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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 O terceiro setor e a promessa da modernidade : uma avaliação da experiência da Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis Passador, João Luiz Vendedores de balas nos semáforos, lavadores de pára-brisas, guardadores de carros, catadores de sucata ou simplesmente pedintes formam uma população cada vez maior de indivíduos, personagens cotidianos da vida urbana brasileira. Apesar de representarem uma denúncia permanente da miséria brasileira, são ainda objeto pouco estudado e uma mazela social com horizonte de solução aparentemente ainda muito distante. Torna-se necessário e urgente, portanto, entender o fenômeno segundo as razões que levam o indivíduo ao estado de mendicância, num contexto onde os discursos da classe política, das organizações patronais, dos sindicatos de trabalhadores, enfim do conjunto da nação brasileira, convergem para o consenso de que hoje o seu maior problema é a miséria e a má distribuição de renda. Tomando por objeto os mendigos da Cidade de São Paulo e, mais especificamente, a experiência da Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis Ltda. - COOPAMARE, este trabalho propõe-se a uma reflexão sobre os processos de exclusão e as possibilidades de resgate da cidadania e inserção social de indivíduos urbanos marginalizados. A pesquisa está estruturada, basicamente, em quatro grandes tópicos: 1) o espaço científico na compreensão dos processos de exclusão e conceituação da mendicância; 2) o perfil da população de rua na Cidade de São Paulo; 3) a experiência da COOPAMARE na recuperação dos direitos de cidadania de mendigos urbanos, através da formação de espaço coletivo de produção de valor econômico; e 4) uma discussão de alternativas e destinos das políticas sociais no Brasil frente ao novo modelo de organizações do Terceiro Setor. Do ponto de vista do trabalho de campo é oportuno apontar algumas dificuldades típicas quanto ao objeto, principalmente de ordem metodológica, surgidas no decorrer da pesquisa. Os mendigos, de modo geral, não possuem estrutura organizada de vida, não assumem compromissos e raramente se dispõem voluntariamente a dialogar com pessoas desconhecidas. Isto ocorre em função dos riscos constantes no confronto cotidiano com indivíduos que normalmente atuam de forma violenta e repressiva, seja ela casual ou institucionalizada. Ou seja, só para citar um exemplo comum, violência e repressão ocorrem na disputa por espaços públicos reivindicados por cidadãos que se consideram mais inseridos e que, eventualmente, ou agridem o mendigo ou acionam o Estado, para a sua remoção, feita pelas instituições governamentais de assistência ou por policiais militares. Para que as informações colhidas junto à população de rua, e mais especificamente junto aos catadores da COOPAMARE, pudessem ser minimizadas quanto à incorreções e pouca fidedignidade - havia uma tendência entre os entrevistados em apresentar discursos prontos frente à identificação que faziam do interlocutor - adotou-se uma metodologia que combinasse a orientação conceitual de "mercado lingüístico" de Pierre Bourdieux 1 e a proposta metodológica do "discurso livre" de Arakci M. 1 . Não se pode sonhar com uma situação de entrevista "pura", livre de todos os efeitos da dominação de classe. Os membros das classes mais populares ao serem entrevistados tendem, consciente ou inconscientemente, na situação da presença do entrevistador, a selecionar o que se lhes parece adequar mais à imagem que eles fazem da cultura dominante, de modo que é muito difícil conseguir com que simplesmente falem aquilo que realmente pensam. A única maneira de controlar a relação é fazê-la variar segundo a situação de "mercado" em lugar de privilegiar uma única forma, criando condições de um discurso mais autêntico possível. Para melhor compreensão ver Cap. 10 "O mercado lingüístico" in BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1.983.

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O terceiro setor e a promessa da modernidade : uma avaliação da experiência da Cooperativa dos Catadores Autônomos

de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis

Passador, João Luiz

Vendedores de balas nos semáforos, lavadores de pára-brisas, guardadores de carros, catadores de sucata ou simplesmente pedintes formam uma população cada vez maior de indivíduos, personagens cotidianos da vida urbana brasileira. Apesar de representarem uma denúncia permanente da miséria brasileira, são ainda objeto pouco estudado e uma mazela social com horizonte de solução aparentemente ainda muito distante. Torna-se necessário e urgente, portanto, entender o fenômeno segundo as razões que levam o indivíduo ao estado de mendicância, num contexto onde os discursos da classe política, das organizações patronais, dos sindicatos de trabalhadores, enfim do conjunto da nação brasileira, convergem para o consenso de que hoje o seu maior problema é a miséria e a má distribuição de renda.

Tomando por objeto os mendigos da Cidade de São Paulo e, mais especificamente, a experiência da Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis Ltda. - COOPAMARE, este trabalho propõe-se a uma reflexão sobre os processos de exclusão e as possibilidades de resgate da cidadania e inserção social de indivíduos urbanos marginalizados. A pesquisa está estruturada, basicamente, em quatro grandes tópicos: 1) o espaço científico na compreensão dos processos de exclusão e conceituação da mendicância; 2) o perfil da população de rua na Cidade de São Paulo; 3) a experiência da COOPAMARE na recuperação dos direitos de cidadania de mendigos urbanos, através da formação de espaço coletivo de produção de valor econômico; e 4) uma discussão de alternativas e destinos das políticas sociais no Brasil frente ao novo modelo de organizações do Terceiro Setor.

Do ponto de vista do trabalho de campo é oportuno apontar algumas dificuldades típicas quanto ao objeto, principalmente de ordem metodológica, surgidas no decorrer da pesquisa. Os mendigos, de modo geral, não possuem estrutura organizada de vida, não assumem compromissos e raramente se dispõem voluntariamente a dialogar com pessoas desconhecidas. Isto ocorre em função dos riscos constantes no confronto cotidiano com indivíduos que normalmente atuam de forma violenta e repressiva, seja ela casual ou institucionalizada. Ou seja, só para citar um exemplo comum, violência e repressão ocorrem na disputa por espaços públicos reivindicados por cidadãos que se consideram mais inseridos e que, eventualmente, ou agridem o mendigo ou acionam o Estado, para a sua remoção, feita pelas instituições governamentais de assistência ou por policiais militares.

Para que as informações colhidas junto à população de rua, e mais especificamente junto aos catadores da COOPAMARE, pudessem ser minimizadas quanto à incorreções e pouca fidedignidade - havia uma tendência entre os entrevistados em apresentar discursos prontos frente à identificação que faziam do interlocutor - adotou-se uma metodologia que combinasse a orientação conceitual de "mercado lingüístico" de Pierre Bourdieux1 e a proposta metodológica do "discurso livre" de Arakci M.

1. Não se pode sonhar com uma situação de entrevista "pura", livre de todos os efeitos da dominação de classe. Os membros das classes mais populares ao serem entrevistados tendem, consciente ou inconscientemente, na situação da presença do entrevistador, a selecionar o que se lhes parece adequar mais à imagem que eles fazem da cultura dominante, de modo que é muito difícil conseguir com que simplesmente falem aquilo que realmente pensam. A única maneira de controlar a relação é fazê-la variar segundo a situação de "mercado" em lugar de privilegiar uma única forma, criando condições de um discurso mais autêntico possível. Para melhor compreensão ver Cap. 10 "O mercado lingüístico" in BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1.983.

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Rodrigues2. Assim, contatos mais freqüentes com poucos indivíduos, já melhor estruturados, como os

integrantes mais antigos da COOPAMARE, e a realização de entrevistas prévias junto às irmãs da Organização de Auxílio Fraterno - OAF, foram capazes de minimizar as expectativas e ansiedades de ambos os lados, e criar atitudes mais receptivas quanto à possibilidade de se conversar sobre o histórico da cooperativa, seu sistema de operação e o papel de cada um nesse processo.

PROCESSOS DE EXCLUSÃO DO MENDIGO

O exame do fenômeno da mendicância revela, na literatura pertinente, que as concepções sobre tais indivíduos se formaram através de uma série de categorias que compõe um espaço de ordem essencialmente ética. É neste espaço que surgem, ao mesmo tempo, a ideologia, como formação do que é legítimo ou não-legítimo (simbólica e ideologicamente), e a conceituação variada do mendigo no campo econômico, jurídico, político e sócio-cultural. Estes conceitos remetem às formas de estigmatização como reflexo da ideologia institucionalizada, e que coincidem, sobremaneira, com a consciência comum como veremos a seguir.

POBREZA E ESTRATIFICAÇÃO

A pobreza pode ser entendida como um conceito relativo, isto é, ela só existe em contraposição à riqueza. Não é apenas pela quantidade bruta de bens produzidos ou de energias consumidas por uma população que podemos caracterizar uma sociedade como pobre ou rica. Só existe a pobreza em relação à riqueza. isto é, só existe carência de alimentos, moradia, saúde, quando parte da população tem pouco ou nenhum acesso aos bens que a sociedade efetivamente produz (COSTA, 1992, p. 214).

Não pode ainda ser tratada como uma classificação comparativa entre sociedades diferentes, tendo por referência padrões de consumo das modernas sociedades industriais do primeiro mundo. Existem países que, apesar de contarem com recursos limitados, adotam formas mais igualitárias de distribuição dos bens sociais e não podem ser consideradas pobres, ou melhor, não apresentam pobreza relativa endógena.

O caso brasileiro, por exemplo, se caracteriza por um brutal contraste entre seus indicadores econômicos, que o situam próximo à décima colocação dentre as economias ocidentais, em volume agregado de geração de riqueza, e seus indicadores sociais se comparam aos piores índices de pobreza afro-asiáticos (JAGUARIBE, 1.986, p. 21). Portanto, é estigmatizante a defesa de que sempre existiu pobreza no mundo em função do mau aproveitamento de recursos naturais e humanos, ou uso de tecnologias impróprias por parte de sociedades atrasadas, ou que em países, como o Brasil, onde se encontram bolsões de pobreza absoluta, o fenômeno ocorre em função do baixo padrão de desenvolvimento econômico em relação às outras nações. A pobreza é um fenômeno de iniquidade distributiva.

Este fato nos remete a um dos grandes paradoxos das atuais sociedades democráticas. Tendo como fundamento o valor de igualdade, que se tenta praticar sob a égide do Estado de Direito (direitos iguais para todos), no caso econômico e social apresenta-se como uma preocupação de redução de desigualdades. Para além da vontade de reduzir de fato a desigualdade, estão sendo reconhecidas, e até mesmo reproduzidas, as diferenças (DRAIBE & HENRIQUE, 1988).

As escalas de estratificação passam também - além do critério econômico - por um complexo sistema de diferenciação de classes sociais. Os sistemas de classe se baseiam em dimensões políticas e sociais que se traduzem pela autoridade e poder político e militar, pela posse e controle da propriedade,

2. Técnica utilizada para diminuir a ansiedade do entrevistado diante da "erudição" do entrevistador e do empreendimento (pesquisa acadêmica). A descrição detalhada do método encontra-se em RODRIGUES, Arakci Martins. Operário, operária: Estudo exploratório sobre operariado industrial da Grande São Paulo. São Paulo: Símbolo, 1.978.

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pelas relações de parentesco, pelo status étnico, pela religião, enfim, por um conjunto de características que se combinam segundo o que uma determinada sociedade julga mais ou menos importante para a posição relativa do indivíduo no gradiente social (BERELSON & STEINER, 1.971).

Ainda que o interior da ordem social seja o lugar genuíno de exclusão por "grupos de status" e na ordem política seja a organização partidária o signo de exclusão, via usos do poder (WEBER, 1976, pp. 61 a 83), nos atuais sistemas sociais há uma tendência da ordem econômica ser imperativa na determinação de classes. Surge como principal fonte das outras formas de diferenciação e, por conseguinte, torna-se a gênese de todo o processo de estratificação e marginalização social.

Se as bases de aquisição e distribuição de bens são instáveis e escassas para o grupo, a situação de classe, que tem significação predominante nos aspectos econômicos, gera uma situação de marginalização ampla ou multimarginalidade Assim, a situação de exclusão social não é aleatória. Quando indivíduos ou grupos são excluídos de um benefício social tendem também a ser de outros, ou seja, o processo de marginalização tende a ser cumulativo. Ocorre quando o não acesso a recursos de uma esfera da sociedade leva também ao não acesso a muitos outros: as exclusões sociais adicionam-se. (KOWARICK, 1975, p. 31).

No limite estão os substratos mais baixos da classe mais baixa. Dentro destas camadas da população enjeitadas (que conscientemente ou não da sua condição de excluídos, sub participantes ou não participantes do uso de benefícios básicos da sociais), existem, ainda assim, práticas de diferenciação entre seus membros.

O favelado e o encortiçado, discriminam os mendigos de rua. A moradia, ainda que precária, tem "[...]um significado social mais completo, refere-se ao local onde o indivíduo pode ser encontrado[...]", e aquele "[...]que não possui um endereço residencial, corre o risco muito provável de ser preso e/ou de não conseguir emprego." (BERLINCK, & HOGAN, p. 117)

Assim, e reafirmando, a pobreza deve ser entendida como fenômeno intra-social de origem distributiva, que gera formas múltiplas de estratificação e exclusão, produzindo camadas marginalizadas impedidas de ter acesso a quaisquer bens sociais. É um fenômeno recrudescido contemporaneamente e que gera um expressivo contingente de mendigos urbanos, principalmente nas economias periféricas, onde a produção e reprodução de desigualdades, fruto de praxes sociais históricas de diferenciação, mais profundas e consolidadas no feixe de valores éticos das economias subdesenvolvidas.

A ORDEM MORAL

As tendências de caracterização moral do mendigo, parecem ter origens e fundamentos particularmente ligados às ideologias de cunho religioso e estruturam-se, basicamente, em torno de um mesmo núcleo: a responsabilidade moral do indivíduo. Uma primeira corrente acusa e recrimina não só o mendigo ou vadio, como também aquele que o ajuda. Já os defensores, atribuem a condição de mendigo a "forças impessoais", exteriores, sociais, isentando-o de qualquer responsabilidade individual pelo infortúnio.

Na tendência acusatória destaca-se a argumentação calvinista e luterana. Para tais doutrinas, riqueza e pobreza estão ligadas ao mérito individual. "A riqueza é o produto de uma superioridade pessoal e signo da bênção divina. O pobre, ao contrário, é danado nos tempos presentes e futuro." (STOFFELS, 1977, p.32).

Nas palavras de Max Weber "[...] o mais importante é que o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida. A expressão paulina 'quem não trabalha não deve comer' é incondicionalmente válida para todos. A falta de vontade de trabalhar é um sintoma da ausência do estado de graça."(WEBER, 1967). O estado de mendicância é visto como o justo castigo a uma vida de vício e preguiça. Até mesmo o deficiente físico é visto como astuto e malicioso. Além disso,

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representam um perigo para a ordem social. Se "[...]a preguiça é a mãe de todos os vícios, os mendigos e vadios são parasitas ameaçando as

ordens social e moral, natural e divina, e constituem uma massa sempre suscetível de ser manipulada pelos grupos radicais prontos a subverter a ordem dominante". (VEXILIARD, 1956, p. 188).

Recriminado é também aquele que ajuda, na medida que é um encorajador da miséria e da mendicância. Há pobres porque a assistência existe, portanto bastaria suprimir o auxílio assistencial para resolver-se o problema da pobreza. Este argumento foi utilizado contra a validade das "Poor Laws" no século XVII e dos sistemas públicos de previdência social no século XIX, alegando que a assistência ao desempregado é uma das causas do desemprego. (MARSHAL, 1967, p.71).

A tendência de defesa do mendigo é de origem judaico-cristã, e define-o como produto da estrutura social global. Se tudo pertence a Deus e, embora a terra seja explorada por certos indivíduos, os ricos têm a obrigação de amparar os menos favorecidos: "[...]Quem dá aos pobres empresta a Deus" - Salomão. Ajudar o pobre, dar esmola, eqüivale a uma remissão dos pecados: "[...]Assim como a água apaga o fogo, a esmola apaga o pecado" - São Cipriano. (VEXILIARD, 1956, p.197).

Todavia, o princípio da caridade apresentava uma certa posição ambígua na tradição católica. Sempre houve reconhecimento do mérito da caridade quanto à mendicância "voluntária", ou seja, o caso dos mendigos que pedem para fins de mera sobrevivência. Mas ouve sempre recriminação à mendicância "profissional", com caráter simulador, utilizada para enganar outrem. Entretanto a posição preferencial ao longo da história da igreja católica foi de defesa do mendigo, realçando seu caráter não-perigoso, em oposição aos estigmas imputados de "refratário ao trabalho útil" e "criminoso”. Neste caso, havia o caráter funcional de evitar os atributos que seriam suscetíveis de serem aplicados ao burguês cristão, ocioso e enganador. A mendicância enfim, teve de ser reconhecida como prática, livre da repressão e do mecanismo ideológico da limpeza. (STOFFELS, 1977, p.33).

DIREITOS CIVIS

Trata-se basicamente dos direitos conquistados a partir do século XVIII, seguindo a ordenação histórica definida por T. H. Marshall (1967). Os direitos civis se traduzem fundamentalmente na constituição dos ordenamentos jurídicos e a organização dos tribunais, e nos direitos relativos à liberdade do trabalho, em contratos válidos.

As teorias jurídicas encaram mendicância e vadiagem como delitos que devem ser punidos. O conjunto de medidas legislativas fundamentam-se na concepção de responsabilidade do vagabundo, que eqüivale, na realidade, a um preconceito em relação ao indivíduo pobre, visto como ocioso, perigoso para a ordem social. "[...] Deturpa-se assim o vínculo entre miséria e violência, presumindo-se que a primeira conduz à segunda em vista da necessidade de sobrevivência, encarando a miséria como perigo ou ameaça à ordem, ou meio termo entre indigência e protesto, e afastando-se desta maneira da realidade que aproxima uma da outra." (STOFFELS, 1977, p.43). O atributo de periculosidade, através desta relação mendigo-delinquência, é superestimativo como determinante da personalidade criminosa.

A ausência de domicílio e a dificuldade típica de garantir a sobrevivência, formam terreno propício à delinqüência, não obstante a delinqüência dos mendigos ser circunscrita a características e significações peculiares, como se verá adiante. O delito, todavia, é normalmente de pouca gravidade, e tem um certo caráter utilitário frente às necessidades vitais do mendicante.

É submetido à sanção legal no Brasil, o indivíduo que pede esmola por ociosidade e cupidez, considerado o mendigo profissional, conforme artigo 60 da Lei de Contravenções Penais, e aquele que exerce atividades ilícitas - exceto a mendicância - e carece de domicílio certo, que é considerado vadio, conforme artigo 59 da mesma lei. O vagabundo pode, entretanto, não ser necessariamente vadio, segundo a tendência filosófica que tem o primeiro como ser que renunciou ao bem-estar material e está à procura da verdadeira essência das coisas do mundo, enquanto o vadio é imoral, irresponsável,

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ocioso, inútil e parasita. (STOFFELS, 1977, p.38). Para o sistema judicial o mendigo de rua é essencialmente perigoso, efetivo ou potencial. Há

uma tendência à estigmatização pelo fato de ser pobre, de viver num ambiente desajustado e utilizar-se de expedientes que o tornam inevitavelmente um criminoso, normalmente com elevado potencial de reincidência.

"[...]Nas cidades, as áreas faveladas sofrem grande incidência de comportamento transviado de muitas maneiras: delinqüência juvenil, prostituição, doenças mentais graves, alcoolismo e tráfico de drogas, defeitos físicos e mentais, crimes de violência. Encontramos assim uma espiral social bem conhecida em ação; em conseqüência, as áreas se tornam mais pobres e atraem cada vez mais tal comportamento. Assim é muito difícil romper essa 'espiral de pobreza e desorganização social' dentro do recinto de uma cidade." (BERELSON & STEINER,1971, p.36)

Ou ainda:

"[...]Presume-se que um homem que tenha sido condenado como arrombador, portanto, rotulado como criminoso, é provavelmente uma pessoa que arrombará outras casas; a polícia, ao prender infratores conhecidos para investigação, após um crime haver sido cometido, opera com base nessa premissa. Além disso considera-se que ele provavelmente cometeu outros tipos de crimes também, porque mostrou ser uma pessoa sem 'respeito à lei'. Assim a apreensão por um ato desviante expõe uma pessoa à probabilidade de que ela seja encarada como desviante ou indesejável em outros aspectos." (BECKER, 1977, p.80).

Apesar do ordenamento jurídico existir segundo o princípio da promoção da igualdade, tendo

como fundamento o amplo acesso de todos à prestação jurisdicional, a sofisticação dos códigos e da organização do poder judiciário - tratada por alguns autores como instrumentação intencional de manutenção dos privilégios de classe - cria um processo de exclusão de camadas marginais da população, que estimulam sistemas paralelos e tácitos de controle social, fora da esfera institucionalizada. Estima-se que menos de 20% da população brasileira tem acesso amplo e adequado à prestação jurisdicional do Estado. (SANTOS, s/d).

"[...]O proletariado é alvo de estratégias e práticas institucionais, via sistema penal, a imprensa, a literatura e o judiciário, baseadas numa idéia abstrata e universal de justiça que introduz a oposição entre o justo e o injusto, o moral e o imoral, o honesto e o desonesto. Isto teria por finalidade efetuar a separação entre os proletários e a plebe não proletarizada, constituída de ociosos, mendigos, ladrões que precisam aparecer como marginais, imorais, lixo da sociedade aos olhos dos primeiros." (ZALUAR, 1985, p.133).

O mendigo, estigmatizado como indivíduo essencialmente criminoso, é o cidadão mais distante

na escala social a pretender exercer seus direitos civis, reconhecendo o Estado apenas como o repressor violento, no coturno, nos cassetetes e nos maus tratos nas rondas de recolhimento e nas delegacias de

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polícia.

TRABALHO O mendigo remete o estudo também, dentro do sistema capitalista, à ideologia do trabalho. Na

concepção do sistema como ordem econômica, o indivíduo que não cumpre uma prática de trabalho assalariado, produtivo e legítimo, apresenta-se como resíduo sócio-econômico, é um rebelde face ao código moral da classe dominante que reifica o trabalho. É um desviante às normas do sistema.

Todavia, a lógica do sistema capitalista de produção pressupõe a existência de um excedente de população que compõe o exército industrial de reserva. Só que o fenômeno da superpopulação relativa causa efeitos. Nem toda população excedente tem, na fase atual do capitalismo, e principalmente nas economias periféricas, a função de exército industrial de reserva.

Segundo Lúcio Kovarick (KOVARICK, 1973, p.110) "[...]Parcelas da população excedente tornam-se 'afuncionais' ou 'disfuncionais' para o processo produtivo. Nem toda superpopulação constitui necessariamente um exército industrial de reserva, categoria que implica uma relação funcional deste excedente com o sistema no seu conjunto."

Os indivíduos excluídos do mercado de trabalho, vítimas dos ciclos econômicos e das formas de acumulação do capital, formam um contingente de marginalizados do sistema, sobre o qual não têm nenhum poder de decisão.

"[...]A forma de acumulação corporifica-se, pois, através de uma lógica restritiva em que a captação do excedente ao mesmo tempo que concentra e beneficia uns poucos, apoia-se na exclusão de parcelas ponderáveis: são os assalariados e vastos contingentes populacionais que não conseguem se inserir de modo estável no mercado de trabalho." (KOVARICK, 1975, p. 171).

Portanto, o valor ético do trabalho, que estigmatiza o não trabalho como marginalidade do sistema de produção, não incorpora o sentido da contradição do próprio sistema. A alta rotatividade de mão de obra na ciranda dos baixos salários, estimulada por uma legislação trabalhista que privilegia os interesses do capital, e a dificuldade de se forjar trabalhadores com melhor capacitação técnica, fazem com que as relações no mercado de trabalho sejam perversas (baixa estabilidade, ausência de registros formais como carteira de trabalho e recolhimento de contribuições previdenciárias, condições insalubres e perigosas no ambiente de trabalho, baixa remuneração, etc.)

Portanto, a origem das populações marginais passa por um processo concreto de exclusão do direito ao trabalho e do exercício dos direitos do trabalho pelo indivíduo. Excluído da atividade inerente ao sistema capitalista de produção, para a consciência comum, o desempregado é freqüente identificado como quem não quer trabalhar. O mendigo é indolente, o "peso morto" no sistema de geração e acumulação de riquezas.

DIREITOS POLÍTICOS

Delimitados negativamente em relação ao proletariado, os lumpenproletários sempre foram vistos com desconfiança. Formam uma camada incapaz de ser portadora de um projeto autônomo de transformação social, são anti-revolucionários. Subproletariado isolado numa categoria residual segregada, os mendigos são totalmente despojados de prática histórica significativa e, assim, situados numa negatividade reforçada.

O lumpenproletariado, no sentido clássico marxista, é ainda vinculado, embora de forma intermitente entre vítimas do capital e algoz do socialismo, à lógica virtuosa e transformadora do trabalho. Para Karl Marx:

"[...]o último resíduo mora no inferno do pauperismo; abstração feita dos vagabundos, dos criminosos, das prostitutas, dos mendigos, e de todo

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mundo que se chama de classes perigosas (lumpenproletariado no sentido estrito)"..."degradados, despojados, incapazes de trabalhar. Trata-se de seres condenados a perecer pela imobilidade que os condena à diviso do trabalho; são operários que sobrevivem à idade normal de sua classe, as vítimas da indústria cujo número cresce com as máquinas perigosas, as fábricas químicas, etc., os mutilados, os enfermos, as viúvas. O pauperismo é o asilo de inválidos do exército operário e o peso morto do exército industrial de reserva". (MARX, 1985, pp. 545 e 546).

Nesta lógica, o mendigo não se estrutura, não se organiza ou se levanta como grupo, é

completamente a-revolucionário. Embora comporte elementos violentos, degenerados ou perigosos, eventualmente aliam-se a grupos às vezes antagônicos ou vendem-se a diversos outros grupos de referência, demonstrando falta de lógica e coerência na ação política. Pode-se dizer que é uma categoria de indivíduos estabelecida justamente pelo caráter fragmentado dos valores da sua existência. Assim, as organizações políticas não vêem os mendigos como um grupo capaz de constituir objeto de interesse para os quadros e objetivos de sua atuação, ou ainda, em um outro sentido, são aqueles que devem ser politicamente anulados.

Num contexto de repressão institucionalizada, qualquer arremedo de mobilização política de mendigos é sempre reprimido ad liminem. Todas as formas de repressão suscetíveis de impedir lutas reivindicatórias, são aplicadas exemplarmente quando se trata de homens de rua.

"[...]O mendigo, seja 'criminoso' agressor, simples 'transgressor', ou vítima não responsável de sua condição, é portador de uma prática contrária às normas básicas. É preciso que este desvio seja controlado totalmente, em todas as suas manifestações. É necessário para isso conhecer as manifestações da mendicância e demais práticas desviantes. Ideologia e teoria do estigma não se isolam no quadro institucional, assim como poder e saber podem unir-se para que um saber corrente permita ao poder manter a unidade do sistema, apontando, prevenindo e tratando os núcleos de divergência." (STOFFELS, 1977, p.122).

Desprovidos de relativa capacidade de organização política reivindicatória, perseguidos quando

esboçam qualquer ação coletiva, os mendigos estão excluídos da participação dos processos políticos enquanto eleitores ou como grupo social de interesse de organizações político-partidárias, a não ser em raras situações e mesmo assim, como interesses pontuais efêmeros. Grande parte dos próprios mendigos incorporam o estigma de desorganizados politicamente, freqüentemente tomando-se por incapazes de constituir organizações de atuação política, permanecendo isolados e relativamente fechados diante dessa possibilidade da ação reivindicatória, como se verá ao longo da pesquisa empírica.

Também a infra-estrutura de assistência procura dar o caráter disciplinador e subserviente à sua clientela de mendigos. Trabalhando pela via institucional, garantem determinados interesse de classe, e cumprem a estratégia de manter a desorganização política dos grupos marginais. É o caso emblemático do que já foi o Centro de Triagem e Encaminhamento – CETREN de São Paulo

DIREITOS SOCIAIS

São direitos sociais aqueles que garantem um mínimo de bem-estar econômico e segurança, o direito de participar por completo na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com

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os padrões que prevalecem na sociedade. Surgidos basicamente a partir do final do século XIX, início do século XX, os direitos sociais

buscaram criar mecanismos compensatórios aos desequilíbrios inaceitáveis na condição de vida do proletariado. Foi a base para criação do "Welfare State" ou modelo de Estado de Bem-Estar Social nas sociedades modernas. Para T. H. Marshall o "[...] poder institucional organizado assim começa a ser empregado num esforço para modificar o jogo das forças do mercado em três sentidos, basicamente: subsistência, segurança e uma determinada gama de serviços sociais" (MARSHALL, 1967, p.187)

O mendigo, entretanto, está à margem do acesso amplo aos serviços sociais, em função da imprescindibilidade de um certo grau de inserção para dispor de tais serviços. A falta dos mecanismos de acesso o coloca fora do circuito dos serviços sociais do Estado porque não dispõe de instrumentos típicos da vida nas sociedades capitalistas urbanas.

A assimilação de valores, normas e conhecimentos inerentes ao desempenho de papeis urbano-industriais, ocorreria de forma desigual."[...]Devido a padrões sociais diferentes não teriam (as populações marginais) condições de enfrentar os desafios da cidade, baseados em formas específicas de sociabilidade, contatos secundários e que se apoiam em certos padrões como o pragmatismo e a contratualização." (KOVARICK, 1975, p.50).

Sem residência fixa e sem documentos, os serviços sociais que restam são aqueles onde prevalece o princípio da caridade, isto é, a rede de instituições oficiais de recolhimento e tratamento de mendigos. Assim, o mendigo é visto como fruto dos desajustes sócio-econômicos mas, ao mesmo tempo, é um contribuinte pródigo para a preservação e agravamento da degradação social.

A atuação governamental norteia-se então pela idéia de saneamento social, com o objetivo de promover a recuperação dos indivíduos transviados. As instituições funcionam como dispositivos higienizadores, protegendo a família, a cidade e o sistema como um todo, dos elementos transgressores e nocivos à ordem social.

"[...]A mendicância é circunscrita como diversidade censurada e desvio estigmatizado. Está permanentemente em relação de possível apreensão pela instituição, e vem a receber a marca completa do estigma (desafortunado, parasita, perigoso, louco) pelo rito de passagem na instituição que, com o projeto de devolvê-lo à sociedade como um elemento integrado, regenerado em conformidade ou diversidade aceitável, coloca-o em situação de ruptura e o isola, conferindo-lhes todos os atributos da identidade inadequada e condenada." (STOFFELS, 1977, p. 105).

A estigmatização passa pela ação da polícia que recolhe o mendigo de rua e o considera

perigoso, efetivo ou potencial; pelo serviço social como ser desajustado ou apático. E para o sistema governamental como elemento perigoso e desajustado. Cria-se desta forma um espaço aberto para a loucura.

A instituição gera uma situação psíquica de fragmentação. "[...]Entre a identidade social virtual (as demandas formuladas a respeito da pessoa) e a real (as categorias e atributos que de fato lhe pertencem), opera-se um processo de distanciamento. 'Desacreditado' e 'desacreditável' através do estigma, o indivíduo torna-se ao mesmo tempo um ser inferiorizado e obrigado a fingir." (GOFFMAN, 1974, p. 91).

"[...]Além da vida pública, delineia-se o espaço da intimidade em que o indivíduo se defronta com o eu que reconstroi, ou preserva a integridade,

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o espaço dos contatos e ambientes em que é aceito com seu desvio, seja pelo processo de encobrimento, seja pelo processo de normalização. O eu dividido entre esses espaços, o núcleo da intimidade (em que atua a força de recuperação da integridade pessoal) e a esfera relacional (em que é classificado como ser marginal e perigoso), luta entre o atributo de out sider e a reconstituição do núcleo da identidade." (LAING, 1963, p. 96).

Desta forma, cria-se um ciclo em torno do espaço rua-instituição. De um lado, a instituição

recolhe aquele que adota a existência na rua, atingido pela doença mental e do outro, devolve às ruas os indivíduos comprometidos na sua estrutura psíquica em função dos ritos impostos pela passagem nas instituições. Ao voltar para a rua, o indivíduo apresenta profundas deficiências afetivas por não lograr responder à complexidade de papeis e normas sócio-culturais, como inserção não padronizada no sistema global.

A guisa de reflexão, podemos dizer que o mendigo sofre um processo de estigmatização e exclusão amplo e diversificado e que a sua possível reinserção social passa necessariamente por uma reconstrução da sua consciência enquanto cidadão sujeito de direitos.

Embora se configure a consciência da diferenciação de categoria ou "status" dentro das próprias classes miseráveis, a qual contribui para formar um estigma de legitimação da desigualdade, pode existir, em certas condições, uma retomada da consciência de composição e posição de classe como um todo específico e potencialmente autônomo, entre as populações de mendigos.

Neste caso, o processo de identificação passa pela descoberta de que as diferenças podem compor as semelhanças, ao descobrir que os indivíduos fazem parte de uma mesma realidade e assim construir um processo de conquista da cidadania, nas suas instâncias fundamentais de legitimação e possibilidade do exercício de direitos. Não há que se prescindir, todavia, de reformulação das políticas públicas. Ao contrário, a massa crítica para desencadear o processo de recuperação de populações de rua precisa de aparatos institucionais que mudem efetivamente as relações entre Estado e sociedade civil e entre segmentos desta mesma sociedade. A amplitude e intensidade destas intervenções dos governos serão tratados no último segmento do artigo.

PERFIL DO HOMEM DE RUA

Com base no levantamento realizado pela Secretaria Municipal de Bem Estar Social de São Paulo durante a primeira quinzena de maio de 1.9913, através das rondas noturnas de assistência e recolhimento, onde foram detectados 329 pontos de pernoite, com 3.392 pessoas, mais os questionários realizados nos espaços de acolhimento pesquisados (Casas de Convivência, Abrigos de Inverno e albergues) num total de 635 entrevistados4, foi possível formar um quadro de análise suficiente - ainda que a pesquisa tivesse caráter exploratório - para a compreensão do fenômeno da população de rua de São Paulo e um pano de fundo para o estudo específico da cooperativa dos catadores de papel e 3. Este projeto, foi iniciado pela Prefeitura de São Paulo em 1.990 e recebeu o nome de "A Casa Acolhe a Rua". No inverno de 1.992, das 900 vagas criadas, todas foram ocupadas. In Secretaria Municipal do Bem-Estar Social - SEBES, da Prefeitura de São Paulo. Rev. Cidadania para quem precisa. A assistência social na Cidade de São Paulo de 1.989 a 1.992, pag. 23. 4. As Nações Unidas definem "homeless" não só como aqueles que vivem na rua mas também os que moram em habitações que não satisfazem minimamente necessidades e padrões de habitabilidade. Se somarmos os encortiçados e os favelados, São Paulo possuía uma população aproximada de 4 milhões de "homeless" no início da década de noventa. PREFEITURA DE SÃO PAULO. População de rua. Quem é como vive, como é vista. São Paulo, Hucitec, 1.992, p.47. Não havendo dados confiáveis sobre o número de indivíduos habitantes das ruas, posto que estão fora do alcance das estatísticas, as estimativas variam muito, principalmente nas matérias jornalísticas (75 mil, Jornal da Tarde, 24.09.85; 100 mil, O Globo, 12.08.90), mas o mais provável, pelo levantamento da SEBES de São Paulo, é que esse número não ultrapassava 10 mil no município. Pesquisas recentes retomadas no governo paulistano da atual gestão, mostram que houve uma manutenção destes valores, especialmente em função da estabilização da taxa de crescimento demográfico vegetativo na Capital.

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papelão. Quase metade de todos os logradouros identificados pelas regionais da SEBES de São Paulo,

estão circunscritos em uma área bastante restrita no município e próximas ao centro. A medida que se afasta da região central em direção aos bairros, a presença e distribuição dos pontos de pernoite torna-se rarefeita.

A escolha do lugar onde dormir parece estar ligado à proximidade dos locais de produção da sobrevivência, ou seja, das oportunidades de trabalho e obtenção de comida. A escolha também é determinada pela disponibilidade de espaços públicos, de preferência cobertos, que representem alguma privacidade e proteção contra o frio e a chuva, como viadutos, marquises, becos, árvores grandes, entre outros. Imóveis privados abandonados como galpões e casarões também são logradouros escolhidos para o pernoite. Os homens de rua, em geral, improvisam algum tipo de abrigo com caixas de papelão, jornais, folhas de madeira, lonas ou objetos similares que, ainda que precariamente, representem um espaço protegido.

O centro de São Paulo, as grandes avenidas que compõem a malha viária e as proximidades dos centros comerciais periféricos são os pontos preferencialmente escolhidos. Todavia, em quarenta por cento dos pontos identificados pela prefeitura, as pessoas dormiam sem qualquer tipo de abrigo.

Agrupar-se para dormir representa simultaneamente uma vantagem e uma desvantagem. Num certo sentido estar em grupo significa uma maior garantia de segurança e proteção mútua. Entre iguais é mais fácil se defender da violência diversificada que representa dormir pelas ruas. Porém, grupos muito grandes representam uma situação potencial de conflitos internos e algazarras que podem chamar a atenção da polícia, ou se tornar alvo de denúncias por parte da vizinhança. Dentro desta lógica pode-se dizer que a população que pernoita na rua é gregária, porém os grupos são pequenos. Em 241 dos pontos pesquisados (74%), observaram-se grupos de até 10 pessoas, sendo que a maioria destes (172), era formada por grupos de até 5 pessoas.

Pessoas que pernoitam absolutamente sós foram encontradas em apenas 18,2% dos pontos, sendo na sua maioria homens. Isto se deve ao fato de que tanto a mulher como a criança dormindo isoladamente nas ruas, à noite, se tornam alvos fáceis de dominação e sujeição física, ou de qualquer outra ordem.

Apesar de a população de rua ser bastante heterogênea na sua composição, misturando-se famílias, homens e mulheres sós, adolescentes e crianças, o grupo mais representativo quanto ao sexo, é o dos homens. Foram encontrados indivíduos adultos do sexo masculino em 94% dos pontos de pernoite (309), sendo que em 51% deles estavam abrigados exclusivamente homens. As mulheres e crianças aparecem na sua maioria compondo grupos mistos. O que indica a possibilidade de formarem grupos familiares, geralmente ocupando os pontos de pernoite de forma mais permanente.

Considerando que em apenas parte dos pontos, foram colhidas informações (162), junto a moradores e comerciantes próximos aos logradouros de pernoite, constatou-se que mais de 64% deles existem há mais de um ano. É significativo, todavia, o número de pontos surgidos há menos de seis meses (27,2%), o que demonstra a intensificação do processo de pauperização na década de noventa e que tem levado as pessoas a se utilizarem da última alternativa de sobrevivência e moradia disponível: a rua.

O fato da população masculina ser predominante, correspondendo a 88% dos indivíduos, pode estar relacionado à prática do homem migrar só, deixando a família na cidade de origem, para tentar a sorte nos grandes centros. São adultos jovens sendo que, na pesquisa, 59,7% têm idade entre 20 e 39 anos, ou seja, o período etário de maior capacidade de trabalho. A distribuição etária das mulheres, por sua vez, varia em função do serviço de assistência procurado. Nas “Casas de Convivência”, mais abertas, as mulheres são bastante jovens, sendo que várias delas com passagens anteriores pela FEBEM - Fundação Estadual do Bem Estar do Menor. Nos albergues a situação é inversa: a maioria tem mais de

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quarenta anos, não se tratando de mulheres de rua, mas de mulheres com filhos, sem ter para onde ir. A maioria é composta de brancos com 50,4% do total de indivíduos, pardos 30,7% e negros

18,9%. Não foram encontrados indígenas ou orientais. A formação escolar preponderante é de primeiro grau incompleto com 66,7% dos entrevistados.

As estatísticas mostraram que os fluxos migratórios do Nordeste para o Sudeste não representam mais a principal origem geográfica das populações pobres. Quase 50% das populações de rua nos grandes centros têm origem endógena ou nas migrações regionais. A mudança na tendência dos fluxos migratórios talvez tenha origem, não só pela relativa perda de atratividade do mercado de trabalho de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, mas também pelo redirecionamento dos fluxos para as cidades médias e pólos industriais no interior dos Estados, cada vez mais desenvolvidos.

Os nascidos na capital paulista são 13,4%; no interior do Estado de São Paulo, 14,5%; e nos outros estados da Região Sudeste, 19,5%. Se considerarmos, todavia, os nascidos em São Paulo Capital, que possuem menos de 25 anos, o índice de procedência será de 25%, o que remete à hipótese de que parte dos jovens pesquisados tenham nascido e crescido nas ruas da cidade.

Outro dado relevante diz respeito ao ingresso no mundo da rua, o qual não se dá de maneira repentina. Existem, obviamente, aqueles egressos de uma vida em instituições que conferem estigma social como penitenciárias, orfanatos, hospitais psiquiátricos, ou mesmo aqueles que já nasceram na rua, que enfrentam a dificuldade de aceitação social, associada a uma auto-imagem denegrida. Tendo dificuldades de estabelecer vínculos com o trabalho e a família, adotam a rua como ponto de referência onde podem encontrar e reconfortar-se de alguma maneira, estando junto aos seus iguais. Entretanto, a maioria dos atuais homens de rua, tem uma história de vida fora dela e fora das instituições. Muitos deles foram anteriormente trabalhadores regulares, com vida estruturada e convívio familiar.

A vinda para a metrópole por estímulo econômico, aventura, conflitos familiares, entre outros, coloca o indivíduo em confronto com um mundo desconhecido, competitivo e violento. Ser roubado ou perder os documentos e os poucos pertences, não o possuir profissão urbana ou ter passado da infância para a maturidade sem formação, tentar frustradamente se engajar num mercado de trabalho baseado em determinados critérios sociais pouco familiares, vão tornando estes indivíduos, diante de tais contingências, pessoas perdedoras, paulatinamente derrotadas, vítimas da síndrome de exclusão.

Sem trabalho, sem residência fixa, o indivíduo vai ultrapassando aos poucos as fronteiras da socialmente considerada ordem legítima de vida.

Passar para o "outro lado" ou "cair na rua", significa romper com a disciplina e a lógica do mercado onde a obtenção dos recursos indispensáveis de sobrevivência não passa mais pelo trabalho regular e reconhecido pelo sistema. Não significa deixar de trabalhar, mas sim um abandono do compromisso do horário, da tarefa determinada, do cotidiano e do ritmo constante típico do emprego, onde agora o trabalho tem sua própria lógica, ritmo e formas de remuneração. não paga mais impostos e taxas ao Estado. Porém, deste último consegue, em algumas oportunidades, obter auxílio material ou financeiro. Não compra roupas mas as ganha. Come por obra e caridade dos outros. A rua passa a ser o espaço possível de sobrevivência, como lugar de trabalho e moradia.

Neste processo de transição, há perdas, mas existem as correspondentes aquisições do novo modo de vida. Podemos formar um quadro mental deste processo, para melhor compreender como se transita na linha limite entre a inserção/exclusão.

O tempo de permanência na rua é que determina fundamentalmente a maior ou menor perda dos vínculos com a ordem de vida anterior. Aumentam as dificuldades de se restabelecer os laços anteriores como arrumar um trabalho regular, alugar um quarto de pensão, corresponder-se com parentes.

A exclusão e a desmoralização faz com que o homem de rua, ao encontrar seus pares, que vivenciam a mesma sorte de dificuldades, crie neste momento um tipo particular de solidariedade, e uma relação cada vez mais forte e consolidada com o universo das ruas.

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É possível que este quadro seja mais grave. O fato de ser o homem de rua estigmatizado e visto negativamente pela sociedade, faz com que alguns, em função de uma auto-imagem constrangida, procurem caracterizar esta situação como passageira, tentando abreviar o tempo real de permanência na rua. Além disto, tendo que o levantamento destes dados são de maio de 91 e que para além desta data a conjuntura econômica sofreu alguns revezes, diminuindo a oferta de trabalho e aumentando a dificuldade de reingresso desses indivíduos, em curtos espaços de tempo, no mercado formal de trabalho, teremos uma grande parcela desta população com longa permanência nas ruas, capaz de criar os vínculos de dependência que tornam a rua praticamente um caminho sem volta.

A rua, entendida como espaço de moradia e sobrevivência constante, obriga os indivíduos, que dela fazem parte, a adquirir outros referenciais de vida social. Novas praxes de vida cotidiana, formas de relacionamento, hábitos e códigos são criados e incorporados. Vêem a cidade com outros olhos, as possibilidades que ela oferece e as alternativas para explorá-la criativamente.

Existe um gradiente de possibilidades de utilização da rua como espaço de moradia, seja ele circunstancial ou permanente. O que diferencia a forma de apropriação do espaço é o tempo transcorrido de permanência ou o tempo que se espera permanecer como morador de rua e o quanto já assume esta condição. Assim podemos as seguintes situações:

Ficar na rua. É o estado daquele que circunstancialmente se encontra sem emprego e sem dinheiro para pagar a pensão, ou não encontra vagas em albergues, que chega à cidade e não sabe para onde ir. Em geral sente medo de dormir na rua e tenta, o mais rápido que pode, encontrar uma solução para a circunstância que considera degradante e vergonhosa. não admite a identificação de morador de rua.

Estar na rua. situação de maior familiaridade com o ato de pernoitar nas ruas. não a considera mais tão ameaçadora e até admitem alternativas típicas de obter ganhos com pequenos "bicos" e alimentos nas instituições assistenciais. Apresenta-se como trabalhador desempregado para se diferenciar dos moradores de rua. Procura albergues e pensões quando ganha algum dinheiro e ainda tem chance de obter trabalho junto às construtoras.

Ser da rua. Neste caso o indivíduo se encontra em tal estado de degradação física e psíquica em função da longa permanência na rua, enfrentando condições precárias de alimentação, higiene e uso excessivo de bebida alcoólica, que lhe restam poucas condições de obter trabalho regular ainda que temporário. O cotidiano passa a ser a rua, tornando-se o seu espaço de moradia permanente.

A apropriação da cidade como espaço de trabalho, norteia-se pelas práticas de sobrevivência inerentes à rua, ou seja, quaisquer atividades que possibilitem ganho imediato para aquisição de comida, cigarros, cachaça e, eventualmente, alojamento. A maioria (79,5) afirma exercer uma atividade laboral periódica, e cerca da metade teve registro em carteira por dois anos ou mais do último emprego, com contrato formal de trabalho.

São privilegiados os locais onde há alta concentração e trânsito de pessoas e intensa atividade comercial, onde se pode exercer pequenos trabalhos informais e eventuais, tais como tomar conta de carros, transportar materiais para comerciantes, coletar e vender sucatas ou simplesmente pedir esmolas. No leque de possibilidades encontramos aqueles que ainda transitam pelo mercado formal de trabalho e aqueles que vivem exclusivamente do trabalho informal e contraventor.

As atividades formalizadas de trabalho são bastante variadas, podendo ser caracterizadas como de baixa qualificação e intermitentes. Trabalhos pouco valorizados e, portanto, mal remunerados, principalmente no setor de serviços.

A origem dos ganhos fora da realização imediata do trabalho são praticamente inexistentes. Repasses do Estado como aposentadorias, pensões, auxílio-doença, auxílio-desemprego, entre outros, bem como poupanças anteriormente acumuladas são inexpressivos quanto ao número de indivíduos beneficiários e quanto aos valores regularmente obtidos. O trabalho feminino reside basicamente entre

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serviços domésticos como faxineira e lavadeira e os de vendedora ambulante. A prática mais comum, todavia, é a de pedir esmolas nas ruas.

Quanto aos homens, basicamente trabalham em serviços de limpeza e conservação, cata de papel, papelão e sucata variada, carregamento e descarregamento de caminhões na Zona Cerealista, mercados e feiras livres, encadernamento e transporte de jornais, guarda e lavagem de carros, empregando-se como peões na construção civil.

Neste último caso, predominam as atividades de ajudante de pintor, marceneiro e servente de pedreiro. São aliciados geralmente pelos conhecidos "gatos", intermediários dos empreiteiros. O principal ponto utilizado pelos "gatos" para arregimentar peões fica no Bairro do Brás, onde as "kombis" levam os escolhidos como mais aptos para as obras. Formam-se filas imensas e poucos são aqueles que conseguem o serviço.

Com a crise da Construção civil e a abundância na oferta de mão-de-obra do setor, as relações na venda da força de trabalho se tornam perversas. O trabalho é pesado e sem segurança, sem garantias trabalhistas, a remuneração é baixa, o alojamento e a alimentação são precários. Muitas vezes são transportados para outra cidades onde não encontram as condições de trabalho e remuneração prometidas.

Se o indivíduo apresenta carteira limpa (nova, sem anotações) é discriminado pois caracteriza o mendigo que perdeu ou teve roubado seus documentos, denunciando a situação anterior de há muito tempo desempregado, ou então de trabalhador sem experiência profissional. Se permanece muito tempo na rua não terá condições de conseguir arrumar novamente um serviço nas obras. Estas exigem de hábito força física e trabalho constante e a degradação da rua faz com que seja preterido pelos "gatos". O peão torna-se quase um escravo, sucumbido e anestesiado, submetendo-se em função do medo de ser dispensado e voltar para a rua.

Existem também os chamados trecheiros, que são trabalhadores nômades. Deslocam-se pelo território nacional segundo uma rota de trabalhos de diferentes tipos como colheitas e pescas sazonais, garimpos, construção de hidrelétricas e outras de grande porte pelo interior e capitais.

O caráter nômade tem ainda a peculiaridade de ser estimulado por uma recente prática repressora, promovida por alguns governos municipais do Estado de são Paulo e norte do Paraná. Os trecheiros que chegam a determinados municípios, são recolhidos pelos agentes sociais locais e encaminhados imediatamente às estações rodoviária ou ferroviária, recebendo uma passagem que os remete para os municípios vizinhos. Eventualmente o procedimento lá se repete formando uma população involuntariamente itinerante.

Pouco mais de 30% dos indivíduos entrevistados na pesquisa da SEBES, saíram de São Paulo pelo menos uma vez, no período de um ano anterior à pesquisa. A cidade grande representa, ainda que simbolicamente, a possibilidade de trabalho e de melhores condições de vida, ou pelo menos uma parada obrigatória nas rotas dos trecheiros para conseguir algum dinheiro e obter informações sobre trabalhos em outras partes. Aparentemente e segundo as respostas dos entrevistados, a maioria deseja permanecer em são Paulo, ainda que em circunstâncias precárias.

Outra atividade para obtenção de dinheiro é a prática da mendicância. O modo mais comum é o "acharque". Significa pedir dinheiro nas vias de grande fluxo de pessoas, justificando sua condição de pedinte através de relatos de tragédias pessoais, infortúnios, exibindo deficiências físicas, receitas médicas, entre outros. A dramaturgia do "acharque" exige capacidade de gerar comoção nas pessoas com gemidos, choros e até gritos. Alguns mendigos, todavia, utilizam-se de formas mais violentas de "acharque", agarrando as pessoas e obtendo a esmola como a compra da possibilidade do doador "se ver livre" do pedinte.

O mundo da marginalidade se apresenta como uma outra forma de obter dinheiro onde o mendigo é utilizado na prestação de serviços à marginais como passar drogas, cometer pequenos furtos,

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guardar temporariamente algum objeto roubado em troca de remuneração, etc. Outra alternativa é a venda de sangue. Contrariando proibição legal, algumas instituições

remuneram os "doadores". Apesar da prescrição de intervalo mínimo entre doações ser de 3 meses, na prática e sem a fiscalização adequada, alguns chegam a vender seu sangue quinzenalmente. Em geral a gratificação corresponde em valor a uma refeição frugal.

Assim, o homem de rua, vivendo na exploração e submissão do trabalho temporário, com vida profissional segmentada em função da alta rotatividade, sente-se derrotado e desvalorizado pela sua baixa competitividade no mercado de trabalho. O fracasso e a desmoralização não fazem com que eliminem o trabalho, mas com que abandonem o compromisso constante e cotidiano do emprego, substituídos por outras formas de trabalho, possibilidades que o mundo da rua oferece.

O trabalho adquire, portanto, função instrumental instantânea, realizado no momento da necessidade, na forma e no ritmo determinados pelo sujeito agente, com retorno monetário imediato. É a contrapartida ao pressuposto de que só o trabalho de caráter regular, recorrente e contingente é que pode necessariamente garantir a vida.

A outra estratégia inerente de sobrevivência na rua é a obtenção de comida nas chamadas "bocas de rango". Formam uma rede de pontos de distribuição gratuita de comida na cidade. Em geral patrocinada por instituições filantrópicas, de caráter assistencial, esta distribuição é feita em espaços públicos e abertos, concentrados geograficamente próximos ao centro. Não só os moradores de rua, como também alguns trabalhadores regulares, que moram longe do local de trabalho e dispõem de poucos recursos, principalmente os da construção civil, se utilizam destes serviços como alternativa de alimentação.

A preferência por determinadas "bocas" está diretamente relacionada à forma como os indivíduos organizam seu cotidiano, ou seja, como articulam os locais de moradia e trabalho com os dias, horários e lugares de distribuição da comida. No complexo da sobrevivência estes sistemas de moradia, trabalho e alimentação se influenciam simultaneamente, determinando um "habitat" individual ou mesmo de pequenos grupos, espacialmente mais ou menos delimitados. A possibilidade de encontrar os que fazem parte do seu grupo de referência também é um fator determinante de escolha, dando uma certa estabilidade e constância no número e nos indivíduos usuários. Procuram também montar uma escala de alimentação exaustiva, isto é, que possam agendar ao longo de toda a semana as refeições diárias que desejam obter. O objetivo é comer todos os dias sem gastar dinheiro.

A qualidade dos alimentos distribuídos é outro item importante na escolha das "bocas de rango". Neste caso, os usuários dão preferência ao que chamam de "comida" (arroz, feijão e mistura) em detrimento de sopas, cafés e lanches, o que não é considerado "comida pra valer". Da rede de instituições e grupos autônomos que patrocinam a distribuição gratuita de alimentos, podemos distinguir dois grupos: um de caráter religioso, com ideário cristão, formado por entidades de orientação kardecista, católica e evangélica e outro formado por estabelecimentos comerciais que oferecem comida a baixo custo ou distribuem sobras.

Dos 26 pontos identificados pela Prefeitura, 13 foram pesquisados com mais profundidade, para se conhecerem maiores detalhes de organização, tempo de atuação, opinião dos usuários sobre o serviço, opinião dos patrocinadores sobre os usuários e a reação com a vizinhança. Na maioria das instituições religiosas, a distribuição da comida é feita por voluntários e fiéis, segundo uma disciplina estabelecida, com filas ordenadas, proibição de alcoolizados e manutenção do silêncio, dentro das possibilidades.

De modo geral, a distribuição envolve o sentimento religioso de comiseração para com o semelhante desafortunado. O trabalho adquire um duplo sentido, ora como realização de princípios doutrinários, ora como prática de ação social, havendo um certo imperativo do ritualístico. Realizam-se orações antes ou depois da distribuição de comida, sendo que os patrocinadores afirmam ser o objetivo

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primeiro da organização, não apenas a alimentação dos pobres, mas sua utilização como instrumento para pregar o evangelho. Apenas dois grupos religiosos não realizavam qualquer prática ritualística de oração ou pregação: a Obra Santa Zita e o grupo da Praça Marechal Deodoro. Nos estabelecimentos comerciais também não ocorre nada do gênero.

Dentre os grupos religiosos, merece destaque a Comunidade dos Sofredores da Rua. Ali os usuários são convidados a participar da confecção comunitária do "sopão"5 , buscando através de contatos mais próximos criar condições de convívio baseado em participação e confiança recíprocas. Após a alimentação, os indivíduos são convidados a tomar parte nas discussões sobre seus problemas e os problemas da população de rua em geral, no Centro Comunitário da organização. A participação é absolutamente voluntária e conduzida pelos próprios usuários.

Quanto à relação com a vizinhança, em cinco das "bocas de rango" pesquisadas, foram verificadas situações de conflito. Abaixo assinados, reclamações à polícia e Prefeitura e até embates físicos demonstram violentas atitudes discriminatórias e preconceituosas contra esta prática. Nos demais casos, ou não há vizinhança ou os vizinhos já se acostumaram com a atividade assistencial.

Quanto à higiene pessoal, na ausência de serviços como banheiros e lavanderias públicas, restam algumas soluções possíveis como os chafarizes das praças, as bicas, as torneiras violadas nos jardins e os postos de gasolina próximos aos locais de permanência e trânsito da população de rua. A falta de higiene pessoal, associada às condições precárias de alimentação e o uso constante do álcool, ampliam os problemas de saúde, especialmente os de pele, em função da ação de fungos e parasitas.

Nos casos de atropelamento e doenças mais graves, busca-se atendimento junto a à rede pública de serviços de saúde, caso dos hospitais e postos de saúde da cidade. O atendimento em geral é precário. Como indigentes sofrem o preconceito em função da gratuidade do serviço e da dificuldade que têm os atendentes em se relacionar com o homem de rua. Além disso, é extremamente difícil prescrever um tratamento médico adequado para pessoas que não têm condições materiais mínimas e nem disciplina para tanto. Isto somado ao excesso de demanda faz com que raramente consigam internações, sendo os casos tratados de forma rápida e apenas suficiente para que o paciente retome logo as ruas. São freqüentes os casos de invalidez ou morte em função do descaso no tratamento emergencial.

A quase totalidade dos indivíduos entrevistados declarou possuir família, sendo que a metade, de alguma forma, mantém contato com parentes. A freqüência porém diminui com o aumento gradativo de permanência nas ruas. O distanciamento e a perda de contato com parentes se dá em função de ressentimentos de conflitos passados ou pela vergonha de reencontrar a família na condição de derrotado e maltrapilho.

Quanto ao conteúdo do discurso destas pessoas, podemos destacar temas muito comuns entre elas e repetidos reiteradamente quando perguntadas sobre como vêem sua condição atual e as aspirações quanto ao futuro.

A palavra liberdade aparece com muita freqüência, indicando a indisposição ou a inépcia de representar certos papéis exigidos pelo sistema ou a denúncia da rigidez de padrões de comportamento social que não foram capazes de representar. Todavia, imediatamente após a apologia da liberdade, expressam a mágoa de serem rejeitados. O discurso da liberdade se apresenta como forma de compensação e sublimação frente ao fato de serem socialmente discriminados e, de certa forma, culpam sua atual situação pela rejeição sofrida principalmente pelas suas próprias famílias e pelo conjunto da sociedade. Transitam entre uma auto imagem de degenerados sem solução e o sonho de conseguirem novamente ser aceitos.

Existe o discurso da vergonha, da humilhação e da estigmatização sofrida. A necessidade de reintegração social tem o sentido freqüente da higienização e da recuperação da condição física 5. O "sopão" como atividade religiosa junto às populações de rua será estudado em detalhes adiante.

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degradada. A vergonha de estarem expostos pela sujeira e doença de seus corpos leva à alienação pela embriaguez, sendo o alcoolismo um dos maiores problemas detectados pelos órgãos governamentais de assistência e confirmado pelos próprios mendigos.

A cachaça é o principal agente mediador das relações sociais entre os homens de rua. Na rua não se nega pinga a ninguém, sendo a bebida utilizada como a solução imediata para mal estar que sentem e provocam uns aos outros, constituindo também um dos principais motivos da manutenção do estado de degradação física e moral. Pela cachaça pode-se acelerar ainda a solução definitiva dos problemas, aliviando o sofrimento em última instância, ou seja, a morte.

O discurso do trabalho em oposição à vadiagem é outra constante. Afirmam que são trabalhadores, que tem profissão. Apontam a falta dos documentos perdidos como o principal entrave momentâneo para o reingresso no mercado de trabalho, e sua recuperação como o passaporte da esperança de adquirir um emprego e resgatar a dignidade. Paralelamente, encontra-se o discurso da autonomia, isto é, a capacidade de se reerguer com as próprias forças, e ainda a solidariedade entre aqueles que se encontram numa mesma situação de miséria. Vão sair dessa juntos.

Há também o discurso da violência das ruas e das autoridades públicas. O homem de rua vivencia quotidianamente a agressão social simbólica da rejeição e a violência concreta da polícia. A reação expressa a necessidade de reconhecimento da sua condição de ser humano, que não se encontra nesta situação por vontade própria e que não aceita tratamento diferenciado como indivíduo de segunda classe.

Apesar da fragmentação psíquica que sofrem, em função da publicitação das atividades típicas do universo da intimidade pessoal (dormir, cozinhar, manter relações sexuais, etc.), e da disputa e tentativa de privatização dos espaços de domínio público (praças, calçadas, pontes, etc.), dentre outras situações que comprometem a unidade de referências normais do ser humano e geram uma série de conflitos e distúrbios de comportamento, os mendigos apresentam momentos de lucidez reivindicatória espantosos. Em meio ao freqüente desespero por não conseguirem reconhecer a si mesmos, ainda são capazes de juntar os fragmentos que representaram sua vida passada, denunciar a injustiça social e reclamar direitos de cidadania.

A noção de tempo na rua é diferente. Os indivíduos não têm compromisso com o relógio pois não precisam responder por compromissos sociais que requerem apontamentos, pagamentos de contas, prazos para consecução de tarefas pré determinadas. É possível permanecer horas sentado num banco de jardim ou na porta de uma igreja vendo a vida passar, ou mesmo sentir vontade de festejar um encontro com um amigo às quatro horas da manha, que havia sido marcado para o meio dia da antevéspera.

Possuem alguns pertences que, em geral, são somente aquilo que podem transportar. Na maioria das vezes, sucata variada que simboliza algum sonho de consumo ou fragmentos daquilo que foi ou poderá ser uma vida melhor. exceção se faça a dois utensílios que invariavelmente possuem e que parecem até simbolizar e identificar membros de uma mesma comunidade.

Um deles é a "cascuda", nome originalmente dado à meia embalagem metálica dos queijos Palmira e que hoje identifica qualquer recipiente, em geral de metal, onde seja possível recolher a comida ganha ou catada. Todo homem de rua tem sua cascuda.

Em segundo lugar, a faca, ou qualquer outro objeto contundente, que possa ser utilizado em diversos afazeres mas, principalmente, representam a possibilidade da defesa imediata e contínua. Dentro do conjunto de relações sociais permanentemente conflituosas, onde não existe a possibilidade da resolução das lides com arbitragem institucionalizada, o confronto está constantemente presente e só se soluciona pelo embate direto dos agentes litigantes. A balança é substituída pela faca como símbolo da justiça. Justiça esta feita pelas próprias mãos.

A população de rua entretanto vem lentamente construindo um espaço de identificação e

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reconhecimento como grupo social através de ações articuladas reivindicatórias. O próprio fato de mudarem a denominação de indigente, mendigo ou maloqueiro, e se autodenominarem sofredores de rua, ou povo da rua, ou catadores cooperados, tão comum nos depoimentos, mostra que vive-se um processo de mudança da auto-imagem e a reconquista de valores anteriormente perdidos.

A EXPERIÊNCIA DA COOPERATIVA DE CATADORES

A história da COOPAMARE na verdade se inicia com a história da OAF – Organização de Auxílio Fraterno e esta se inicia com a vinda para São Paulo do monge beneditino-olivetano6, uruguaio de nascimento, na época com 35 anos, Dom Inácio Lezana. Enviado pela sua congregação, com abadia subordinada no Brasil e sediada em Ribeirão Preto, assumiu o posto de capelão no Hospital São José do Brás, Avenida Celso Garcia, em 1.953.

O trabalho com os doentes pobres e as mães solteiras, a presença dos menores de rua que circulavam próximos ao hospital, os operários miseráveis, as prostitutas, enfim toda sorte de desafortunados, população típica de um bairro proletário pobre, como o Brás da década de 50, estimularam um processo de questionamento do capelão quanto à praxes religiosa em moldes além dos tradicionais que se sentia incumbido de desempenhar. Adotando o princípio religioso da fraternidade, Dom Inácio tentou dar uma nova orientação para o trabalho junto às parcelas menos favorecidas da população, razão do seu incômodo frente a uma situação, a princípio sem solução aparente. Constitui-se, assim, a frase de ordem da mudança:

A partir da idéia de fraternidade (OAF, s/d, p.7), a atuação do religioso deveria ser pautada pelo convívio direto bem como seu relacionamento se dar nos espaços próprios da vida cotidiana dos indivíduos a quem se quer prestar assistência. É dever do religioso denunciar a injustiça e o abandono ("Pecado social"), identificando-se como um igual entre eles. Assim começa a formação efetiva a organização.

O primeiro grupo se formou com três religiosas vindas do Uruguai no mesmo ano da chegada de Dom Inácio e com uns poucos leigos já engajados, de alguma forma, em ações religiosas organizadas ou individuais, de cunho assistencial, com a população carente, e que se identificaram ou que já haviam iniciado um trabalho voluntário. Algumas destas pessoas, que desejaram abraçar efetivamente a vida religiosa, constituíram uma pequena fraternidade religiosa, as Oblatas de São Bento.

Apesar de "oblata" significar o fiel leigo, casado ou solteiro, que se oferece para trabalhar em favor de uma ordem religiosa, as Oblatas da Ordem de São Bento formam uma fraternidade de fato. Freiras com votos, subordinadas à abadia dos beneditinos de Ribeirão Preto, que adotaram tal denominação para caracterizar o espírito de doação no trabalho com os pobres. Após decreto vindo da Itália, reconhecendo a ordem, fizeram parte da primeira oblação 10 religiosas em 21 de agosto de 1.959. (CASTELVECCHI, 1955, p.46)

Assim, em 1.955, dá-se a fundação da Organização de Auxílio Fraterno, com sede à rua Riachuelo, n.o 342. Constituída como pessoa jurídica e tendo a possibilidade de maximizar a obtenção de recursos de doações, convênios e arregimentar um maior número de voluntários comprometidos com a causa, o trabalho junto à população carente se intensifica, de forma mais organizada e abrangente.

Ao longo de seus primeiros vinte anos de existência, entre alguns percalços, como a morte de Dom Inácio em 1.964, a perda de algumas oblatas, os conflitos com as instâncias superiores da Igreja, a falta contingencial de recursos, dentre outros, a OAF tornou-se uma instituição considerada modelo e de vanguarda no trabalho assistencial com a população carente em São Paulo e em Recife (a OAF atuou

6. Esta ordem de beneditinos surgiu no Mosteiro de Monte Oliveto, Siena, Itália, no final da Idade Média durante o trabalho dos monges no auxílio à população acometida de peste, liderados pelo Beato Bernardo Ptolomei, considerado fundador e patrono da ordem dos olivetanos. CASTELVECCHI, G. (Nenuca). Quantas vidas eu tivesse, tantas vidas eu daria. São Paulo: Paulinas, 1.985.

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em Pernambuco entre 1.959 e 1.975). Dentre as suas principais atividades tem-se as rondas noturnas, tradicionais desde o início da

organização, formadas por grupos de técnicos e voluntários que, durante a madrugada, distribuíam lanches para os mendigos que pernoitavam nas ruas da cidade, prestando algum auxílio adicional como distribuição de cobertores no inverno, realizando pequenos curativos ou removendo alguns indivíduos para suas unidades.

Basicamente entre imóveis e equipamentos próprios, alugados ou cedidos por convênio, a infra-estrutura física da OAF abrangia um albergue com grande capacidade de acolhimento, algumas casas de hospedagem para contingentes menores de desabrigados e a "Oficina Abrigada", destinada ao ensino de ofícios e capacitação profissional principalmente de menores de rua, além de veículos, equipamentos ambulatoriais, máquinas operatrizes, etc. O seu quadro de funcionários chegou a contar, nos períodos de maior atividade, com mais de oitenta técnicos.

Apesar do trabalho institucional da OAF ser reconhecido pela Igreja e pela sociedade em geral, como um trabalho de excelência, não vinha cumprindo os princípios básicos da gênese da organização, segundo entendimento de alguns dos seus membros mais antigos. A proposta inicial de fraternidade, de estar, pensar e viver junto, ter objetivo e voz própria, numa comunidade de indivíduos que se colocam na mesma posição, não alcançava efeitos significativos. Não se conseguiam criar vínculos estáveis entre as pessoas assistidas, mesmo entre aquelas com permanência maior e envolvimento mais consistente com a organização.

O indivíduo "recuperado", assim chamado dentro da OAF.

"[...]assumia em relação aos antigos companheiros, o olhar crítico e a mesma atitude de censura do resto da sociedade. O preço que se cobra para ingressar no mundo do trabalho é muito alto. Mesmo a classe dos trabalhadores mais simples, imbuída da ideologia dominante, só enxerga o homem como ser produtivo, o que leva a pessoa que vive na rua a negar e a se envergonhar do seu passado, de pouca ou nenhuma produtividade econômica. Assim nunca contávamos com gente que, unida, formasse a voz do povo da rua" (OAF, s/d, p.46).

Além disso, era grande a quantidade de pessoas que, mesmo alcançando certo grau de

recuperação, retornavam às ruas, à mesma miséria anterior. Também o fato de a prática institucional da OAF se realizar como intermediação entre os interesses daqueles que dão e os anseios dos necessitados, acabava por caracterizar os últimos como incapazes ou mudos, criando uma postura de dependência, não libertadora, contrária e perturbadora frente aos ideais da fraternidade.

Estes fatos começaram a incomodar significativamente os membros mais antigos e participantes da organização e desencadearam, em meados da década de 70, um processo de reflexão sobre os destinos da OAF. Simultaneamente o catolicismo latino-americano vivenciava um estimulante processo de revisão dogmática.

A partir das Conferências do Episcopado Latino Americano, realizadas primeiramente em Medellin, em1.968, e posteriormente em Puebla, 1.979, surge uma nova doutrina da Igreja, com forte orientação política e social. As entidades religiosas de assistência às populações carentes como a OAF foram altamente receptivas, iniciando um processo de revisão das suas praxes de atuação.

A nova doutrina social da Igreja, a Teologia da Libertação, renegava a religião que se ocupava da miséria para amenizá-la, onde o cristão que estava no poder ou dispunha de condição econômica para viver bem e segundo sua posição social, devia fazer caridade pelas mãos da Igreja, onde aquele que passava necessidades deveria simplesmente aceitar sua condição e acolher agradecido a ajuda que

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lhe era dispensada. A nova doutrina reviu esta posição. Basicamente, a nova orientação doutrinária dizia que as responsabilidades sociais são de todos

os cristãos. Não haveria mais distinção entre clero, suas hierarquias e os leigos. Todos, indistintamente, tomariam a iniciativa de combater a opressão e constituir uma sociedade mais justa. Além disso, o apelo tinha objeto concreto, isto é, a Igreja deveria deixar de entender a religião somente para o conforto espiritual e para a salvação da alma, e passaria a entendê-la como veículo de participação e transformação da sociedade, instrumento de luta por justiça social e defesa de direitos dos excluídos.

Por fim, a Igreja deveria sair dos seus espaços privilegiados (sacristias, seminários, obras de caridade, etc.) e ir ao encontro das populações desassistidas, aprender com elas, no seu próprio mundo, sobre o que realmente necessitam e sobre como a Igreja pode atuar.

O último e decisivo fato a contribuir para a decisão de mudar foi a nova orientação da abadia de Ribeirão Preto em relação aos trabalhos que a fraternidade deveria adotar a partir de então e que conflitavam com os objetivos originais e com o trabalho já realizado das oblatas.

O resultado foi o pedido de desligamento de Ribeirão Preto, concedido em 1.975. As oblatas foram acolhidas por Dom Paulo Evaristo Arns, tendo seus estatutos aprovados e registrados na Igreja de São Paulo em outubro de 1.979, conquistando seu lugar e identidade própria na comunidade eclesiástica. Nesta mudança, algumas freiras se desligaram e o grupo que permaneceu ficou com oito integrantes.

O fim da OAF nos seus moldes conhecidos não ocorreu de forma pacífica e gerou uma série de resistências, inclusive por parte da população de rua e demais usuários de alguns serviços da instituição. Mas a idéia e a nova estratégia estavam lançadas.

Os princípios da nova orientação passaram a ser (OAF, s/d, pp.51 e 52):

1)Primeiramente ser capaz de assumir um estilo de vida simples e fraterno, deixando-se evangelizar pelas pessoas que vivem na rua;

2)Partilhar, conviver, buscar com elas novas formas de organizar sua vida, juntar suas vozes. Facilitar as condições para que possam desenvolver a entre-ajuda, a partir de uma compreensão mais clara da situação da rua (que possam ser sujeitos de sua mudança);

3)não aceitar de forma alguma , voltar a criar instituições que acomodam, adormecem as consciências de pessoas antes tão trabalhadoras; instituições que transformam o povo em multidões de mendigos, vivendo da “caridade” do governo e da sociedade, sem estímulos para lutar por seus direitos;

4)Ter um compromisso consciente na transformação da sociedade atual para uma sociedade mais justa e fraterna para todos;

5)Em situações de conflito, ter um posicionamento claro e corajoso em favor do pobre e do mais oprimido;

6)manter-se como movimento fiel às suas origens e à caminhada da Igreja na América Latina.

Assim, durante a quaresma de 1.978, o grupo procurou fazer o que chamaram de "experiências

vitais". Dormindo nas ruas e nos “mocós”, sozinhos ou em duplas, recolhendo comida nas feiras livres, freqüentando albergues e instituições assistenciais públicas, vendendo coisas nas ruas para ganhar dinheiro e sofrendo a ação de fiscais, são alguns exemplos das experiências vividas. Desta forma tornaram-se pessoas conhecidas e familiares à população de rua, colhendo relatos e obtendo maior conhecimento sobre a forma de vida dos homens de rua, sobre o que pensavam e o que queriam

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realmente da sociedade. Neste primeiro momento, algumas ações de solidariedade e defesa de direitos básicos dentro das

contingências da vivência na rua, em situações de conflito nos espaços públicos, nos hospitais e delegacias, e a posterior discussão entre os que sofreram a violência, tanto vencendo como perdendo as lides, começaram a orientar as alternativas concretas do trabalho com esta população. A idéia básica foi tentar, de alguma forma, começar a reunir as pessoas da rua de maneira mais freqüente, organizada e em lugar determinado.

Aproveitando o fato de o homem de rua possuir grande religiosidade e conhecimento das datas e ritos da Igreja e do simbolismo religioso que faz parte da sua cultura, as oblatas resolveram fazer uma celebração da Semana Santa, convidando os indivíduos que começavam a conhecer nas ruas. Num salão cedido pela igreja de Santa Ifigênia, cerca de 50 mendigos participaram da celebração da Sexta-Feira Santa e ali, de forma ainda meio desorientada, começaram a discutir em um grupo maior, aquilo que já vinham fazendo individualmente ou em pequenos grupos nas ruas: falar sobre a vida e o sofrimento dos homens de rua.

A partir desta experiência, as oblatas conseguiram o empréstimo, em caráter permanente, de um casarão na Rua Florêncio de Abreu, de propriedade dos monges beneditinos. Ali passaram a realizar aos domingos, uma reunião com os pobres e que passou a se chamar "Casa de Oração". Compunham as atividades celebrações religiosas com liturgia voltada para os interesses da população de rua, representações teatrais evocando experiências vividas nas ruas, um pequeno mercado de trocas, comes e bebes em regime de "junta panelas", grupos de discussão, enfim, um espaço onde a população da rua podia se encontrar e praticar a recuperação da sociabilidade e de alguns valores perdidos na vida de mendicância.

Além da Casa de Oração com os encontros semanais, passou-se a realizar grandes encontros, geralmente coincidindo com datas religiosas importantes como Natal e Páscoa. Forma denominadas "Missões". Passaram a contar, a partir daí, com a participação de várias entidades, envolvidas com o trabalho junto à população de rua, principalmente religiosas, de orientações diferentes, mas que consorciaram uma multiplicidade de atividades. Normalmente organizavam procissões, sendo que algumas delas se tornam manifestações públicas de protesto e reivindicação. As Missões se realizam desde 1.979.

Neste mesmo ano, as irmãs Ivete, Regina e Regina Maria, com o objetivo de intensificar ainda mais o contato e o trabalho com os homens de rua, alugaram um casa na Rua dos Estudantes, 571. Para além dos encontros semanais da Casa de Oração na Florêncio de Abreu, criava-se um espaço permanente, cotidiano, para tentar agrupar e conscientizar a população das ruas. A casa das oblatas, que também receberia o nome de casa de oração, acabou sendo conhecida e chamada pelos seus primeiros freqüentadores como "casinha".

Do café com bolo oferecido inicialmente na "casinha", partiu-se para a confecção do "sopão". Esta estratégia vinha de encontro à idéia de participação onde seja possível "[...]fazer juntos & junto é melhor”. Além disso a comida tem o sentido da comunhão, é para todos. “Não é porque não fez que não come."7 Assim todas as quartas-feiras, quando havia feira livre sob os viadutos do Glicério (interligação Leste-Oeste), os participantes recolhiam ou ganhavam dos feirantes os produtos não mais adequados para a comercialização, mas ainda bons para o consumo. Enfim, a "xepa". Num trabalho comunitário, se produzia comida para cerca de 150 pessoas.

Do "sopão" surgiu o Centro Comunitário (casa ocupada no n.o 576 da Rua dos Estudantes), espaço para guardar os apetrechos e local de confraternização e discussão após a sopa. Destes encontros formaram-se grupos de atividades diversas como o grupo de moradia que conseguiu transformar várias casas na Rua dos Estudantes e adjacências em habitações da comunidade. 7. Irmã Regina, em entrevista realizada em 05.01.93.

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Um outro grupo se formou com os catadores de papel e papelão, surgido em 1.982. "Sopão", moradia e catadores são organizações que fazem parte da "Comunidade dos Sofredores da Rua", que passou a dar um novo perfil aos mendigos, que agora se autodenominam sofredores e que caracterizam uma mudança nas relações e formas de atuação de um conjunto de pessoas. Pessoas que começam a se identificar como grupo social específico e com interesses próprios.

Uma das práticas mais comuns para obtenção de dinheiro entre a população de rua, é a cata de papel e papelão e a subsequente venda aos depósitos de sucata. Portanto, não era de se esperar que parte dos indivíduos que começaram a se agrupar e se organizar em torno da Comunidade dos Sofredores da Rua fossem catadores de papel e carrinheiros. Esta atividade se realiza, basicamente, de duas formas. A coleta e o transporte manual, feito individualmente ou a utilização de carrinhos fornecidos em geral pelos depósitos.

A ligação entre catador e depósito sempre foi muito forte. O fato de fornecer o equipamento gera relações de dependência favoráveis aos proprietários, principalmente quanto ao valor pago pelo material catado. Em muitos casos o depósito representa para o catador, o local de pernoite ou mesmo de moradia permanente, pois alguns permitem a construção de barracos nos cantos e nos fundos dos terrenos. Alguns ainda fornecem alimentos, roupas, remédios e pinga, criando, enfim, um contingente razoavelmente estável de catadores, subservientes aos interesses dos proprietários que, em troca, garantem a sobrevivência básica dos catadores. Além dos carrinhos, os depósitos possuem caminhões que fazem a coleta noturna de materiais recicláveis, utilizando-se também da mão-de-obra dos catadores. Não há vínculos formais de qualquer natureza, só os de fato. O medo de perder o trabalho e a moradia facilitam a relação de poder sobre o catador.

A gênese do movimento dos catadores, que se tornaria uma associação e posteriormente a cooperativa, se deu com a construção de um primeiro carrinho comunitário. Este foi construído por iniciativa de um dos catadores que já freqüentavam o Centro Comunitário, chamado Carlinhos, que contou com a colaboração de outros no fornecimento dos materiais e na confecção. O primeiro carrinho recebeu o nome de "Gasparzinho".8 Eram cinco os proprietários deste carrinho que se organizaram de forma a utilizá-lo ao longo da semana, saindo para a cata sempre em grupos de dois catadores.

Do dinheiro obtido da venda de cada carinho de papel e papelão, separava-se 10% para formar um fundo de construção de um novo carrinho. O Gasparzinho era guardado no Centro Comunitário (Estudantes, 578), sendo que as dimensões de sua porta de entrada principal é que determinaram as dimensões, especialmente a largura do primeiro e dos demais carrinhos.

Em 1.984 surge o "Gasparzão" e a prática de uso comunitário de carrinhos começa a despertar o interesse e a maior participação. Novos integrantes se somam ao grupo que, a esta altura, já contava com oito pessoas.

Neste mesmo ano o grupo de catadores resolve se mobilizar para conseguir fundos para a sexta missão, que se realizaria no feriado de 7 de setembro. Assim, nos meses de junho a agosto de 1984, o grupo de catadores realizou o que chamaram de "Mutirão do Papelão". Do total apurado pela Comunidade naquele ano, 85% foi arrecadado pelo grupo de catadores.

No mutirão, a cada dois carrinhos catados, um ficava para o sustento dos catadores e outro era depositado para a Missão. Este material era guardado numa das casas abandonadas da Rua dos Estudantes. Às vésperas da Missão, os catadores chamaram um caminhão de um aparista9 e com a venda perceberam que o valor pago pelo quilo do papel era muito maior que aquele pago pelos depósitos.

8.O nome faz menção ao "fusquinha" branco pertencente às Oblatas na época. "Este é o nosso Gasparzinho" diziam os catadores. 9.Aparista é o intermediário entre os depósitos e as indústrias de reciclagem. Segundo Amado existem cerca de 30 grandes aparistas atualmente em são Paulo que comercializam individualmente de 120 a 150 toneladas de papel e papelão por dia.

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O sistema de consolidar a cata para a venda aos aparistas se mostrou, contudo, inviável num aspecto importante. Entre os membros do grupo surgiram acusações de que uns trabalhavam mais, trazendo carrinhos mais cheios e pesados que os outros e que não era justo dividir o valor total da venda em partes iguais.

A solução foi dada pela aquisição através da OAF de uma balança. A venda continuaria a ser coletiva mas cada um receberia proporcionalmente à quantidade de papel depositada individualmente e contabilizada num livro de controle.

No início de 1.985 a OAF alugou os números 477 e 485 da Rua dos Estudantes, sendo que neste último havia um galpão espaçoso e conveniente para as atividades de armazenamento do papel, o qual logo foi ocupado.

Nesta altura o grupo já contava com 15 integrantes. Para a pesagem e marcação nos registros de depósito individual do papel foi destacado um membro exclusivamente responsável por este serviço (dado que o sistema de cada um pesar e marcar o seu próprio papel havia gerado desconfianças). Este membro não catava mais para estar o dia todo disponível para receber, pesar e acondicionar o papel. Uma parcela de 5% do valor arrecadado foi destinado para seu sustento, além dos 10% que já eram separados para o fundo de construção de novos carrinhos.

No ano de 85 assume o novo Prefeito Jânio Quadros. Desde o surgimento como grupo, os catadores da Rua dos Estudantes não haviam enfrentado problemas com o poder público, específicos quanto à catação de papel.

Jânio, todavia, alegando a exclusividade do poder municipal sobre a operação de coleta do lixo ou a concessão deste serviço, resolveu, já no início de sua gestão, perseguir aqueles que se apropriavam do lixo da cidade, sem autorização da prefeitura, em especial aqueles mais frágeis, os catadores, alegando que sujavam a cidade, espalhavam o lixo e atrapalhavam o trânsito.10 O recolhimento dos carrinhos e das cargas e a repressão violenta, feita principalmente pela Administração Regional da Sé, foram o estímulo para um primeiro momento de mobilização política do grupo de catadores.

Organizaram um ato de protesto no dia 5 de abril de 1.985 com uma passeata que saiu do Largo são Bento e percorreu as ruas do centro da cidade até a Praça da Sé onde, num ato público com discursos e distribuição de panfletos, reivindicaram a possibilidade de continuar sobrevivendo da cata de papelão. A partir daí, orientados pelos advogados da OAF, os catadores começaram a estudar uma forma de se proteger juridicamente contra os atos do prefeito.

A necessidade primeira seria constituir uma entidade específica para a defesa dos interesses do grupo e dos catadores em geral. Desta idéia surgiu formalmente, em 20 de julho de 1.985, como entidade civil sem fins lucrativos, a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável. Inicia-se um processo de orientação e encaminhamento de catadores para a obtenção de documentos, inscrição como trabalhadores autônomos na Prefeitura e posterior filiação à Associação.

O galpão do grupo de catadores da Rua dos Estudantes passa a ser o local de reuniões semanais para promover a conscientização dos catadores da cidade. Distribuem-se convites pelas ruas para os carrinheiros, coincidindo os encontros com os dias do "sopão".

Neste contexto, os valores e os símbolos começam a ser resgatados. O reconhecimento de que são trabalhadores organizados, o estudo de formas institucionalizadas e legais de atuação, a inserção numa entidade como membro associado onde se entendem a linguagem e os gestos e onde se pode 10. A motivação destas ações, a princípio declaradas como de ordem legal e administrativa, tinham, na realidade um fundo político e econômico. As concessionárias que faziam a coleta na cidade de São Paulo na época, recebiam por tonelada de lixo transportado. "Rocha (diretor da ENTERPA, uma das empreiteiras contratadas pela Prefeitura para fazer a coleta do lixo) estima que, diariamente, cerca de 500 a 600 toneladas de papelão e sucata são recolhidos pelos catadores, caminhões e depósitos, principalmente na região central da cidade. Na mesma área a Administração Regional Sé coleta, também diariamente, cerca de oitocentas toneladas de lixo. Vale dizer: a coleta 'autônoma' atinge até 40% do total...". Shopping News, 28.02.88.

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discutir, com pares, os problemas dos quais antes se envergonhavam, a ponto de procurarem fuga na cachaça, formam um conjunto de referenciais e perspectiva de futuro para os catadores. Até os pequenos símbolos fazem mudar certas atitudes. Tanto assim, que muitos conseguiram recuperar seus carrinhos apreendidos mediante a altivez no discurso de homens trabalhadores e a apresentação da carteirinha de associado. A Associação possui até hino.

Todavia, não houve trégua do Governo Jânio. Em 26 de abril de 1.986 o prefeito anunciou que estaria terminantemente proibida a catação de

papel por particulares, através de um bilhete enviado aos secretários de Serviços e Obras, Fiori Vita, e das Administrações Regionais, Welson Barbosa. Segundo o bilhete, os catadores particulares "[...]não só furtam o lixo que pertence à prefeitura, como ainda espalham sujeira"11 e portanto deveriam ser reprimidos.

A reação dos catadores foi imediata. Aproveitando as comemorações da Semana Santa, realizaram, três dias após o anúncio do prefeito, uma procissão-protesto entre o Pátio do Colégio, Praça da Sé e Largo são Francisco, mostrando sua indignação e protestando pelo reconhecimento de seu trabalho.

Jânio não se deteve somente sobre os catadores mas decidiu reprimir também a Comunidade dos Sofredores da Rua. Talvez por compreender ser ela a fonte de toda organização dos catadores, resolveu atacar a raiz. O "sopão" das quartas-feiras foi o principal alvo, já que esta era a atividade central de onde nasceram todas as organizações que compunham a Comunidade. A partir do final de 1.987 e ao longo do ano de 88, a Guarda Civil Metropolitana fez incursões quase que semanais de dispersão das atividades embaixo do viaduto onde se confeccionava a sopa.

No último ano do governo Jânio a perseguição aos catadores se intensifica. Sempre invocando nas regras legais da Lei Municipal da Limpeza Pública, n.o 10.315 de abril de 1.987 (também conhecida como a "Lei do Lixo"), que proíbe a coleta, transporte e armazenamento de lixo sem autorização prévia da prefeitura e mais uma vez fazendo opção pelas empreiteiras (ou por elas premido), "[...]inicia comandos noturnos semanais com o objetivo de apreender e multar caminhões que fazem coleta de lixo não autorizada, deter catadores e fechar depósitos receptadores."12

Todavia, se o ano de 88 foi um ano de recrudescimento das lides com a prefeitura, foi um ano também de conquistas. Neste ano a Associação dos Catadores tomou contato com a SENACOOP, órgão federal de apoio à criação e fomento de cooperativas, através do seu escritório em São Paulo.

O trabalho de assessoria e convencimento das vantagens do cooperativismo deu um salto de qualidade nas reflexões dos catadores sobre que tipo de relação com o trabalho gostariam de ter. Cooperado como participantes de um sistema produtivo que envolve não só a participação, mas a solidariedade e autonomia, um sistema que vinha ao encontro das expectativas de um grupo que se formou dentro desta pedagogia. Os conceitos do cooperativismos estavam muito próximos das práticas da Comunidade dos Sofredores.

Ocorre neste período, também, um pedido de financiamento ao BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, para a aquisição de infra-estrutura e conseqüentes ganhos de escala de produção, além de formação de capital de giro para a cooperativa em formação. Buscou-se aproveitar das linhas especiais do Banco, de financiamento para os empreendimentos cooperativos.

Em 1.989, os objetivos traçados ao longo do ano anterior se realizam, já num ambiente político-institucional mais favorável. Em janeiro toma posse a prefeita Luiza Erundina, assistente social e politicamente engajada em movimentos populares, particularmente o dos catadores.13

11. Folha de São Paulo, 29.03.86. 12. Shopping News, 21.02.88. 13. Ao longo do seu mandato de vereadora, Luiza Erundina apresentou três moções de apoio aos catadores de papelão, contra as políticas janistas.

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Neste ano sai a aprovação e liberação do financiamento do BNDES que, apesar da defasagem monetária em relação ao projeto inicial (quase um ano para deferimento), foi compensado com cláusula de dívida a fundo perdido. Não foi possível adquirir todos os equipamentos pretendidos, porém foi suficiente para a aquisição de uma prensa, um triturador, uma empilhadeira, um caminhão usado e trinta carrinhos novos.

Em 14 de maio de 1989 funda-se a Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis Ltda. - COOPAMARE, contando a ata de abertura com 35 cooperados.

Em 1.990 começa o processo de expansão das atividades. Forma-se o primeiro núcleo fora da Rua dos Estudantes. No mesmo ano, uma favela localizada na Vila Mariana que praticava a cata e armazenamento de recicláveis nas calçadas da Rua Maestro Cardin, enfrentou uma briga com a Administração Regional, motivada pela reclamação da vizinhança. A participação da COOPAMARE, chamada para auxiliar na resolução da lide, possibilitou a cessão de um espaço sobre o Viaduto Eduardo Saiaghi, Rua Helen Keler, 356. Filiaram-se 15 novos cooperados.

Este também é o ano em que a prefeita reconhece o trabalho dos catadores de papel e papelão através de Decreto Municipal. É assinado um convênio com a prefeitura que cobre salários de quatro funcionários administrativos fixos da COOPAMARE.

Em 1.991 a Cooperativa obtém junto à Administração Regional de Pinheiros a cessão de um espaço sob o Viaduto Paulo VI (Av. Sumaré), na Rua João Moura.14 O espaço, cedido a título precário, recebeu uma série melhorias e organização de seu "lay-out" funcional. Se tornou a nova sede da COOPAMARE, em substituição à da Rua dos Estudantes, e se emancipando relativamente da OAF.

A organização começa a ser mais amplamente divulgada a partir de 1.992, iniciando um trabalho institucional de esclarecimento e orientação junto a outras organizações que já trabalham com população de rua e catadores e desejam adotar o modelo da COOPAMARE como uma alternativa organizacional. Buscou-se criar uma rede de informações para fortalecer e disseminar o cooperativismo como a saída para a cata e processamento de recicláveis em nível nacional.

A COOPAMARE foi uma das participantes no I Encontro Nacional de Catadores de Papel e Recicladores de Materiais Reaproveitáveis, realizado em Santos, entre 6 e 9 de maio de 1.992. Com a participação de doze entidades, foram aprovadas, como principais propostas, a regulamentação profissional do catador em nível nacional, a priorização da coleta de recicláveis para catadores organizados e a manutenção do caráter autônomo e da autogestão na atividade da cata. Participaram também como palestrantes do I Seminário Nacional Sobre População de Rua, realizado pela Prefeitura de São Paulo entre 3 e 5 de junho de 1.992.

Naquele ano a COOPAMARE contava com 52 cooperados. Movimentava mensalmente cerca de 120 toneladas de papel e papelão, 20 Toneladas de metais ferrosos e não ferrosos e 5 toneladas de plástico. Estava em vias de instalação o triturador de vidro que representaria um incremento de 40% no faturamento da Cooperativa, segundo estimativa de seu diretores. Prestava ainda serviços aos não cooperados, pagando pelo material depositado valores, em média, 40% acima dos praticados pelos demais depósitos. Eram os formadores de peço no mercado de sucata da Cidade de São Paulo.

Pelo que prescreve os estatutos da COOPAMARE e pela conduta de seus membros, percebe-se a importância e o valor do indivíduo e seus direitos como cidadão numa proposta alternativa de organização social de trabalho. A construção de uma consciência nova é um dos principais objetivos, se não o principal, da Cooperativa.

A percepção do trabalho como legítimo e honrado, devendo ser socialmente reconhecido e prestigiado, realça a importância do catador e o reflexo positivo para o conjunto da sociedade. Assim, todo novo integrante da COOPAMARE recebe informações sobre as questões que envolvem o trabalho 14. Este local foi disputado intensamente com as escolas de samba "Som Maior" e "Pérola Negra" ao longo do ano de 91. O projeto de utilização e a maior capacidade de articulação na negociação política premiaram a Cooperativa.

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com a cata e deve se comprometer com o código de ética do trabalhador catador. A Cooperativa como sua entidade representativa, se compromete a ser seu preposto junto ao

poder público e ao mercado de recicláveis, em campanhas profissionais ou iniciativas de caráter político que fortaleçam a categoria, prestando assistência jurídica individual aos associados; prevê reserva de fundos de assistência educacional e social para os cooperados e seus familiares, artigo 45 do Estatuto; promove atividades culturais, de lazer e esporte como cursos, festas e eventos diversos para seus membros.

No início de 1993 assume a prefeitura paulista o Engenheiro Paulo Maluf. Apesar das ações lúcidas e a postura crítica dos diretores da cooperativa, mendigos de rua,

recuperados e capazes de agir e interagir como cidadãos socialmente integrados e participantes, não resistiram ao novo governo municipal hostil, reconduzido no final de 1996 através da candidatura de Celso Pitta.

Mesmo uma organização com experiência bem sucedida, de luta conjunta, de trabalho comunitário, estruturado e construído segundo desejo e determinação de seus membros, mendigos catadores que conseguiram refazer suas vidas, trazendo com eles novos valores de associacionismo e cooperativismo, fraternidade, autonomia e auto-estima, em tecnologias artesanais de trabalho, renunciando à opressão das relações de trabalho, típicas das organizações capitalistas de produção, não foram capazes de criar autônomia e independência do poder público, como a experiência com o governo Jânio já havia sugerido. A COOPAMARE perdeu associados e deixou de ser a formadora de preços do mercado de sucata paulistano, tendo dificuldades presentes de manutenção do seu projeto. As consultorias da Cooperativa frutificaram Brasil afora, tendo como um importante exemplo a ASMARE, em Belo Horizonte, Minas Gerias.

A experiência da cooperativa dos catadores de papel e papelão da Rua dos Estudantes vem mostrar que é possível resgatar homens de rua. Ainda que poucas e um tanto erráticas as experiências de cooperativas de catadores no Brasil mostram, que seus participantes recuperaram graus significativos de direitos de cidadania e podem ser um modelo orientador para práticas sociais, principalmente na esteira das políticas públicas. A experiência da Coopamare deixa claro, porém, a imprescindível participação do Estado como suporte institucional para o desenvolvimento de experiências com esta orientação, ou seja, iniciativas autônomas de organização social não devem substituir, mas se sobrepor, compor, se consorciar com os aparatos do Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imagem do mendigo tradicional, como aquele que renunciou ao bem-estar material e estaria à procura da verdadeira essência das coisas e do mundo, ou aquele que é vítima da sua própria incompetência, não corresponde hoje à realidade da população de rua de São Paulo, e provavelmente das populações de mendigos urbanos de todo o país.

Trata-se de pessoas que vivem em situação de extrema instabilidade frente à dinâmica do sistema, sem referências de apoio afetivo e social, excluídas do trabalho e do consumo, amplamente estigmatizadas, impedidas de estabelecer projetos de vida e até mesmo de resgatar uma imagem positiva de si mesmos.

Sem trabalho regular, sem lugar fixo de moradia, sem contato com familiares, são obrigadas a se utilizar da rede de serviços assistenciais, públicos e privados, que adotam práticas que, em geral, reproduzem o fenômeno. Os homens de rua são tratados como seres dependentes e, portanto, desprovidos de direitos. Deles se exige a subserviência frente à prestação do serviço, fragmentando sua integridade psíquica e imobilizando sua capacidade de reação, numa espiral eterna de reprodução das populações urbanas miseráveis e desvalidas.

Todavia, alternativas recentes no trato e recuperação destes indivíduos, que estão mais próximas

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a uma pedagogia de autonomização do processo de recuperação social, se oferecem como uma solução possível para um problema social aparentemente insolúvel. Apesar de o fenômeno de crescimento das populações de mendigos urbanos não ser apenas função do agravamento da atual crise econômica, e obviamente não reduzir-se a uma problemática de responsabilidade exclusiva dos poderes municipais, a atomização dos serviços de assistência social prestados pelas políticas locais, se apresenta como o sistema de maior efetividade na recuperação de homens de rua.

Os exemplos de experiências bem sucedidas a partir da Comunidade dos Sofredores da Rua e da COOPAMARE mostraram que a priorização de processos de recuperação pelo exercício autônomo de recomposição da identidade, através de práticas comunitárias e socializantes, é capaz de recuperar indivíduos antes degradados física e psicologicamente na vivência das ruas, tornando-os seres socialmente reintegrados e cidadãos plenos no exercício de seus direitos.

Este trabalho procurou, assim, dar uma contribuição reflexiva sobre um dos aspectos da realidade social brasileira, ao estudar um fenômeno de população de rua das grandes cidades, especialmente a de São Paulo. Com base num conjunto sistematizado de várias instâncias teóricas, buscou-se formar um quadro de categorizações que contribuísse para um melhor entendimento da construção de uma ideologia sobre o mendigo - onde se constata as relações entre conceito científico e formação do senso comum - e, consequentemente, da legitimação de uma ordem ética e moral que gera os processos de estigmatização do homem de rua.

O levantamento dos dados e depoimentos dos homens de rua de São Paulo e das instituições ligadas à assistência destes indivíduos, ainda que parcial e de caráter exploratório, veio corroborar com as expectativas iniciais de que os processos de segregação e exclusão social fazem parte da lógica própria do atual sistema de produção e acumulação. Desta forma, as tentativas institucionais para resolver os problemas relativos às populações deveriam adotar orientações mais eficazes, posto que rompem com a reprodução ou o agravamento da situação das populações de mendigos urbanos.

Por outro lado, as práticas que questionam esta lógica e buscam formas alternativas de ação assistencial, com pedagogias novas e questionadoras, parecem obter melhores e efetivos resultados. As diferentes abordagens adotadas no Município de São Paulo, com relação à Associação dos Sofredores da Rua e a COOPAMARE, não são, todavia, perenes, mas experiências que podem tornar-se o início de uma ampla revisão dos modelos atuais de formulação, implementação e gestão de políticas públicas na área social. BIBLIOGRAFIA BECKER, H. S. Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1.977. BECKER, H. S. Los estraños: sociologia de la desviación. Buenos Aires: Tempo Contemporâneo,

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