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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 A transferência da gestão de serviço público e a responsabilidade civil: análise do caso das concessionárias de rodovias Cristina Pontes Lins Côrrea Velloso INTRODUCÃO No último século o mundo assistiu a um desenvolvimento extraordinário das relações sociais, científicas e tecnológicas que permeiam a vida na terra. O fenômeno da globalização encurtou as distâncias geográficas e determinou o fim do isolacionismo de algumas sociedades. A comunicação interativa propiciada pelas redes de informática produz um progressivo conhecimento científico. Discute-se cada vez mais, seja em fóruns jurídicos nacionais ou estrangeiros, sobre direito e tecnologia. A questão primordial é compatibilizar o desenvolvimento tecnológico e as relações intersubjetivas surgidas nesse contexto. A mutação do modelo estatal brasileiro, que ao seguir uma tendência mundial, deixa de ser Estado prestador de serviços, para se transformar num Estado que se volta às suas funções essenciais e paralelamente outorga à iniciativa privada a gestão de atividades que se constituíam em monopólio estatal, em muito alarga as discussões em torno da responsabilidade patrimonial do Estado e da responsabilidade civil que acomete empresa concessionária. As rodovias brasileiras, em sua maioria, até o início da década de 90, eram construídas, conservadas e fiscalizadas diretamente pelo Estado. Com a expansão dos programas de concessões de serviços públicos, cresceu a outorga de concessões rodoviárias às empresas privadas. Por intermédio do contrato de concessão rodoviária o que se transfere ao concessionário é tão simplesmente o exercício da atividade pública, mantendo o Estado sob seu domínio à propriedade da res extra commercium, conforme ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Mello em seu Curso de Direito Administrativo. A concessão de serviço público, para Eurico de Andrade Azevedo e Maria Lúcia Mazzei de Alencar em Concessão de serviços públicos, é a transferência da prestação de serviço público, por intermédio de uma delegação contratual, ao ente privado. Este se compromete a prestar o serviço público outorgado, por sua conta e risco, remunerando-se com sua exploração, através da cobrança de tarifas. É a tarifa paga pelo usuário da rodovia que esteia, em regra, a contraprestação do serviço oferecido pela concessionária. Entende-se, assim, que incluso neste serviço está a obrigação da concessionária em assegurar a fluidez e segurança do tráfego aos usuários da rodovia. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 6º. , dispõe: “As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”. O texto constitucional incumbe ao concessionário responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados, o que nos permite inferir que a prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da responsabilidade do Estado. O binômio prestação de serviço/concessão rodoviária tem seu vértice na figura do consumidor, que na qualidade de usuário e amparado na sua relação extracontratual, defende seus direitos. Essa nova realidade leva o intérprete das normas constitucionais e legais em vigência a repensar os conceitos outrora estratificados na doutrina jurídica. A tendência, atual é não deixar a vítima irressarcida.

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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002

A transferência da gestão de serviço público e a responsabilidade civil: análise do caso das concessionárias de rodovias

Cristina Pontes Lins Côrrea Velloso

INTRODUCÃO

No último século o mundo assistiu a um desenvolvimento extraordinário das relações

sociais, científicas e tecnológicas que permeiam a vida na terra. O fenômeno da globalização encurtou as distâncias geográficas e determinou o fim do isolacionismo de algumas sociedades. A comunicação interativa propiciada pelas redes de informática produz um progressivo conhecimento científico. Discute-se cada vez mais, seja em fóruns jurídicos nacionais ou estrangeiros, sobre direito e tecnologia. A questão primordial é compatibilizar o desenvolvimento tecnológico e as relações intersubjetivas surgidas nesse contexto.

A mutação do modelo estatal brasileiro, que ao seguir uma tendência mundial, deixa de ser Estado prestador de serviços, para se transformar num Estado que se volta às suas funções essenciais e paralelamente outorga à iniciativa privada a gestão de atividades que se constituíam em monopólio estatal, em muito alarga as discussões em torno da responsabilidade patrimonial do Estado e da responsabilidade civil que acomete empresa concessionária.

As rodovias brasileiras, em sua maioria, até o início da década de 90, eram construídas, conservadas e fiscalizadas diretamente pelo Estado. Com a expansão dos programas de concessões de serviços públicos, cresceu a outorga de concessões rodoviárias às empresas privadas. Por intermédio do contrato de concessão rodoviária o que se transfere ao concessionário é tão simplesmente o exercício da atividade pública, mantendo o Estado sob seu domínio à propriedade da res extra commercium, conforme ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Mello em seu Curso de Direito Administrativo. A concessão de serviço público, para Eurico de Andrade Azevedo e Maria Lúcia Mazzei de Alencar em Concessão de serviços públicos, é a transferência da prestação de serviço público, por intermédio de uma delegação contratual, ao ente privado. Este se compromete a prestar o serviço público outorgado, por sua conta e risco, remunerando-se com sua exploração, através da cobrança de tarifas. É a tarifa paga pelo usuário da rodovia que esteia, em regra, a contraprestação do serviço oferecido pela concessionária. Entende-se, assim, que incluso neste serviço está a obrigação da concessionária em assegurar a fluidez e segurança do tráfego aos usuários da rodovia.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 6º. , dispõe: “As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”. O texto constitucional incumbe ao concessionário responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados, o que nos permite inferir que a prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da responsabilidade do Estado.

O binômio prestação de serviço/concessão rodoviária tem seu vértice na figura do consumidor, que na qualidade de usuário e amparado na sua relação extracontratual, defende seus direitos.

Essa nova realidade leva o intérprete das normas constitucionais e legais em vigência a repensar os conceitos outrora estratificados na doutrina jurídica. A tendência, atual é não deixar a vítima irressarcida.

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DA RESPONSABILIDADE CIVIL O aumento demográfico associado ao crescente desenvolvimento tecnológico vivenciado

pelo homem moderno fez nascer um maior número de interesses de ordem subjetiva tendentes a se confrontar. Esta conflituosidade advinda da atividade humana é inevitável e inerente à vida social e se torna a razão da existência dos preceitos normativos da conduta humana, que possuem como finalidade precípua delimitar, conciliar e harmonizar as atividades da vida social.

A sociedade hodierna tem buscado através do judiciário a recomposição de seus direitos, lesados no embate de suas relações intersubjetivas. O caminho a ser perfilhado é o da Ação de Responsabilidade Civil. O princípio geral é, de que o prejuízo experimentado pela vítima deve ser reparado, e o restabelecimento do status quo ante a meta a ser alcançada na atividade ressarcitória.

A responsabilidade é um valor moral conexo com o viver entre os homens que repercute em todos as suas manifestações, sócio-econômico-culturais.

No direito romano o vocábulo “responsabilidade” não era conhecido. Foi somente no século XVIII que ele apareceu nas línguas européias, como afirma o prof. Paulo Afonso Leme Machado, ao citar ensinamento do Professor Michel Villey, da Universidade de Direito, Economia e Ciências Sociais de Paris1.

Após o século XIII é possível se encontrar os termos responsum, derivado de respondere. A análise etimológica do termo respondere liga-se a sponsio, uma instituição do direito romano arcaico e a spondere. O sponsor era o devedor, que assim ficava reconhecido como tal durante o diálogo da “estipulação”. Ao responder afirmativamente à indagação do “estipulante” futuro credor, o sponsor assumia uma obrigação prestacional. Numa segunda fase do diálogo, uma outra pessoa se comprometia a honrar a dívida principal de outrem, ou seja, aquele que respondia pela caução recebia a denominação de responsor.

Elcio Trujillo leciona que, “etimologicamente, responsabilidade deriva do latim respondere, responder, e deste sentido surge seu significado técnico-jurídico, ou seja, responsabilizar-se, tornar-se responsável, ser obrigado a responder”2.

Infere-se, portanto, que a responsabilidade jurídica, na acepção moderna, se origina do latim responsus, particípio passado do verbo respondere e se traduz em responder, afiançar, prometer, pagar. Presente nas relações jurídicas é a responsabilidade condição inerente às partes que se relacionam juridicamente. Traz o instituto uma conotação especial de caráter assecuratório, vinculado a uma obrigação, que quando descumprida faz brotar o fenômeno da responsabilidade.

A Responsabilidade Civil hodierna se cristaliza no cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, e no pagamento em dinheiro de um quantum indenizatório resultado de uma condenação judicial em decorrência de uma atividade ou inatividade geradora de um dano a outrem.

Embora encontra-se no direito Romano as origens da responsabilização pecuniária, não se construiu ainda de todo uma teoria da responsabilidade civil. Não havia preocupação por parte dos jurisconsultos em elaborar teoricamente nenhum instituto, mas sim resolver as questões cotidianas de forma pragmática. Todavia, não se pode negar a contribuição dos jurisconsultos romanos, foram eles que acabaram por diferenciar a pena da reparação. Nesta fase, a justiça punitiva evoluiu para a justiça distributiva o que determinou o surgimento dos delitos de ordem pública e os delitos privados. Nos primeiros, a multa era recolhida aos cofres públicos; enquanto que nos crimes privados, cabia à vítima o recebimento da prestação pecuniária.

A instituição da Lex Aquilia, pelos romanos proporcionou o surgimento de um princípio

1 WILLEY, Michel. Apud MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 267. 2 TRUJILLO, Elcio. Responsabilidade do Estado por ato lícito. Leme: LED, 1996. p. 31.

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geral regulador da reparação do dano3. É na Lei Aquília onde se encontra maior evolução dos conceitos jus-romanísticos em termos de responsabilidade civil4. Em que pese às incertezas doutrinárias a “culpa” como pressuposto para reparação do dano teria surgido com a Lex Aquília.

Estudando as noções estabelecidas no direito romano, os juristas franceses, aperfeiçoaram os casos de responsabilidade civil. Criaram um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando-se a enumeração dos casos de composição obrigatória. Nesse passo, “a doutrina da culpa assume todas as veras de uma fundamentação ostensiva e franca com o Código de Napoleão5”. Estava a noção de culpa abstrata positivada juridicamente.

No período colonial, vigoravam no Brasil as ordenações Filipinas. Mesmo com a independência, ocorrida em 1822, a legislação portuguesa continuou vigorando entre nós. O Capítulo IV do Código Criminal do Império, diploma datado de 1830, continha preceitos acerca da responsabilidade civil conforme anota Carvalho Neto:

“estabelecia ele a reparação natural, quando possível, a integridade da reparação, com solução da dúvida em favor do ofendido, a contagem dos juros compostos, a solidariedade e a hipoteca, a transmissibilidade do dever de reparar e do crédito de indenização aos herdeiros e preferência do direito de reparação sobre o pagamento das multas”6.

Aguiar Dias preleciona que neste diploma havia orientações seguras sobre regras de responsabilidade civil que poderiam ser utilizadas por nossos pretórios na atualidade7. Em 1841, o Código Criminal foi derrogado pela Lei nº 261, de 3 de dezembro. Eliminou-se a necessidade de subordinar a reparação à condenação, adotando-se o princípio da independência dos dois juízos. Destacam-se as orientações sobre reparação do dano ex delicto.

Os diplomas seguintes, a Consolidação de Teixeira de Freitas e a Nova Consolidação de Carlos de Carvalho, estabelecem preceitos que “marcam novas fases da evolução do direito brasileiro”8 e revelam a crescente importância do instituto da responsabilidade civil no direito pátrio. O Código Penal de 1890 reproduziu os princípios constantes do Código Criminal do Império. Após a Proclamação da República, Clóvis Beviláqua foi encarregado de elaborar o Projeto do Código Civil, que recebeu reformas efetuadas pelo legislativo federal e longo parecer do então senador Rui Barbosa. Aprovado em 1916, entrou em vigor em l.º de janeiro de 1917 e permanece até os dias atuais.

A responsabilidade civil aparece agasalhada no art. 159, que assim dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Sendo certo, que o preceito estampa a forma clássica do dever de reparar um dano causado.

O Código Civil de 1916 aglutinou teses dos juristas pátrios, que influenciados pelos Códigos francês (1804) e alemão (1896), se esforçaram para promover uma evolução do direito nacional com a vistas a acompanhar o desenvolvimento industrial da sociedade brasileira daquela época. Em nosso ordenamento, é certo afirmar que o legislador brasileiro no art. 159 consagra a “teoria da culpa”9, e a fonte inspiradora foi o Código Civil francês, embora se tenha reconhecido, também, a responsabilidade sem culpa.

Em matéria de responsabilidade civil, cumpre-nos ainda salientar ato do legislador anterior 3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 5. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 3. 5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 14. 6 CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 29. 7 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 2v. p. 22. 8 DIAS, José de Aguiar. Op. cit. p. 25. 9 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 7.

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ao Código Civil, que foi a promulgação do Decreto Legislativo 2.681 de 17 de dezembro de 1912, envolvendo a responsabilidade advinda do transporte nas estradas de ferro. É o diploma de suma importância para a solução da responsabilidade contratual, de forma que até nos dias atuais serve para regular as relações de transportes em suas diversas espécies de transportes.

DEFINIÇÃO

Notória é a dificuldade de se conceituar a responsabilidade civil, existente tanto na doutrina

alienígena como na doutrina nacional.A causa é que muitos estudiosos se baseiam na culpa, e tantos outros, que a vêem “sob aspecto mais amplo, não vislumbram nela mera questão de culpabilidade, mas de repartição de prejuízos causados”10.

G. Marton, que define a responsabilidade como:

“situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não estar previstas”11.

Para Henri Lalou, a responsabilidade pode ser representada no binômio obrigação/garantia, que traduz a idéia de se enxergar de um lado a vítima de um dano e, de outro uma pessoa obrigada a indenizar12.

No âmbito da doutrina pátria, Maria Helena Diniz, dá sua definição de responsabilidade como “aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”13.

A definição de Caio Mário da Silva Pereira vem ao encontro de toda idéia que até agora temos exposto sobre a responsabilidade civil:

“A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independentemente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil”14.

Tradicionalmente, a responsabilidade civil funda-se na culpa. É a teoria clássica. “A culpa é

um erro de conduta, moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada, em iguais circunstâncias”15. É ela o requisito essencial da responsabilidade aquiliana ou extracontratual 10CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 29. 11 MARTON, G. Apud CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 35/36. 12 LALOU, Henri. Apud CARVALHO NETO, Inácio de. Ibidem. p. 38. 13 DINIZ, Maria Helena. Apud CARVALHO NETO, Inácio de. Ibidem. p. 41. 14 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p.11. 15 LIMA, Alvino. Op. cit. p. 69.

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e integra um dos fundamentos da responsabilidade subjetiva. Essa concepção teórica tem por base uma fundamentação individualista, onde não há

cabimento para a responsabilização isenta de um ato não culposo. Sem culpa não há de se falar em responsabilidade. “A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável”16. O indivíduo para sofrer a imputação da responsabilidade necessita ser culpado, mesmo que não quisesse o ato. “A responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu como dolo ou culpa”17. A esta teoria, denominou-se teoria subjetiva da responsabilidade civil.

A partir da revolução industrial e tecnológica verificada no século passado, evidenciou-se “a multiplicação das oportunidades e das causas de danos”18, situações em que a vítima suportava o prejuízo e remanescia não indenizada, uma vez que a responsabilidade subjetiva “mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação”19.

A desigualdade econômica e a organização das empresas dificultavam a prova, que ficava ao encargo da vítima. Aumentavam progressivamente os números de casos em que a vítima ficava irressarcida em razão de não se conseguir provar a culpa. Essa situação desencadeou, em âmbito doutrinário, fortes críticas à formulação subjetiva. Exigia-se uma adaptação do direito aos fatos sociais, com vistas a alcançar a nova ordem social em formação. O modelo de responsabilidade subjetiva se tornara insuficiente para as exigências da nova sociedade que se formava. Nesse sentido, a jurisprudência e a doutrina francesa tiveram um papel norteador das mudanças ocorridas nas formas de responsabilização. As obras de Saleilles e Josserand respondem pela construção de uma nova teoria da responsabilidade.

Desenvolvendo teses diametralmente opostas à concepção da teoria da responsabilidade subjetiva, estes juristas inauguram uma nova fase do instituto da responsabilidade.

Ao afirmar que “o que obriga à reparação é o fato do homem, constitutivo do dano” 20, Saleilles demonstra uma forma de responsabilidade que prescinde de discussões sobre a culpabilidade. Para ele, o dever de indenizar tem sua origem no nexo de causalidade entre o fato e o dano, e não mais no elemento culpa.

Ardoroso defensor dessa nova tese, Saleilles justifica sua profissão de fé objetivista, “a teoria objetiva é uma teoria social que considera o homem como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como uma atividade em confronto com as individualidades que o cercam”21.

Louis Josserand, ao insurgir-se contra a teoria subjetiva, argumenta que as transformações das relações sociais ocorrentes na sociedade moderna exigem uma interpretação mais ampla dos preceitos do Código Napoleão. E encontra razão na “multiplicidade dos acidentes, no caráter cada vez mais perigoso da vida contemporânea”22. Conclui o notável jurista francês, que a evolução verificada na ordem social atua sobre o fenômeno da responsabilidade o que instiga sua evolução.

O princípio da doutrina objetiva se baseia na assertiva de que, toda e qualquer atividade que crie para outrem risco, em caso de dano, obriga seu autor, ainda que este não tenha culpa, à reparação. Dessa forma, o fundamento da responsabilidade passa a ser o “risco criado”. Os críticos mais ardorosos da teoria da responsabilidade objetiva vêem na sua aplicação um retorno a responsabilidade objetiva do direito antigo, a que nos referirmos anteriormente23.

Na atualidade, é notória a coexistência das teorias em muitos ordenamentos jurídicos. No Brasil, a responsabilidade civil assenta no “princípio fundamental da culpa”. O preceito disposto no

16 GONCALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 17. 17 GONCALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 18. 18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 262. 19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ibidem. p. 262. 20 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 17. 21 SALEILLES. Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ibidem. p. 17. 22 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ibidem. p. 18. 23 Vide. 1.3. Breve escorço histórico. p. 20.

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artigo 159, do vigente Código Civil esclarece que o comportamento do agente contrário ao direito (ilícito) enseja à responsabilidade.

Contudo, nosso legislador, de forma esparsa, acolhe a doutrina objetiva, como preleciona Aguiar Dias.24 A doutrina objetiva, também denominada teoria do risco, é para nosso estudo particularmente interessante, uma vez que se pretende estudar a responsabilidade civil que acomete a Concessionária de Rodovias.

“A culpa é um ato ilícito e sempre será a violação de um direito de outrem e este direito pode resultar de um contrato ou da lei No primeiro caso, estamos diante da culpa contratual, no segundo, da extracontratual”25. Portanto, se a obrigação inadimplida proveio de um contrato, dar-se-á ensejo à responsabilidade contratual. Entretanto, se a obrigação tem fonte diversa do contrato, se está diante da responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Ambas são dirigidas “racionalmente pelos mesmos princípios, porque a idéia de responsabilidade é una”26.

Assinale-se, ainda, que a responsabilidade contratual reger-se-á pelos princípios informadores da Teoria Geral dos Contratos e das disposições contratuais e legais contratadas. Enquanto que, a responsabilidade extracontratual ou aquiliana tem seus parâmetros delimitados, no atual art. 159 do Código Civil, que se encontra inserto no Livro III (dos Fatos jurídicos), Título II (Dos atos ilícitos). Na vindoura legislação civil o preceito citado encontra-se agasalhado no Título IX (Da Responsabilidade Civil), capítulo I, art. 927 e seu parágrafo único, que assim dispõe:

Art. 927. “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

A análise do dispositivo retro citado nos revela os pressupostos para que ocorra o evento

responsabilidade: conduta; dano e nexo de causalidade. Alguns autores lembram que, em se tratando da responsabilidade subjetiva, se faz necessário a perquirição acerca dolo ou culpa.

A ação (positiva) ou omissão (negativa), ou seja, a conduta voluntária, causadora do dano impõe o dever de reparação ao agente do ato. A responsabilidade pode nascer de ato próprio, de terceiros que esteja sob guarda do agente e também pode advir de danos provocados por coisas ou animais que lhe pertençam.

Expressa a conduta voluntária surge um elemento subjetivo, dolo ou culpa, do agente, a ser aferido na responsabilização.

No Código Civil, a culpa se resolve em negligência ou imprudência, que é falta do dever de cuidado. Este, será cobrado de todo aquele que em suas experiências no cotidiano deixar de suspeitar da possibilidade de que um ato seu possa a vir a ser causa de um evento danoso.

Há casos, ainda, em que, o elemento culpa se torna desnecessário, na imputação da responsabilidade, são casos de responsabilidade objetiva, de particular interesse neste estudo sobre a Responsabilidade das Concessionárias de Rodovias.

No dizer de Renan Miguel: “... a prática do ato ilícito traz prejuízo para vítima. Este prejuízo é elemento objetivo do ato ilícito, ocasionado pela diminuição de um bem jurídico qualquer do lesado. Pois bem, esta redução denomina-se dano”27.

24 DIAS, José de Aguiar. Op. cit. p. 47. 25 PLANIOL. Apud LIMA, Alvino. Op. cit. p.103. 26 DIAS, José de Aguiar. Op. cit. p. 132. 27 SAAD, Renan Miguel. O ato ilícito e a Responsabilidade Civil do Estado. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1994. p. 28.

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O dano que enseja reparação deve ser certo, atual, delimitado. Deve ficar demonstrado que houve lesão a relevante interesse tutelado pela lei.

A imputação de responsabilidade ao outrem exige um nexo causal entre o ato do agente (ação ou omissão) e o resultado (dano). O nexo de causalidade é uma ponte, que liga de um lado o ato ilícito, e do outro o dano. Traduz-se o nexo na “relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado”28. Logo, imputa-se a outrem a responsabilidade, a partir do estabelecimento da relação de causalidade, é ela que diz da existência e da extensão da responsabilidade e fornece um vínculo jurídico-obrigacional de reparar.

Há situações em que a responsabilidade não se configura, exonerando o agente da responsabilidade pelo ato danoso. São as conhecidas excludentes de responsabilidade ou causas de irresponsabilidade, como alguns preferem chamar, afastam o ilícito:

“... na presença de tais situações, não é que se exima o agente de responsabilidade. Não. Ao contrário, sua responsabilidade não se configura por não ter contribuído, de forma alguma para o eventus damni. O dano não lhe pode ser atribuído nem a uma ação ou omissão sua ou de seu agente, nem como decorrência da atividade de risco por ele desenvolvida”29.

As excludentes, ou causas de irresponsabilidade são: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal, o exercício regular de um direito, a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito e a força maior.

O estado de necessidade nos remete ao “nítido caso de responsabilidade, atribuída ao autor do dano, sem culpa”30 e que não exclui a obrigação de indenizar, “é na verdade, mera causa de justificação, não uma causa excludente da responsabilidade”31.

O reconhecimento das escusativas de legítima defesa, exercício regular de um direito e o estrito cumprimento do dever legal exclui o dever de indenização. Exceção para os casos: legítima defesa putativa; aberratio ictus:

“O estrito cumprimento legal exclui a ilicitude do ato. O agente é exonerado da responsabilidade. Entretanto, em muitos casos a vítima consegue obter ressarcimento do Estado. Com fulcro no art. 37, § 6º. , da Constituição Federal que dispõe: “as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros”.

O exercício regular de um direito obviamente não poderá ensejar a responsabilidade. É preciso, entretanto, que não haja o denominado abuso de direito. O agente, ao exercer seu direito não poderá mostra-se abusivo, nem tampouco exorbitar em seu direito.

A culpa exclusiva da vítima faz desaparecer a responsabilidade do agente. A culpa exclusiva da vítima ataca o nexo de causalidade, que é um dos pressupostos para que haja responsabilização. O agente causador do dano, seria um mero instrumento do acidente.

Todavia, há situações em que a vítima não age exclusivamente com culpa, age sim, com culpa concorrente. “O dano injusto foi provocado por uma pluralidade de causas, todas causas devem ser consideradas na determinação proporcional da indenização”32. Dessa forma, haverá influência no cálculo indenizatório devido pelo agente, já que à culpa pertence a ambos. 28 GONCALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 27. 29 SERRANO JÚNIOR, Odoné Apud CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 77. 30 SERRANO JÚNIOR. Apud CARVALHO NETO. Op. cit. p. 79. 31 CARVALHO NETO. Ibidem. p. 79. 32 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1986. p 69.

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O Código Civil, no art. 1.058, parágrafo único, diz das excludentes de responsabilidade caso fortuito e força maior. O caso fortuito e a força maior se constituem excludentes de responsabilidade porque atacam o nexo causal, e causam ruptura entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima. A doutrina diz que são requisitos para configuração das excludentes: que o acontecimento seja natural; seja imprevisível; seja inevitável; irresistível; e que não haja culpa do agente.

Carvalho Neto lembra que é importante vencer a dificuldade de distinção entre caso fortuito e força maior, quando se tratar de casos que envolvam a responsabilidade estatal e cita a lição de Paul Duez e Guy Debeyre:

“A distinção entre o caso fortuito e a força maior não tem quase interesse prático em um sistema de responsabilidade fundada na culpa, porque nem o caso fortuito, nem a força maior podem logicamente acarretar a responsabilidade do autor aparente do dano. Eles vão ser diferentes em um sistema de responsabilidade por risco: a distinção do caso fortuito e da força maior aparece com todo seu interesse prático, porque se o caso de força maior continua a ser um caso de exoneração da responsabilidade, o mesmo não ocorre com caso fortuito”33.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO A questão da responsabilidade do Estado requer análise da responsabilidade da pessoa

jurídica. Vale repetir que:

“A responsabilidade jurídica nada mais é do que a própria figura da responsabilidade, in genere, transportada para o campo do direito, situação originada por ação ou omissão de sujeito de direito público ou privado que, contrariando norma objetiva, obriga o infrator a responder com sua pessoa ou bens”34 (grifo nosso).

A responsabilidade civil abrange os ramos do Direito Público e Direito Privado. A natureza do dano ou de seu causador definirá se a responsabilidade reger-se-á pelos princípios de Direito Público ou de Direito Privado.

As relações jurídicas que envolvem o Estado e seus administrados e vice-versa se situam no campo do Direito Público. E é na esfera do Direito público que se situa o problema da responsabilidade do estado.

O Poder Público no desenvolvimento das atividades que lhe são inerentes, como qualquer outro sujeito de direitos, pode vir a causar prejuízos a outrem, o que lhe obriga à recomposição dos “agravos patrimoniais oriundos da ação ou abstenção lesiva”35, e não podia ser diferente, já que “um dos pilares do moderno Direito Constitucional é, exatamente, a sujeição de todas as pessoas, públicas ou privadas, ao quadro da ordem jurídica, de tal sorte”36 que todo aquele que cause dano a outrem fica obrigado ao dever de reparação.

“A atividade estatal quer seja por meio de uma conduta positiva (comissiva), quer seja por 33 CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 86. 34 CRETELLA JR. José. Comentários à Constituição de 1988. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. 4v. p. 2327. 35 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. revista e atualizada e ampliada de acordo com as emendas Constitucionais 19, 20, de 1998. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 654. 36 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 657.

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meio de uma conduta negativa (omissiva), cria um risco para os administrados”37. Risco que é inerente à atividade da administração pública e que dependente ou não da vontade estatal pode vir a gerar um prejuízo ao particular, situação em que o Estado tem o dever de “ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos”38.

O fundamento da responsabilidade estatal é encontrado em duas fontes: nos atos ilícitos, em que o dever de reparação é a contrapartida do princípio da legalidade, e nos atos lícitos, hipótese de danos por atuação estatal, que reclama o princípio da igualdade. Grande parte da doutrina sustenta que responsabilidade estatal é um ônus que deve ser repartido igualitariamente entre os particulares, uma vez que a atividade estatal aproveita a todos. Nesse sentido, o fundamento da responsabilidade estatal encontra justificativa no princípio da igualdade, “noção básica do Estado de Direito”39.

Na atualidade, praticamente todas as legislações, doutrinas e jurisprudências reconhecem o direito à reparação àquele que sofreu dano causado por agentes do Estado no desempenho de suas funções. Entretanto, a responsabilidade hoje atribuída a ele, percorreu um longo caminho que teve seu início com a sua irresponsabilidade.

Numa breve incursão nas teorias que orientam a responsabilidade estatal, podemos iniciar pelo final do século XVIII onde o regime absolutista cunhou as expressões, L’Ètat c’est moi, Lê Roi ne peut mal faire (na França) e The King can do no wrong (versão inglesa), que sintetizavam o princípio da irresponsabilidade estatal. O soberano era o representante de Deus na Terra e, portanto como tal era ele impune à responsabilidade.

Com a queda do absolutismo e ascensão do liberalismo, ultrapassa-se a idéia de irresponsabilidade do estado, cogita-se na separação dos atos estatais ius imperii e atos ius gestioni, o que resultou na teoria dos atos de império (atos praticados pelo Estado na sua condição de superioridade e que não acarretavam sua responsabilização) e atos de gestão (o Estado ao exercer uma função privada, poderia vir a ser responsabilizado, desde que o agente atuasse com culpa). Diferenciava-se, dessa forma, a pessoa do soberano impunível, que praticava atos de império, da pessoa do Estado, que praticava atos através de seus prepostos e passíveis de responsabilização.

A partir do final do século XIX, surge a teoria da culpa civilística, o Estado através da culpa de seus agentes é responsabilizado. A responsabilidade tem um caráter subjetivo e é informada pela culpa.

A desigualdade estabelecida entre o Estado e a vítima, que nem sempre lograva provar a culpa, determinou a construção da teoria da faute du service. Esta abstraia a culpa do agente estatal, e correlacionava a responsabilidade estatal com a má prestação do serviço e o decorrente dano. “A culpa do serviço caracteriza-se pela ineficácia, pelo mau funcionamento ou pelo funcionamento tardio da administração, que ensejam a responsabilidade”40. Entre nós a teoria ficou conhecida como “Culpa Administrativa”.

Já ao final do século passado, desenvolveu-se a teoria do risco administrativo. Por esta doutrina, o Estado deve indenizar o dano, independentemente de culpa pela má prestação do serviço ou por culpa do agente. O fundamento da responsabilidade estatal está na atuação do estado, que inerentemente, traz risco aos administrados. Ao lesado caberá somente provar a conduta do agente estatal, o dano e o nexo causal entre ambos para fazer jus ao ressarcimento.

Neste contexto, a construção da teoria do risco administrativo alargou a proteção aos administrados. Decisivo foi o trabalho dos franceses, jurisprudência e doutrina, que consolidou a formulação: sempre que o Estado agir com risco para o administrado e, deste risco sobrevier um dano configurar-se-á a responsabilidade estatal. Delineando-se, assim, a responsabilidade objetiva do estado. 37 GANDINI, João; RANGEL, Luciana; MARTINS, Cláudia. Responsabilidade do Estado por movimentos multitudinários: sua natureza objetiva. Disponível em: <http://www.bpdir.com.br>. Acesso em: 18 fev. 2002. 38 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 654. 39 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 666. 40 WALD, Arnoldo. Apud CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 107.

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Alguns autores afirmam que tese da irresponsabilidade do Estado no direito pátrio, nunca foi acolhida. Entretanto, verificamos que a tese da responsabilidade estatal, também não era pacífica, recebendo magnífica defesa de Amaro Cavalcanti:

“A teoria da irresponsabilidade do Estado, incondicional, absoluta, pelos atos dos seus representantes, embora lesivos dos direitos de outrem, não pode ser a regra do Estado, notadamente do Estado moderno – dados os princípios sociológicos e jurídicos, sobre os quais assenta a sua construção. Por mais elevado que seja o conceito que se queira formar da soberania do Estado, ‘summum imperium, summa potestas’, semelhante conceito não pode ir até o ponto de excluir a idéia de justiça; porque o Estado é, antes de tudo, a pessoa de direito por excelência”41.

A época da edição do Código Civil florescia na França a teoria do risco, fato que levou alguns doutrinadores pátrios, Ruy Barbosa, Amaro Cavalcanti dentre outros, a defender a doutrina da responsabilidade objetiva, “inobstante o teor do dispositivo indicar claramente o caráter subjetivo da responsabilidade pública, vale dizer, seja culpa civil, seja por falta de serviço”42.

O Código Civil, em seu art. 15, estatui:

“As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito de regressivo contra os causadores do dano”.

A propósito, colacionamos alusão de Yussef Cahali acerca da polêmica doutrinária. “A redação ambígua do art. 15 do Código Civil havia suscitado controvérsia,

pretendo alguns autores que ali se conteria implícita concessão à responsabilidade objetiva, sob inspiração da teoria do risco, que já florescia na França na passagem do século”.

Tem-se certo, porém, que o dispositivo, no contexto individualista que remarca o nosso Código Civil, não terá ultrapassado os limites da teoria civilística da responsabilidade do Estado, só a reconhecendo quando tivesse ocorrido dolo ou culpa do funcionário representante.

O texto constitucional de 1934 adotou a responsabilidade solidária entre o Estado e o funcionário. A constituição de 1946 consagrou a responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes no art. 194 e parágrafo único. Estes dispositivos constitucionais foram mantidos, com pequenas alterações, na Carta Constitucional de 1967 e na Emenda Constitucional43 de 1969.

A Carta Magna de 1988, em seu art. 37, § 6º., adota a responsabilidade objetiva do Estado, vale dizer por risco, que dispõe:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável

41 CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p.101. 42 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 685. 43 Doutrinadores como: Aliomar Baleeiro, Pontes de Miranda Bonavides, afirmam que a Constituição de 1969 não passa de uma Emenda à Constituição de 1967.

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nos acasos de dolo e culpa”.

Em outro dispositivo constitucional, art. 21, inc. XXIII, c, também encontramos a responsabilidade objetiva estatal. Entretanto acolhida sob as vestes da teoria do risco integral.

Em ambas as teorias, do risco administrativo e a teoria do risco integral, dispensa-se a prova da culpa do agente para a obrigação de ressarcimento do Estado. Entretanto, na teoria do risco integral subsiste a obrigação de reparação por parte do Estado mesmo que a vítima tenha agido com culpa exclusiva. Ou seja, a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro não afasta a responsabilidade do Estado. Ressalte-se que, por esta espécie de responsabilidade objetiva, nem mesmo a força maior e o caso fortuito exoneram o Estado da obrigação de indenizar. Neste sentido, Serrano Júnior afirma:

“Pela Teoria do Risco Integral, o Estado tornar-se-ia uma espécie de ‘segurador universal’. Todo e qualquer evento danoso ocorrido em seu território seria por ele indenizado. Os contribuintes, responsáveis pela formação do patrimônio público, seriam, então, seus segurados”44.

Salientamos, outrossim, que a doutrina pátria, ainda se controverte sobre qual espécie de responsabilidade objetiva teria acolhido nosso legislador.

Há hipóteses em que, adotada a teoria do risco administrativo, o Estado só se exonera da obrigação de ressarcimento do dano se faltar o nexo causal entre o seu comportamento comissivo ou omissivo e o dano. Ou seja, na ocorrência provada, da força maior, do caso fortuito, do estado de necessidade e da culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, que são causas de irresponsabilidade. Como já tratamos sobre estas, remetemos o leitor ao item Situações que excluem irresponsabilidade.

Outrossim, vale insistir, “que a aceitação do risco administrativo não significa, entretanto, que o Estado é responsável em qualquer circunstância. Não obstante a proclamação da responsabilidade, aplicam-se, no que couber, as causas ‘excludentes de responsabilidade’”45, a que nos referimos acima.

CONCESSÃO DE RODOVIAS – CONCESSÃO DE UM SERVIÇO PÚBLICO

O Estado brasileiro, seguindo uma tendência mundial se preparou legislativamente, na última década, para voltar a conceder à iniciativa privada a gestão ou execução de serviços públicos. Dentre os serviços públicos concedidos encontramos a concessão de rodovias.

É justamente a concessão deste serviço público, e a responsabilidade civil que acomete à empresa concessionária de rodovia o alvo do nosso estudo. Antes, porém, de continuar nossa abordagem, vamos pontuar, ainda que de forma sucinta, algumas características acerca do instituto da Concessão de serviços públicos com intuito ímpar de focalizar a responsabilidade da empresa concessionária de rodovias, que ao assinar o contrato administrativo para prestar um serviço público, recebe automaticamente status de agente público no exercício de função administrativa.

Serviços considerados de utilidade pública foram transferidos ao setor privado na primeira metade do século passado, porém a ausência de normatização adequada e a falta de interesse do concessionário em investir em modernização, tornaram os serviços concedidos ineficazes. Ao Estado restou a retomada do exercício destes serviços. A criação de empresas estatais parecia resolver a continuidade dos serviços, já que num primeiro momento as estatais exerceram um papel

44 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Apud CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 117. 45 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p.133.

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desenvolvimentista, para, em seguida, passarem a onerar cada vez mais o Estado e não raro foram as que se tornaram ineficientes.

No final da década passada, cogitou-se a modernização do Estado brasileiro e sua inserção no contexto mundial, para tanto se iniciou um processo de desestatização. O Estado nacional diminuiu sua atividade empresarial para voltar-se com mais eficiência à prestação dos chamados serviços essenciais e indelegáveis, seguindo a tendência mundial. Para encaminhar a nova política brasileira aprova-se uma nova legislação sobre a Concessão dos serviços públicos, o que possibilita ao poder público transferir a execução de serviços de interesse coletivo a um mercado privado e competitivo.

Entretanto, vale ressaltar, que tão somente se transfere ao setor privado a execução e/ou gestão do serviço público. Sob nenhuma condição poderá o Poder Público transferir a titularidade do serviço que pertence ao Estado, aliás, é justamente aí que reside o fundamento do poder de retomada.

A concessão é um ato através do qual o Estado delega a um particular, pessoa natural ou jurídica, a gestão ou execução de um serviço público.

“O Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita presta-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas a sob a garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço”46.

Frise-se que há divergência doutrinaria quanto à pessoa que recebe a concessão, para Lucia Valle Figueiredo, a concessionária deve ser sempre pessoa jurídica privada. Já para Benedicto Porto Neto, a concessionária pode ser pessoa de direito público ou privado. Já Helly Lopes Meirelles, afirma que, pode haver concessão a autarquias47.

O objeto da concessão é necessariamente um serviço público. A atividade concedida é reconhecida, sobretudo como atividade privativa do Estado e desempenhada sob o regime de direito público.

O repasse do serviço público da órbita da pessoa de direito público que o titulariza para a de outro ente jurídico de direito público ou privado não determina a perda da concepção originária de serviço público. Tampouco, se despoja o poder concedente de seu poder regulador e fiscalizador, que antes “deve exercer com soberania a defesa dos interesses da coletividade, dos usuários, do patrimônio público e da concorrência predatória”48. Por ser público e privativo do Estado, o serviço é res extra commercium, e está adstrito à esfera pública e dessa forma inegociável, razão por que não há transferência de titularidade da atividade para a iniciativa privada49.

Como aludimos anteriormente, as novas concessões só se tornaram viáveis graças às alterações jurídicas efetivadas na Constituição de 1988, que tratou o tema com maior amplitude:

“O art. 175 estatui: Incumbe ao Poder Público na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através da licitação, a prestação de serviços públicos. (grifo nosso) Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou

46 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 499-500. 47 NETO PORTO, Benedicto. Concessão de serviço público no regime da lei n. 8.987/95 – Conceitos e princípios. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 62. 48 OLIVEIRA, José Carlos. Concessões e permissões de serviços públicos. São Paulo: Edipro, 1996. p. 61. 49 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 507.

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permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado”.

O dispositivo retro mencionado dispõe sobre a prestação de serviços públicos de forma direta, pelo poder público, ou indiretamente, mediante concessão ou permissão aos particulares50. E reclama lei reguladora. Para suprir a lacuna, editou-se a Lei ordinária n. 8.987/95 – Lei das Concessões, que foi seguida pela Lei n. 9.074/95, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos. São estes, portanto, os diplomas jurídicos que delineiam o alcance político-administrativo da nova legislação dispondo sobre o regime de concessão.

Registre-se que os Estados e Municípios possuem competência para legislar em sua esfera específica, para tanto basta observar as normas gerais das Leis Federais. A exemplo, citamos a Lei paulista de Concessões de n. 7.835/92 que regula o tema em nível estadual.

A vinculação entre o Poder concedente e empresa concessionária se concretiza através do contrato administrativo. Essa forma peculiar de se estabelecer os moldes da relação jurídica, Estado e concessionária, levou parte da doutrina a afirmar que, a concessão possui natureza jurídica contratual.

Há, entretanto, aqueles que a vêem como um ato complexo. Nesse sentido, um “ato-condição, por meio do qual o concessionário voluntariamente se insere debaixo da situação jurídico objetiva estabelecida pelo Poder Público, e de contrato, por cuja via se garante a equação econômico-financeira, resguardando os legítimos objetivos de lucro do concessionário”51. Justificam estes, que a natureza jurídica se revela, mista por possuir o contrato uma parcela contratual, expressa nas cláusulas financeiras e uma outra parcela unilateral traduzida pelas cláusulas regulamentares que balizam a execução do serviço concedido.

A outorga do serviço público em concessão depende de prévio ato legislativo que a autorize. O Poder Executivo não tem competência para transferir a terceiros a atividade tida como privativa do Estado. Para que haja contrato de concessão válido, deverá haver procedimento licitatório válido, regido pelas Leis n. 8.666/93 e 8.883/94. Em suma, o poder concedente, União, Estado, Município ou Distrito Federal, em cuja competência se encontra o serviço público, delega a gestão ou execução de serviço de interesse da coletividade, mediante licitação, na modalidade concorrência a iniciativa privada.

A empresa concessionária está obrigada a desempenhar suas atividades em consonância com o contrato assinado com o poder público. Como é evidente, o contrato será regido pelos termos encartados na Lei de Concessões, e pelos preceitos gerais afetos ao contrato administrativo. Além de normas pertinentes, e em especial as elencadas no edital de concorrência.

Embora o concessionário atue em nome próprio, o serviço é eminentemente público, “motivo pelo qual o seu controle e fiscalização são reservados ao poder concedente, que é o fiador da boa prestação do serviço perante aos usuários”52. É reconhecido, ao poder concedente o acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da empresa concessionária53.

A inadimplência por parte da concessionária pode gerar multas e, até a intervenção. Esta será decretada pelo chefe do Executivo do poder concedente. Pode-se mesmo, chegar à retomada do serviço público outorgado, desde que presente os fundamentos legais de retomada do objeto do contrato.

50 Quando falamos particulares não afastamos a concessão a empresas estatais ou pessoa de direito público. 51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 508. 52 AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALENCAR, Maria Lúcia Mazzei de. Op. cit. p. 25. 53 Cf. o art. 30 da Lei. n. 8.907/95.

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A concessionária adere espontaneamente às condições contratuais que são fixadas unilateralmente pelo Estado, que ainda regra o funcionamento, a organização, fixa e reajusta as tarifas, condições de oferta do serviço aos usuários, bem como, sanções a serem impostas ao concessionário.

A concessionária se remunera, basicamente, com a arrecadação da tarifa paga pelos usuários. Mas, há também as receitas acessórias, que surgem, por exemplo, da exploração da faixa de domínio54, no caso das concessionárias de rodovias.

O contrato de concessões estampa, além das cláusulas essenciais, as chamadas cláusulas exorbitantes que estipulam inúmeras prerrogativas em favor da Administração, mas sempre nos termos e limite da lei. Por estas cláusulas, a Administração que atua em nome e em prol da coletividade poderá promover mudanças e transformações necessárias sempre que for melhor para a coletividade. Por esta razão, é que se diz que nos contratos administrativos ocorre o “desnivelamento das partes”55. Em contrapartida, a concessionária tem direito ao equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou seja, à garantia de que alterações produzidas pela Administração, como as preditas ou as provindas “de fatores estranhos à relação jurídica estabelecida, mas que tenham impacto extraordinário sobre ela”56 justificarão o restabelecimento da equação econômico financeira traduzido no contrato avençado.

A concessão de serviço público pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários. Serviço adequado é o que se apresenta consoante à pretensão da Administração Pública em satisfazer as necessidades da coletividade, se revestindo de eficiência, regularidade, segurança, atualidade, generalidade, cortesia e modicidade das tarifas, conforme art. 6.º § 1.º da Lei das Concessões.

Com o advento do Código Consumidor, em 1990, regulamentando a previsão constitucional inserta no art. 175, parágrafo único, II, os usuários dos serviços públicos passaram a ter seus direitos reconhecidos. Posteriormente, a Lei das Concessões, no art. 7º., os reiterou quando foi reconhecido de forma extensiva a relação concessionária e usuários.

O usuário tem o direito de receber o serviço adequado. Por conseguinte, pode opor-se por via administrativa ou judicial sempre que o serviço se mostre inadequado, ou seja, contrário ao especificado na lei que autoriza as concessões. O usuário tem a prerrogativa “de exigir e a Administração o dever de adotar as medidas cabíveis a promover a regularização”57 do serviço sob pena de vir a concessionária a sofrer as sanções contratualmente previstas.

O direito do usuário de receber informações, também consta assegurado na Lei das concessões, reiterando o preceito constitucional estampado no art. 5.º, XXXIII, que garante a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse, interesse coletivo ou geral, que devem ser prestadas no prazo legal, sob pena de responsabilidade. Exceção àquelas de caráter sigiloso, que reveladas podem comprometer os interesses públicos e até mesmo privados58. O direito a obtenção de informações sobre as concessionárias deve servir como estímulo aos usuários para o exercício da fiscalização dos serviços públicos59.

Outrossim, em contrapartida, ao direito de informação, a Lei das concessões prevê que os usuários devem fornecer informações ao poder concedente sobre irregularidades ou prática de atos ilícitos, de que tenham conhecimento, cometidos pela empresa concessionária e referentes aos serviços prestados.

Outro direito do usuário liga-se a liberdade de escolha. Em respeito ao princípio da autonomia individual não se pode impor, ressalvado os serviços considerados compulsórios, ao usuário 54 Espaço localizado ao longo da rodovia, entre esta e a propriedade particular vizinha. 55 FIGUEREDO. Lucia Valle de. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. atualizada. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 329. 56 AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALENCAR, Maria Lúcia Mazzei de. Op. cit. p. 39. 57 JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997. p. 133. 58 A Constituição Federal no art. 5.º, inc. XXXIV prevê o direito de petição, porém haverá necessidade de se comprovar a utilidade da informação que se busca obter ou que sua falta prejudica a defesa de outros interesses. 59 AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALENCAR, Maria Lúcia Mazzei de. Op. cit. p. 35.

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a obrigação de utilizar-se de um determinado serviço público concessionado. Resguarda-se a livre escolha entre usufruir ou não do serviço prestado e optar, quando possível, por outro prestador.

Incumbe ainda, a mencionada lei, aos usuários a “contribuir para a preservação dos bens públicos através dos quais lhe são prestados os serviços”60. Em verdade, o preceito estimula o usuário do serviço público a proteger o bem público, de forma que toda coletividade possa dele usufruir.

“Na concessão o atendimento dos usuários continua sendo o interesse público perseguido pela Administração”61. É em favor da coletividade que o serviço será prestado, e como não deixa de ser um serviço público, lhe são inerentes os princípios norteadores que acometem a prestação do serviço público. Destacamos alguns destes princípios: da legalidade; da continuidade do serviço público; da generalidade na organização e distribuição do serviço; da autoridade pública62; da eficiência e qualidade; da obrigatoriedade da prestação do serviço e da responsabilidade objetiva.

CONCESSÃO DE RODOVIAS A malha rodoviária brasileira, desde o final dos anos oitentas, já se apresentava bastante

danificada, o pavimento precário prejudicava sobremaneira o transporte rodoviário de cargas e passageiros no país. O sistema viário interno nacional, que conta apenas com cerca de trinta mil quilômetros de ferrovias (em estado precário), poucas hidrovias em condições de navegabilidade e sistema portuário caro e tecnologicamente ultrapassado, faz com que o país seja dependente do transporte rodoviário para movimentação das suas riquezas e dos seus habitantes.

No início dos anos noventas, através do processo de desestatização, buscou-se alternativas para se viabilizar a recuperação, construção, e modernização das rodovias brasileiras. Nesse cenário, a Administração Pública destacou 20.000 km do total da malha rodoviária do país, para serem objeto de concessão. Atualmente, o governo federal já concedeu parte das vias rodoviárias sob sua responsabilidade e os governos estaduais estão implantando, paulatinamente, de acordo com o pressuposto da viabilidade63, suas concessões.

A Concessão de Rodovias, não é propriamente uma novidade, uma vez que se tem notícias de concessões de pontes e estradas na época colonial, e, num passado mais recente, trechos rodoviários foram outorgados a empresas estatais. Exemplo disso era - e continua sendo – a DERSA – Desenvolvimento Rodoviário S.A., que detém a concessão de algumas vias paulistas. O inusitado é a concessão de rodovias a empresas privadas.

Assumindo a gestão ou execução deste serviço público as concessionárias de rodovias têm a obrigação contratual de transformá-las em vias seguras e modernas, aptas ao tráfego de pessoas e cargas. Em contrapartida, exploram o serviço público por um prazo determinado. O prazo da concessão, em regra, é longo em função da necessidade de amortização do investimento efetuado pela empresa concessionária.

Afirmamos, anteriormente, que em nosso país o instituto da Concessão já era conhecido desde a época colonial, e que com a onda de modernização da Administração Pública que assolou o mundo no último quarto do século passado o Brasil fez ressurgir entre nós o velho instituto. O professor Arnold Wald, chama a atenção do estudioso do direito para o exame do direito alienígena nesta matéria, pois, “como em outras, a comparação, a transposição e da adaptação ao contexto 60 AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALENCAR, Maria Lúcia Mazzei de. Ibidem. p. 36. 61 NETO PORTO, Benedicto. Op. cit. p. 81. 62 NETO PORTO, Benedicto. Ibidem. p. 87. A lei pode legitimar a concessionária a alcançar a esfera de direitos dos particulares, usuários dos serviços, mediante atos unilaterais. 63 Viabilidade, ou seja, tráfego suficiente para possibilitar que as melhorias e ampliações possam ser viabilizadas mediante cobrança de pedágio.

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nacional dos direitos estrangeiros permitem não só a melhor compreensão dos textos, mas também, como saliente Tullio Ascarelli, o conhecimento das premissas implícitas que lhe são peculiares”64.

Neste plano de idéia, a vôo de pássaro, temos que no continente europeu a França e Inglaterra em 1996, estabeleceram um interessante tratado para a construção do conhecido Eurotúnel. Um audacioso projeto de engenharia que liga os dois paises através de um túnel ferrorodoviário por baixo do mar, uma construção que em muito oneraria o erário dos paises envolvidos. Como solução, surgiu a concessão da obra e do serviço público.

A Inglaterra não possuía legislação para atender a tal propósito, uma vez que as obras de infra-estrutura até então realizadas por empresas privadas naquele país se efetivavam perante autorizações e não concessões. Entretanto o Governo não se intimidou e ,com lei específica “Channel tunnel Act”, pode aliar-se a França, que já contava com experiência no setor de concessões de serviços públicos. A partir do tratado, encontrou-se uma forma adequada para a participação da iniciativa privada internacional e a Administração Pública dos envolvidos.

Conciliou-se, ainda, os poderes concedentes dos países desenvolvidos:

“no tocante às normas referentes à segurança, defesa nacional, comércio e necessidades sociais, com os interesses do concessionário de garantir a adequada rentabilidade da operação para, mediante tarifas compatíveis, poder pagar os financiamentos recebidos e realizar um lucro razoável para distribuí-lo aos investidores”65.

Essa concessão de caráter binacional foi outorgada inicialmente por 55 anos. A política tarifária ficou ao encargo da concessionária que pode fixar as tarifas desde que não o faça com discriminação em virtude da nacionalidade das pessoas e cargas. As tarifas devem ser publicadas anterior à vigência de aumentos, de forma a obedecer ao princípio da transparência da Administração Pública, bem como o controle das fronteiras, policiamento e a segurança permanecem sob controle dos Governos envolvidos.

A Espanha na década de 70 abriu campo para as concessões rodoviárias, a conseqüência disto foi um aumento significativo da construção de rodovias e ferrovias. A iniciativa privada recebeu incentivos em forma de financiamentos e garantias do Estado ibérico. “O sistema de concessão espanhol não visa a satisfazer qualquer tipo de necessidade pública; mas é próprio de serviços que tem caráter industrial, onde coexistem os fins sociais e econômicos”66. A experiência espanhola em concessão de rodovia é das mais respeitadas em todo mundo. Contudo, para a doutrina majoritária espanhola não há de se falar em concessões, pois na verdade trata-se de atos administrativos que, em sentido mais amplo, permitem a outorga à iniciativa privada a administração de serviços públicos.67 A experiência adquirida pela iniciativa privada espanhola permitiu sua internacionalização. Assim, grupos espanhóis se associaram a grupos empresarias na Argentina, de forma a constituírem consórcios gestores de concessionárias de rodovias naquele país.

Nos Estados Unidos, “a concessão é concebida menos como delegação do poder público, idéia que domina o sistema francês e brasileiro, do que constituindo uma autorização para ingressar em certo tipo de atividade de interesse público, que justifica a regulamentação dos preços e a fiscalização das autoridades”68. License, consent, e permit são algumas das palavras que caracterizam o ato de autorizar a gestão por empresas privadas de serviços públicos. As concessões são outorgadas por tempo 64 WALD, Arnoldo, MORAES, Luiza Rangel de, WALD, Alexandre de M. O direito de parceria e a nova lei de concessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 56. 65 WALD, Arnoldo, MORAES, Luiza Rangel de, WALD, Alexandre de M. Op. cit. p. 60. 66 WALD, Arnoldo, MORAES, Luiza Rangel de, WALD, Alexandre de M. Op. cit. p. 66. 67 WALD, Arnoldo, MORAES, Luiza Rangel de, WALD, Alexandre de M. Ibidem. p. 67. 68 WALD, Arnoldo, MORAES, Luiza Rangel de, WALD, Alexandre de M. Ibidem. p. 61.

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determinado e por indeterminado. Estas sofrem uma fiscalização permanente de órgãos constituídos para tal como as State Comission Regulation. Tarifas e demais assuntos relativos à concessão fazem parte da alçada destas comissões.

Vimos nesta breve exposição, que são vários os paises a utilizarem o instituto da Concessão, temos que se trata de uma tendência mundial, pois como afirmamos no início do capítulo, os Estados modernos buscam redesenhar o papel estatal e desenvolver junto à iniciativa privada novas formas de gestão dos serviços públicos.

No Brasil, o instituto da Concessão ressurgiu renovado graças à nova legislação, que proporcionou a implantação de novas formas de concessões de serviços públicos. O que exige que o intérprete do direito repense determinados conceitos estratificados na doutrina jurídica. E um deles é justamente a responsabilidade civil que acomete a concessionária de rodovias. As discussões em torno da matéria têm fomentado um aumento substancial de demandas judiciais sem, contudo, apresentar-se como matéria pacífica em nossos pretórios.

A empresa concessionária de rodovias ao assumir as “obrigações constantes da delegação, quando no desempenho das atividades intrinsecamente ligadas ao objeto da outorga, assume o lugar do Poder Público, não só quanto aos bônus, mas também em relação ao ônus”69. Calha ao nosso estudo esta afirmação, pois a evidência do ônus se encontra na modalidade de responsabilidade que acomete a empresa concessionária de serviços públicos. Da qual tratamos no capítulo seguinte.

RESPONSABILIDADE CIVIL DA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS

A concessionária de rodovia “executa em seu nome e por sua conta e risco as obras e

serviços que lhe foram concedidos, assumindo a inteira responsabilidade pelas conseqüências que seus atos causarem não só ao poder concedente, mas aos usuários ou a terceiros em geral”70, independentemente do controle e fiscalização do Poder concedente.

Com a assinatura do contrato de concessão, formaliza-se a substituição do Estado pela concessionária na prestação do serviço público. Ao mesmo tempo em que recebe a concessionária o status de agente público, assumindo todos os bônus e ônus dessa transferência. Assim, nasce uma nova relação jurídica concessionária x usuários x terceiros, que repercute na exclusão de responsabilidade do Estado, no que toca aos serviços transferidos com a concessão.

Entretanto, bem lembra Bandeira de Mello, que o Estado permanece com uma responsabilidade residual. Trata-se da responsabilidade subsidiária do poder concedente. O Estado responderá pelos atos da concessionária que causem danos aos usuários e a terceiros quando no desempenho das atividades que lhes foram cometidas com a concessão, desde que a concessionária torne-se insolvente ou impossibilitada de cumprir com suas obrigações. A responsabilidade do Estado aparece de forma subsidiária, pois foi o Estado que investiu a concessionária na qualidade de agente estatal, o dano surge da atuação daquele que agia em nome do poder público.

Registre-se, porém, a opinião divergente da eminente magistrada e professora Lucia Valle Figueiredo, para quem o Estado é sempre e em qualquer situação responsável solidário, visto que o serviço é de ordem pública71.

A Constituição Federal no art. 37, § 6º. prevê: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de

69 FILHO BACELLAR, Romeu. Anais Seminário Jurídico Concessões de serviços públicos. p. 52. 70 AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALENCAR, Maria Lúcia Mazzei de. Op. cit. p. 106. 71 FIGUEIREDO. Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 67.

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dolo ou culpa”. Em primeiro lugar, convém observar que a vigente Carta Constitucional, no preceito acima

mencionado, estende às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos o mesmo tratamento reservado às pessoas jurídicas de direito público. Ao depois, calha salientar, que a expressão, agentes, nessa qualidade, deixa evidente que o vocábulo agentes se tornou mais abrangente, e abarca não são só as pessoas de direito público, mas também as pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos72. O termo, agentes, é gênero, do qual seriam espécies os agentes políticos, os servidores públicos e os particulares em colaboração com o poder público. As concessionárias de rodovias se encaixam na última espécie citada73.

Infere-se, portanto, que “as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos tem relação estreita com a responsabilidade do Estado na prestação desses serviços”74. A responsabilidade em questão é objetiva.

Fundamenta-se a paridade sob o argumento que,

“... não é justo nem jurídico que só a transferência da execução de uma obra ou de um serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente, criando maiores ônus de prova ao lesado”75.

Em verdade, a inovação trazida na letra constitucional diz respeito tão somente a

equiparação, no que toca à responsabilidade, entre agentes públicos e particulares, incumbidos da prestação de serviço público. Uma vez que desde o advento da Constituição de 1946, a responsabilização do Estado por atos de seus agentes, atuando nessa qualidade, tem amparo na teoria objetiva, modalidade risco administrativo, como descrito por nós no primeiro capítulo.

Corroborou com o entendimento doutrinário o artigo 25 da Lei Paulista das Concessões ao estatuir que,

“Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade”.

A responsabilidade civil tem seu nascedouro na lei, no ato ilícito e no inadimplemento

contratual. A fonte básica da responsabilidade civil, em nossa legislação encontra raiz no art. 159, do atual diploma civil, com seguinte teor: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

O dever de indenização “consiste numa atribuição que visa (no campo dos danos patrimoniais) repor o patrimônio do lesado no estado em que se encontraria se não tivesse havido a lesão”76. Destarte, havendo lesão, prejuízo à esfera do direito de outrem subsistirá a necessidade de se reparar o dano, seja ele patrimonial ou moral. A presença do animal na pista que ocasiona acidentes é situação fato-jurídica que traz ínsita uma obrigação de ressarcimento à vítima do prejuízo, uma vez que

72 CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 131. 73 Cfe. classificação doutrinária oferecida pela profª Maria Sylvia Zanella di Pietro. Op. cit. p. 356/7. 74 CARVALHO NETO, Inácio de. Op. cit. p. 137. 75 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 558/9. 76 PESSOA JORGE, Fernando de Sandy Lopes. Ensaio sobre os pressupostos da Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina, 1995. p. 33.

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esta em nada obrou para o dano e não pode permanecer irresarcida. A CONCESSIONÁRIA E A ‘FAUTE DE SERVICE’

Sem maiores embargos, já mencionamos que parte da doutrina afirma que a

responsabilidade do prestador de serviço rege-se pela responsabilidade estatal, que é objetiva, mas há quem defenda, desde longa data, que a omissão enseja a aplicação da teoria subjetiva77. Esta tese, também defendida por Celso Antonio Bandeira de Mello, não resulta em negar que a responsabilidade estatal/prestador de serviço público seja objetiva, mas separa o joio do trigo, na questão advinda de conduta omissiva. Para o autor, a conduta omissiva reclama a responsabilização por aplicação da teoria subjetiva que se respalda na culpa. Destarte, haverá de se perquirir se o prestador de serviço foi omisso, caso contrário não há de se falar em indenização.

A aplicação da teoria subjetiva não é a regra para o tema. Todavia, julgados existem em que se admite a responsabilidade subjetiva – modalidade faute du service – nas hipóteses em que há ocorrência do evento danoso por ato omissivo do prestador de serviço. A aplicação desta teoria traz a implicação de que a indenização só será devida caso o prestador do serviço público não consiga provar que agiu com diligência e eficiência.

Com efeito, aqueles que defendem a aplicação da teoria subjetiva – faute service - nas hipóteses de ocorrência de conduta omissiva do prestador de serviço público, se justificam afirmando não existir negação da teoria objetiva, mas somente a admissão de que na ocorrência de dano por omissão haverá de se aplicar à teoria subjetiva, ou seja, a teoria da responsabilidade por culpa do serviço, que possui como fundamento à culpa/dolo. Argumentam que:

“o que a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração (servidores) dos danos ocasionados por atos de terceiros ou fenômenos da natureza. Observe-se que o art. 37, §6º. Só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiro. Portanto o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos”.

Assim, em tais situações a responsabilidade do Estado/prestador de serviço público seria determinada pela teoria da culpa anônima ou falta do serviço, e não pela teoria objetiva. Nesse sentido, assertiva de Hely Lopes Meirelles:

“Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente, tem exigido a prova de culpa da Administração nos casos de depredação por multidões e de enchentes e vendavais que, superando serviços públicos existentes, causam danos aos particulares. Nestas hipóteses a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração”78.

Todavia, a corrente doutrinária mais vigorosa na atualidade, argumenta em voz uníssona que a responsabilidade estatal será sempre objetiva, adotada na modalidade risco administrativo.

77 Cfe. Bandeira de Mello o professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello já defendia de longa data esta tese. Op. cit. p. 675. 78 MEIRELLES. Hely Lopes Apud Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 82.

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A CONCESSIONÁRIA E O RISCO ADMINISTRATIVO

A teoria do risco administrativo pode ser compreendida como a responsabilidade do Estado/prestador de serviço público pelo funcionamento dos serviços públicos prescindido de culpa.

A responsabilidade objetiva, sem maior rigor na sua definição, é aquela que independe da culpa. Nessa modalidade, a vítima necessita, tão somente, demonstrar a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente público para obter o ressarcimento do prejuízo. Leva-se em consideração o fato do serviço ser público e, portanto, o Estado/prestador do serviço público responde em conseqüência do funcionamento do serviço, não importa se o funcionamento foi bom ou deficiente.

Sobre o risco administrativo preleciona Duguit:

“A atividade do Estado se exerce no interesse de toda coletividade; as cargas que dela resultam não devem pesar mais fortemente sobre uns e menos sobre outros. Se, da intervenção do Estado, assim da atividade estatal, resulta prejuízo para alguns, a coletividade deve repara-lo, exista ou não culpa por parte dos agentes públicos. É que o Estado é, de um certo modo, assegurador daquilo que se denomina, freqüentemente, de risco social, ou risco resultante da atividade social traduzida pela intervenção do Estado”79.

A culpa pode ou não existir nesta modalidade e o contrário sensu, da responsabilidade subjetiva, a conduta do agente não será aferido. Na imputação da responsabilidade objetiva, o que se verifica é, o nexo causal e o dano, não há de se avaliar a conduta do agente. A fim de que, possamos adquirir melhor entendimento, pontuaremos, a vôo de pássaro, comentário a respeito do nexo causal e o dever diligencia.

A “relação de causa e efeito entre a conduta e o dano é o chamado nexo de causalidade, e, em nosso sistema, uma pessoa é responsável pelos danos advindos direta e imediatamente de seus atos (art. 1060 do Código Civil)”80. É certo que, existe uma interligação entre a conduta do agente e nexo causal, entretanto, estes não se confundem. Exemplo, citado por Guilherme Couto de Castro e que calha à ilustração é a decisão do TJ-DF, que qualificou de imprudente a conduta de motorista que provocou colisão do seu veículo com outro e pretendia safar-se alegando que o outro veículo se encontrava estacionado em local proibido, mas fora do trânsito. O fato do veículo estar estacionado em local não permitido, não foi nem de longe, causa imediata da ocorrência.

O mesmo autor alerta, “não basta, porém, estremar o nexo de causalidade da culpa, e nem a simples assertiva de que o dano deve ser conseqüência da conduta imputável conduz a fácil solução para resolver os muitos problemas concernentes ao assunto”.

“O nexo causal na “visão da doutrina civil brasileira é no sentido de buscar a regra geral do nexo causa e efeito no próprio art. 1060 do Código Civil, afirmando a chamada ‘causalidade direta e imediata’”.

Em síntese, a problemática da causalidade, a priori, deve ser solucionada através da

aplicação art. 1060, do nosso atual diploma Civil, isto é, “a conseqüência há de pôr-se como resultante direta e imediata da conduta”81. Nas hipóteses de responsabilidade objetiva se aproveita o art. 1060, do

79 FAGUNDES. Seabra Apud RDP. p. 57-58/7. 80 CASTRO COUTO, Guilherme. Op. cit. p. 12. 81 CASTRO, Guilheme Couto. Ibidem. p.16.

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Código Civil. Todavia, deve-se correlacionar a causalidade com momento estampado na regra legal, que pode ou não, interromper o ciclo causal “Em vários casos, a opção legislativa será não a de pôr em relevo a falha de comportamento, mas o dano, atento primordialmente à necessidade reparatória”82. Exemplo é a responsabilidade do patrão por ato do empregado agindo nessa qualidade. Responde o patrão, por força da lei, embora não tenha agido de forma direta e imediata (art. 1521, III do vigente Código Civil e que passará na legislação vindoura a ser tratado no art. 932, III).

O dano deve ser aferido na sua totalidade, a idéia vigente na doutrina brasileira é de se restabelecer o ante status quo, abarcando tanto a órbita patrimonial, danos emergentes e lucros cessantes, como também a moral. O que se aspira é trazer a benesse àquele que padece material e sentimentalmente vítima de ato injusto. Pode o dano aqui advir de ato lícito ou ilícito, de conduta culposa ou não, verificado o liame jurídico surge à obrigação ressarcitória.

Porém, vezes há em que o acontecimento danoso é uma fatalidade, e, como dizem os ingleses, tratar-se-ia de “act of God”, evento onde se rompe o círculo causal e, portanto, não há de se falar em indenização. Este tipo de evento carrega consigo uma causa que elide a imputação objetiva. Dessas causas já nos referimos, são as excludentes da responsabilidade objetiva.

A idéia de responsabilidade objetiva não é nova, já assentamos que, num primeiro momento, para os antigos romanos a responsabilidade era conseqüência do dano. Porém, não podemos equiparar a responsabilidade objetiva, hodierna, construída a partir do último quartel do século XIX com aquela existente em Roma, “quer em sociedades escravocratas, quer em sociedades nas quais a desigualdade de status da população”83 derivava da lei.

A teoria da responsabilidade objetiva, sem dúvida, se originou da insatisfação que afligiu os meios sócio-jurídicos com a teoria da responsabilidade subjetiva. Contudo, a nova teoria da responsabilização objetiva não tomou assento com rapidez, em verdade, nos lembra Caio Mário que os juristas utilizaram “meios técnicos” no sentido de marcharem ao encontro da doutrina objetiva. Um desses caminhos foi a teoria da “culpa presumida”:

“espécie de solução transacional ou escala intermediária, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação, e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado”84.

A presunção de culpa desobriga a vítima de apresentar os elementos probatórios; é a

inversão do onus probandi. Caberá ao causador do dano, para exonerar-se do dever de reparação demonstrar a ausência de culpa. “Foi um modo de afirmar a responsabilidade civil, sem a necessidade de provar o lesado a conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional”85. A fórmula que nasceu da dificuldade da vítima em provar a antijuridicidade da conduta do agente possibilitou também a “transmudação da responsabilidade aquiliana em contratual”. Explica, Caio Mário que:

“imaginou-se, então, que em determinadas circunstâncias dá-se ênfase a uma situação em que ocorre um dano, que se enquadraria na culpa aquiliana, mas que se desfigura como tal e se apresenta como oriunda de um contrato, o que

82 CASTRO, Guilheme Couto Ibidem. p. 29. 83 CASTRO COUTO, Guilherme. Op. cit. p. 30. 84 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 263. 85 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ibidem. p. 266.

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faz incidir no conceito de culpa contratual. Substitui-se a responsabilidade aquiliana pela contratual, e, desta sorte, consegue-se dilargar a responsabilidade civil”86.

A cristalização da responsabilidade objetiva, também conhecida como teoria do risco, se

deu mesmo, de acordo com Caio Mário, ao citar De Page, com a legislação trabalhista francesa em seguida com a obrigação de indenizar a vítima de transporte marítimo e, posteriormente a vítima do transporte terrestre.

Em âmbito pátrio, pode-se afirmar que o Código Civil brasileiro de 1916 foi aprovado em meio às idéias liberais, trazidas pelos ventos do velho continente europeu. Entretanto, mesmo que se leve em conta as interpretações mais “modernistas”, como às de Ruy Barbosa ou Amaro Cavalcanti, o diploma não abriu maior espaço à responsabilidade objetiva, tanto que aprovado “trazia raras concessões à responsabilidade sem falta”87. Com o passar dos anos, sobretudo após a Constituição Federal de 1946, e com o advento de legislação esparsa a teoria objetiva vem se firmando entre nós.

Finalmente, em sede de responsabilidade civil, há quem defenda tese de que a concessionária de rodovia deve ser demandada por tais eventos com base no Código do Consumidor. O campo de incidência direta da Lei 8.078 é, por excelência, o das relações de consumo, isto é, relações jurídicas que envolvem “dois pólos de interesses: consumidor-fornecedor e a coisa, objeto desse interesses”88.

No caso da prestação de serviços, o objeto pode ser considerado como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”89. Segundo a doutrina “o Código se irradia para muito além de tais searas, quer por forca de preceitos expressos (v.g., arts. 17 e 29) quer por se cuidar de lei moderna, servindo de subsídio para todo o direito obrigacional, oxigenando o velho Estatuto de 1916”. Corrobora este entendimento, o fato de que todo destinatário final de bens e serviços, seja pessoa natural ou jurídica, é consumidor, e todo aquele que desenvolve atividade de produção, criação, montagem, ou negociação de produtos ou serviços, é fornecedor.

É certo que, o Código de Defesa do Consumidor tem a responsabilidade civil como um de seus expoentes, já que o legislador previu na Secção II do Capítulo IV, arts. 12 a 17, a responsabilização objetiva e não parou por aí. Como se infere do predito diploma, pois a regra para as relações de consumo é a imputação objetiva, uma vez que as hipóteses que dependem necessariamente de culpa são raras. Nesse plano, para exonerar-se do dever de reparação, pode o fornecedor demonstrar a inexistência de defeito na prestação, atente-se que aqui o serviço foi defeituoso por falta de informação sobre seu resultado e riscos do serviço; ou ainda, apontar culpa exclusiva do lesado. O caso fortuito para muitos não se encontra contemplado no Código de Defesa do Consumidor, o que torna a possibilidade de afastamento do dever de reparação nula. Entretanto, há aqueles que não só o admitem em sede de defesa do consumidor, como fazem distinção entre fortuito interno e externo. Guilherme Couto de Castro traz a baila doutrina exposta por Sérgio Cavalieri Filho:

“Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível, e por isso inevitável, que se liga a organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade empresarial desenvolvida pelo transportador (...). O fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio. É o fato

86 PEREIRA, Caio Mário da Silva Ibidem. p. 266. 87CASTRO, Guilherme Couto. Op. cit. p. 31. 88 GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de; FINK, Daniel Roberto. et al. Código de Defesa Do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 39. 89 GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de; FINK, Daniel Roberto. et. al. Ibidem. p. 40/1.

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que não guarda nenhuma ligação com os riscos da empresa, como fenômenos da natureza – tempestades, enchentes, etc. Duas são as características do fortuito externo: autonomia em relação aos riscos da empresa e inevitabilidade, razão pela qual alguns autores o denominam de força maior”.

A distinção, segundo aqueles, pode até conduzir a resultados satisfatórios no sentido de afastar a exoneração do prestador de serviços. Pois, em síntese se constata a inexistência ou não de defeito na prestação. Entretanto, para Castro Couto, a distinção é infrutífera:

“bem como incorreto afirmar, de antemão e sempre, que o acontecimento imponderável não ocorrerá se, embora o acidente seja em conseqüência de fortuito, era legitima a expectativa do consumidor de que medidas preventivas tivessem sido tomadas, ou assim o exigisse a necessidade de aperfeiçoamento legalmente tutelada”.

É importante, ainda, salientar que, para aqueles que professam a possibilidade de se demandar a concessionária de rodovia com base no diploma de Defesa do Consumidor, a prestação de serviços remunerada por tarifa ou preço público, seja esta realizada pelo poder público, ou mediante sua concessão ou permissão à iniciativa privada, se insere no contexto abrangido pela Lei 8.078/9090.

Afirmam estes que existe uma relação contratual entre a concessionária e o usuário, e outra entre o poder concedente e a concessionária. Assim, aponta-se a existência de dois contratos coligados, um principal e outro, acessório. É por força do principal que a concessionária se obriga a prestar ao usuário serviço adequado, definido pela lei das concessões, e que, na hipótese de descumprimento as penalidades, seriam: à aplicação de penalidades regulamentares e contratuais, inclusive multas; à intervenção na prestação do serviço; e finalmente a caducidade (extinção da concessão). Enumeram, ainda, que a relação jurídica entre a concessionária e o usuário é diversa da ocorrente entre duas pessoas privadas, que agem em defesa de seus interesses peculiares; que o tratamento ofertado pela Constituição ao usuário de serviço público é diverso do dispensado ao consumidor, alertam, ainda, que os assuntos são tratados, inclusive, em dispositivos distintos, o que assinalaria o desejo do legislador em separar o tema.

“A defesa do usuário de serviço publico não é atribuição do PROCON, e sim da respectiva agência reguladora (...) o usuário de serviço público tem tido sua defesa calcada em uma lei (Lei 8.078) que claramente não se aplica à relação de serviço público, e sim à de consumo conceitualmente diversa daquela”91.

Contudo, talvez o mais importante argumento, seja assinalar que a Emenda Constitucional

n. 19/98 em seu art. 27, determinou que cabe ao Congresso Nacional editar lei de defesa do usuário de serviço público, “isso equivale ao reconhecimento implícito de que essa defesa é juridicamente diversa da ‘defesa do consumidor’, já regulada pela Lei n. 8.078/90”92. A lei, entretanto, não foi editada.

90GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de; FINK, Daniel Roberto. et. al. Op. cit. p. 41. 91 CINTRA DO AMARAL, Antônio Carlos. Distinção entre usuário de serviço publico e consumidor. Disponível em: <http://www.celc.com.br>. Acesso em: 02 de jul. de 2001. 92CINTRA DO AMARAL, Antônio Carlos. Op. cit. p. 3.

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CONSIDERACÕES FINAIS

O instituto da Responsabilidade Civil em nosso país alcançou nos últimos anos notável desenvolvimento. Acreditamos que o efeito globalizante da economia, ao qual o Brasil não pode se furtar, e o conseqüente incremento das relações sócio-econômicas entre países, propiciou um extraordinário desenvolvimento tecnológico, o que, necessariamente, fez surgir novas situações fáticas no cotidiano do brasileiro a demandarem uma solução jurídica.

Em verdade, em paralelo à dicotomia, crescimento econômico e aumento das relações intersubjetivas, houve um vigoroso aumento das ações reparatórias em nossos pretórios, o que deixa entrever que a sociedade como um todo responde ao desafio do crescimento e as suas inexoráveis armadilhas através do judiciário. Ademais, se encontra o legislador brasileiro atento à repercussão destas circunstâncias da vida, que colocam os mais fracos a mercê dos mais fortes, produzindo leis que atendam à função primordial de dar proteção aquele lesado em sua esfera de direitos, a vítima.

A modernidade que assolou o mundo desenhou um novo conceito de Estado, e mais uma vez, nosso país, na tentativa de inserir-se neste contexto, aviou providências que remodelaram o modelo estatal até então em voga. Assistimos, no final da década de 80, o início de um processo de modernização da nação e, neste novo cenário, o Estado deixou de ser prestador de serviços públicos, para voltar-se a um papel de Estado preocupado com as ditas funções indelegáveis. Para tanto, elaborou-se um quadro jurídico que viabilizasse esse novo caminho. Neste contexto, ressurgiu o instituto da concessão de serviços públicos, há muito abandonado pelo legislador.

Nesse passo, no final da década de 90, surgiram as primeiras concessões de rodovias e em 1998 o Estado de São Paulo começou a operar o novo modelo de gestão das rodovias públicas estaduais. Entretanto, como anteriormente mencionamos, o legislador encarregou-se de proteger o cidadão frente a uma nova economia e uma nova forma de administração do bem público. A Constituição Federal de 1988 previu todo o desenlace deste novo quadro sócio-econômico do Brasil, que também encontrou alicerce junto às novas leis infraconstitucionais.

A concessão de rodovias não é uma novidade em nosso país, entretanto, mostrou-se inédita, uma vez que as novas concessões foram outorgadas à iniciativa privada. Pela concessão de rodovia, o Estado transfere à empresa vencedora de certame licitatório a gestão de uma rodovia. A empresa privada assina um contrato com o poder concedente onde se compromete a explorar por sua conta e risco, embora sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, o serviço concedido e, como contraprestação pelo serviço prestado, aufere remuneração paga pelos usuários da rodovia, o denominado pedágio.

Um dos deveres contratuais da concessionária de rodovia, ao lado de outros, não menos importantes, é a prestação de um serviço adequado descrito em lei. Infere-se que na expressão “serviço adequado” se encontram implícitos todos os princípios inerentes à prestação de um serviço público eficiente. Portanto, a segurança e fluidez do tráfego representam a concretização de um munus público. De pronto, se estabelece uma relação entre Poder Público e a concessionária e outra concessionária e usuário.

Destarte, o usuário da rodovia, integrante de uma relação extracontratual, ao se sentir lesado em seus direitos tende a buscar o ressarcimento dos prejuízos advindos na ocorrência dessa vinculação jurídica.

Do que até aqui foi dito, concluímos, em apertada síntese, que a concessionária de rodovia é um agente do Estado e como tal submete-se ao tratamento reservado às pessoas de direito público no âmbito da responsabilidade civil. Em súbita análise, diz-se que a responsabilidade transmitida à concessionária de rodovias é objetiva.

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Entretanto, os julgados analisados, deixam transparecer que não se encontra o judiciário uníssono quanto à afirmativa acima. Essa discrepância possibilita o surgimento de várias teses jurídicas, o que pode acarretar a exoneração da concessionária em algumas situações em detrimento da vítima.

Constatamos, assim, que a concessionária alinha sua defesa sob diversos planos. A concessionária, como predito, gere a execução dos serviços por sua conta e risco,

entretanto, a responsabilidade advinda dessa gestão deve ser informada pelos mesmos princípios que regem a responsabilidade do Estado. Assim sendo, como fixamos anteriormente, a responsabilidade em questão é objetiva, e, para ser invocada, prescinde-se de dolo ou culpa da pessoa jurídica, bastando, tão somente à relação causal entre a atividade e o dano. Contudo, sabe-se que a responsabilidade do Estado pode ser mitigada, quando houver culpa concorrente da vítima e até mesmo elidida, posto que há situações em que se exclui a responsabilidade estatal, são as denominadas causas excludentes de responsabilização, como: força maior, caso fortuito, estado de necessidade, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

Há, todavia, tese defendida pelo professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello que condiciona a responsabilização estatal à existência de uma ação efetiva, ou seja, à existência de uma conduta comissiva do Poder Público, capaz de produzir o dano que ensejaria a responsabilidade do Estado. Se o caso for de omissão não haveria de se falar em responsabilidade objetiva. O mote, aqui, é que de uma omissão não pode nascer um ato, a única hipótese de responsabilidade gerada da inatividade revela-se quando existe a obrigação de impedir o dano, isto é, a responsabilidade, neste caso, surge do descumprimento legal de obstar o evento. Por esta tese, depreende-se que a omissão ou deficiência na prestação do serviço reclamaria a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva. É verdadeiramente aplicar a teoria subjetiva na modalidade faute du service.

Por esse prisma, o dever de indenização surge quando a concessionária de rodovia der causa, ou seja, quando se estabelecer um efetivo nexo causal entre ação ou omissão e os danos ocorridos. Uma vez que, haveria de se perquirir se o serviço funcionou mal, ou tardiamente, ou ainda, simplesmente não funcionou.

Visualizamos também nesta empreitada, que o largo campo de incidência do Código do Consumidor também permite sua utilização em termos de se buscar a responsabilização da concessionária de rodovia, sob o manto deste diploma a concessionária responderia objetivamente pelos danos advindos da presença do animal na pista. Visto que, a sistemática do diploma de defesa do consumidor está toda espraiada na teoria da responsabilidade objetiva. Entrementes, acreditamos que melhor será ao lesado utilizar-se do instituto da responsabilidade civil, pois há forte corrente doutrinária que pugna no sentido de descaracterizar a idéia de que exista relação de consumo entre o usuário e concessionária.

Com efeito, na realização deste trabalho, identificamos que nossos preclaros julgadores deixam de aplicar a teoria objetiva ou se a adotam confundem suas modalidades, o que dificulta, sobremaneira, o caminho a ser perfilhado nas vias judiciais pela vítima de acidente com animal na pista. Quiçá, seja a inexistência de jurisprudência acerca do tema a causa para o tom destoante das sentenças, mas, em verdade, o que se denota é a falta de entendimento jurídico a respeito dos novos rumos que se apresentam em detrimento dos velhos conceitos estratificados no passado. Acreditamos que melhor seria transformá-los, adaptá-los à nova ordem da sociedade. O homem nasce e vive sob a égide do direito, que por sua vez deve ser correlato aos fatos sociais sob pena de se comprometer à harmonia e o equilíbrio social.

Sem dúvida, foram as ilações da vida moderna que permitiram a construção de uma teoria como a da responsabilidade objetiva, e que em relação ao tema estudado, se funda no risco-proveito. A concessão permite ao empresário privado a exploração de um serviço público, essa atividade coloca em risco terceiro, concernente à sua integridade física, psíquica ou ao seu patrimônio, portanto, ao auferir

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os bônus da exploração da rodovia deve a concessionária também assumir os ônus, uma vez que, quem guarda benefícios com atividade desenvolvida deve, suportar os riscos disseminados – Ubi emolumentum, ibi onus.

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SÍNTESE BIOGRÁFICA

Nome : Cristina Pontes Lins Corrêa Velloso. Titulação e atuação profissional: Bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto – São Paulo e Pesquisadora. Endereço postal: Rua Lafaiete, 1182/141 – Higienóplois – Ribeirão Preto-SP. Fone: (0 XX 16) 612 0275 E - mail: [email protected]