreendentes, criavam um oceano de dúvidas. Era como escavar em busca de

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diamantes, encontrando cada vez mais pedras. E como os diamantes também são (ou começam por ser) pedras que mal podem ser distinguidas no seu valor, nunca há a certeza de que se tem um diamante na mão até que ele seja polido e comece a brilhar. Na busca do conhecimento, todavia, esse brilho, essa luz, deve surgir dentro de nós, e só ela é a única certeza.

Voltemos a Descartes. Um ensaio que se propõe clarificar, desmistificar, iluminar

um conceito de Alma, não poderia ignorá-lo. Embora a experiência pessoal citada e outras, hoje conhecidas e narradas por autores idóneos não tenham um relacionamento directo com a dualidade CORPO/MENTE, há uma terceira razão, ainda mais importante para citarmos Descartes aqui, uma vez mais, antes de nos alongarmos noutras considerações, embora haja aqui uma certa antecipação do assunto.

Todavia, advirto que o relacionamento directo da

“Projecção Psíquica” (para não ficar qualquer confusão) é com a dualidade CORPO FÍSICO/CORPO PSÍQUICO (diferente das dualidades citadas), tema a que voltarei.

Descartes – que tanto confundiu seus biógrafos por não

acreditar na Igreja Católica mas crer firmemente em Deus (confusão que ainda há em certas pessoas que não distinguem um homem religioso de um filiado em qualquer religião) – deu-me uma chave genial (infelizmente, insuficientemente complementada na sua obra, para que eu entendesse mais cedo essa chave). Aliás, estou certo de que nem os teólogos nem alguns filósofos lhe deram a atenção devida, até hoje. Foi essa chave que respondeu a uma dúvida profunda que me surgiu no desenvolvimento da questão sobre a dualidade CORPO/ALMA.

A questão era – foi para mim durante largos anos – como

interagia a alma com o corpo? Como era possível, se a alma (como eu concluíra) era Universal (uma só alma para todos nós), recebermos impressões psíquicas (em nosso segmento de alma pessoal) dessa ALMA TOTAL – ter percepções, consciência, intuição? – Isto é, de que forma se processava essa ligação entre a parte individualizada da alma (em cada um de nós) e a alma universal com a sua sabedoria Divina.

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A resposta foi dada realmente pelo filósofo, num livro que escreveu antes de emigrar para a Suécia e que provocou, naturalmente, celeuma e mesmo escândalo, nessa época (e ainda hoje provoca), ao teorizar que a interacção entre a alma e o corpo, no Homem, é feita através da glândula pineal (uma glândula nos lóbulos do cérebro), a qual era a sede da alma, dentro do corpo.

Depois dele, outros filósofos, incrédulos, tentaram

descobrir algo mais significativo para substituir este conceito, sem resultado e, pelo menos para mim, sem credibilidade.

A Pineal, chamada vulgarmente por Epífise, está fixada na

parte superior do encéfalo (epitálamo) cerebral, quase no centro geométrico do crânio. Também é designada muitas vezes como sendo o 7.º chacra, Sahashara ou “Lótus das mil Pétalas”, como sendo a sede da suprema energia espiritual. Mas é muito mais associada ao 6º chacra – Ajna, no centro da testa.

Há várias teorias sobre a relação da Pineal com o chacra

Ajna: o Yoga considera que o Ajna é originário da glândula Pineal;

No livro “Os Chacras”, de Leadbeater, este refere a Teosofia

Consagrando que os chacras Coronário e Ajna convergem para a glândula pituitária, sendo, todavia, que em alguns casos, o Coronário tende para a Pineal. Há uma certa confusão de conceitos, difíceis de concretizar, pois a relação de chacras com glândulas é dita simbolicamente por certos médicos espiritualistas, com base na funcionalidade, considerando que os chacras se ligam aos plexos e estes directamente às glândulas endócrinas. Sabe-se, por exemplo, que estas ligações são energéticas e que o Ajna influencia a glândula hipófise (ou pituitária) e o chacra coronário atua sobre a epífise (ou Pineal). Há também diversos conceitos ligando a Pineal ao “Terceiro Olho” (o olho que tudo vê), na tradição Hindu, na Igreja japonesa Seicho-No_Ie, no Taoismo, no Espiritismo, etc., neste ultimo caso envolvendo a Pineal com a mediunidade, etc. Neste caso considerando a grande importância da Pineal no trabalho dos médiuns de incorporação na recepção de um espírito desencarnado.

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Allan Kardec, o fundador do “Espiritismo Kardecista” hesitou em definir a mediunidade entre um conceito religioso e um atributo biológico. E numa entrevista da Revista Espiritismo e Ciência feita ao director clínico do Instituto Pineal Mind, dr. Sérgio Oliveira, e director-Presidente da AMESP – Associação Médico-Espírita de S.Paulo, que dedicou seu interesse ao estudo da Pineal e sua relação com a mediunidade, este explicou que na obra de André Luiz, psicografada por Chico Xavier, “Missionários da Luz”, a Pineal é claramente citada. Referiu também a sua opinião de que a Pineal evoluiu de órgão fotoreceptor para um órgão neuroendócrino, e que ela não justifica plenamente o fenómeno mediúnico, da mesma maneira que os olhos não explicam a visão, pois a mediunidade é uma função humana. E na entrevista diz ainda que a Pineal converte as ondas electromagnéticas em estímulos neuroquímicos, o que foi comprovado pelos cientistas Vollratr e Semm em artigos publicados na Revista Nature em 1988.

E citou ainda que a “American Medical Association”, do

Ministério da Saúde dos EUA, tem vários trabalhos publicados sobre mediunidade e a glândula Pineal.

Algumas referências devem-se ao artigo “Pineal, a Morada da Alma?” Em: http://www.saindodaMatrix.com.br/archives/2006/02/pineal_a_morada.html na Internet.

A mais antiga referência à Pineal consta dos livros sagrados

Hindus – os Vedas. Descartes estava certo. A pedra que eu achara era um

diamante e eu não sabia. Só começou a brilhar quando descobri que esse conceito, divulgado na obra do filósofo, pertencia aos Rosacruzes e que Descartes fora um Adepto Rosacruz.

De resto, a maioria dos génios da humanidade (e a lista é

enorme – Descartes, Giordiano Bruno, Newton, Bacon, Kant, Espinosa, Pitágoras, Heraclito, Leibnitz, etc.) eram místicos Rosacruzes e não puderam clarificar os seus conceitos e teorias num mundo religiosamente fanático e ainda pouco evoluído. Nem eles poderiam ser claramente entendidos pela experiência humana da época em que viveram nem suportados pelos teólogos e autoridades religiosas que policiavam o mundo. E, pior ainda, é

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que à medida que o tempo (essa invenção humana para medir o “nada”) decorreu, as mentes aristotélicas, racionais e lógicas, ficaram cada vez mais impossibilitadas de discernir a verdade, a intenção, a grandeza das suas mensagens.

Assim, aqueles que, para além duma linguagem esotérica e

mística, postularam alguns conceitos inovadores, reconhecidos como científicos, surgem na história actual como gigantes, o caso de Newton, Descartes e Jung, por exemplo, enquanto outros se tornaram “malditos” ou esquecidos, como é o caso de Democrito, Kant, Espinosa, Bruno e Wilhelm Reich, entre outros. Quem os compreendeu?

Embora na vida quotidiana não haja grande oportunidade

para discutir a Alma ou a sua natureza, espanto-me a cada dia que passa com o grande desconhecimento que as pessoas têm de si mesmas quando se abordam assuntos transcendentes ao mundo físico e material, como ocorre quando tento transmitir-lhes uma experiência pessoal de coisas metafísicas; e sinto que, à medida que escrevo, emerge em meu espírito, como um rio caudaloso, uma torrente ininterrupta de ideias que me levaria muito longe.

Algumas delas parecem-me com interesse mas não

oportunas aqui, assim como uma outra questão controversa que dimana do que dissemos de Descartes e debatida por outros filósofos posteriores a ele: o caso de Espinosa, ao postular que não faz sentido dividir as coisas e os seres em dualidades, como Alma e Corpo, por exemplo, se toda a natureza da existência é feita de uma substância única, a Divina Essência de Deus.

Para aqueles que mais buscaram e mais aprofundaram a

natureza das coisas, é claro que Espinosa está certo. Todavia, o método de raciocínio aristotélico, newtoniano e cartesiano de que fomos herdeiros no Ocidente, levam-nos a melhor compreender as coisas pela divisão, pela comparação, pela selecção. Dizer simplesmente que Corpo e Alma são uma e a mesma coisa, uma única substância, na essência uma só realidade, é coerente e verdadeiro mas não inteligível, a não ser para místicos avançados, e para esses, este Ensaio pouco pode significar.

Historiar completamente a Alma, aqui, sob os múltiplos

aspectos em que tem sido descrita pelas religiões, pela filosofia e

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pelo misticismo, implicaria a feitura de um exaustivo livro de natureza enciclopédica, e seria obra para vários autores e alguns anos.

Assim, prefiro sintetizar o que me pareceu importante, sob

a forma despretensiosa de ensaio, coerente com a modéstia do meu propósito e conhecimento, permitindo a possibilidade de incluir outras questões e deixar à livre iniciativa do leitor alargar a sua pesquisa pessoalmente, se a alma, como assunto profundo e controverso, o interessar particularmente.

Como só mais tarde chegarei a uma explanação mais

ecléctica sobre ela, tentando então uma definição do indefinível, julgo pertinente fazer algumas reflexões relativas à opção de algumas pessoas pelo caminho do conhecimento, se é que se poderá falar de uma opção consciente em vez de uma pulsão interior. Parece-me – como alguns místicos afirmam – que nossos passos na vida, em cada vida, são sempre um reatar da vereda, um prolongamento do traçado em vidas anteriores, estejamos ou não conscientes disso. A teoria das reminiscências, de Platão, ilustraria e confirmaria bem este conceito, se não houvesse inúmeros outros, de filósofos e místicos, que, reunidos, com paciência e espírito analítico, levam a uma lúcida aceitação da Lei da Reencarnação. É assunto que tratarei melhor e mais adiante, em lugar adequado, não obstante alma e reencarnação estarem estreitamente ligadas.

Como quer que se encare esse direccionamento, essa opção,

mesmo inconsciente, e sem falar dos aventureiros do Espírito, ou diletantes, que abundam nas organizações esotéricas e noutras, a senda do conhecimento e aperfeiçoamento é quase um modo de vida, uma postura existencial, nunca uma profissão, que podendo trazer inúmeras e, muitas vezes, insuspeitadas compensações, exige também o pagamento de um elevado preço – se se é realmente um sincero buscador e praticante convicto – a qual exclui, por exegese implícita, a vivência “normal” das pessoas, em suas motivações de fortuna, prazer e diversão, nos seus aspectos primários.

Esse preço decorre do facto de exigir honestidade, prática

inequívoca de valores morais elevados, integridade absoluta, respeito e amor ao semelhante, à natureza e à vida, compaixão pelo sofrimento humano e dos animais, sentimentos constantes

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de fraternidade, de compreensão e tolerância para com as fraquezas humanas e comportamento dos irmãos terrenos. É como se a vida fosse uma luta (da qual a maioria não se apercebe) entre valores, na qual, cada instante de satisfação e de prazer (que denodadamente os homens buscam, chamando-o de felicidade, êxito ou sucesso) se paga em “stress”, neurose, má saúde, desilusão, crise existencial, etc. O místico é, assim, privado, na sua escolha voluntária, do caminho sensorial, das benesses transitórias do dinheiro, das gratificações emocionais (das paixões passageiras e das aventuras sexuais), do futebol e do jogo no casino, das “alegrias” comezinhas das férias no Algarve ou Benidorm, das batalhas políticas (panaceias ilusórias que sempre acabam por tornar-se insuficientes e perniciosas, como o álcool e as drogas). Todas essas vulgares anestesias que levam o homem a procurar, cada vez mais fora de si mesmo, o prazer, a segurança, o poder, empurrado a cada passo para o abismo onde afunda a sua personalidade-alma, iludido por uma falsa realização que não dispensa, se possível, também o domínio sobre os outros, a fama, a riqueza, a glória.

Finalmente, ao alcançar os objectivos máximos (que alguns

conseguem, lutando ferozmente), só lhes resta o óbvio VAZIO, a FALTA DE SENTIDO dessa luta, o cansaço, a doença, e a consciência – que sempre chega – do total desperdício da sua vida, da pura perda de uma encarnação frustrada, que se destina a futuro aperfeiçoamento e evolução.

Os místicos (ou simplesmente buscadores do caminho) –

os poucos que ainda existem – preferem pagar o preço de uma vida modesta, com poucas compensações materiais, sem ilusórios triunfos e banais êxitos, para encontrarem o equilíbrio emocional, sua harmonia interior com a Mente Cósmica, a Paz de Espírito que resulta das emoções apaziguadas e controladas, a serenidade de quem sabe o chão que pisa e a meta da chegada, com saúde mental, psíquica e física, a íntima satisfação de estarem em comunhão com os objectivos superiores da Criação, e o mais possível harmonizados com as leis do Criador, sem nome, que rotulamos de DEUS.

Esta é uma tentativa antecipada de resposta às pessoas

racionais e materialistas que costumam pôr perguntas do género: “Qual é a vantagem de ser espiritualista, ou Místico? Para que serve isso? Temos uma só vida para viver e não interessa

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desperdiçá-la com essas preocupações…” E, geralmente, concluem: – “O que é preciso é gozar a vida, divertirmo-nos, pois a morte é certa, e essas coisas (alienações) de Reencarnação, Alma, Deus, bondades e altruísmos, num mundo selvagem e competitivo, não dão pão a ninguém.”

A estas pessoas, que se cruzam diariamente comigo e com

os leitores, desejo responder, além do que já antecipei, que “Conhecimento é Poder” e que aqueles que vivem à revelia dele, além de fracos, estão expostos às vicissitudes, sujeitos ao infortúnio e miséria, como um barco perdido em tempestade, e pagarão um elevado preço, cedo ou tarde, em doença, sofrimento, dor.

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AS COSMOGONIAS PRÉ-SOCRÁTICAS

“E DEUS DISSE: “HAJA UM FIRMAMENTO ESTRE AS ÁGUAS

PARA AS MANTER SEPARADAS UMAS DAS OUTRAS.” “DEUS FEZ O FIRMAMENTO E SEPAROU AS ÁGUAS QUE ESTAVAM SOB O FIRMAMENTO”. (Bíblia – Génesis – l.6)

TALES, DE MILETO

Tanto quanto se queira recuar às origens dos conceitos

cosmogónicos ou teogónicos e aprofundar a pesquisa no sentido de podermos encontrar fundamentos para as teorias dos primeiros filósofos gregos sobre a matéria-prima original do Universo, mais se conclui pela impossibilidade de os definir com clareza e de lhes dar uma significação racional para a actual linguagem do mundo em que vivemos. Recua-se na busca até ao ponto em que tudo se torna uma cortina enevoada de mitos, fundamentados em inúmeros deuses criadores do Cosmos, e detalhá-los aqui, interessaria apenas aos estudiosos da mitologia, ultrapassando as pretensões limitadas deste ensaio. Por isso, fá-lo-emos apenas em ligeiros apontamentos, para tentarmos encontrar nas origens do pensamento humano a possível motivação de Tales de Mileto ao propor ao Mundo Ocidental a ÁGUA como substância primeva do Cosmos, ideia que, considerando o estágio actual do conhecimento, poderia parecer absurda e visionária se não lhe procurássemos a origem.

O mundo de Tales – 26 séculos atrás – sem a Teoria

Quântica, a Lei da Gravitação Universal, e a Lei da Relatividade – era, obviamente, um outro mundo bem diferente, ainda assente e flutuante na água.

Todavia, é em Tales, de Mileto, no século V a.C., que

encontramos a primeira tentativa de pesquisa racional dos fenómenos da Natureza, já afastada, tanto quanto seria possível na época, das concepções teogónicas da Origem do Universo, até então somente gerado pelos deuses das várias mitologias.

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O que podemos saber sobre Tales leva-nos a crer que ele não era um visionário e, muito menos, um crente mitológico. Iniciou-se como qualquer grego culto, na Política, que depois abandona para se dedicar à pesquisa científica, à física natural; viaja para o Egipto, onde estuda e aprofunda com os sacerdotes, instrutores e sábios, todo o conhecimento tradicional – Alquimia, Medicina, Teologia, Astronomia, Geometria, etc. Sabe-se que Tales mediu a altura das Pirâmides pela sua sombra, inscreveu pela primeira vez um triângulo num círculo, determinou o curso do Sol, usou o Gnómon e chegou a prever um eclipse. Assim, não temos dúvidas de que quer Tales quer os outros filósofos milésios que lhe sucederam, devem a inspiração e o conhecimento que os estimulou à reflexão e à pesquisa cosmogónica, aos conhecimentos incrivelmente avançados de Astronomia, que possuíam, na época, os Egípcios e os Babilónios.

Não obstante toda a controvérsia e dúvidas que existem

quanto à legitimidade do pensamento de Tales, que chegou até nós através dos testemunhos de Heródoto, Écio, Plutarco, Platão, Diógenes de Laércio, Simplício e Aristóteles (que os colheu de fontes mais antigas) e, portanto, com as naturais distorções e interpretações pessoais desses filósofos, consideramos surpreendentes e importantes para este Ensaio, pelo menos, duas das três ideias básicas da sua filosofia:

1.ª - A Terra flutua na água; 2.ª - A origem ou princípio de todas as coisas é a água; 3.ª -Até os seres inanimados (sem alma) poderão estar

“vivos”; o Mundo está cheio de deuses. À primeira vista parece que este precursor dos Pré-

Socráticos, quase todos buscando, afinal, uma Prima Matéria Universal, não foi feliz ao propor a água como sendo essa substância única, embora, implicitamente, considerasse haver nela (como em todas as coisas) uma energia vitalizadora, dinâmica, transformadora, mesmo de carácter divino, ao exprimir o conceito Hilozoísta de que “TUDO ESTAVA CHEIO DE DEUSES”, conceito que, aliás, viria a ser partilhado por outros e por Platão, considerando o Universo uma alma vivente. É mais fácil, parece-nos, entender os conceitos do “AR”, de Anaxímenes; do “INDETERMINADO”, de Anaximandro; do “FOGO”, de Heraclito; talvez porque suas teorias foram melhor complementadas e seus fragmentos escritos (embora quase

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sempre perdidos) ajudaram à compreensão posterior das suas ideias. Por isso, fazemos aqui uma honesta tentativa de perceber Tales ao considerar a “Água” como símbolo da substância primordial da Natureza.

Fazendo um esforço mental para viajarmos no tempo, ao

Mundo como era visto antes de Galileu, Copérnico, Kepler e Newton, podemos entender que Tales considerasse a Terra assente numa superfície aquosa, um mar, um oceano, pois era esta a visão da Cosmologia Egípcia e Babilónica que chegara à Grécia. O Universo dos Egípcios, apesar de todo o progresso científico que depois os caracterizou, estava circunscrito às terras conhecidas em redor do Mediterrâneo, supostas como um extenso vale cercado de montanhas que sustentavam o Céu, e estas rodeadas por um vasto Oceano. O Sol flutuaria para lá dessas montanhas, onde se erguia e escondia, fazendo o dia e a noite. Para além delas, num ponto extremo, haveria um estado de absoluto nada, ou um “CAOS” aquoso. Era o “NUN”, massa líquida primordial, contendo virtualmente todas as coisas.

O conceito Babilónico encontra-se escrito remotamente

num poema designado “ENUMA ELISH”, talvez significando “NAS ALTURAS”, que descreve o Génesis babilónico do Universo, também composto de um “Caos” primordial, aquoso, com três elementos interdependentes (o qual se resumiria depois às TREVAS para a criação da ORDEM e da LUZ). Assim, esse “CAOS”, denominado “TIAMAT”, era o deus “APSU” (o abismo primordial, um mar de água doce), em baixo, o deus “MUMMU” (o ruído das águas, as nuvens e a neblina), reinando em cima, e o próprio “TIAMAT” (o oceano universal), os quais, unidos, dariam origem ao Cosmos.

Noutra versão, “APSU” e “TIAMAT” representavam a

dualidade masculino-feminino da Água Primeva e, por vezes, significavam a água doce e a salgada.

É importante entender que ainda não era concebível, nesta

Teogonia, uma divisão de Terra, em baixo, e de Céu, no alto. O cosmos total era apenas água, regido por um deus – TIMAT (a mãe) – o oceano do qual nasceriam, mais tarde, dois deuses, através dos quais (e aqui vemos um princípio da Lei da Dualidade) se criaria a vida e outras coisas.

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É, praticamente, o mesmo conceito que encontramos mais tarde nos Hebreus: o “CAOS” primordial com a Terra interligada com as Águas; a Terra um disco plano e circular boiando no abismo, o Firmamento uma placa azul e, por cima dele, um extenso mar de água doce.

A importância da água para a existência e subsistência da

vida permitiria aqui um alongamento do assunto, que não desejamos fazer. Lembramos apenas que, para além de todas as influências havidas em Tales, ele ponderou a “Água” também como um símbolo primordial da Natureza pela sua importância na manutenção dos organismos vivos, achando que “é o húmido que alimenta todas as coisas”, o que não está longe da actual teoria científica que atribui a criação do primeiro ser vivo na água; é, aliás, uma das ordenações de Deus no Génesis Bíblico (1.20). A Água, o solvente universal, passou, assim, a perdurar como um dos quatro elementos fundamentais (com a Terra, o Ar e o Fogo) na Filosofia Grega, e a tornar-se indispensável nas liturgias, no baptismo, etc.

Sabemos hoje que a Terra não flutua na água; mas não

podemos afirmar que, alguma vez, elas não estiveram juntas, e que a origem dos seres vivos nela não tenha ocorrido. Quanto à visão de Tales, reputando as forças ou campos de forças, então desconhecidos mas existentes nas coisas, como o íman, cujas propriedades ele descobriu e analisou, assim como o âmbar, podemos entender actualmente o que Tales simbolizou com os “deuses” e a “vida” em todas as coisas animadas e inanimadas. Conhecemos as manifestações das grandes Leis Universais, denominadas “campos magnéticos, electromagnéticos, quânticos, etc.”, mas não temos – nenhum de nós tem – em sua cegueira racional e materialista – a ousadia de ser Taliano e afirmar que todas as coisas estão cheias, não de deuses, mas de Deus, o mesmo Deus que Akhnaton, o Faraó iluminado, já postulara como ÚNICO, dez séculos antes de Tales, ou confirmar SPINOZA – quando esclarece que “a única substância que existe no Universo é Deus”.

ANAXIMANDRO

No horizonte nebuloso do tempo decorrido desde o século

V a.C., a personalidade de ANAXIMANDRO (610 a.C.), surge-nos, como é habitual nos Pré-Socráticos, através de muitas

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dúvidas e controvérsia daqueles que escreveram sobre ele e fizeram chegar a grandeza do seu pensamento até nós, Plutarco, Hipólito, Aristóteles, Simplício, Écio, etc., tornando incerta até a existência da sua obra “A NATUREZA”, e de outras sobre Astronomia. Sua teoria, não obstante a sua antiguidade, é, talvez, até hoje, a visão mais profunda e inteligente da Criação, pela sua singularidade, e desenvolveu um conceito muito abrangente dos variados aspectos do Cosmos e da experiência humana, tentando mesmo apresentar uma origem racional do homem e do Universo que muitos filósofos posteriores não acompanharam nem desenvolveram. Não escreveremos aqui muito sobre ele porque nos interessa apenas a sua Teoria Cosmogónica, o que, supomos, não levará o leitor a diminuir a grandeza desse gigante do pensamento, alguém que, sem dúvida, foi predestinado e tocado pela inspiração Divina para levar os olhos dos seus contemporâneos e vindouros a olhar para o Alto na procura da Fonte Criadora do Universo – a “ARKHÉ”.

Companheiro, contemporâneo, e talvez até discípulo de

Tales, e um pouco mais novo, Anaximandro segue um caminho totalmente diferente e inovador, ao estabelecer o substrato original da criação no "APEIRON", totalmente ausente de conceitos materiais, não identificados com aqueles que eram popularmente conhecidos como elementos fundamentais, a “ÁGUA” (de Tales), o “AR” (de que falaremos em Anaxímenes, um seu contemporâneo), a “TERRA” e o “FOGO”.

Quer a manifestação da “ARKHÉ, o “APEIRON”, traduzido

ora por “O INDEFINIDO” ou “INDETERMINADO”, ora por “O INFINITO”, quer a sua teoria sobre os contrários ou opostos, que dimanam e se separam do “Indefinido” e nele estão presente pelo movimento eterno, e mesmo a sua afirmação de que é do “APEIRON” que provêem todos os céus e os mundos neles contidos, geraram imensas tentativas de racionalização e de interpretação por aqueles que o estudaram, de tal modo que a genial visão de Anaximandro chegou até nós numa teia de contradições e incertezas quanto ao que Anaximandro pretendeu realmente expressar. Isto se deve certamente ao facto de a sua proposta de uma energia original do Cosmos ser de natureza abstracta e não concebível para a razão humana.

O que pudemos resumir em Anaximandro, todavia, parece

ser concludente e luminoso:

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1. – O “APEIRON” é a Essência Criadora de todas as

coisas, Divina e imanente, indestrutível, não material, governadora do Cosmos, indeterminada, infinita e ilimitada, móvel, transformadora e eterna, que não podemos comparar com o que quer que seja, a não ser com uma energia Divina, ubíqua, omnipotente e omnipresente.

2. – Dessa energia se originam, por aparente separação,

pois nela se mantêm, os opostos da Natureza, o frio e o quente, o Fogo e o Ar, que são responsáveis pelas transformações e garantias da estabilidade cósmica.

É curioso referir que um poeta, contemporâneo de

Anaximandro, FERECIDES DE SIROS, também afirmava a distinção (se o fez primeiro do que ele, não sabemos) entre a matéria e uma energia organizadora e criadora do Universo, a que chamou AMOR e personificou em EROS, por metamorfose de ZEUS.

AMOR ou pura energia vibratória criadora e mantenedora

da Criação, o “APEIRON” (que mais adiante veremos clarificado doutro modo em Anaxágoras) revela que depois de Tales – o primeiro criador de uma cosmogonia racional não mitológica – Anaximandro deu um passo gigantesco no caminho da sabedoria e na intuição dessa “verdade” oculta pelo Criador mas manifesta no esplendor da obra criada – este Universo em que vemos as coisas de olhos nublados pelas aparências.

Em Anaximandro estamos ainda longe do Átomo mas não

da “Verdade”.

ANAXÍMENES, DE MILETO

ANAXÍMENES, DE MILETO, cuja filosofia inspirou

DIÓGENES DE ALEXANDRIA como um fiel seguidor, é o terceiro filósofo Milesio que trazemos aqui. A data do seu nascimento e morte é controversa, mas sabe-se que era cerca de vinte anos mais novo do que Anaximandro e foi companheiro e, talvez, discípulo deste.

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O que caracteriza fundamentalmente a sua filosofia, ou “física”, se preferirem, é o retorno a um conceito material da “ARKHÉ”, interrompido em Anaximandro, depois da “ÁGUA”, de Tales, conceito que identificou com o “AR”, como um meio-termo entre a ÁGUA “física” e o “APEIRON” abstracto, dos dois referidos filósofos.

Sua teoria foi exposta de forma objectiva e concisa,

contrária ao estilo poético e vago de Anaximandro, num livro que se crê ter escrito, mas do qual não subsistiu qualquer fragmento.

À primeira vista, como ocorreu com a ÁGUA, de Tales,

pode parecer que o AR, como substrato original das coisas, não tem interesse para este Ensaio, sobretudo depois de termos adquirido a noção metafísica do APEIRON, o que, mais adiante se verificará não ocorrer, pois o conceito de AR, de Anaxímenes, é muito mais abrangente e profundo do que aquele que hoje vulgarmente lhe damos.

Julgamos nós que, na base de todas as buscas que os

filósofos jónios fizeram de uma unidade criadora e catalizadora da multiplicidade das coisas da existência, sempre esteve uma tentativa de explicação para o movimento e a mudança, factores intrínsecos observáveis na realidade da Natureza. E são eles, cremos, que levam também Anaxímenes a considerar o AR como princípio único do Cosmos, com os seus opostos derivados de CALOR e FRIO, e nas duas polaridades de rarefacção e condensação. Pela rarefacção, o AR transforma-se em FOGO (ou CALOR), e pela condensação em VENTO (ou FRIO), nuvem, água, terra ou pedra, consoante o nível da condensação.

Mais do que o aspecto físico do AR, interessa-nos destacar

aqui outros aspectos desse princípio, que revestem de particular interesse a visão de Anaxímenes:

1. – Ao contrário do APEIRON, o AR não é indefinido mas

DEFINIDO e, como aquele, é UNO, INFINITO e também com eterno MOVIMENTO. É a energia que anima e envolve o Mundo, que respira AR, e origem de todas as transformações, em sua multiplicidade e diferenciação, pela rarefacção e condensação.

2. – O AR é a respiração e a vida do UNIVERSO, como

PNEUMA, ou SOPRO VITAL, com atributos Divinos, ou mesmo

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intrinsecamente Divino. A vida manifesta-se no corpo dos Seres Viventes através do AR, identificado com a própria ALMA, já que sem o AR não haveria vida.

3. – Do AR provêm todas as coisas geradas, que estão

sendo geradas e que venham a existir, no qual também se dissolvem.

Depois de Anaxímenes, o AR seria definido como

substância física, por Empédocles, na experiência conhecida da CLÉPSIDRA, e objecto de experiências com odres, por Anaxágoras, evoluindo até ao conceito físico-químico actual que, pensando mais profundamente, perdeu de vista a visão metafísica e hilozoísta do filósofo, mais consentânea com a verdade.

É o que veremos mais tarde, ao percebermos a sua

importância como veículo indispensável da ALMA.

HERACLITO, DE ÉFESO

O que a história nos transmite de HERÁCLITO é a sua

filosofia enigmática, transmitida em aforismos e metáforas pouco entendidas por aqueles que com ele conviveram, e que o cognominam de “OBSCURO”. Um tanto excêntrico e misantropo, a ele (como a todos os pré-socráticos, com excepção de Tales) se atribui também um livro, e como habitualmente, de título “Sobre a Natureza”, ou “Da Natureza”, onde abordou três temas principais: o UNIVERSO, a POLÍTICA e a TEOLOGIA, obra que, apesar do estilo difícil, parecendo intencional e dirigido a uma elite culta, obteve grande êxito quando da sua edição, tendo, ao que parece, dado lugar a uma espécie de Escola Heraclitiana e servindo de modelo aos filósofos estóicos.

Os conceitos metafóricos de ÁGUA, APEIRON e AR, como

substratos energéticos do Cosmos, de Tales, Anaximandro e Anaxímenes, dão lugar, em Heraclito, ao FOGO, símbolo do LOGOS, que ele conceitua como unidade e pluralidade de todas as coisas. O LOGOS é o verdadeiro e único substrato (também Divino) das coisas criadas, que estão unidas neste princípio único, apesar da sua aparente separação e multiplicidade.

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Todavia, a originalidade de Heraclito é que não centraliza a

sua filosofia numa tentativa de profunda explicação do LOGOS, ou da sua metáfora, o FOGO, implicitamente conceituados como sendo a ORDEM e a ORGANIZAÇÃO estrutural do Universo, e, sim, na definição da mudança e do movimento intrínseco em toda a Criação (tratadas de modo menos profundo em todos os pré-socráticos), através da sua curiosa e extensa TEORIA DOS CONTRÁRIOS – ou OPOSTOS.

Quando Heraclito, no ano de 504 a.C., diz que o princípio

único das coisas – o LOGOS – não pode ser apreendido pelos sentidos físicos, porque se oculta por detrás das coisas visíveis, estava genialmente certo, opinião que foi seguida, fielmente, por Parménides e, mais tarde, por Platão. Tudo é, realmente, UM, uma Intangível Realidade, mantida, todavia, através da oposição de todas as coisas, na dualidade eterna dos opostos que, pela divergência, se harmonizam num LOGOS DIVINO, em consequência da tensão a que estão sujeitos. Além disso, são estes opostos que produzem a mudança, um contínuo fluxo, e a transformação sucessiva de todas as coisas da Criação. Daí a comparação (poética e simbólica) que fez Heraclito entre a substância primordial do Mundo e o FOGO, sempre eterno e vivo, como o grande transformador.

Podemos resumir as ideias de Heraclito, neste aspecto, do

modo seguinte: 1 – DEUS (ou o LOGOS) não distingue contrários na prima

matéria cósmica. São os Homens, em sua consciência, quem a separa em opostos, pois debaixo destes subjaz a sua unidade, a sua invisível interligação, que jamais tem divisão absoluta e, portanto, têm de entender-se como complementares, ligados uns aos outros, equilibrando o Cosmos (ideia que iremos encontrar também em Anaxágoras).

2 – A mudança (ou alternância de polaridade) dos

contrários, gera os outros: a vida gera a morte, a juventude gera a velhice, etc.

3 – As coisas só são coerentes para nós quando nelas

implicamos os seus contrários. Por exemplo: “não há saúde sem doença” e “o caminho que sobe é o mesmo que desce”. Os

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opostos são, pois, aspectos de uma mesma coisa – um estado orgânico, um caminho, etc.

4 – A ilusória identidade dos opostos é apenas uma

sucessão ou continuidade de uns nos outros: a água quente passa a água fria, ou vice-versa; uma mudança de estado na temperatura ou no tempo, como a noite que sucede ao dia e este àquela.

5 – O aspecto dual que as coisas tomam em nossa

consciência: a faca que serve para matar (assassina), ou para fazer uma cirurgia (salvadora) …

6 – Qualquer mudança num contrário implica a mudança

no outro, e daí se gera a eterna “discórdia” ou “guerra”, permanente movimento gerador da mudança incessante que explica o equilíbrio permanente do Cosmos; (esta ideia é também muito clara em Anaximandro, com a sua “retribuição de umas coisas às outras”). Assim, as coisas que, aparentemente são estáveis, são continuamente objecto de transformações, que nos são invisíveis ou não perceptíveis (ideia que será mais tarde adoptada por Melisso).

Em conclusão, é surpreendente a lucidez de Heraclito na

sua explicação cosmogónica de um Universo em constante movimento e devir, gerador de mudança, simbolizada pelo fogo transformador, através dos opostos, como uma ilusória realidade dimanada da Unidade subjacente e reguladora da Ordem e Equilíbrio, oculta à visão humana: – o LOGOS – que os Homens devem compreender como princípio da sabedoria que não possuem.

Os esboços intuídos dos opostos da Natureza,

sumariamente apontados pelos seus predecessores, aparecem agora em Heraclito numa teoria monumental que, não fosse o seu precedente histórico nos Egípcios, faria dele um génio raro. Assim, parece-nos que, depois da genial descrição da ARKHÉ (ou APEIRON) de Anaximandro, devemos a Heraclito (na Filosofia Racional) o esboço quase total (que Anaxágoras irá completar) da explicação cosmogónica do Cosmos que, actualmente, ainda tentamos, paradoxalmente, interpretar. A “CAIXA PRETA” continua por abrir e todos continuamos a procurar dizer o que está em seu interior.

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ANAXÁGORAS, DE CLAZOMENAS

Dizer que o Sol era “Uma pedra de metal em brasa” e a Lua

“Uma Terra”, 480 anos a.C., só podia trazer problemas a esse gigante do pensamento e companheiro de Anaxímenes, Anaxágoras, de Clazomenas, julgado, exilado e condenado à morte, à revelia, que acabou por falecer, já velho, em Lâmpsaco, onde ainda hoje é honrado no dia da sua morte com um feriado para as crianças das escolas.

Ao que se pensa, também ele escreveu um pequeno livro,

tratando assuntos muito diversificados que vão desde a Astronomia à Fisiologia, e que só podia ter por título “Da Natureza”.

Nenhum outro filósofo, todavia, deu lugar como

Anaxágoras a tantas discussões e interpretações diferentes, talvez porque em seu sistema existe já uma teoria implícita (mas não, então, inteligível) da composição atómica do Universo, do seu início (quase um “Big Bang”), que depois se clarificaria, como pós-socrática, em Lêucipo e Demócrito, e que difere muito dos sistemas de todos os filósofos anteriores.

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ENTÃO – E A ALMA?

Resposta a Brigitte

“Assim sucedem, um após outro, HOMO FABER, HOMO SAPIENS, HOMO MYSTICUS. O feto, no útero materno, não sabe que se tornará

num homem adulto. O Homo Faber não sabe que se tornará Homo Sapiens, nosso contemporâneo; não sabe, em geral, que se tornará

Homo Mysticus.”

(Jean Bernard – “Então – E a Alma?”)

Este Ensaio sobre a Alma deveria intitular-se “Resposta a

Brigitte”. E vou explicar porquê. Há alguns anos saiu em Portugal um livro interessante, de

Jean Bernard, com o título de “ENTÃO – E A ALMA?”. Foi esta pergunta que Brigitte, uma garota de uma pequena aldeia francesa, aluna de uma escola local, fez a um médico – suponho que o autor do livro – através do seu professor primário. Cada aluno punha uma questão ao seu professor, e Brigitte, simplesmente, perguntou: “Então – E a Alma?”

Não me espantaria que o próprio leitor, agora, fizesse essa

mesma pergunta. Da leitura do livro, no qual procurei com curiosidade algo

sobre a alma, resulta a frustrante evidência de que a pergunta nem foi minimamente respondida, nem a Ciência, depois de dissecar o cérebro, os neurónios, as sinapses, as células, os genes, se propôs respondê-la. Procurando a alma na matéria física, a Ciência, com toda a sua admirável técnica de análise do cérebro, chegou ao beco sem saída onde actualmente se encontra, com pouca ou quase nenhuma esperança de poder encontrar a alma, e mesmo o pensamento, ao microscópio, ou na tomografia axial computorizada.

Mais do que a Física Quântica, hoje já quase unida ao

Misticismo, a Genética, a Bioquímica, a Neurobiologia, a Neurologia, estão distantes, incompatíveis, em seu reduto

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racionalista, com o Misticismo e a sua visão holística do Homem, do Mundo e da Criação.

O livro de Jean Bernard, louvável em suas sínteses do

avanço científico nas referidas áreas, é uma honesta confissão, embora desencantada, da utopia dos cientistas em encontrarem a alma no cérebro e no sistema nervoso do homem. Alguns cientistas lograram chegar à metafísica busca – certamente com um mal disfarçado desespero – da localização ou conexão da alma na Glândula Pineal, conforme disse Descartes. Esta teoria que, desde o século XVII, havia sido desprezada e abandonada ao ridículo, é agora a busca que é chamada de “Síntese Máxima”, segundo Jean Bernard, e à qual se dedicam actualmente vários investigadores nos Países Baixos. Todavia, mesmo eles, ainda se recusam, com pragmática repugnância, a aceitar esta teoria.

É claro que existem raras excepções e que o nosso trabalho

não conseguirá estar isento de eventuais injustiças. A Teoria da Cosmosíntese, de Rupert Sheldrake, é uma dessas admiráveis excepções. A pior posição nesta continuada recusa científica, é a dos biólogos, de acordo com Jean Benard, ao considerarem a alma uma “Secreção do Cérebro”. “Secreção” é, realmente, algo de insólito, senão de irrisório, que eu jamais supus ouvir como tentativa de definição da alma.

De resto, Brigitte – e tantos milhares de anónimas Brigittes

– não deveriam esperar resposta duma maioria de cientistas, ainda despreparados nestas áreas, para assumirem o Homem em sua tripartida natureza e manifestação humana – Corpo, Mente e Alma, tentando encontrar e explorar a Intangível Alma na Mente do Homem – que julgam ser o cérebro.

Socorro-me aqui da breve explanação introdutória

constante do meu Ensaio “O Homem e a Mente”, já publicado virtualmente e não editado em papel, relativamente à natureza da Mente e da Alma, que ajudará a entender a distinção entre Mente e Alma:

1. A Mente não é o cérebro, conquanto ela o utilize em

certas funções; 2. A Mente não é individual, embora todos os seres

humanos estejam intrinsecamente ligados à Mente Universal,

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através do seu “Inconsciente”, que lhes pode permitir o acesso à Mente Cósmica;

3. A Mente não é a Alma, também. Não obstante, está

essencialmente ligada à Alma. 4. Quanto à Alma, esta também não é individual, como

comummente se pensa e, sim, Cósmica. 5. Assim, existe uma única Alma Total no Universo,

cabendo a cada ser vivente um segmento dela, em cada encarnação, que se manifesta como Personalidade-Alma.

6. A Alma entra no corpo humano do recém-nascido com

a sua primeira inspiração e deixá-lo-á quando ele passar pela “transição” (termo místico para a morte), quando então passa a um “Plano Cósmico” (morre, como se diz popularmente). E como a Mente (ou Consciência) vem associada à Alma, no nascimento, como seu atributo intrínseco, a Mente deixará obviamente de estar presente no corpo físico por ocasião da transição do Homem. No entanto, a Mente continuará a existir cosmicamente e sempre nos outros seres vivos.

Depois da Neurologia e a Biologia terem chegado ao beco

sem saída, já é com franco optimismo e sem receio de hostilidade ou de ridículo, que sempre acolhiam os filósofos e místicos, que vou tentar responder a Brigitte (e a outras…).

Para ela, minha resposta é sintética e simples, como se deve

dar a uma criança: a Alma é como “O Sorriso do Gato, de Chesire”: mesmo quando ele desaparece, o seu sorriso sempre permanece.

Para o leitor, é necessário, claro, dizer algo mais e

continuar. É que, chegados a este ponto começamos a perceber que,

na magnificência da Grande Obra Criadora, Deus deixou pistas, sinais, marcos do Seu trabalho ímpar, e não só nas coisas mas também nas pessoas. São as pegadas que Deus deixou no Cosmos, os indícios de que somos feitos da Sua mesma

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substância, reflexos da Sua Consciência. Assim, “O Sorriso do Gato” poderia converter-se em “As Pegadas de Deus”.

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A BUSCA DA “ARKHÉ”, O PRINCÍPIO ÚNICO DO TODO

E A DUALIDADE DAS COISAS DA CRIAÇÃO

(LEI DA POLARIDADE E “NOUS”)

“Deus é Dia e Noite, Inverno e Verão, Guerra e Paz, Desejo e Saciedade” (Heraclito).

Os Essénios (ou Terapeutas) – antiga comunidade a que Jesus pertenceu, e na qual desenvolveu a sua personalidade no aprendizado terreno - escolheram a Treva, a Noite, como símbolo de Deus, optando por dois extremos nos opostos da Criação, em oposição ao Alcorão, que afirma que Deus é Luz, e à Bíblia e outros livros e religiões que o definem também como Luz.

Rajneesh (Osho), o grande mestre, já falecido, diz-nos isto

em seu livro sobre Heraclito, e acrescenta: “Só Heraclito escolheu ambos – Deus é Dia e Noite”. Deus concebido em opostos, exprimindo, portanto, como nenhum outro filósofo, a mais velha concepção do Mundo – e a mais verdadeira – de Hermes, o três vezes sábio, de cujos ensinamentos, na filosofia Hermética, transcorre a LEI DA POLARIDADE. Sobre ela falaremos mais adiante, no seguimento das concepções filosóficas e cosmogónicas da Criação – já resumidamente historiadas atrás. Nelas, além da Lei do Movimento, ou Mudança, e de outras leis que ocuparam a mente de quase todos os pensadores antigos, se destaca a descoberta, o conhecimento intuitivo da Lei da Dualidade, dos Opostos, ou conhecimento da Tradição Esotérica dos Egípcios, como Chave da Vida e da Criação Universal.

Ao apresentar a Divindade como um paradoxo, todavia,

Heraclito condenou-se à incompreensão, ao desprezo de Aristóteles, com sua lógica poderosamente influente da mente ocidental, chegando até nós como um pensador estranho, obscuro, incompreensível.

É entre os Egípcios e Caldeus antigos que encontramos,

inicialmente, o Princípio da Dualidade de todas as coisas, que nos parece fundamental. São, aliás, os ensinamentos tradicionais das antigas Escolas de Mistério do Egipto antigo, criadas por AAMOSES I e mais tarde completamente estabelecidas por TUTMOSIS III e AKHNATON, que vêm a influenciar depois os

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filósofos gregos pré-socráticos, primeiramente os da Escola Jónica. Estas Escolas devem, suponho, ter seguido também os ensinamentos originais e tradicionais de Hermes Trismegistus.

A pergunta clássica de Aristóteles – “DE QUE COISA

ÚNICA SÃO FEITAS AS COISAS?” exemplifica a árdua busca e pesquisa dos filósofos pré-socráticos ou, melhor dizendo, Teóricos naturais – mais físicos do que filósofos, nessa época – de uma Cosmogonia significativa e explicativa da natureza do Universo, a busca de uma Substância Original subjacente e implícita nas mudanças observáveis do mundo grego de então.

“E Deus viu que a Luz era boa e separou-a das Trevas”

(Bíblia – Génesis – 1.4)

Recentemente, Einstein fundiu dois aspectos da realidade

comum, genericamente aceites, o ESPAÇO e o TEMPO, num único e novo conceito de ESPAÇO/TEMPO, considerado como a 4.ª Dimensão, na Física, pois a 4.ª Dimensão no Misticismo tem uma abordagem e concepção totalmente diferentes. Para mim, o espaço e o Tempo não pertencem à verdadeira natureza da Criação (não existem substancialmente) e não passam de ilusões ou artifícios da mente humana. Voltarei a este assunto, neste ou noutro Ensaio, se for pertinente falar deles.

A dualidade das coisas – A Lei dos Opostos – é, de resto,

claramente observável na nossa experiência quotidiana: - o Dia e a Noite – a Luz e a Treva – o Amor e o Ódio – o Verão e o Inverno – o Frio e o Calor – assim como o Homem e a Mulher – o Norte e o Sul – as polaridades de um íman (positiva e negativa), os buracos brancos e os negros – o Electrão e o Positrão – o Neutrão e o Anti-neutrão, a Matéria e a Antimatéria.

E, fatalmente, desaguamos na dualidade CORPO - ALMA.

O Corpo é hoje algo bastante conhecido e estudado pela Medicina, a Biologia, a Genética (embora não totalmente), etc., e é genericamente considerado como uma massa orgânica, física e viva, composta de átomos, moléculas, células, como qualquer outro organismo vivo, uma máquina complexa, ao qual a Ciência tem dedicado bastante atenção. Só falamos dele aqui, pois, como a contraparte da ALMA (essa, sim, uma desconhecida), se bem que a compreensão que o Ocidente tem do corpo humano ainda é

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limitada no foro da Medicina Alopática (a cura pelo contrário) tradicional, enfeudada na ciência racionalista que despreza o estudo valiosíssimo da Medicina Homeopática (a cura pelo semelhante) e da Acupunctura com seus meridianos energéticos.

Assim, se todas as coisas do Universo são formadas por

pares de opostos complementares, resulta óbvio que não seria possível conceber a existência do Corpo – a Matéria Humana – sem o seu oposto IMATERIAL – a ALMA ou, se preferirem, a sua ANTIMATÉRIA, esta aceite pela Física como realidade incontroversa mas ainda mal compreendida.

O 4.º Grande Princípio, ou Lei, entre as 7 Leis Herméticas

(de Hermes, que se supõe ter vivido cerca de 2700 anos antes de Cristo) é o da POLARIDADE. Estas Leis são um estudo para altos iniciados na Filosofia Esotérica, do qual, felizmente, um pouco chegou até nós, suficiente para quem investiga os arcanos da fugidia “VERDADE”. “Uma Chave Mestra para que o discípulo possa abrir todas as portas internas que conduzem ao Templo do Mistério, cujos portais já entrou”. É o que nos diz o “CAIBALION” (ou “KYBALION”). Entre os raros livros de Hermes Trismegistus que hoje é possível ler, como “A Tábua de Esmeralda”, o Caibalion (como já tive ocasião de dizer no Ensaio “O Homem e a Mente”) é uma obra iluminada pelo enorme clarão de sabedoria deste Grande Mestre, a qual, 47 séculos depois, ainda nos encandeia pelo seu brilho. Pena é que tão poucos ainda possam compreendê-la.

No Brasil, em minhas palestras, ao aludir às Leis Naturais

da Suprema Criação, às chaves mestras que a Filosofia Hermética nos deixou para entendimento do funcionamento do Cosmos, costumava dizer, por graça, mas com reverência, (em alusão à modéstia da edição desse Livro, discreto e pouco volumoso) que “Tudo estava no «Livrinho»”. Aqueles, poucos, que percebiam a alusão ao “Caibalion”, sorriam, cúmplices, pois sabiam que os preceitos Herméticos explicam realmente os mistérios do Universo que, por paradoxal ironia, tantos cientistas e filósofos actuais buscam noutras fontes. Assim, os “Três Iniciados” (aqueles que redigiram a obra anonimamente), dizem no Prefácio que, para aqueles que ainda não são verdadeiros estudantes esotéricos, os Princípios Herméticos “serão somente palavras, palavras, palavras! …”

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Aquilo que o Princípio da Polaridade estabelece, resume, afinal, o que os filósofos Pré-Socráticos (Anaximandro, Empédocles, Anaxágoras, Pitágoras e, acima de todos, Heraclito, exprimiram quanto à Dualidade da Substância Primordial Divina, implícita em todas as coisas, apesar da sua multiplicidade de aspectos e da Lei de Mudança e Transformação a que estão sujeitas, em virtude do Movimento Vibratório que lhes é inerente.

Diz-nos o Quarto Princípio Hermético que: “Tudo é duplo; tudo tem dois pólos; tudo tem o seu par de

opostos; o semelhante e o dissemelhante são uma só coisa. Os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.”

(O “Caibalion”) Ele explica todos os paradoxos da existência que foram

colocados ao longo dos séculos pelo Homen, como tentativas da sua resolução, de acordo com o Princípio da Polaridade: “Tudo existe e não existe ao mesmo tempo, todas as verdades são meio falsas, tudo tem dois lados.”

O Princípio nos ensina ainda, importantemente, (apoiando

o que já pude investigar e concluir sobre Vibrações) – e Hermes nos legou também o “Princípio da Vibração” – que o diferente aspecto das coisas que nos parecem totalmente opostas, se deve unicamente a graus de vibração que podem ser reconciliados. Matéria e Espírito são apenas dois aspectos aparentes duma substância única, diferindo somente em graus de vibração, assim como “Espírito” e “Alma”, ou “Espírito” e “Força Vital”. Também os exemplos extremos de Calor e Frio, Luz e Treva, ou de Vermelho e Violeta (na escala cromática de cores), de Som e Silêncio, ou mesmo de Amor e Ódio, nos parecem coisas inconciliáveis e radicalmente opostas, mas tudo se resume aos diferentes graus de vibração entre elas. Assim, jamais é possível (mas somente em cada par de opostos da mesma natureza) demarcar com precisão, entre eles, onde se situa um e outro, e sem que deixem de ser dois pólos de uma mesma coisa. Tudo é relativo, nada é absoluto, entre as coisas opostas. No termómetro, entre o pólo inferior (que chamamos de frio) e o pólo superior (que chamamos de calor) há diversos graus de

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calor e de frio. Em certo ponto encontramos mais calor e menos frio (ao subir a escala) e menos calor e mais frio (ao descer). Haverá, todavia, determinado ponto, certo grau vibratório, em que nem o frio é só frio nem o calor é só calor ou, numa escala emocional, em que nem o amor é plenamente amor nem o ódio é totalmente ódio; onde nem mesmo poderemos dizer qual é Amor e qual é Ódio. É quando o semelhante e o dissemelhante se confundem, se unem na substância única de onde provêm.

A Lei da Polaridade levar-me-ia a exaustivos exemplos,

apoiados na óbvia realidade, mas, creio que os exemplos dados ilustram suficientemente o que pretendemos dizer sobre a polaridade.

Espinosa tinha razão: não faz muito sentido dividir o Corpo

e a Alma se, na natureza essencial das coisas, eles são uma única substância.

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AS POLARIDADES DE “NOUS”

O Par de Opostos fundamental para nos encaminharmos a

uma compreensão da natureza da Alma decorre de “NOUS”, como substância e essência original da Divina Criação.

Voltamos assim ao “NOUS”, de Anaxágoras, como sendo a

Fonte Mental, Teleológica, Pensante e Criadora do Cosmos, uma Consciência Cósmica causadora do Todo que conhecemos e não conhecemos. Como não temos definido um oposto para “NOUS”, substância mental e singular do Criador (as palavras são a linguagem possível), teremos agora que percebê-lo, juntos, (num prisma místico), como sendo UMA ENERGIA DUAL, VIBRATÓRIA, DA FONTE DIVINA, COM POLARIDADE POSITIVA E NEGATIVA, CAUSA DE TODAS AS FORMAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS, SOB UMA ORDEM DE LEIS NATURAIS.

Por outras palavras, compreendamos “NOUS” como UMA

ENERGIA CÓSMICA, CRIATIVA E UNIVERSAL, QUE, POR ACÇÃO DA NATUREZA DE SUAS VIBRAÇÕES, SE MANIFESTA NA DIVERSIDADE DAS FORMAS MATERIAIS E DAS COISAS IMATERIAIS.

Designaremos agora a sua dualidade por “ESPÍRITO” e

“ENERGIA ESSENCIAL DE VIDA”, traduzindo esta última por “FORÇA VITAL”.

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“NÃO SABEIS QUE SOIS O TEMPLO DE DEUS E QUE O ESPÍRITO DE DEUS HABITA EM VÓS?”

(1.ª Carta de S. Paulo aos Coríntios – 3.16)

O ESPÍRITO

Para o objectivo deste Ensaio devemos limitar o prolongamento das dualidades de cada unidade, pois seria inútil, a partir de agora, continuarmos a divisão dos conceitos sobre as coisas. Ficaremos pela importante divisão de “NOUS” em “ESPÍRITO” e “FORÇA VITAL”, embora devamos entender tacitamente a inexorável dualidade de cada uma destas energias, por exemplo, em “Espírito” A e B; “Força Vital” A e B; “Espírito A em A1 e A2; “Espírito B em B1 e B2; etc., numa progressão infinita.

Note também o leitor que sempre que eu aqui referir o

“Espírito” como uma das polaridades de “NOUS”, a Energia fundamental, escrevê-lo-ei entre aspas e, portanto, com um sentido totalmente diferente daquele a que o leitor está habituado, significação que, como polaridade negativa de “NOUS”, encontrará adiante, no local adequado.

Irei tentar também, e com um sentido mais objectivo do

que espiritualista, que o próprio tema impõe para a sua clarificação, desfazer a grande confusão criada ao longo dos séculos, e já demasiadamente intrincada, entre os conceitos de ESPÍRITO e ALMA, destrinçando também os imensos significados atribuídos a ESPÍRITO. Não o farei de modo extensivo, para não maçar o leitor, mas de forma suficiente para poder isolar e chegar ao meu conceito final de ALMA ou, parafraseando WITTGEINSTEN, tentar “dizer o indizível”.

Antes, todavia, informamos o leitor de que é usual

encontrarmos a palavra Espírito em muitos textos com o sentido, ou significado, da natureza de Deus, do Criador, do Todo…

Na Bíblia – e apesar das traduções mais antigas e muitas

modernas, não distinguirem entre ALMA e ESPÍRITO (o que levou a um entendimento comum de que seriam a mesma coisa), encontramos três trechos bastante clarificadores:

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– O 1.º, no Capítulo 2 – Versículo 7 – do Livro do Génesis: “Deus fez o homem do pó da terra, insuflou em suas

narinas o sopro da vida, e o homem tornou-se uma alma vivente.”

É importante notarmos a distinção entre “pó da terra” (de

que o Homem foi feito), inegavelmente o seu corpo material, e “Sopro da Vida”, a contraparte anímica, imaterial, que lhe deu vida, pois entende-se que sem este “sopro” o “pó da terra” não é vivente.

Para mim, este “sopro” é a ALMA (e a Força Vital) e o “pó

da terra” é, sem dúvida, o “ESPÍRITO”, o que, mais tarde, se tornará bastante coerente para o leitor.

– O 2.º, no Livro de Job – XXXIII – 4: “O Espírito de Deus me criou e o sopro do Altíssimo deu-

me a vida.” Note-se: a) a distinção entre “Espírito” e Vida; b) o Homem é criado pelo “Espírito”, mas sem vida, e é o

sopro que vai dar vida a essa forma humana, criada, mas dependendo do sopro para animar-se.

– E o 3.º, em Tessalonicenses – Cap.º 4 – 23: “O Homem é formado de “Espírito”, Alma e Corpo.” Vemos aqui a mesma ideia expressa nos outros textos,

embora abrangendo três elementos, onde a palavra “Espírito” não exclui, necessariamente, a palavra Corpo, antes a integra, pois, conforme os textos anteriores, já constatámos que o Corpo é feito do Espírito (o pó da terra), de substância tão Divina quanto a da Alma.

Aliás, é oportuno referir que toda a antropologia bíblica

não distingue a dicotomia Corpo/Alma, concebendo o Homem

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apenas como uma unidade vivente, isto é, uma pessoa anímica dotada de um corpo para sua expressão, mas num todo indiviso.

Analisemos agora algumas definições e concepções de

“ESPÍRITO”: – Segundo a Filosofia Hermética e “O Caibalion”, Espírito é

“um Princípio animado, vibratório”; – Os Hebreus designavam o Espírito por NEFESH, com um

sentido de alento vital, complementar a RUAH, o sopro Divino ou a acção de Deus no Homem;

– De acordo com Aristóteles, Espírito, como energia

(considerada como uma força motriz da criação), existe na matéria, mesmo quando esta está em repouso; (é para nós óbvio, creio, que Aristóteles não pôde ou não quis considerar que o repouso da matéria é, apenas, aparente, como hoje se sabe, com o desenvolvimento da Física Atómica);

– Conforme a concepção Rosacruz, da AMORC,

fundamentada na antiga Tradição Egípcia das Escolas de Mistério, “Espírito” é considerado como uma essência imanente e estimulante da matéria, penetrando-a, e permeando todo o espaço e todas as formas, quer as vivas (incluindo o Homem), quer as não vivas.

Nela, também o “Espírito” é considerado como uma das

polaridades de “NOUS”, com qualidade definida, limitada, finita e negativa, responsável pelas forças de adesão e coesão conhecidas na Física e na Química.

A AMORC define-o, ainda, como sendo de frequência

vibratória inferior à da Alma. – Curiosamente, encontramos esta noção de “Espírito”

num dos grandes génios da Humanidade, o Rosacruz Sir Isaac Newton, que a usa como uma original explicação, tão mística quanto científica, para a sua famosa Lei da Gravitação – a Lei da atracção que todos os corpos exercem entre si. Essa Lei é tão conhecida que me dispenso de a comentar.

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Em seu livro “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, diz Newton (extraindo somente a parte elucidativa sobre o assunto que venho tratando – o “Espírito”):

“Este é o local indicado para acrescentar algo sobre esta

qualidade de Espírito muito subtil que penetra todos os corpos sólidos e que está oculto na sua substância. É pela força e acção deste Espírito que as partículas dos corpos se atraem umas às outras nas mais pequenas distâncias e se unem quando estão próximas. É por meio do Espírito que os corpos eléctricos agem a distâncias maiores, quer para atrair, quer para repelir os corpúsculos próximos. E é ainda através da acção do Espírito que a luz emana, se reflecte, se retrai, e aquece os corpos”.

(Escólio Geral – “Princípios”)

– O Espírito é considerado Santo (ou Divino) pela Igreja

Católica e diversas Igrejas Cristãs, sendo designado por “Espírito Santo” na Bíblia. É do conhecimento geral a descida do “Espírito Santo”, simbolizado por uma Pomba, no Baptismo de Jesus.

– Variadíssimas religiões usam a palavra Espírito com

sentido diferente de Alma, e mesmo certos cientistas e filósofos. Alguns filósofos pré-socráticos, por exemplo, e sem desmerecimento para a enorme pirâmide de conhecimento que nos legaram (pouco reformulado na sua essência, até hoje), consideravam o Espírito (sem distinção da Força Vital e com o sentido total de “NOUS”) como símbolo do Movimento, princípio primordial da existência, e também como símbolo, ainda, da energia da Criação, fonte de manifestação da Unidade Divina.

É este, portanto, o sentido da “Energia de Espírito” de

Anaxágoras (o “NOUS”), e o da “Substância Infinita, Primária, Imutável e Eterna de que provêm todas as coisas”, a “ARKHÈ” de Anaximandro.

Cabe acrescentar que os filósofos pré-socráticos revelavam-

se como intrinsecamente místicos na sua pesquisa intuitiva e dedutiva (científica, na época) da Natureza Essencial do Cosmos, e unindo em sua “PHYSIS” (origem da Física) a Ciência com a Filosofia e a Religião. Numa abordagem hilozoísta, idealizavam a matéria impregnada de vida (o que é verdadeiro se aceitarmos

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que o próprio “Espírito”, tão Divino quanto a sua “Força Vital” complementar, e o próprio “NOUS”, têm um determinado grau vibratório de consciência, embora menor do que estes dois últimos.

Por outro lado, eles não concebiam qualquer distinção

entre o animado e o inanimado (a matéria vivente e não vivente, segundo os conceitos actuais), nem entre o Espírito (no sentido de alma) e a Matéria, já que, para eles, todas as formas de existência eram somente manifestações da PHYSIS, dotadas de Mente e de vida.

A palavra Espírito tem sido realmente entendida

diferentemente pela Humanidade, ora significando o próprio “Espírito” (de que falam Newton e a AMORC) – a polaridade negativa de “NOUS” infusa em toda a matéria – às vezes o próprio “NOUS”- e, por vezes, mesmo a própria Alma.

– A Religião Protestante, por exemplo, atribui-lhe o sentido

de Alma, ou Sopro, em paralelo com o que julguei entender nas “Testemunhas de Jeová”, que distinguem o Espírito do “Espírito Santo”.

– No Espiritismo Kardecista concebido pelo Dr. H. Rivail

(Allan Kardec), este atribui ao Espírito o sentido de inteligência e substância incorpórea – ou Alma – hoje arreigado comummente nas pessoas como algo fantasmagórico que aparece ou se materializa através do “ectoplasma”.

Este conceito de Espírito – “um espírito” como alma

desencarnada, amplamente divulgado pela filosofia de Allan Kardec (hoje quase tornada uma religião) – o popular “Espiritismo” – levou inúmeras autoridades científicas, no passado, à pesquisa da fenomenologia psíquica, como Alfred Wallace, pesquisador de Antropologia e precursor de Darwin; Sir Oliver Lodge, famoso matemático; William Crookes, físico; etc.

Estes são exemplos da grande confusão de significados que

o Espírito tem conhecido e que julgo pertinente descrever e conceituar.

– Na Cabala, (parecendo-nos mais próxima do nosso

“Espírito”), o Espírito aparece-nos como terceiro atributo de

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Deus (num triângulo de 3 IOD), e substância eterna e infinita que origina a matéria nos seus três aspectos de líquida, sólida e gasosa, designada também por Espírito Santo ou o 3.º nome da Trindade.

É curioso referir que cada IOD é representado por um

ponto ou uma vírgula, e a letra I significa o EU absoluto e supremo, e o Princípio de todos os seres que se manifesta na totalidade da Criação.

– O Espírito é considerado no sistema filosófico da Gnose

como sendo dimanado da Suprema Inteligência Universal – ou Deus – e constituído por infinitamente pequenas unidades ou partículas dispersas e imanentes a toda a Natureza, chamadas EONS (o que lembra Demócrito), e, por associação, recordamos as Mônadas, de Leibnitz. Segundo Jean Charon, o continuador de Einstein (e não Hawking, penso eu, como actualmente se pretende), a palavra EON, ou IÃO, é uma redução de Eléctron, ou Electrão. A estas partículas portadoras de Espírito chamou Artur Kloster, HÓLONS.

– O tema Espírito parece, pois, inesgotável e para o

encerrarmos não podemos ignorar a surpreendente teoria científica (ou metafísica?) do físico Jean E. Charon, que foi matematicamente demonstrada (com a natural repulsa empírica da maioria) à comunidade internacional de físicos teóricos e quânticos. Esta teoria, publicada num livro com as respectivas fórmulas matemáticas, destinado a cientistas, chegou ao grande público, mais ou menos leigo, através de um outro livro que ele também escreveu sob o título “O ESPÍRITO, ESTE DESCONHECIDO”.

O conflito de conceitos entre Parménides (o SER invariável,

indivisível e único) e Heraclito (o Princípio do Fogo, metáfora do LOGOS, como constante fluxo de mudança em toda a Natureza e um eterno VIR-A-SER) foi, como se sabe, resolvido pela linha, rigorosamente divisória de Lêucipo e Demócrito entre Espírito e Matéria (semelhante, em seu rigor, à linha cartesiana CORPO/ALMA ou MATÉRIA/MENTE). Demócrito, seguindo Lêucipo, cremos, estabeleceu que o “Áthomo” era indivisível (e daí o seu nome) mas existente em todas as coisas da Natureza, átomos que, todavia, eram passivos e sem vida, moventes no vazio, materiais e alheios a qualquer conceito de Espírito, teoria

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que perdurou pelos séculos, até à comprovação, em 1897, da existência do Electrão no Átomo, por Joseph J. Thomson.

Foi esta linha divisória, ainda prevalecente no estágio

científico da nossa época, que Charon eliminou ao colocar o “Espírito” nos Electrões do Átomo, isto é, unindo, em singular aglutinação, na sua teoria, as subtis partículas do “Espírito” às partículas-ondas do electrão, e situando as partículas do “Espírito” no “Espaço-Tempo” do próprio electrão.

Singularmente, (e não sabemos se Charon foi ou não

Rosacruz ou se foi inspirado por Newton) sua teoria concorda com a dos Rosacruzes da AMORC, que postula, há Séculos, que a essência do “Espírito” está concentrada nos Electrões do Átomo, para se manifestar na matéria, mas englobando, quer o Electrão, de carga positiva, o Positron (ou anti-electrão), quer o próprio Electrão, de carga negativa.

Esta teoria de Charon (que pela sua transcendência

projecta a imagem do físico ortodoxo (que, afinal, não é) para os terrenos de um reino “proibido” à Ciência – a Metafísica – decorre, todavia, e sem qualquer demérito para ele, da corrente que, por volta de 1920, se formou nas universidades de Princeton e Pasadena, nos EUA., entre físicos, astrónomos, médicos, biólogos e teólogos, no sentido de unir, através da Ciência, a Matéria e o Espírito. Esta corrente baseia-se na Gnose que, à semelhança dos antigos Rosacruzes, (embora aquela tenha tido início apenas no 1.º século da nossa Era), estabelece como princípio o conhecimento directo de Deus pelos seus adeptos, tomando o nome de FÍSICA NEOGNÓSTICA.

Estes novos gnósticos (cientistas) consideram – como os

antigos – que o Espírito é inseparável de todos os fenómenos da Natureza, quer física quer psíquica, em concordância com o Misticismo, que afirma o “Espírito” como substância vibratória presente em toda a Existência, mesmo quando em nossa estreita visão as julgamos inanimadas e destituídas de qualquer movimento, mudança, e grau de consciência.

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A FORÇA VITAL

Embora todas as dualidades se pudessem resumir a uma

simples fórmula de que tudo é UNO, DEUS é UM e o Universo como sua Criação reflexa é UNO (apesar do verso), a verdade é que só podemos conhecer uma coisa pelo seu oposto, e é essa a razão porque DEUS é incognoscível. Não podemos definir A VIDA sem A MORTE, nem A MATÉRIA sem A MENTE.

O pólo oposto de “Espírito”, de acordo com a concepção

mística que venho apresentando (e não com o sentido genérico de Espírito como Alma, Mente ou Consciência), é a Força Vital, energia também vibratória mas em grau mais elevado do que “Espírito”.

Distinguimos aqui também, Força Vital de Alma, quer por

necessidade de definição concreta para o leitor que venha a encontrar este termo em literatura mística (e não necessariamente consentânea com o sentido científico ou filosófico que aparece em determinados livros), quer pelo facto de esta possuir uma frequência vibratória diferente – e menos elevada – do que a da Alma.

Podemos defini-la desde já, como uma Energia

indispensável à vida, de qualidade infinita, ilimitada e indefinida, oriunda directamente do Sol, e segunda polaridade de “NOUS”, de natureza POSITIVA.

A Força Vital está intrinsecamente presente em todas as

formas vivas, animando-as, mesmo quando estas não estejam conscientes de si mesmas (caso dos animais), e no Homem, penetrando-as no momento do seu nascimento e deixando-o por ocasião da “MORTE” ou, mais exactamente, aquando da “TRANSIÇÃO”, (note-se que o Corpo não passa, obviamente, por um processo de morte, mas, sim, em obediência à Lei, por um processo de Mudança, ou Transformação).

Segundo o Misticismo, o termo “Morte” não tem sentido,

sendo designado por “Transição” (transformação e passagem a um estado diferente). E nada morre.

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A combinação da Energia do “Espírito” com a “Energia

Vital”, associadas com a Consciência (ou Mente) como atributo da Alma, fundamentam o Ser elevadamente consciente e anímico que é o Homem, como um Divino casamento de opostos, um verdadeiro “CONJUNCTIO” alquímico que o torna o ser mais inteligente da Criação.

O facto de o Homem se tornar anímico, animado, quando a

Força Vital (ou Energia Essencial de Vida) entra nele, com a sua primeira respiração no Nascimento, levará o leitor a associar, inevitavelmente, a FORÇA VITAL com a ALMA, (esta com uma superior vibração) sendo simples para o seu entendimento saber que são ambas, juntas, que o trazem à Vida.

E, nesse maravilhoso momento, também a Mente (ou

Consciência) como importante atributo adstrito à Alma, completa tudo o que o ser humano precisa para vir a tornar-se Homem ou mulher Reencarnados, para continuar o trajecto necessário ao seu aperfeiçoamento e evolução, através da sua vida, até voltar ao plano superior, de novo, e dele falaremos adiante.

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REENCARNAÇÃO E CARMA

(EXCERTOS DE TRÊS ARTIGOS DO AUTOR CONSTANTES DO

SEU LIVRO “A VISTA DA PIRÂMIDE”, EM RESPOSTA A ALGUMAS PESSOAS QUE QUESTIONAVAM O AUTOR SOBRE

ESTES TEMAS, ATRAVÉS DE UM JORNAL DE LISBOA).

Não faz sentido constatar a existência da Alma sem uma boa compreensão da Reencarnação e do Carma, pelo que trazemos aqui alguns subsídios esclarecedores dos nossos pontos de vista sobre eles.

PRIMEIRO ARTIGO, BASEADO NUMA CONVERSA COM UMA SENHORA, NO DECORRER DE UMA PALESTRA

DO AUTOR

“A verdade é que muito poucos no Ocidente, nesta época materialista em que vivemos, estão preparados para aceitar a Reencarnação como uma Lei Natural, que nós, brincando, costumamos designar como sendo a “irmã” mais velha da Lei do Carma e ambas conduzindo o Homem para a Evolução, sendo esta a outra Lei, “irmã” mais velha das duas”. “Talvez a Senhora não tenha ainda ponderado que o seu bebé é agora, na gestação, um Ser físico em desenvolvimento para receber na hora do nascimento, quando respirar pela primeira vez, o Sopro Vital e anímico (ou, para melhor entender, a Alma e A Energia Essencial de Vida), que lhe irão instilar autonomia vital própria. De resto, isso vem citado na própria Bíblia – no Cap.º segundo do Génesis: “DEUS FEZ O HOMEM DO PÓ DA TERRA, SOPROU EM SUAS NARINAS O SOPRO DA VIDA, E O HOMEM TORNOU-SE UMA ALMA VIVENTE”. O diálogo desenvolveu-se: “ Não, não acredito. Acreditaria se me desse uma prova racional disso... Parece a “Morte” ao contrário...” “ E é. O processo é inverso. Na “Morte” a Alma (da qual apenas possuímos um segmento individuado) abandona o corpo

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com a última expiração e volta a unir-se à Alma Total do Cosmos”. “ O quê? Uma alma única para todos? Cada pessoa não tem a sua alma?” “ Não. A Alma é uma só. Eu dou-lhe um exemplo: cada pessoa viva tem um segmento da alma Universal; é como uma lâmpada acesa, numa fileira delas, todas recebendo a mesma corrente eléctrica. Uma lâmpada que se funda “morre” fisicamente, mas a electricidade continua a fluir invisivelmente para todas as outras, que continuam acesas (“vivas”, se assim quiser). Assim, o corpo morto de uma pessoa, que já não serve para o aprimoramento da sua consciência, até então ligada à Alma Universal, pode ser comparado a uma lâmpada fundida. O seu segmento de Alma, como já disse, volta a unir-se à Alma Total de onde proveio no seu nascimento como nova personalidade”. “ É uma teoria estranha, essa...” “ Bem, se preferir, pense, em alternativa, que a Alma é um oceano e o corpo físico do seu bebé uma bolha de água, emersa. A bolha um dia desfaz-se e perde a sua aparente individuação como bolha, para voltar a ser o que, afinal, nunca deixou de ser: – Água – Oceano...” “Agora, pense no seu bebé como uma lâmpada nova que vai ser colocada entre as outras e ligada à corrente: vai receber ao nascer, na primeira inspiração, o “Sopro da Vida”... E este “Sopro” traz-lhe A Força Vital e a sua quota-parte de Alma para se tornar um ser vivente”. A Senhora sorriu e disse: “ Bem, isso é bonito e assim já me parece mais compreensível...” Amigos leitores, o nosso diálogo, com algum sabor a Platão, não fica por aqui. Continuá-lo-emos na próxima semana.

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(1) Pseudónimo do autor na Secção de correspondência sobre Misticismo, Parapsicologia, Mentalismo, Espiritualidade, etc., no “Jornal do Incrível”, denominada “A Vista da Pirâmide”.

(2) Em rigor, não existe Morte e, sim, transição para outro plano de existência, motivo por que utilizamos “Morte” entre aspas.

SEGUNDO ARTIGO, EM CONTINUIDADE

“A Alma nunca tem nascimento nem morte. Uma vez que existe,

jamais deixará de existir. É não-nascida, eterna, sempre existente, imortal e primordial.

Não é aniquilada com a destruição do corpo.” (Baghavad Gita 2.20)

Continuamos hoje o diálogo cuja transcrição iniciámos no

número anterior e que ocorreu numa palestra nossa, numa cidade brasileira, com uma senhora grávida.

Dizíamos nós:

“Acreditamos, pois que, da mesma maneira que o corpo físico não pode morrer mas tão-somente transformar-se, já que tudo no Universo se inscreve na Lei de Mudança e transformação, como a Física nos demonstra, também o segmento de Alma residente numa personalidade, como Essência que dá Vida, deva ser imortal, deixando o corpo na “morte” deste e voltando a incorporar-se à Alma Total.

Tudo na Natureza se revela como um ciclo de nascimento, desenvolvimento, maturação, declínio e “morte”, que sempre se renova, o qual denominamos de Lei de Evolução. Tudo nos mostra também um constante e sucessivo aprimoramento, embora lento, numa espiral evolutiva: o Homem, as outras espécies animais, as Civilizações, o Conhecimento, a Tecnologia, as Realizações e descobertas Científicas, etc.

A senhora interveio, céptica:

“Desculpe, mas há provas de que essa Alma (personalizada) que habitou numa pessoa e a tornou animada durante um certo número de anos, se tenha tornado a manifestar em outros corpos depois dela ter morrido?”

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E nós continuámos:

“Bom... Já lhe demos algumas analogias para poder intuir o que queremos dizer e não provar, usando as palavras possíveis para coisas transcendentes. Há, realmente, inúmeras referências biográficas, literárias, religiosas e místicas, colocando a Reencarnação como uma “verdade” experimentada. Há até mesmo narrativas de casos que não deixam dúvidas, pela seriedade com que foram acompanhados e investigados por pesquisadores idóneos e não comprometidos com o foro esotérico. Todavia, a nossa mentalidade ocidental, com excepção de um pequeno número de místicos e membros de certas religiões orientais, ainda tem dificuldade em compreender e aceitar esta Lei. Não há, efectivamente, possibilidade de fazer demonstrações objectivas da Reencarnação. O que há são vestígios, pistas, casos conhecidos, que levam algumas pessoas mais inquiridoras e estudiosas do tema a aceitarem-na como uma doutrina coerente. Certas pessoas, mesmo sem se dedicarem ao misticismo ou à religião, tiveram evidências, hoje consideradas clássicas, de que já estiveram aqui antes desta vida, ao passarem por experiências pessoais profundamente reveladoras. Há muitos livros narrando pormenorizadamente esses casos... Então, a senhora perguntou, curiosa: “Mas quais experiências? Será que esta criança que vai nascer, o meu filho, já esteve antes na Terra?”

“Certamente, sim! Digo-lhe “Sim” em relação à Alma que ela vai receber particularizada e personalizada pelas suas próprias experiências terrenas das encarnações anteriores – como “Alma pessoal”- embora sempre emergente da Alma Total e Única do Universo. Esse segmento, essa porção, digamos, da Alma do Universo, volta para ocupar um corpo novo, sem perder a sua – como hei-de dizer? – memória anterior. Mas, com esse corpo, nunca esteve aqui. É uma nova veste para uma alma preexistente. E a senhora voltou a inquirir:

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“Quer dizer, o corpo é sempre novo e a Alma é sempre a mesma?...” “Exactamente, continuámos nós: Estamos a falar de Reencarnação e não de Transmigração ou de Metempsicose... O corpo é novo, sim, na forma, mas não na matéria de que é feito, que é sempre velha e reciclada. A Alma é a mesma, repito, em termos de uma Consciência individualizada, pessoal, porque a Consciência é, digamos, uma qualidade, um atributo da Alma, mas a Alma jamais é individual na sua Essência Universal. É difícil explicar-lhe, a não ser, talvez, com outra analogia: pense no seu filho como um “Iceberg”, depois de nascer. O corpo dele é a parte emersa, à vista, acima do nível da água. A alma dele (personalizada em sua consciência) é a outra parte do “Iceberg” que está imersa, mergulhada no oceano, oculta. Pois bem, o “Iceberg” é constituído de água solidificada, gelo, aparentemente diferenciado do oceano durante algum tempo, até que o Sol ou uma corrente quente o derreta e ele volte a ser o que, afinal, sempre foi – água do oceano. Assim, analogamente, somos nós. E pense no oceano como sendo a essência Total do Universo, a Alma Cósmica.” Ela sorriu, parecendo começar a entender, e nós aproveitámos para completar a resposta: “Relativamente às experiências implícitas na sua pergunta, é comum que as pessoas, ao visitarem pela primeira vez uma casa, um castelo, uma povoação, tenham a nítida e inexplicável sensação de já ali terem estado, ou sintam uma estranha emoção. Ou que, ao serem apresentadas a uma pessoa, tenham a impressão de já a conhecerem. Há casos de crianças que se recordam de lugares onde nunca estiveram na sua curta vida actual, falando deles com minúcia, e se lembrando de pessoas que, objectivamente, não conhecem desta vida. Falam até de si próprias, lembrando-se de nomes que tiveram anteriormente, de lugares onde viveram, etc. Aliás, a própria Psicologia admite e estuda casos de personalidades secundárias e múltiplas, e faz experiências terapêuticas de regressão a vidas anteriores, hoje já comumente praticadas. Os pacientes, geralmente sob hipnose, relatam suas vidas passadas, evocando, por vezes, aspectos dramáticos dessas anteriores existências, que depois se comprovam por factos históricos, datas das ocorrências, nomes que realmente existiram, etc.. Outras pessoas sentem uma

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estranha vocação para uma profissão ou “hobby” diferentes dos que normalmente têm, ou aprendem línguas com espantosa facilidade, como se já as tivessem aprendido antes.” E ela:

“Já tive essa sensação de “dejá vu”, de conhecer uma casa e um lugar sem lá ter estado antes. Mas não me convenço muito, mesmo quando você me está a abrir novos horizontes. Explique-me agora, essa história do corpo não poder morrer porque não estudei muito e acho isso estranho.” E nós prosseguimos: “Vamos então dar-lhe outra explicação, simples, para fazê-la pensar. Primeiro, diga-me qual o material com o qual está fazendo esse bebé, que cresce dia a dia, formando-se, com ossos, tecidos, órgãos, dentro de si. Refiro-me estritamente à parte física do seu filho... A partir da fecundação do óvulo... Não havia nada, depois desenvolveu-se um embrião, e agora existe um feto, um pequeno corpo, alimentando-se e desenvolvendo-se, com quê? A pergunta soou-lhe estranha. “Bem, essa atrapalhou-me! Fiquei confusa...” Completámos: “Bem, pode fazer-se um boneco com pano, um brinquedo de madeira... Qual é o material com que são feitas as pessoas? “Não entendo... Carne? Células?... “Simplifiquemos a questão. Em princípio está criando o seu bebé – desculpe a forma prosaica – com todos os alimentos, sólidos e líquidos, que ingere diariamente: pão, carne, arroz, leite, etc. Num outro nível, reconhecemos que eles são constituídos por agrupamentos de moléculas de vários elementos químicos, e células. Num nível mais elementar, reducionista, percebemos que todas elas são apenas conjuntos de átomos, certo?

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“Então, quer dizer que alimento a criança com átomos? Mesmo as vitaminam, o leite, os frutos, tudo? “Sim – respondi-lhe. – É o material essencial de que dispomos no Universo para se constituírem as coisas e os seres, plantas, casas, animais, pessoas, tudo! É disso que somos feitos! Dois filósofos gregos, Lêucipo, primeiro, e depois Demócrito, mais concludentemente, descobriram isso 500 anos antes de Cristo, de forma mais intuitiva – diríamos hoje – do que científica, é claro. E chamaram-lhe “ATHOMO” porque o supunham indivisível. Agora, sabemos que não é. Ela continuou, mais interessada: “Confesso que não tinha pensado nisso, nem tinha uma noção clara do que somos feitos, mas não consigo ainda ver a relação com a imortalidade do corpo...” Desenvolvemos então a questão: “Bom, esses átomos – espero que esta conversa não esteja a ser aborrecida para quem nos ouve – e as suas partículas elementares, que antes de Einstein se julgava serem apenas corpúsculos de matéria - são, afinal, pura energia, como ele demonstrou na sua famosa equação matemática – E= Mc2 – que já citámos antes, (Energia é igual a Matéria (ou Massa) vezes a Velocidade da Luz ao quadrado). Esses átomos e partículas têm a mesma idade do Universo – calculada – 15 mil milhões de anos. Eles sempre existiram e são infinitos. Não podem ser criados (como energia que são) nem destruídos por quem quer que seja, a não ser, talvez, pelo Ser incognoscível que os criou. Podem ser transformados, mas não eliminados. E o corpo, sendo um conjunto imenso desses átomos indestrutíveis, quando dizemos que “morreu”, apenas se transforma, quer seja assimilado pela terra, quer seja cremado. Como vê, o corpo é imortal, simplesmente porque pela sua natureza atómico-energética não pode morrer. Toda a matéria do corpo se transformará, na forma, em outras coisas. A nossa interlocutora pareceu surpreendida. “O meu corpo, depois de morto, vai transformar-se?!... Em quê?

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“Possivelmente em flores, frutos, vegetais, substâncias para alimentar outros seres vivos, criar seres como o seu bebé, ou para produzir objectos. É a inevitável Lei de Mudança, de Transformação, de que também falou Lavoisier, através da qual tudo evolui. “É quase inacreditável. É um ciclo... E a alma? “Veja... Se o corpo, sendo constituído por uma “matéria-energia” mais grosseira, mais densa do que a Alma, assumindo por isso aparente forma material, é imortal (mutável na forma mas não na essência), por que iríamos supor que a Alma, que é pura energia, não o seria também? E porque a conversa ia longa, decidimos concluir: “Pense na Alma, minha amiga, como uma qualidade de energia mais subtil, de vibração muito mais elevada, de muito menor densidade, que se manifesta no corpo para o animar e vitalizar, pois, sendo o corpo feito do “Pó da Terra” (e “Espírito”), precisa de uma energia superior para que nele exista Consciência (ou Mente) e Energia Vital, sem as quais esse corpo não teria expressão, movimento, emoções, pensamento, autoconsciência... “Sem essa Energia Divina – prosseguimos – se me permite a comparação, seu filho não seria muito diferente de uma árvore, de uma flor, de uma pedra, igualmente compostas de átomos, (e “Espírito”) mas sem Força Vital, Mente e Alma. “Aliás, estou a lembrar-me de que, no início da Criação, segundo a Bíblia, Deus fez primeiro a Luz – que é pura energia – e só depois fez a Matéria.

TERCEIRO ARTIGO

Em contrário do que nos é habitual, respondemos hoje a dois leitores, relativamente a questões relacionadas com a Reencarnação e o Carma.

RESPOSTA A TIAGO MADUREIRA

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O leitor, um jovem de 17 anos, estudante, e muito interessado em coisas do âmbito paranormal e místico, colocou-nos duas simples perguntas que trataremos de modo sucinto, embora os assuntos focados fossem justificativos de, pelo menos, o espaço de vários números do “Incrível”. 1.ª – POR QUE É QUE SE REENCARNA? TEM ALGO A VER COM O DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL? Sua pergunta é pertinente e inteligente. É Pena que não nos possamos alongar muito sobre ela. A Reencarnação é uma das Leis Naturais da Criação, inquestionavelmente básica na evolução da espécie humana, sem a qual a vida de cada um de nós perderia o seu sentido e razão de ser. Sem a continuidade, a imortalidade da nossa Personalidade-Alma, não haveria aprimoramento humano; nossa consciência não aproveitaria das experiências mundanas para se aperfeiçoar progressivamente e minimizar o Ego. A Alma, em si mesma, é perfeita (em sua Essência Universal, segmentada em cada homem) e não sujeita a evolução pelo Ser Humano. “Desenvolvimento Espiritual” é apenas um modo simplista de exprimir o desenvolvimento da sua personalidade (como nós o compreendemos), e da Consciência Pessoal. Entendemos, por outra forma, que o leitor quer significar desenvolvimento da Mente Subconsciente, em nível pessoal, ou “Eu” interior, ou o chamado “Conhecimento de si mesmo”, máxima de sabedoria consagrada no Pórtico de Delfos, na Grécia: “GNOTHI SEAUTON” ou, em Latim, “NOSCE TE IPSUM” – “CONHECE-TE A TI MESMO”. Neste sentido, esse “desenvolvimento” é a razão intrínseca das Leis da Reencarnação e do Carma. Reencarna-se para se poder aprender e evoluir. Aprende-se pelo Carma. Para não surgir nenhuma confusão, enfatizamos que a REENCARNAÇÃO, na Sabedoria Oriental e Mística, é a continuidade, através de várias vidas, de cada personalidade psíquica (o leitor, nós e os outros), com determinada individuação a nível subconsciente, que assume necessariamente um corpo de criança ao nascer, para se

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expressar em cada existência e poder prosseguir em seu aprendizado evolutivo. É para isso que se reencarna. 2.ª – AS PESSOAS ESCOLHEM O QUE QUEREM SER NA PRÓXIMA VIDA, ANTES DE ENCARNAR? A questão da escolha é muito complexa para detalhar aqui. Em resumo, podemos dizer-lhe que, durante os “períodos” em que permanecemos desencarnados num outro plano vibratório, nós não escolhemos definida e concretamente o que vamos ser e experimentar na próxima e sequente encarnação, pois isso implicaria autodeterminar um “Desígnio” ou “Destino” que limitariam o livre arbítrio humano, como rota prevista a percorrer na próxima vida. Também não é por acaso, porque o acaso, azar ou sorte, só existem em erróneas concepções de pessoas que não se auto-responsabilizam pelo caminho que singram. Tudo na vida de cada um é consequência da Lei de Causa e Efeito, ou Carma, e está realmente condicionado ao desenvolvimento ocorrido anteriormente na Personalidade-Alma. De modo geral, é a necessidade de completar as lacunas e corrigir cada vez mais os defeitos e imperfeições da nossa consciência pessoal. Ela deve aprimorar-se em cada existência na espiral da perfeição, possível ao cabo de muitas encarnações na Terra, até ao ponto de não voltar aqui. O que determina o momento, local, país e “habitat” de cada nova encarnação decorrem da necessidade da Lei da Reencarnação se cumprir continuadamente, em aspectos variados da vida humana. O que é óbvio. A Consciência da Personalidade-Alma, quando no plano Cósmico, permite-lhe sentir e intuir como, quando e onde reencarnar, orientada também por personalidades desencarnadas mais evoluídas e dirigentes do processo. Em conclusão, o leitor (como todos nós) voltará à existência psico-física as vezes necessárias para viver as experiências que intuirá ainda lhe faltarem para rumar à perfeição da sua Consciência e da sua Personalidade. Na Terra, fá-lo-á de acordo com o seu livre arbítrio e as oportunidades que tiver, obedecendo aos ditames da sua evolução anterior,

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obviamente, pois é com a “bagagem” psíquica que traz em cada nova encarnação, que iniciará a viagem de cada vida.

RESPOSTA A PEDRO BARROS Aqui temos de novo este nosso leitor. Sua questão, que só agora pudemos considerar, é, resumidamente, a seguinte: “...Também no Espiritismo se diz que um reencarnado terá de cumprir o Carma em nova reencarnação, ou seja, a expiação dos males que cometeu em anteriores reencarnações. Creio que algo de errado aqui se afigura: se é vítima de um crime, irá em nova encarnação vingar-se? Ou vice-versa? As reencarnações serão para o aperfeiçoamento da personalidade-alma e nunca para justiça de Talião.” A questão permite-nos dizer a este habitual leitor que, onde quer que tenha colhido subsídios sobre o Carma, e sejam quais forem as fontes onde o tenha estudado, ainda não compreendeu os fundamentos e objectivos desta Lei.

Parece-nos também que Pedro Barros não leu o nosso

artigo no n.º 378 deste Jornal, onde claramente dissemos que “a Lei do Carma não é uma Lei punitiva do género “olho por olho, dente por dente”. Aludimos exactamente à “Pena de Talião”, que é comum ser associada à Lei de Causa e Efeito por pessoas que a apreciam ou estudam superficialmente. Não se trata, pois, da ideia simplista de “expiação dos males cometidos”. Ela é uma Lei de compensação, de equilíbrio e de justiça que, realmente, nos iguala a todos, e à qual ninguém pode escapar. Nada há de errado com ela, e o leitor virá a entender algum dia que ela visa, mercê das inevitáveis consequências existenciais e mentais de nossos pensamentos e actos (tanto maus quanto bons), levar à consciência de cada um a compreensão necessária a um futuro comportamento justo, fraterno, amoroso, equilibrado e são, quer para com os outros, quer para nós mesmos. Não existem punições nem a necessidade de obter resultados iguais ou semelhantes, quer pelo exemplo dado, à vítima de um crime, quer ao seu autor, para que a consciência de um indivíduo perceba a importância de causar mal ao

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semelhante ou a si próprio. Não há vinganças nem desforços implícitos na Lei (que não tem conceitos ou emoções humanos), bastando tomar-se conhecimento, através de experiências adequadas, dos resultados do comportamento, seja ele bom ou mau. Supondo, por exemplo, que o leitor cometeu um crime numa vida anterior e que ainda revela um carácter agressivo e desumano, bastará que o leitor passe por algumas experiências, nesta ou noutra vida, que o façam sentir a extensão do mal que causou, não só à vítima como a seus familiares, e a Lei funcionará, não com o objectivo de puni-lo por isso (fazendo com que também seja assassinado), mas de torná-lo incapaz de voltar a cometer um acto desses, experimentando em si mesmo ocorrências difíceis e amargas que o façam associar as consequências do seu acto com aquilo que o faz sofrer. O contrário também é verdadeiro: passará por experiências gratificantes e felizes em resultado de boas acções e pensamentos por si praticados. É uma Lei natural, consentânea com o equilíbrio indispensável à ordem e evolução do Universo, uma disciplina de aperfeiçoamento que usa a Consciência do Ser Humano no sentido de o levar a ser justo, respeitar a Vida e a Criação, e a praticar o Bem e o Amor, como forças positivas. Não parece haver, infelizmente, outro meio de o Homem evoluir, a não ser pela dor e sofrimento quando deles precisa, e muitas vezes “Deus escreve direito por linhas tortas”. A Lei Cósmica cumpre-se de modos inesperados e surpreendentes para o entendimento superficial humano, transcendendo mesmo a nossa esfera pessoal para enveredar pela familiar, regional, mundial, etc. O Carma dispõe de recursos amplos para nos encaminhar numa rota positiva e evolutiva, seja em ocorrências pessoais, seja com os membros da nossa família ou amigos, e até mesmo com a nação e o Mundo em que vivemos. Dizem os místicos mais avançados que o próprio Cósmico, a Natureza das coisas, e mesmo Deus, estão evoluindo, o que é coerente com o conceito profundo de que o Homem é um dos meios de evolução da própria “Criação” Divina.

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Para terminar – e sem certeza de termos convencido o leitor, que exigiria exemplos que o espaço não comporta – deixamos-lhe, para meditar, um velho conceito de Schopenhauer: “O HOMEM PODE FAZER TUDO O QUE QUER, MAS NÃO PODE QUERER TUDO O QUE QUER.” Sua compreensão é difícil, não verdade? Foi o grande pensador e filósofo brasileiro, Huberto Rhoden, criador do “Movimento Alvorada”, quem nos deu a chave: “E por que não pode o Homem querer tudo o que quer, ou que quisera poder? Porque o “Poder Querer” depende de um certo grau de experiência ou compreensão interior – e poucos estão dispostos a criar em si este ambiente, no qual poderia vingar esse poder querer, cujo nascimento exige a morte de algo que o velho Ego não quer ver morrer. Se o grão de trigo (EGO) não morrer, ficará estéril.”

ALGUNS ELEMENTOS IMPORTANTES SOBRE A RENCARNAÇÃO (OU RENASCIMENTO) E O CARMA

Além daquilo que o autor expôs sumariamente nos seus três artigos, esclarecendo as perguntas dos leitores da Secção que mantinha num Jornal de Lisboa, já referido, sabemos que o leitor deste ensaio, menos familiarizado com os dois temas, e naturalmente não místico, terá também imensas dúvidas e perguntas, como os leitores citados, que gostaria de ter aqui respondidas. Nas últimas décadas houve vários autores conhecidos que conseguiram pesquisar e dedicar-se activamente ao estudo e comprovação da existência da Reencarnação, como Ian Stevenson, Raymond Moody e outros, assim como alguns psicólogos, psiquiatras e estudiosos que, com vários métodos, se dedicaram à prática da regressão, por métodos naturais, hipnose, etc. Talvez possamos aqui citar mais tarde algumas sérias constatações dos seus trabalhos, expostos em seus livros e, muitas vezes, acreditados por importantes investigadores.

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ALMA – “O SORRISO DO GATO”

Foram os Gregos que criaram para ALMA (uma designação

mística) a palavra PSYCHE com o sentido de SOPRO, (mas não o Sopro da Força Vital), da qual derivaram mais tarde outras palavras de sentido confuso e diferenciado, como PSÍQUICO, PSIQUISMO, PSICOSSOMÁTICO, PSICOLOGIA, etc., no sentido geral de diferenciar do seu corpo físico, algo imaterial existente no Homem.

Na Cabala, NEPHESH (que na Bíblia aparece com o

sentido confuso de Espírito) exprime a ALMA, como algo com um princípio vital no corpo humano, em oposição a NESHAMAN, A Centelha Divina, o Espírito, e diferente de RUACH, o Sopro, a Força Vital e a Personalidade humana (nos textos bíblicos confundido com Alma). Estes três aspectos constituíriam a totalidade do Homem. Às vezes, RUACH aparece traduzida como Espírito mas significando a força do vento e, portanto, no sentido de Força Vital.

Os antigos Egípcios chamavam à ALMA, BA (um pássaro

errante durante o dia, que podia regressar ao corpo à noite ou em momentos de aflição ou de perigo) referenciando-o como uma segunda parte do Homem (a 1.ª era o Corpo) no seu interior físico, com natureza imperceptível e impalpável, capaz de passar através das coisas materiais. Relacionavam BA também com a respiração humana, sem ser a própria respiração, a qual se mantinha no corpo durante a vida e se evolava com a morte. Achamos interessante fazer distinguir ao leitor a concepção egípcia de KA, que se presta a confusão, como um duplo psíquico do corpo físico, mas não BA (não a Alma), associado à ideia do EU ou PERSONALIDADE.

Quer a Cabala, quer a concepção egípcia, como já vimos,

postulavam, sem dúvidas, em concordância com o texto bíblico do Génesis, que a ALMA entrava no Corpo Físico com a primeira respiração e a deixava com a última exalação.

O Génesis, e outros textos bíblicos, não referem o

abandono da Alma do corpo “morto”, mas é óbvio que o senso comum está de acordo com todas as religiões e teorias quanto ao

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facto incontroverso de que, após a “morte” física, a Alma deixa o Corpo.

Todavia, não compreendemos como há controvérsia em

várias religiões quanto à sua entrada no Corpo do recém-nascido em conjunção com a Força Vital, o que nos parece aberrante.

De resto, esta nossa afirmação dos Místicos Rosacruzes –

decorrente da observação objectiva e simples – chega até nós oriunda dos povos mais antigos, anteriores mesmo aos Egípcios, que acreditavam que o Homem e todos os animais possuíam um “Ser” em seu interior, imaginando-o como uma réplica menor de si próprio, que o fazia agir fisicamente e ter emoções e sentimentos, “Ser” que entrava no seu corpo pelas narinas ou pela boca e o deixava, do mesmo modo, na “morte”.

Esta a razão por que algumas tribos mais primitivas

evitavam mexer num corpo adormecido, ou lhe fechavam a boca com anzóis durante o sono, para impedir que a alma pudesse sair e então ocorrer a morte física.

Encontramos, assim, as bases mais antigas para a actual

concepção mística e para a Ontologia Rosacruz (da AMORC), assente também no Livro do Génesis. Nesta Ontologia, a Alma é um fluxo da Suprema e Infinita Consciência Divina, de absoluta pureza e de elevadíssima essência vibratória, igual em todos os seres humanos, pelo que as distinções entre eles ocorrem em razão da sua evolução particular e personalidade pessoal, e não da natureza da sua Alma, que é única e total. Neste aspecto particular, que concorda com algumas teorias antigas, existe apenas uma Alma Universal, que não pode jamais dividir-se em almas individuais, mas da qual recebe cada um de nós, no momento do nascimento, um “segmento” que, em associação com a personalidade individualizada, nos distingue com uma Personalidade-Alma própria e pessoal.

Desejo distinguir, todavia, que não se trata de um

verdadeiro segmento separado, e sim, de algo que flui em todos os seres, extensivamente, como uma corrente eléctrica num fio, comparação necessariamente pobre mas auxiliar.

De modo geral, todas as religiões concordam com a

existência da Alma, assim como a maioria dos filósofos. Todavia,

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teríamos de fazer aqui um longo histórico, para estabelecer as imensas distinções quanto à natureza das suas concepções e como interpretam a existência e localização da Alma após a libertação do corpo físico, na chamada “morte”. Foi algumas vezes descrita como sendo uma substância incorpórea, ou supersubstância, às vezes até com uma composição atómica especial – como é o caso de Demócrito, considerando-a feita de átomos mais lisos e leves do que os dos corpos materiais, ou átomos insubstanciais de inteligência (semelhantes às mônadas de Leibnitz) que iriam juntar-se aos átomos materiais do corpo humano.

Platão, dotado de uma visão monista idealista, interpretava

a Alma, contudo, em consonância com o Misticismo, como sendo a “A ALMA DO MUNDO”, o meio de ligação entre a Grande Alma do Universo e a existência física dos seres viventes, o mundo dos sentidos. Já Pitágoras comparou-a à Lira, considerando-a como a Harmonia do Corpo.

À semelhança de Descartes – localizando a sede da Alma na

glândula Pineal (de que já falámos), o Islão considera a sede da Alma no coração, que é a residência da fé e da sabedoria. Alá, ao criar o Homem teria insuflado nele a Alma (ou Espírito de Vida), conceito que, certamente, não escapará ao leitor como coincidente com o que vimos postulando. Também no Islamismo há uma clara afinidade com a antiga religião politeísta egípcia, considerando simbolicamente que a Alma do islamista fiel é um pássaro verde e a do infiel um pássaro negro. O conceito de Alma Universal aparece-nos na interpretação islamista como tendo Alá criado na Alma de Adão todas as almas dos seus descendentes.

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A MORTE E A ALMA – UMA ÚLTIMA E MAIS ECLÉCTICA ABORDAGEM

Procurámos, para o final deste Ensaio, coligir algumas

abordagens mais racionais e inteligíveis, baseadas em algumas obras existentes, e mais actuais, com vista a completar tudo o que anteriormente concatenámos aqui, que de alguma forma nos encaminharam para conhecimentos mais ou menos relacionados com a Morte, a Reencarnação e a Alma, em várias vertentes filosóficas e místicas que nos pareceram úteis.

Com excepção do Livro Tibetano dos Mortos, ou baseados

nele, não há muitos livros ou mesmo artigos em colectâneas, ou ao nosso alcance, em Português, de autores acreditados, que satisfaçam o nosso imenso interesse em levar aos leitores uma visão clara, objectiva e suficientemente racional sobre a Alma, mesmo numa abordagem Filosófica, Psicológica ou Científica, que cumpram o nosso desejo de investigador sincero e exigente.

“O FÉDON”, (ou acerca da Alma) DE PLATÃO

Já falámos sobre uma das concepções de Platão, acerca da

Alma, mas não resistimos a trazer aqui alguns considerandos sobre a luminosa obra do Filósofo - o Fédon – baseada no extraordinário diálogo de Sócrates com vários discípulos, entre eles Fédon, no seu último dia de vida.

Alguns dos aspectos desta singular obra já nos haviam

dado que pensar quando há alguns anos a lemos, onde a sua originalidade reside, para nós, em três factos surpreendentes:

O primeiro, a de Platão ter sido discípulo de Sócrates e na

obra não aparecer no diálogo, conquanto fosse o último dia da vida do seu Mestre, escrevendo Platão toda a narrativa baseado no que soube através de Fédon e de Elis, discípulos de Sócrates.

Fédon – que esteve junto de Sócrates desde manhã até ao

pôr-do-Sol, na prisão de Atenas, no dia do cuprimento da sua sentença, correspondeu à curiosidade de Equécrates, sobre o que

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Sócrates teria dito e como havia morrido, informando este último de tudo o que ocorrera até ao momento de Sócrates cumprir a sentença de morte a que fora condenado;

O segundo, insólito nos dias de hoje, de Sócrates ter sido

condenado ao suicídio, com cicuta e, portanto, caber a ele próprio ingerir o veneno, o que fez sem uma palavra de revolta ou medo, lúcido e consciente em separar-se do corpo e da Alma que o habitava, demonstrando crer em absoluto na imortalidade da Alma.

O terceiro, o modo sereno de Sócrates na aceitação passiva

da sentença, jamais reclamando dela, e da sua serenidade e estoicismo para, como um acto natural, executar a sentença, bebendo calmamente a cicuta e conversando até ao final com seus discípulos.

Estes aspectos sempre nos causaram admiração e no Fédon

não há uma explicação plausível para Sócrates, um filósofo que ficou na História sem escrever qualquer livro, tivesse caído em desgraça de tal modo que foi condenado à morte.

Compreendemos que seja deslocado, talvez, falarmos disso

aqui, já que o Ensaio visa principalmente sabermos mais sobre a Alma e a obra de Platão, mas não resistimos a dizer algo sobre a personalidade de Sócrates, e a razão de uma democracia como a de Atenas, num país evoluído como era a Grécia naquela época, ter eliminado um filósofo desta grandeza.

Parece à primeira vista tratar-se de uma injustiça, se não

soubermos um pouco do quadro onde Sócrates se moveu. Ele era um plebeu e nasceu pobre, em 468 a.C, em Atenas, filho de um entalhador de pedras para construção, e ele próprio trabalhando com seu pai na mesma profissão.

Todavia, mais tarde, com uma motivação estranha aos

atenienses, Sócrates passava os dias na “Agora” – a praça pública da cidade onde se fazia o comércio, as manifestações religiosas e cívicas e as assembleias políticas – provocando os homens de Atenas e outros, que ali iam, com a sua poderosa dialéctica, talvez até para demonstrar a si mesmo que sabia mais do que todos eles, embora, como disse Platão, ele de nada tivesse a

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certeza, enquanto os outros sempre pareciam saber confiadamente coisas sobre vários assuntos.

E dava aulas, pagas por alguns interessados. NOTA: (Acabar o Fédon) segue S. Lewis:

(Julgamos haver aqui uma lacuna que o autor não chegou a

completar)

Com espírito objectivo, não resistimos, todavia, a iniciar

algumas respostas que supomos dúvidas no leitor, que foram as nossas também durante muitos anos, socorrendo-nos agora do livro “Mansões da Alma” – Concepção Cósmica – Reencarnação da Alma na Terra – do Dr. Harvey Spencer Lewis, ex-Imperator da Ordem Rosacruz-Amorc, à qual pertencemos há mais de 35 anos. Nesta obra, que aconselhamos vivamente ao leitor, H. Spencer Lewis considerou que devia equacionar no final as principais dúvidas e objecções sobre a Reencarnação, recebidas através de muita correspondência de membros e não membros da Ordem, esclarecendo-as sob a forma de perguntas e respostas muito elucidativas e magistralmente elaboradas. HARVEY SPENCER LEWIS – MANSÕES DA ALMA – CONCEPÇÃO CÓSMICA – REENCARNAÇÃO DA ALMA NA TERRA Embora o Dr. H. Spencer Lewis nos deslumbre ao longo desta sua obra – ao mesmo tempo que também nos surpreende com o seu vasto conhecimento exposto no livro, praticamente tratando todas as questões possíveis sobre a Reencarnação, o Carma e a Alma, colocou no final deste livro um capítulo completo de Perguntas e Respostas, onde levanta e responde as dúvidas mais importantes para o comum dos leitores. Algumas são verdadeiramente luminosas – e por isto este Ensaio ficaria mais pobre se as ignorasse, mas apenas referiremos aqui algumas delas e de forma resumida.

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OS GÉMEOS Relativamente ao caso das almas de indivíduos gémeos, Spencer Lewis pergunta-nos se tendo eles nascido quase ao mesmo tempo são duas personalidades com um só segmento da Alma Universal em seus corpos, ou se cada um teria a sua personalidade-alma individual. E esclarece-nos sabiamente que eles são “idênticos” fisiológica e biologicamente e tiveram a sua origem na mesma concepção. Assim, a mesma Personalidade-Alma destinada ao corpo de um deles, será dividida por ambos, manifestando-se neles por toda a sua vida. E esclarece ainda que, quando um deles passar pela transição (falecimento) antes do outro, o que é normal, a sua Personalidade-Alma vai unir-se à personalidade-alma do sobrevivente.

O SUICÍDIO

Abordando o tema muito controverso do suicídio, Spencer Lewis pergunta sobre o efeito dele na evolução da Alma. E como resposta ao leitor diz-nos o seguinte: A interferência voluntária do suicida numa Lei natural, cria uma condição cármica que deverá ser corrigida pela personalidade do suicida, como compensação necessária. Terminar deliberadamente a vida humana, separando arbitrariamente sua alma do corpo, projecta a Personalidade-Alma do indivíduo num abismo de escuridão, por muito tempo, ficando ligada à Terra por um longo período e num intenso sofrimento. No Plano Cósmico sentirá um grande arrependimento pelo acto que praticou e, depois de rencarnar na Terra terá de passar, carmicamente por adequadas provações e dificuldades até tomar consciência do seu erro e realizar a sua compensação.

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Terminando, o ex-Imperator diz-nos que conceber na vida que o suicídio vai evitar provações e dificuldades terrenas é a ideia mais absurda que o Homem possa ter, desconhecendo que há uma Lei de Evolução que irá fatalmente operar através do seu Carma em futura encarnação.

QUAL O FACTOR QUE DETERMINA A NATUREZA DA ALMA PARA QUALQUER CORPO ESPECÍFICO QUE HÁ-DE

NASCER?

Antes de resumirmos a resposta de H. Spencer Lewis no Livro, desejamos fazer algumas curtas reflexões: A Criação Universal estabeleceu para a vida humana três factores que a maioria das pessoas desconhece, despreza conhecer e até mesmo se nega a aceitar: 1.º - A Lei da Evolução, à qual todos os seres humanos estão indefectivelmente ligados, queiram ou não; 2.º - A Reencarnação implícita no processo de lapidação da sua Personalidade-Alma, da qual não se pode libertar até atingir a perfeição evolutiva, como Lei Cósmica que atinge todos nós e nos iguala a todos. 3.º - O instrumento Divino e justo da contínua correcção e aprimoramento da Personalidade-Alma pela expansão da sua consciência, através da Lei do Carma. Assim, e conforme o título desta pergunta de H.Spencer Lewis, acima citada, ele dá a seguinte resposta, simples, clara e coerente, porém extensa mas reduzida por nós ao essencial:

O Factor determinante chama-se Carma. A Personalidade que no Plano Cósmico aguarda renascimento por ter correcções e compensações a fazer na Terra, será cosmicamente dirigida para um feto humano, o qual, por força da natureza do seu meio ambiente, vínculos familiares, situação geográfica, nacionalidade, etc., encontrará as oportunidades necessárias para que a sua Personalidade-Alma realize o cumprimento do seu Carma.

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O Cósmico dirige sabiamente o processo para que uma Personalidade-Alma que esteja a aguardar o seu renascimento, possuindo talentos e habilidades próprias para a música, pintura ou outra arte (determinadas pelas suas experiências prévias em encarnações anteriores) será encaminhada para um feto onde seus pais irão proporcionar-lhe oportunidades na nova Encarnação, de modo a expressar e aperfeiçoar esses dons ou tendências. Também o feto que vai nascer em ambiente e condição de pobreza, ignorância e desvantagens físicas e materiais, receberá uma Personalidade-Alma que necessite dessas características terrenas para aprender certas lições e superar ou dominar na sua vida tais adversidades. As influências pré-natais dos progenitores, especialmente da mãe, são especificamente consideradas no Plano Cósmico para determinar qual a personalidade que encarnará no recém-nascido.

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LISBOA 2007

VITOR DE FIGUEIREDO, FRC

Nota: Em virtude de este Ensaio ser inédito, e o Autor ter feito recentemente a sua passagem, não podemos afirmar que este trabalho tenha sido completado na sua totalidade.