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O TESTEMUNHO DE UMA PROFESSORA-ESTAGIÁRIA PARA UM PROFESSOR-ESTAGIÁRIO: UM OLHAR SOBRE O ESTÁGIO PROFISSIONAL RELATÓRIO DE ESTÁGIO PROFISSIONAL Relatório de Estágio Profissional apresentado à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto com vista à obtenção do 2º ciclo de estudos conducente ao grau de Mestre em Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário (Decreto-lei nº 74/2006 de 24 de março e Decreto-lei nº 43/2007 de 22 de fevereiro). Orientadora: Doutora Paula Maria Fazendeiro Batista Relatório profissional integrado no Projeto Financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT): o papel do estágio profissional na (re)construção da identidade profissional no contexto da Educação Física. (PTDC / DES / 115922 / 2009). Cátia Patrícia Pereira Ferreira Porto, setembro de 2012

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O TESTEMUNHO DE UMA PROFESSORA-ESTAGIÁRIA PARA

UM PROFESSOR-ESTAGIÁRIO: UM OLHAR SOBRE O ESTÁGIO

PROFISSIONAL

RELATÓRIO DE ESTÁGIO PROFISSIONAL

Relatório de Estágio Profissional apresentado

à Faculdade de Desporto da Universidade do

Porto com vista à obtenção do 2º ciclo de

estudos conducente ao grau de Mestre em

Ensino de Educação Física nos Ensinos

Básico e Secundário (Decreto-lei nº 74/2006

de 24 de março e Decreto-lei nº 43/2007 de

22 de fevereiro).

Orientadora: Doutora Paula Maria Fazendeiro Batista

Relatório profissional integrado no Projeto Financiado pela Fundação para a Ciência e

Tecnologia (FCT): o papel do estágio profissional na (re)construção da identidade profissional

no contexto da Educação Física. (PTDC / DES / 115922 / 2009).

Cátia Patrícia Pereira Ferreira

Porto, setembro de 2012

II

Ficha de catalogação:

Ferreira, C. (2012). O testemunho de uma professora-estagiária para um

professor-estagiário: um olhar sobre o estágio profissional: Relatório de Estágio

Profissional. Porto: C. Ferreira. Relatório de Estágio Profissional para obtenção

do grau de Mestre em Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico e

Secundário, apresentado à Faculdade de Desporto, Universidade do Porto.

PALAVRAS-CHAVE: ESTÁGIO PROFISSIONAL, IDENTIDADE

PROFISSIONAL, NARRATIVA, PARTILHA, PROFESSOR-ESTAGIÁRIO.

III

Sobre mim …

Azul em pessoa

Há dias cinzentos e amores de capuz.

Há sóis brancos e amarelos.

Ambos dão luz.

Um deles brilha.

E o outro, reflete?

Há desejos vermelhos e secretos.

Há dias verdes discretos.

A paz é azul.

Quem o disse, conhece?

Conheço.

A sério? Mas é só azul?

Não, também é rosa efervescente.

Porquê?

Vejo.

O quê?

A cor de pele.

Então és água!

Sim, sou transparente.

V

DEDICATÓRIA

Ao Daniel,

o exemplar de pessoa mais utópica que já conheci.

VII

AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Ana Luísa Pereira que me falou acerca de “dar o mundo

ao outro”. Que me elucidou sobre o azul.

Ao Mestre Paulo Mota e à Professora Doutora Paula Batista, que depois de

tudo, me falaram da importância de deixar um testemunho.

Porque partilhámos,

À minha primeira turma, 12ºH

Aos meus colegas de estágio, Daniela Ferreira e Paulo Farinhas

Ao David Amorim.

Pela inspiração partilhada, pelos momentos repletos de um todo que me

completa,

À Daniela Martins.

Porque me permitiram ser,

Aos meus pais.

IX

ÍNDICE GERAL

AGRADECIMENTOS ....................................................................................... VII

ÍNDICE GERAL ................................................................................................. IX

ÍNDICE DE QUADROS ..................................................................................... XI

RESUMO ......................................................................................................... XIII

ABSTRACT ..................................................................................................... XV

LISTA DE ABREVIATURAS ...........................................................................XVII

Preâmbulo .......................................................................................................... 1

Capítulo I – Missão ............................................................................................. 7

Capítulo II – Questões e respostas preliminares .............................................. 11

Capítulo III – Conhecer o advir ......................................................................... 17

Capítulo IV – Entendimento do Estágio Profissional como uma troca

equivalente ....................................................................................................... 23

Capítulo V – Uma crise existencial: a importância de ser ator ......................... 27

Capítulo VI – Ensaio sobre uma comunidade de prática: a partilha de ontem,

um sentido para hoje, um amanhã (re)construído ............................................ 31

Capítulo VII – Escola e comunidade: uma exigência ....................................... 41

Capítulo VIII – O aprendido .............................................................................. 47

Capítulo IX – Do estádio para um terço do pavilhão ........................................ 57

Capítulo X – Classificar: uma função “ingrata” do professor ............................ 61

Capítulo XI – O Modelo de Educação Desportiva como uma forma de

organização: Breve consideração .................................................................... 65

Capítulo XII – Outros momentos que te fazem sentir menos estagiário ........... 69

Capítulo XIII – Um dia vais reparar que foi simplesmente acontecendo .......... 73

Capítulo XIV – Os meus pedaços de papel ...................................................... 79

Capítulo XV – Nunca é tarde para ser melhor .................................................. 83

Capítulo XVI – A Identidade Profissional do Professor-Estagiário: Um olhar

sobre a literatura .............................................................................................. 87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 103

XI

ÍNDICE DE QUADROS

QUADRO 1 - Ficha de pesquisa da Revisão Sistemática acerca da Identidade

Profissional do Professor-estagiário …………………………………………........92

QUADRO 2 - Sinopse de Estudos relativos à Identidade Profissional do

professor-estagiário …………………………………………………………………93

XIII

RESUMO

Esta é a narrativa do meu estágio profissional, e é dedicada a ti, que

escolheste o mesmo caminho que eu – ser professor. Falar-te-ei

essencialmente de sentimentos, da minha experiência e do que retirei dela.

Recordo-te de que irás ler uma verdade que é a minha, mas uma verdade

também refletida. Esta narrativa pretende ser, portanto, um reflexo do caminho

percorrido e uma interpretação do processo que me levou à construção da

minha identidade profissional. Está inscrita em 16 capítulos, e falar-te-á de um

entendimento do estágio profissional, do poder da partilha, do aprendido, e da

jornada de ser cada vez mais professor, e menos estagiário. Um dos capítulos

corresponde a um estudo de revisão sistemática acerca da identidade

profissional do professor-estagiário. O meu estágio profissional foi realizado na

Escola Secundária de Almeida Garrett em Vila Nova de Gaia, num núcleo de

estágio constituído por mim e mais dois professores-estagiários.

PALAVRAS-CHAVE: ESTÁGIO PROFISSIONAL, IDENTIDADE

PROFISSIONAL, NARRATIVA, PARTILHA, PROFESSOR-ESTAGIÁRIO.

XV

ABSTRACT

This is a narrative of my professional practicum, and is dedicated to you, who

have chosen the same path that I - being a teacher. I will talk essentially about

feelings, about my experience and what I learned from it. I remind you that you

will read a truth that is mine, but also a reflected truth. This narrative is intended

to be, therefore, a reflection of the path, and an interpretation of the process

that led to the construction of my professional identity. Is fulfilled in 16 chapters,

and it will tell you about an understanding of the professional practicum, the

power of sharing, what I have learn, and the journey of to be more teacher, and

less pre-service teacher. One of the chapters corresponds to a systematic

review study about the professional identity of the pre-service teacher. My

professional practicum was conducted at the Almeida Garrett School in Vila

Nova de Gaia, within a group consisting of myself and two other pre-service

teachers.

KEYWORDS: PROFESSIONAL PRACTICUM, PROFESSIONAL IDENTITY,

NARRATIVE, SHARING, PRE-SERVICE TEACHER.

XVII

LISTA DE ABREVIATURAS

ESAG – Escola Secundária de Almeida Garrett

MEC – Modelo de Estrutura do Conhecimento

MED – Modelo de Educação Desportiva

Preâmbulo

3

Preâmbulo

Espero que não te importes que te trate por tu. Garanto-te que te direi

toda a verdade. A minha verdade. Mas não te prometo que saiba responder a

todas as tuas perguntas. Este escrito é dedicado a ti. A ti, que escolheste o

mesmo caminho que eu. E porque acredito em ti, e em nós, professores,

respeito-te por me ouvires.

O meu nome é Cátia Patrícia Pereira Ferreira, uma aquariana de gema,

com uma visão clara(mente) natural. Nasci numa noite de Inverno, no vigésimo

oitavo dia do primeiro mês do primeiro ano da minha vida, 1989. Foi também

numa noite, que no colo da minha mãe pronunciei a minha primeira palavra:

“luz”.

Assim como o escuro me deu à luz, eu devolvi-me à sua fonte, e para

mim são muitas as coisas que brilham. Uma dessas é o homem, que por ser

racional se deixa ser o mais natural possível – a utopia perfeita – um

sentimento imaginário. Qual é o sentido da vida? E qual é o meu? Não sei. O

que é o homem? E o que pode ser? Tudo. Tudo, porque pelo menos no

imaginário parece-me possível.

Ora esta premissa levou-me desde cedo a dois lemas, “a vida é tua, faz

dela o que quiseres” e “faz dos teus sonhos objetivos”. Contudo, eu perdi-me

nos meus sonhos. Perdi-me nos trilhos do sentir, do metamorfosear, do

idealizar. Parte de mim era, e é, fantasia, era, e é, sonho. Como poderia

objetivar uma fantasia? Na verdade, perdi-me naquilo que queria ser, pois, se a

possibilidade de ser, para mim, reunia tudo, então eu queria ser tudo.

No entanto, reparei que este meu “tudo”, por ser meu, e fantasiado no

belo e no ideal, me encaminhou no sentido da minha existência.

No meu interior ambicionava ser professora (independentemente da

matéria), gostava de cuidar do outro fazendo-o crescer, e adorava a sensação

de felicidade que o desporto me permitia ascender. Esta tríade fazia todo o

sentido.

Lembro-me de pensar que o desporto estava em tudo e em todos os

lugares. Todavia, conseguia observar a minha perspetiva a voltar-se

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progressivamente para uma visão romântica e natural, tal como sinto o meu eu,

pois acredito que esta nossa área tem um potencial infindável, tal como o

homem. Afinal de contas, o que seria o desporto se não existisse a pessoa?

Mais, não contribuirá o desporto para a formação do homem enquanto pessoa?

Certamente que sim.

Costumo dizer que aprendemos por “modelagem”, isto é, tudo aquilo que

observamos e, ou, vivemos, permite-nos edificar aquilo que pensamos que

devemos ser, e como eu não sei ser sem pessoas (talvez uma brecha a

trabalhar, para não me tornar num handicap de mim própria), faço minhas,

palavras de Fernando Pessoa, citando:

“E se sinto quanto estou

Verdadeiramente só,

Sinto-me livre mas triste.

Vou livre para onde vou,

Mas onde vou nada existe.”

Fernando Pessoa. (1993). “Quando estou só reconheço”

Para mim, o coletivo tem um sabor especial, que nos apimenta e

apaixona, que nos dececiona ou impressiona e, por isso, é que nos é

complementar.

Prontamente, parece-me que o meu maior sonho, tendo em conta a

minha tríade e o meu tudo, é “dar o mundo ao outro”. Serão o Desporto, a

Educação Física, e a Escola, a nova tríade itinerária para o concretizar? Creio

que sim.

Chegou então a hora de vos contar uma história. Pois, estas são suaves

memórias. Tão suaves que se deleitam sobre o rosto em forma de gota. Esta é

a minha chuva. Nas nuvens pesam o tempo de um presente que termina. Olho

para trás e vejo um pequeno excerto de um livro por escrever. Chove

torrencialmente. É a saudade. É a nostalgia que sei que vou sentir quando

terminar esta narrativa.

Daqui a umas nuvens a etapa estará completa. Passarei ao próximo nível,

mas nunca vou esquecer a ânsia que tive em vencer o primeiro. A vontade que

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tinha de explorar este meu jogo novo. O labirinto está cada vez mais apertado,

e por isso, penso que encontrarei a saída em breve. Fui recolhendo as pistas,

fui observando as pegadas de outros. O terreno ajudou a delinear caminhos.

As inúmeras pedras no meio da estrada fizeram-me tropeçar. Não me magoei e

levantei-me. Foi aí que o próprio enredo me deu um novo rumo. Parei para

pensar. Cheguei até aqui. Chegam-me uma caneta por favor?

Capítulo I – Missão

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Capítulo I – Missão

Está na hora de transparência e sinceridade.

Firmeza, pulso e verdade.

Nunca terás um produto acabado.

Ser professor é infindável.

Ser pessoa não termina num passado.

O aluno deixa de ser o teu mercado,

Quando percebes que nunca se saberá

Quanto de ti ele percorrerá.

Aos meus olhos, falar-te-ei essencialmente de sentimentos. O que se

sente no ano de estágio. Aquele em que pensas que serás posto à prova. Não

com outros, mas contigo mesmo. Aquele em que te queres conhecer e saber

se estás no caminho certo. Por ti não posso falar, mas pode ser que te ajude se

estiveres à espera de uma história como a minha. Falar-te-ei da minha

experiência e do que retirei dela, sob a forma de sentimentos, como te disse.

Tentarei expor esses sentimentos por fases. Algumas sob a forma de crises

existenciais. Um termo que sei que também usas, para explicar tempos de

devaneios. Não só no sentido pejorativo, mas também naquele em que nos

achamos capazes de… tanta coisa.

Algumas pessoas, que me conhecem, pensam que me é fácil escrever e

que por isso escrevo a toda a hora. Tal, não é verdade. Eu escrevo quando

algo me inspira, quando paro realmente para pensar, e quando tenho de deitar

cá para fora algo que quero partilhar. Normalmente, nunca escrevo só para

mim. E se escrevo, a escrita tem de caber nalgum lugar.

Acho que no fundo realiza-me apenas o facto de partilhar contigo. E é

essa a minha motivação para fazer deste relatório, algo tão simples como um

relato.

Optei por uma narrativa pois gostava de manter a genuinidade da

experiência que vivi. Porque o que te vou dizer vem de dentro. Porque acredito

em Rodriguez (2002) quando refere: “Narratives are meant to be shared. In our

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narrativeness we find our impulse to share our experiences, our

understandings, our meanings, our humanity. No narrative is meant to be kept

to ourselves. Narratives make us human by binding and weaving us to each

other in unique ways.”

Mais uma vez, recordo-te de que esta é a minha verdade. Mas uma

verdade também refletida. Deste jeito, entendo que estarei, igualmente, a

produzir sentidos sobre o que é ser professor. Estarei, pois, a atribuir

significados às vivências. “A necessidade de narrar advém do desejo de

encontrar um sentido para as situações que estão de regresso ao seu

raciocínio para descobrir quem são e para onde vão.” (Brooks, 1984, cit por

Gomes, 2004, p. 20)

Verás que é, no mínimo, estranha, a dualidade de se ser

simultaneamente professor na escola e aluno na faculdade. Ainda mais,

quando mesmo na escola, percebes que estás ali para aprender.

Como serei capaz de auxiliar o meu aluno na descoberta de si próprio e

das suas potencialidades, se eu, em parte, procuro o mesmo? Não consigo, de

momento, lembrar-me de outra sensação, a não ser estranha. E ainda mais,

depois de ouvir tantas vezes “não abdico nunca de ser professor”…

Esta narrativa pretende ser, portanto, um reflexo do caminho percorrido e

uma interpretação do processo que me levou à construção da minha identidade

profissional, de jeito que te falarei abertamente de um entendimento do estágio

profissional, do poder da partilha, do aprendido, e da jornada de ser cada vez

mais professor, e menos estagiário.

Este documento, que é o meu relatório de estágio profissional, é para mim

o meu primeiro livro e, por isso, está inscrito em capítulos.

Capítulo II – Questões e respostas preliminares

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Capítulo II – Questões e respostas preliminares

Tudo começa antes de realmente começar.

São várias as questões que te farão tropeçar.

Não há linha que separe ser professor e ser pessoa.

Mas há uma linha que separa ser pessoa e ser professor.

Poderás não concordar comigo,

Mas não é verdade que bem te soa?

Nas últimas férias de verão estive na Pala. A Pala é uma aldeia da

freguesia de Ribadouro, concelho de Baião. Eu e um grupo de amigos fomos

aproveitar o tempo de não ter horas para acordar nem deitar.

Num dos primeiros dias, fartos de olhar para a torre de latas de atum,

decidimos ir ao hipermercado mais próximo comprar a real carne para a

churrascada da semana. Tivemos que ir de carro porque ainda era longe.

Chegados ao mercado, o nosso sotaque pronunciou-se entre as

gargalhadas ao encontrar os mais estranhos nomes de vinho.

Uma a uma, íamos colocando no cesto as garrafas de perdição que nas

noites frescas da aldeia, nos iam aconchegando. Este era o tempo de falar e

desabafar. De imaginar.

Livres, podíamos sonhar bem alto porque ninguém mais nos ouvia. Cada

um de nós, ansiosos pelo próximo Setembro, partilhava as suas motivações e

expetativas. Falávamos daquilo que tínhamos feito e o que pensávamos que

iriamos fazer. As conversas, mais não eram, o último pensamento que

levávamos connosco para a almofada - questionários sobre o futuro e

interrogações de nós.

Talvez, não fosse o tempo certo para matutar no assunto. Afinal de

contas, estava de férias, e o modo como pensava tinha um cheirinho de

preocupação.

Uma dessas preocupações, que possivelmente terás é, “será que o que

quero é mesmo ser professor?”. Quanto te perguntas sobre isto, imediatamente

te perguntas, sobre o que é ser professor. Aqui vais recordar os teus anos de

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escola e os professores que te marcaram, na tentativa de encontrar definições

através do concreto. Chegarás à conclusão que vais querer ser como alguns

deles foram. Contudo, vais pensar, “não, há coisas que eu quero, e que serão

minhas, e serei diferente e melhor”.

E é nesse momento, que estás disposto a descobrir-te, colocando sobre a

mesa um monte de expetativas sobre esse ano.

A minha expectativa em relação ao estágio profissional, em primeiro,

passava por vivenciar o mais possível, experimentando, no sentido da palavra,

para chegar a conclusões. Estava certa que não iria aprender tudo num ano,

até porque a nossa jornada nunca é estanque, contudo, esperava conseguir

pelo menos um guião acerca daquilo que deve ser o ensino, desmitificado de

preconceções. Para isso, sabia que teria de convocar, repito, convocar, o

background teórico da etapa inicial da minha formação, associado à reflexão

daquilo que a prática me iria dar. Para além disso, entendi que o estágio

profissional é uma aproximação à realidade. A este respeito, Piconez (1991,

p.25) refere que “A aproximação da realidade possibilitada pelo Estágio

Supervisionado e a prática da reflexão sobre essa realidade têm se dado numa

solidariedade que se propaga para os demais componentes curriculares do

curso, apesar de continuar sendo um mecanismo de ajuste legal usado para

solucionar ou acobertar a defasagem existente entre conhecimentos teóricos e

atividade prática.” Por sua vez, Pimenta (2005, p. 70) enfatiza, ainda, que “A

finalidade do Estágio Supervisionado é proporcionar que o aluno tenha uma

aproximação à realidade na qual irá atuar. Portanto, não deve colocar o estágio

como pólo prático do curso, mas como uma aproximação à prática, na medida

em que será consequente à teoria estudada no curso, que, por sua vez, deverá

se constituir numa reflexão sobre e a partir da realidade da escola”.

E porquê esta aproximação à realidade? Quanto mais não seja, porque

este ano serás apenas professor (estagiário) de uma turma, ou talvez duas.

Terás à tua disposição dois orientadores, um na escola (professor cooperante)

e outro na faculdade.

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Cabe-te a ti, seres tão ou mais professor do que aqueles que o são na

realidade. Mas verás, não será tarefa fácil deixar de pensar, ou até mesmo

deixar de separar, o professor, do estagiário… por um hífen.

Não obstante, eu acreditava que o estágio me iria permitir um tempo para

pensar e testar, para construir e reconstruir pensamentos. Ele pode ser o que

tu quiseres, mas será sempre mais um lugar de formação. Neste sentido, as

palavras de Cunha (2008b) fazem sentido para mim quando refere que “A

formação está ao serviço dos indivíduos e das organizações, não podendo ser

encarada como uma mera preparação para um posto de trabalho, mas

fundamentalmente como uma aquisição de competências de reflexão”. (p. 35)

Irás ter, também, certamente, expetativas em relação ao teu núcleo de

estágio. O orientador será bom, mau? Quem será que vai contigo para a

escola? Serão os teus amigos? Como será que vai ser trabalhar com eles?

Será que irás trabalhar mais contigo, ou mais com eles? Digo-te sinceramente,

que isto depende do modo como pensas encarar o estágio. Eu encarei o meu

como um palco de partilha, porque acredito que somos mais, partilhando. Mas

sobre isto, terei um pouco a dizer-te, mais à frente.

E a turma, será “insurreta”? Será que vai ser diferente por seres professor

estagiário?

Vais-te questionar tanto no início. Vais sentir receio e ao mesmo tempo

entusiasmo! É um misto de sensações. Foi o que senti quando estava na Pala.

Naquela ida ao hipermercado, acabamos por gastar cem euros em álcool

e pão! Até com esta atitude me perguntei, “Meu Deus, que tipo de professora

serei?”.

Esquece. Quando se aproximar a tua primeira ida à escola, aí sim, vai-te

doer a barriga. Não fiques com medo. É normal. Sabes, a primeira vez que

entrei na escola foi uma surpresa! Receberam-nos com um agradável sorriso,

literalmente, abrindo-nos as portas da casa (abriram mesmo a sala de

professores). Só poderia esperar um honesto apoio a partir desse momento.

Sabes porquê? Não és o primeiro nesta situação, nem vais tão pouco ser o

último. Eles sabem o que estás lá para fazer, só não sabem o que vais

realmente fazer e ser.

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Na aula de apresentação, vais até combinar com cuidado, a roupa que

irás vestir. Não vais querer correr o risco de não pareceres professor!

Eu, por vezes, sonhava que poderia fazer mil e uma coisas interessantes

com os meus futuros alunos, que poderia envolvê-los e fazermos outras tantas

coisas juntos. Percebo agora, que este ano é como viajar de comboio. Quando

estamos lá dentro e olhamos para fora, vemos imagens já passadas e

desenroladas, quando estamos cá fora e olhamos para o trem em movimento,

ele demora um pouco mais a passar e conseguimo-lo ver por mais tempo. O

estágio é assim, passa mais depressa quando o vivemos do que quando o

recordamos. Quando chegas ao fim, por muito que consideres que fizeste tudo,

pensas sempre de como poderia ter sido se fizesses melhor.

E aí, percebes que tens o resto da vida para resolver o assunto, pois já

não o podes remediar. Tal como nós, na Pala, que mesmo dando tudo o que

tínhamos, os cem euros, no meio de tanto pensar o que faríamos com mais de

vinte garrafas de álcool, nos esquecemos da carne. Aquele que foi o nosso

propósito. Ainda bem que compramos pão, pois deste modo, foi mais fácil

deixar ruir a torre de atum.

Capítulo III – Conhecer o advir

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Capítulo III – Conhecer o advir

Um dos passos que ajuda à tua afirmação pessoal e que, de certa forma,

te permite “ganhar” uma identidade profissional é assumires-te como parte de

um grupo presente na escola. Conhecer e conviver com os professores,

participar em reuniões, e até tomar pequeno-almoço no bar, ou simplesmente

ser cumprimentado por um aluno, contempla-te com um sentimento de

pertença. E este, dá-te alento para ires mais longe. É claro que só pelo facto de

pertenceres a um núcleo de estágio, te sentes mais “protegido”, mas sentires

que pertences à escola, e particularmente, ao grupo do fato de treino, não te

deixa “tão só”. É como se o teu lugar fosse reconhecido. “Mas não é?”

Perguntas tu. É. É, sim senhor, mas continuas a ser o estagiário, se é que me

entendes.

Para além disso, uma pessoa importantíssima que te acompanha neste

mar de sentimentos confusos é o professor cooperante, o professor que te

orienta na escola. Eu senti um descanso quando reparei que a sua ação na

escola partia de “ter os alunos comigo”, pois em certa medida, esta também era

a minha perspetiva. A sua premissa “tenho ideias claras, não fixas”, ajustou-se

àquilo que considerei que deveria ser o papel da orientação. Confirmarás com

certeza, que o sentimento de confiança em relação a este desafiador

assegurará uma serenidade progressiva em ti.

E se estiveres, como eu estive - sempre pronta a aprender - o ano de

estágio profissional contribuirá para a tua vontade de lutar por um ensino

inovador e de qualidade crescente.

O estágio profissional, sendo a última fase da formação inicial, tem como

objetivo promover as vivências que conduzam ao desenvolvimento da

competência profissional, como sejam, as “competências docentes a integrar

no exercício da prática pedagógica” (artigo 7º do Decreto-Lei nº 344/89, de 11

de Outubro). Na verdade, aquilo que se pretende, e que eu pretendo, é ser-se

competente na profissão. Neste ano, torna-se quimérico atingir-se a

competência - o que não é impeditivo de começar a colecionar formas de lá

chegar. Isto, porque, “ter competências não é ser competente, isto é, ser

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detentor de competências não é garantia de competência, porquanto a

competência é situacional, manifesta-se na acção e é de natureza relacional”

(Batista, 2011, p. 437). Portanto, a formação deve ser “um espaço onde se

adquira os requisitos da competência e não meras competências. Assim, é

necessário que se criem condições para que exista tempo e espaço para

pensar, para analisar, para produzir, para construir e (re)construir o

pensamento, o conhecimento, as crenças e as concepções. É ainda necessário

que a criatividade, a sensibilidade, o autodesenvolvimento, a comunicação e as

metacompetências sejam objecto de desenvolvimento, o que apenas é viável

se houver investimento no pensamento crítico e reflexivo, porquanto a

atribuição de sentido e de significado às vivências é fundamental” (Batista,

2011, pp. 437-438).

Daí que, quanto mais conhecimento e vivência, mais se abre o leque de

opções para tomarmos decisões. Segundo Matos (2011b), “O Estágio

Profissional visa a integração no exercício da vida profissional de forma

progressiva e orientada, através da prática de ensino supervisionada em

contexto real, desenvolvendo as competências profissionais que promovam

nos futuros docentes um desempenho crítico e reflexivo, capaz de responder

aos desafios e exigências da profissão” (p. 2). O estágio também é isto mesmo,

o nosso leque para o futuro.

Importa, ainda, saber que a estrutura e funcionamento do estágio

profissional consideram os princípios decorrentes das orientações legais do

Decreto-lei nº 74/2006 de 24 de março e do Decreto-lei nº 43/2007 de 22 de

fevereiro e têm em conta o Regulamento Geral dos segundos Ciclos da

Universidade do Porto, e o Regulamento do Curso de Mestrado em Ensino de

Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário.

Agora que começas a entrar no assunto, fica sabendo que sim, no início

são muitas as coisas em que tens de pensar. E apesar de teres dito a ti mesmo

que “não, há coisas que eu quero, e que serão minhas, e serei diferente e

melhor”, no fundo, vais observar com atenção o que fazem os outros, vais

atentar especificamente nas orientações do professor cooperante, vais quase

tentar juntar um pouco de todos para experimentares. Acerca disto, Cunha

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(2008b) refere que “os professores deixam para depois a preocupação com a

compreensão de si próprios e dos outros, ao serem submergidos pelas suas

preocupações iniciais de sobrevivência. (…) No que concerne ao seu estilo

pessoal, evoluem da imitação rígida de modelos de ensino para o seu modo

pessoal de ensinar” (p. 90). Não é mau, de todo, é apenas a maneira de te

começares a descobrir.

Aliás, fases de receio, de insegurança, de luta, de conquista vão-te

aparecer de certeza. Segundo Huberman (2000), o professor estagiário

defronta-se com dois sentimentos: o da sobrevivência, que se caracteriza pela

luta em não desistir da profissão, ao deparar-se com todas as adversidades; e

o da descoberta, que se caracteriza pelo facto de se sentir um profissional, de

se descobrir enquanto profissional. É um pouco isto que vai acontecer contigo.

Apesar de estares preocupado com a tua imagem enquanto professor,

tens de perceber que mesmo que este espaço de formação te leve a construir

uma imagem idealizada sobre aquilo que deves ser e fazer, nunca podes

esquecer os que permitem a concretização desta etapa – os teus alunos. É

com eles, que neste ano, tens de ser e fazer! Porque eles é que te vão permitir

dar o melhor de ti. Tu vais ser quanto mais eles te derem para ser, e eles vão

ser quanto mais tu deres para serem!

E da mesma forma que quando convidas alguém para passar férias na

tua casa de verão sabes quantos quartos e colchões tens vagos, terás de

conhecer a escola onde vais lecionar e o que ela oferece.

Eu fiquei colocada na escola que escolhi para realizar o meu estágio, a

Escola Secundária de Almeida Garrett (ESAG), em Gaia. Na verdade, não era

a escola mais perto de casa, pois sou de Rio Tinto, mas tive ótimas referências

acerca da mesma e decidi envergar pelo entusiasmo que me tinham

despertado.

Jamais me arrependi, mesmo não tendo vivido, sensivelmente até ao

último mês de estágio, todo o seu espaço estrutural e funcional já que a escola

se encontrava em obras. No entanto, um dos pavilhões gimnodesportivos ainda

estava disponível. Ainda assim, o meu espaço de estágio foi praticamente o

Estádio Municipal do Parque da Cidade de Gaia, pois dado que as instalações

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na escola não eram suficientes, algumas turmas tinham que ter aulas no

exterior. Deste modo, no estádio, contámos com dois espaços interiores,

situados debaixo da bancada. Um era uma zona de aquecimento para atletas,

e outro, uma sala de conferências. Usufruímos ainda, do espaço exterior - o

relvado sintético e a pista.

Isto trouxe alguns constrangimentos ao planeamento, pois tornou-se

necessário adequar os conteúdos programáticos aos recursos espaciais e

materiais, assim como às condições climatéricas. Quando estas não eram

favoráveis, lecionava-se a aula no espaço interior, e neste, não havia balizas

ou tabelas, e o uso de bolas não era recomendado por questões de segurança

(mas ainda consegui lecionar voleibol, com cuidadinho).

Nota que, dada a circunstância, para uma aula de 90 minutos, o tempo útil

era de 60, tendo em conta as deslocações dos alunos. Mas até as viagens

curtas de camioneta eram engraçadas e sempre davam para conversar sobre

que se iria fazer na aula.

Eu em pouco tempo apaixonei-me pelos alunos da escola, e em

particular, pela minha turma. Cedo, criei expetativas em relação ao bom clima

de trabalho, de aprendizagem e de relacionamento. Foi aqui que comecei a ter

receio de não conseguir “dar o mundo ao outro”, pois sabia que em algum

momento me poderia concentrar no estágio como tarefa a concluir. Sempre

disse que iria fazer tudo para que isso não acontecesse, porque assim que

olhasse para o estágio como uma simples tarefa, ele iria perder o valor. O valor

“de quem anda a gosto não cansa”. Parte de mim encontrar significados

intrínsecos, e eu, (tal como tu deves fazer), tive de encontrar sentidos para as

tarefas inerentes ao estágio. E digo-te sinceramente, que realizei apenas o que

fez sentido para mim. Vai haver coisas que te farão questionar, “mas porque é

que eu tenho de fazer isto?”. Quando esses momentos chegarem, em última

instância, mesmo, lembra-te do que o povo diz, “guarda o que não presta,

encontrarás o que precisas”. Não digas, depois de leres isto, que eu disse que

há coisas que não prestam, (risos)! Só quero frisar que as coisas têm uma

razão de ser, e tu tens de encontrá-las.

Capítulo IV – Entendimento do Estágio Profissional como uma troca

equivalente

25

Capítulo IV – Entendimento do Estágio Profissional como uma troca

equivalente

Quando eu conheci a minha turma, e depois de me ter apaixonado por

ela, questionei-me mais uma vez, acerca daquilo que nós, professores, temos

em mãos. É muito fácil sentirmo-nos apaixonados quando percebemos que

essas pessoas, quer queiramos quer não, serão um elo de vinculação entre o

nosso próprio futuro e o futuro que elas desejam destinar para as suas vidas. É

tão grande a beleza deste laço!

Por um lado, temos as questões práticas do processo, como sejam as

características da turma, e com as quais tens de trabalhar. A minha era uma

turma do 12º ano, constituída por 25 alunos, dos quais, 17 rapazes e 8

raparigas, do curso de Ciências Socioeconómicas. A média de idades situava-

se nos 17 anos. Ora, que é que isto quer dizer? Em primeiro, sabia que estas

pessoas da turma H, estariam na fase de pensar naquilo que querem fazer no

futuro. Sabia também, ainda que revelassem uma maturidade diferente entre

uns e outros, que eram apenas, em média, 5 anos mais novos do que eu.

Éramos do mesmo tempo, digamos assim. Este era um fator que nos podia

aproximar se soubesse tirar partido daquilo que o nosso tempo nos permite ter

em comum. Porém, isto podia ser visto, igualmente como um fator de

vulnerabilidade face às representações socias de respeito aos mais velhos e

experientes. Não te consigo dar receitas acerca disto. Terás de apelar ao teu

tato e aos conhecimentos, entre os quais, os pedagógicos, para lidar com a

situação.

Por outro lado, há as questões sublimes, como sejam: como conseguirei

concentrar-me em mim e na minha atuação, sem esquecer que para estas

pessoas que estão comigo, este também é mais um ano de formação?; como

conseguirei formar estas pessoas através do desporto?; como conseguirei

formar, sem me esquecer que tenho de ensinar o desporto?

Foi ao tentar encontrar uma resposta para estas questões, que numa

conversa com um amigo surgiu o conceito de troca equivalente.

Assim, como todos os que pisam a Terra comentam vulgarmente o

desporto, a discussão sobre o que é ser professor está longe de se esgotar. A

26

definição que fica entre o seu papel e as suas funções, nem sempre é fácil de

distinguir. E não querendo ousar fazer acrescentos ao debate, vou-te declarar

um dos meus entendimentos sobre a temática, no sentido, em que esse

ambicionou ser sujeito da minha máxima no ano de estágio.

Ser professor hoje é um processo inacabado. Como já te disse, somos

tanto mais professores quanto mais nos derem para o ser. Eu gosto de

desporto, mas amo muito mais as pessoas. Foi então, que tive de encontrar um

equilíbrio entre as questões que coloquei. Eu adorei conhecer a minha turma e

as individualidades dela, e sempre disse aos meus alunos “se me pedirem uma

mão, eu dou-vos as duas”. Porquê? Transportei o fundamento dos propósitos

enunciados pela alquimia em que é preciso oferecer algo em troca de valor

equivalente, para o estágio profissional. Quero com isto dizer que, só é

possível maximizar as aptidões e potencialidades do aluno, quando este e

docente encontram um elo de ligação em equilíbrio. Então, se eu quero que os

meus alunos sejam o máximo, eu tenho de dar o máximo. Se eu der o máximo,

vou esperar que eles despertem as suas capacidades ocultas máximas. E se o

resultado não for o que eu estou à espera? Continuas a dar o máximo. Pois só

assim saberás que a possibilidade de eles darem também, lá reside. É a beleza

da incerteza de conseguires ou não “dar o mundo ao outro”.

A outra face desta troca é a questão: então e eu, que recebo? O que

recebo de uma pessoa maximizada? Recebes experiência e prazer. Recebes

novos horizontes máximos, porque não há limite na condição humana, nem na

tua atuação, nem no ser professor.

Termino este capítulo com Cunha (2008b, p. 35): “A formação pode e

deve fomentar o processo de auto e hetero-desenvolvimento do indivíduo,

abrindo novos caminhos, estabelecendo novos objectivos, proporcionando

condições de desenvolvimento pessoal e profissional, baseados em estratégias

que possibilitem uma maior capacidade de adaptação e modos de equilíbrio

superiores.”

Capítulo V – Uma crise existencial: a importância de ser ator

29

Capítulo V – Uma crise existencial: a importância de ser ator

Decerto, já ouviste dizer que o professor tem de ser um ator. Inicialmente,

esta premissa fez-me muita confusão. Simplesmente, não a percebia. Nóvoa

(1992, p. 7) diz que “não é possível separar o eu pessoal do eu profissional”.

Então, o que é isso de ser ator? Terei que ser alguém que não sou?

Não. Nós interpretamo-nos na busca de significados para a construção de

uma identidade profissional. E a apropriação dos significados profissionais, têm

que ver com os teus próprios modos de ver e a própria experiência, porquanto

há uma harmonia entre aquilo que és e aquilo que ensinas.

Está na altura de deixar de acreditar que para ser professor o que

interessa é apenas ter jeito. Sabemos agora, que são precisos muitos mais

saberes. Sabemos da mesma forma, que também não basta saber o que

ensinar, é preciso que consigamos que o aluno queira aprender. Este é um

fator que frequentemente distingue uns professores de outros. E aqui entra o

pessoal, e não é mesmo nada difícil acreditar não ser possível retirar a pessoa

que mora no profissional.

O tato pedagógico enunciado por Nóvoa (2008, p. 3), e que é um conceito

difícil de definir, mas que compreendemos bem, vem dar mais uma mão ao

entendimento de que as dimensões profissionais e pessoais caminham lado a

lado. Onde quero chegar com isto? Que realmente é importante que o

professor se adeque mediante as situações que encontra, para ser capaz de

satisfazer e potenciar o aluno “a” e o aluno “b”. De tal forma, que a tal troca

equivalente, pode perfeitamente aplicar-se ao equilíbrio entre o eu pessoal e o

eu profissional. Deste modo, a importância do professor ser um ator, e a sua

potencialidade, reside, não na forma como encarna o papel, mas sim, pela

forma como consegue aceder a outros papéis. Não um ator que representa

mas um ator que age e reage, que atua de acordo com o que a situação pede.

Isto é adequar. Percebes agora? Não tens que ser uma pessoa que não és.

Um dia eu escrevi no meu bloco de notas, que o estágio para além de me

ter permitido conhecer-me enquanto profissional, também me permitiu

conhecer-me enquanto pessoa. Mas afinal não era bem isto que queria dizer.

30

Eu acho que … o estágio, por te fazer reconhecer alguns traços característicos

da tua atuação enquanto professor, é que evidencia algumas características da

tua personalidade que já te enraizavam, só que como não as tinhas de pôr

permanentemente em prática …

Quando pensas melhor sobre o assunto, e pensas sobre ti e sobre quem

és, percebes que já eras um pouco assim. Então, chegas à conclusão que

afinal, não te conheceste só agora. Apenas fizeste uso da pessoa que és e

encontraste-te contigo. Um contigo mais teu, que repousava até um novo

despertar. Que lindo, quando começas a inteirar-te que “tu és tu, e tu és

professor”.

Capítulo VI – Ensaio sobre uma comunidade de prática: a partilha de

ontem, um sentido para hoje, um amanhã (re)construído

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Capítulo VI – Ensaio sobre uma comunidade de prática: a partilha de

ontem, um sentido para hoje, um amanhã (re)construído

Se partilhar for dar um pouco de si,

Se partilhar for dividir um pouco de nós,

Então, há uma parte de nós,

Em toda a parte, de uma parte de ti.

Neste capítulo vou-te falar, essencialmente, sobre o valor e o poder da

partilha. Começo pelo meu bloco de notas que data 5 de janeiro de 2012:

“Parte do meu ser aceitar o conceito de partilha. Não estranhem quando

digo aceitar. Eu aceito, no sentido em que me permito ser alvo dessa noção. Já

disse outrora que não sei ser sem os outros, e já falei antes em modelagem.

Acredito que partilhar, é um verbo construtivo da nossa pessoa, é um verbo

que nos constrói.

Por vezes, dou por mim a pensar que a nossa identidade estará sempre a

edificar-se. Porque estaremos sempre em contacto com novas pessoas, novos

lugares, outros tempos. Há coisas que decerto se vão manter e que fazem

parte daquilo que nos identifica e distingue dos outros. Há outras que talvez

vêm e ficam por minutos, outras que vêm para nos adaptar, outras que vêm

para nos mudar.

Este é um processo de crescimento, até que a luz se apague. À medida

que para lá vamos caminhando, vão-se alternando interruptores, vão-se

descobrindo novos tons e novas cores, vão-se revisitando povoados e

reacendendo-se lumes e chamas. Por outras palavras, nós somos e vamos

sendo. O estágio profissional é um dos reflexos desta conceção, a partilha

edifica.”

Esta é uma nota introdutória de mim. Mas na verdade, esta poderá ser

uma nota introdutória para ti, no teu ano de estágio. Quando deleitas o olhar

sobre uma paisagem, já pensaste sobre o que estará ela a pensar de ti, por

estares tão fixado em todos os seus pontos de altos e baixos, de verde e azul,

de tom de pedra e cinza? Já pensaste que ela poderá estar a perguntar-se

34

sobre o que tem de tão seu, que a faz chamar por ti? De que é feito esse tecido

que vos entrelaça utopicamente por bens comuns? Já pensaste que ela ali está

para ser admirada e tu ali estás para a admirar? Alguma vez ousaste pensar

que estão a partilhar? Já? Aposto que neste preciso momento paraste por um

segundo e recordaste certo momento (sorriso).

Pega agora nesse sentimento e transporta-o para o estágio profissional.

Difícil? Nada a ver? Calma, vou-te mostrar.

Etienne Wenger (2006, p.1) diz-nos que “Communities of practice are

groups of people who share a concern or a passion for something they do and

learn how to do it better as they interact regularly.”

Partindo do enunciado de Wenger, podemos inferir que o funcionamento

do núcleo de estágio é congruente com a conceção de comunidade de prática,

porquanto este grupo partilha preocupações e paixões comuns pelo que faz, e

aprende a fazê-lo melhor interagindo regularmente. Considerarás, certamente,

que não há dúvidas quanto a isto. Por isso, o que vou (tentar) fazer é mostrar-

te … ousar mostrar-te, que o processo de partilha ultrapassa os elementos do

núcleo de estágio (a comunidade de prática). Vou ensaiar “alargar” o conceito

de Wenger, consciente, de que isto, nada mais é do que um mero ensaio. Não

obstante, o meu objetivo último é fazer-te compreender que a partilha tem o

poder de te ajudar a construir enquanto profissional.

Antes de passar à ousadia, vou falar-te de partilhas importantes no seio

da comunidade de prática.

Sabes, eu tive a sorte de ter um professor cooperante sempre presente.

Foi muito mais do que um mero observador de mim. Não penses que esta

pessoa será um condutor, e tu um carro telecomandado. Não. Esta pessoa é

um mapa, que entre um ponto de partida e um destino, te mostra os possíveis

caminhos. E a escolha será sempre tua. Influenciada para bem, mas tua. Esta

pessoa, com experiência, vai reparar em ti. Vai tentar traçar-te um perfil. E olha

que acertou no meu! Refiro-me ao perfil inicial que cada professor cooperante

deve traçar acerca de ti. Vais estar “mortinho” por saber o que é que ele acha

de ti e quais são as suas expetativas para ti. E por isso, tenho a certeza que as

35

suas primeiras palavras acerca de como te considera te vão marcar, para o

bem, ou para o mal. Espero que tenhas a mesma sorte que eu.

É que o meu núcleo reunia com muita regularidade. Estávamos sempre

juntos. Passávamos as manhãs na escola. Observávamos as aulas uns dos

outros, e em grupo, comentávamos tudo o que havia para comentar. O

professor cooperante ouvia-nos e comentava também. E quando não

falávamos sobre as aulas, falávamos sobre a escola, sobre nós, sobre um tema

de interesse. E aqui, cria-se uma relação de hábitos, uma relação de partilha,

uma relação de confiança. Sentes-te tão mais puro, tão mais liberto, tão mais

descansado quando sabes que tens um grupo com quem contar … que é

capaz de falar contigo abertamente … porque, repara, todos os estagiários,

entre outras coisas, procuram as mesmas. Descobrirem-se, darem de si, serem

melhores. Ambos sabemos que se nos ajudarem a desembrulhar um presente,

descobrimos mais depressa o que lá está. Que dar sabe bem melhor quando

alguém está disposto a receber. Que para sermos melhores, o primeiro passo é

tomar consciência de que o podemos ser. E que por vezes, se alguém nos

sussurrar ao ouvido “tu consegues”, tu acreditas que vais conseguir.

Chamávamos seminários a estes momentos de conversa. Eu fui

crescendo nestes momentos, pois estes eram grandes em reflexão, e os meus

colegas de estágio e o professor cooperante quase se tornavam moderadores

do meu próprio pensamento. Ao partilhar as minhas preocupações com eles

pude distanciar-me dos problemas e “observá-los de fora”, pelo que surgiram

instantes de clareza e que me permitiram tomar decisões mais assertivas, com

um sentimento de segurança extra, na medida em que o assunto tinha sido

discutido, refletido e considerado. A propósito, tenho um exemplo muito

explícito no meu bloco de notas (10 de novembro de 2011) referente a isto:

“Em conversa com os colegas de estágio, pensou-se em duplicar o valor

do golo feminino, ou, criar uma regra, em que o golo só é válido, se nessa

jogada tiverem participado todos os elementos de equipa. Vou aplicar. A ver

vamos se resulta.”

36

Fomos trabalhando em comunidade para uma comunidade. Porque não

basta dizer que pertencemos a uma comunidade de prática, só pelo sentido

identitário, se não formos, de facto, praticantes.

Como te disse, para mim, partilhar é um verbo construtivo, e estar

disponível para observar aulas e falar sobre elas, permite-te aprender com

erros sem, na verdade, teres de os cometer. Permite-te de igual forma,

contemplar ideias geniais e que não tinhas pensado (mas olha que por

funcionar com ele, pode não funcionar contigo, obviamente). E o interessante

de seres praticante dentro de uma comunidade, é que se aprendeste com o

erro do outro, esse outro aprendeu a corrigi-lo.

Por vezes, observar uma aula, é olhar para ti, através do seu reflexo. E

mais importante do que isso, refletir sobre o que observaste é olhar para nós,

professores, e o que é que nós estamos a fazer com os nossos aprendizes.

Porque numa aula está presente o professor, o aluno, e a possibilidade de

consequências daqueles minutos, que te fazem refletir sobre as tuas práticas.

Afinal, para que(m) queres melhorar? Para que queres saber os erros que não

podes cometer? É inevitável, tu deves querer ser bom professor porque os

alunos precisam que tu o sejas. O pensamento de querer ser bom professor só

por ser, porque te preenche o ego, ou o pensamento de querer ser melhor para

te sentires grande e valoroso não existe. Desculpa-me a comparação bacoca,

mas pensares assim é tão inútil como um chef ser excelente e não ter ninguém

que aprecie os seus cozinhados.

Comecemos então, a ousar. Disse-te que te ia mostrar que o processo de

partilha ultrapassa os elementos do núcleo de estágio, no sentido em que este

preconiza uma comunidade de prática.

Tendo como ponto de partida, o processo que envolveu a minha primeira

grande decisão no meu ano de estágio, o meu primeiro atrevimento é dizer-te

que o processo de partilha passa, também, pelos alunos. O segundo

atrevimento é perguntar-te, se considerarias que os alunos pudessem fazer

parte de uma comunidade de prática, onde tu também estivesses. Que te

parece?

Repara nestes excertos do meu bloco de notas:

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“Em relação às jornadas competitivas, continua-se a notar um

constrangimento por parte das raparigas da turma. É certo que elas estão a

evoluir, no entanto, não são criadas tantas oportunidades de prática como o

desejado, em situação de jogo. As equipas são heterogéneas, e como tal, há

níveis diferenciados numa mesma equipa. O objetivo é que se fomente um

trabalho cooperativo, para que a competição seja inclusiva e integradora. Não

obstante, este trabalho demora o seu tempo, para atingir-se na sua plenitude.

Neste caso concreto, há pessoas da turma que em 15 minutos não tocam na

bola, apenas se movimentam (e por vezes até esta movimentação perde o

sentido, pois o objetivo dela não é cumprido). Portanto, isto preocupa-me.

Neste sentido, havia já criado a regra do golo da rapariga valer por dois. Numa

equipa resulta, noutras continua a ser insuficiente. (...) Por outro lado, houve

uma aluna que fez uma observação que me surpreendeu. Disse, “professora,

se o MED tenta trazer características do desporto institucionalizado, lá fora há

o futebol masculino, e o futebol feminino. Aqui podíamos fazer a mesma coisa.

Não está a resultar muito bem”.

(…) Estou prestes a tomar uma decisão. Todos devem ter aprendizagens

significativas.” (17 de novembro de 2011)

“Decidi separar os rapazes das raparigas na época desportiva de futsal.

Vou continuar com o Modelo de Educação Desportiva, mas há que adaptar o

processo de ensino e aprendizagem.” (23 de novembro de 2011)

“A turma aplaudiu a sugestão e, de facto, o entusiasmo, a vontade e a

motivação foram outros. As meninas referiram que conseguiam aprender mais,

e eles, bem, só visto.” (29 de novembro de 2011)

Fica claro que o comentário da aluna foi decisivo para a minha tomada de

decisão. Na verdade, discutimos o assunto, de modo que senti que a

deliberação foi partilhada. Eu intitulei esta atitude como a “minha primeira

grande decisão”, pelo simples facto de ter sido a primeira vez no estágio em

38

que tive de decidir entre duas opções que me estavam a causar um

constrangimento, separar ou não, raparigas e rapazes.

Embora esta partilha tenha sido muito concreta para a minha atuação, há

outras que aconteceram em momentos de conversas informais e que se

revelaram elementos importantes, ao passo que me levaram a questionar

algumas conceções, e que de certa forma influenciaram as minhas práticas.

Dou-te o exemplo de uma aluna (não pertencente ao 12º H) que conheci

no dia 9 de dezembro de 2011:

“Antes não conseguia correr cinco minutos e agora corro meia hora.

Graças à professora. É exigente e é assim mesmo que deve ser. A minha

condição física melhorou.”

Acabamos por conversar sobre o desporto, a importância que tem e o

modo como é visto. A perceção que os alunos têm, embora possa ser não

refletida, faz-nos refletir a nós.

Dou-te outro exemplo:

“Estou a gostar mais deste ano porque o professor olha para todos nós e

não apenas para os rapazes. Ele explica tudo e não está sempre a parar.”

Para além de te ter mostrado que partilhámos, confesso-te que os

momentos de conversa informal são privilegiados. Acerca disto, tenho

registado conclusivamente, no bloco de notas (19 de janeiro de 2012):

“Foi hoje, numa conversa informal com duas alunas (uma delas não

pertence ao 12ºH) que se falou sobre a relação entre aluno e professor. Tenho

notado que este tipo de momentos são um meio privilegiado para se conhecer

individualidades. Os alunos estão muito mais recetivos e descontraídos. Muitas

vezes, são eles que nos procuram. Estas conversas também influenciam, em

certa medida, a nossa atuação enquanto professores. Depois de ouvir muitas

39

vezes que no primeiro dia de aulas “não se mostram os dentes aos alunos”,

chegam agora perceções do outro lado, reafirmando que sim, “mostra-se os

dentes se se tiver que mostrar”.

(…) entendo os dois lados, pois, já pude verificar que ambos podem ou

não resultar. De qualquer maneira, considero que a melhor opção é despirmo-

nos de conceções e agir de acordo com o que encontramos pela frente,

sempre com moderação, e em prol de um bom relacionamento com os alunos.

Se nós queremos isso com o outro (em linguagem corrente “com toda a gente”)

por que não com aqueles que pretendemos educar e ensinar? Somos todos

pessoas.”

Resta-me dizer-te que é também em conversas informais com elementos

de outros núcleos de estágio, que partilhas conhecimentos, no sentido em que

estão a viver experiências similares. E o meu último atrevimento será

perguntar-te se considerarias que estes elementos pudessem fazer parte de

uma comunidade de prática, onde tu também estivesses. Que te parece?

Através da minha experiência, pude perceber que de facto, o valor da

partilha reside na possibilidade do amanhã. O tal amanhã que tanto procuras.

Partilhar edifica mesmo.

Imagina agora … que a paisagem de que te falei são os teus alunos.

Continua a ser difícil transportar sentimentos? Não é pelo mundo que eles

podem criar que em parte escolheste esta profissão?

Capítulo VII – Escola e comunidade: uma exigência

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Capítulo VII – Escola e comunidade: uma exigência

“Foi essa a educação que te deram em casa?” “Foi isso que te ensinaram

na escola?” Quantas vezes nos deparámos com estas questões! Quem somos

nós no meio destes dois mundos de professores e pais? Seria possível a

perfeição, se estes dois nos dessem à luz em uníssono? Não me leves à letra,

porque tanto quanto sabemos, o meu pai é diferente do teu, e eu sou diferente

de ti. Mas se as envolvências fossem simétricas … não seríamos cada vez

mais íntegros?

Não obstante, será que a escola está preparada para assumir funções de

“pai” quando é preciso? Será que o “pai” tem tudo aquilo que é preciso para

assumir o papel de professor?

Como é possível que escola e comunidade caminhem lado a lado, se na

escola está uma comunidade de individualidades? Quais os valores a ensinar?

Segundo Canário (2005), a escola como instituição funciona como uma

“fábrica de cidadãos” que visa a integração social, e que parte de um conjunto

de valores intrínsecos. A escola é detentora de uma cultura própria, que se

constrói e desenvolve durante o percurso de interação social, embora se

considere a escola como um veículo transmissor da cultura da sociedade em

que se insere (Santos Guerra, 2002).

Mas a escola de hoje está carregada de diversidades culturais. Enquanto

agência desta mediação, a escola assemelha-se metaforicamente a um

entreposto cultural, a um posto dinâmico entre culturas (Torres, 2008).

Portanto, há que ter em conta a diversidade e a diferença, que são valores

positivos e fatores importantes de progresso, no rumo a uma escola inclusiva.

Neste contexto, as sociedades democráticas devem oferecer um sistema

educativo capaz de assegurar que todos os alunos atingem o máximo das suas

potencialidades, através das mesmas possibilidades e oportunidades (Pereira,

2004). E como conseguir isto? É muito difícil viajar até às profundezas da

questão, porque muitas outras aparecem pelo caminho.

Eu pensei nisto, e penso, porque eu acredito na escola. Acredito que a

escola tem o potencial de ser um acrescento às individualidades, na medida

44

em que lhes é complementar. A escola deu-me coisas sem as quais já não sei

ser. É quando penso nisto, que percebo o que é “dar o mundo ao outro” sem o

saber explicar, na verdade. Parece que pegaram numa bolinha de

ensinamentos e passaram-na para a minha mão, para que pudesse vê-la,

cheirá-la, escutá-la, descobrir os seus sabores e a sua textura, e no final, senti-

la, pensar sobre ela e o que fazer com ela.

E os meus pais, ainda que por vezes, duvidassem do que tinha em mãos,

ajudaram-me a segurá-la na mesma, e certificaram-se de que a tratava bem,

alimentando-a com esperanças e anseios, e dando-lhe valores e ambições a

beber.

Foi a pensar nessa bolinha palpável, fruto de uma relação requisito da

maioria de nós, que recordei com júbilo as mostras que a escola pode dar à

comunidade. Mostras simples, mas que aproximam estes dois elos que te

tenho vindo a falar. Aproximam-se, no sentido em que estão juntas em eventos

de expressão daqueles que seguram a tal bolinha. Se participares, durante o

estágio profissional, na escola, poderás ficar mais sensível a estas questões.

Desculpa-me se vou falar apenas daquilo que é relacionado com a

Educação Física, mas a verdade é que esta me impressiona sobremaneira,

porque considero-a “extremamente visionável”. A quantos saraus já fomos em

que depois de procurarmos um lugar para nos sentarmos terminámos de pé?

Repara na força que a Educação Física pode ter num chamamento à

comunidade ansiosa por ver o que os seus filhos estão a fazer na escola.

Na ESAG, impressionou-me o facto de o pavilhão gimnodesportivo estar

repleto à hora de almoço. É a que a escola onde lecionei no meu ano de

estágio tem uma vinculação muito forte com a ginástica. Tão forte que esta

modalidade aparece no currículo da Educação Física de todos os anos de

escolaridade. É um exemplo da ponte entre esta disciplina e o desporto

escolar. E claro, no sarau, a ginástica foi “imperial”.

Foi também na ESAG que me apercebi, desta vez, do lado de cá

(professora), que os alunos são mesmo a fonte de dinamização de uma escola.

Era uma alegria imensa passar pelo “recreio” e ficar a observar as atuações de

uns, as danças de outros, a expressão de quem sabe que está ali para criar

45

valor. A união entre ator e espetador era de uma riqueza tal que chegava a

deixar os “pelos em pé”.

Lembro-me do corta-mato na fase distrital em Santo Tirso, lotado de

familiares e amigos à espera que o seu ente querido superasse mais uma

prova. E eu, nesse dia, vesti três roupas. A de professora, ao acompanhar os

meus “garrettianos”, a de professora-estagiária ao encontrar antigos

professores de escolas que frequentei, e a de familiar, pois a minha irmã

também se encontrava em prova. Este foi um dia em que vivi três sensações

diferentes. A sensação de ser professora e de ter uma identidade profissional,

a sensação de ser professora sem o ser na totalidade, e a sensação de

pertencer à comunidade.

Foi ainda, no Torneio Compal Air que o núcleo de estágio organizou, que

o sentimento de ser professora ganhou, outra vez, forma, como se os olhares

atentos e as questões dos mais pequenos jogadores fossem o reconhecimento

de um estatuto. “Professora para que campo vou agora?” “Professora ajuda-me

a arbitrar?”

Contudo, mais importante do que este meu sentimento mais crescido foi

poder olhar à volta e reparar que havia filas de alunos à porta do pavilhão à

espera de uma oportunidade para participarem na atividade. Para mim, esta foi

mais uma espécie de resposta ao meu “porquê” de acreditar na escola. Um

“porquê” do acreditar que sim, os alunos estão à nossa espera e estão

disponíveis, e sim, precisam de nós, professores, para lhes darmos azos.

É com este sentimento que me apetece clamar que a escola está viva, e

bem viva! E que é preciso mostrá-la e que também é preciso que a queiram

ver. Para que deixemos de escutar tantas vezes as mesmas questões de um

lado e de outro, como se não houvesse ninguém no meio, e como se a escola

e a comunidade estivessem impedidas de se verem. Não estão!

O diretor de turma, por exemplo, é uma figura importantíssima na relação

entre estas duas. “O director de turma (…) é particularmente responsável pela

adopção de medidas tendentes à melhoria das condições de aprendizagem e à

promoção de um bom ambiente educativo, competindo-lhe articular a

intervenção dos professores da turma e dos pais e encarregados de educação

46

e colaborar com estes no sentido de prevenir e resolver problemas

comportamentais ou de aprendizagem.” (artigo 5º do Decreto-lei nº30/2002, de

20 de dezembro)

Compete-lhe, portanto, entre outras, “garantir uma informação actualizada

junto dos Pais e Encarregados de Educação acerca da integração dos Alunos

na comunidade escolar, do aproveitamento escolar, do comportamento, da

assiduidade e das actividades escolares”; “articular as actividades da Turma

com os Pais e Encarregados de Educação promovendo a sua participação”.

(artigo 64º do Regulamento Interno ESAG, 2012).

Tive a oportunidade de reunir algumas vezes com uma diretora de turma

da ESAG, e pude perceber que esta pessoa deve ter características muito

peculiares, face àquilo que lhe compete. Obviamente, que cada professor se

sente responsável pelos seus alunos, mas a envolvência do diretor de turma

acaba por ser maior, precisamente por ser o elo de ligação com os

encarregados de educação.

Durante o teu estágio profissional, vais poder com certeza, participar em

eventos como os referidos anteriormente, viver de perto o desporto escolar e

participar em reuniões importantes, que por um lado te farão sentir mais

professor, e por outro, te farão sentir que a escola tem muito para mostrar, e

que é importante para cada um de nós, que a comunidade esteja presente para

que possamos ser cada vez mais completos, e para que ambas possam atirar

para a vida o melhor de nós.

Participa na escola e sentir-te-ás grato. Porque vai haver alturas em que

te poderás questionar, se a escola em que acreditas, existe.

Confesso-te que doía quando em conversas com os alunos, eles falavam

dos exames nacionais como se aquele momento lhes definisse o resto da vida.

Parece que a escola é agora o espaço de treinar para um momento, e que não

há espaço para aprender coisas interessantes e para aprender a ser.

Eu quero continuar a acreditar que a escola, no máximo, treina as suas

pessoas a pensar para poder decidir e a estar preparado para o futuro. E o

futuro … esse, está sempre a mudar.

Capítulo VIII – O aprendido

49

Capítulo VIII – O aprendido

Já deves estar impaciente e a perguntar-te nesta altura, “afinal, como foi

para ela ser professora? Como foi planear, lecionar, lidar com as dificuldades?”

Pois, falar-te-ei agora sobre isso.

O título deste capítulo, “O aprendido”, não quer dizer que as outras coisas

aqui faladas não tenham sido aprendizagens. Quer antes dizer, que te vou falar

de algumas coisas muito concretas que aprendi em relação ao processo de

ensino e aprendizagem. Não vou ser muito extensa, vou antes focar-me em

três premissas que te serão essenciais, e que serão as tuas preocupações

mais práticas na lecionação no estágio profissional: controlo da turma, gestão

do tempo de aula e instrução.

Claro está, que quando chegares à escola, terás de conhecer, para além

das suas características físicas, as orientações pelas quais se rege e por isso,

é importante que leias, entre outros, o Projeto Educativo de Escola, o

Regulamento Interno, o Regimento do Conselho da Área Disciplinar de

Educação Física, o Projeto Curricular de Escola e o Currículo Nacional de

Educação Física. Até porque, como refere Bento (2003, p.19), “A planificação

do processo educativo é extremamente complexa, pluridimensional e

multiforme, dependendo também de condições diversas. A programação e

direcção dos factores e momentos essenciais e decisivos, fundamentais e

orientadores, com os meios e formas ajustadas, requerem dois níveis: o nível

das indicações gerais e centrais, o nível das indicações locais, relativas a cada

situação, específicas e particulares.” E tu vais planear. A este nível destaco a

importância da construção do Modelo de Estrutura de Conhecimento (MEC),

que estrutura conhecimentos indispensáveis ao processo de ensino e

aprendizagem, como sejam, a análise da matéria de ensino, do envolvimento e

dos alunos, a extensão e sequência da matéria, os objetivos de ensino, a

configuração da avaliação e as progressões de ensino.

Depois de selecionar as modalidades desportivas a lecionar, tendo em

conta os documentos orientadores e as condições existentes na escola, e de

50

as planear (sem esquecer o contributo da avaliação diagnóstica), chega, então,

a hora de nos colocarmos perante a turma.

Entre organizar a turma, falar com ela com especial atenção à linguagem

e à terminologia específica, gerir o tempo, tentar cumprir o planeado e fazer

com que os alunos aprendam alguma coisa, ter em atenção os objetivos

fundamentais da aula, concentrar o feedback nas componentes críticas dos

exercícios, motivá-los … parece que quanto mais tarefas enunciamos mais

temos para enunciar. Então, o que fazer primeiro? Qual a primeira

preocupação que deves ter?

Resposta: Assegurar o controlo da turma, de preferência com uma

postura serena, segura e confiante, para que, progressivamente, possas “ter os

alunos contigo”.

Como consegui-lo? Não há receitas, mas há ingredientes.

Já dizia Bento (2003, p.101) que “Uma aula é um trabalho duro para o

professor. Significa cinquenta minutos de atenção concentrada e de esforço

intenso.” Digamos que até podem ser noventa, os minutos de atenção

concentrada, mas o que é certo, é que se não conseguires ter a turma contigo,

não vais conseguir fazer nada com ela, porque ela vai apoderar-se de ti. Tens

de ser o líder, mas um líder aceite. Há, por isso, algumas considerações para a

tua atuação, que tu até já sabes, mas digo-te por experiência, que terás de as

por em prática.

Quando falas com alguém, gostas que essa pessoa te escute, certo?

Com os teus alunos passa-se o mesmo. Tens de te certificar que todos te estão

a ouvir quando tomares a palavra. Não permitas que falem por cima de ti. E se

estiverem sentados, melhor. Este é o primeiro passo, ser-se ouvido. O modo

como o fazes, isso já é contigo. Eu, por exemplo, fui muito calma, se calhar até

calma de mais, mas ia resultando. A minha orientadora chegou-me a dizer, que

quando chamava os alunos à atenção, parecia que os estava a elogiar, pois

acabava sempre por ser positivista. Contudo, esta minha maneira resultava

com a minha turma, mas poderá não resultar com a tua.

Houve alturas em que tive de ser mais assertiva e até o modo como

organizava a turma, auxiliava no controlo daqueles alunos mais “críticos”.

51

Colocá-los a trabalhar em grupos diferentes, ou colocá-los num local-chave

para que fiquem mais próximos de ti, ajuda.

Depois de conseguires a atenção dos alunos, quando estes estiverem em

prática, tu tens de continuar a estar atento a todos eles. “Todos? Todos?” Sim!

“Mas como?” É difícil, e no início da tua prática pedagógica, mais difícil é, mas,

com hábitos certos, vai ficando cada vez mais fácil. O segredo é não cruzares

os braços e estacionares. Tens de te movimentar, de preferência, “por fora” dos

exercícios para que consigas ver todos os alunos, e para que nunca, ou quase

nunca, fiques virado de costas para eles. “E se quiser parar para observar, ou

para falar com alguém?” Tens de manter sempre o controlo ativo dos alunos,

assegurando o controlo à distância. Se tiveres que parar, fá-lo de modo que

consigas ter um bom ângulo de visão. Geralmente, ficar na diagonal às

atividades, permite-te, com a visão periférica, “ver tudo”. Se ficares muito no

centro, e se o espaço destinado à atividade for muito grande, não vais

conseguir assegurar o controlo da turma.

No meu bloco de notas, tenho registado uma situação, aquando da

lecionação da ginástica porque, também para mim, esta foi uma dificuldade

inicial:

“Nesta aula propus-me a melhorar a postura, posicionamento e

movimentação, assegurando o controlo à distância. (…) a colocação dos

colchões mais afastados do que o costume, não favoreceu a visão geral e

controlada da turma. Neste sentido, deveria ter optado por outra colocação e

movimentação, não tão frontal e central, mas mais diagonal, procurando um

melhor ângulo de visão. (…) o professor cooperante salienta que, “quanto

maior for a área que tenhamos para controlar, maior será essa dificuldade,

exigindo do professor colocações mais deslocalizadas de forma a aumentar o

ângulo de visão debaixo do controlo.”” (8 de novembro de 2011)

Outra nota, acerca do controlo dos alunos “críticos” e do controlo à

distância:

52

“Tal como tinha referido em escritos anteriores, optei então, por colocar os

grupos de trabalho com os “elementos entusiastas” em lugares estratégicos

para que pudesse controlar melhor o clima de aprendizagem da turma. Alertei

também o capitão destas equipas para que incidisse mais sobre o empenho

desses mesmos alunos. Foi uma boa opção. De facto, eles estiveram mais

empenhados e a trabalhar com a equipa.

Noto, que também já estou a consolidar o meu posicionamento e o controlo

à distância. Em relação a isto, houve mesmo uma situação na aula, em que ao

chamar a atenção de um dos alunos, ele não sabia onde me encontrava e que

o estava a observar. Um posicionamento diagonal às atividades permite-nos

um mais alargado campo de visão.” (17 de janeiro de 2012)

Tendo superado o primeiro desafio, as questões que se colocam são,

“como fazer para rentabilizar o tempo de aula? Como vou gerir, os alunos, as

atividades, o tempo?”

Siedentop e Tannehill (2000) falam de algumas considerações a ter em

conta para melhorar a gestão do tempo de aula, como começar a aula no

horário estipulado, reduzir os tempos de transição, utilizar métodos para reunir

os alunos que permitam economizar tempo, tornar as regras claras e manter o

controlo da turma, já que comportamentos de indisciplina reduzem o tempo de

prática.

Estas orientações de Siedentop e Tannehill (2000) foram fundamentais,

mas aqui vão algumas dicas, fruto da experiência que tive no meu ano de

estágio profissional.

Em primeiro, digo-te que deves marcar bem o início da aula. A aula

começa no 1º minuto, e não no 2º, e por isso, apela à primeira exigência - o

controlo da turma, para que a aula comece sem entusiasmos nefastos. Se

começares a horas, é meio caminho andado para terminares a horas.

Durante a ativação geral, sem descuidar o controlo e o acompanhamento

da atividade, podes dispor e montar o material necessário, se não pudeste

fazê-lo antes.

53

Em relação à gestão dos materiais, eu aprendi muito com os meus

colegas de estágio. É que se conseguires “montar” o espaço, de forma a ficar

quase preparado para o exercício seguinte, não perdes esse tempo nas

transições entre exercícios.

Em relação aos alunos, quando for para formar grupos, forma-os tu.

Normalmente, eles perdem mais tempo a organizarem-se sozinhos. Se tiverem

que vestir coletes, podes ir distribuindo os mesmos enquanto tens a conversa

inicial da aula.

Quando organizares uma atividade, explica-a primeiro, e só depois,

encaminha os alunos para os devidos lugares. Mas dirige-te a cada grupo de

alunos, pois se disseres “agora, distribuam-se pelos espaços indicados”, eles

vão demorar imenso tempo a fazê-lo.

Agora, o maior conselho que te posso dar é, cria rotinas.

Rink (1993) propõe algumas estratégias para ajudar a criar e a manter um

clima de aprendizagem, e para auxiliar os alunos a serem cada vez mais

independentes do controlo do professor. Uma delas é precisamente, a criação

de rotinas: “An essential ingredient of good management in the gymnasium and

one of the first steps a teacher must consider when establishing a management

system is the use of established routines” (Rink, 1993, p.131). Através destas o

professor pode consagrar mais tempo às partes essenciais da aula.

Segundo Rink (1993), podem ser estabelecidas: rotinas de balneário;

rotinas pré-aula (o que fazer após a saída do balneário, antes da aula

começar); rotinas relacionadas com a aula; rotinas de fim de aula (como deve

terminar a aula); e outro tipo de rotinas, a exemplo, como lidar com alunos

atrasados. Estas devem ser ensinadas aos alunos, praticadas e reforçadas, até

estarem bem estabelecidas.

Algumas rotinas que implementei (algumas por naturalidade), e que me

ajudaram a rentabilizar o tempo de aula e a assegurar o controlo da turma,

foram, por exemplo, entre outras, começar a aula sempre no mesmo local com

os alunos sentados, para que os alunos à medida que saíssem do balneário

soubessem para onde se dirigir; ter um sinal para o final das atividades

(assobio); realizar os exercícios de condição física sobre uma linha; ter as

54

bolas paradas aquando da instrução; ajudar a arrumar o material no final da

aula, e é importante que a ação seja dirigida, pois se apenas se disser “ajudem

a arrumar”, ninguém arruma; colocar o calçado num sítio específico nas aulas

de ginástica; realizar ajudas obrigatoriamente em certos elementos gímnicos

(rotinas de segurança).

Deixo-te alguns excertos do meu bloco de notas:

“Em relação às rotinas da aula, os alunos aderiram bem quanto à

colocação das sapatilhas num local e às t-shirts dentro dos calções, assim

como o modo de transporte dos colchões.

Devo também, transmitir em primeiro, e só depois organizar a turma, para

rentabilizar o tempo, e para que percebam bem qual é o objetivo.

Aquando da arrumação do material, não me posso esquecer de dirigir a

tarefa ao aluno.” (4 de outubro de 2011)

“Há que relembrar pequenas coisas e incidir sobre elas até que se

cumpram sempre. “Bolas paradas” ou “bolas debaixo do braço” são as palavras

de ordem.

No trabalho de condição física, tenho optado por organizar os alunos ao

longo de uma linha. Eles são muitos, eu sei. Mas passo a explicar: em xadrez,

isto é, uns atrás, outros à frente, resulta, mas quem fica atrás está muito

distante; em meia-lua… resulta, mas não como gostaria. Ao longo da linha,

estão todos virados para o mesmo sítio, todos alinhados lado a lado, ninguém

se pode esconder e consigo ver toda a gente. Tão ou mais importante do que

isso, agora já posso dizer “na linha, o costume”. A turma dirige-se para lá e

realiza o trabalho. Rotina. Pode não ser das melhores, mas há que pensar em

estratégias. Mais, é uma forma de transição em que os alunos já sabem o que

vem a seguir sem muitas palavras.” (13 de janeiro de 2012)

“No trabalho de condição física, a nova disposição dos alunos ajuda no

controlo da atividade, e para além disso, parece já estar implementada uma

nova rotina. Agora, há que a consolidar.” (19 de janeiro de 2012)

55

As rotinas permitem também, desenvolver a responsabilidade e a

autogestão dos alunos. São estratégias de prevenção. Deste modo, torna-se

mais simples para ti, atentares noutras tantas tarefas que não as de gestão,

parecendo que estás mais liberto.

Finalmente, chegamos ao terceiro desafio, melhorar a instrução.

É fundamental que consigas ser um bom comunicador na orientação do

processo de ensino e aprendizagem.

Da instrução fazem parte todos os comportamentos, verbais ou não

verbais, como a exposição, a explicação, a demonstração, o feedback, entre

outras formas não-verbais, e que estão associados aos objetivos da

aprendizagem. (Rosado, A., & Mesquita, I., 2009, p. 73).

Passemos então, a algumas considerações importantes.

“Um dos aspetos que os professores devem ter em consideração na

optimização da comunicação é o nível de atenção que o aluno apresenta.

Quando um aluno é confrontado com uma tarefa motora, é estimulado por um

conjunto vasto e variado de estímulos. (…) Daqui resulta uma necessidade, a

de selecionar apenas a informação mais relevante” (Rosado, A., & Mesquita, I.,

2009, p. 71).

Também Rink (1993) refere que a transmissão de informação deve ser

clara, no sentido de orientar o praticante para o objetivo da tarefa, dispondo a

informação numa sequência lógica. Portanto, é importante que identifiques os

objetivos e os critérios de êxito da tarefa, as regras de organização, que

descrevas a tarefa segundo as componentes críticas, demonstrando, e

questionando os alunos.

Parecem que são muitas coisas para fazer ao mesmo tempo, mas o

essencial também passa pela clareza da sequência de informação

apresentada.

A tua exposição não deve ser demasiado longa, porque para além de

consumir muito tempo, despista a atenção dos alunos. Planeia aquilo que vais

dizer na apresentação da tarefa. Recorre a palavras-chave, e emite a

56

informação de forma clara e fluida. Certifica-te de que todos os alunos te estão

a ouvir e ver. E dá um sinal para começarem a atividade, pois, se acabares de

falar e não indicares que já podem iniciá-la, eles vão naturalmente, dispersar.

“A demonstração dos exercícios, por parte do professor, tem de ser uma

cópia “fiel” do excelente”, dizia o meu professor cooperante. Portanto, se não o

conseguires, deixa que sejam os alunos a fazê-lo, desde que estes não

apresentem muitas dificuldades, evitando assim, algum constrangimento ou

vulnerabilidade.

“Uma das minhas dificuldades na lecionação de ginástica reside na

demonstração. Para combater este aspeto, utilizo o aluno como modelo e

algumas fichas informativas com os elementos gímnicos a trabalhar.” (bloco de

notas - 6 de outubro de 2011)

No dia 22 de maio de 2012, com o auxílio dos colegas de estágio, fez-se

uma análise da minha instrução. Pude concluir, que embora tenhamos a

conceção de que o ensino por questionamento é fundamental para a

compreensão, na verdade, eu não o utilizei de forma tão frequente como o

desejado. Neste sentido, aconselho-te para que tentes aproximar mais a tua

atuação desta conceção, pois, de facto, “a grande implicação cognitiva que

este tipo de intervenção suscita pode ser decisiva em muitas aprendizagens”

(Rosado & Mesquita, 2009, p. 102).

Em relação ao feedback pedagógico, não te esqueças que este deve ser

oportuno e referenciado às componentes críticas da tarefa, e que é essencial

que feches o seu ciclo, de modo a verificares se este teve o efeito desejado.

Fechando, o controlo da turma, a gestão da aula e a instrução são tarefas

do professor que estão intimamente ligadas e dependentes umas das outras. À

medida que vais superando os desafios, a tua atuação vai-se tornando cada

vez mais segura e eficaz. Vais sentir-te progressivamente mais professor.

Capítulo IX – Do estádio para um terço do pavilhão

59

Capítulo IX – Do estádio para um terço do pavilhão

Ainda não estava terminada e já fazia suspirar quem por lá passava. A

expetativa era grande e prometia. A escola não se esqueceu de ninguém. Há

espaço para todos. Há espirito de estudo e espíritos vários. Cabe tudo naquele

lugar. Imponências, grandiosidades, pequenos e subtis conselhos traçando

rumos, gravados no chão. Sítios que transpiram paz, sociabilidade e

fraternidade. A árvore lá estava. Só faltava dar-lhe vida. Foi assim a primeira

visita à escola, que ainda terminava as suas reconstruções no dia 13 de março

de 2011.

Depressa, eu e os meus “H’s” passámos do estádio para um terço do

pavilhão. Queres saber a minha primeira impressão? Foi esta:

“Hoje foi diferente. Já não estava habituada ao espaço partilhado. Sinto-

me ferida pela minha própria voz.” (10 de abril de 2012)

É muito diferente ter um espaço amplo, aberto e sem divisórias, e ter um

espaço milhentas vezes mais pequeno, fechado, com milhentas vozes e

respirações ofegantes, com o eco das bolas a entoar pelas paredes, e as

sapatilhas a “chiar” no chão! Para o melhor e para o pior!

Lembro-me de sair completamente esgotada, esbaforida, rouca, daquela

primeira aula de voleibol no novo pavilhão. Credo! Foi o esforço para colocar a

voz que me deixou assim … é que eu não estava habituada a ter que me fazer

ouvir perante tanto barulho. A minha turma, por vezes, mostrava um

“entusiasmo exacerbado” (foi assim que lhe chamei, porque eles até estavam a

trabalhar, mas o entusiasmo era tal, que chegava a ser prejudicial à

manutenção de um bom clima de trabalho), que até foi difícil de contornar, mas

isto? Ui, que choque!

Contudo, depois de me habituar a ter que elevar um pouco mais o tom,

até foi bom passar para o pavilhão. Olha, reparei, que o meu feedback se

tornou mais frequente, (em parte pela exigência da minha voz se fazer ouvir) e

fui muito mais interventiva e dinâmica. Tinha que o ser.

60

O controlo da turma foi também mais fácil, porque o espaço tinha

barreiras próprias e físicas, e não dava azo a tanta dispersão. As bolas batiam

na parede e voltavam, não era como no relvado do estádio, em que se estava

sempre com “trinta olhos” para não as deixar escapar. O material esteve

sempre muito mais à mão.

“Nenhuma outra disciplina é tão dependente do clima e do tempo como a

Educação Física”, como refere Bento (2003, p.122) mas, quer chovesse ou

fizesse sol, tínhamos sempre ali o nosso cantinho.

Acabou por ser uma boa mudança, e o espaço condiciona em muito a tua

atuação. Não obstante, repara que simplesmente me adaptei e por isso te

disse que até foi bom passar para o pavilhão. Eu encontrei o equilíbrio e assim

me aguentei até ao final do ano letivo (também já não faltava muito). Talvez se

estivesse desde o início neste espaço e depois passasse para outro, iria

encontrar novos constrangimentos e consequentemente, por dever, novos

equilíbrios. Até mesmo, no mesmo lugar, isto acontece!

Portanto, não tires apenas ilações positivas daqui. Mas digo-te, ao

contrário do que possas pensar, sim, consegue-se lecionar boas aulas num

terço de pavilhão.

Capítulo X – Classificar: uma função “ingrata” do professor

63

Capítulo X – Classificar: uma função “ingrata” do professor

“Um professor, consciente da responsabilidade pelo desenvolvimento dos

seus alunos, compreenderá que ensinar tem que ser mais do que simples

“deixar correr” ou do que actividade rotineira” (Bento, 2003, p. 178).

Durante o teu estágio profissional vais andar sempre preocupado com a

tua atuação enquanto professor, porquanto uma reflexão e uma avaliação

sobre a mesma serão constantes no sentido de melhorares. Compreendemos

que em parte, a tua melhoria tem o propósito de se refletir numa melhoria da

aprendizagem dos alunos, de maneira que, “o sucesso do ensino depende

tanto da actividade do docente como das actividades de aprendizagem dos

alunos” (Bento, 2003, p.176).

Não obstante, vão chegar as horas em que passarás para “o outro lado” e

terás que avaliar os teus alunos, e quanto mais esclarecedor fores, quanto

mais este processo for transparente para com eles (neste contexto os meus

alunos tinham de antemão as matrizes de avaliação), quanto mais lhes

explicares o que precisam de melhorar, melhores resultados eles irão alcançar.

Bento (2003, p. 182) refere que “Um produto só urge, geralmente,

mediante um processo, sendo indispensável, consequentemente, examinar

este cuidadosamente. Até porque nem todo o resultado de aprendizagem

consagra de antemão os meios com que é alcançado!”. Neste sentido, a

avaliação deve ser um processo contínuo, passando por momentos formais ou

informais.

No teu estágio profissional, para melhor planeares o processo de ensino e

aprendizagem e para poderes prever os passos evolutivos dos teus alunos

convém realizares uma avaliação diagnóstica, no início do ano, ou no início de

uma unidade temática. Não confundas esta avaliação com a avaliação inicial,

embora esta última tenha um carácter diagnóstico. Por outras palavras, não

confundas as formas de avaliação com os momentos em que se realizam.

A avaliação poderá ainda ser formativa ou sumativa. A avaliação

formativa permite-te regulares o processo de ensino e aprendizagem,

adaptando e adequando as tarefas aos alunos, onde recolhes informações com

64

regularidade. A avaliação sumativa, de carácter formal, pode ocorrer por

exemplo, no final de uma unidade temática, no final de cada período letivo ou

no final do ano. Geralmente esta presta-se à classificação.

E um momento inevitável da tua atuação enquanto professor será

realmente, classificar o aluno, depois de muito refletires, analisares e avaliares

o seu “ser e fazer”. Para mim, este foi um momento constrangedor, pois, pela

primeira vez, tive que fazer um juízo de valor global e final acerca de uma

pessoa, atribuindo-lhe um número, sabendo que esse iria ficar pautado para

sempre na sua vida.

Fiquei terrivelmente assustada, quando pensei que não seria capaz de

avaliar independentemente das pessoas em causa, e que isso me iria fazer

sentir injusta. Daí, apelidar de “ingrata”, esta tarefa do professor. Depois de

tudo o que passámos juntos, e da gratidão que foi crescer ao lado dos meus

alunos, quem era eu para os julgar? Pois bem, tive que assumir, utilizando a

expressão de Bento (2003, p.178) o “incómodo necessário”.

Foi difícil classificar entre os meandros de uma avaliação criterial, e uma

inevitável normativa, embora estando consciente de duas coisas: “a avaliação

educacional não utiliza provas de avaliação suficientemente rigorosas e não

podemos controlar em absoluto todos os aspectos que nela interferem,

correndo-se diversos riscos e cometendo-se sucessivos erros de avaliação”

(Rosado et al., 2002, p.23); “No que se refere à Educação Física (…) e numa

perspetiva de avaliação formativa, a avaliação referida à norma tem pouco

interesse, devendo ser privilegiada uma avaliação referida ao critério, isto é, em

função dos objectivos definidos.” (Rosado et al., 2002, p.32).

É que estamos constantemente a avaliar, para depois, classificar através

da atribuição de uma nota.

Parece que se perde a beleza… parece que a potencialidade do aluno

termina ali. Será que esta classificação tem um bom poder preditivo?

Capítulo XI – O Modelo de Educação Desportiva como uma forma de

organização: Breve consideração

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Capítulo XI – O Modelo de Educação Desportiva como uma forma de

organização: Breve consideração

Quando revelei a alguns colegas de outros núcleos de estágio que iria

aplicar o Modelo de Educação Desportiva (MED) em todas as modalidades que

lecionasse, chamaram-me de doida, e que essa era uma missão impossível.

Pois, meu caro, não foi.

Segundo Siedentop (2004), O MED tem como propósito formar a pessoa

desportivamente competente, culta e entusiasta, e integra seis características

estruturais do desporto institucionalizado: a época desportiva, a filiação, a

competição formal, o registo estatístico, a festividade e os eventos culminantes.

Digamos, que eu e a minha turma aplicámos estas características de

forma adaptada, e fundamentalmente, como forma de organização das nossas

aulas de Educação Física.

A nossa época desportiva não tinha pelo menos 20 aulas, como

recomendado, mas continha a fase pré-competitiva e a fase de competição

formal. Os alunos, embora estivessem enquadrados em grupos/equipas, não

propunham todos os exercícios de treino na fase pré-competitiva. Estes eram

propostos por mim, exceto na época desportiva de ginástica acrobática, onde

os alunos criavam os seus próprios esquemas de grupo, com a minha

supervisão.

As equipas, após uma avaliação diagnóstica em cada modalidade a

lecionar foram feitas por mim. Estas sofreram alterações quando os alunos,

que já se conheciam há dois anos, me sugeriam que não estavam

perfeitamente homogéneas entre si, assegurando o equilíbrio competitivo

(Siedentop, 2004). Cada equipa tinha um nome, por vezes, um grito de guerra,

e, por exemplo, no andebol, usavam sempre a mesma cor de coletes, para ser

de mais fácil identificação.

Tínhamos um quadro de competição formal nas modalidades lecionadas

(futsal, andebol, voleibol), à exceção da ginástica, em que a competição foi

realizada aquando de eventos culminantes. Houve, a par deste quadro

68

competitivo, um registo das pontuações das jornadas, incluindo uma pontuação

para o fair-play, enfatizado durante toda a época.

Os alunos passaram por diversas funções, como capitão, jogador, árbitro,

oficial de mesa e jornalista. O trabalho de jornalismo foi fundamental para os

alunos que não podiam realizar as aulas práticas de Educação Física.

No final da época, realizávamos os eventos culminantes, com atribuição

de prémios. Alguns deles foram até realizados pelos próprios alunos.

Já leste num capítulo atrás que eu tive que tomar uma decisão na época

desportiva de futsal. Isto, porque, as raparigas não estavam a ter as mesmas

oportunidades de prática que os rapazes. Ainda assim, mesmo depois de

separar a turma, o MED foi aplicado e adaptado tanto para elas, como para

eles. A principal diferença foi ter que realizar dois quadros competitivos. Não é

isto que recomenda Siendentop, mas o professor tem que adaptar o processo

de ensino e aprendizagem.

É sempre um pouco mais trabalhoso para o professor coordenar todas as

tarefas inerentes ao MED. E imagina, no teu ano de estágio tens uma ou duas

turmas, mas quando iniciares a carreira terás mais certamente. Não obstante, o

MED pode mesmo ser utilizado como uma forma de organizares a turma e o

seu trabalho ao longo do ano. Para além disso, o fator competitivo e a filiação a

uma equipa contribui para o clima motivacional dos alunos, e até mesmo os

que não podem realizar tarefas práticas, podem participar na aula.

Não tenhas medo, e mãos à obra.

Capítulo XII – Outros momentos que te fazem sentir menos estagiário

71

Capítulo XII – Outros momentos que te fazem sentir menos estagiário

Sinto-me constantemente a dar significados às coisas. É tão esgotante

(sorriso) …

Eu tive a oportunidade de acompanhar a minha turma numa visita de

estudo ao convento de Mafra. Quando cheguei de novo a casa, não queria

conversar. Precisava apenas que alguém se sentasse ao meu lado e que não

dissesse nada. Como se aquele momento de partilha de um silêncio fosse o

reviver de sensações. É que este foi um dia com um sentido de

responsabilidade acrescido. Para além disso, a convivência com os restantes

professores responsáveis pelas turmas, fez-me sentir que pertencia a um grupo

profissional. Foi um dia atrelado ao sentimento de uma identidade.

Dias parecidos a este são todos aqueles em que assinas o livro de ponto.

Em que os professores e os alunos da escola reparam em ti, e perante a

dúvida ao olhar para uma cara jovem, logo te identificam como professor.

Agora imagina o que é passar pelos corredores da escola e levares

contigo os testes intermédios de matemática. Sim, porque também tive a

oportunidade de fazer vigilância a provas. Aquelas caras de pânico e ânsia por

parte dos alunos até quase te fazem sentir soberano.

E as conquistas? O sentimento de conquistar é de uma satisfação tal…

Senti-me realizada quando me apercebi que uma aluna minha que claramente

não gostava de Educação Física, foi a única que nunca faltou a um treino de

ginástica (é que eu disponibilizei-me para apoiar os alunos da turma à hora de

almoço, na construção dos seus esquemas de grupo). Mesmo perante a

dificuldade, ela sorria. Coisa que não acontecia no início.

Este espaço de treino tornou-se um espaço de partilha, de convívio, de

criação. Chegaram a levar guitarras para o pavilhão para criar o hino da turma!

Sabes? Cada conquista era mais um passo, e mais um, e mais um. Um

desses, também foi a ação de formação sobre a aplicação do MED na escola

que eu e os meus colegas de estágio promovemos.

Todo o mais pequeno passo durante o ano de estágio profissional

caminha para o “ser mais professor”. E este desenvolvimento profissional é “um

72

processo que envolve múltiplas etapas, sendo que enquanto processo que

suscita a capacitação do docente para o desempenho da sua função/atividade

profissional, é um processo em contínuo e que está sempre incompleto” (Elias,

F. 2008, p. 131).

Ainda assim, há coisas que ficam. Foi há pouco tempo que recebi um

email de um aluno a contar novidades. Penso que não há melhor frase do que

esta, para descrever o que senti: “Afinal é bom sentir que não se vive em vão,

que os outros não são indiferentes à nossa passagem pela vida e que esta é

uma ocasião única de trocarmos olhares e afetos.” (Bento, 2008, p.15).

Capítulo XIII – Um dia vais reparar que foi simplesmente acontecendo

75

Capítulo XIII – Um dia vais reparar que foi simplesmente acontecendo

Primeira aula:

“Estive tranquila e ponderada, com um discurso seguro.”

Primeira semana de outubro:

“Ainda é um pouco estranho não saber certamente se somos professores

ou se tomamos o ser professor como um papel, ou se ambos. Sinto-me

confortável nesta posição, mas é verdade que me passam muitos pensamentos

simultâneos pela mente.”

8 de novembro de 2011:

“É deveras gratificante ter a oportunidade de observar os passos

evolutivos dos alunos. Ainda mais é, quando estes superam as nossas

expetativas. Confesso que numa fase inicial, a minha posição em relação à

resposta dos alunos era muito mais tímida. Mas tal como costumo dizer,

esperei para ver. E do que vi, comecei a gostar, e como comecei a gostar, quis

ver mais, e agora que vejo mais, quero ver melhor. O mais interessante disto

tudo é sentir que os nossos alunos também passam por este processo.

Claro está que todo este entusiasmo, e toda esta procura pelo feedback por

parte da professora, fez-me abster de tudo o que se passava à minha volta e

voltar-me apenas para aquele clima motivador da minha própria atuação. Hoje

senti-me verdadeiramente útil! Hoje tive a sensação que alguém me sussurrava

ao ouvido constantemente, “isto faz parte de ser professor, isto é ensinar”.

Neste sentido, hoje senti que atingi a minha primeira conquista. (…)

Fiquei particularmente feliz, quando realçaram o empenho dos alunos.

Sim, porque eu sou a primeira a ficar feliz por eles. Zelo de verdade por eles.

Honesta e sinceramente, e consciente de que quem lê, interpreta, encaro a

minha posição perante a turma, como um elo de um grande grupo.”

76

12 de janeiro de 2012:

“Um dia em dualidade de papéis na terceira pessoa

São 7 horas. O despertador não deixa o sonho terminar.

Saio de casa com um computador na mochila, e um saco onde levo o

equipamento para dar treino mais tarde.

Leciono uma aula de manhã. Depois ligo o computador para adiantar

trabalho. Vou almoçar. A senhora que me perguntou “o que era menina?”,

disse “faz favor s’ doutora”. Acompanho a turma num treino de ginástica.

Conduzo até à faculdade. Encontro um velho amigo que me pergunta se o

estágio está a correr bem. Conduzo até ao estádio. Os miúdos recebem-me

com um “olá professora”. Os pais despedem-se com um “até sábado

professora.”

Chego a casa. Depois chega a mãe. A seguir a irmã.

A irmã diz e pergunta: “Acho que marquei uma professora minha.

Gostaste de ser estudante?”

Respondo perguntando: “Estás a dizer que já não sou estudante?”. Ao

que responde: “Já não és uma estudante normal. Já tens cargos como um

professor, e até foste a uma visita de estudo como uma responsável pela

turma”.

Pergunto: “Quando alguém te pergunta o que é que eu faço, que

respondes?” Irmã: “Digo que estás a estagiar numa escola (…).”

Pergunto à mãe: “Passa-te pela cabeça dizer que sou professora de

Educação Física?” A mãe responde: “Não, ainda não és.””

17 de abril de 2012:

“A turma ensinou-me a transportar sentimentos. Percebi isso, mais agora

do que antes. Talvez porque está a chegar ao fim. Talvez porque começo a

reconhecer de olhos abertos a tal troca equivalente. Vê-se. Hoje, sensibilizou-

me a atitude dele (aluno). Foi a sua melhor aula. Foi ele que disse que queria

falar comigo, e esperou por mim. Estarmos disponíveis para ouvir tem destas

coisas. A desilusão que senti por ele ter faltado a um evento importante da

77

turma foi colmatada pela espécie de uma sensação de alívio amistoso. O seu

cuidado para comigo demandou lealdade. Desta vez, eu não pedi nem exigi, e

ele deu. Com toda a sinceridade, fiquei surpreendentemente satisfeita. Deu-se

realmente uma troca. São estas ocasiões que nos relembram o galhardete de

ser professor.”

Num dos seminários finais:

“Quando eu era estudante.”

Já tiveram algum sonho que gostariam de reviver só para saber como termina?

Este foi o reler de palavras dactilografadas. Não sei explicar, mas sei que o

vais sentir.

Capítulo XIV – Os meus pedaços de papel

81

Capítulo XIV – Os meus pedaços de papel

“A prática é fonte de construção do conhecimento e a reflexão sobre as

práticas, o instrumento dessa construção.”

(Cunha, 2008b, p. 94)

Durante o estágio profissional passei muito do meu tempo a questionar-

me. Interroguei-me até sobre o porquê de me questionar tanto. Percebi que a

resposta era sempre a mesma: “é por eles, pelos alunos”. Tens mesmo a

noção daquilo que nós professores temos em mãos? Já te disse antes, e

continuo a dizer, “somos tanto mais professores quanto mais nos derem para o

ser” e os alunos “vão ser quanto mais tu deres para serem”. E é daqui que

emerge a importância de seres um professor reflexivo, pensador e

questionador.

Mas quando sentimos que não há nada para refletir, o que fazer? Nada.

Apenas pensamos que não temos nada para dizer, e pensamos. Reparamos

que quando isto acontece, a nossa mente começa a vaguear pelas memórias.

Relembramos o que planeamos e porque planeamos assim. Passamos por

desejos, vemos à nossa frente imagens felizes. Construímos cenários do “e

se”. Entristecemos, enfurecemos. Traçamos espetros de possibilidades.

Ficamos subitamente surpreendidos. Com vontade até, de fazer alguma coisa.

Do nada. E aí, concluímos que afinal, acabamos por pegar num pacote de

açúcar pois não havia nada mais à mão onde apontar, e escrevemos uma

palavra.

Muitas vezes, foi assim…

Por vezes, é mais fácil pensar, escrevendo. É uma maneira mais distante

de perceber o interior, pois a cada palavra rabiscada vai surgindo outra.

É preciso deixar que o eu se exprima. Pensar também é uma forma de

expressão. Quando penso o meu corpo reage. Palpitações quando o

pensamento sorri, suores quando o pensamento transpira. Transpira de

matutar, de rever, de formular, de magicar. Mas esta expressão interior, apesar

da reação consequente, não é suficiente. O olhar também pode enganar

82

quando vem de dentro. Daí ser necessário desencaixar. Daí ser necessário

escrever.

Porque a palavra escrita tem um acrescento de sentido. Tem o de quem

escreve, tem o de quem quer escrever e tem o de quem lê. A palavra foi

pensada.

Não escrevas por obrigação. Não reflitas só para poderes escrever.

Escreve apenas, quando estiveres disposto a pensar. E se escrever te ajuda a

pensar, então escreve.

Capítulo XV – Nunca é tarde para ser melhor

85

Capítulo XV – Nunca é tarde para ser melhor

“Os professores são os mais afortunados e bem-aventurados, entre todos

aqueles que trabalham. É-lhes dado o privilégio de fazer renascer a vida em

cada dia, semeando novas perguntas e respostas, novas metas e horizontes.

Constroem edifícios que perdurarão para sempre, porque a sua construção usa

o cimento da entrega, da verdade e do amor.”

Jorge Olímpio Bento (2008, p.77)

Não posso acreditar que chegou a hora de escrever um capítulo final. Sei

que te disse aquilo que te queria dizer e nada mais do que isso, mas de certeza

que ficaram muitas coisas por contar. Talvez um dia conversemos.

Espero que nunca me perguntes sobre o que é para mim ser professora,

e o que é para mim ser professora de Educação Física, porque não vou

conseguir responder-te sem recorrer a metáforas dos meus sentimentos. Eu

apenas acredito genuinamente na possibilidade utópica de “dar o mundo ao

outro”. E é esta convicção que me move.

O Daniel, a quem dedico em primeiro este escrito disse-me que “a única

coisa que precisas da vida é tirar o melhor dos outros”. Não um tirar de

arrancar, mas um tirar de fazer emergir o que há de melhor no outro. Penso

que não encontrarei, realmente, melhor recompensa da vida do que esta troca.

Foi com este sentimento que encarei o estágio profissional. Porque

embora sejas tu o protagonista desta etapa, não podes esquecer que a tua

atuação recai sobre quem não está a atuar, e por isso, terás de ser um grande

pensador de ti.

Sim, esse ano foi um ano de descoberta de mim. Sim, foi um ano de

aprendizagens. Sim, foi um ano de construção de uma identidade profissional.

Mas não é isto que queres ouvir pois não? O que tu queres realmente saber é

se hoje, me sinto professora. Vou-te dar uma resposta verdadeira e objetiva.

Ao longo do estágio profissional, embora estejas, até ao final, consciente

de que foste um professor-estagiário com toda a dualidade possível de

86

sentimentos inerentes a essa consciência, sim, vais SenTir-te

progressivamente MaiS professor. Quando terminares o estágio, vais Sentir-tE

PrOfesSor. Vais mesmo, porque te transformaste no papel que foste

desempenhar. MAS, sentir é uma coisa, SER é outra. E eu sou! MAS,

enquanto não estiver vinculada à profissão, nunca vou dizer “sou professora”

com a convicção das convicções de quem o é (sorriso). E esta é a minha

verdade.

Fica aqui o meu testemunho. Vim para ficar neste mundo vivo e modelado

no natural de ser-se pessoa, mas nunca é tarde para ser melhor.

Porque o natural é belo em forma e em feitio, transcrevo, subscrevendo:

“Sim, a beleza comove-me. A mim e a todo o professor. Porque no cerne da

nossa função mora o ofício ininterrupto e inconcluso de configurar a beleza.

(…) São assim os professores de desporto e de educação física. Cuidam da

pessoa de fora para aumentar a medida, a grandeza, a elegância, e a

expressão da pessoa de dentro. (…) Chama-se a isto condição humana, um

templo de luz e razão implantado em cima da natureza.”

Jorge Olímpio Bento (2006, p.267)

Capítulo XVI – A Identidade Profissional do Professor-Estagiário: Um

olhar sobre a literatura

89

A Identidade Profissional do Professor-Estagiário: Um olhar sobre a

literatura

Resumo

O presente estudo é uma aproximação a uma revisão sistemática da literatura

cujo objetivo foi cartografar a tipologia de estudos empíricos realizados acerca

da Identidade Profissional do professor-estagiário. A pesquisa foi efetuada na

base de dados eletrónica ERIC, entre 2001 e 2012. A equação de pesquisa

utilizada foi “Professional Identity” AND “pre-service teacher”, tendo sido

integrados 9 artigos, em resultado da aplicação dos critérios de inclusão e de

exclusão. Na análise da informação utilizou-se a análise de conteúdo com

categorias definidas a priori: i) ano e local de publicação; ii) objetivo de estudo

iii) participantes; iv) instrumentos; e v) principais conclusões. Os resultados

evidenciaram um aumento da pesquisa na área e nas metodologias

qualitativas.

Palavras-chave: Identidade Profissional; Professor-estagiário; Revisão

Sistemática da Literatura

90

Abstract

The present study is an approach to a systematic review of literature focused on

the empirical studies conducted about pre-service teacher's Professional

Identity. The research used electronic database ERIC in articles published

between 2001 and 2012. The research equation used was "Professional

Identity" AND "pre-service teacher". After applied the inclusion and exclusion

criteria’s 9 articles were integrated. Content analysis was used with categories

defined a priori: i) year and place of publication; ii) aims; iii) participants; iv)

instruments and v) main conclusions. The results showed an increase in

research in the professional identity and in qualitative methodologies.

Keywords: Professional Identity; Pre-service Teacher; Systematic Literature

Review

91

Introdução

O processo de formação do futuro professor é marcado por um conjunto

alargado de experiências, sendo que ao nível da formação inicial o contacto

com o contexto real de ensino (estágio profissional) se assume como um

elemento de elevada relevância.

O estágio profissional é apontado como um momento de transição para o

professor estagiário, caracterizado pelo assumir de novas tarefas e exigências

profissionais, as quais conduzem à vivência de contradições e ambivalências

que resultam da duplicidade de papéis, o de professor e de estudante

(Albuquerque et al., 2005). É indispensável, portanto, que sejam

proporcionadas experiências adequadas às situações reais da profissão

docente, para que o futuro professor lhes possa atribuir significados. Desta

forma, no estágio profissional constrói-se um reportório de competências e

conhecimentos que permite criar uma identidade profissional, no sentido em

que tornar-se professor envolve, a formação da identidade docente num

processo que é descrito como aberto, negociado e dinâmico (Sachs, 2001).

Também, segundo Giddens (1994) entende-se a identidade como um

processo contínuo e dinâmico, que implica a criação de sentido e

(re)interpretação dos próprios valores e experiências.

Desta forma, interessa conhecer mais aprofundadamente o processo de

construção da identidade profissional do estagiário, pelo que, o presente

estudo teve como propósito mapear os estudos efetuados acerca das questões

da identidade profissional do professor-estagiário e identificar os fatores que

são apontados pela investigação como contributos para o desenvolvimento da

identidade profissional.

Metodologia

Este é um estudo de natureza essencialmente descritiva. O primeiro

passo efetuado foi a construção de uma ficha de pesquisa, tendo como

92

referência KOFINAS e SAUR-AMARAL (2008), cujo propósito foi sistematizar

os critérios de pesquisa da revisão sistemática a efetuar, a equação e o âmbito

da pesquisa, bem como, definir os critérios de inclusão e exclusão a utilizar no

decorrer da pesquisa (QUADRO 1).

QUADRO 1 - Ficha de pesquisa da Revisão Sistemática acerca da Identidade Profissional

do Professor-estagiário

Conteúdo Explicação

Objetivo da pesquisa Identificar a tipologia de estudos empíricos realizados acerca da

Identidade Profissional do professor-estagiário.

Equação de pesquisa a experimentar

“Professional Identity” AND “pre-service teacher”.

Âmbito da pesquisa

A pesquisa será realizada na base de dados electrónica ERIC,

focada nos artigos publicados nos últimos 11 anos, de 2001 a

2012, em todos os campos de procura (“all fields”).

Critérios de inclusão

Somente serão considerados artigos empíricos publicados em

jornais com peer review, pelo facto destes serem fontes de

informação científica reconhecidas pela comunidade académica

associada às ciências sociais e humanas.

Critérios de exclusão

Artigos sem texto integral.

Artigos publicados em livros, conferências, etc.

Artigos não relacionados com o tema em causa e de revisão de

literatura.

Fonte: adaptado de Kofinas e Saur-Amaral (2008)

Após a pesquisa e aplicação dos critérios de inclusão foram obtidos 50

estudos, porém, e tendo em conta os critérios de exclusão apenas foram

considerados para este estudo 9 artigos de jornais com peer review por terem o

texto integral.

Na análise da informação utilizaram-se procedimentos de análise de

conteúdo, tendo as categorias sido estabelecidas a priori: i) ano de publicação;

ii) objetivo de estudo iii) participantes; iv) instrumentos; e v) principais

conclusões.

93

Resultados

No QUADRO 2 está descrita a sinopse dos 9 estudos empíricos

integrados na pesquisa.

QUADRO 2 - Sinopse de Estudos relativos à Identidade Profissional do professor-

estagiário

Título País/Autor/Ano Objetivo de Estudo/

Participantes Instrumento Principais resultados

“Extending

the Learning

Community:

The Birth

of a New

Teacher

Support

Group”

USA

Donna Sanderson

2003

Explorar a necessidade,

e consequente

nascimento de um novo

grupo de apoio ao

professor para

professores novos

(recém-formados).

1 supervisor e 5

professores recém-

formados.

Anotações

diárias dos

participantes,

notas de

encontros

mensais,

questões

estruturadas

e não

estruturadas

via email.

Muitos membros do grupo tiveram

dificuldades com questões de

gestão da aula e disciplina, e

experienciaram sentimentos de

isolamento e solidão;

Os professores iniciantes tiveram

dificuldades em enquadrar-se numa

cultura escolar que já foi

estabelecida;

Os dados sugerem que um grupo

informal de apoio formado por

todos os professores iniciantes

pode ser benéfico no fornecimento

de "uma ponte para o mundo real

de ensino fora dos muros da

universidade. ".

“Emergence

of

professional

identity for the

pre-service

teacher”

Austrália

Georgina Cattley

2007

Identificar os fatores

que influenciam a

construção de uma

Identidade Profissional

sólida dos Estudantes

Estagiários, durante o

estágio, e quais podem

ser indicadores da

Identidade Profissional.

8 Estudantes

estagiários.

Registos

reflexivos dos

EE

(Reflective

Log

Proforma)

O incentivo à reflexão acerca do

papel multifacetado do professor,

dentro e fora de aula,

reconhecendo emoções e

responsabilidades, parece

influenciar a construção da

Identidade Profissional dos

estudantes estagiários;

A autora refere como principais

indicadores da Identidade

profissional: a relação com os

outros; a consciência do mundo

social e político além da sala de

aula; a consciência da partilha e da

ajuda; a consciência dos benefícios

da observação (eu e os outros) e

análise das próprias ações.

94

“Bridging

Worlds:

Changes in

Personal and

Professional

Identities

of Pre-

Service

Urban

Teachers”

USA

Katherine Merseth;

Julia Sommer;

Shari Dickstein.

2008

Explorar as

identidades de um

grupo de professores-

estagiários que

ensinou em salas de

aula urbanas.

65 professores-

estagiários.

Portefólio,

relatos

escritos.

O desenvolvimento da identidade

profissional dos professores-

estagiários é influenciado pelas

identidades pessoais que trazem

para o processo de ensino e

aprendizagem e pelas suas

experiências de ensino em escolas

públicas urbanas.

“Developing

Practices

in Multiple

Worlds:

The Role of

Identity in

Learning To

Teach”

USA

Ilana S. Horn;

Susan B. Nolen;

Christopher Ward;

Sara Campbell.

2008

Explorar a relação entre

a identidade de

professores iniciantes e

a sua aprendizagem

durante o estágio,

ilustrando a forma

como a identidade

molda e é moldada por

essa aprendizagem.

8 professores

Entrevistas,

observações.

Os estagiários modificam as suas

identidades para incorporar novas

imagens de boas práticas de ensino

com que se depararam

no programa de formação de

professores;

As práticas promovidas no

programa de formação de

professores podem ou não, ser

visíveis e viáveis em diferentes

combinações no estágio

profissional e vice-versa;

Os estagiários que fizeram maiores

avanços na aprendizagem

pareciam ter experimentado uma

certa tensão decorrente das

lacunas entre o programa de

formação de professores e o

estágio profissional. Essa tensão

ajudou os estagiários a desenvolver

o seu raciocínio pedagógico e a

aprimorar a sua capacidade de

adaptar e coordenar diferentes

práticas.

“Fostering

Nonverbal

Immediacy

and Teacher

Identity

through an

Acting

Course in

English

Teacher

Education”

Turquia

Kemal Özmen

2010

Avaliar o impacto de

um curso de atuação no

comportamento

proximal não-verbal de

professores-estagiários

e no desenvolvimento

da identidade

profissional.

44 professores-

estagiários de ensino de

inglês.

Instrumento

Quantitativo:

Nonverbal

Immediacy

Scale-Self

Report

(Richmond,

McCroskey &

Johnson,

2003)

Instrumento

qualitativo:

Entrevistas,

reflexões.

Os resultados indicaram que um

curso de atuação na formação de

professores-estagiários tem um

impacto significativo no

desenvolvimento do

comportamento proximal não-verbal

e na identidade profissional dos

professores-estagiários.

“Putting

Theory into

Practice:

Moving from

Student

Identity to

Teacher

Identity”

Austrália

Dawn Joseph;

Marina Heading.

2010

Refletir sobre o ensino

com um professor de

música, para melhorar

a sua aprendizagem

profissional, a fim de

encontrar novas

maneiras de ensinar.

1 professora-

estagiária

Narrativa

Observando o educador musical na

universidade e o seu professor

orientador na escola Sem nome

teve uma ideia acerca de que

professora gostaria de ser. A

colocação escolar no seu último

ano deu-lhe a confiança para

querer ensinar música quando se

formasse como professora de

escola primária generalista.

95

“A Course

Exploration:

Guiding

Instruction to

Prepare

Students as

Change

Agents in

Educational

Reform”

USA

Kathy L. Church

2010

Explorar o

desenvolvimento da

identidade de

professores através

de experiências de

curso dirigidas a

questões sociais.

Examinar o uso de

várias estratégias

usadas para ajudar a

promover os

professores como

agentes de mudança.

28 estudantes -

estagiários

Projetos,

discussões,

reflexões.

A avaliação dos projetos dos

estudantes e as perceções sobre o

seu trabalho sugerem que a

investigação orientada para

questões educacionais constrói

habilidades de pensamento crítico e

um sentido de propósito, liderança

e de trabalho através da construção

da identidade do professor.

“Emerging

Professional

Teacher

Identity of

Pre-service

Teachers”

Singapore

Sylvia Chong;

Ee Ling Low;

Kim Goh.

2011

Examinar as atitudes

dos professores

estagiários, o seu

entendimento sobre o

ensino, e como se

sentem quando

terminam o programa

de estágio, no sentido

de explorar a

emergência de uma

identidade profissional.

105 professores-

estagiários.

Questionários

Acerca da perceção sobre a

profissão do professor, os

professores-estagiários

consideraram que: ensinar é uma

profissão nobre e que revela

preocupação com os outros; depois

de terem ido para a escola no seu

estágio, ficaram mais conscientes

acerca do que é ensinar. Outros

revelaram ainda que as suas

expetativas não foram

correspondidas, ou que não tinham

nada que ver com a realidade.

Quanto ao que sentem acerca de

ser professor, o fator “papel do

ensino e aprendizagem” foi o mais

significante.

O sentido de identidade profissional

embora não tenha sido o fator mais

significante, com o tempo, a

socialização, o apoio escolar, o

desenvolvimento profissional e o

sentido de eficácia e

reconhecimento da escola, irá

crescer.

96

“Exploring

Ethical

Tensions

on the Path to

Becoming a

Teacher”

USA

M. Murphy;

Eliza Pinnegar;

Stefinee Pinnegar.

2011

Compreender a

natureza ética do

trabalho do professor

estagiário.

2 formadores de

professores e 1

professora- estagiária.

Narrativas

Da análise das narrativas pôde-se

concluir que tanto emergem

questões associadas a relações

éticas durante o percurso para se

tornar professor, como no percurso

para se tornar formador de

professores. Os espaços de

tensões éticas foram claros e

relembrados nas narrativas:

Há a necessidade de criar espaços

seguros para as crianças; há

tensões devido aos

constrangimentos causados nas

vidas relacionais de professores-

estagiários e formadores de

professores.

Os formadores de professores

perguntam-se sobre o impacto que

os relacionamentos entre eles e os

professores-estagiários têm na

capacidade destes aprenderem

com a formação de professores e

criarem relacionamentos éticos.

O que muitas vezes permanece

escondido para os formadores de

professores é o impacto das suas

relações éticas com os futuros

professores, em suas salas de aula

no futuro.

Não há sugestões sobre o que um

formador de professores deve fazer

para atender a relacionamentos

éticos ou maneiras simples de se

estabelecerem como tendo

autoridade moral.

Quanto à data de publicações dos estudos, nota-se um aumento nos

últimos anos na temática da identidade profissional do professor-estagiário,

pese embora a pesquisa tenha sido apenas numa base de dados, tendo

resultado um número de artigos pouco representativo para se tirarem

conclusões fundamentadas.

O ano de 2010 é aquele em que se verifica um maior número de artigos

(3 estudos). Em ternos de local, dos 9 artigos peer review selecionados, 5

foram realizados no continente Americano, 2 na Oceânia e 2 no continente

Asiático.

Os estudos no cômputo geral tiveram como objetivo identificar os fatores

que influenciam a construção de uma identidade profissional, explorando o seu

desenvolvimento e evidenciando o confronto entre as expetativas iniciais e a

experiencia prática no estágio.

97

Os dados representados no QUADRO 2 revelam que os participantes dos

estudos são professores-estagiários, professores em carreira, formadores de

professores e supervisores.

Relativamente aos instrumentos de investigação aplicados, encontram-se

com mais frequência reflexões escritas, seguidas de narrativas e entrevistas,

questionários e anotações diárias. Assim, é notória a predominância de

estudos de natureza qualitativa em torno desta temática.

De facto, os dados têm um forte caráter pessoal no que diz respeito à

interpretação do processo de construção da identidade profissional, e deste

modo, é importante compreender as influências da diversidade de contextos

para o professor.

Enfatizando agora os principais resultados dos estudos empíricos

incluídos na revisão sistemática, conclui-se no estudo de Merseth et al. (2008),

que o programa de formação de professores deve desempenhar um papel

fundamental na promoção da reflexão sobre a prática pedagógica. Muitos dos

sujeitos deste estudo, incluindo aqueles que foram inicialmente céticos,

revelaram que a reflexão lhes foi útil para o entendimento acerca do

desenvolvimento das suas identidades profissionais. Também no estudo de

Cattley (2007), o incentivo à reflexão acerca do papel multifacetado do

professor, dentro e fora de aula, reconhecendo emoções e responsabilidades,

pareceu influenciar a construção da identidade profissional dos estudantes

estagiários.

Já Horn et al. (2008) concluíram que os estagiários que fizeram maiores

avanços na aprendizagem pareciam ter experimentado alguma tensão,

decorrente das lacunas entre o programa de formação de professores e o

estágio escolar. Segundo os autores a tensão ajudou os estagiários a

desenvolver o seu raciocínio pedagógico e a aprimorar a sua capacidade de

adaptar e coordenar diferentes práticas. Da mesma forma, no estudo de

Murphy et al. (2011) ficou evidente que tanto emergem tensões associadas a

relações éticas, durante o percurso para se tornar professor, como no percurso

para se tornar formador de professores. Há tensões devido aos

constrangimentos causados nas vidas relacionais de professores-estagiários e

98

formadores de professores. Os formadores de professores perguntam-se sobre

o impacto que os relacionamentos entre eles e os professores-estagiários têm

na capacidade destes aprenderem com a formação de professores e criarem

relacionamentos éticos. Ademais, os dados de Sanderson (2003) sugerem que

um grupo informal de apoio formado por todos os professores iniciantes pode

ser benéfico no fornecimento de uma ponte para o mundo real de ensino.

No estudo de Chong et al. (2011) ficou evidente que os professores-

estagiários após as experiências tidas na escola, durante o seu estágio,

ficaram mais conscientes acerca do que é ensinar. Não obstante, alguns

revelaram ainda que as suas expetativas não foram correspondidas, ou que

não tinham nada que ver com a realidade.

Merseth et al. (2008) vem acrescer a ideia de que o desenvolvimento da

identidade profissional dos professores-estagiários é influenciado pelas

identidades pessoais que estes trazem para o processo de ensino e

aprendizagem. Horn et al. (2008) referem que os estagiários modificam as suas

identidades para incorporar novas imagens de boas práticas de ensino com

que eles se depararam no programa de formação de professores. Mencionam

ainda, que as práticas promovidas no programa de formação de professores

podem, ou não, ser visíveis e viáveis em diferentes combinações no estágio

profissional e vice-versa.

No estudo de Chong et al. (2011), acerca da perceção sobre a profissão

do professor, os professores-estagiários consideraram que ensinar é uma

profissão nobre e que revela preocupação com os outros, e que o papel do

processo de ensino e aprendizagem foi o mais significante quanto ao que

sentem acerca de ser professor.

Church (2010) refere que as perceções sobre o trabalho do professor-

estagiário sugerem que a investigação orientada para questões educacionais

constrói habilidades de pensamento crítico e um sentido de propósito, liderança

e de trabalho através da construção da identidade do professor.

Joseph e Heading (2010) concluíram que uma professora-estagiária ao

observar o educador musical na universidade e o seu professor orientador na

99

escola, teve uma ideia acerca de que professora gostaria de ser. Emerge daqui

a noção de influência que os professores em carreira podem ter na construção

da identidade do professor-estagiário.

Os resultados de Özmen (2010) indicaram que um curso de atuação na

formação de professores-estagiários tem um impacto significativo no

desenvolvimento do comportamento proximal não-verbal e na identidade

profissional dos professores-estagiários.

No que diz respeito àqueles que podem ser entendidos como indicadores

da identidade profissional, Cattley (2007) enumerou a relação com os outros, a

consciência do mundo social e político além da sala de aula, a consciência da

partilha e ajuda, bem como, a consciência dos benefícios da observação e

análise da própria ação e da ação dos outros.

A perspetiva apresentada por Church (2010) sugeriu que os projetos de

investigação-ação são um meio forte para o desenvolvimento do conhecimento

dos alunos e da identidade do professor. O estágio é uma maneira eficaz de

fazer com que os estagiários se envolvam pessoalmente como aprendizes e

que se prepararem para assumir o papel de um agente de mudança na

educação.

Conclusões

Nesta revisão sistemática, perante os artigos de peer review obtidos e de

acordo com os critérios de seleção determinados, a investigação no âmbito da

identidade profissional do professor-estagiário tem vindo a aumentar.

Os instrumentos de investigação mais utilizados são as reflexões escritas.

Há assim, uma predominância da natureza qualitativa em torno desta temática,

com o objetivo de melhor interpretar.

As conclusões dos presentes estudos dão ênfase às vivências durante o

estágio profissional e em que medida estas contribuem para a construção de

uma identidade profissional, realçando o confronto entre os programas de

formação de professores e a realidade experienciada no estágio, na medida em

100

que o impacto com a realidade não corresponde sempre às expetativas iniciais

dos professores-estagiários. Esta construção é um processo ainda influenciado

pelas vivências e crenças anteriores à formação inicial de professores.

Como características fundamentais ao desenvolvimento da identidade

profissional foram apontadas a experiência prática em si, a reflexão, e a

partilha entre os estagiários.

Da revisão efetuada, ficou clara a necessidade de se investigar a

identidade profissional no âmbito da Educação Física. O professor de

Educação Física na construção da sua identidade profissional terá, certamente,

alguns traços comuns aos demais professores, no entanto é expetável que a

especificidade desta disciplina e o seu contexto de lecionação introduzam

algumas particularidades na identidade profissional deste professor.

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