O Tao do bibliotecário: percorrendo seu papel de educador no atendimento de referência

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    CAROLINE FERREIRA

    O TAO DO BIBLIOTECRIO: PERCORRENDO SEU PAPEL DE EDUCADOR NO

    ATENDIMENTO DE REFERNCIA

    Trabalho de Concluso apresentado ao Curso deBiblioteconomia, como requisito parcial para obtenodo grau de Bacharel em Biblioteconomia.

    Orientador: Prof.: Gilda Maria Whitaker Verri.

    RECIFE

    2010

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    Ferreira, CarolineO Tao do bibliotecrio: percorrendo seu papel de

    educador no atendimento de referncia / CarolineFerreira. Recife: O Autor, 2010.

    60 folhas.

    Monografia (graduao) Universidade Federal dePernambuco. CAC. Biblioteconomia, 2010.

    Inclui bibliografia.

    1. Bibliotecrio papel social. 2. Bibliotecas Serviode referncia. 3. Bibliotecas pblicas. 4. Biblioteconomia- Educao. I. Ttulo.

    023.5 CDU (2.ed.)UFPE

    023 CDD (22.ed.) CAC2010-83

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    AGRADECIMENTOS

    Aos meus avs;

    minha famlia;

    Leide, Laete e Bruno;

    Aos professores: Diego Salcedo, Fbio Mascarenhas, Fabio Pinho, Marcos Galindo, Maria

    Cristina, Susana Schmidt (in memorian) e ao professor (no mais da UFPE) Andr Moreira;

    minha orientadora Gilda Verri;

    Ao Grupo de Estudos Freireanos dos Sonhos Possveis; Vernica Farache.

    Gratido a todos vocs, que me ajudaram tanto nessa caminhadura.

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    [...] o prazer essencial a resoluo provisria de conflitos e acriao de outros. (MILANESI, 1997, p. 270).

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    RESUMO

    Prope-se a contribuir para a discusso sobre o papel social do bibliotecrio enquanto

    educador, atravs da seguinte problemtica: se o professor/ educador caminha

    pedagogicamente com o educando na busca e na construo do conhecimento, ento o

    bibliotecrio, no atendimento de referncia, quando auxilia o usurio no apenas a encontrar

    respostas, mas a questionar, pode ser considerado um educador? Buscou-se, atravs da reviso

    de literatura, utilizando-se recortes de citaes, verificar que o bibliotecrio pode

    desempenhar o papel de educador durante o atendimento de referncia. Sendo uma pesquisa

    explicativa, de natureza bibliogrfica, realizaram-se conexes entre o papel social dobibliotecrio e alguns dos principais conceitos da rea de educao e de servio de referncia,

    ambientando-se na biblioteca pblica. O bibliotecrio assume o papel de educador mais

    notadamente na biblioteca pblica (brasileira). Faz-se urgente abordar a necessidade do

    bibliotecrio desempenhar um papel educativo no atendimento de referncia na biblioteca

    pblica, a partir da qualificao profissional e da autoconscientizao para uma possvel

    prtica enquanto educador, na construo de uma autoimagem como profissional relevante

    sociedade e na ampliao de perspectivas profissionais e de viso de mundo.

    Palavras-chave: Papel social do bibliotecrio. Servio de referncia e informao.

    Atendimento de referncia. Bibliotecas pblicas. Biblioteconomia e Educao. Bibliotecrio

    educador.

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    ABSTRACT

    Its intended to contribute to the discussion about librarians social role as educator,

    thorough the question: if the teacher and the educator walks pedagogically with the student

    in the knowledge searching and construction, the librarian working on the reference

    treatment, helping the library user not merely to find answers but also ask, can be considered

    an educator, then? Using literature review and clippings quotes, it was intended to verify the

    librarian possibility to redeem his social role as educator during the reference treatment. At

    this explicative and bibliographic research, there were made conections between the librarian

    social role and some of the principal concepts of Education and Reference service, situatingall of these in the public library. The librarian assumes the educator role specially when he

    works at the public library. It is really important to talk about the necessity of the librariandevelop an educational role in the reference treatment at the puclic library, starting at

    professional qualification and self-conscientization to a possible practice as educator, at a self-

    image construction as an relevant professional to society and in the professional perspectives

    and worldview.

    Keywords: Librarian social role. Reference and information service. Reference treatment.

    Public library. Library Science and Education. Librarian as an educator.

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    AR Atendimento de referncia

    BP Biblioteca pblica

    BPM Biblioteca pblica municipal

    DSI Disseminao seletiva da informao

    GT Grupo de trabalhoLDB Lei de Diretrizes e Bases

    NI Necessidade informacional

    SRI Servio de referncia e informao

    SRV Servio de referncia virtual

    TICs Tecnologias da informao e comunicao

    LISTA DE SIGLAS

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    IFLA International Federation of Library Associations and Institutions (Federao

    Internacional de Associaes de Bibliotecrios e Instituies)

    MinC Ministrio da Cultura

    UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organizaodas Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura)

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    SUMRIO

    1 INTRODUO --------------------------------------------------------------------------- 10

    2 BIBLIOTECONOMIA E EDUCAO ----------------------------------------------- 11

    2.1Biblioteconomia, Educao, bibliotecrios, professores, educadores ----------- 11

    2.2 O bibliotecrio e a cidadania ---------------------------------------------------------- 14

    2.3 A sociedade da informao e do conhecimento e a necessidade informacional -15

    3 SERVIO DE REFERNCIA E INFORMAO ----------------------------------- 18

    3.1 Panorama do Servio de Referncia e Informao --------------------------------- 18

    3.1.1 Origens e conceituaes ------------------------------------------------------------- 18

    3.1.2 Objetivos e finalidade ---------------------------------------------------------------- 20

    3.1.3 Dificuldades --------------------------------------------------------------------------- 21

    3.1.4 Atividades e linhas de atuao ------------------------------------------------------ 22

    3.1.5 Servio de referncia virtual (SRV) ------------------------------------------------ 23

    3.2 O bibliotecrio de/ na referncia ------------------------------------------------------ 24

    3.3 O atendimento de referncia ----------------------------------------------------------- 26

    4 A BIBLIOTECA PBLICA ------------------------------------------------------------- 31

    4.1 Misso e papel social ------------------------------------------------------------------- 314.2 Problemas e dificuldades --------------------------------------------------------------- 32

    4.2.1 Biblioteca pblica e poder: excluso informacional ----------------------------- 32

    4.2.2 A BP como biblioteca escolar ------------------------------------------------------- 34

    4.3 O servio de referncia e informao nas bibliotecas pblicas ------------------- 35

    5 O PAPEL DE EDUCADOR DO BIBLIOTECRIO NO ATENDIMENTO DE

    REFERNCIA ------------------------------------------------------------------------------- 37

    5.1 A educao do bibliotecrio: o bibliotecrio para a educao--------------------- 37

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    5.1.1 A educao do bibliotecrio: uma (de)formao? -------------------------------- 37

    5.1.2 O bibliotecrio atrs do balco e o bibliotecrio para a educao ------------- 39

    5.2 O bibliotecrio como educador no atendimento de referncia na bibliotecapblica ----------------------------------------------------------------------------------------- 41

    6 Concluso ----------------------------------------------------------------------------------- 49

    REFERNCIAS ----------------------------------------------------------------------------- 50

    NDICE --------------------------------------------------------------------------------------- 56

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    1 INTRODUO

    O modelo utilizado na formao acadmica do bibliotecrio uma das causas de sua

    prtica profissional estar distante de um fazer educativo e crtico. Surge a seguinte questo: se

    o professor/ educador caminha pedagogicamente com o educando na busca e na construo do

    conhecimento, o bibliotecrio, no atendimento de referncia, auxiliando o usurio no apenas

    a encontrar respostas, mas tambm a questionar, pode ser considerado um educador?

    A partir da questo levantada, que traz uma problemtica sobre atuao e percepo do

    bibliotecrio, optou-se por adotar no ttulo do presente trabalho a palavra Tao. De origem

    chinesa, Tao possui vrias acepes e tradues, sendo a mais comum delas, a palavracaminho. Fritjof Capra, em seu famoso livro O Tao da Fsica, publicado em 1975 e lanado

    no Brasil em 1983, aborda uma nova viso sobre a Fsica e um novo paradigma para a

    Cincia, a partir do desenvolvimento da Fsica Quntica, traando um paralelo com o

    misticismo oriental. O objetivo deste trabalho no apresentar um novo paradigma, mas

    trazer a discusso sobre um dos papeis sociais do bibliotecrio: o de educador.

    Com as novas tecnologias da informao e comunicao (TICs), foi bastante abordada

    a questo das qualificaes necessrias ao bibliotecrio para atuar com as novas ferramentastecnolgicas. A tecnologia e a cincia tm suas bases em conjuntos de informaes, havendo

    um ciclo vital de utilizao-produo de tecnologia e de conhecimento. A escola e a biblioteca

    so duas das estruturas complementares que subsidiam a manuteno desse ciclo, o

    bibliotecrio atuando na mediao entre informao e sociedade, podendo desempenhar um

    papel de educador.

    O distanciamento ideolgico entre Biblioteconomia e Educao e a larga discusso

    sobre tecnologia e suas implicaes ofuscou uma possvel discusso sobre a possibilidade dobibliotecrio de atuar como educador. Quando ambientado na biblioteca escolar ou em aes

    e projetos sociais, como bibliotecas comunitrias, por exemplo, o bibliotecrio mais

    facilmente reconhecido como educador, mas principalmente como mediador.

    Atravs da reviso de literatura e utilizando-se recortes de citaes, buscou-se verificar

    que o bibliotecrio desempenha um papel de educador. Sendo uma pesquisa explicativa, de

    natureza bibliogrfica, realizaram-se conexes entre o papel social de educador do

    bibliotecrio e alguns dos principais conceitos da rea de educao e de servio de referncia

    e informao, ambientando-se na biblioteca pblica (brasileira).

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    O presente trabalho foi desenvolvido a partir do interesse pessoal pelo papel social de

    educador que o bibliotecrio pode desenvolver, e visa contribuir para a discusso sobre esse

    papel social e sobre uma releitura da prtica profissional do bibliotecrio.

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    2 BIBLIOTECONOMIA E EDUCAO

    Em um pas onde o servio educacional organizado,Biblioteconomia e Educao so servios-irmos comstatus idnticos [...]. (MUKHERJEE, 1985, p. 36, grifodo autor).

    O modus operandi e o ensino da Biblioteconomia foram importados dos Estados

    Unidos e Europa. O modelo estadunidense de ensino de Biblioteconomia, posto em prtica no

    segundo curso implantado no Brasil, em 1929, trouxe consigo uma perspectiva mais tcnica

    do fazer bibliotecrio. O avano da tecnologia e as grandes mudanas culturais esto

    alterando os modelos biblioteconmicos de ensino e atuao profissional, visualizados

    tambm pela terminologia da rea: da Library Science (Cincia da Biblioteca), a

    Biblioteconomia tem convivido com o paradigma da Information Science (Cincia da

    Informao), em que o foco passa da manuteno e organizao do acervo e de suportes da

    informao para o usurio e a disseminao da informao.

    2.1 Biblioteconomia, Educao, bibliotecrios, professores, educadores

    De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    (CNPq), a Biblioteconomia se enquadra na rea de Cincias Sociais e Aplicadas1. Como uma

    rea do conhecimento cientfico que lida com o fluxo da informao, e potencialmente com a

    educao no-formal, a Biblioteconomia deve trabalhar sob uma perspectiva local e global: aservio da comunidade em que se insere a unidade de informao (comunidade acadmica,

    populao de um bairro, de uma escola etc.), visando o benefcio da sociedade e humanidade,

    atravs da cooperao de unidades de informao entre si e com a comunidade.

    A profisso bibliotecria tem suas origens no Egito Antigo (WALTER, 2005, p. 05),

    surgindo aps o Renascimento, a figura do bibliotecrio. A Biblioteconomia est conectada

    Educao desde sua origem:

    1 Tabela das reas do Conhecimento. Disponvel em: http://www.cnpq.br/areasconhecimento/6.htm.

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    Progressivamente a ideia de educao se associou ideia de fonte deconhecimento. [...] a complexidade do conhecimento, j verificada noantigo Egito, na Babilnia, em Alexandria, etc. deslocava o professor daatividade pedaggica para a atividade de organizao do saber registrado[...]. E dessa circunstncia o surgimento da Biblioteconomia. Mtodos decatalogao e de classificao bibliogrfica foram elaborados porAristteles e por outros sbios e educadores de ento. (SOUZA, F., 1993, p.04).

    Quando a Biblioteconomia foi formalizada no Brasil, atravs do primeiro curso

    universitrio, no tinha em vista a funo educacional nem democratizar a informao e o

    conhecimento, mas foi utilizada como arma para facilitar o deleite da elite e demonstrar a

    ilustrao e contemporaneidade dessa elite com o mundo civilizado europeu e norte-

    americano. (SOUZA, F., 1993, p. 13). Por ser uma rea de atuao profissional recente no

    pas e originalmente voltada apenas para a elite, a Biblioteconomia no teve reconhecida sua

    importncia pelo povo, que no tinha acesso biblioteca: com o passar do tempo e a criao

    das bibliotecas pblicas, alm da imagem do bibliotecrio como erudito, foram sendo

    agregadas outras imagens distorcidas do bibliotecrio.

    Poblacin apud Castro (2000, p. 23) aponta quatro fases do ensino da

    Biblioteconomia: formao humanista (1915-1928); pragmatismo americano (1929-1969);

    ufanismo nacionalista caracterizado pelo crescimento qualitativo (quantitativo) das escolas(1970-1985); estabilizao do crescimento quantitativo das escolas e incio do perodo de

    reflexo, objetivando a avaliao qualitativa do ensino ministrado em nvel de graduao

    (1986- ). O primeiro curso de Biblioteconomia no Brasil, oferecido pela Biblioteca Nacional,

    institudo em 1911 e tendo incio em 1915, teve como influncia a cole de Chartres (Frana),

    e o segundo curso, atravs da Universidade Mackenzie em 1929, foi influenciado pelo modelo

    estadunidense. Nesse modelo, que enfatiza os contedos tcnicos, desde que todas as

    tcnicas biblioteconmicas tivessem sido seguidas, era entendido que o profissional haviacumprido com o seu dever e realizado a totalidade das obrigaes profissionais que tinha com

    a sociedade. (SOUZA, F., 1991, p. 182).

    Em primeira instncia, contraditrio a Biblioteconomia ter em suas origens conexes

    to fortes com a Educao mas no t-las perpetuado. A contradio persiste atualmente, pois

    os profissionais carregam a bagagem histrica de uma formao deficiente nos aspectos

    relacionados s (possveis) prticas pedaggicas. Assim como a educao pode ser e

    utilizada como um meio para perpetuar a excluso social e outras mazelas humanas e scio-poltico-culturais, tambm o ensino da Biblioteconomia e a instituio biblioteca podem

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    contribuir para a continuao desse quadro scio-educacional. Ao invs de informar-se e

    informar o que h ingurgitar e regurgitar, o que feito a partir de um estoque limitado e

    controlado de produtos de informao, distribudos pelos responsveis pelo ensino. (LE

    COADIC, 2004, p. 112).

    A partir da descontinuidade da conexo Biblioteconomia-Educao, faz-se necessrio

    revisitar alguns conceitos e etimologias, como: Biblioteconomia, Educao e educador.

    Primeiramente, dividimos a palavra Biblioteconomia em seus componentes: biblio, teca e

    nomia, todos radicais gregos que significam, respectivamente, livro, lugar e lei (regra).

    Assim, originalmente, Biblioteconomia poderia ser considerada, stricto sensu, como Library

    Science (Cincia da Biblioteca). Educao pode ser conceituada como o processo de

    formao, devidamente acompanhada, do indivduo em seu processo de desenvolvimentoholstico intelectual, fsico e psicolgico. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB)

    A educao, dever da famlia e do Estado, inspirada nos princpios deliberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o plenodesenvolvimento do educando, seu preparo para o exerccio da cidadania esua qualificao para o trabalho. (BRASIL, 1996).

    De acordo com HOUAISS (2001, p. 1100), educao deriva do latim educato: aode criar, nutrir, cultura, cultivo. So inumerveis os conceitos de educao, mas vrios deles

    tm um ponto em comum: o processo de educao um processo de formao das vrias

    dimenses do ser humano.

    Segundo Houaiss (2001, p. 1101), educadorvem do latim eductor, aquele que cria,

    que nutre. O educador ajuda [o sujeito] em seu processo global de desenvolvimento. O

    professor no necessariamente educador; este, por seu turno, no necessariamente

    professor, ou pessoa culta ou letrada. (DUARTE, 1986, p. 61). Professor uma profisso,enquanto educador uma funo, um papel social, que envolve aptido e desejo de atuar

    como tal, sendo qualificado academicamente ou atravs da experincia de prtica educativa.

    Biblioteconomia e Educao, dentre outros pontos, possuem em comum a

    caracterstica de trabalhar com as necessidades informacionais e a formao do sujeito: a

    Biblioteconomia surge como consequncia do trabalho da educao, tornando-se ambas

    interdependentes. (SOUZA, F., 1993, p. 05). Antes o mestre, o educador, o professor,

    desempenhavam o fazer bibliotecrio dentro de uma perspectiva de guardio e organizador

    dos livros. Hoje, o bibliotecrio desempenha atividades de educador e atividades em que a

    educao o elemento norteador.

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    As aes de professores e bibliotecrios so complementares [...]: tanto oprofessor pode orientar a busca de informao como o bibliotecrio pode [ena maioria das vezes, deve] refletir com o usurio sobre os dados que vaiacumulando. A situao precria das escolas e das bibliotecas exige que asfunes no sejam estanques, mas que os diferentes papeis sejam exercidoscircunstancialmente pelas duas categorias profissionais. (MILANESI, 1986,p. 204).

    Professores e bibliotecrios devem atuar de maneira que suas aes se complementem,

    tendo sempre em vista a questo da tica profissional, dos espaos (mltiplos) de atuao, das

    competncias e das qualificaes de cada um, ou seja, devem atuar com base na cooperao.

    Contudo, preciso compreender que a educao formal, a no ser quando direcionada para a

    prpria Biblioteconomia, est fora da incumbncia do bibliotecrio. (MUKHERJEE, 1985, p.36, grifo nosso).

    2.2 O bibliotecrio e a cidadania

    A cidadania compe-se de trs elementos: os direitos civis, os direitos polticos e os

    direitos sociais. Para o indivduo exercer sua cidadania, imprescindvel estar em posse de

    informaes, e o bibliotecrio, como mediador, um dos agentes que viabiliza esse acesso: a

    informao direito de todos - interessa a todos e serve para todos. (TARGINO, 1997, p. 29,

    grifo nosso), tendo seu acesso assegurado a todos pelo artigo 5, inciso XIV, da Constituio

    Federativa do Brasil.

    Pensar em cidadania implica num pensar crtico e em trabalho cooperativo entre vrias

    esferas (famlia, ONGs, Estado, etc.), dentre elas, os profissionais da educao: professores,

    bibliotecrios e educadores de modo geral. A atuao profissional, principalmente na

    biblioteca pblica, necessita de (re)avaliaes permanentes, repensando os modelos de tica, a

    condio de subinformao da maioria da populao e outras questes histricas e do

    contexto atual. A informao, assim como a educao, pode ser utilizada como ferramenta

    para exercer a cidadania ou para tolh-la, atravs de um discurso alienante. A prtica

    profissional no sendo neutra, o bibliotecrio opta qual o seu discurso. De qualquer forma,

    compete ao bibliotecrio e demais profissionais envolvidos com o fluxo informacional no

    negar a ideologia, mas buscar a convivncia crtica e sem disfarces com a ideologia [...].

    (TARGINO, 1997, p. 29).

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    Servios voltados cidadania necessitam de cooperao com a comunidade, portanto,

    sendo incompatvel o discurso paternalista/ messinico (o bibliotecrio salvador da ptria) e

    a dicotomia cincia x povo, conhecimento x populao. A biblioteca, de maneira general,

    aparece ao povo como uma entidade da elite, em que essa dicotomia se faz sentir atravs da

    excluso scio-informacional infopobreza, como denomina Le Coadic. Dicotomia que se

    apresenta contraditria, pois originalmente o conhecimento reside no povo, mas passa por

    um processo de estruturao e codificao, aps ter sido expropriado por grupos de poder.

    (DAMBROSIO, 1993, p. 88). A expropriao do conhecimento tem como uma de suas

    consequncias a dificuldade do acesso (in)formao pelo sujeito para o exerccio pleno de

    sua cidadania.

    O compromisso do bibliotecrio com a cidadania prescrito no Cdigo de ticaProfissional do Bibliotecrio, em que este deve contribuir, como cidado e como

    profissional, para o incessante desenvolvimento da sociedade e dos princpios legais que

    regem o pas. (CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA, 2002, p. 64). Como

    cidado, o profissional pode contribuir exercendo sua prpria cidadania, sendo atuante,

    mobilizado em relao s questes coletivas. Como profissional, o bibliotecrio contribui na

    medida em que: a) suas atividades tcnicas, administrativas e gerenciais possibilitem ao

    usurio uma eficaz estrutura informacional, que proporcione a busca por subsdios paramelhor exercer sua cidadania; b) suas atividadespara e com o pblico estejam voltadas para a

    cidadania, para o acesso informao, ao conhecimento, cultura, atravs de uma prtica

    cooperativa e educativa.

    2.3 A sociedade da informao e do conhecimento e a necessidade informacional

    O Brasil, vivencia apenas alguns aspectos da Sociedade da Informao, da nova era

    em que a informao flui a velocidades e em quantidades h apenas poucos anos

    inimaginveis, assumindo valores sociais e econmicos fundamentais (BRASIL, 2000, p.

    03). A sociedade da informao e do conhecimento pode ser visualizada atravs das

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    transformaes sociais, polticas e econmicas generalizadas que, a partir deum variado nmero de emergentes aparatos tecnolgicos, vm configurandoum novo cenrio mundial, caracterizado por elevados ndices de produo ede consumo de informao atravs de mltiplos canais e intrincadas redes decomunicao [...]. (ODDONE, 1998, p. 03).

    Na sociedade da informao, a autonomia do usurio para buscar e pesquisar em

    diversas fontes mais desenvolvida. Pozo apud Gasque e Tescarolo (2004, p. 35), considera a

    sociedade da informao auto-referente, i.e., com autonomia informacional.

    A informao, assim como a biblioteca, necessita ser pensada sob uma tica de

    conflito, entendendo-se conflito como ponto de partida para uma contestao (diferentes

    pontos de vista) que vai de encontro a uma estabilidade informacional e segue em direo

    dinamicidade do(s) ciclo(s) de utilizao e gerao de informaes e conhecimento. A

    ignorncia entendida como ausncia de conflitos fragiliza o indivduo ante a informao

    disponvel nos meios de comunicao, mais acomodadora do que provedora. (MILANESI,

    1997, p. 220). O conflito (intelectual, cognitivo) um pressuposto para sair da inrcia

    (mental).

    A necessidade informacional (NI) pode originar-se de uma ou mais lacunas no

    conhecimento, podendo ser de ordem intelectual, cientfica, tcnica, pragmtica, filosfica ou

    mesmo espiritual. O bibliotecrio mediador entre informao e usurio, mas tambm

    deveria ser um consumidor e produtor de informao, a fim de ampliar constantemente seu

    backgroundinformacional e compreender melhor o pblico que atende.

    Com o ritmo acelerado da sociedade da informao, a recuperao da matria-prima

    informao exige ser realizada no menor tempo possvel. Na verdade, o que se tem que

    entender que a maioria dos usurios no busca por mais informao, mas sim, procura por

    menos, a melhor informao para eles. (FIGUEIREDO, 1996, p. 14). A busca pela

    informao envolve competncias, dentre elas, a information literacy:

    Information Literacy o processo contnuo de internalizao defundamentos conceituais, atitudinais e de habilidades necessrios compreenso e interao permanente com o universo informacional e suadinmica, de modo a proporcionar um aprendizado ao longo da vida.(DUDZIAK, 2001, p. 143).

    Sociedade sendo entendida como um grande complexo de relaes humanas, ou [...]

    um sistema de interao (BERGER, 1973, p. 36), entende-se que a sociedade da informao

    e do conhecimento, baseada no ciclo da informao, ainda no pode ser considerada a

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    realidade da sociedade brasileira, em que persistem os altos ndices de analfabetismo e de

    outros problemas de estrutura bsica para a populao. A sociedade da informao e do

    conhecimento requer,

    alm de base tecnolgica e de infra-estrutura adequadas, um conjunto decondies e de inovaes nas estruturas produtivas e organizacionais, nosistema educacional e nas instncias reguladoras, normativas e de governoem geral. (BRASIL, 2000, p. 05-06).

    No sendo ainda a realidade do Brasil, um dos maiores desafios da sociedade da

    informao evitar que as novas tecnologias sejam um agravante da excluso social.

    (SILVA, A., 2001, p. 03). A sociedade da informao e do conhecimento a realidade de uma

    minoria, pois a maioria da populao no tem acesso, pelos mais variados motivos, a

    informaes para construo do conhecimento e retomada de sua cidadania plena.

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    3 SERVIO DE REFERNCIA E INFORMAO

    Os apolneos fiquem nos processos tcnicos eadministrativos, deixando os servios informativos paraos dionisacos. (FONSECA, 1973, p. 05-06).

    As Tecnologias da informao e comunicao (TICs) trazem novas possibilidades para

    o Servio de referncia e informao (SRI), dentre elas, o Servio de referncia virtual (SRV).

    A sociedade da informao exige o uso das TICs pelas bibliotecas, sendo cada vez mais

    necessrio os servios de informao operarem como colaboradores, em cooperao com

    outras unidades de informao. Nas bibliotecas pblicas, as TICs e os servios de informao

    devem ser direcionados na tentativa de atender a todos da comunidade. Para Grogan (1995, p.

    88), o SRI um ato social, mas tem de ser [tambm] reconhecido [...] como uma relao

    humana, por mais breve que seja.

    3.1 Panorama do Servio de Referncia e Informao

    3.1.1 Origens e conceituaes

    O Servio de referncia e informao (SRI) um conjunto de servios oferecidos pela

    biblioteca ou unidade de informao, visando suprir s necessidades informacionais dos

    usurios. Sendo um servio-fim, pode ser considerado como um processo que transformarecursos em servios. (FIGUEIREDO, 1996, p. 33).

    Para uma melhor compreenso do Servio de referncia e informao importante

    revisitar algumas etimologias. Segundo Martins & Ribeiro (1979, p. 10), referncia vem do

    latim referentia, que a ao de contar, relatar; e referir, do latim referre, responder,

    repetir, indicar, informar.

    Os servios de referncia e informao provavelmente originaram-se a partir do

    atendimento de referncia. Para Martins & Ribeiro (op. cit., p. 10, grifo do autor), desde oprimeiro contato entre usurio e bibliotecrio na busca por informao, houve Servio de

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    referncia. Foskett (1969) e Pessoa e Cunha (2007) colocam o surgimento do SRI, como

    servio estruturado formalmente, no sculo XIX, com as pesquisas cientficas e industriais.

    Grogan aponta origem mais recente:

    Por volta de 1888, Melvil Dewey empregava a denominao bibliotecriode referncia, mas a prestao desse servio especfico no era ainda umafuno universalmente aceita para a biblioteca pblica, o que s veio aacontecer nos primeiros anos do sculo XX. (GROGAN, 1995, p. 28).

    A terminologia do SRI foi importada juntamente com as tcnicas biblioteconmicas da

    Europa e dos Estados Unidos (MARTINS & RIBEIRO, op. cit., p. 23), sendo essa a provvel

    causa de rudos conceituais na utilizao de denominaes para o Servio. Algumas dessas

    denominaes so listadas por Grogan (op. cit., p. 22) e Martins & Ribeiro (op. cit., p. 20):

    Ajuda pessoal, Auxlio aos leitores, Assistncia aos leitores, Servios ao pblico, Servio de

    assistncia aos usurios e Reference task(tarefa de referncia).

    Para Grogan (op. cit., p. 03), trabalho de referncia (reference work) continua sendo a

    denominao mais especfica e mais exata do que chamamos de Servio de referncia e

    informao, mas para Hutchins (1973, p. 03), as definies atribudas a trabalho de

    referncia ou so limitadas demais ou amplas demais, e Neves e Melo (1986, p. 39) preferemutilizar a denominao servio de informao, por ser um conceito que vem sendo ampliado.

    Katz e Tarr (1978, p. 13, traduo nossa) colocam o Servio de referncia e informao como

    o responsvel pela gesto do trabalho de referncia, sendo este ltimo, personal assistance

    given by the librarian to individual readers 2.

    Figueiredo (1992, p. 10) e Grogan (op. cit., p. 22) atribuem a Samuel Swett Green o

    primeiro trabalho que trata expressamente sobre o SRI, intitulado The desirableness of

    establishing personal intercourse between librarians and readers in popular libraries

    3

    .Apresentado em 05 de outubro de 1876, na Centennial Conference of Librarians, na

    Filadlfia, evento do qual resultou a fundao da American Library Association (ALA).

    2 A assistncia pessoal dada pelo bibliotecrio a leitores individualmente.

    3 A desejabilidade do estabelecimento de uma relao pessoal entre bibliotecrios e leitores em bibliotecaspopulares.

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    O Servio de referncia surgiu da percepo da necessidade de assistir aos leitores no

    uso dos recursos da biblioteca (FIGUEIREDO, 1992, p. 15). Mas antes dessa percepo, de

    acordo com Katz e Tarr (1978, p. 13), a ideia era de access to librarians (acesso aos

    bibliotecrios), em que many libraries were still inclined to doubt the praticability and value

    of personal assistance 4. Katz e Tarr relatam que o SRI no era valorizado: reference service

    has not been and is not now an inevitable part of the library order 5. Neves e Melo (1986, p.

    39) consideram o SRI como o termmetro do funcionamento da biblioteca.

    A antiga desvalorizao do servio de referncia pode ser explicada pelo tipo de

    usurio que frequentava a biblioteca, que sabia como localizar no acervo o que desejava e

    pelo tamanho do acervo, que no era to numeroso. O desenvolvimento da cincia e dos

    meios de comunicao, ocorrendo cada vez mais rapidamente, foi refletido no crescimento doacervo, tanto em quantidade quanto em diversidade de assuntos. Com esse crescimento, surge

    a percepo da necessidade de oferecer um servio de referncia e informao, mas ainda sob

    a perspectiva do bibliotecrio como nica possibilidade do usurio ter acesso ao acervo, que

    era organizado de acordo com normas compreendidas apenas pelos profissionais da

    biblioteca. Aps a Segunda Guerra Mundial, com a exploso informacional e o

    desenvolvimento das TICs, a biblioteca aparece com outra roupagem, destacando-se sua

    funo de disseminadora da informao. Assim, o bibliotecrio percebido como agentedisseminador da informao, e o servio de referncia e informao, uma das principais

    conexes entre o usurio e a informao.

    3.1.2 Objetivos e finalidade

    O papel social da biblioteca refletido e concretizado pelos servios que ela oferece e

    pelas aes que realiza. A prtica do SRI deve ser coerente com a misso da biblioteca que o

    oferece.

    O SRI um servio-fim e uma das atividades em que h maior inte(g)rao com o

    .......

    4 Muitas bibliotecas continuavam inclinadas a duvidar da praticabilidade e do valor da assistncia pessoal.

    5O Servio de referncia e informao no tem sido e no uma parte inevitvel do objetivo da biblioteca.

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    usurio, e como a etimologia da palavra referncia sugere, tambm um servio de respostas,

    mais exatamente de indicaes, visando a recuperao da informao. O bibliotecrio, sendo

    mediador entre informao e usurio, busca as melhores formas para que a informao siga

    em direo de quem dela necessite, da maneira mais satisfatria possvel. O foco do SRI a

    necessidade de informao (NI), explcita ou por estimular, do usurio, sendo o bibliotecrio

    de referncia um professor informal. (MARTUCCI, 2000, p. 103).

    3.1.3 Dificuldades

    As dificuldades para implementao, manuteno e desenvolvimento do Servio de

    referncia e informao podem advir: a) da unidade de informao que oferece o SRI

    (polticas, verbas disponveis, etc.); b) da instituio mantenedora da unidade de informao;

    c) da formao/ qualificao dos profissionais; d) de fatores internos (atitudes dos

    profissionais, infraestrutura, etc.); d) de fatores externos (contexto social, econmico, poltico,

    cultural, etc.).

    Um obstculo presente na formao dos profissionais a falsa ideia de que o trabalhode referncia um processo puramente tcnico, obscurecendo suas necessrias conotaes

    com os objetivos sociais da biblioteca. (HUTCHINS, 1973, p. 17). Enquanto processo, uma

    das primeiras dificuldades percebidas no SRI encontra-se no atendimento de referncia, na

    comunicao entre usurio e bibliotecrio. Em relao estrutura, observa-se que mais

    comum haver a coleo de referncia e no existir uma seo ou setorde referncia, o que

    no exclui a possibilidade de oferecer esse servio. Em escala proporcional, o SRI enfrenta as

    dificuldades da biblioteca que o oferece e da instituio mantenedora da biblioteca, refletindoe sendo reflexo de ambas. Uma das dificuldades para o SRI advinda de fatores externos que

    Um trabalho quase sempre esquecido, na maioria das bibliotecas doNordeste do Brasil, o de conseguir atravs do servio de referncia amotivao da clientela para a utilizao dos recursos da biblioteca.(MARTINS & RIBEIRO, 1979, p. 104).

    A maneira como utilizada a terminologia tambm pode ser considerada uma

    dificuldade, como por exemplo, as expresses Servio de referncia e informao e Servio

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    de referncia, bastante utilizadas para referir-se ao atendimento de referncia e segundo

    Martins & Ribeiro (op. cit., p. 19), a palavras pesquisa (research), comumente utilizada para

    designar uma busca (search). Uma das dificuldades de carter interno do SRI seu processo

    de avaliao, que traz consigo o repensar das prticas, de suas polticas e de como dialoga

    com o espao, com o tempo (Zeitgeist), com a comunidade/ sociedade, com a estrutura da

    biblioteca e com os usurios sob as perspectivas do usurio, do bibliotecrio e da biblioteca.

    Martins & Ribeiro (1979, p.40) apontam a terminologia variada como uma das dificuldades

    para avaliar o SRI. A variedade de problemas no SRI imensa, mas alm dos supracitados,

    observa-se tambm:

    1)

    Divulgao ineficiente ou inexistente;2) Servio sem atratividade, diferencial concreto ou criatividade;3) Lacunas interdisciplinares nos profissionais, tanto de formao quanto de contato com

    profissionais de outras reas para planejar e desenvolver melhor o servio.

    3.1.4 Atividades e linhas de atuao

    Com o ritmo acelerado da tecnologia, que vem sendo fortemente aplicada aos meios

    de comunicao e em estratgias de mercado, surgem novas necessidades informacionais,

    modificando e gerando servios de informao. Atualmente, mais que prestar um servio de

    qualidade a quem o solicita, temos a urgncia do paradigma da pr-atividade: Na verdade,

    um Servio de referncia/ informao ideal aquele ao qual o usurio no tem nada a pedir,

    porque a sua NI foi antecipada. A disseminao seletiva da informao o primeiro passo

    nesta direo. (FIGUEIREDO, 1996, p. 37).

    As atividades do SRI podem ser classificadas em cinco linhas de atuao:

    a) Ao do SRI [recuperao da informao e produo de instrumentos]b) Educao do usurioc) Alerta e disseminao da informao [DSI]d) Divulgao e comunicaes (visuais e grficas)e) Administrao/ superviso do SRI. (SILVA, J., 2004, p. 89).

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    Nem sempre o Servio de referncia e informao realizado sistematicamente ou por

    um setor de referncia estruturado, principalmente nas bibliotecas pblicas, sendo muitas das

    atividades realizadas por outro(s) setor(es) ou funcionrios que no os bibliotecrios.

    Existindo ou no o setor de referncia, visvel a necessidade de formar comisses ou grupos

    de trabalho (GTs), integrados entre si e com outras unidades, para desenvolver as atividades e

    aes cabveis, possveis e desejveis a um bom Servio de referncia e informao.

    3.1.5 Servio de referncia virtual (SRV)

    O SRI, como servio vitrine, expressa diretamente ao usurio se a biblioteca est bem

    provida ou no das TICs. Fazendo uso das TICs, os servios que anteriormente eram

    realizados presencialmente ou atravs de telefone, fax, correspondncia ou correio eletrnico,

    tm a possibilidade de tambm serem realizados virtualmente ou on-line, e os produtos

    oferecidos, alm de bibliogrficos (no sentido estrito do termo, relacionado a materiais

    impressos), em mdias magnticas e pticas, podem ser digitais/ virtuais. Uma das novas

    possibilidades para o SRI o Servio de referncia virtual (SRV). Esse servio surgiu nofinal da dcada de 1980, quando se tornou comum a disponibilizao dos catlogos das

    bibliotecas na rede [...]. (PESSOA e CUNHA, 2007, p. 70). O SRV

    um Servio de referncia e informao iniciado eletronicamente,frequentemente em tempo real, onde usurios utilizam computadores ououtra tecnologia da Internet para se comunicarem com a equipe dereferncia sem estar fisicamente presente. (REFERENCE AND USERSERVICES ASSOCIATION, 2004, p. 09 apud PESSOA e CUNHA, 2007,p. 70).

    O SRV, principalmente atravs da web 2.0, potencializa a realizao e o

    desenvolvimento do SRI de maneira colaborativa, atravs de projetos colaborativos de

    referncia virtual. Pessoa e Cunha (op. cit., p. 71) listam os meios em que o SRV pode

    realizado:

    - Correio eletrnico: e-mail e formulrio via web

    - Chat: softwares de mensagem instantnea, sala de bate-papo, softwares de chat

    - Softwares denominados Web Contact Centers ou Real-Time Live Web Reference (permite

    .....

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    maior interatividade entre bibliotecrios e usurios do que os softwares de chat)

    - Videoconferncia.

    Macedo (1984, p.65) j constatava o alargamento do servio de referncia para um

    servio mais aberto, que faz uso de vrios meios de materiais. Em relao ao SRI, para

    Grogan (1995, p. 54), os avanos da tecnologia em pouco alteraram a receita, que :

    segurana, cortesia, interesse pelas pessoas, imaginao, adaptabilidade, iniciativa. O servio

    de referncia virtual mantm a essncia e a misso do servio de referncia e informao,

    sendo uma nova face e uma nova fase do SRI, que diante do avano tecnolgico, utiliza

    novas ferramentas para melhor atender aos usurios da unidade de informao.

    3.2 O bibliotecrio de/ na referncia

    A biblioteca cada vez mais vem utilizando as tecnologias disponveis, e ao

    bibliotecrio de referncia esto sendo requeridas novas habilidades para utilizar essas

    tecnologias. A nova realidade potencializou outras possibilidades para atuao doprofissional, como: consultor independente, pesquisador particular, agente de informao

    (information broker).

    Existe um volume crescente de servios de referncia que so prestadoscompletamente fora da biblioteca, em contato direto com os clientes. [...]Em 1977, Susan Klement declarava que hora de separar o conceito debibliotecrio do conceito de biblioteca. (GROGAN, 1995, p. 31).

    A biblioteca no mais o nico espao em que podem ser localizadas as mais diversas

    fontes de informao, mas convive com o ciberespao, os acervos virtuais e os suportes

    digitais e on-line: a partir da diversidade de possibilidades de armazenamento e disseminao

    da informao, o bibliotecrio pode atuar em outros espaos diferentes da biblioteca

    tradicional.

    Na era da informao vital uma viso holstica da realidade, atravs do equilbrio

    entre qualidades pessoais e qualidades/ qualificaes requeridas pelo mercado. Uma das

    qualidades do bibliotecrio de referncia , sem dvida, a aptido para lidar com o pblico.Segundo Mukherjee (1985, p. 38), apsicologia est relacionada com a Biblioteconomia na

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    O bibliotecrio de referncia, especialmente na biblioteca pblica, pode ser

    (re)pensado a partir da percepo de seu(s) ambiente(s) e contexto(s) de atuao. Na

    biblioteca pblica, como instituio (que deveria ser) ordenada para desordenar, organizada

    para a ao social, poltica e cultural, podemos entender o bibliotecrio como sujeito, com

    atuao atuante, com uma postura crtica, repensando sua prtica, realizando uma prxis em

    Biblioteconomia.

    Alega-se constantemente na literatura profissional que existe a necessidadede mudar de alguma forma a imagem [do bibliotecrio]. Essa uma tarefagigantesca, mas que pode ser realizada, no resultar, porm, da fabricaode uma contra-imagem, ou, de fato, de qualquer modalidade de relaespblicas, como mudar o rtulo da profisso ou a denominao de cargo,

    como tem sido frequentemente proposto. [...] o segredo est em mudar arealidade por trs da imagem e deixar que esta cuide de si mesma. Isso nose consegue da noite para o dia [...]. (GROGAN, 1995, p. 12).

    A crise de identidade do profissional proporcionou uma maior busca por qualificao,

    visando atender tanto a uma demanda mais exigente, de usurios familiarizados com recursos

    tecnolgicos, portanto, que dispem de mais autonomia, como tambm aos usurios que ainda

    no desenvolveram habilidades para lidar com esses recursos: o atendimento a essa demanda

    diversa torna mais visvel o papel de mediador do bibliotecrio no SRI.

    3.3 O atendimento de referncia

    O atendimento de referncia (AR) uma das atividades do servio de referncia que

    orienta o usurio na busca/ pesquisa de informaes, atravs do levantamento bibliogrfico

    (em diversos suportes) ou at mesmo em fontes humanas (fonte oral), visando recuperar ou

    localizar as informaes necessrias para obter resposta (s) questo(es) do usurio. Segundo

    Martucci (2000, p. 108), o SRI um processo clnico de informao, em que realizado o

    diagnstico e o tratamento da dificuldade (necessidade informacional) do usurio. Esse

    tratamento pode ser realizado atravs do atendimento de referncia.

    Segundo Houaiss (2001, p. 332), o verbo atenderprovm do latim attendo, attendre,

    que significa: puxar com fora, esticar, apontar, dirigir.Atendersignifica dar ateno a, ouvir,responder, estar disponvel para, receber, dar soluo a.

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    c) Responder. A comunicao vital no atendimento de referncia. Responder nosignifica apenas fornecer a resposta da questo, mas tambm comunicar-se, atravs de

    feedbackconstante, interar-se e interagir com o usurio.

    d) Estar disponvel para. Disponibilidade uma caracterstica fundamental para osprofissionais que lidam diretamente com o pblico. Estar disponvel significa no

    apenas estar acessvel aos usurios, mas tambm estar receptivo a eles e s novidades e

    inovaes do mundo. Estar receptivo e ativo, sendo mediador de buscas/ pesquisas e

    tambm um usurio/ pesquisador.

    Para Martins & Ribeiro (1979, p. 185), o encontro de usurio e bibliotecrio pode sercaracterizado, quase sempre, como um dos cinco tipos de interao social ou um dos trs

    tipos de interao mental. So elas: a) Interao social: Acomodao, Cooperao,

    Competio, Conflito e Assimilao; b)Interao mental: Sugesto, Simpatia e Imitao.

    O atendimento de referncia (AR), assim como o SRI, possui dificuldades

    terminolgicas, sendo frequentemente denominado como servio de referncia ou

    atendimento ao pblico. O AR diferencia-se desses servios, pois: a) o atendimento de

    referncia uma das atividades do SRI; b) o atendimento ao pblico um servio que

    engloba outros servios, como o atendimento no balco de circulao, emprstimo,

    devoluo, cadastro de usurios e outros que no so a busca ou pesquisa em fontes de

    informao voltadas para atender a necessidade informacional do usurio. O atendimento de

    referncia no sinnimo de entrevista de referncia: a entrevista idealmente preliminar ao

    AR, mas na prtica, o atendimento se inicia a partir da entrevista estruturada ou no e esta,

    na maioria das vezes, continua sendo realizada durante o atendimento. A entrevista tem incio

    com a solicitao do usurio, e havendo a necessidade de esclarecimentos, o bibliotecrio

    continua fazendo outras perguntas para encontrar a fonte de informao ou a prpria

    informao desejada.

    Segundo Oberhofer (1983, p. 11), as etapas do processo de referncia no so

    claramente independentes. Podemos enumer-las da seguinte forma:

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    Grogan (1995, p. 51-54) Figueiredo (1992, p. 45)

    1) O problema -2) A necessidade de informao -

    3) A questo inicial Seleo da mensagem4) A questo negociada Negociao5) A estratgia de busca Desenvolvimento da estratgia

    de busca6) O processo de busca Busca7) A resposta Seleo da resposta8) A soluo Renegociao9) Utilizao da informao/ resposta pelo

    usurio-

    Quadro 1: Comparao das etapas do processo de referncia.

    O atendimento de referncia compreende as etapas 3 a 8 enumeradas por Grogan e

    suas similares enumeradas por Figueiredo. A etapa 9, segundo Grogan, nem sempre pode ser

    considerada como parte do processo, pois difcil realizar controle do uso da informao.

    O atendimento de referncia, como um discurso da biblioteca, que dentre outros

    objetivos visa o desenvolvimento da autonomia do usurio, tem na maiutica uma

    possibilidade de mtodo. Segundo Duarte (1986, p. 113), maiutica (do grego maieuter,parteiro) o mtodo pelo qual Scrates partejava os espritos, ou seja, fazendo-os descobrir

    a verdade que trazem em si. Partindo-se da etimologia de atender (puxar com fora) e

    considerando o bibliotecrio como mediador entre informao e usurio, durante o

    atendimento de referncia o bibliotecrio, fazendo uso da maiutica, puxa com fora a

    questo do usurio e ambos puxam com fora as informaes das fontes disponveis, o que

    envolve dilogo e cooperao. O bibliotecrio no preenche a lacuna informacional do

    usurio, mas ambos percorrem o caminho para que essa necessidade informacional (NI) esteja(temporariamente) sanada e seja desenvolvida a competncia informacional e a autonomia do

    usurio, sendo ele e o bibliotecrio, construtores de significados.

    Assim como para Freire (1986, p. 17) a educao deve ser desinibidora e no

    restritiva, dando oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos, o atendimento

    de referncia na biblioteca pblica, a partir de uma perspectiva de alteridade, trabalha

    pedagogicamente, respeitando a diversidade do pblico, intentando desde a resoluo de um

    conflito (necessidade informacional) at contribuir no processo educacional do usurio.

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    Observa-se a urgncia de uma anlise mais profunda, filosfica, etimolgica e talvez

    at mesmo transdisciplinar, acerca das atividades biblioteconmicas, a fim de desmistificar

    entendimentos superficiais sobre suas realidades. Dentre essas atividades, destaca-se o

    atendimento de referncia, comumente desvalorizado, entre outros fatores, pela existncia de

    uma conscincia bancria. Freire (1986, p. 20) descreve conscincia bancria como o

    modelo em que o educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depsito

    do educador. A conscincia bancria entende o atendimento de referncia como um

    processo em que o bibliotecrio dirige o fluxo de informao para o usurio, que aceita

    passivamente as instrues repassadas por um servio de respostas.

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    4 A BIBLIOTECA PBLICA

    Educao que no transforma, no . E a biblioteca?

    (MILANESI, 1986, p. 09).

    A imagem da biblioteca est em transio: de substantivo coletivo de livro ou depsito

    de livros para unidade de informao criativa e dinmica, real e/ ou virtual, um centro de

    cultura. Apersistncia dos problemas e dificuldades da biblioteca pblica (BP) convive com a

    realizao de aes culturais e a criao de bibliotecas, a exemplo da primeira biblioteca em

    terminal de nibus no Brasil, no Terminal Integrado Pelpidas Silveira, em Paulista e da Rede

    de Bibliotecas Comunitrias da Regio Metropolitana do Recife, alm da aprovao da Lei

    12.244, de 24/05/2010, que torna obrigatria a biblioteca em quaisquer instituies de ensino.

    4.1 Misso e papel social

    De acordo com o Manifesto da IFLA/ UNESCO sobre bibliotecas pblicas, as missesda BP so: informar, alfabetizar, educar (educao no formal) e proporcionar acesso

    cultura, estimulando sua produo. Pode-se adicionar s misses listadas pela UNESCO, a de

    proporcionar lazer. A compreenso crtica da alfabetizao, que envolve a compreenso

    igualmente crtica da leitura, demanda a compreenso crtica da biblioteca (FREIRE, 1988, p.

    15): a biblioteca pblica deve estar-sendo-com a sociedade de maneira democrtica,

    propiciando o acesso a todos, buscando uma gesto com participao popular, evitando o

    gigantismo do servio pblico e as mazelas do funcionalismo centralizador. (MILANESI,1986, p. 197). Apesar do acesso pblico ser parte da histria e a essncia da BP, ainda no h

    uma estrutura realmente democrtica na biblioteca.

    A BP como agente, como instituio sujeito na comunidade (localidade) e na

    sociedade, democrtica, informante, educadora, espao de lazer e desempenha seu papel

    social de apoio formao do indivduo como sujeito:

    no um rgo apenas para dar respostas a perguntas prvias ou pararesponder a determinadas demandas de outras instituies, mas um agenteativo, provocador, que busca instigar, desmanchar a ordem que outrasforas sociais estabeleceram. (MILANESI, 1986, p. 232).

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    A biblioteca pblica, como agente, convive com uma imagem de repartio pblica

    (no sentido pejorativo), de instituio neutra (apoltica e aptica), burocrtica e

    (pejorativamente) anacrnica. Para Milanesi (1986, p. 189), a inocncia da biblioteca est

    morta. Paulo Freire afirma que o posicionamento poltico neutro no existe, sendo na

    verdade, uma estratgia astuta de manuteno da ordem social vigente.

    O papel social da BP, em primeira instncia, o de atender comunidade a que

    pertence. Segundo Milanesi (1986, p. 233), a biblioteca pblica tem mensurada sua

    utilidade quando se relaciona dialeticamente com o pblico. O Manifesto da IFLA/ UNESCO

    sobre bibliotecas pblicas afirma que a BP deve garantir acesso aos cidados a todo tipo de

    informao comunitria. Nesse contexto, informao comunitria e informao utilitria

    so sinnimos. E para oferecer informao de acordo com a demanda (efetiva e em potencial) necessrio conhecer a comunidade, o bairro, a cidade em que se insere a biblioteca. Suaiden

    prope como prioridade a coleta e a disseminao, na BP, de informao utilitria, pois

    para as populaes carentes, a informao oral at mais importante que ainformao bibliogrfica. medida que a biblioteca pblica decidaimplantar um servio de informao utilitria, dar um grande passo,contribuindo para a formao da cidadania, e poder se tornar um realcentro disseminador da informao. (SUAIDEN, 2000, p. 58).

    A BP deve transformar, ir alm da forma, sendo um espao de contradies, em que o

    bibliotecrio deve ser o instigador do conflito (MILANESI, op. cit., p. 251), entendendo-se

    conflito como curiosidade, como estado temporrio de lacunas no conhecimento, como

    caminho para o questionamento.

    4.2 Problemas e dificuldades

    4.2.1 Biblioteca pblica e poder: excluso informacional

    A BP vem sendo repensada como catalisadora de conflitos, como instrumento de

    desobedincia ordem vigente. Ordem vigente em que percebido o discurso do silncio em

    relao biblioteca pblica. A BP em seu potencial transformador cerceada pelas

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    dificuldades financeiras e polticas, que tornam mais rduo colocar em prtica suas misses,

    funes e papel social. a histria dos vencedores que as bibliotecas preservaram e

    preservam, por isso, continua sendo vista como dissociada dos interesses da maioria da

    sociedade; como um equipamento cultural que contribui para a perpetuao de uma estrutura

    em que o saber ferramenta para ampliao das desigualdades [...]. (ALMEIDA JNIOR,

    2004b, p. 72).

    De acordo com o 1 Censo Nacional das Bibliotecas Pblicas Municipais, do

    Ministrio da Cultura (MinC), que mapeou todos os 5.565 municpios do pas, de setembro de

    2009 a janeiro de 2010, 79% deles possuem pelo menos uma biblioteca funcionando.

    O Censo Nacional [das Bibliotecas Pblicas Municipais] tem por objetivosubsidiar o aperfeioamento de polticas pblicas em todas as esferas degoverno federal, estadual e municipal voltadas melhoria e valorizaodas bibliotecas pblicas brasileiras. Segundo o levantamento, em 420municpios as BPMs foram extintas, fechadas ou nunca existiram. O MinC -por meio da Fundao Biblioteca Nacional, com recursos do Programa MaisCultura - em parceira com as prefeituras municipais, promover aimplantao ou reinstalao dessas bibliotecas [...]. (BRASIL, 2010a).

    A criao das bibliotecas pblicas pode ser percebida numa perspectiva de controle da

    ordem social. O emprego exclusivo do material impresso, da escrita como veiculador da

    cultura e do conhecimento expulsa a maioria da populao do espao biblioteca (ALMEIDA

    JNIOR, op. cit., p. 74). Essa expulso continua atualmente, pois grande parte das

    bibliotecas no dispe de estrutura para atender a maioria da populao, percebendo-se assim,

    o discurso do silncio, em que evidente a marginalizao de toda uma camada social, como

    denomina Le Coadic, os infopobres.

    A ordem social e a ordem econmica so inseparveis, e a biblioteca , certamente,

    um instrumento, atravs de seu silncio, da continuidade de grande parte da excluso

    informacional.

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    4.2.2 A BP como biblioteca escolar

    Assim como a biblioteca pblica, a estrutura da biblioteca escolar (BE) precria

    quando h biblioteca escolar na instituio de ensino. Segundo o Ministrio da Educao

    (BRASIL, 2010b), 68% das escolas pblicas do pas no dispem de biblioteca. unnime a

    opinio: biblioteca pblica a biblioteca escolar que no existe (MILANESI, 1986, p. 11). A

    partir da utilizao predominante da BP como biblioteca escolar, esta ltima acaba por

    transferir sua funo precpua, de atender os estudantes, para a biblioteca pblica. A BP

    tambm tem como funo atender a esse tipo de usurio, mas no como substituta da

    biblioteca escolar. Tal substituio sintoma da defasagem da BE.No Brasil, as bibliotecas pblicas so criadas atravs de leis estaduais ou municipais

    e possuem vnculo direto com um rgo governamental, estado, municpio ou federao, os

    quais respondem por sua manuteno por meio de recursos humanos, financeiros e materiais.

    (MACHADO, 2009, p. 85). A BP no tem obrigatoriedade de implantao atravs da

    legislao, mas a situao est sendo diferente para a BE: foi aprovada a Lei n 12.244/2010,

    sobre a universalizao das bibliotecas nas instituies de ensino do pas, em que

    Os sistemas de ensino do Pas devero desenvolver esforos progressivospara que a universalizao das bibliotecas escolares, nos termos previstosnesta Lei, seja efetivada num prazo mximo de dez anos, respeitada aprofisso de Bibliotecrio [...]. (BRASIL, 2010c).

    Com a aprovao da Lei 12.244/2010, estabelecendo o prazo mximo de dez anos para

    todas as instituies de ensino implantarem suas bibliotecas e a realizao do 1 Censo

    Nacional das Bibliotecas Pblicas Municipais, pode-se visualizar uma melhora na condio

    da BP e da BE, mas a mdio e longo prazo. A criao/ implantao de bibliotecas pblicas e

    escolares uma necessidade urgente e se faz sentir mesmo na era da informtica,

    principalmente na realidade dos pases ainda no desenvolvidos. Para Milanesi (1997, p. 24-

    25) a biblioteca uma instituio tradicional, e principalmente a biblioteca pblica

    pouco valorizada, mas ao mesmo tempo encarada como necessidade, principalmente para as

    crianas e os estudantes.

    A biblioteca escolar inicia uma trajetria de (re)definio de suas funes, misses epapel social, a partir da ocupao ostensiva do espao social que lhe cabe enquanto servidora

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    da sociedade. Numa perspectiva otimista, a biblioteca escolar e a pblica caminham no em

    sentidos divergentes, mas de integrao para novas prticas e aes transformadoras em suas

    comunidades.

    4.3 O servio de referncia e informao nas bibliotecas pblicas

    Quando a biblioteca pblica (brasileira) dispe de servio de referncia estruturado,

    geralmente no dispe de bibliotecrio de referncia, e sim, quem atua no SRI so

    bibliotecrios que revezam diversas atividades na biblioteca. O atendimento de referncia comumente prestado por funcionrios da biblioteca que no tm formao na rea de

    Biblioteconomia, ou so professores realocados, como afirma Milanesi. O SRI, pensado

    como servio de respostas, resume-se a um simplrio apontar s estantes, ao fichrio ou ao

    terminal, mas isto no servio de referncia. (FIGUEIREDO, 1996, p. 36, grifo do

    autor).

    Como instituio pblica, que deve trabalhar integrada comunidade que pertence, a

    BP tem a funo de atender as NIs da comunidade que faz parte. Assim, deve oferecer, comoparte do servio de referncia, um servio que visa a resoluo de questes cotidianas, que

    pode ser denominado de Informao utilitria; Informao comunitria; Informao para o

    cotidiano; Informao social; [e] Informao para a cidadania. (ALMEIDA JNIOR, 2004a,

    p. 73). As vrias denominaes para informao utilitria, que a expresso mais corrente,

    tm significaes e conotaes diferentes, pois inferem ideologias e filosofias diferentes. A

    expresso redundante, na medida em que toda e qualquer informao til e tem uma

    finalidade (Id., 2004a, p. 74-75), de acordo com a 2 e 3 Leis da Biblioteconomia, a cadaleitor, seu livro e a cada livro, seu leitor: a cada usurio sua informao e a cada informao

    seu usurio.

    Entendendo comunidade como a populao do entorno da biblioteca, um pblico

    efetivo e em potencial, bastante diverso, a informao utilitria oferecida pelo SRI tem um

    aspecto de incluso, pois os suportes informacionais no esto restritos aos formatos impresso

    ou de texto.

    Como instituio pblica com a misso de informar, alfabetizar, educar, proporcionar

    lazer e acesso cultura, a BP deve prestar o SRI contextualizado comunidade, o que apenas

    possvel com a participao da comunidade no desenvolvimento e avaliao desse servio.

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    Num contexto de distanciamento entre biblioteca e sociedade (comunidade), uma das

    alternativas para torn-las prximas e integradas a biblioteca inteirar-se da comunidade, sem

    a passiva espera de que a comunidade solicite por ela. Em outras palavras, sendo pr-ativa:

    atendendo a demanda e gerando outras demandas pelos seus servios.

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    5 O PAPEL DE EDUCADOR DO BIBLIOTECRIO NO ATENDIMENTO DE

    REFERNCIA

    Os bibliotecrios devem reinventar a si mesmos ese envolverem ativamente na comunidade, comoeducadores e cidados. (DUDZIAK, 2001, p. 107).

    A formao acadmica do bibliotecrio, na medida em que no inclui uma perspectiva

    de sua atuao como educador e a desvalorizao do atendimento de referncia, propiciam um

    cenrio de acritizao do AR e uma prtica profissional sem perspectiva de atuao como

    agente de mudana. A partir de uma (auto)imagem de educador, o profissional desperta para aprxis, voltando-se cidadania, s necessidades informacionais da comunidade em que a

    biblioteca se insere e mobilizao profissional.

    5.1 A educao do bibliotecrio: o bibliotecrio para a educao

    O paradigma tecnicista na Biblioteconomia, aplicado na formao (educao) do

    bibliotecrio, restringiu sua autoimagem e contribuiu para que a imagem do profissional (na

    sociedade brasileira) seja limitada, principalmente em relao sua atuao como educador.

    O modelo da nfase na tcnica descriticiza o fazer bibliotecrio, tornando-o, em relao s

    atividades tcnicas, um fazer meramente tcnico, e em relao s atividades mais

    humansticas, um fazer que se acredita messinico. A filosofia mercadologicista no permite

    uma viso crtica sobre o fazer bibliotecrio, restringindo tambm a possibilidade de uma

    filosofia (humanista) da Biblioteconomia.

    5.1.1 A educao do bibliotecrio: uma (de)formao?

    A literatura de Biblioteconomia aborda frequentemente a questo da formao

    acadmica dos profissionais da rea. Essa formao, em outras palavras, educao, tem sido

    pautada no modelo tecnicista e mercadolgico, em que as tcnicas so estudadas sem

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    criticidade, histria ou contexto, visando apenas ao mercado de trabalho. A base curricular,

    segundo Dudziak (2001, p. 134), voltada para as competncias em: catalogao,

    classificao, indexao, bibliografia, aquisio, administrao e organizao de bibliotecas e

    colees, histria das bibliotecas, servios de referncia.

    O profissional bibliotecrio est numa rea de atuao em que a prtica profissional

    essencialmente humanista (SOUZA, F., 1997, p. 03), mas que no encontra suporte necessrio

    na sua formao acadmica. Para uma prxis (profissional) humanista, necessria uma

    formao crtica, apoiando-se na histria, na interdisciplinaridade, na pesquisa, buscando

    sanar uma ausncia de embasamento terico, scio-humanstico e tcnico-cientfico da quase

    totalidade dos [futuros] bibliotecrios do pas. (SOUZA, F., 1993, p. 14). A pesquisa ferramenta para a formao do estudante e uma das principais atividades do profissional em

    Biblioteconomia, mas,

    De forma geral, os contedos dos cursos de graduao partem dopressuposto de que a teoria referncia para a prtica [...]. Desse modo,espera-se que o aluno, quando colocado frente aos problemas da prtica, jno final do curso, chegue pesquisa. No entanto, nessa lgica deorganizao curricular o aluno no consegue fazer a leitura da prtica como

    ponto de partida para a construo da dvida epistemolgica [...].(RODRIGUES, 2004, p. 153).

    A educao, no sendo neutra, pode ser utilizada como ferramenta de manipulao,

    atravs do discurso, que o mvel inicial, revelador das deformaes, estimulador das

    correes, especulador das alternativas. (SOUZA, F., 1993, p. 17, grifo nosso). A formao

    humanstica prope ao estudante de Biblioteconomia aumentar as possibilidades de viso de

    mundo, estimulando a mobilizao, as atitudes e aes polticas. A falta desse tipo deestmulo visvel, aps o processo de graduao, na desmobilizao do profissional, na pouca

    participao dos profissionais em associaes, sindicatos e conselhos de classe. Uma proposta

    que possivelmente estimularia no estudante de Biblioteconomia uma maior mobilizao (seja

    em relao classe, seja em relao sociedade de modo geral), sugerida por Menou e

    Mchombu (2004, p. 146): alm de aprender tais contedos [tcnicos na universidade], os

    futuros profissionais da informao deveriam tambm ser expostos s realidades das

    comunidades desfavorecidas, realizando estgios em unidades de informao ou emorganizaes de base que as servem [...]. Outra proposta para uma formao mais

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    humanstica em Biblioteconomia aponta que parece prudente que se deva dar ao estudante de

    Biblioteconomia os elementos tericos que lhe permitam conhecer em que consistem os

    fenmenos sociedade civil epovo. (SOUZA, F., 1995, p. 19, grifo nosso).

    A formao para profissional bibliotecrio deveria ser pautada numa prxis

    transformadora e crtica (RODRIGUES, 2004, p. 158), em que

    O elemento fundamental para propiciar essa mudana de enfoque [daformao descriticizada formao crtica] o professor, pois, pela suacondio de dar direo prtica pedaggica que desenvolve, mesmoreconhecendo-se nela condicionantes histricos, sociais e culturais, constitui-se no agente principal para alterar o rumo da formao profissional [...].(Ibid., p. 158).

    Para realizar uma prxis educadora, o bibliotecrio deve reavaliar sua prpria

    formao (educao) e sua prtica profissional. A prtica bibliotecria ainda se baseia em

    atavismos e conceitos ultrapassados, no se constituindo como prxis.

    Com toda a arbitrariedade de uma generalizao [...], impressionante quemuitas pessoas que entram na carreira de profissionais de informao [...]

    so desejosos de servir o pblico e ter um papel socialmente til, mas, poroutro lado, so bastante tmidos e mais seguidores do que lderes. Aeducao inicial est indiretamente procurando fortalecer-lhes aautoconfiana atravs do enfoque na excelncia tcnica. (MENOU eMCHOMBU, 2004, p. 144).

    O enfoque na excelncia tcnica mencionado por Menou e Mchombu pode ser

    considerado como uma postura oposta a exercer um papel socialmente til, o qual implica

    em lidar com incertezas, com fatores humanos ricamente variados, em que a liderana, a

    persistncia e a pr-atividade so vitais.

    5.1.2 O bibliotecrio atrs do balco e o bibliotecrio para a educao

    Lentamente o paradigma tecnicista vai deixando para trs as perspectivas que

    proporcionava ao bibliotecrio: a emergncia da tecnologia traz consigo o repensar sobre os

    espaos de atuao profissional. Os antigos hbitos da Biblioteconomia no cabem mais no

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    mundo globalizado, em que grande nmero dos usurios da informao (on-line)

    autossuficiente em suas buscas e pesquisas. O papel social do bibliotecrio est ultrapassando

    cada vez mais de organizador para mediador e educador. As atitudes messinicas e a

    linguagem de doutrinao social e profissional (SOUZA, F., 1993, p. 14) no tm mais

    espao no mundo contemporneo, frente necessidade crescente de realizar trabalho

    cooperativo nas e entre as bibliotecas pblicas. Os antigos hbitos e valores da

    Biblioteconomia podem ser materializados atravs da imagem do catlogo da biblioteca,

    smbolo da dificuldade de acesso informao:

    [...] o catlogo [automatizado ou no] de qualquer biblioteca que se

    considera organizada, a critrio de seu bibliotecrio, ser ainda por muitosanos o modelo pronto e acabado do poder bibliotecrio [...], na medida emque o catlogo produzido a partir de uma lgica fechada de uma categoriaprofissional. (SOUZA, F., 1993, p. 13).

    Na estreita lgica fechada de uma categoria profissional no so abarcados

    conceitos como alteridade e papel social. Conceitos que so peas chave a serem trabalhadas

    na transio do bibliotecrio atrs do balco para o bibliotecrio atuante, consciente da

    possibilidade de seu papel como educador. O bibliotecrio no pode se eximir de sua dvida

    social em relao ao quadro da educao no Brasil. O compromisso profissional uma

    dvida que assumimos ao fazer-nos profissionais. (FREIRE, 1986, p. 10). Um dos fatores

    externos (no subjetivos) que influencia a autoimagem do bibliotecrio no abranger a faceta

    de educador a formao profissional mais voltada tcnica e tecnologia. O compromisso

    profissional, para ser assumido, requer a autopercepo como agente de mudana, como

    sujeito inserido numa sociedade de excluso.

    O compromisso seria uma palavra oca, uma abstrao, se no envolvesse adeciso lcida e profunda de quem o assume. Se no se desse no plano doconcreto. [...] preciso que [aquele que deseja cumprir um compromisso]seja capaz de, estando no mundo, saber-se nele. (FREIRE, 1986, p. 07).

    A partir de uma conscincia crtica, o bibliotecrio repensa sua prxis, a qual lida com

    dois bens vitais para o vivenciar a cidadania: a informao e o conhecimento. O bibliotecrio,

    sendo cidado e educador, no compactua com uma postura astutamente neutra, mas estsempre atuando para e com a coletividade. Para compreender a informao como

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    possibilidade coletiva, o bibliotecrio, sendo tambm um leitor, deve submeter sua prtica

    a uma anlise crtica e rigorosa, permitindo, assim, o deslocamento do senso comum

    conscincia filosfica. (AQUINO, 1997, p. 57).

    O entendimento de que o trabalho do bibliotecrio neutro, no cabendo aele intervir na poltica de informao nacional, por exemplo, ou menos aindanas questes sociais que dependem inteiramente de bons servios deinformao, favorece a que se tenha uma viso fragmentada da realidadesocial e de sua relao com a sua atividade profissional. (CYSNE, 1993, p.44).

    A imagem do bibliotecrio atrs do balco emblemtica: remete aos atavismos, aos

    antigos hbitos da Biblioteconomia, a uma cincia baseada num fazer apenas tcnico. A

    ruptura desses atavismos, da inrcia e de tantos conceitos e prticas que no atendem mais

    demanda dos usurios e provavelmente nunca atenderam, serviram apenas para o deleite do

    bibliotecrio um processo de transio lento. No acontecendo per si, mas atravs dos

    profissionais que atuam politicamente em funo do progresso da Biblioteconomia e da

    sociedade, atravs de uma produo cientfica crtica, de professores lecionando a partir de

    uma viso mais crtico-humanstica, de aes e projetos sociais com a comunidade, da

    participao do bibliotecrio nas entidades de classe.

    5.2 O bibliotecrio como educador no atendimento de referncia na biblioteca pblica

    A percepo do bibliotecrio como profissional voltado apenas para uma atuao

    tcnica se estende a uma desvalorizao do atendimento de referncia (AR), atravs de umapercepo reducionista e astutamente ingnua, em que o AR percebido como sendo apenas

    o repassar de uma fonte de informao ao usurio que dela extrai as informaes que lhe

    interessam. Nessa atuao acrtica e astutamente ingnua do bibliotecrio, concretiza-se sua

    postura diante do mundo e suas perspectivas em relao biblioteca.

    O AR, sendo um caminho que o bibliotecrio percorre com o usurio para sanar uma

    necessidade informacional, pode ser entendido como um ato educativo. Paulo Freire

    menciona constantemente em sua obra que a educao no um ato neutro: a partir dessaperspectiva crtica, o atendimento de referncia, sendo uma atividade educativa, pode ser

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    entendido como uma ao que parte de uma postura poltica, isto , guiado por um discurso.

    Pela sua natureza interativa, o AR rico em aspectos psicolgicos, fazendo-se necessria a

    perspectiva crtica sobre seu contexto (Zeitgeist) e sua profunda dimenso tica,

    principalmente quando realizado na biblioteca pblica, em que tica e alteridade se fazem

    fortemente presentes na medida em que a BP visa diminuir desigualdades e aumentar a

    incluso social.

    Entendendo educadora partir de sua etimologia, como aquele que cultiva, que nutre,

    sendo um participante do processo de formao educacional do sujeito, o bibliotecrio um

    educador enquanto caminha com o usurio no seu processo educacional. O atendimento de

    referncia pode ser uma parte da trajetria que o usurio percorre na construo do

    conhecimento ou satisfao de sua necessidade informacional.O bibliotecrio tem sua funo de educador mais visvel em algumas das atividades do

    servio de referncia e informao, dentre elas, o atendimento de referncia: no dilogo com o

    usurio, nas tcnicas que o bibliotecrio utiliza para encontrar as fontes de informao

    pertinentes, nos critrios de seleo dessas fontes. Qualquer que seja a opo de atuao

    profissional, no ser bibliotecrio para entoar loas ao Livro, engrossando a detestvel

    literatura biblioflica (FONSECA, 1966, grifo nosso), e sim, perceber que principalmente na

    atualidade, de modo geral, o ser humano parece [estar] num perptuo estado de dvidaquanto sua prpria natureza e do universo em que vive. (BERGER, 1973, p. 60).

    A existncia da profisso de bibliotecrio s possvel porque existe uma demanda de

    usurios. Reconhecendo esse princpio, aparentemente bvio, direciona-se melhor teoria e

    prtica profissional. Para atender a essa demanda, necessrio ao bibliotecrio (re)conhecer o

    usurio, atravs da convivncia, de estudos do usurio e sendo tambm consumidor da

    informao ou seja, usurio: o bibliotecrio [] que deve se colocar ao lado do pblico, ser

    pblico tambm e no esperar que o pblico seja bibliotecrio. (MILANESI, 1986, p.125).Na convivncia com o pblico, aplica-se a tica profissional a partir da alteridade, que

    no atendimento de referncia, envolve qualidades nem sempre possveis de mensurar, como

    sensibilidade s necessidades do usurio e empatia. Essas qualidades so desafios,

    principalmente num mundo contemporneo [...] de transformaes, em que h uma forte

    deteriorao das relaes humanas, em que o resgate de certos valores meio

    adormecidos, no af do desenvolvimento puramente tecnolgico e econmico, precisa ser

    considerado. (SILVA, H. et al, 2005, p. 29). So desafios principalmente para o profissional

    que vem reproduzindo velhos conceitos e atavismos, os quais no so mais pertinentes na

    realidade da sociedade da informao. Dentre os atavismos, est a inrcia gerada por uma

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    chamada neutralidade profissional. O profissional precisa compreender que o servio que

    realiza uma prtica rica de intenes, sejam elas buscadas e entendidas pelo profissional,

    sejam elas ditadas pelo sistema como uma percepo clara do bibliotecrio, mas com o seu

    inconsciente aceito. (CYSNE, 1993, p. 79).

    Sendo usurio, o bibliotecrio educador se reconhece como aprendente, como um

    educador-educando: viver na sociedade moderna significa viver no centro de um

    caleidoscpio de papeis em constante mutao. (BERGER, 1973, p. 60). Esse

    reconhecimento acontece atravs da constante renovao de perspectiva de mundo: qualquer

    processo de mudana social est ligado a novas definies da realidade. (Ibid., p. 145).

    Num cenrio em que o atendimento de referncia acriticizado e h grande

    dificuldade para o bibliotecrio pautar sua prtica em valores humanos essenciais, rduo ocaminho para a conscincia da possibilidade de atuar como educador. A educao formal e o

    AR so complementares, sendo este, uma prtica educativa na medida em que se reveste de

    criticidade e de conscincia como tal. Para o bibliotecrio exercer uma prtica educativa

    crtica, necessrio primeiramente inteirar-se do sistema poltico-social predominante, para

    ento ir de encontro, desordenar, reorganizar esse sistema poltico-social de excluso.

    Atuando em reas complementares, professores e bibliotecrios precisam ser reeducados, ou

    mais precisamente, educados em vista de uma nova perspectiva. Ser impossvel um exercciode desordem sem que conheam a ordem em que vivem. A conscincia de ordem situao

    imprescindvel para saber perturb-la. (MILANESI, 1986, p. 165).

    A (auto)imagem do bibliotecrio como educador mais percebida quando o

    profissional ambientado na biblioteca escolar ou quando mediador de leitura. Para Berger

    (1973, p. 112), [...] numa perspectiva sociolgica, a identidade atribuda socialmente,

    sustentada socialmente e transformada socialmente. So mltiplos os fatores para ocorrer

    essa transformao da imagem/ identidade do bibliotecrio, dentre eles: o bibliotecrio, a parda utilizao das TICs, ser mediador entre elas e o usurio (que ainda necessita de tal auxlio)

    e a formao, segundo Milanesi (2002, p. 26), de professores-bibliotecrios ou bibliotecrios-

    professores.

    O bibliotecrio necessita se apropriar de contedo pedaggico, se tem sua atuao

    voltada para um fazer educativo, mostrando ser no um auxiliar na educao, mas sim, um

    dos profissionais que participa ativamente do processo educacional. A imagem do profissional

    para a sociedade no vai mudar at que ele se comprometa com um fazer ativo, um fazer de

    mudanas: o profissional deve colocar-se de forma ativa diante de sua responsabilidade

    social como educador. (MORIGI, VANZ e GALDINO, 2002, p. 141).

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    A distncia (terico-prtica) entre biblioteconomia e educao um das causas para a

    maioria dos profissionais de ambas as reas no trabalharem cooperativamente e no serem

    efetivamente valorizados em nossa sociedade. A biblioteca e a escola, enquanto silenciam

    para questes scio-poltico-ambientais e outros aspectos da sociedade, assumem um discurso

    do silncio, baseado num modelo de inrcia:

    a escola que temos a da permanncia, o espao que refora atravs daprtica pedaggica as regras da sociedade de classes. Prepara o cidado paraviver sem conflito com a existncia. Por isso no estimula o conflito. Esse,exercido, seria a ameaa permanente ao que est estabelecido, a comearpela relao docente-discente. (MILANESI, 1986, p. 157-158).

    Com a escola preparando para o viver sem conflitos, atravs do discurso do professor,

    o bibliotecrio que assume o compromisso com a educao enfrenta, alm dos percalos em

    sua formao e a desvalorizao da profisso, o desafio de ser atuante num contexto em que a

    prtica reflexiva vista como suspeita. As bibliotecas como oposio, no existem

    efetivamente, como uma fora ameaadora da hegemonia do discurso do professor.

    (MILANESI, 1986, p. 158). O bibliotecrio pautado no conflito e assumindo um

    compromisso social, primeiro reconhece a si mesmo como indivduo da sociedade e areconhece como conjunto de outros indivduos particulares, verificando a [...]

    impossibilidade da dicotomia compromisso enquanto homem X compromisso enquanto

    profissional. (TARGINO, 1997, p. 30, grifo do autor). O bibliotecrio, atuando como

    profissional tecnicista, no cumpre seu papel humanista perante a sociedade, atuando em

    prol de uma inverso dolosa de valores, mais aos meios que ao fim do homem (FREIRE,

    1986, p. 10), escravo das tcnicas, enxerga apenas horizontes estreitos em que a educao

    como prtica profissional no sequer cogitada.A biblioteca pblica tem no atendimento de referncia um servio-base para a

    formao de leitores crticos, que pratiquem a pesquisa visando tambm ao cidad, a

    partir da apropriao da informao. O AR sendo constitudo pela interao entre usurio e

    bibliotecrio, sendo prtica educativa e crtica, uma prxis bibliotecria. A compreenso do

    carter crtico que deve ter a difuso e produo do conhecimento ponto fundamental para

    uma prtica bibliotecria numa perspectiva de prxis social (CYSNE, 1993, p. 79),

    entendendo-se que atuao nem sempre implica em prxis, pois esta necessariamente

    pautada na reflexo-ao-reflexo. (TARGINO, 1997, p. 29). A prxis bibliotecria

    refere-se s aes engendradas pelos profissionais de informao direcionadas ao crescimento

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    e desenvolvimento humano, haja vista que o valor da prxis reside na sua funo social.

    (Ibid., p. 26, grifo do autor).

    A prxis tem por base qualificao e compromisso social, advindo da autorreflexo e

    reflexo do mundo, a partir de uma conscincia, como denomina Paulo Freire, de estar-sendo-

    no mundo e com o mundo. O bibliotecrio um ator social quando interage com a

    comunidade cooperativamente, ou seja, se o bibliotecrio trabalha isoladamente, se no

    trabalha com, maspara, no reconhecido, um elemento estranho na comunidade:

    se urgente transformar o bibliotecrio em instrumento de democratizaoda informao, toda a nossa histria, como agentes da burguesia, impede quealcancemos, de imediato, posies de vanguarda dentro da sociedade, desdeque permanecemos, por longo tempo, resfolegados nas "delcias" dessamesma burguesia. (TARGINO, 1997, p. 32, grifo do autor).

    A partir de um discurso do silncio (viver sem conflitos) das bibliotecas e das escolas,

    o bibliotecrio se faz ausente na dimenso educativa, principalmente nas regies do pas

    menos prsperas scio-economicamente. No Nordeste do Brasil, onde os bibliotecrios

    nenhuma influncia tiveram na formao das crianas e adolescentes, quase impossvel

    esperar dos leitores adultos uma aceitao do bibliotecrio como orientador e um auxiliar no

    seu trabalho intelectual. (MARTINS & RIBEIRO, 1979, p. 101-102).Para a prtica educativa (re)construtora da cidadania, como compromisso social do

    bibliotecrio, alteridade e tica so conceitos-base, que norteiam a conscincia de que

    qualquer deciso do profissional deve ser voltada para a satisfao coletiva, a partir da

    possibilidade de seu impacto extramuros da biblioteca. Em determinadas situaes, para os

    profissionais bibliotecrios, torna-se difcil proceder com tica no exerccio profissional,

    devido aos problemas encontrados nas unidades de informao [...]. (MISCHIATI e

    VALENTIM, 2005, p. 218).Pode-se traar um paralelo entre a atuao do bibliotecrio no atendimento de

    referncia a partir da perspectiva do discurso da educao bancria abordada por Freire

    (1987, p. 33): nos limites da educao bancria, o educador em sua relao com o

    educando, apenas reproduz as informaes depositando-as, na medida do possvel, no

    educando, em que no h transformao, no h saber. S existe saber na inveno, na

    reinveno, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com

    mundo e com os outros.. (FREIRE, 1987, p. 33).

    No atendimento de referncia, a tica se faz presente a cada deciso do bibliotecrio,

    cabendo a ele a opo de qual discurso vai utilizar. O discurso messinico e o neutro so

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    antiticos, no coabitam com a prtica educativa, posto que tica advm do princpio da

    liberdade. No atendimento de referncia enquanto prtica educativa e tica, em que o

    bibliotecrio educador de um educar para a libertao (autonomia informacional,

    cidadania), havendo a cooperao entre usurio e bibliotecrio, a fala de ambos tem seus

    espaos salvaguardados, a partir do dilogo, ao contrrio de uma relao, como denom