O status temporário da mulher imigrante brasileira no Japão
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O STATUS TEMPORÁRIO DA MULHER IMIGRANTE BRASILEIRA
NO JAPÃO E A EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS
TEMPORARY STATUS OF THE BRAZILIAN IMMIGRANT WOMEN
IN JAPAN AND THE EDUCATION OF THEIR CHILDREN
Cláudio da Silva , , Ana Maria Bortz², Marcelo Fuidio Hiriart², Márcia Atsumi Ikeda² 1 2
Resumo: Este artigo procura investigar se as mulheres imigrantes brasileiras no Japão, consideram o processo educacional de seus filhos uma experiência que pode ser adiada e as possíveis conseqüências referentes às suas escolhas. A coleta de dados e diagnostico dos aspectos sócio-econômico de 20 famílias de brasileiros residentes no conjunto habitacional Homigaoka, cidade de Toyota, província de Aichi no Japão, foram conduzidos, através de questionários, durante o período de outubro/novembro de 2010. A análise dos dados coletados sugere que a maioria das famílias entrevistadas não se identifica como verdadeiro imigrante no Japão, pois mantém o sonho de um dia retornar ao Brasil, atrelando de forma direta ou indireta este processo de visitante temporário na situação educacional de seus filhos. A mulher é a principal responsável pela educação dos filhos e pelos afazeres domésticos, porém permanece mais de 9 horas longe de casa, dividindo com o companheiro a responsabilidade financeira da família, trabalhando longas jornadas em empresas do setor industrial secundário japonês. O pouco tempo dispensado na educação dos filhos somado a identidade “temporária” forjada pela própria recusa dos imigrantes em estabelecer raízes, acarretam em problemas no aprendizado e na identidade cultural das crianças. Os diretores das escolas japonesas e da escola brasileira entrevistados nesta pesquisa acreditam que os pais deveriam dar mais atenção na educação dos filhos e participarem mais das atividades das escolas.
Abstract. This article investigates both the issue of whether Brazilian immigrant women in Japan consider the educational process of their children an experience that can be postponed and the possible consequences with respect to their choices. Data collection and diagnosis of the socio-economic aspects of 20 Brazilian families living in the Homigaoka Public Housing Estate in Toyota City, Aichi Prefecture, Japan, were conducted through questionnaires between October and November 2010. Analysis of the data collected suggests that the majority of these families do not identify themselves as true immigrant in Japan because they hold onto the dream of one day returning to Brazil, linking this status as temporary visitors in Japan, directly or indirectly to their children’s education. Women are inside their families and primarily responsible for the education of children and the housework, but remain more than nine hours away from home, sharing the financial responsibility of the family with their partners and working long hours in Japanese factories. The little time spent in childcare plus the identity of being "temporary" created by the very refusal of immigrants to establish roots in Japan, results in learning problems and the cultural identity of children. School principals from Japanese and Brazilian schools responding to this survey believe that parents should pay more attention to their children’s education and participate more in school activities."
Trabalho desenvolvido e apresentado em 2010, durante o Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT, Acordo Brasil/Japão, como parte dos requisitos para conclusão da disciplina de Antropologia.
" Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela PUC/São Paulo. Professor da Escola Brasileira Professor 1
Kawase Hiro Gakuen - Ogaki, Gifu, Japão. E-mail: [email protected].
" Aluno(a) do Curso de Pedagogia Brasil/Japão – Universidade Federal do Mato Grosso, UFMT.2
INTRODUÇÃO
O avanço do status da mulher até século XXI é resultado de inúmeras lutas por ideais
imaginados por grupos que desafiaram as tradições sociais existentes há poucas décadas. Hoje
ela está mais presente no mercado de trabalho, em muitos casos ocupando postos de
comando; se faz ver e ouvir e tem renda própria para conduzir sua vida. Além da conquista
profissional, ela também tem participado ativamente nas mudanças ocorridas na sociedade
moderna. Aos poucos suas habilidades femininas são valorizadas redesenhando novos papéis,
de ser apenas coadjuvante para assumir posições estratégicas na sociedade (Nascimento,
2009). Mesmo com tantos avanços a mulher ainda é, na maioria das vezes, responsável pelo
trabalho doméstico e acumula as funções de mãe, dona de casa, esposa e profissional. Ela é a
principal gestora do ambiente doméstico e desempenha papel decisivo no processo
educacional de seus filhos (Bruschini et. al., 2007).
O trabalho masculino, valorizado e remunerado segundo critérios econômicos, afastou
os homens da convivência na comunidade local, dos cuidados com a família e do
acompanhamento da educação dos filhos (Mansur, 2003). No Japão o papel tradicional da
mulher na família é centrado no cuidado do lar e na participação da educação dos filhos,
estando pouco inseridas no mercado de trabalho. Segundo Hirata (1986), a mulher japonesa é
pouco valorizada nas empresas onde trabalham, recebem salários mais baixos em relação ao
homem, tem raras perspectivas de carreira. Este aspecto da cultura japonesa difere muito de
outros países industrializados em que a posição social da mulher vem sofrendo
transformações e ela tende a buscar satisfação profissional enquanto divide com o homem as
responsabilidades pela gestão do trabalho doméstico e da família.
A reforma na Lei de Controle de Imigração e Refugiados de 1990, permitiu que filhos,
netos e esposas de japoneses e seus familiares viessem ao país por tempo limitado e sem
restrição ao tipo de trabalho (Costa, 2007).
Segundo dados da Embaixada do Brasil em Tóquio citados por Higuchi (2003), 320
mil brasileiros residiam no Japão naquele ano, a terceira maior comunidade brasileira no
exterior. Ao contrário das famílias tradicionais japonesas, a maioria das mulheres brasileiras
residentes no país, geralmente dividem com o marido a responsabilidade financeira,
trabalham longas jornadas e estão empregadas no setor secundário do mercado de trabalho,
em pequenas e médias empresas que sofrem crônica falta de mão-de-obra e em trabalhos que
geralmente são recusados pelos japoneses.
Estes imigrantes são chamados de “Dekasegi”, que em japonês significa “trabalhar
fora de casa”. Esta classificação foi historicamente utilizada de forma pejorativa, referindo-se
aos trabalhadores pobres japoneses que saíam temporariamente de suas regiões rurais e
migravam para os centros urbanos. Assim, os japoneses que no final do século 19 cruzaram o
oceano e formaram colônias acreditando que a imigração seria temporária, também foram
classificados de “dekasegis”. A recente e intensa imigração de brasileiros, a maioria
descendentes de japoneses, (nikkeis) para o Japão, iniciada no final da década de 1980,
também recebeu o mesmo rótulo. Seguindo o caminho inverso de seus ancestrais, eles foram
atraídos por salários em moeda forte, bem mais valorizada em relação a moeda do Brasil nas
duas últimas décadas, foram recrutados e financiados por agentes, muitos dos quais atuando
de forma ilegal, com respaldo e apoio do governo e das grandes corporações, para suprir o
mercado de mão-de-obra barata e semi-qualificada, regulado pelo controle de produção “just-
in-time”, tão caro ao desenvolvimento industrial do Japão (Higuchi & Tanno, 2003). Os
imigrantes brasileiros que viajaram nestas condições desempenham no arquipélago o
chamado trabalho de 5 ‘Ks’ – Kitanai (sujo), Kiken (perigoso), Kitsui (penoso), Kibishii
(exigente) e Kirai (detestável) (Sasaki, 2002).
Políticas públicas adequadas ainda não foram implantadas para incorporar a mão-de-
obra destes estrangeiros e em especial a mulher, no mercado de trabalho japonês. Essa
lentidão do governo em reconhecer integralmente a permanência destas famílias no país,
resistindo a tratá-los como imigrantes e não como “dekasegis”, ou seja migrantes sazonais,
provoca um sentimento generalizado de “não pertencimento” e de “adiamento” das
responsabilidades sociais que englobam a educação dos filhos, o comprometimento com o
espaço e com a comunidade por parte dos imigrantes.
Segundo Miyasaka et. al. (2007), essa exclusão destas famílias do processo
participativo na construção da sociedade japonesa acarreta consequências sérias como a
evasão escolar, envolvimento de jovens estrangeiros em crimes e danos psicológicos sofridos
por essas famílias. Segundo dados do Ministério da Educação, Esporte, Ciência e Tecnologia
do Japão mencionados por Ninomiya (2004), existem cerca de 40 mil crianças brasileiras no
país, dos quais por volta de 5 mil estariam matriculadas numa das 60 escolas brasileiras em
funcionamento no território japonês. Diferentemente das crianças japonesas, as crianças
estrangeiras não são obrigadas a estar matriculadas na escola. (Ninomiya, 2004).
Outras consequências trazidas por esta falta de políticas públicas para a inserção do
cidadão estrangeiro na sociedade japonesa de forma igualitária e recíproca incluem o
distanciamento por parte das famílias da vida coletiva, o estabelecimento do consumo
individual e fútil como prioridade, o descrédito pelas instituições, que incluem a família e a
escola, e o descompromisso com o desenvolvimento do país como uma reação ao tratamento
descartável dado aos trabalhadores estrangeiros.
O surgimento de escolas brasileiras particulares, que com a crise econômica correm o
risco de serem extintas, foi por muito tempo a única opção para as famílias brasileiras
resistirem culturalmente. Como resultado, tais iniciativas, assim como o trabalho de
organizações sem fins lucrativos e organizações não governamentais atuam como sujeitos
substitutos de ações do governo japonês e não como agentes parceiros.
Este artigo tem como objetivo investigar se as mulheres imigrantes brasileiras que
moram no conjunto habitacional Homigaoka, cidade de Toyota, província de Aichi no Japão,
consideram o processo educacional de seus filhos uma experiência que pode ser adiada,
relatando as possíveis conseqüências referentes às suas escolhas. Também procura relacionar
se a inserção em uma nova cultura, de um outro país, pode afetar no planejamento da
educação das crianças.
"METODOLOGIA
A presente pesquisa foi desenvolvida no Conjunto Habitacional Homigaoka,
localizado no bairro Homigaoka, cidade de Toyota, província de Aichi-ken no Japão. O objeto
de estudo, foi aquele compreendido pelas mães de alunos matriculados na Escola Comunitária
Paulo Freire – ECOPAF. Utilizamos também dados fornecidos por duas escolas públicas
japonesas, localizadas adjacentes ao Conjunto Homigaoka e que possuem um número
bastante representativo de brasileiros. Alguns dos alunos destas escolas, frequentam a
ECOPAF, no período da tarde, no projeto Cantinho do Saber onde terminam as tarefas de
japonês e aprendem o português.
" Área de Estudo e público alvo:
Homi Danchi - O Homi Danchi, ou simplesmente Homi como é chamado pela
maioria dos seus moradores é um dos conjuntos habitacionais, com maior concentração de
brasileiros no Japão. Localizado na cidade de Toyota, província de Aichi-ken, os prédios do
Homi abrigam cerca de 9.000 moradores, dos quais cerca de 4.000 são brasileiros (Tobace,
2008). Além dos brasileiros, podemos ainda encontrar uma representativa comunidade
peruana além de algumas famílias de chineses e filipinos.
Devido a grande concentração de brasileiros, a língua portuguesa é um dos idiomas
mais falados na região, havendo placas de sinalização, faixas, cartazes, além de informativos
e revistas, devidamente traduzidos nesta língua. A população ainda dispõe de dois
supermercados que comercializam produtos brasileiros além do complexo comercial
FOXTOWN que contém padaria, cabeleireiro, academia, locadora de vídeo, perfumaria e loja
de eletrônicos que oferecem serviços e comercializam produtos do Brasil.
A região do Homi Danchi possui também uma escola brasileira, a Escola Comunitária
Paulo Freire – ECOPAF e duas escolas públicas japonesas: Nishi-Homi Shougakkou e
Higashi-Homi Shougakkou. Estas duas instituições japonesas recebem alunos da região do
Homi, possuindo grande número de estrangeiros entre os quais se destacam os brasileiros.
Escola Comunitária Paulo Freire – A ECOPAF, é uma instituição de ensino mantida
pelo Centro Latino Americano Homigaoka – CELAHO, uma organização não governamental
que presta auxílio a comunidade Latina no Japão. Localizada no coração do Homi Danchi, no
primeiro andar do complexo FOXTOWN, a ECOPAF oferece ensino na língua portuguesa,
para filhos de brasileiros da cidade de Toyota, recebendo também alunos de cidades vizinhas
como Miyoshi e Seto.
Criada em 2004, a Escola Paulo Freire é uma escola bilingüe (ensino de português e
japonês), atendendo alunos do Ensino Infantil ao Ensino Médio, oferecendo ainda aulas de
português para os alunos que estudam nas escolas japonesas (Projeto Cantinho do Saber) e um
curso preparatório para realização do Supletivo oferecido pelo Ministério da Educação e
Cultura do Brasil – MEC.
O horário de funcionamento da ECOPAF com suas respectivas atividades são
apresentados na TABELA I.
"TABELA I. Estrutura de Ensino e atividades oferecidas pela Escola Comunitária Paulo Freire a comunidade do
Homi Danchi no Japão em outubro de 2009.
"
""" Toyota Shiritsu Nishi-Homi Shougakkou - Localizado ao oeste do conjunto
habitacional Homi Danchi, a escola Nishi Homi é uma instituição pública japonesa que recebe
alunos dos bairros de Kitaryokuen e Minami Ryokuen, que rodeiam respectivamente o lado
noroeste e sudoeste do conjunto habitacional Homigaoka.
Toyota Shiritsu Higashi-Homi Shougakkou - Localizado ao leste do conjunto
habitacional Homidanchi a escola Higashi-Homi é uma instituição pública japonesa que
recebe alunos do bairro Otobegaoka que ocupa a área contígua do lado nordeste do conjunto
habitacional Homigaokka .
A Tabela II apresenta o número de alunos em cada uma das escolas pesquisadas,
relacionando o número de brasileiros e estrangeiros em cada uma delas.
""
Horário Atividade de Ensino desenvolvida
Das 9 às 14:45h - Educação Infantil
- Ensino Fundamental
- Ensino Médio
Das 15 às 17:40h Cantinho do Saber (ensino de português para alunos da escola japonesa e
auxílio nas tarefas de japonês)
Das 19 às 21h Curso Preparatório para o Supletivo
TABELA 2. Número de Alunos nas escolas estudadas.
"
""
*Dados fornecidos pelas próprias instituições em novembro de 2009.
Coleta de dados e métodos de avaliação
Os dados desta pesquisa foram coletados e avaliados considerando-se três
metodologias: Questionários, Entrevistas e Análise Documental .
Os questionários foram aplicados, durante os meses de outubro/novembro de 2010, a
todas as mães que possuem filhos matriculados na ECOPAF, do Ensino Infantil ao Médio,
além daqueles que estudam nas escolas públicas japonesas e participam do Projeto Cantinho
do Saber.
Os questionários elaborados eram constituídos de 35 perguntas fechadas, de múltipla
escolha, contendo questões que pudessem auxiliar na elaboração de um perfil sócio-
econômico para o público alvo estudado, além de oferecer dados para compreender melhor
como as mães brasileiras participam da educação de seus filhos no Japão.
As diretoras das três escolas escolhidas para esta pesquisa foram entrevistadas, com
perguntas semi-estruturadas. Esta metodologia foi adotada como forma de obter mais
informações sobre o comportamento do público alvo visto que, estas profissionais participam
do dia-a-dia do ambiente escolar, possuindo grande conhecimento sobre os educandos e seus
pais.
Para análise documental, foram utilizados os textos produzidos pelos alunos para a
construção do livro: “Viver, aprender... escrever – muitas histórias para contar” , realizado 3
pela Escola Paulo Freire (Figura 1). Este livro é parte integrante do projeto “EDITORA
Escola Número de alunos*
Japoneses Estrangeiros Brasileiros TOTAL
Nishi-Homi Shougakkou 78 104 96 182
Higashi-Homi Shougakkou 369 116 105 485
Escola Comunitária Paulo Freire - - 60 60
" . Quarta edição do Projeto Editora Ecopaf, realizado em outubro de 2009.3
ECOPAF” desenvolvido anualmente pela instituição, onde toda a escola participa na produção
de textos individuais versando sobre um tema pré definido. A análise prévia do material
demonstrou ser este uma ferramenta interessante para o desenvolvimento deste projeto visto
que, nesta edição, a temática desenvolvida valorizou os depoimentos e autobiografias dos
alunos onde eles discorrem, entre outras coisas, sobre suas memórias de estudante.
"RESULTADOS
Dos 29 questionários entregues, 23 retornaram preenchidos e os 20 primeiros foram
utilizados para análise neste trabalho.
Os dados coletados permitiu-nos traçar um perfil do público alvo desta pesquisa, ou
seja, da mulher brasileira, mãe, com filho(os) em idade escolar no Japão; o qual apresentamos
abaixo:
Estrutura familiar - A maioria (85%) das mulheres entrevistadas vivem com marido/
companheiro, sendo que em 75% dos casos, o pai/companheiro é o principal responsável
pelos ganhos financeiros da família. Nenhuma delas cuida de idosos e 55% possuem 1 filho
em idade escolar.
Situação laboral - Na atualidade, 65% delas estão empregadas, mas 55% não possuem
benefícios sociais como seguro desemprego/saúde/aposentadoria/folgas remuneradas. Além
disso, 65% não trabalham nos fins de semana e feriados, mas permanecem mais de 9 horas
por dia longe de casa.
Disponibilidade de tempo - Em 100% dos casos a mulher é a principal responsável
pelo trabalho doméstico, sendo que em 33% o marido/companheiro raramente ajuda e 33%
dos casos não houve resposta sobre a participação masculina.
Escolaridade - Quanto ao nível escolar, 40% das mães completaram Ensino Médio.
""
ANÁLISE DOS DADOS
Uma das questões a serem analisadas referentes às crianças brasileiras residentes no
Japão e que reflete no desempenho escolar é a em grande parte a identidade cultural. Muitas
delas nasceram no país, falam português mas nunca foram ao Brasil, outras já cruzaram o
oceano várias vezes de um país ao outro, sempre trocando de casas e mudando de escolas.
Quando indagadas sobre sua nacionalidade, muitas se confundem afirmam ser japonesas e
mesmo não conhecendo a língua do país. É compreensível que estas crianças não separem os
conceitos de nacionalidade e identidade nacional, uma vez que se sentem japonesas porque
compartilham muitos aspectos da sociedade e a cultura japonesa ao mesmo tempo que se
distanciam da identidade brasileira. A diretora da Escola Comunitária Paulo Freire, Josélia
Eliete Longato Fuidio, afirma que várias crianças brasileiras no Japão perderam o vínculo
com o Brasil enquanto outras não se identificam mais com o país de origem.
A condição vivida pelas famílias, de trabalhadores estrangeiros temporários, com o
objetivo de retorno a curto prazo para o Brasil, como sugere Ishikawa (2009), somado ao fato
de que o tipo de trabalho desenvolvido, em fábricas com longas jornadas, resulta em ausência
dos cuidados e atenção necessária para os seus estudos. Este fato não pode ser visto como um
simples desinteresse dos pais, mas pelas próprias condições que eles encontram no Japão. A
mulher, mãe, que muitas vezes se ocupa dos cuidados com a educação dos filhos muitas vezes
encontra-se ausente do lar, como pudemos constatar, pois ela também divide, com o marido, a
responsabilidade financeira trabalhando mais de 9 horas no setor industrial secundário do
Japonês.
Os diretores e das escolas públicas japonesas Nishi e Higashi-Homi confirmam esta
análise, e destacam que a maior dificuldade para se relacionar com os estrangeiros, nas duas
escolas, é a indecisão dos pais quanto à permanência no Japão. O retorno repentino ao Brasil
ou a mudança constante entre a escola japonesa e a brasileira faz com que a criança perca o
interesse e a motivação para estudar. Uma das professoras da escola primária Higashi-Homi,
Ikuko Koyama deixa claro que essas mudanças constantes prejudicam o desenvolvimento da
criança brasileira ao declarar :
¨Entendemos que os brasileiros estão aqui para trabalhar, mas gostaríamos que decidissem, que planejassem, com expectativa a médio ou longo prazo para garantir a educação de seus filhos¨.
Na escola primária Nishih-Homi, o Diretor, professor Hideriko Nakane tem a mesma
opinião :
¨No momento em que a criança descobre de que vai retornar ao Brasil, ela perde totalmente a motivação; pedimos aos pais que conversem com seus filhos sobre a importância dos estudos, seja qual for o país que estiverem¨.
O professor também identifica a falta de acompanhamento das tarefas escolares por
parte dos pais brasileiros. Muitas mães não verificam as tarefas e os materiais necessários no
dia seguinte e acredita que essa ausência se dê porque a “a maioria das mães trabalham em
período integral¨.
Quando um aluno apresenta problemas na escola, sejam de qualquer natureza, os pais
são chamados e o sucesso das medidas tomadas depende muito da participação da mãe no
processo. São poucos os casos de sucesso. Segundo o diretor da escola Nishi-Homi,
¨os pais não colaboram; a principal causa dos problemas é a falta de atenção (carência afetiva); há mães que trabalham no turno da noite. Elas saem de casa antes do filhos chegarem da escola e, às vezes, nem os veem por vários dias¨.
O objetivo da maioria das famílias é retornar ao Brasil em breve, entre três a cinco
anos (Ishikawa 2009), muitos deixam a educação dos filhos em segundo plano, pois para
muitos deles com o salário recebido no Japão eles poderão oferecer melhor educação aos
filhos no Brasil. Nos questionários recebidos 55% das mães matriculam seus filhos na escola
brasileira para que eles tenham mais facilidade de adaptação quando voltarem e 60%
acreditam que as crianças irão aprender mais quando voltarem a estudar em uma escola no
Brasil. No entanto muitos não retornam no tempo previsto e são raros os casos de crianças
que freqüentaram as escolas japonesas, que ingressaram em um curso de nível médio ou
superior no Japão. A maioria ingressa no mercado de trabalho manual, exercendo funções
como operário semi-qualificado, como os pais. Além disso apesar deles terem se graduado no
ensino fundamental no Japão e falarem o idioma japonês com fluência, são poucos os que
dominam a leitura e na escrita ideográfica (Reis, 2002).
Apesar da amostra não ser representativa de toda a comunidade, pode –se dizer que é
um indicativo para maiores investigações sobre a forma como os brasileiros incorporaram o
status definido pelas equações estruturais, que englobam questões laborais, sociais e políticas,
ao universo pessoal, o sentimento de ser “dekassegi”, de ser visto e tratado como alguém que
“não pertence” ao grupo. A metade dos entrevistados disseram que mudaram de três ou mais
vezes de emprego, 25% mudaram de residência três vezes, 30% mudaram os filhos de escola
de duas a três vezes, sendo que 10% mudaram mais de três vezes. Outro dado mostra que
95% dos entrevistados nunca participou de trabalho voluntário no Japão e a falta de tempo,
não saber como ajudar e não falar japonês foram mencionadas como a principal causa. Nas
famílias patriarcais o papel definido da mulher como gestora doméstica e elo de ligação da
família com comunidade local, através da participação em atividades desenvolvidas pelas
associações de bairro, vizinhos e a escola é confirmado quando se constata que 100% delas
são responsáveis pelos afazeres domésticos, no entanto, elas também desempenham o
tradicional “papel masculino”, são trabalhadoras que também sustentam o orçamento
doméstico, mais da metade permanece fora de casa por mais de 9 horas.
No livro “ Viver , Aprender, Escrever... Muitas Histórias Para Contar”, desenvolvido e
elaborado com os alunos da ECOPAF, publicado de forma artesanal pela própria escola em
outubro de 2009, é possível detectar as imensas dificuldades emocionais e o grau de
maturidade exigido dessas crianças imigrantes que desafiaram o espelho. Elas mergulharam
na busca de seus próprios significados a medida que venceram medos e desconfianças
gerados pela longa separação dos pais, rupturas repentinas de relacionamentos, ambientes
estranhos, ausência de rotinas regradas. Além disso, enfrentam a solidão preenchendo a vida
com vídeo-games, computador e televisão, num intenso treinamento passivo que é custoso
desarmar em apenas algumas horas diárias na escola. A proposta do livro mobilizou
conhecimentos, proporcionou um esforço de releitura de si mesmos e a tentativa de construir
um caminho menos tortuoso para estas crianças que nesta tão tenra idade já acumulam tantas
experiências. Alguns textos dos alunos impressionam pela maneira como expressam suas
autobiografias, em que descrevem seus sonhos e ambições. Muitos discorrem sobre o desejo
de um dia retornarem ao Brasil, ou aos que nunca estiveram lá, a vontade de cruzar o oceano
em busca de suas origens.
A influência dos pais, na indecisão e adiamento do retorno ao Brasil pode ser
facilmente percebido pela maneira que muitas histórias são contadas, relatando as inúmeras
idas e vindas aos dois países ou nas mudanças frequentes de lares e entre escolas brasileiras
ou japonesas.
A identidade “temporária” é forjada pela própria recusa dos imigrantes em reconhecer
que aos poucos estabelecem raízes, como mostram os dados do questionário e os apelos das
diretoras das escolas entrevistadas. A diretora da Escola Comunitária Paulo Freire, Josélia
Longatto Fuidio afirma que a participação dos pais nas atividades da escola e da entidade que
a sustenta é mínima, geralmente restrita ao universo particular do desempenho exclusivo do
próprio filho.
“Fazê-los entender que a educação é algo sério [...] é mais que encher um caderno com letras e números…que pensar e criar é muito importante, que ter autonomia, ser investigativo, faz parte do processo e deve ser valorizado. É difícil os pais entenderem que investir em educação significa comprometimento, tempo e gastos... em dinheiro, e oportunidades em estar com o filho.”
Esse descompromisso não significa necessariamente que os pais não estão
preocupados, mas apenas que podem não saber como lidar com as dificuldades impostas por
um ambiente culturalmente hostil. Um relato da diretora ilustra bem esse despreparo dos pais.
“Uma criança de doze de anos de idade não havia frequentado nunca uma escola porque tinha medo e vergonha. Os tios insistiram e ele veio estudar conosco mas como não frequentou escola nenhuma, tinha uma vida toda desregrada, trocava dia pela noite, os hábitos alimentares totalmente atrapalhados. Faz dois anos que começou aqui. No início chegava tarde todos os dias e faltava muito. Também não gostava de participar de nada. A escola permitia isso para que ele gostasse de vir para cá. Hoje já participa bastante e quando a mãe ameaça retirá-lo da escola caso ele não obedeça ele grita e diz que não quer sair daqui. Ele gosta muito da escola. Uma vez uma voluntária perguntou a ele se ele gostava da escola, ele respondeu que muito…muito e muito. Histórias de fracasso? Uma família que não cuidava das tarefas dos filhos, quando começamos a exigir o acompanhamento escolar, tirou os filhos da escola e os deixou em casa, mesmo a escola oferecendo bolsa de estudos.”
Mesmo as famílias que se sentem estabelecidas no país, procuram conforto emocional
nas manifestações culturais desenvolvidas em pequenos e selecionados enclaves étnicos,
como escolas, restaurantes, clubes e comércios em geral. Castells (2008) classifica esse tipo
de atitude de “Identidade de Resistência”, atores sociais que tem princípios e valores opostos
às instituições da sociedade que os recebem. Estes brasileiros residem no país há vários anos,
mas acreditam ser esta permanência algo circunstancial, emergencial, uma situação que será,
em determinado momento, revertida, quer dizer, irão voltar para o “paraíso imaginado”. Já a
“Identidade de Projeto”, definida por Castells (2008), como uma identidade capaz de redefinir
uma nova posição na sociedade, origina sujeitos que criam uma história pessoal e dão novos
significados às experiências da vida individual, transformando modelos “patriarcais” da
família em um núcleo mais igualitário, reverberando contínuas mudanças sociais.
"CONCLUSÕES
A análise dos dados coletados sugere que a maioria das famílias entrevistadas não se
identifica com o status de imigrante no Japão, pois alimentam o sonho de um dia retornarem
ao Brasil e consideram a educação uma experiência congelada no tempo, como se o que fosse
vivido aqui e agora pudesse ser dissociado da formação direta ou indireta de seus filhos.
A mulher é a principal responsável pela educação dos filhos e pelos afazeres
domésticos, porém permanece mais de 9 horas longe de casa, dividindo com o companheiro a
responsabilidade financeira da família, trabalhando longas jornadas em empresas do setor
industrial secundário japonês.
O pouco tempo dispensado na educação dos filhos somado a identidade “temporária”
forjada pela própria recusa dos imigrantes em se sentir “cidadãos” e reconhecer raízes já
desenvolvidas ao longo dos anos, acarretam problemas no aprendizado e na formação da
identidade cultural das crianças.
Os diretores das escolas japonesas e da escola brasileira entrevistados nesta pesquisa
acreditam que os pais deveriam dar mais atenção na educação dos filhos e participarem mais
das atividades das escolas, mas também são conscientes que somente mudanças estruturais na
sociedade japonesa e medidas de longo prazo podem sugerir novas perspectivas de um futuro,
senão brilhante, pelo menos mais justo e igualitário para estas crianças brasileiras residentes
no Japão.
"REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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