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10.4025/6cih.pphuem.124 A roupa infantil nas páginas do Jornal da Mulher: notas sobre a educação do corpo – década de 1950. Fernanda Theodoro Roveri (UNICAMP) Este trabalho discute o lugar da roupa na educação do corpo infantil tomando como fontes principais de análise exemplares das revistas Jornal das Moças e Jornal da Mulher, publicados no Brasil durante a década de 1950. Se pensarmos para além da família e da escola, inúmeras outras instituições, indivíduos, ou mesmo simples gestos cotidianos educam as crianças. Aqui neste trabalho discutiremos um desses veículos que também educa: a revista. Ao reforçar e condenar atitudes, a revista forma gostos e descreve hábitos. Documentando tempos, revelando vozes e traduzindo sentimentos, as revistas educavam seus leitores ao destacar certos temas e negligenciar outros. (MARTINS, 2008) Uma análise das roupas de meninas e meninos nos permite compreender aspectos da educação do corpo que se estabelece em gestos aparentemente banais como os de abotoar, soltar, amarrar, prender, apertar. Permite-nos, também, pensar que as cores, as estampas, as medidas e toda a costura de uma peça revelam um esforço de tornar o corpo educado. Soares (2010) ao pensar na ideia de uma educação do corpo, percorre um caminho que primeiramente nos remete aos Tratados e Manuais de Boas Maneiras, de Pintura e de Higiene, lembrando que ao longo da história, discursos médicos, religiosos, filosóficos e pedagógicos elaboraram uma educação do corpo, prescrevendo detalhadamente sua higiene e sua disciplina. Estes manuais começaram a se expandir a partir do fim do século XI e são parte de uma longa tradição de ideais de conduta, civilidade e bom comportamento. Neles são prescritas “regras claras e precisas que insistem em apagar um corpo para que outro, expressão de um tipo de civilização, possa surgir” (SOARES, 2010, p.33). Neste processo contínuo que apaga o corpo fazendo-o emergir novamente de acordo com as sensibilidades de uma época, nos deparamos com um imenso

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A roupa infantil nas páginas do Jornal da Mulher: notas sobre a educação do corpo – década de 1950.

Fernanda Theodoro Roveri (UNICAMP)

Este trabalho discute o lugar da roupa na educação do corpo infantil tomando

como fontes principais de análise exemplares das revistas Jornal das Moças e

Jornal da Mulher, publicados no Brasil durante a década de 1950.

Se pensarmos para além da família e da escola, inúmeras outras instituições,

indivíduos, ou mesmo simples gestos cotidianos educam as crianças. Aqui neste

trabalho discutiremos um desses veículos que também educa: a revista. Ao reforçar

e condenar atitudes, a revista forma gostos e descreve hábitos. Documentando

tempos, revelando vozes e traduzindo sentimentos, as revistas educavam seus

leitores ao destacar certos temas e negligenciar outros. (MARTINS, 2008)

Uma análise das roupas de meninas e meninos nos permite compreender

aspectos da educação do corpo que se estabelece em gestos aparentemente

banais como os de abotoar, soltar, amarrar, prender, apertar. Permite-nos, também,

pensar que as cores, as estampas, as medidas e toda a costura de uma peça

revelam um esforço de tornar o corpo educado.

Soares (2010) ao pensar na ideia de uma educação do corpo, percorre um

caminho que primeiramente nos remete aos Tratados e Manuais de Boas Maneiras,

de Pintura e de Higiene, lembrando que ao longo da história, discursos médicos,

religiosos, filosóficos e pedagógicos elaboraram uma educação do corpo,

prescrevendo detalhadamente sua higiene e sua disciplina. Estes manuais

começaram a se expandir a partir do fim do século XI e são parte de uma longa

tradição de ideais de conduta, civilidade e bom comportamento. Neles são

prescritas “regras claras e precisas que insistem em apagar um corpo para que

outro, expressão de um tipo de civilização, possa surgir” (SOARES, 2010, p.33).

Neste processo contínuo que apaga o corpo fazendo-o emergir novamente de

acordo com as sensibilidades de uma época, nos deparamos com um imenso

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conjunto de imagens, gestos, formas e técnicas que educam, conforme nos ajuda a

pensar a autora:

(...) Se as sociedades elaboram estratégias para inserir ou excluir os indivíduos em processos culturais, elas elaboram técnicas, pedagogias, políticas para tais ações. Assim, as muitas pedagogias do corpo e da saúde na longa duração, desde as formas como se representam a higiene, a alimentação, a vestimenta, as curas, o divertimento, as crenças seriam, certamente, maneiras de se educar os corpos (SOARES, 2010, p.49. Grifos da autora).

O corpo infantil fora também objeto de educação pelos Manuais Escolares já

em circulação na Europa no século XVIII. Rocha (2000) lembra que no Brasil as

transformações pelas quais a sociedade passou entre o final do século XIX e início

do século XX fizeram da escola palco de discursos de intelectuais que

ambicionavam o progresso, a ordem e a civilidade.

Na produção discursiva da escola como meio formador, capaz de corrigir e prevenir “imperfeições, excessos e eventualidades perigosas”, a criança é representada como massa moldável, justificando-se a vigilância higiênica sobre a instituição escolar, nos seus mais diferentes aspectos, a fim de evitar que, pelo seu regime, a escola viesse a produzir seres “definhados, entorpecidos, viciosos, doentes” [...], ou, em uma palavra, inúteis (ROCHA, 2000, p.12).

Códigos de conduta e maneiras de se vestir eram ensinados aos meninos e

meninas não apenas pela escola, mas também pelas revistas de variedades. Brites

(2000, p. 163), ao estudar as imagens de infância presentes em periódicos

brasileiros dos anos de 1930 a 1950, percebe que a criança aparecia ligada a

questões de fragilidade, inocência e futuro da pátria. Os periódicos analisados pela

autora – Vida Doméstica e Fon Fon! - ao valorizar a puericultura, mostravam

padrões de saúde, família, religião, comportamento e higiene a serem alcançados

para o bem do país.

As roupas, portanto, são um testemunho de como viveram as crianças em

nosso país e nos permitem olhar para a história social, tentando “observar como os

modelos ideológicos, que coexistem e disputam a regulamentação das condutas e

dos hábitos interagem na realidade que pretendemos apreender” (ROCHE, 2007,

p.21). Deste modo, buscamos realizar uma possível apreensão de como as crianças

eram educadas na década de 1950, período em que uma sociedade de consumo se

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consolidava no Brasil. Em meio a um processo de urbanização, um ideal de

civilidade e progresso estimulava a aquisição de novos produtos considerados

prestigiosos. Neste ideal de vida moderna, não apenas a casa e seu mobiliário

deveriam ser renovados, mas também a aparência, os gestos e o comportamento

em público.

Paul Veyne fala, em seu livro O inventário das diferenças, que “a história

apenas existe em relação às perguntas que lhe fazemos”. Para fazer as perguntas,

é preciso ter consciência e decidir sobre o que falar. É preciso também imaginar e

ter ideias. As indagações que faço no decorrer deste trabalho também são

suscitadas pelo encontro com as fontes. Partindo dessa perspectiva metodológica,

apresento aqui meu breve percurso de pesquisadora que busca, nas revistas da

década de 1950, juntamente com as vozes de inúmeros autores que me aproximei

até este momento, um olhar que tenta perceber as imagens de crianças a seu

tempo. Crianças que de algum modo também se dispersam aqui, neste espaço

imaginado no presente.

Esta pesquisa procura então compreender as representações de infância

presentes em revistas de circulação entre os anos de 1950-1960, através dos

modos de vestir as crianças. Poderíamos indagar como as crianças eram educadas

neste período em que uma sociedade de consumo se consolidava no Brasil? Que

educação do corpo era costurada nas tramas deste “novo estilo de vida urbano”?

Não se trata de analisar se as crianças agiam e se vestiam de acordo com o

que as revistas mostravam e tampouco apontar quais roupas elas realmente

usavam na época em questão, mas sim analisar quais motivações levaram à

publicação de imagens e descrições de certas roupas infantis. Ou seja, perceber as

expectativas sociais em relação às atitudes de meninos e meninas, além das

chancelas acopladas ao vestuário que permitiriam a um sujeito pertencer a um

determinado grupo social. Trata-se, pois, de analisar como as revistas desenham a

roupa da criança e contribuem para a educação de um gosto.

Crianças nas seções de costura

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A revista Jornal das Moças começou a ser publicada em maio de 1914 e

circulou até o ano de 1961. A periodicidade, que inicialmente era quinzenal, em

1916 passaria a semanal. A revista trazia contos, fotonovela, vida das estrelas e

famosos do rádio, algumas fotos de festas como casamentos e bailes de carnaval,

modelos de roupas femininas, propagandas de produtos de higiene e beleza, além

de diversos conselhos – sentimental, culinário, afazeres domésticos,

comportamento e cuidados com os filhos, por exemplo. A partir de 1930,

incorporava-se à publicação a seção de figurinos e bordados intitulada Jornal da

Mulher.

Se olharmos a mulher da década de 1950 representada nas páginas do

Jornal das Moças, vamos encontrá-la vestida com inocência, recato e equilíbrio.

Definindo o lar como o espaço de vida da mulher, a revista esforçava-se para

afirmar a feminilidade da leitora, mostrando-lhe como cumprir seu destino

naturalizado de mãe e esposa. Excluída de posições sociais elevadas, a mulher

buscaria a forma de vida aceita, cumprindo o que lhe era imposto e fazendo aquilo

que lhe ficaria bem (SIMMEL, 2008). Uma dessas imposições era cuidar com

esmero de sua aparência e a de sua família. Competia ao mundo feminino o

domínio da costura e das tendências de moda. As revistas de costura chamariam a

atenção para os códigos indumentários que diferenciavam as roupas da classe alta

e as da classe média baixa, indicando à leitora as escolhas da cor, do tecido e do

corte da roupa, além dos detalhes que evidenciariam uma vestimenta elegante. Era

preciso ainda que a mulher soubesse vestir seu filho e sua filha de maneiras

diferentes, já projetando o futuro desejado a eles. Além disso, era necessário

incentivar a menina a cuidar da aparência e da higiene, ensinando-lhe bons modos

para que tivesse êxito nos seus “deveres de mulher”.

Este tipo de educação conferida às mulheres fazia com que estas

aparecessem nas revistas de maneira muito similar às suas filhas. Era importante

que a decência da mulher dos anos de 1950 fosse preservada, garantindo sua

qualidade de “moça de família”. Neste período em que aumentam a taxa de

natalidade e a domesticidade feminina, é comum encontrarmos mulheres e crianças

usando vestidos semelhantes pois ambas deveriam sustentar a imagem da graça,

candura, pureza, ingenuidade e elegância. Lurie (1997, p.93), afirma que na década

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de 1950, em ocasiões formais, as crianças bem pequenas eram apresentadas

vestindo um estilo adulto e sofisticado. Havia, portanto, uma preocupação em

educar as crianças de acordo com as expectativas sociais em relação ao

comportamento de homens e mulheres.

Nas páginas de costura do Jornal das Moças, é possível perceber que o tipo

de vestuário sugerido para a mãe confeccionar à filha estava ligado ao simbolismo

da boneca. As receitas de costura costumavam usar termos como sua filhinha,

roupinha, modelinho e vestidinho, transformando o trabalho de costura numa

saudosa brincadeira de boneca. O exemplar do Jornal das Moças de junho de 1954

ensina a mulher a preparar um vestido acolchoado para a filha e esta é fotografada

imóvel, como se fosse um brinquedo à espera dos afagos da mãe. A revista sugere

que a atividade de costura seria uma prazerosa brincadeira de casinha, evocando

na leitora o sentimento de nostalgia e retorno à sua própria infância.

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Jornal das Moças, nº2034, 10 jun.1954, p.23.

Ao mesmo tempo em que o traje da menina a transformará numa ingênua

boneca materna, outros elementos sutis irão projetar a imagem de um corpo de

mulher, disfarçando a figura pueril que se encontra dentro da roupa. O peito reto

será avolumado com franzidos e babados, a cintura será modelada com fitas

transpassadas fazendo com que o corpo da criança, embrulhado pelos vestidos,

tenha os movimentos constrangidos. Em algumas fotografias percebemos as

sensibilidades que a roupa desperta nas meninas: suas mãos, tidas como puras,

não tocarão diretamente o mundo, estão protegidas dentro de refinadas luvas

brancas. Talvez, ao brincarem, seus corpos não tocarão o chão, pois foram

embalados em delicados vestidos de veludo e amarrados na cintura com cintos,

cordões ou elásticos.

Jornal das Moças, nº2029,6 mai. 1954, p.24.

Ao definir modelos de trajes adequados a uma menina, a revista Jornal das

Moças também estaria produzindo uma aparência desejada e um ideal de infância.

É possível perceber que as roupas infantis publicadas nas revistas suscitavam

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sentimentos de pureza. A ligação da mãe com as crianças ou sua regressão ao

mundo infantil por meio da atividade de costura demonstrava nobreza de espírito e

trazia de volta a purificação de sua vida.

A roupa, pensada como um elemento que define a existência da criança na

sociedade, pode ser compreendida como o resultado dos esforços dos adultos para

a masculinização ou feminização dos corpos. Assim, as roupas escolhidas para

meninos e meninas revelam, em seus detalhes, procedimentos de controle dos

corpos e marcas de poder entre os sexos. Um simples botão, quando costurado na

roupa masculina, sugere um poder viril, diferentemente das roupas das mulheres e

das crianças que costumam ser abotoadas com alfinetes e laços (ROCHE, 2000,

p.212).

Uma fotografia publicada na revista de costura Jornal das Moças de 1954 nos

remete a uma educação do corpo diferenciada para o menino e para a menina. A

roupa de dormir aparece aqui como um traje para ambos os sexos porém, vê-se que

um conjunto de detalhes definirá uma postura e um comportamento diferente para

as crianças. A roupa do menino é um pijama com botões costurados sob a espádua

que, juntamente com um bolso na região do peito, ressaltam a virilidade e a força

masculina. A calça está em alinho perfeito, todo traje e a postura do garoto lembram

um soldado de uniforme impecável. A roupa da menina é uma camisola, a costura

apresenta franzidos, babados, laços e botões que preenchem e avolumam a região

dos seios e valorizam o ventre. Um grande bolso é costurado abaixo da cintura tal

qual o de um avental, peça muito usada pelas mulheres para o serviço doméstico. O

traje, a postura e a boneca no colo da menina sugerem a maternidade.

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Jornal das Moças, nº2029,6 mai1954,s/n.

Visualiza-se, na imagem do vestuário das crianças, uma educação dos

gestos mais minuciosos. Em outras fotografias de roupas para a menina e para a

mulher, notamos que suas mãos seguram bonecas, cadernos, lápis ou flores, o que

nos permite pensar que há a expectativa de que a menina mantenha-se ocupada

com os estudos ou em atividades de cuidar. O vestuário, dessa forma, feminiza

seus corpos e a figura pueril que se encontra dentro da roupa é disfarçada pelo

tecido e a costura: o peito reto será avolumado com franzidos e babados, a cintura

será modelada. Como sublinha Lurie,

(...) há uma tendência das roupas dos meninos e dos homens serem mais largas nos ombros e das meninas nos quadris, antecipando seus corpos quando adultos. As roupas dos meninos e dos homens, além disso, enfatizam os ombros com riscas horizontais, dragonas e palas de cores

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contrastantes. As roupas das meninas e das mulheres enfatizam os quadris e o traseiro através da colocação estratégica de franzidos e adornos (LURIE, 1997, p.227).

Os adornos dos vestuários femininos geralmente são flores, bordados e

laços. Há uma presença constante de detalhes como bolsos, pregas, fechos, golas

e mangas. Para Barthes (2009), é o detalhe que produz o sentido na moda: não é a

peça inteira do vestuário mas sim suas partes que evocam uma vivência imaginária

no espectador. Além disso, o detalhe seria um “nada” que muda tudo na roupa, é

um viés econômico usado para transformar o luxuoso em acessível, o fora de moda

em moda, sem custar caro ao orçamento (BARTHES, 2009, p. 360).

Em relação ao vestuário de bebês e crianças pequenas, percebemos uma

semelhança entre os usados por meninas e meninos. Uma fotografia da revista traz

uma roupa semelhante para os dois, mas é possível distinguir alguns detalhes que

diferenciam os sexos: embora tenham as mesmas cores e corte, o macacão do

menino que está em pé consiste em uma bermuda; o da menina é uma saia, o que

a faz posar sentada numa cadeira sutilmente virada para o lado direito, de modo a

proteger suas perninhas do olhar do leitor. A revista diz que o menino usa por baixo

do macacão uma camisa, já a menina, uma blusinha branca. O ornamento de rãs

num lago é o mesmo para as duas roupas.

Na tenra infância, as roupas das meninas e dos meninos são muitas vezes idênticas quanto ao feitio e tecido, como se reconhecendo que seus corpos são muito semelhantes. Mas as camisetas, as calças sem fecho e os blusões com zíper para os meninos são geralmente de cores escuras (especialmente verde-escuro, azul-marinho, vermelho e marrom) e estampados com desenhos envolvendo esportes, meios de transportes e animais selvagens. As roupas das meninas são de cores mais claras (especialmente rosa, amarelo e verde) e decoradas com flores e animais domésticos. A sugestão é que o menino brincará vigorosamente e percorrerá longas distâncias; a menina ficará em casa e criará plantas e pequenos mamíferos (LURIE, 1997, p.227).

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Jornal das Moças, nº2029, 6 mai.1954,s/n.

Percebemos, nas roupas infantis discutidas neste trabalho, as ideias de pureza,

elegância, diferenciação e conforto. Isso porque o vestuário, em seus processos de

uso, torna-se cada vez mais especializado, não se limitando apenas à função de

proteção, mas também àquelas de distinção, performance, conforto e eficácia.

(SOARES, 2010, p.84)

(...) As roupas configuram, também, a percepção mais aguda da ideia de conforto já presente em diferentes atividades humanas, uma ideia que, sem dúvida, é parte de uma história sensível das coisas, dos objetos, de seus usos no fio do tempo e de sua importância nas transformações dos comportamentos humanos tanto na vida privada quanto na vida pública, na vida social (SOARES, 2010, p.84).

Tais percepções e comportamentos que são configurados pelas roupas

podem ser observados na postura terna das crianças que habitam as páginas de

moda do Jornal da Mulher. Essa postura, esperada para uma vida pública, parece

confirmar a intenção da revista em atingir a família e o lar, locais que jamais

poderiam ser afetados, conforme alertam seus editores, por uma “onda de

imoralidade” disseminada pelo cinema e outros veículos de comunicação.

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Conclusão

As revistas analisadas, além de terem um papel de destaque como fontes de

informação e conselhos diversos, traduziam os comportamentos e separavam o que

era conveniente ao sexo feminino ou ao masculino. Os modelos de confecção de

roupas adultas ou infantis eram cuidadosamente elaborados para este cenário de

urbanização. A opção por uma moda estrangeira veiculada em fotografias, músicas

ou pelos astros e estrelas de cinema, determinava o que seria bom-gosto e

elegância ao mesmo tempo em que demarcava pertencimentos sociais.

Podemos perceber, de maneira geral, que as revistas analisadas não apenas

traziam ensinamentos para manter uma “boa aparência”, limpa, sadia e arrumada:

as ilustrações incentivavam o uso de roupas consideradas distintas, elegantes,

adequadas para aquela sociedade em processo de urbanização e também

condizentes com os papéis sociais às crianças destinados, fossem meninos ou

meninas.

Por fim, concluímos que as imagens de crianças que constituem as páginas

das revistas analisadas, sistematizavam, juntamente com a escrita, todo um

discurso e formavam um imaginário coletivo sobre a infância. As revistas, ao

trazerem receitas de costura de roupas sobretudo para mulheres e meninas,

constroem e desconstroem comportamentos, salientam a necessidade de se

preservar a ingenuidade, a pureza e a decência.

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Tese de Livre Docência, Faculdade de Educação Física, Unicamp, Campinas.

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