O trabalho do assistente social no “terceiro setor”: a ... Lopes da... · dando-me forças para...

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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Lídia Lopes da Silva O trabalho do assistente social no “terceiro setor”: a superação das dificuldades e a construção de caminhos MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Carmelita Yazbek. SÃO PAULO 2008

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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Lídia Lopes da Silva

O trabalho do assistente social no “terceiro setor”: a superação das dificuldades e a construção de caminhos

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Carmelita Yazbek.

SÃO PAULO 2008

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BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho à minha

família, meu amor Evaldo, minha mãe

Nadir e a meu irmão Fábio.

A vocês, todo o meu afeto.

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AGRADECIMENTO

Muitas são as pessoas que passam por nossa vida e sob diferentes aspectos,

deixam conosco sua marca; nessa trajetória de pesquisador não foi diferente; muitas

foram as pessoas que deixarão saudades e ânsia pelo reencontro.

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, que se revela a mim em meu dia-a-dia,

dando-me forças para superar as dificuldades e chegar até aqui sem me entregar às

dificuldades.

Agradeço ao Evaldo, hoje meu noivo, brevemente meu esposo, mas sempre

meu companheiro e amigo, que nunca deixou de me incentivar. Sinto muito orgulho

de você!

À minha mãe que sempre foi capaz de enfrentar qualquer dificuldade para

apoiar seus filhos.

Aos professores da Universidade de Taubaté, na qual me graduei; eles

também são responsáveis por essa conquista. De forma especial a Prof.ª Dr.ª Maria

Fernanda Teixeira Branco Costa, que acreditou em mim, leu meu projeto e me deu

segurança para iniciar o mestrado; à Prof.ª Dr.ª Maria Teresa dos Santos, exemplo

de pessoa e profissional, gostaria de estar mais perto dela e sei que sempre poderei

contar com seu apoio; e à Prof.ª Dr.ª Mabel Mascarenhas Torres.

À Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Martinelli, por me acolher e incentivar. Ela muitas

vezes repetiu algo que tem me ajudado profundamente em minhas escolhas da vida,

que é “apostar na positividade”.

À Prof.ª Dr.ª Maria Carmelita Yazbek, que me aproximou do Serviço Social de

uma forma fincada na realidade. Intelectual que admiro, possui a capacidade de com

simplicidade falar da nossa prática, vinculando o conhecimento teórico de uma forma

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intrínseca. Sou profundamente grata à segurança que ela me transmite, à sua

transparência como pessoa e por tratar a nós alunos de forma tão íntima.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – l

CNPQ, às pessoas que o compõem, por trabalharem em prol da pesquisa deste

país, enfrentando os desafios que esta atividade impõe. Ressalto o apoio que

sempre recebi do Departamento de Pós-Graduação em Serviço Social, de forma

especial, agradeço à secretária Kátia pela atenção que dispensa aos alunos.

Enfim, agradeço profundamente àqueles que me incentivaram e que comigo

colaboraram nesse extenso processo de pesquisar e aventurar-me nas nuances da

experiência prática e teórica do Serviço Social.

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RESUMO

Quando a sociedade se transforma, um novo modo de viver se impõe e, com ele, irrompem novas necessidades humanas; para respondê-las, profissões se reorganizam e buscam estratégias para uma atuação mais efetiva. Esta pesquisa parte do pressuposto de que é momento de repensar os espaços de inserção do assistente social e busca contribuir para o debate acerca do exercício profissional, especificamente, no campo do “terceiro setor”, esfera que cresceu notavelmente na última década e ainda é pouco estudada. Para conhecer melhor as possibilidades de trabalho do assistente social no “terceiro setor” realizamos uma pesquisa qualitativa com quatro assistentes sociais de entidades representativas de tal setor. Quanto aos resultados, chegamos à delimitação do perfil das entidades pesquisadas, definidas a partir da legislação social como entidades de assistência social e encontramos, preponderantemente, a marca da religiosidade e da dedicação ao atendimento de crianças e adolescentes. No processo da pesquisa, foi dada ênfase às relações em torno dos recursos financeiros, por meio da qual constatamos a presença majoritária do Estado como financiador das atividades desenvolvidas; também se examinaram outras características como a direção, a captação de recursos e a presença dos voluntários. Ao analisarmos o fazer profissional do assistente social no “terceiro setor” e seus traços peculiares, refletimos, ainda, sobre pontos como: atividades, planejamento, valorização do trabalho, autonomia, destacando as redes sócio-assistenciais e a visão de cada sujeito a respeito do espaço público e privado. Estudamos a capacitação do profissional e sua inserção política como respostas frente às dificuldades do mercado de trabalho, porém constatamos que essa participação se dá apenas no espaço dos conselhos de direitos. Destacam-se nas falas desses profissionais uma boa articulação com a rede sócio-assistencial do município e o conhecimento da realidade local, o que colabora para uma atuação que ultrapassa o espaço institucional, resultante da preocupação com a qualidade dos serviços e com o cumprimento dos direitos.

Palavras-chave: assistente social; trabalho; terceiro setor.

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ABSTRACT

When society changes, a new way of life begins, and with it new human needs arise; in order to deal with them, professionals reorganise themselves and seek new strategies for a more effective role. This research starts from the fact that it is time to rethink about the social worker space and seeks to contribute to the professional exercise, particularly in the “third sector”, a field which has grown notably in the last decade, despite being little studied. To better know the social workers' work possibilities in the third sector, we have adopted a quantitative research with four carers representing such sector. As results we have reached the profile limits of those entities, defined by Law as Social Care entities, and have found the trace of religiosity and a remarkable dedication in attending to children and teenagers. During this research, financial resources were given priority, in which we have found that tha State is the major investor to the development of these activities; we have also examined other factors such as management, resource funds and volunteers participation. Analysing the social workers professional performance in the third sector and its peculiarities, we have thought about topics such as activities, planning, autonomy and work value, enhancing the social care network and the citizen's view about private and public spaces. We have studied the professionals' capacity and their political interest as an answer to the labour market difficulties, however we have noticed that this participation is only seen in the legal counselling sector. These professionals highlight a good relation with the council social care network and their local knowledge, which helps to further the institutional space, resulting from the necessity for better care and appliance of rights.

Key-words: social worker; work; third sector.

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SUMÁRIO

Metodologia de Pesquisa ...................................................................................... 16

1.1 – O discurso humanista do mundo do trabalho e o processo ideológico ........ 27

1.2 – Processos que se inter-relacionam e suas conseqüências para a política social no Brasil ...................................................................................................... 29

1.3 – A reforma do estado brasileiro ..................................................................... 36

2.1 – Apresentação e análise das organizações ................................................... 58

2.2 – Características das organizações: financiamento, captação de recursos, voluntariado e critérios dos programas .................................................................. 67

3.1 – O Serviço Social diante do contexto atual .................................................... 82

3.2 – O Serviço Social enquanto trabalho especializado ...................................... 87

3.3 – Características do trabalho: atividades, planejamento, valorização profissional, autonomia, trabalho em equipe e demandas ..................................... 90

3.4 – Algumas referências quanto ao “terceiro setor” enquanto empregador dos assistentes sociais .............................................................................................. 110

Relações de trabalho dos profissionais pesquisados, encontradas na pesquisa de 2005 ............................................................................................................. 113

3.5 – Entrevistas: relação público x privado, visão do “terceiro setor”, conhecimentos legais, capacitação e participação política ................................. 120

Redes .............................................................................................................. 120

Uma nota sobre as limitações desse estudo .................................................... 154

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 – Globalização, neoliberalismo, reestruturação produtiva: processos que ser inter-relacionam ..................................................................... 22

CAPÍTULO 2 – O “terceiro setor: análises e definições ...................................... 45

CAPÍTULO 3 – O “terceiro setor” enquanto empregador dos assistentes sociais ..................................................................................................................... 82

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 145

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 155

Anexos ................................................................................................................... 162

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação de mestrado volta-se ao aprofundamento de uma temática

que desenvolvo desde o segundo ano (Iniciação Científica) da Graduação em

Serviço Social, que é o chamado “terceiro setor”. Tem como objeto o exercício

profissional do assistente social e as peculiaridades do “terceiro setor”, com a

finalidade de explorar as competências e atribuições desses profissionais num

espaço de trabalho de características próprias, que também precisam ser

desvendadas.

Quando a sociedade se transforma, o nosso modo de viver também se

modifica e com ele surgem novas necessidades humanas; para respondê-las,

vemos as profissões requalificando-se. Esta pesquisa parte do pressuposto de que é

momento de repensar os espaços de inserção do assistente social dentro do

mercado de trabalho, mais especificamente no campo do “terceiro setor”, já que se

trata de uma esfera que cresceu notavelmente na última década e ainda é pouco

estudada.

Sua finalidade é contribuir para o debate em torno do exercício profissional do

assistente social e suas relações com as conseqüências trazidas pelo padrão de

acumulação flexível, a implantação do projeto neoliberal e a desresponsabilização

do Estado no trato à questão social e às alterações do mundo do trabalho geradas,

em última análise, pela chamada reestruturação produtiva.

O debate sobre o ideário neoliberal despertou meu interesse desde o início da

graduação em Serviço Social, principalmente no que tange às políticas sociais em

relação ao afastamento da responsabilidade estatal e ao modo capcioso de colocar

os serviços de atendimento à população como responsabilidade dela própria. Por

meio desse interesse, no segundo ano da graduação, desenvolvi um projeto de

iniciação científica com base em um levantamento bibliográfico, realizado no

Departamento de Serviço Social da Universidade de Taubaté, analisando a questão

da responsabilidade social no âmbito das empresas. Naquele momento, deparei-me

com indagações referentes ao modo como os assistentes sociais se posicionam

frente a essas questões, o que me mostrou a necessidade de uma nova pesquisa,

que necessariamente deveria ser feita com base em pesquisa de campo.

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Assim, meu trabalho de conclusão de curso seguiu a mesma temática, sob o

tema: As condições de trabalho do assistente social inserido no ”terceiro setor”.

Desenvolvi uma pesquisa que contemplou as transformações do mundo do trabalho

e sua relação com o Serviço Social, o sentido histórico do ”terceiro setor” e sua

concepção, considerando um contexto social amplo. Nesse momento, nosso objeto

foi a peculiaridade desse setor, enquanto campo de trabalho que demanda

assistentes sociais para seus quadros de funcionários e que oferece determinadas

condições ao fazer desse profissional (no que envolve sua atribuição, participação

política e conhecimento da legislação) e como esses fatores se inter-relacionam.

Utilizei também a pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Serviço Social

– CFESS, sobre o perfil do assistente social no Brasil, comparando resultados

obtidos, por meio do TCC, com dados apresentados nessa pesquisa, sendo assim, a

construção do questionário teve por base as questões utilizadas pelo CFESS1.

Também foram cruzados os dados coletados com a pesquisa realizada pela Prof.ª

Raquel de Matos Lopes Gentilli, por meio do relatório final da pesquisa, realizado

pelo Conselho Regional de Serviço Social – CRESS – 17ª Região, Gestão

1996/1999.

No processo metodológico do trabalho de conclusão de curso, realizamos um

levantamento documental das organizações do “terceiro setor” por meio da ficha de

programação básica de estágio de Serviço Social da Universidade de Taubaté do

ano de 2005, para verificarmos qual natureza predominava nos campos de trabalho;

dentre o total de 38 unidades; obtivemos 16 públicas (42,11%), 7 privadas (18,42%)

e 15 organizações do “terceiro setor” (39,47%). Nota-se claramente o “terceiro

setor” como um campo de estágio amplo, que se aproxima em quantidade até

mesmo do setor público, tradicionalmente o maior campo de inserção do Serviço

Social.

Partindo daí, o universo da pesquisa contemplou os assistentes sociais

inseridos nessas organizações, pois estes estão vivenciando uma prática

profissional marcada pelas peculiaridades deste setor, em sua relação com o projeto

neoliberal. O instrumental escolhido para a coleta de dados foi um questionário, 1 A referida pesquisa foi intitulada “Assistentes sociais no Brasil: elementos para o estudo do perfil profissional”, foi organizada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) com realização da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), em maio de 2005.

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contendo questões abertas e fechadas; outra característica desses sujeitos é que

também supervisionam práticas de estagiários da Universidade de Taubaté, o que

foi facilitador nesse processo, já que pudemos contar com a colaboração dos

estagiários para o envio dos 15 questionários e a devolutiva de 09 deu-se via

correios ou pelos próprios estagiários.

Ao final da pesquisa, os dados captados permitiram uma aproximação de

alguns aspectos significativos, para melhor compreensão das condições postas pelo

“terceiro setor” e do fazer profissional, marcado pelas suas peculiaridades. Assim

temos:

• Perfil geral dos profissionais entrevistados: sexo feminino, com idade entre

45 a 59 anos, formado a partir da década de 90 (na Universidade de

Taubaté), relativamente há pouco tempo trabalhando no “terceiro setor”,

comparado a seu tempo de atuação profissional, apresentando apenas a

graduação.

• Condições de trabalho mais encontradas no “terceiro setor”: condições

físicas do trabalho não adequadas; faixa salarial de 4 a 6 salários mínimos;

vínculo empregatício celetista; carga horária a partir de 40 horas e os

assistentes sociais advêm da esfera privada e pública, o que pode significar

aposentadoria.

• Conhecimento da legislação - dentre os profissionais entrevistados, a Lei de

Regulamentação da Profissão é a mais conhecida, seguida do Código de

Ética; são bem menos conhecidas as Diretrizes Curriculares para o Curso de

Serviço Social e a Tabela Referencial de Honorários, inclusive para esta

última os dados apontam a necessidade de maior divulgação. Houve

prevalência na discordância sobre o respaldo da legislação no cotidiano.

• Fazer profissional X Legislação - os dados permitiram a aproximação da

seguinte conclusão: dos profissionais entrevistados é a minoria que realiza

atividades não específicas do Serviço Social, porém, ainda assim, quanto à

valorização da profissão, apenas 01 sujeito nunca a sentiu desvalorizada; os

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recursos financeiros para projetos são entendidos como suficientes pela

maioria, mesmo estes sendo advindos de doações/captação entre a

comunidade, o que significa serem estes esporádicos, característica já

definida no “terceiro setor”.

• Participação Política - Em termos gerais, pode-se considerar que existe

entre os entrevistados uma participação política expressiva, em sua maioria

em movimentos sociais, especificamente da categoria de assistentes sociais.

Essa participação, porém, torna-se comprometida, pois há predominância

quanto a seu caráter eventual pelo fato de que metade dos participantes atua

apenas como filiado e por ser ainda muito pequena a participação dos

assistentes sociais entrevistados em conselhos de defesa de direitos e

movimentos partidários.

Ao deparar-me com essas conclusões, percebi que seus resultados

apontavam para a necessidade de aprofundamento de alguns pontos da pesquisa,

de modo especial para o exercício profissional. Deste modo, este projeto de

Mestrado, em partes, foi construído a partir dos resultados obtidos por meio do meu

TCC. Meu interesse de pesquisadora e assistente social recém-formada também me

provoca a explorar/apreender mais as questões que tratam do exercício profissional

do assistente social, no caso específico, delimitando para a pesquisa aquele inserido

no “terceiro setor”. Isso se remete ao fato de, na pesquisa já citada, ressaltar-se a

dificuldade de alguns profissionais em reconhecer as delimitações de seu espaço de

trabalho, suas competências e atribuições.

Os principais autores que me ajudaram a compor as bases para o

desenvolvimento desse trabalho são: Marilda Vilela Iamamoto (2001), na discussão

que propõe sobre o Serviço Social diante dos novos desafios e sobre a maneira de

tal profissão se afirmar dentro da divisão sócio-técnica como um trabalho

especializado; Carlos Montaño (2002), com sua análise sobre o “terceiro setor” a

partir de sua relação com a sociedade civil e o Estado, na sua funcionalidade

enquanto possível substituto das responsabilidades sociais do Estado. Para ele, a

expansão desse setor constitui uma das principais expressões do projeto neoliberal.

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Sabendo que, muitas vezes, a dificuldade do profissional em delimitar seu

espaço vem acompanhada da desvalorização do assistente social, minha pesquisa

de graduação demonstrou que a precarização de nossas condições de trabalho

também se relaciona com o conhecimento que temos da própria legislação.

Legislação essa que respalda nosso trabalho quanto ao reconhecimento de seu

espaço e quanto às respostas que construímos com nossa participação política ou

que deixamos de construir sem ela.

Assim, entendo que a pesquisa como instrumento do (no) agir profissional

também possa contribuir para a formação dessa autoconsciência da categoria; por

isso, é relevante repensar essas questões, ainda tão pouco valorizadas pelo fazer

acadêmico. As transformações ocorridas em meio ao mundo do trabalho já vêm

sendo objeto de estudos dos assistentes sociais há algum tempo em suas

expressões variadas: no desemprego, nas perdas dos direitos trabalhistas, no

enfraquecimento dos sindicatos, nas reestruturações dos processos de trabalho,

enfim, sua repercussão para a classe trabalhadora e para a intervenção do

assistente social. Porém, um tema que se relaciona a esse quadro conjuntural e,

mesmo sendo muito próximo, ainda tem sido pouco estudado, é a inserção do

assistente social nos campos de trabalho, enquanto categoria inserida numa divisão

sócio-técnica e que, como as outras, também sofre com essas conseqüências.

Isto ficou comprovado quando levantei as teses e dissertações do banco de

dados da Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP e constatei que dentre um total

de 112 que tratam do tema “terceiro setor”, apenas duas o relacionam ao Serviço

Social e datam de 2000 e 2006.

O estudo que apresentamos organiza-se em três capítulos. O primeiro

capítulo tem a finalidade de contribuir como base para o debate sobre as

conseqüências trazidas pelo padrão de acumulação flexível, a implantação do

projeto neoliberal e a desresponsabilização do Estado no trato à questão social ou

pela reforma do Estado brasileiro, que nada mais é que um reflexo dessa conjuntura

apontada. Analisou-se também como esses processos, que em nosso entendimento

se inter-relacionam, estão transformando o mundo do trabalho e redimensionando

as políticas sociais, foco crucial para desenvolvimento desta pesquisa, já que

historicamente foi a implantação das políticas sociais pelo Estado que legitimou a

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institucionalização do Serviço Social. Assim, ao leitor atento, o capítulo aponta para

o momento como propício a compreensão dos espaços de inserção do assistente

social dentro do mercado de trabalho em suas novas configurações.

No segundo capítulo nos debruçamos sobre a trajetória histórica do “terceiro

setor” e sua concepção, destacando a fragilidade desse conceito e suas diferenças

quanto ao conceito de sociedade civil. Consideramos que este compõe um contexto

social amplo, resultante dos ditames do projeto neoliberal e sua conseqüente

reforma nas bases do Estado. Analisamos também a chamada responsabilidade

social e o discurso “humanista” presente no mundo empresarial, com forte

aproximação e interesses convergentes com o “terceiro setor”. Partimos para

apresentação geral das organizações e entidades pesquisadas, dando ênfase às

relações em torno dos recursos financeiros que as mantêm e como se dá ou não a

presença dos voluntários.

No capítulo terceiro, voltamo-nos à análise do fazer profissional do assistente

social no “terceiro setor” e às peculiaridades do campo de trabalho que demandam

assistentes sociais para o quadro de funcionário em determinadas condições.

Partimos de um breve histórico do Serviço Social, enquanto trabalho especializado,

para discutir pontos como: atividades, planejamento, valorização do trabalho,

autonomia, capacitação profissional, inserção política, com destaque para as redes

sócio-assistenciais e para a visão de cada sujeito a respeito do espaço público e do

privado.

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Metodologia da Pesquisa

Apreender um pouco da riqueza que os profissionais acumularam no decorrer

de sua atuação profissional no “terceiro setor”, tão marcado por suas peculiaridades

relacionadas ao projeto neoliberal, trazendo à tona suas concepções como sujeitos

que fazem história e os significados de suas experiências, são alguns dos meus

objetivos. Desse modo, disponho-me a sistematizar esse conhecimento, que é

latente e precisa ser organizado, até mesmo para poder tornar-se um subsídio para

os profissionais que estão em campo.

A partir dessa compreensão, fiz a escolha pela metodologia da “História Oral”,

pois ao estudar o exercício profissional, tendo apenas como base minha pequena

experiência, receio produzir algo distante do cotidiano dos profissionais e entendo

que essa metodologia, por dar voz ao sujeito e valorizar sua experiência em face às

exigências da divisão sócio-técnica do trabalho, permite uma pesquisa mais

coerente com a realidade.

A concentração do interesse do pesquisador em determinados problemas, a perspectiva em que se coloca para formulá-los, a escolha dos instrumentos de coleta e a análise do material não são nunca fortuitos; todo estudioso está sempre engajado nas questões que lhe atraíram a atenção, está sempre engajado, de forma profunda e muitas vezes inconsciente, naquilo que executa. (QUEIROZ, 1992, p. 13).

Minha monografia da graduação foi realizada em uma perspectiva quanti-

qualitativa; isso porque percebi que os dados (o quantitativo) acabaram ocupando

um espaço maior em alguns momentos do trabalho, fazendo com que fossem

ocultadas algumas passagens/ histórias que traziam em si pontos que poderiam

melhorar a compreensão do objeto. Assim, com uma maior ênfase na abordagem

qualitativa pude me aproximar mais das experiências vividas por aqueles

profissionais e as respostas para as questões que compunham meu objeto seriam

encontradas de forma mais profícua. “O dado numérico em si nos instrumentaliza,

mas não nos equipara para trabalhar com o real em movimento, na plenitude que

buscamos”. (MARTINELLI, 1999, p. 21).

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Os questionamentos que estiveram presentes no desenvolvimento da minha

monografia só foram possíveis de serem respondidos no ano após o término da

graduação, em 2006, quando iniciei no NIC - Núcleo de Estudo e Pesquisa

Identidade, Cultura e Historia Oral do Departamento de Serviço Social da

Universidade de Taubaté, sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Maria Fernanda Teixeira

Branco Costa2. A partir daí, comecei a pensar a História Oral e retomar as dúvidas

metodológicas que havia vivido.

(...) tornava-se fundamental buscar novas metodologias de pesquisa que mais do que buscar índices, modas, medianas, buscassem significados, mais do que buscar descrições, buscassem interpretações, mais do que buscar coleta de informações, buscassem sujeitos e suas histórias. Certamente, isso pressupõe um outro modo de fazer pesquisa, no qual não deixa de ser importante a informação quantitativa, mas sem que se excluam os dados qualitativos. Esses dados ganham vida com as informações outras, com os depoimentos, com as narrativas que os sujeitos nos trazem. (MARTINELLI, 1999, p. 21).

Essa experiência de repensar meu posicionamento de pesquisador foi muito

prazerosa e diferente, pois estou descobrindo que posso valorizar minha trajetória

subjetiva de pesquisadora. Embora a pesquisa sempre tenha me instigado, faltava-

me um relacionamento mais íntimo com ela. Processo este que também está

possibilitando um reconhecimento maior sobre mim mesma.

Na sua defesa do dado qualitativo, aponta Maria Isaura que o único caminho para transformar a subjetividade do pesquisador, de algo prejudicial para algo que permita a compreensão da realidade, seria através de uma “constante auto-crítica do pesquisador” Ela reitera, assim, o seu enunciado a respeito do “preparo do pesquisador” através da “auto- análise”. (KOSMINSKY, 1999, p. 80).

Mergulhar e trazer à tona os significados das experiências vividas pelos

assistentes sociais exige o contato “sujeito-sujeito”, ou seja, uma relação que se

estabelece entre pessoas que possuem igual importância em um contato direto.

Busca-se a singularidade do sujeito que só pode ser apreendida confrontando-a com

o todo, isto é, ninguém vive à parte de um contexto social, e este não é composto,

2 Trecho extraído da proposta de trabalho do NIC - Núcleo de Estudo e Pesquisa Identidade, Cultura e Historia Oral do Departamento de Serviço Social da Universidade de Taubaté, sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Maria Fernanda Teixeira Branco Costa.

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senão, pelo caráter singular de cada pessoa. Assim, os sujeitos sempre revelam

respostas singulares, como explica Portelli (1997, p. 16):

A essencialidade do indivíduo é salientada pelo fato de a História Oral dizer respeito a versões do passado, ou seja, à memória. A memória é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados. Em vista disso, as recordações podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese alguma, as lembranças de duas pessoas são – assim como as impressões digitais, ou, a bem da verdade, como as vozes – exatamente iguais.

É por meio da fala dos sujeitos que podemos apreender os sentidos que ele

constrói, cotidianamente, para exercer sua profissão. Isto é possível por que as

palavras são carregadas de sentido, elas são geradas pelos desejos e necessidades

humanas para depois, no pensamento, adquirir significados e ser exteriorizadas

constituindo-se em palavras.

(...) a linguagem tem a capacidade especial de nos fazer pensar enquanto falamos e ouvimos, nos fazer compreender nossos próprios pensamentos tanto quanto os dos outros que falam conosco. Ela nos faz pensar e nos dá o que pensar porque se refere a significados, tanto os já conhecidos por nós, bem como os que não conhecíamos e que descobrimos por estarmos conversando. (CHAUÍ, 2002, p. 149).

A História Oral, enquanto metodologia, permite por meio da coleta dos relatos

orais, identificar os elementos que compõem a experiência profissional, bem como a

percepção dos profissionais acerca de seu espaço de trabalho.

As narrações serão gravadas e transcritas, respeitando fidedignamente a

oralidade dos sujeitos. Assim, poderemos nos aproximar da compreensão de seus

pontos de vista e da realidade em que estão inseridos. Por isso, a escolha dos

sujeitos foi dirigida de acordo com as questões, ou seja, não teremos a preocupação

de definir uma “amostragem”, mas sim de encontrar sujeitos que tenham uma

história relacionada ao nosso objeto de estudo.

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Por conseguinte, para escolhermos os sujeitos da pesquisa, tivemos a

preocupação que fossem profissionais representativos, envolvidos com a profissão e

com os espaços de participação política. Desse modo, escolhemos para sujeitos

conselheiros da Assistência Social, que ao mesmo tempo também são assistentes

sociais inseridos no “terceiro setor”. Isso possibilitou análises contemplando o

“terceiro setor” dentro do espaço da Assistência Social, enquanto rede de serviços.

Ao total entrevistamos quatro sujeitos, dois do município de São José dos Campos,

por ter a maior população e uma rede sócio-assistencial de alta complexidade, um

de Caçapava e outro de Taubaté.

Como se pode notar, para delimitarmos o espaço geográfico da pesquisa,

optamos pelo Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, região entre leste do estado de

São Paulo e do sul do estado do Rio de Janeiro. Localiza-se às margens da rodovia

Presidente Dutra (BR-116), exatamente entre o Rio de Janeiro e São Paulo, dentro

da megalópole formada pelas duas capitais. Mais precisamente, nos delimitaremos

ao chamado Médio Vale, representado pelas cidades de São José dos Campos,

Caçapava e Taubaté, por ser a região de mais fácil acesso para a realização da

pesquisa.

O município de São Jose dos Campos é hoje um importante centro regional

de compras e serviços do Vale do Paraíba e possui uma população de

aproximadamente 610 mil habitantes. Seu processo de industrialização tomou

impulso a partir da instalação do Centro Técnico Aeroespacial – CTA, em 1950, e da

inauguração da Rodovia Presidente Dutra (1951), perpassando a parte urbana de

São José dos Campos. Nas décadas seguintes, com a consolidação da economia

industrial, São José dos Campos apresentou um crescimento demográfico

expressivo que também acelerou o processo de urbanização no município.

Segundo Brisola (2003, p. 79),

(...) a eleição do primeiro conselho de Assistência Social de São José dos Campos deu-se a partir de amplo movimento de plenárias realizadas com variados segmentos da sociedade civil – idosos, moradores de favela, portadores de necessidades especiais, entidades sociais, sindicatos, enfim, buscou-se envolver o maior número possível de segmentos, de forma a viabilizar a participação dos cidadãos. O processo culminou com a aprovação da proposta de projeto de lei na I Conferência Municipal da Assistência Social em

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São José dos Campos, realizada em setembro de 1995, com a presença de 254 participantes, sendo 251 delegados e 3 observadores.

Atualmente, o Conselho Municipal de Assistência Social conta com dois

assistentes sociais com vínculo empregatício no “terceiro setor”, um representando o

segmento família e outro representando o CRESS - São José dos Campos.

O Município de Caçapava possui uma população de cerca de 57 mil

habitantes e localiza-se à distância de aproximadamente 108 Km da capital do

Estado, à qual se interliga por meio das Rodovias Presidente Dutra, Ayrton Senna e

Carvalho Pinto. No sentido leste-oeste, o Município é atravessado pela Rede

Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), usada para transporte de cargas

pelo consórcio M. R. S., interligando-se às demais ferrovias do país que atingem os

principais centros urbanos do sul e sudeste, com acesso ao “Mercosul”.

Os primeiros habitantes de Caçapava foram os bandeirantes com suas

famílias. O ciclo do café trouxe um aumento da população. A exportação do café fez

promover o trabalho escravo e a imigração européia, principalmente dos italianos e

portugueses. O Município também foi o destino de muitos japoneses e sírio-

libaneses, que chegaram a partir do início do século XX. Com a industrialização do

Município, que vem ocorrendo nas últimas quatro décadas, instalaram-se ao longo

da Rodovia Presidente Dutra indústrias de vários ramos. Houve certa demanda de

migrantes vindos de outras partes do país, sobretudo da região nordeste. O

Município também serve como referência de hospedagem para inúmeros

trabalhadores, devido à proximidade com grandes centros urbanos como Taubaté e,

principalmente, São José dos Campos.

O Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) de Caçapava foi criado

em 26 de setembro de 1997 e possui duas assistentes sociais com vínculo

empregatício. No “terceiro setor”, elas representam os segmentos criança e

adolescente e idoso.

Taubaté é um município do estado de São Paulo, com área de 625,916 km² e

uma população de aproximadamente 271.660 habitantes. Localizado no Vale do

Paraíba, a 123 km da capital do estado, São Paulo, e a 280 km da cidade do Rio de

Janeiro, bem como a 90 km de Ubatuba no Litoral e a 45 km de Campos do Jordão

na Serra da Mantiqueira; portanto, situado num ponto intermediário entre as

mesmas, possui clima agradável. É o segundo maior pólo industrial e comercial da

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região, abrigando empresas como Volkswagen, Ford, LG, Alstom e Usiminas, dentre

outras, além da Aviação do Exército.

O Conselho Municipal de Taubaté foi criado pela Lei nº 4.046, de 04 de abril

de 2007, tem como competência, dentre outras, zelar pela efetivação do sistema

descentralizado e participativo da assistência social, atuar na formulação de

estratégias e controlar a execução da política de assistência social; aprovar o Plano

Municipal da Assistência Social, inscrever as entidades e organizações de

assistência social que prestem serviços no Município para os efeitos da Lei Orgânica

de Assistência Social, divulgar e promover a defesa dos direitos sócio-assistenciais,

etc. A posse do Conselho se deu em 27 de junho de 2007.

Fixada, pois, nesse espaço é que se realizou a presente pesquisa, ora

traduzindo e ora contrastando o relato dos assistentes sociais nela inseridos com o

referencial teórico adotado. Finalizo citando novamente Portelli (1997, p. 17), com

uma passagem que, de forma simples e rica, sintetiza muito do que expus até aqui.

(...) a História Oral não se concentra nas pessoas médias, mas não raro considera mais representativas aquelas que são extraordinárias ou incomparáveis. (...) o escravo que foi punido com cem chibatadas pode esclarecer mais a instituição da escravatura do que aqueles que chicoteados 0,7 vezes por ano.(...) Além disso, um contador de histórias criativo ou um brilhante artista da palavra constituem fonte de conhecimento tão rica quanto qualquer conjunto de estatísticas.

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Capítulo 1 - Globalização, neoliberalismo, reestruturação produtiva: processos que se inter-relacionam.

Este capítulo inicia-se situando historicamente os fenômenos: neoliberalismo,

reestruturação produtiva e globalização, na sua característica de inter-

relacionamento, cujos resultados são as transformações contemporâneas, detendo-

se principalmente naquelas que envolvem o mundo do trabalho. Evidentemente, não

será possível analisar esses fenômenos em profundidade, o que se faz aqui é uma

busca de análise de nosso objeto a partir dessa conjuntura.

No decorrer do trabalho, nos preocuparemos em como essas mudanças

perpassam também a profissão do Serviço Social, entendendo-a de modo exógeno,

para desvendar os desafios impostos por esse triplo fenômeno para os assistentes

sociais e para os trabalhadores de uma forma em geral.

Parte-se do entendimento de que, para compreensão das conseqüências do

processo de transformações do mundo do trabalho para a categoria dos assistentes

sociais, é necessário recorrer a uma contextualização histórica. Tais transformações

tiveram como eixo de referência a reestruturação produtiva, datada da crise do

capitalismo dos anos 70 do século passado, que teve entre suas principais

expressões os ditames do projeto neoliberal e sua conseqüente influência na

reforma das estruturas do Estado.

Conforme Perry Anderson (2002, p. 09), na sua análise “Balanço do

Neoliberalismo”, as idéias neoliberais foram pensadas bem antes da crise de 70.

O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944.

Para Anderson (2002), Hayek acreditava que o capitalismo corria perigos por

dois motivos principais: os gastos trazidos pelo Estado intervencionista, que

relativamente eliminava as diferenças sociais e, nessa compreensão, desestimulava

a moralidade do trabalho e, conseqüentemente, diminuía a prosperidade, pois esta

dependeria da concorrência. Também, segundo Hayek, a intervenção/ regulação do

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Estado na economia ameaçava a liberdade, até mesmo política, conduzindo a um

desastre próximo ao que foi o nazismo alemão. Nas décadas 1950 e 1960 essas

idéias não conseguem aderência na sociedade, já que o capitalismo vive a chamada

idade do ouro. Apenas quando o capitalismo começa a se desgastar e procura uma

nova estratégia para se manter é que essas idéias ganham forças.

As raízes da crise, afirmam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais. (ANDERSON, 2002, p. 10).

Assim, o neoliberalismo é uma ideologia política que se firma com o objetivo

de deter a inflação e recuperar os lucros perdidos com a crise referida acima. O

Estado deixa de ser um “vigia da economia” e passa a ser um instrumento de apoio

ao processo de acumulação do capital. Sabemos que o posicionamento do Estado

sempre é o de servir à manutenção do poder dominante, por isso, quando o

momento histórico coloca em xeque a classe dominante, o Estado passa a adotar

novas estratégias e transforma até mesmo seu modo de intervir na sociedade.

Resulta, pois, que a perspectiva neoliberal cria a tese do Estado mínimo, no qual o

Estado deve reformar a administração, com medidas como: corte de gastos,

contenção de crédito, diminuição dos tributos sobre as empresas, retomada do

equilíbrio orçamentário com a eliminação do déficit público, enfim, medidas que

tenham a finalidade de proteger o próprio capital e, por conseguinte, o

empresariado.

Para entendermos a importância do controle do Estado para uma determinada classe

social, cito Stavenhagen:

As relações que existem numa época determinada entre as classes da sociedade se refletem na estrutura do poder e no Estado. Se bem que o Estado represente, geralmente, os interesses da classe dominante, ele pode, na prática, muitas vezes, expressar um compromisso entre diferentes classes e frações de classes. Mas enquanto existirem contradições entre as forças de produção na sociedade, ou seja, entre as classes sociais, a luta política das

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classes terá sempre por objetivo o controle do poder do Estado (VELHO; PALMEIRA; BERTELLI, 1969, p. 136).

Ao mesmo tempo em que o Estado se reestrutura, o mundo do trabalho

também sofre a chamada reestruturação produtiva, fruto do esgotamento do padrão

fordista/ taylorista3, advindo da crise de acumulação do capital, na década de 1970,

na qual se sentiu a necessidade de um modelo que fosse capaz de revolucionar os

padrões de produção e sistema de estoque; o modelo que responde a essa

necessidade é o chamado “toyotista” ou “acumulação flexível”. Instaura-se uma nova

era de produção que:

[...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. (HARVEY apud ANTUNES, 1995, p. 21).

Os motivos que realmente levaram à crise financeira foram os excessos

provocados pelo fordismo e taylorismo; a ideologia neoliberal, porém, utiliza deste

momento para atacar o Estado intervencionista, indicando os gastos com as

políticas públicas como um dos responsáveis pela crise. Assim, direitos já

conquistados foram sendo retirados da classe trabalhadora e os gastos com as

políticas sociais foram diminuídos com cortes de serviços prestados à população e

com a queda de qualidade dos serviços que continuaram, buscando-se, assim,

atingir o maior dos objetivos da reestruturação que era a volta do acúmulo de capital.

O objetivo de toda reengenharia utilizada nas empresas é o corte de gastos,

que no nosso cotidiano é o corte de pessoas, ou sua diminuição dos salários, por

meio da equacionalização das funções, a fim de tornar a empresa mais competitiva.

3 “A estratégia de organização – taylorista/fordista do processo produtivo implica a produção em série e em massa para o consumo massivo, uma rígida divisão de tarefas entre os executores e planejadores, o trabalho parcelar e fragmentado e a constituição da figura do operário-massa. Essa base de organização do processo de trabalho demarca o padrão industrial do pós-guerra, complementando com políticas anti-cíclicas levadas a efeito pelo Estado, impulsionadoras do crescimento econômico. (IAMAMOTO, 2001, p. 115).

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A todo o momento que o capitalismo sente-se ameaçado, temos em nossas vidas

um resultado mais catastrófico. Esta situação não ocorre por ser necessária, como

analisado por Perry Anderson. Para o neoliberalismo, a desigualdade é saudável

para economia, assim, a taxa de desemprego é impulsionada, objetivando criar um

exército de mão-de-obra reserva para quebrar e fragilizar os sindicatos.

O neoliberalismo não conseguiu atingir todos seus objetivos porque a

desregulação do mercado gerou condições para que o capital fosse mais investido

em especulação financeira do que em produção. Sabemos que nunca os bancos

tiveram um lucro tão alto quanto após a propagação do ideário neoliberal. E

também por conta do aumento do desemprego, impulsionado pelo neoliberalismo, o

Estado continuou a gastar com políticas públicas para a manutenção da

sobrevivência da população, mesmo tentando diminuir esses gastos.

A partir do ano de 1989, com a queda do muro de Berlin, a estrutura

econômica, política e geográfica do mundo passa a ser redesenhada, podendo, este

ano e a década que o segue, serem considerados aceleradores do tempo histórico.

Nesse período, o mundo vê o capitalismo comemorar sua vitória sobre a derrocada

do socialismo; com ela surgem novos mercados a serem conquistados e novas

potências dão início ao processo mundial de globalização. Esta pode ser entendida

como o fim das fronteiras para o capital, não existindo mais leis de controle

econômico; o próprio capital é quem faz suas próprias leis. (HOBSBAWM, 1995).

Nesse período, o neoliberalismo se reafirma, já que sempre declarou como

uma de suas metas a destruição do comunismo, e se renova, num momento em que

começavam a evidenciar seus limites, uma vez que boa parte do leste europeu

passa a ser “reformada” com base nesse projeto. Assim, o neoliberalismo vai

ganhando hegemonia entre partidos e governos, tanto de direita quanto de

esquerda, refletindo-se em privatizações massivas.

Ao neoliberalismo e ao processo de reestruturação produtiva combina-se

esse processo de globalização que trouxe consigo o acirramento da competitividade,

fazendo com que as grandes corporações buscassem alternativas de disputa por

mercados. Por isso, conhecidas marcas foram perdendo suas raízes, pois seu

território e seus produtos passaram a ser padronizados pelo planeta. O que define

onde determinada parte do produto será produzida são as vantagens financeiras que

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cada local oferece. Mas o que realmente marca a globalização é o fortalecimento do

mercado financeiro, que vem gerando mais lucro e acumulação que qualquer outro

setor que compõe a economia. Para isso ele impulsiona a tecnologia de modo que

as transações ocorram por todo o mundo ao mesmo tempo. Tornou as relações

sociais efêmeras e distantes, com a sensação de proximidade, assim mudou o

sentido do tempo e do espaço. Citando Giddens (1991, p. 69):

A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorridos a muitas milhas de distância e vice-versa.

Conforme analisado por Viviane Forrester (1997), vivemos um novo mundo,

que possui um modelo inédito, o da cibernética, da automação, das tecnologias

revolucionárias e que agora exerce o poder, tornando-se tão distante da nossa vida,

que parece até mesmo que ele só existe na imaginação. A autora entende que está

bem mais evidente a preocupação em criar o virtual, fazer novas combinações,

negociar valores, mesmo antes de eles existirem. Enquanto isso, a vida da

sociedade em geral, está sendo governada, sem que nós possamos participar da

maioria das decisões, sem que muitas pessoas não consigam nem ao menos

acessar projetos de assistência social. A grande maioria da sociedade continua

acreditando que nada disso, nem as decisões políticas e econômicas e nem a

miséria social, nos dizem respeito.

Em suma, entendemos que a globalização é um fenômeno de reorganização

social, a reestruturação produtiva é de reorganização do mercado de trabalho, o

neoliberalismo é a ideologia que orienta as duas e a manutenção do capitalismo é o

objetivo dos três. “Tudo o que podemos dizer é que este é um movimento ideológico,

em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no

passado”. (ANDERSON, 2002, p. 22).

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1.1 - O discurso humanista do mundo do trabalho e o processo ideológico.

A reestruturação produtiva não comporta apenas aspectos referentes à

engenharia da produção, mas ao contrário, talvez, sua maior cartada tenha sido a

nova imagem que vem adotando, expressado por alternativas compostas de

políticas que basicamente se referem a dois âmbitos: o da qualidade e o da

responsabilidade social. Ambos são marcados pela ofensiva neoliberal que reveste a

empresa com um discurso humanista, para atingir um diferencial na sua imagem, ou

seja, uma estratégia de marketing que “agrega valor” ao que a empresa representa

para a sociedade. Isso pode ser percebido no fato das empresas se referirem aos

funcionários como seus “colaboradores”.

É óbvio que os funcionários são quem produz a riqueza da empresa, mas

esta se apropria da riqueza produzida através da exploração aos trabalhadores,

demonstrando o quanto esse discurso é ideológico e só gera vantagens para a

empresa, pois enquanto o trabalhador acredita que ele e a empresa são parceiros, já

que colaboração traz a idéia de mutualidade, ele está sendo explorado.

Também é muito comum a empresa incentivar os funcionários a criar novos

produtos e repensar os processos de trabalho, de forma que atinja a diminuição de

custos. Em troca o funcionário recebe um prêmio concreto podendo ser valor

financeiro ou não, e também seu agradecimento, reconhecendo e destacando este

funcionário diante dos outros, enquanto que a empresa por um longo período lucrará

com aquela idéia, mesmo que demita esse funcionário.

Mesmo assim, os trabalhadores continuarão elevando os níveis de

produtividade da empresa sem perceber que ela está diminuindo seus salários,

flexibilizando seus direitos, necessariamente explorando a capacidade física e

intelectual do trabalhador. Esta é uma das formas pela qual podemos notar que a

globalização, a reestruturação produtiva e o neoliberalismo são estratégias que se

entrecruzam; embora sejam diferenciadas, elas apóiam-se em busca do mesmo

objetivo: a manutenção do capitalismo, através do controle sobre a classe

trabalhadora e das idéias presentes em nossas vidas.

Assim, quando o trabalhador sente que não atingiu seu objetivo, ele sente que

seu fracasso é individual. Além desse discurso, na busca por novos mercados o

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conceito de qualidade total4 também emergiu, visto constituir uma maneira de

conseguir a aprovação do consumidor, apresentando-se de uma forma material e

simbólica através dos selos de certificação, que significam excelência em produção

ou prestação de serviços, o que, logicamente, resulta em facilidades de créditos

para a empresa.

Sabemos que para o mercado esta qualidade refere-se apenas ao resultado

do processo, que gera o produto final. Porém, não é apenas a qualidade do produto

que se propaga, a qualidade é propagada também como qualidade de vida para

todos. Trata-se de um discurso que não se concretiza na vida dos trabalhadores.

Concluindo, aquilo que é lógica do discurso empresarial e da classe dominante, por

meio da ideologia, transmitida por meio das propagandas, passa a ser a lógica

acreditada por todos.

4 “Fala-se cada vez mais em qualidade total, que é apresentada como qualidade das condições de trabalho e qualidade de vida, mas visa, de fato, a rentabilidade do capital investido, voltada ao trabalhador produzir mais com menos custo, tendo em vista maior lucratividade. (IAMAMOTO, 1999, p.116).

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1.2 - Processos que se inter-relacionam e suas conseqüências para a política social no Brasil

Hayek nunca considerou a democracia como valor central do neoliberalismo.

Entendia que a liberdade e a democracia poderiam consistir em um problema, se

cada indivíduo dispusesse de sua renda e de sua propriedade como bem quisesse.

Isso propiciou a existência na América Latina de um programa neoliberal baseado

em ditaduras de qualidade cruel. “O Chile de Pinochet começou seus programas de

maneira mais dura: desregulação, desemprego massivo, repressão sindical,

redistribuição de renda em favor dos ricos, privatização dos bens públicos”.

(ANDERSON, 2002, p. 19).

Nos países latinos que adotaram programas neoliberais, concentrou-se mais

poder no executivo, por isso tiveram sua legislação alterada e as constituições

golpeadas com reformas e emendas. Os governos que desejavam implantar gestões

neoliberais utilizavam-se de uma estratégia que elevava a inflação a picos e depois

apresentava o programa neoliberal como a única solução, o que não difere do que

os setores dominantes vêm fazendo na área social. O neoliberalismo utiliza

estratégias variadas para falir o atendimento dos serviços prestados pelo Estado,

fazendo com que este diminua o repasse de recurso, privatize alguns serviços, para

depois lhe dar o título de incompetente e se apossar dele.

Então, no Brasil, principalmente a partir do Governo Collor, intensificada pelo

Governo de Fernando Henrique Cardoso e continuada pelo governo atual, mesmo

com suas particularidades, a política neoliberal atribuindo ao Estado o título de

incompetente, cria um espaço para a privatização dos serviços públicos.

Conseqüentemente a esta lógica, se o Estado era incompetente, as empresas

mantidas por ele também seriam, pois não tinham concorrência e comportavam um

número grande de funcionários obsoletos, gerando gastos dispendiosos, o que

colaborava no crescimento da dívida pública.

No entanto, a privatização não conseguiu gerar melhores resultados; primeiro

porque o governo assumiu as dívidas trabalhistas dos funcionários demitidos de

várias delas; segundo porque a venda das estatais não abateu a dívida pública, visto

que, tanto a dívida externa quanto a interna, cresceu assustadoramente nesse

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período; e, por fim, porque os serviços prestados pela empresas privatizadas caíram

em qualidade e aumentaram os preços, como nos casos da energia elétrica e

telecomunicações. No Brasil, estas últimas têm sido recordistas em reclamações

registradas contra elas nos serviços de defesa do direito de consumidor. Além disso,

reduziram os empregos, por meio de processo de enxugamento e terceirização.

(LESBAUPIN; MINEIRO, 2002).

As privatizações deveriam gerar recursos destinados à redução da dívida pública, segundo o governo. No entanto, a despeito da alienação de cerca de 75% do patrimônio público, a dívida líquida do setor público, puxada pelos juros elevados e pela redução do ritmo do crescimento econômico, não parou de crescer, criando crescentes dúvidas sobre a capacidade de pagamento federal, dos estados e municípios. (MATTOSO, 2002, p. 28).

Biondi (2003, p. 8) define a política de privatização do governo brasileiro como “negócio da China” para os “compradores”, mas péssimo para o Brasil.

Assim é a privatização brasileira: o governo financia a compra no leilão, vende “moedas podres” a longo prazo e ainda financia os investimentos que os “compradores” precisam fazer – até a Light recebeu um empréstimo de 730 milhões de reais no ano passado. E, para aumentar o lucro dos futuros “compradores”, o governo engole dívidas bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente e até aumenta tarifas e preços antes da privatização.

Biondi (2003) faz várias denúncias vergonhosas quanto ao processo de privatização

brasileiro, dentre elas destacamos:

• Na maioria das privatizações, os valores foram pagos em prestações e com juros

vergonhosamente baixos, fato muito bem escondido pela mídia.

• Ao fazer as primeiras privatizações, o governo aceitou “moedas podres”, isto é,

títulos antigos emitidos pelo governo que podiam ser comprados até pela metade do

preço. Resultando, em apenas uma volta de parcela da dívida do governo em títulos,

sendo nula a entrada de dinheiro nos cofres públicos. Na verdade, essas estatais

foram compradas pela metade do preço anunciado e ainda, os títulos foram

financiados em até 12 anos.

• Depois de “comprarem” as estatais, as empresas privadas ainda ganham

empréstimos a juros baixos, explicando assim, os lucros das empresas privatizadas.

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• Próximo à privatização, o governo dobrou os investimentos nas estatais, tudo isso

gerou um aumento da dívida do país e um programa de “ajuste fiscal”, reduzindo os

investimentos no atendimento às necessidades da população.

Fica claro que o processo de privatização do governo FHC, atribuindo ao

Estado um título de incompetência, teve por objetivo privilegiar as multinacionais em

detrimento do interesse público.

Analisando as conseqüências da passagem da responsabilidade estatal para

a sociedade civil nos países da América Latina, percebemos que a precarização no

atendimento à população tende a ser maior. Primeiro por constituirmos países

dependentes do imperialismo norte-americano, que tem a obrigação de cumprir com

as ordens dos organismos financeiros internacionais, e segundo porque nunca

houve de fato uma prestação de serviços de qualidade à população, por parte do

Estado brasileiro. O governo brasileiro sabe acompanhar bem as recomendações

dos organismos internacionais, utilizando políticas sociais cada vez mais limitadas,

mais minimizadas, desmontando o serviço público.

Segundo Gaudêncio Frigotto (2001), vemos que nesse período, quem dirige a

vida social são os grandes organismos do capital. O Consenso de Washington5 e

suas conseqüências demonstram claramente essa dominação. O Fundo Monetário

Internacional, o Banco Mundial e a Organização Internacional do Trabalho interferem

no nosso cotidiano adaptando-o aos seus interesses privados. Cada vez mais o

capital está se reproduzindo por si mesmo, através de dois elementos de

importância: o conhecimento e a tecnologia, que fazem com que o capital vá se

desprendendo da força de trabalho. Ficamos à mercê dos interesses do capital que,

por estar se tornando independente da mão-de-obra, de fronteiras e de mercado,

acabam minimizando seus gastos, ao mesmo tempo em que maximizam seu lucro.

Com isso, a globalização contribui para o aumento do desemprego e

proliferação da pobreza que atinge países subdesenvolvidos e desenvolvidos.

5 Consenso de Washington refere-se a uma reunião realizada em “em novembro de 1989 (...) entre os organismos de financiamento internacional de Bretton Woods (FMI, BID, Banco Mundial), funcionários do governo americano e economistas latinos-americanos, para avaliar reformas econômicas da América Latina, o que ficou conhecido como Consenso de Washington”. (MONTAÑO, 2002, p. 29). Nesta reunião definiu os caminhos que os países subdesenvolvidos deveriam trilhar para alcançar o desenvolvimento.

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Então, concluímos que estamos diante de uma pobreza globalizada. No entanto, não

podemos deixar de considerar que a globalização não é um processo que pretende

ser homogêneo, pelo contrário, aumenta a exclusão social6, ao mesmo tempo em

que acumula riquezas para os setores dominantes. Neste sentido, é verdadeira a

afirmação de Mattoso (2002, p. 35) que:

[...] o Brasil é um caso exemplar de aceitação das regras do Consenso de Washington, que redundaram neste constrangimento ao crescimento. As aberturas comercial e financeira, em sua forma passiva e subordinada, conduziram à sobrevalorização cambial com juros elevados e ao progressivo constrangimento do crescimento.

Complementando a afirmação anterior, o mesmo autor aponta para ampla

subordinação ao capital financeiro internacional e para a ausência de resultados

positivos desta postura para a população brasileira.

A mundialização de bens e capitais sob a supremacia do capital financeiro não trouxe a esperada convergência da riqueza nas nações, mas a reafirmação da hegemonia e da centralidade dos Estados Unidos, que de Washington distribuiu seu consenso. Para os países que abandonaram um projeto nacional próprio, o Consenso de Washington tornou-se um must, uma política única de um pensamento único, cujos comportamentos desviantes seriam combatidos com os movimentos voláteis e disciplinadores do capital financeiro. (MATTOSO, 2002, p. 23).

A globalização colaborou para o processo de redução dos postos de trabalho,

porque todo o lucro da produção é destinado ao país de origem da empresa, assim

ela não favorece o crescimento da economia, fundamental para geração de

empregos. Favorece, também, a importação de produtos de países desenvolvidos

para subdesenvolvidos, gerando uma transferência da nossa riqueza para outro país

e junto com ela nossos empregos.

6 (...) a noção de exclusão social estende a noção de capacidade aquisitiva relacionando a pobreza a outras condições atitudinais, comportamentais, que não se referem tão-só à capacidade de retenção de bens. Conseqüentemente, pobre é o que não tem, enquanto excluído pode ser rico, mas discriminado em razão da cor negra, opção sexual, gênero, idade etc. (SPOSATI, 1999, p. 66).

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A globalização financeira e a livre mobilidade de bens e capitais têm induzido os países da periferia que se integram subordinadamente à economia global a adotarem aberturas financeira e comercial indiscriminada e taxas de juros elevadas como forma de atrair capitais, tornando crescentemente problemático o desenvolvimento sustentado de suas economias. (MATTOSO, 2002, p. 26).

Além do desemprego, as empresas também se fortalecem enfraquecendo os

sindicatos, estes conseguem menos acordos coletivos e sentem dificuldade em

reverter os salários baixos, o que resulta na queda do nível de sindicalização. Hoje,

os sindicatos passaram a lutar mais pela manutenção dos direitos do que pela

conquista, já que os atuais sofrem ameaças contínuas. O INSS (Instituto Nacional de

Seguridade Social) adota critérios cada vez mais rígidos para os segurados, se é

que podemos classificar o contribuinte assim, já que está cada vez mais difícil o

acesso aos benefícios garantidos ao trabalhador.

A miséria humana é expressa de forma fria pelos números, ocultando a

situação real vivida pelo trabalhador e sua família. A mídia costuma atribuir o

desemprego à falta de qualificação pessoal, transmitindo a falsa idéia de que

existem os empregos, porém, são as pessoas que não estão preparadas para

assumi-los. Ainda a precarização das condições de trabalho é menos visível do que

o desemprego, considerando o crescimento da informalidade como a única saída

para milhões de pessoas.

Outra conseqüência desse processo de “reforma” do país aos moldes dos

países hegemônicos, está sendo vista num movimento de ampla reforma da

legislação vigente. Vemos o caso da nossa Constituição de 1988, que foi fruto da

conquista dos trabalhos e hoje vem sofrendo com tantas emendas, que aos poucos

estão descaracterizando aquela constituição resultante da luta da sociedade civil

organizada. Conforme Rouanet (1993, p. 25):

Não se trata, com isso, de desqualificar a liberdade “formal”. A liberdade institucionalizada nos regimes constitucionais do Ocidente serviu de moldura para centenas de lutas sociais que redundaram na efetiva melhoria das condições da classe operária de desfrutar de fato de seus direitos civis e políticos, e nesse sentido ela nada tinha de formal. Sem liberdade jurídica não há liberdade substantiva. É preciso partir da liberdade, no sentido jurídico, para chegar à liberdade, no sentido material.

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A tabela a seguir demonstra essa transformação constitucional em uma área

apenas, a do trabalho, que é o foco desta pesquisa, mas que também não se

diferencia de outras áreas.

Principais Mudanças na Legislação Trabalhistas a Partir do Plano Real

Medida Instrumento Data

Regulamentação da participação dos trabalhadores

nos lucros e resultados

MP 794

Lei nº 10.101

1994

2000

Regulamentação das cooperativas Lei nº 8.949 1994

Desindexação salarial MP 1.053 1995

Denúncia da convenção 158 da OIT (vigorou por 10

meses)

Decreto 2.100 1996

Desvinculação da correção do salário mínimo de

qualquer índice de reposição da inflação

MP 1.906 1997

Precarização das relações de trabalho dos

funcionários públicos

• Limitação de dirigentes das associações de

classe

• Controle das negociações salariais nas

empresas salariais

Decreto 2.066 1996

• Reforma administrativa com flexibilização de

direitos;

• Arrocho salarial;

• Não reconhecimento do direito de greve

Decreto 2.028 1996

Adoção do contrato por prazo determinado Lei nº 9.061 e

Decreto 2.490

1998

Regulamentação do banco de horas Lei nº 9.061 e

Decreto 2.490

1998

Suspensão temporária do contrato de Trabalho MP 1.726 1998

Regulamentação da Jornada parcial (com redução

proporcional de salários e benefícios)

MP 1.726 1998

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Aumento do período de 4 meses para um ano para

compensação de jornada extra através do banco de

horas

MP 1.727 1998

Proposta de alteração do arcabouço institucional das

relações de trabalho

Proposta de

Emenda

Constitucional nº

623

1998

Instituição das Comissões de Conciliação Prévia –

CCP

Lei nº 8.959 2000

Procedimento Sumaríssimo (julgamento entre 15 e

30 dias)

Lei nº 9.957 2000

Extinção do Juiz Classista

Flexibilização do artigo 7 Da Constituição Federal –

Possibilidade da negociação coletiva flexibilizar a

CLT.

Já foi aprovado na

Câmara dos

Deputados. Nesse

momento se

encontra no Senado

Federal e o

Governo acena com

a possibilidade de

postergar a

tramitação para o

início de 2003

2001

Fonte: Le Monde Diplomatique. (LESBAUPIN; MINEIRO, 2002, p. 26-27).

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1.3 - A reforma do Estado Brasileiro

Ao serem modificadas as condições históricas do processo de acumulação

capitalista com os processos de globalização e ajuste neoliberal, o Estado moderno

também tem que modificar suas atribuições, pois está à mercê do capital. Assim, em

nome da competitividade do mercado, as leis trabalhistas são alteradas e o Estado

passa por um processo de reforma em suas bases.

O Brasil possui uma inserção subalterna na ordem mundial. A nação

brasileira, em sua gênese, traz a marca do personalismo e da troca de favores, dos

desmandos dos poderosos e da ausência de poder dos trabalhadores. Dessa cultura

resulta o patrimonialismo, no qual os interesses privados da elite prevalecem sobre

os coletivos.

(...) a proposta neoliberal é a de cortar ainda mais o gastos públicos, agravando a já iníqua situação de alocação de recursos para as políticas sociais. Essa perversa combinação vem gerando um círculo vicioso, cuja ruptura tem sido marcada por propostas de “reformas” no âmbito social que nem sequer têm minimizado aquilo que se considera como “seqüelas transitórias” do ajuste. Pelo contrário, sob a denominação de “reformas” têm-se provocado na América Latina processos de desmonte dos incipientes aparatos públicos de proteção social. (SOARES, 2000, p. 71).

A reforma do Estado não é um fenômeno isolado; está inserida nas mudanças

internacionais. Ela expressa a concretização de um movimento conservador que

quer suprimir o Estado de Bem-estar Social.

Este tema entra nos debates políticos em 1980. Os países que iniciaram as

reformas liberais foram Inglaterra, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália e vários

outros países europeus, como Alemanha e Itália. Na América Latina, Chile, México e

Argentina foram os países que iniciaram as experiências de reforma do Estado,

ainda na década de 1980.

A reforma tinha por objetivo ampliar o poder do mercado e manter a

lucratividade dos investimentos, com ajustes fiscais e ofensiva contra os salários,

atacando a legislação trabalhista e terceirizando a mão de obra. Oliveira (SADER;

GENTILLI, 1999, p. 68), assim define a reforma do Estado brasileiro:

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A reforma do Estado brasileiro na era da globalização, quase sem exagerar (embora os que me conhecem sabem que sou dado ao exagero), parece um esforço das classes dominantes em fazer cumprir um dos mais sombrios anátemas de Marx e Engels no Manifesto. Aquele que dizia que os governos não passam de comitês executivos da burguesia. O governo brasileiro, os governos latino-americanos em geral, se esforçam pra estar entre os primeiros e mais fiéis a homenageá-los, fazendo valer seus mais sombrios anátemas. Que estranha homenagem! Bem que o presidente brasileiro, que teve Marx e Engels como mestres, no passado, poderia achar outra maneira melhor de render-lhes tributo!

Os países passam a se integrar em blocos supranacionais. Como exemplo,

em 1994, cria-se a Organização Mundial do Comércio, que altera as políticas

domésticas dos governos nacionais e diminui a autonomia dos Estados que a

integram. O Mercosul possui baixa complementaridade comercial entre os parceiros,

pois eles disputam mercado por produtos similares.

Em nossa avaliação, essa disputa por mercados gera problemas internos aos

países, já que para atrair o investimento interno fazem-se propostas de relaxamento

de legislação, doação de terrenos e, na maioria das vezes, esse investimento não

melhora a vida da população, não há um retorno eficaz por parte das empresas.

Borón (SADER; GENTILLI, 1999, p. 38) chama a atenção para o poderio das

empresas privadas, que além de assumirem um tamanho estatal, interferem em

seus mecanismos decisórios, a favor de seus interesses particulares.

Contudo, no final do século XX, se pode construir um argumento que inverte radicalmente os termos da proposta hobbesiana. Em que sentido? No sentido de que os Leviatãs agora são muitos, e não só um, como queria o filósofo político. E, mais importante ainda, esses Leviatãs são privados, são as grandes empresas que, nas últimas décadas, garantiram seu predomínio nos mercados mundiais até limites inimagináveis faz poucos anos. Como sabemos, o poderio que hoje caracteriza os megacomglomerados da economia mundial – gigantescas burocracias privadas que não prestam conta a ninguém nem a nada – não tem precedentes na história.

No processo de reforma do Estado, o governo FHC desvinculou os gastos do

governo da União, através de um Fundo de Estabilização Fiscal, o que em nossa

opinião significa um desrespeito com o direito da população de controlar esses

gastos, além de ser uma medida inconstitucional.

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Essa reforma, na visão de Oliveira (SADER; GENTILLI, 1999, p. 72), atinge

tanto as classes dominantes quanto as dominadas.

A reforma do Estado era dos dois lados, um tema candente, atual e central da luta política, sob todos os ângulos. Não é à toa que ela esteve no centro das últimas campanhas políticas. A agenda da última década foi pautada toda ela em torno da reforma do Estado. Quando se fala de privatização, quando se fala de reforma do estatuto de funcionários, está se falando da questão do Estado. Essa questão era e continua sendo crucial para os dois blocos principais, esquematicamente, os dois blocos que em duas grandes eleições, em 89 e 94, debateram propostas que distinguiam perfeitamente os dominantes procurando redefinir o papel do Estado no controle dos dominados, enquanto a oposição procurava precisamente utilizar o Estado para aumentar os conteúdos e espaços de autonomia dos movimentos populares: porque é disso que se trata, quando se fala de reforma do Estado, do ângulo popular e do ângulo das classes e do grande bloco dominante.

Para atrair o capital externo, o governo deixa de proteger a indústria nacional,

e esta perde competitividade. Esse capital especulativo, ao primeiro sinal de risco,

abandona o país levando seu lucro e sem deixar novos empregos. Por isso, somos

favoráveis à denominada taxa Tobin, que significa um controle ao capital

especulativo.

Enquanto imposto sobre as transações cambiais com fins especulativos, o tributo Tobin inaugura uma forma de relação entre o público e o privado, completamente diferente da espécie habitual de aliança entre a esfera política e a financeira (...): Tributar as operações de câmbio para penalizar a especulação, controlar o movimento de capitais de curto prazo significa fazer uma séria advertência política aos principais agentes econômicos e afirmar que o interesse geral deve prevalecer sobre os interesses particulares e a necessidade de desenvolvimento sobre a especulação internacional. (CHESNAIS, 1999, p. 12).

Outro problema do nosso país é que a carga tributária só afeta empresas

pequenas e de médio porte e penaliza os consumidores.

Conseqüentemente, o problema de nossa região não é senão o fato de que nossos sistemas tributários são incrivelmente regressivos, arrecadam pouco ou mal – principalmente entre os assalariados e os pobres – e tolera a evasão e o engano tributário das grandes empresas e das grandes fortunas, que estão consideravelmente

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menos taxadas do que no mundo desenvolvido. (SADER; GENTILLI, 1999, p. 53).

FHC propõe uma reforma na administração pública com base em uma

administração gerencial, ou seja, uma discussão técnica esvaziada de conteúdo

político. Buscou ajuda da grande mídia, que respondeu em apoio à reforma em

nome do medo da volta da inflação. Acreditamos que quanto a essa questão caiba a

crítica de Boaventura (2000, p. 331).

A modernidade tem uma maneira peculiar de combinar a grandeza do futuro com a sua miniaturização, isto é, de classificar e fragmentar os grandes objectivos do progresso infinito em soluções técnicas que se distinguem essencialmente pelo facto de a sua credibilidade transcender aquilo que a técnica pode garantir. As soluções técnicas, que são parte integrante da cultura instrumental da modernidade, têm um excesso de credibilidade que oculta e neutraliza o seu défice de capacidade. Daí que tais soluções não nos incentivem a pensar o futuro, até porque elas próprias já deixaram de pensar a muito tempo.

Para o bloco dominante, a crise do Estado seria desatada pelo corte de

gastos públicos e privatização das empresas. Fica claro que o processo de

privatização do governo FHC, atribuindo ao Estado o título de incompetente, teve

por objetivo privilegiar as multinacionais em detrimento do interesse público.

O Plano Diretor que orientou a reforma do Estado tinha por base que o

Estado deveria estar fora do setor produtivo e de que a crise do Estado relacionava-

se aos gastos sociais.

Sabemos que os custos das demandas sociais é argumento clássico das

reformas neoliberais, utilizado desde a década de 1970 até os dias de hoje. Por isso,

mesmo com a Constituição Federal de 1988, a Política Social ficou aquém do

necessário, devido às exigências do Banco Mundial.

Foi uma reforma do papel do Estado, na qual reformar significou transferir

para o setor privado tudo que fosse possível.

Fernando Henrique afirmou ser contra a tese do Estado mínimo, o esforço do

seu governo era no sentido de fortalecer o Estado, centralizando o poder na esfera

federal. Então, na verdade, FHC não fortaleceu o Estado, apenas o reestruturou.

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A administração gerencial prevê maior autonomia na gestão orçamentária,

financeira, pessoal, de compras e contratações, ou seja, em nossa opinião, menos

controle dos gastos públicos.

O Estado impulsionou a criação de parcerias, criando legislação para firmar

contratos de gestão. Ora, é ilusório pensarmos em parceria, já que esta pressupõe

atividades em um mesmo nível de colaboração; o que ocorre na realidade é a

transferência de recursos para as organizações sociais que prestam serviços, mas

em que não há uma fiscalização eficaz sobre os gastos e sua atuação. Assim,

podemos concluir que tais contratos não passam de uma terceirização do setor

público.

É uma maneira de transferir os custos e responsabilidades do Estado para a

sociedade civil, já que pela proposta liberal o Estado deve ficar menos na área social

e mais forte na organização das condições gerais para a manutenção do lucro

privado.

O esvaziamento do setor público e o conseqüente desmantelamento de seus serviços sociais fizeram-se acompanhar por um retrocesso histórico, qual seja, o retorno à família e aos órgãos da sociedade civil sem fins lucrativos, como agentes do bem-estar social. Isto vem implicando a renúncia explícita do Estado em assumir sua responsabilidade na prestação de serviços sociais (sobretudo saúde e educação) em bases universais. (SOARES, 2000, p. 80).

No Plano Diretor, o cidadão passou a ser visto como cliente, o que demonstra

a isenção do sentido político. A propaganda ideológica do governo FHC foi para

justificar a reestruturação na máquina estatal, utilizou-se da bandeira do ajuste de

caixa, sem esclarecer os efeitos sociais dessa medida, apenas a demonstrou como

um sistema que acabaria com os privilégios do funcionalismo público.

A reforma da Previdência Social é parte importante do processo de ajuste

fiscal; outro ponto importante é a sua privatização.

Ao analisar a Reforma no marco proposto pelos Organismos Internacionais para as Reformas da Seguridade Social na América Latina, o Brasil, de um ponto de vista bem geral, estaria adotando um sistema misto, mantendo uma Previdência Pública Básica e abrindo espaço para uma Previdência Complementar predominantemente privada. A aplicação mecânica desses modelos, no entanto, na

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maioria dos casos, não leva em consideração nem a evolução histórica nem a composição estrutural de cada sistema de seguridade social, desrespeitando, portanto, as especificidades de cada país. O caso brasileiro não foge a essa regra. (SOARES, 2000, p. 86).

O grande problema da Previdência Social é que suas fontes estão secando,

devido à queda do nível do emprego e aumento da informalização do mercado.

O Partido dos Trabalhadores (PT), quando oposição, afirma que essa crise

era relacionada aos desvios de recursos e sonegação do setor privado com a

Previdência. Esse discurso ficou esquecido com a reforma do governo Lula. Para

Lúcia Cortes da Costa (2006, p. 194) “é mais fácil retirar dos trabalhadores do que

fazer valer as leis que prevêem como crime à sonegação fiscal”, com o que

concordamos veementemente; foi mais fácil para o PT adotar o discurso que

criticava a fazer uma reforma justa para os trabalhadores.

Na reforma do Estado foi articulada a redução da máquina pública com a

reforma administrativa. O poder público se retira da operacionalização dos serviços

e cria parcerias com o setor privado.

Essa proposta surge em 1990, como orientação do Banco Mundial, que

considerava a despesa com serviços sociais ineficiente. Perdeu-se o caráter

universal no atendimento; para o Banco, apenas os que não podem pagar pelos

serviços devem recebê-los. Isso em nosso entendimento descaracteriza a condição

de direito e contraria a Constituição Federal e o Sistema Único de Saúde.

Uma das estratégias neoliberais mais disseminadas (...) é a focalização. A idéia é a de que os gastos e os serviços sociais públicos/estatais passem a ser dirigidos exclusivamente aos pobres. Ou seja, somente aqueles comprovadamente pobres, via “testes de pobreza” ou “testes meios” (baseados nos means tests dos programas sociais norte-americanos), podem ter acesso aos serviços públicos. No âmbito das políticas sociais, a estratégia da focalização é o correlato da individualização da força de trabalho e da possibilidade estrutural da exclusão de uma parte dela do mercado de trabalho, ou seja, da forma “legítima” de acessar os recursos. (SOARES, 2000, p. 79).

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Ocorre que as camadas médias não reivindicam o acesso aos serviços, por

serem vistos como de má qualidade, reforçando a tese do Banco Mundial de que o

Estado deve atender apenas aos mais pobres.

O modelo chileno de prestação de serviços foi divulgado pelo Banco Mundial

como um exemplo a ser seguido, mantendo uma rede de serviços, baseada no

modelo de parcerias com o setor privado.

Introduz-se a falsa idéia do “autofinancimento” dos serviços. A experiência chilena de privatização dos serviços de saúde, introduzindo tarifas pretensamente seletivas nas unidades públicas de saúde, além de restringir a acesso, demonstrou a sua ineficácia em aumentar o volume de recursos do setor, já que a grande maioria da população que procurava esses serviços não tinha condições de pagar por eles. (SOARES, 2000, p. 71).

Esse discurso oculta o descompromisso do Estado e para FHC o Estado deve

assumir apenas a tarefa de um facilitador do processo, subsidiando as iniciativas da

sociedade civil, sem ser o responsável pela sua operacionalização. Além da

descentralização dos serviços, que passam a ser de responsabilidade executiva dos

níveis estaduais e municipais.

Com esse tipo de reforma do Estado não há política social possível. O Estado que não pode mais ter moeda não pode fazer mais discriminação monetária; não pode mais fazer discriminação orçamentária; não pode ter iniciativa para criar as políticas sociais que são necessárias. A política social, que desde a grande depressão transitou da caridade pública ou privada para inscrever-se como uma macro política estrutural, no nível da política monetária, no nível da política fiscal e no nível da política industrial, a política social presente no desenvolvimento do capitalismo no segundo pós-guerra, transformou-se numa política estruturante, voltou a ser uma coisa do privado. (SADER; GENTILLI, 1999, p.77).

Assim podemos concluir que a chamada publicização de FHC, na verdade, é

a transformação de tudo o que antes era público em instituição privada. É

certamente nesse aspecto que o governo atual mais diferencia-se do anterior: não

houve continuidade no acelerado processo de privatização do Brasil, da forma como

FHC estava fazendo.

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Certamente, nivelar o governo Lula com base nos governos anteriores, como

a mídia vem fazendo, utilizando o discurso de que este governo é mera continuidade

de seu antecessor, é um equívoco ou falta de atenção. Muitas mudanças ocorreram

e outras estão em processo. Observando algumas ações do atual governo, vemos

que embora o neoliberalismo esteja presente, existe a preocupação de não afastar

totalmente o Estado da vida social.

Nesse espaço não poderemos nos aprofundar e nem apresentar todas as

alterações ocorridas. Mas, um bom exemplo, é o programa Bolsa Família, mesmo

não possuindo, de fato, características emancipatórias, sua cobertura marca a

responsabilidade estatal presente nas regiões que mais sofrem com a desigualdade

do país.

Um artigo da Revista Carta Capital (2008, p. 16) traz uma posição

diferenciada do restante da mídia, ao destacar duas constatações do Banco

Mundial: “o Bolsa Família é um programa exemplar e deve servir de modelo para

futuras experiências” e “a mídia brasileira faz uma cobertura excessivamente

negativa do programa e tem dificuldade em reconhecer seus avanços ou discutir

maneiras para aperfeiçoá-lo.” O artigo critica a mídia por falta de equilíbrio e a classe

média por não perceber os ganhos gerais que a redução da miséria traz ao Brasil.

Quanto à constatação do Banco Mundial, mesmo com as críticas que temos a ele,

sua análise foi um fato importante, pois vem de fora do Brasil; só não concordamos

com a afirmação de que o programa seja exemplar. Sem dúvida essa constatação

serviu para chamar atenção da mídia para uma cobertura do programa mais

coerente com a realidade e menos superficial.

Pochmann (2008), ao escrever suas perspectivas para 2008, apontou que o

Brasil ainda tem muito a caminhar para reduzir as desigualdades sociais, mas

também demonstrou melhorias que estão sendo alcançadas. Dentre os vários

aspectos citados por ele, destaca-se o crescimento da economia; o Programa de

Aceleração de Crescimento (PAC), que significou uma mudança positiva na postura

do governo em diversos aspectos da vida nacional e tende a deslanchar nos

próximos anos; o bolsa-família, com alcance aos efetivamente mais pobres e uma

cobertura de 11 milhões de famílias, com a ampliação para famílias com filhos de 16

e 17 anos.

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No mesmo caminho vão as análises de Ladislau (2008); primeiramente,

também faz uma crítica à mídia, com a qual concordamos, “chamar os avanços

alcançados de "assistencialismo" não ajuda a entender a realidade, nem a

reivindicar mudanças mais profundas”. Para analisar o atual governo, ele estudou

dados primários, o PNAD 2006 e Indicadores Sociais dos últimos 10 Anos. Alguns

números apresentados dão-nos uma perspectiva positiva:

• aumento de 8,7 milhões de postos de trabalho no país durante o último

governo;

• 3 em cada 5 empregos criados são com carteira assinada;

• a elevação dos rendimentos dos trabalhadores em 7,2%, entre 2005 e

2006;

• um ganho real de 13,3% em 2006 relativamente a 2005 dos salários

mínimos;

• O rendimento médio domiciliar aumentou em 5,0% em 2005, e em

7,6% em 2006;

Esses dados apresentam um quadro convergente de mudanças em aspectos

essenciais para a população, como aumento de emprego, acompanhado de sua

formalização, do aumento do salário mínimo e rendimento domiciliar.

Como se vê, embora o Brasil esteja vivenciando um momento com

características positivas, todo esse processo conjuntural, anteriormente analisado,

favorece uma maior precarização das condições de trabalho e vida do trabalhador,

já que seus direitos vêm diminuindo tanto, enquanto trabalhador e como cidadão que

necessita dos serviços públicos para ter saúde, educação, etc. Resta-nos analisar,

como as mudanças no mundo do trabalho, relacionadas aos processos de

globalização e neoliberalismo, interferem diretamente no trabalho do Serviço Social,

o que abordaremos no próximo capítulo.

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Capítulo 2 - O “terceiro setor”: análises e definições

É relevante para este trabalho a discussão acerca do “terceiro setor”, para, no

capítulo seguinte, pensarmos sua relação/conseqüência com/para o Serviço Social,

em face ao desmonte do Estado no que se refere às políticas públicas.

Com a expansão do ideário neoliberal e o afastamento do Estado de sua

responsabilidade social, abre-se uma cisão no atendimento à população e, assim,

entra em cena um novo ator: o “terceiro setor”; com ele também se deslocam

algumas possibilidades de trabalho do assistente social, fazendo com que seja

extremamente necessário entender melhor que novo ator é esse. Quais são as

possibilidades que ele proporciona ao assistente social, enquanto empregador? Que

frentes de trabalho abre para o atendimento à população? Acreditamos que para

analisarmos as peculiaridades do mercado profissional no campo do “terceiro setor”,

devemos nos debruçar sobre o sentido histórico deste objeto de estudo, inserido em

um contexto social amplo, com base nos ditames do projeto neoliberal e sua

conseqüente reforma nas bases do Estado.

Cabe aqui relembrarmos o fato de que, historicamente, o Serviço Social

sempre trabalhou com entidades sociais e que a presença do setor filantrópico é

uma constante no trabalho social, especialmente na Assistência Social. Como

podemos observar desde o surgimento da profissão.7

Burguesia, Igreja e Estado uniram-se em um compacto e reacionário bloco político, tentando coibir as manifestações dos trabalhadores eurocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado material e concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade em Londres, em 1869, congregando os reformistas sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela racionalização e normatização da prática da assistência. Surgiam, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação “Serviço Social”, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços. (MARTINELLI, 1989, p. 66).

7 O tema institucionalização do Serviço Social será retomado e melhor trabalhado no próximo capítulo.

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Retomando as análises sobre o “terceiro setor”, acreditamos ser salutar

esclarecer a fragilidade desse conceito. Comumente esse fenômeno é estudado de

forma isolada dos outros “setores”; é generalista, pois lhe falta rigor teórico devido à

distância existente entre o que ele representa ser (solidariedade, filantropia,

caridade...) e o que realmente é (a expressão neoliberal). Aqui o estudaremos, não

como um fenômeno isolado, mas como expressão das transformações do capital.

Ele possui origem norte-americana, num contexto de voluntariado e individualismo

neoliberal. No Brasil chega por intermédio da Fundação Roberto Marinho, revelando-

se aí, a clara intencionalidade desse fenômeno. Por conta dessas questões,

utilizamos este conceito entre aspas.

Assim, o termo é constituído a partir de um recorte do social em esferas: o Estado (“primeiro setor“), o mercado (“segundo setor”) e a “sociedade civil (“terceiro setor”). Recorte este [...] claramente neopositivista, estruturalista, funcionalista ou liberal, que isola e autonomiza a dinâmica de cada um deles, que, portanto, desistoriciza a realidade social. Como se o “político” pertencesse à esfera estatal, o “econômico” ao âmbito do mercado e o “social” remetesse apenas à sociedade civil, num conceito reducionista. (MONTAÑO, 2002, p. 53).

Embora não concordemos com o termo “terceiro setor”, utilizamo-lo pelo

sentido já disseminado entre as pessoas, como explica Fernandes. Também porque

consideramos as outras terminologias ainda mais equivocadas, como o conceito de

nonprofit sector, algo que se constrói por fora do mercado e do Estado, ou até

Independent Sector, setor independente. No decorrer do trabalho, demonstraremos

o contrário, que há muita relação entre esses setores.

O Terceiro Setor é um conceito, uma expressão de linguagem entre outras. Existe, portanto, no âmbito do discurso e na medida em que as pessoas reconheçam o seu sentido num texto ou numa conversação. (Fernandes, 2000, p. 25).

É importante, deixar claro que “terceiro setor” e “sociedade civil”8 não são

sinônimos; fortalecer a sociedade civil é fortalecer seu espaço decisório dentro do

âmbito estatal, pois é neste espaço que se pode exigir os direitos.

8 “A sociedade civil é constituída de variados organismos, ou seja, ela é o conjunto complexo; o seu campo é muito extenso e sua vocação para dirigir o bloco histórico implica uma adaptação de seu

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Não cabe conjecturar sobre qualquer capacidade do TS9 de responder pelo conceito de sociedade civil. Isso seria trocar a parte pelo todo. Explicando melhor: a sociedade civil manifesta-se e apresenta-se pela conformação de uma opinião pública regulada pelas tensões; o TS, admitindo-se para ele alguma forma de organicidade, manifesta-se também por meio de grupos ou instrumentos de pressão. Aqueles que estabelecem essa identidade querem fazer crer que a manifestação do TS, mesmo que com capacidade desproporcional de repercussão, guardaria a única representatividade de se expor no lugar de um ambiente extraordinariamente mais complexo do que ele. O conceito de sociedade civil diz respeito a outra instância de reflexão social e organiza uma totalidade que difere, radical e conceitualmente, de qualquer grupamento organizado, identificado por propriedades comuns. (CABRAL, 2008, p. 51).

Também é importante a explicação de Dagnino (2006, p. 15) quanto ao

conceito de sociedade civil como um ator não homogêneo e permeado de projetos

que disputam entre si.

Uma primeira insatisfação é a insistente tendência a tratar a sociedade civil como um ator unificado, sem reconhecer sua heterogeneidade intrínseca, vício recorrente na análise política latino-americana. Uma das maneiras de não somente reconhecer essa heterogeneidade, mas de expô-la de modo a contribuir para um estudo mais complexo das diferentes configurações do processo de construção democrática é identificar os distintos projetos em disputa em torno desse processo.

Assim como a sociedade não pode ser pensada de forma homogênea, o

“terceiro setor” também deve ser entendido a partir da sua heterogeneidade, visto

conteúdo, segundo as categorias sociais que atinge. Assim, a sociedade civil pode ser considerada sob três aspectos complementares.

• Como ideologia de classe dirigente, ela abrange todos os ramos da ideologia, da arte à ciência, incluindo a economia, o direito etc;

• Como concepção de mundo difundida em todas as camadas sociais para vinculá-las à classe dirigente, ela se adapta a todos os grupos; advém daí diferentes graus qualitativos: filosofia, religião, senso comum, folclore;

Como direção ideológica da sociedade, articula-se com três níveis essenciais: A ideologia propriamente dita, a “estrutura ideológica”, isto é, as organizações que a criavam e defendem – e , o “material ideológico”, ou seja, os instrumentos técnicos de difusão da ideologia (sistema escolar, mídia, bibliotecas, etc)” (PORTELLI, 1997, p. 22 apud NASCIMENTO, 2004, p. 04). 9 Conforme a autora abrevia “terceiro setor”.

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que nele encontramos atores diferenciados tanto por sua natureza, quanto por seus

interesses e objetivos sociais.

Pode parecer estranho incluir numa mesma categoria organizações que vão desde abrigos para indigentes até museus ou universidades, que compreendem desde uma entidade para defesa dos povos indígenas na Amazônia até uma sociedade para a restauração de antigos cemitérios nas cidades do interior da Estônia. Mas é exatamente a produção e discussão da idéia (...) que está na base dos inúmeros debates, publicações e centros de pesquisa que se vêm desenvolvendo, em âmbito internacional, sobretudo a partir dos anos 80, mobilizando e relacionando gente do campo acadêmico e das próprias entidades sem fins lucrativos. (LANDIM, 1993, p. 5).

Mesmo que hoje esse termo (sociedade civil) tenha sido apropriado pelo

projeto neoliberal e, neste cenário, signifique justamente o contrário, o

enfraquecimento das responsabilidades do Estado, atualmente, o espaço da

sociedade civil pode significar tanto a arena de luta pela hegemonia, na concepção

gramsciana10, quanto um espaço despolitizado que usa a filantropia para ser

funcional ao neoliberalismo e abre um espaço para a privatização das políticas

públicas.

Percebemos que o discurso do “terceiro setor” é cercado de interesses

ideológicos11. Assim é crucial entender que

[...] o debate do terceiro setor, por escamotear e mistificar os reais processos de transformação social, por criar uma resignada cultura do ‘possibilismo’, desenvolve um campo fértil para o avanço da ofensiva neoliberal de retirar e esvaziar as históricas conquistas sociais e dos trabalhadores, contidas no chamado ‘pacto keynesiano’12, gerando maior aceitação e menor resistência a este

10 “A hegemonia expressa a direção e o consenso ideológico (de concepção de mundo) que uma classe consegue obter dos grupos próximos e aliados. A conquista progressiva de uma unidade político-ideológica – de uma direção de classe – requer a busca do consenso dos grupos sociais aliados, alargando e articulando seus interesses e necessidades”. (DURIGUETTO, 2005, p. 85). 11 É por meio da ideologia que “o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais – dominante e dirigente – tornam-se o ponto de vista e opinião de todas as classes e de toda sociedade. A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar-lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos.” (CHAUÍ, 2002, p. 174). 12 No pacto keynesiano “coube ao Estado viabilizar salários indiretos por meio das políticas sociais públicas, operando uma rede de serviços sociais, que permitisse liberar parte da renda monetária da população para o consumo de massa e conseqüente dinamização da produção. Esse acordo entre Estado, empresariado e sindicatos envolveu uma ampliação das políticas públicas, que passaram a dispor de ampla abrangência, permitindo que fosse liberada parcela da renda familiar para o consumo.” (IAMAMOTO, 2001, p. 115).

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processo. Por conta disso, este debate soa aos ouvidos de Ulisses como um sedutor ‘canto de sereia’, que o empurra às profundezas do mar. (MONTAÑO, 2002, p. 23).

Através da veiculação da mídia, a retórica neoliberal se reproduz e ganha

força não só no âmbito das empresas, entre seus funcionários, mas também na

sociedade em geral, que passa a acreditar na postura de solidariedade da empresa

e acaba cooperando com a ofensiva neoliberal na medida em que a sociedade

assume o papel de responsável pelas políticas sociais.

Quando mediamos a ajuda ao próximo pelo consumo de produtos, acabamos por transformar o outro em produto: desodorante (menor carente), tintura para cabelos (abrigo para idosos), sandália feminina (deficientes físicos). E transformar o outro em produto é inseparável da transformação do eu em produto, gerando uma sociedade onde não há reconhecimento da alteridade, onde tudo é mercado, até a miséria. (EZEQUIEL, 2006, p. 146).

Sader (2004, p. 06) aponta para os perigos do mercado em controlar a vida

social.

Quando se impôs ao senso comum o “mercado” como regulador das relações sociais e econômicas, o que não se diz é que isso se faz às custas dos direitos e da democracia. Por que cada vez que algo cai na esfera do “mercado”, sai do controle da sociedade, deixa de ser passível da cidadania por meio do poder público, para ser decidido pelo poder do dinheiro, que é quem comanda “os mercados”.

Costa (2006, p. 165) também aponta para os perigos do mercado na gestão

da vida social e mais ainda, para a necessidade do Estado em fazer essa gestão.

Já existe um consenso de que o mercado é eficiente para alocar recursos, dinamizar a produção, mas incapaz de criar uma sociedade mais igualitária. Para criar padrões de igualdade social é necessária a ação reguladora do Estado. Nem tudo se resolve via mercado. É preciso discutir padrões éticos e socialmente aceitáveis para a convivência humana. Não se pode transformar o conceito de cidadão em consumidor, não podemos confundir interesse público com produção de mercadoria, nem tudo pode ser bem de mercado numa sociedade que se afirma democrática.

Ezequiel (2006) utiliza o conceito de sociedade do espetáculo de Debord

(1967), para entender a publicidade em torno da responsabilidade social.

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“Assim, a sociedade moderna é a sociedade do espetáculo, reino absoluto do fetichismo e do consumo, manifestando-se num mundo fragmentado, separado. [...] uma campanha publicitária para venda de produtos ou melhoria da imagem institucional que utiliza uma estratégia com apelo “social” – também denominada “responsabilidade social empresarial” – repassa a responsabilidade pela “ajuda” aos necessitados para o consumidor e concede à empresa protagonista, num passe de mágica, o título de “cidadã”, um diferencial competitivo “espetacular” que potencializa as vendas e fortalece a imagem da empresa, mas não ameniza as seqüelas da “questão social”; pelo contrário, dificulta-lhe o entendimento e a possibilidade de superação. (EZEQUIEL, 2006, p. 140, 148).

Entendemos que a vida na sociedade do espetáculo sofre uma diminuição da

criatividade e a possibilidade de imaginar e acreditar em um outro projeto societário

torna-se mais difícil, já que todos os espaços da vida social são perpassados pela

alienação.

A sociedade foi totalmente remodelada sob a “aparência” da democracia, não sendo permitida a concepção de nenhuma alternativa. Esse mundo integrado favorece a expansão do neoliberalismo, pois nunca o poder foi mais perfeito. Consegue-se falsificar qualquer coisa, até os próprios movimentos contestatórios. E, como ninguém consegue verificar nada pessoalmente, só resta verificar em imagens, imagens que os outros escolhem. (EZEQUIEL, 2006, p. 141).

Para conseguir esses resultados, as empresas utilizam o que a filósofa

Marilena Chauí entende por discurso competente, aquele que perdeu as amarras

com seu tempo histórico, com o seu significado social e sua capacidade de ser

instituinte, ou seja, capaz de criar e transformar a realidade. Por isso, o discurso

“humanizador” é capaz de com eficiência ocultar a exploração de uma classe sobre

a outra, as desigualdades sociais e as contradições entre os interesses de cada

classe e as lutas que possuem. A ideologia é formada por um sistema de

representações e normas que nos “ensinam” a como entender e agir no mundo. Ela

é a linguagem do especialista que faz desaparecer a experiência humana e nós nos

sentimos obrigados a interiorizar esse discurso para sermos “competentes”.

Eficiência conseguida por uma educação que não deseja formar pessoas críticas, ou

seja, que vão às raízes, às explicações e motivos que o sistema capitalista camufla

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do nosso entendimento, pois, camufladas, elas dão coerência a esse discurso.

Assim, diz Martins (1978 p. XI):

Entendo que o modo capitalista de produção, na sua acepção clássica, é também o modo capitalista de pensar e deste não se separa (...) O modo capitalista de pensar, enquanto modo de produção de idéias, marca tanto o senso comum quanto o conhecimento científico. Define a produção das diferentes modalidades de idéias necessárias à produção das mercadorias nas condições da exploração capitalista, da coisificação das relações sociais e da desumanização do homem. Não se refere estritamente ao modo como pensa o capitalista, mas ao modo de pensar necessário à reprodução do capitalismo, à reelaboração das suas bases de sustentação – ideológicas e sociais. (...) O modo capitalista de pensar é a mediação necessária na produção e reprodução em crise da alienação que subjuga quem não é capitalista, invertendo o sentido do mundo e dando uma direção conservadora e reacionária à ação que deveria construir a sociedade transformada, desvinculando o contraponto entre si e o saber e a prática.

Percebemos pela citação anterior que a ideologia permeia múltiplas

dimensões da vida social e provoca uma valorização da política empresarial, ou do

“modo capitalista de pensar”; isso resulta na adoção dessa política por vários

âmbitos, incluindo os setores públicos e as instituições sociais que passam a se

adequar às exigências de qualidade do mercado como se fossem empresas

lucrativas, buscando os tão desejados selos de qualidade e certificações, pois, com

isso, angariam respeito e notoriedade, tornando mais fácil conseguir parcerias

privadas. Como Iamamoto (2001, p. 120) bem cita:

[...] Demonstra, na óptica governamental, o esgotamento da “estratégia estatizante” e a necessidade de superação de um estilo de administração pública burocrática a favor do “modelo gerencial”; descentralizado, voltado para eficiência, o controle de resultados, com ênfase na redução dos custos, na qualidade e na produtividade. Apóia-se nos princípios da confiança, descentralização de decisões e funções, formas flexíveis de gestão, a horizontalização das estruturas, incentivos à criatividade, orientação para o controle de resultados e voltada ao “cidadão cliente”.

A única forma de enfrentamento a esse crescente processo que ganha

espaço e aceitação na sociedade é a análise crítica; cabe ao profissional de Serviço

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Social que se coloca como comprometido com a classe trabalhadora ser um

questionador, buscar com argumentos e ações desvendar os reais motivos por trás

da noção de responsabilidade social e as suas conseqüências para a população;

colaborar, ainda, para um processo de desmistificação desse fenômeno, das

contradições e desigualdades que a ideologia tenta ocultar para reproduzir o projeto

dominante.

O projeto neoliberal encontrou no “terceiro setor” uma forma de responder às

carências deixadas pelo Estado no atendimento às políticas básicas: de forma

paliativa e pontual a população recebe um atendimento, mesmo que esse seja de

baixa qualidade e não solucione os problemas em longo prazo. Um outro caráter

desse atendimento é o critério cada vez menos universal e mais seletivo,

descaracterizando o sentido do direito.

As políticas sociais – já precárias, pouco cidadãs e universais -, com o agravamento das condições econômicas e do mercado de trabalho, sofreram triplamente. Primeiro, pela redução de recursos que acompanhou os diversos ajustes fiscais e deteriorou qualitativamente e quantitativamente os serviços sociais básicos, sobretudo nas áreas com elevada participação de recursos da esfera federal, como a saúde. Segundo, pela redução do uso de políticas universalistas e pela generalização do uso de programas sociais extremamente focalizados, sem estratégia, assistencialista e clientelista na relação com o público-alvo. Terceiro, porque estas mudanças vieram, quase sempre, acompanhadas de propostas de reformas sociais explicitamente privatizantes, favorecidas pela falência organizada dos serviços públicos. (MATTOSO, 2000, p. 37)

Talvez pelo populismo presente em nosso país, que substitui os direitos

sociais pelas relações de troca de favores, na qual presenciamos a apropriação da

coisa pública para servir a interesses privados, exista um espaço tão propício para

divulgação da solidariedade e do projeto de desmonte do Estado. Por retirar a

responsabilidade do Estado e atribuí-la à sociedade civil, o projeto neoliberal reitera

o que existe de mais arcaico, o sentimento de comunidade para dar-lhe ares de

moderno.

A pobreza no Brasil gera comoção, ela nunca provocou revolução e nem mesmo mudança ética no padrão de relacionamento entre as elites e os segmentos populares. Uma sociedade fundada num patrimonialismo que fez do privilégio a regra, na qual a cidadania

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como condição de igualdade em direitos e deveres ainda convive com a apologia ao mando tradicional, precisa mais do que mudanças legais. É necessário construir um novo padrão entre as classes e ampliar o poder político dos que vivem na base desta sociedade. A democracia, se reduzida às regras de transição de governos ou método para tomada de decisão, se esvazia do conteúdo revolucionário da luta pela igualdade entre os homens. (COSTA, 2006, p.142).

Dagnino (2006, p. 17) chama atenção para um fenômeno extremamente

importante na compreensão do discurso ideológico contido no “terceiro setor”, que é

a situação que denomina “confluência perversa”, diferentes projetos se utilizam de

um discurso comum dando a ele diferentes interpretações, sem torná-lo claro o

suficiente.

“A utilização dessas referências que são comuns, mas que abrigam significados muito distintos, instala o que se poderia chamar de uma crise discursiva: a linguagem corrente, na homogeneidade de seu vocabulário, obscurece diferenças, dilui matizes e reduz antagonismos. Nesse obscurecimento se constroem sub-repticiamente os canais por onde avançam as concepções neoliberais, que passam a ocupar terrenos insuspeitos.”

Quanto aos terrenos insuspeitos citados pela autora podemos considerar a

solidariedade. Como estratégia para incentivar a prática voluntária pela sociedade

civil, o Estado adota o discurso da solidariedade e da responsabilidade social; trata-

se de uma estratégia ideológica e por isso não posta claramente na realidade; ela é

capciosa, apropria-se do desejo da sociedade em ver solucionados os problemas

sociais e coloca seu projeto de ajuda mútua como a única forma das pessoas

alcançarem esse objetivo; “se cada um fizer a sua parte, a coisa vai melhorar”.

Analisando somente essa frase tão propagada no senso comum, podemos

identificar os ”lucros” do capitalismo com o “terceiro setor”:

• Cria uma cultura de ações individualistas;

• Desarticula a sociedade civil, enquanto coletividade, e assim consegue

enfraquecer as reivindicações;

• Reduz a responsabilidade pelas políticas públicas do âmbito estatal;

• Colabora para criação de “superávit primário”, reversa para pagamento da

dívida externa, fruto dos cortes nos serviços sociais.

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Ao realizar uma análise mais atenta, percebe-se que o próprio fato da

“parceria” entre Estado e sociedade civil já dá indícios dos resultados das

transformações que vivenciamos. Concordamos com o dizer de Iamamoto (2001, p.

126), ao afirmar que atualmente presenciamos:

[...] um crescimento de parcerias do Estado com Organizações Não Governamentais, que atuam na formulação, gestão e avaliação de programas e projetos sociais em áreas como família, habitação, criança e adolescente, educação, violência, relações de gênero, etc. Trata-se de uma das formas de terceirização da prestação de serviços sociais, evitando a ampliação do quadro de funcionários públicos.

Podemos inferir, conforme Montaño, que não existe uma parceria entre o

Estado e a sociedade civil. O Estado apenas repassa uma determinada verba às

instituições, mas são elas que prestam serviço à população, não existe um rigoroso

acompanhamento ou uma sistemática avaliação desses serviços. Fica claro que o

próprio Estado procura minimizar suas responsabilidades, justamente por isso não

podemos acreditar na idéia de parceria, porque vemos que na realidade o que existe

no lugar das chamadas parcerias é a substituição da responsabilidade estatal pela

responsabilidade civil.

Não podemos desconsiderar, porém, que existam necessidades emergenciais

à população e, enquanto não conseguimos concretizar nossa luta, as ações citadas

possuem sua importância; o que explica o fato de, mesmo assistentes sociais com

práticas comprometidas e engajamento político, prestarem serviços assistenciais,

utilizando verbas que provém de parcerias com empresas privadas, e ainda sim,

conseguirem implementar um trabalho que visa ao resgate dos direitos cidadãos.

Por isso concordamos com Raquel Gentilli (1998, p.10), quando afirma, que “mais

que nunca, a realidade desafia aos profissionais à auto-realização de seu discurso,

tornando-o mais que um mero instrumento de protesto”.

Por outro lado, não podemos esquecer que esta não é a realidade da

maioria dos projetos pertencentes ao “terceiro setor”, pois no caso das parcerias,

como já diz o ditado, “quem banca a banda, escolhe a música”, ou seja, ao serem

parceiras, as empresas privadas interferem no caráter dos projetos e em seus

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critérios. Exemplo disso são as especializações em “terceiro setor” direcionadas a

profissionais que, tradicionalmente, já atuam na área, e também voltadas a

administradores. Existe até MBA (Master Business Achievement) em “terceiro setor”,

seguindo a mesma linha de concepção gerencial. Podemos citar o MBA em Gestão

e Empreendedorismo Social da Universidade de São Paulo, desenvolvido pelo

Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats),

dentro do Programa de Educação Continuada em Administração para Executivos da

Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Esse curso é

resultado de uma parceria do Ceats com a Harvard Business School. Assim, a

escola participa da rede de conhecimento SEKN (Social Enterprise Knowledge

Network) que integra universidades latino-americanas. A USP propicia os estudos de

caso e a Harvard o acesso a seu acervo, um dos mais respeitados em gestão

executiva do mundo. O curso é destinado a executivos das iniciativas pública e

privada, bem como aos que já atuam no terceiro setor.

Assim como a USP, outras unidades de ensino como os cursos do Serviço

Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), de São Paulo, voltados ao terceiro

setor, adotaram a metodologia norte-americana da escola Johns Hopkins University,

uma das mais prestigiadas escolas americanas.

A EBAPE/FGV - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas

da Fundação Getulio Vargas - mantém um curso de Pós-graduação lato sensu em

Administração para Organizações do Terceiro Setor. Ela é pioneira nos cursos de

Administração para Organizações do Terceiro Setor e coordenada pelo Centro de

Estudos do Terceiro Setor da FGV-EAESP, que vêm sendo ministrados desde 1996,

em São Paulo, produzindo conhecimentos específicos para o gerenciamento da área

social com a finalidade de subsidiar a profissionalização de organizações da

sociedade civil e o desenvolvimento comunitário.

Por isso, concordamos plenamente com duas observações de Iamamoto

acerca da extensão da experiência de gestão de empresas privadas às

organizações do “terceiro setor”:

A administração das ONGs passa hoje, inclusive, pelo crivo gerencial. Ou seja, constata-se uma tendência de extensão da concepção gerencial à gestão de ONGs, envolvendo o debate sobre

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as funções de planejamento, organização, direção e controle nas particularidades de tais organizações. (IAMAMOTO, 2001, p. 127).

Evidentemente, que o resultado dessa tendência seja:

[..] o interesse em se qualificar administradores de empresas para a gestão de recursos públicos e privados no campo da “filantropia do capital”, por meio de cursos de especialização mantidos por escolas de ponta, no país e no exterior. O mergulho em uma linguagem passadista aponta, entretanto, o renascimento da filantropia sob novas bases, assumida pelo capital por meio de sua máscara humanitária, acompanhada de fortes apelos à “solidariedade social”. (IAMAMOTO, 2001, p.182).

Interessante perceber o quanto o modelo norte-americano e o modelo

europeu estão subsidiando as capacitações voltadas para o “terceiro setor”,

acompanhando o processo histórico.

É importante que exista na sociedade civil uma discussão maior sobre qual é

o papel do Estado e o das empresas privadas, já que existe uma penetração entre

as funções do Estado e do setor privado, traduzida na fusão do capital privado com

o capital público, com o objetivo de reproduzir o capital privado. Assim, o Estado

está passando a servir às empresas privadas, como financiador das próprias,

injetando capital para que elas possam se movimentar no mercado. De outro lado,

as empresas dizem assumir um outro papel: essas “servem” à população, via

filantropia empresarial ou responsabilidade social. Claro que o grande financiador do

“terceiro setor” é o Estado, como veremos na pesquisa, mas, da forma como tudo

isso é apresentado, a opinião pública não consegue ver de forma clara quais são os

papéis pertencentes a cada setor, visto que a estrutura da relação entre setor

público e privado se mostra de forma confusa e obscura. Assim, não podemos

esquecer que:

A luta pela efetivação da democracia e da cidadania é indissociável da ampliação progressiva da esfera pública, em que se refratam interesses sociais distintos, enquanto ultrapassa a lógica privatista no trato do social, em favor dos interesses da coletividade. Ao alçarem a cena pública, os interesses das maiorias adquirem visibilidade,

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tornando-se passíveis de serem considerados e negociados no âmbito das decisões políticas. (IAMAMOTO, 2001, p. 142).

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2.1 Apresentação e análise das organizações

Partindo das reflexões anteriores, levantamos dados para configurar e

analisar as organizações em que nossos sujeitos estão inseridos, para que se possa

compreender melhor as implicações desse espaço para o trabalho do assistente

social.

Relembramos que a metodologia utilizada nesse trabalho é a História Oral. A

História Oral, enquanto metodologia, permitiu, por meio da coleta dos relatos orais,

identificar os elementos que compõem a experiência profissional, bem como a

percepção dos profissionais acerca de seu espaço de trabalho, utilizando-se de

narrações.

As narrações foram gravadas e transcritas, respeitando fidedignamente a

oralidade dos sujeitos. Assim, poderemos nos aproximar da compreensão de seus

pontos de vista e da realidade em que estão inseridos. Por isso, a escolha dos

sujeitos foi dirigida de acordo com as questões, ou seja, não teremos a preocupação

de definir uma “amostragem”, mas sim de encontrar sujeitos que tenham uma

história relacionada ao nosso objeto de estudo.

Por conseguinte, para escolhermos os sujeitos da pesquisa, tivemos a

preocupação de que fossem profissionais representativos, envolvidos com a

profissão e com os espaços de participação política. Desse modo, escolhemos como

sujeitos, conselheiros da Assistência Social, que ao mesmo tempo também são

assistentes sociais inseridos no “terceiro setor”. Isso possibilitou análises

contemplando o “terceiro setor” dentro do espaço da Assistência Social, enquanto

rede de serviços. Ao total entrevistamos quatro sujeitos, dois do município de São

José dos Campos (Sujeito I e III), por ter a maior população e uma rede sócio-

assistencial de alta complexidade, um de Caçapava (Sujeito II) e outro de Taubaté

(Sujeito IV) municípios menores com uma rede de atendimento mais simplificada.

Como se pode notar, para delimitarmos o espaço geográfico da pesquisa,

optamos pelo Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, região entre leste do estado de

São Paulo e do sul do estado do Rio de Janeiro.

Iniciaremos apresentando os espaços de trabalho dos nossos sujeitos, que

são entidades de assistência social. Elas possuem esse caráter por cumprirem com

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as exigências do artigo 3º da LOAS, prestarem, sem fins lucrativos, atendimento e

assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei e, ainda, atuarem na

defesa e garantia dos direitos destes. Respeitam o disposto do Código Civil

Brasileiro, ou seja, são pessoas jurídicas de direito privado de fins não econômicos,

associações e fundações. Conforme a resolução do CNAS nº191, de 10 de

novembro de 2005, que regulamenta o artigo 3º da LOAS, as entidades de

assistência social aqui apresentadas são consideradas entidades de atendimento.

Elas devem ser inscritas nos Conselhos Municipais de Assistência Social para

funcionar regularmente e compete ao Conselho Nacional de Assistência Social

conceder o registro e certificado de entidade beneficente de assistência social.

A resolução citada acima, em seu artigo 1º, considera características

essenciais das entidades e organizações de assistência social:

I. Ser pessoa jurídica de direito privado, associação ou fundação, devidamente constituída, conforme dispositivo no artigo 53 do Código Civil Brasileiro e no artigo 2º da LOAS;

II. Ter expressos, em seu relatório de atividades, seus objetivos, sua natureza, missão e públicos conforme delineado pela LOAS, pela PNAS e suas normas operacionais;

III. Realizar atendimento, assessoramento ou defesa e garantia de direitos na área da assistência social e aos seus usuários, de forma permanente, planejada e contínua;

IV. Garantir o acesso gratuito do usuário a serviços, programas, projetos, benefícios e à defesa e garantia de direitos, previstos na PNAS, sendo vedada a cobrança de qualquer espécie;

V. Possuir finalidade pública e transparência nas suas ações, comprovadas por meio de apresentação de planos de trabalho, relatórios ou balanço social de suas atividades ao Conselho de Assistência Social competente;

VI. Aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional integralmente no território nacional e na manutenção no desenvolvimento de seus objetivos institucionais; (BRASIL, 2005).

O parágrafo único deste artigo traz um ponto importante, especifica entidades

que não se caracterizam como de assistência social:

Parágrafo único – Não se caracterizam como entidades e organizações de assistência social as entidades religiosas, templos, clubes esportivos, partidos políticos, grêmios estudantis, sindicatos e associações que visem somente ao benefício de seus associados que dirigem suas atividades a público restrito, categoria ou classe.

As entidades e organizações de assistência social podem ser:

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I – de atendimento, quando realizam de forma continuada, permanente e planejada, serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e/ou especial e de defesa de direitos sócio-assistenciais, dirigidos às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidades e risco social e pessoal, conforme preconizado na LOAS, na PNAS, portarias do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e normas operacionais. II – de assessoramento e defesa e garantia de direitos, quando realizam, de forma continuada, permanente e planejada, serviços, programas e projetos voltados prioritariamente para defesa e efetivação dos direitos, pela construção de novos direitos, promoção da cidadania, enfrentamento das desigualdades sociais, fortalecimento dos movimentos sociais e organizações de usuários, formação e capacitação de lideranças, dirigidos ao público da política de assistência social, conforme a LOAS, a PNAS e suas normas operacionais (...)

Relembramos que o terceiro setor possui um caráter heterogêneo. Como é

explicitado por Yazbek (2002, p. 174) em suas análises sobre o crescimento do

Terceiro Setor, presentes no texto “Voluntariado e profissionalização na intervenção

social”,

estamos tratando de um amplo e diversificado conjunto de organizações e iniciativas privadas, sem definição clara, apoiadas por formas institucionais também diversificadas, que prestam serviços sociais a indivíduos e grupos em situação de vulnerabilidade econômica e/ou social, assumindo finalidades públicas no país e em todo o mundo. Na prática, um conjunto heterogêneo, agrupado de modo impreciso, que conforme estudos do Instituto Superior de Estudos da Religião – ISER (1999), compõe-se no Brasil (estimativa) de 220 mil entidades beneficentes, religiosas ou laicas, associações, institutos, fundações empresariais ou não, organizações não governamentais (ONGs) e outras instituições diversas sem fins lucrativos que atendem milhões de pessoas, movimentando recursos provenientes de pessoas físicas e de doações individuais, sem esquecermos que, em grande parte delas, a garantia de seu funcionamento é proveniente do próprio Estado, pois poucas são auto-suficientes e a maioria não sobrevive sem investimentos governamentais (...).

Deste vasto grupo, encontramos apenas as entidades beneficentes como os

espaços nos quais estão inseridos nossos sujeitos; trabalhar em entidade,

especificamente, não foi um critério, mas esse dado mostra a força que essas

possuem dentro do grupo que chamamos de “terceiro setor”. Conforme citado são

entidades de assistência social de atendimento.

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A afirmação anterior ficará clara à medida em que formos apresentando as

entidades; desde já, adiantamos que todas prestam serviços de proteção básica,

atendimento à criança e adolescente, com caráter sócio-educativo.

A primeira entidade, AADA – Associação de Apoio ao Deficiente Auditivo -

desenvolve um programa de atendimento à criança e ao adolescente com

deficiência auditiva; desse modo, é a única entre as pesquisadas que presta

serviços de proteção especial de média complexidade, de habilitação e reabilitação

de pessoas com deficiência.

A profissional apresenta esse programa como alternativo, uma junção ou um

“mix”, como em suas palavras, de clínica e escola, (...) onde todos os profissionais

envolvem temáticas e trabalhos que abrangem a leitura, a escrita e a própria

aquisição de vocabulário através de libras. Seu público-alvo são crianças e

adolescentes; no momento da entrevista eram atendidos cinqüenta e seis, além da

extensão às famílias ou ao cuidador da criança, dando suporte e ensinando a este a

comunicação com a criança por meio da linguagem de sinais, além de um trabalho

de geração de renda com as famílias. A diretoria é composta por voluntários, sendo

essa uma exigência do Estatuto da Entidade e, conforme destacado pelo sujeito, “é

obrigatoriedade frente à própria constituição”.

A profissional contou-nos um pouco do histórico da organização.

(...) Em 1989, teve um surto de meningite em São José e seis crianças da Igreja

Evangélica foram acometidas pela meningite e ficaram surdas; não existia fonoaudiólogo em

São José, nada que se direcionasse a surdez, até porque a maioria dos surdos, quando

conseguiam desenvolver a fala, tavam em alguma escola; por outro lado os que não

conseguiam, tavam dentro de casa, sendo confundidos até com deficientes mentais; é um

histórico muito sério do surdo, é esse. Aí, esse grupo de pais se uniu e começou:

contrataram uma fono de Jacareí, uma educadora de São Jose que tava se especializando

em deficiência pra trabalhar com essas crianças. Então, era uma escolinha, aí com o passar

do tempo a coisa foi tomando proporção e divulgação que as pessoas da comunidade de

São Jose começou a procurar. A partir disso, foi um momento de boom também dentro da

profissão de fonoaudiologia, aí começaram as fonos se formarem, montarem consultórios,

então como essas pessoas tinham uma condição socioeconômica mais elevada, eles

acabaram pondo seus filhos em fonoaudiólogo particular e se desvinculando da AADA. Aí, a

Igreja continuou cedendo o espaço, mas na verdade já não ficou mais nenhuma criança da

própria Igreja, só da sociedade de São Jose, e foi aumentando de seis, foi para 12, 15, 25 e

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nós temos um fluxo, já que passou pela AADA de mais de 300 crianças. Hoje o espaço não

tem mais nada a ver com a Igreja. Ao longo desses dezoito anos a AADA foi se

desvinculando e formando personalidade, ou seja, ela se tornou dentro da realidade do

município, e das necessidades dos deficientes auditivos e surdos, um modelo de trabalho,

não há de se descartar que a AADA seja uma escola especializada de surdos, de formação

do ensino fundamental, mas até então a AADA ta baseada num programa alternativo de

atendimento ao surdo, que é o mix de atendimento. (Sujeito I).

A segunda entrevistada trabalha em uma creche de vínculo confessional

desde sua origem. São atendidas crianças de um ano e meio a três, em período

integral e em atendimento de jornada ampliada; crianças de quatro a seis anos

permanecem na creche no período contrário à escola. A creche possui estrutura

adequada para atender 120 crianças. Foi fundada por Monsenhor Teodomiro Lobo,

em 05 de outubro de 1970, para construção de seu prédio atual; naquele momento,

contou com a colaboração dos funcionários da Nestlé. Desde 1996 é dirigida pelo

Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus. A chefia é toda religiosa,

como explica a profissional, “são irmãs, aqui nós somos filial, a sede fica em São

Paulo, e elas que fazem a parte administrativa da creche”.

A creche Santo Antônio funciona no município há mais de vinte e cinco anos. Nesse

prédio novo faz dez anos, antes funcionava numa casa mais precária. E esse prédio novo, é

um sonho do Monsenhor Teodomiro. Ele era pároco da Paróquia Nossa Senhora D’Ajuda e

o sonho dele era construir uma creche, num espaço maior, mais adequado, pra então,

atender as crianças carentes do município. E ele queria que essa instituição fosse

administrada por uma instituição religiosa, então ele solicitou ao Instituto das Apóstolas do

Sagrado Coração de Jesus, elas vieram para Caçapava e assumiram a obra há dez anos.

(Sujeito II).

Na terceira entidade, a Creche Federação Espírita do Estado de São Paulo,

também encontramos o trabalho com crianças e adolescentes e, como se pode

observar em seu nome, possui origem e direção espírita. Esta realiza atendimento

de creche e a jornada ampliada; são atendidas crianças e adolescentes de seis a

quatorze anos. No regime de creche, as crianças permanecem em período integral:

o período da manhã com processo de aprendizado e o da tarde com atividades

lúdicas. Os adolescentes recebem atendimento sócio-educacional, através de

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oficinas, grupos de temáticas, grupos de adolescentes, roda de conversa, entre

outros.

A entidade já está aqui há quinze anos. A pessoa que idealizou, a Maria Francisca,

na realidade, a intenção dela era um orfanato e isso mudou com o tempo. A gente passou

por questão de 1990, em adequação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, passou pro

trabalho sócio-educacional em meio aberto, que são as atividades sócio-educacionais. (...)

Nós trabalhamos com quatro educadores, o eixo do nosso trabalho é a informação, e

informação da melhor qualidade, em todos os aspectos, que se refere à vida dessas

crianças e adolescente, que isso interfira de alguma forma na reflexão da vidinha deles lá no

mundo.(Sujeito III).

O sujeito III destaca que, embora exista o vínculo confessional, não há

interferência deste no trabalho que realizam.

Nós não temos interferência nenhuma da questão do trabalho com a espiritualidade,

tanto é que maioria dos nossos profissionais aqui, eles não são da religião. O projeto sócio-

educacional fica sob a minha coordenação. E tem também toda equipe técnica, que é a

pedagoga, a nossa administradora, a assistente dela da administração, e a gente tem todo

um trabalho voltado, a única pessoa na realidade que é da religião, é a administradora. É a

chefia geral aqui de São José. Mas também não temos interferência nenhuma, em momento

nenhum dela em relação ao trabalho. Ela vem porque nós temos a sede em São Paulo, tem

todo um processo de presidência, então ela foi destinada pra estar aqui nessa sede. (Sujeito

III).

A quarta entidade, O Lar Escola Santa Verônica, foi fundada em 02 de março

de 1919, e também possui semelhanças com as anteriores, vínculo confessional,

criada por frades e dirigida atualmente por irmãs da Igreja Católica. Seu atendimento

é dirigido às crianças e adolescentes, possui atendimento de creche e também

jornada ampliada, chamada de projeto alternativo; crianças do ensino fundamental

até doze anos fazem diversas atividades, têm o reforço escolar, dança, música,

teatro e capoeira, etc.

É interessante o fato de que, em 1919, nem se falava em terceiro setor, mas

já existiam formas de atendimento à população da iniciativa privada. Dentro de uma

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outra lógica, a da benemerência, filantropia e caridade, questão que é melhor

explicada por Yazbek (2002, p. 173):

Sabemos que a presença do setor privado na provisão social não é uma novidade na trajetória das políticas sociais brasileiras, bastando lembrar que a primeira Santa Casa de Misericórdia foi criada em Santos (São Paulo) em 1543, dando início à presença do setor privado nesse campo. Assim, podemos afirmar que a filantropia no Brasil está enraizada em nossa história trazendo em seu bojo o trabalho voluntário. Mas, inegavelmente, nos anos mais recentes esta presença, além de se diversificar em relação às tradicionais práticas solidárias, vem assumindo uma posição de crescente relevância no incipiente sistema de Proteção Social do país, confirmando o referido deslocamento de ações públicas estatais para iniciativas privadas.

É uma entidade que existe há 107 anos, bem antiga em Taubaté. O início dela foi

com o Frei, uma congregação franciscana, a princípio quem começou a trabalhar eram os

freis franciscanos. (...) Aí eles passaram pras irmãs franciscanas. A fundadora é a Madre

Cecília. Então assim, eles começaram em Piracicaba, mas agora a Congregação tá

localizada em Campinas. Então a mantenedora da congregação é em Campinas, e as casas

atendidas eles chamam de mantidas. Então a organização tem a presidência, a parte

administrativa da Cúpula da Congregação está em Campinas, aqui tem uma pessoa que é

responsável. São irmãs, uma na parte administrativa, e uma que é da parte pedagógica,

diretora pedagógica daqui, porque o trabalho que é feito com as crianças na parte da

educação. (Sujeito IV).

Dois dados presentes nessas organizações chamam atenção: a priorização à

infância e adolescência e a origem confessional dessas entidades. Três delas

realizam trabalhos de creche e jornada ampliada, apenas a primeira é mais

específica por atender a um público com deficiência auditiva. Quanto a essa

prioridade que se dá às crianças e adolescentes, acreditamos que as explicações

encontradas para entender o motivo da área infância e adolescência serem

privilegiadas pelo empresariado (GÓIS, SANTOS; COSTA, 2004, p. 92), também

servem, em partes, para explicação da realidade encontrada nesta pesquisa.

Uma delas é sua grande importância na história das nossas práticas assistenciais. Em torno das questões da criança e do adolescente foram modeladas profissões e criados grandes aparatos

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institucionais – as redes de orfanatos, creches, centros de puericultura e as Febens – sempre, aglutinando esforços e recursos materiais e simbólicos coletivos na definição do problema e no modo de atuar junto a ele (Mott, 2001 e 2003). Uma outra foi a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, mais do que um diploma legal, constituiu a materialização do amadurecimento de antigas reflexões de diferentes agentes que, nos marcos da redemocratização do país, puderam modelar uma agenda pública de debates sobre o assunto e, assim fazendo, colocar a questão no centro das chamadas grandes preocupações nacionais. Uma terceira diz respeito à publicização das pressões internacionais pela garantia dos direitos das crianças e adolescentes com freqüência violados no Brasil, dentre outros, pelo assassinato de meninos e meninas de rua, pela violência doméstica e pela exploração do trabalho infanto-juvenil.

O vínculo confessional está presente nessas entidades, mesmo que apenas

em sua origem. Duas são originadas na Igreja Católica e ainda vinculadas a

congregações de irmãs, uma originada na Igreja Evangélica, mas que, ao se

desenvolver se desvinculou da Igreja, e outra originada e vinculada aos espíritas.

Nota-se que apenas uma entidade desvinculou-se de sua origem confessional e não

possui um nome ligado a ela.

As palavras de Landim (1993, p. 35) acerca das entidades de assistência

social confirmam que o quadro de entidades, aqui apresentado, descreve a situação

da realidade brasileira.

Nascem e se desenvolvem, como se viu, à sombra da religião: durante mais de três séculos sobre o monopólio quase exclusivo da Igreja Católica, seguindo-se uma diversificação, sobretudo, com as várias Igrejas Protestantes e grupos Espíritas.

A autora chega a essa conclusão com base em pesquisa histórica, na qual

constata que a relação Igreja/Estado está presente desde o período colonial até

1993, data de sua pesquisa; utiliza os dados disponíveis pela Receita Federal, nos

quais encontramos: 29,13% das entidades sem fins lucrativos no Brasil são

“religiosas”, “beneficentes” ou de “assistência social”.

Embora nas entidades pesquisadas encontremos semelhanças naquelas

vinculadas à Igreja Católica, faz-se importante a explicação de Falconer (1999, p.

95) sobre a diversidade desta Igreja:

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Embora normalmente imaginada como uma entidade monolítica e fortemente hierárquica, a Igreja Católica é formada por um mosaico de organizações que se consolidaram como entidades semi-autonômas, atendendo a diferentes necessidades materiais e da fé. Além da estrutura formal mais aparente – paróquias, dioceses e arquidioceses – figuram as ordens religiosas, as entidades de caridade, os hospitais, as universidades, a Conferência dos Bispos, as pastorais e milhares de comunidades eclesiásticas e organizações de base. Nesta Igreja multifacetada, diversos interesses, doutrinas e orientações políticas competem, refletindo da dinâmica internacional da Igreja, mas também o seu posicionamento no Brasil. A corrente progressista da Igreja Católica formou a matriz a partir da qual se formaram muitos movimentos sociais e mesmo entidades comunitárias seculares.

Um estudo mais recente confirma a atualidade dos dados utilizados por

Landim em 1993. Realizado em 2004 por IBGE e IPEA, em parceria com a

Associação Brasileira de Organizações não-governamentais (ABONG) e com o

Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), esse estudo faz um retrato

completo das 276 mil instituições privadas e sem fins lucrativos; um de seus

resultados mostra que as entidades sem fins lucrativos ainda possuem uma forte

presença confessional.

Outra característica dessas instituições sem fins lucrativos é a grande participação de entidades religiosas. Cerca de 26% delas dedicam-se diretamente às atividades chamadas confessionais, que são as ordens religiosas, templos, paróquias, centros espíritas etc. Isto sem considerar as instituições de origem religiosa, mas que se dedicam a outras atividades e que têm personalidade jurídica própria, como colégios, faculdades e hospitais. Donde se conclui que a influência da religião no âmbito dessas organizações é bem mais ampla.

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2.2 Características das organizações: financiamento, captação de recursos, voluntariado e critérios dos programas.

A pesquisa do IBGE (2004), referida anteriormente, também mostra outro

dado que se repete no presente estudo:

Levando em conta todas as fontes de financiamento – não apenas a principal -, 8.964 das 16.089 entidades de assistência social (55,7%) recebiam algum recurso público das esferas municipal, estadual ou federal. O financiamento municipal era o que mais se destacava, atingindo 84,9% das entidades que recebiam recursos públicos. Em seguida, vinham o financiamento estadual e o federal, que chegavam a, respectivamente, 39,5% e 40,5% das entidades.

É muito importante observar que a principal fonte de financiamento das

entidades pesquisadas mantém-se por meio de convênios com o poder público.

(...) ela tem um convênio com a Secretaria de Desenvolvimento Social de São Jose

dos Campos, que é a SDS, esse convênio banca 40% do custo de 50 atendidos, então na

verdade ele é menos, porque é caro o atendimento especializado e os outros atendidos são

da contrapartida da AADA. A contrapartida da AADA são cursos de libras, assessoria que a

gente faz. Nós temos uma equipe técnica especializada, então a gente dá assessoria para

empresas, para as escolas, pra outras instituições, pra grupos de profissionais e damos

cursos também, fora isso a gente vende camisetas, produtos promocionais, feitos na própria

oficina de pais. (Sujeito I).

Nós temos recursos próprios pela mantenedora, que é o Instituto das Apóstolas do

Sagrado Coração de Jesus, e nós temos três convênios. O convênio federal e nós temos

dois convênios municipais, um da secretaria de educação e outro da secretaria de cidadania

e desenvolvimento social; temos contribuições voluntárias e eventos. (Sujeito II).

(...) hoje nós temos um projeto que é bancado pela Secretaria de Desenvolvimento

Social. E, temos o Cecoi13, que é Educação. (Sujeito III).

13 CECOI significa Centro Comunitário de Convivência Infantil, é um programa da Prefeitura de São José dos Campos, que funciona em parceria com as entidades sem fins lucrativos. “Seu principal objetivo é atender crianças de 0 a 6 anos de idade em período integral, filhos de mães trabalhadoras” (Guia de Programas Sociais, 2005, p. 27).

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É um convênio que a entidade tem. Convênio, porque não mantém direto, um

convênio que tem com a Prefeitura, no atendimento de crianças na faixa dos dezoito meses

a cinco anos, que agora é o jardim, as crianças da classe de alfabetização, daí no caso é de

seis a doze, até a educação infantil é o convênio com a Prefeitura. E, o que chama de um

projeto alternativo Como o projeto é do estado, tem uma exigência do Estado que sejam

crianças de baixa renda realmente, então tem um limite de salário, que é até dois salários.

(Sujeito IV).

Observamos que todas possuem convênio com município, duas delas

possuem dois convênios municipais, com as secretarias de educação e assistência

social; tem-se ainda, um convênio estadual e um federal. Isso confirma algo

analisado no início deste capítulo: não há separação entre os setores da sociedade

e existe uma fusão de recursos que deixa essa relação ainda mais nebulosa. Para

Landim (1993, p. 35) essa questão é explicada pelo fato da própria postura das

entidades.

(...) as entidades de assistência social, por sua vez, estão geralmente distantes dos valores da “militância” e do campo dos movimentos organizados. Não parecem apresentar maiores problemas de relacionamento com órgãos governamentais sendo clientes, ao menos virtualmente, de seus recursos.

Abrimos “parênteses” para questionarmos a efetividade do controle público

sobre esses recursos. A pergunta que fica é: se as entidades assistenciais, por meio

da participação da sociedade civil, controlam o investimento do Estado, situação a

que somos favoráveis, quem efetivamente controla os recursos que o Estado

repassa para essas entidades?

Esse não é o foco da pesquisa e por isso não pode ser tratado com

profundidade, mas, quando se trata do recurso público, é difícil não falar em sua

fiscalização. A corrupção no terceiro setor tem sido muito divulgada; como exemplo,

a sociedade tem acompanhado a chamada “CPI das ONGs”.14

14 “A CPI das ONGs é o nome dado para investigações sobre repasses de dinheiro para ONGs, entre 1999 a 2006. Após o estouro do Escândalo do Dossiê em 15 de setembro de 2006 e de que a ONG Unitrabalho, que tem como colaborador o petista Jorge Lorenzetti, teria recebido mais de R$ 18 milhões da União desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, como denuncia a ONG Contas Abertas. (...) Desde o final de setembro de 2007, há possibilidade desta CPI entrar em funcionamento antes do fim do ano, pois atinge muitos governistas e oposicionistas.” Fonte: Wikipédia.

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A imaginação popular cunhou um termo para denominar as organizações empresariais “sem fins lucrativos” que comentem freqüentes abusos e irregularidades, aproveitando-se da isenção tributária e do status de utilidade pública para atingir objetivos econômicos e políticos privados: “pilantropia”. (FALCONER, 1999, p. 101).

Chamou-nos a atenção que, mesmo sem questionarmos, duas profissionais

fizeram menção a situações de corrupção em organizações do “terceiro setor”.

Por outro (lado) a gente tem vivido situações delicada por conta de muitas formações

de “terceiro setor” que vieram pra tirar vantagem. Organizações não sérias, não idôneas, ou

com atitudes duvidosas. Aí estremeceu um pouco, porque, infelizmente, a sociedade acaba

desconfiando, nivelando todo mundo, né. Então, essa foi a desvantagem. (Sujeito I).

As instituições procuram, na medida do possível, fazer seu trabalho com

transparência; a gente já teve muita dificuldade, por problemas irregulares, pessoas

desonestas, que acaba até atrapalhando também o trabalho da gente. (Sujeito II).

O controle externo não pode ficar por conta da própria entidade. Se a verba é

pública, a fiscalização deve ser efetiva e de caráter público, não burocrática, de

forma que não gere dificuldades para as entidades. Assim, não é ao acaso que a

regulamentação do artigo 3º da Loas traga em seu texto a importância da

transparência das ações e a aplicação de recursos exclusivos para atender aos

objetivos institucionais, como uma característica essencial das entidades e

organizações de assistência social.

No que se refere ao financiamento, há outro dado interessante. Embora os

convênios sejam a principal fonte de recursos dessas entidades, todas, de alguma

forma, têm sua contrapartida, seja pelas mantenedoras ou por outras formas de

captação de recursos. Perguntamos aos sujeitos se existe captação de recursos,

atividade típica dessas entidades, e se o Serviço Social seria responsável por essa

atividade e obtivemos as seguintes respostas:

É de todos, diretoria, voluntários, associados, equipe técnica, a gente vai atrás. Tem

aí um grupo de senhoras que todo ano faz bazar, aí conhece a pessoa, ficou sabendo. Olha

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aqui a AADA, se puderem colaborar, vai conhecer o nosso trabalho, então tá, essas

pessoas passaram anualmente a fazer doação financeira, ou então, fazem em material. Tem

voluntários na parte de informática, manutenção, é isso. (Sujeito I).

Ativamente, toda parte de captação de recursos é o Serviço Social que faz, toma

frente, na parte de eventos, toda programação que tem que fazer, na celebração de

convênios é o Serviço Social que faz. (Sujeito II).

Não temos ainda, o que a gente faz proporciona em alguns momentos, alguns

eventos durantes o ano, como a nossa feijoada, vamos ter a macarronada nesse final de

semana, e a festa junina. E é a Serviço Social que coordena esses eventos? Isso na

realidade, não necessariamente, é a equipe. (...) Quando há esses eventos, todos os

funcionários da casa vêm. (...) Em alguns momentos, a macarronada é como voluntário,

mas a festa junina e a feijoada é na realidade um acordo que a gente paga os feriados,

emendas. (Sujeito III).

Tem alguns eventos... É, tem o bazar toda segunda e quinta feira abre também para

captação de recursos. Festa Junina tem também... A receita Federal também faz doações

de material de apreensão, aí eles também doam para entidade. (...) O meu trabalho ele é

para atendimento das crianças e da família. (...) Essas coisas assim elas (as irmãs

religiosas) que fazem. Olha, eu não gosto. Eu não sei como você estudou, mais quando eu

estudei, essas atividades não são da nossa área. Então assim, eu não me envolvo, porque

não há necessidade, não é minha área, até para não ficar misturando muito. O que é da

minha área eu não passo para ninguém, então, o que não é da minha área, também não

assumo. (Sujeito IV).

Foi uma grata surpresa encontrar uma profissional que não participa de

eventos de captação de recursos por entender que isso não faz parte do trabalho do

Serviço Social; concordamos plenamente com seu posicionamento, a surpresa deu-

se pelo fato das três entrevistadas anteriores participarem dessas atividades. Bom

também saber, que ao menos, essas atividades, nem sempre são coordenadas pelo

serviço social, mas por toda equipe, o que faz com que o profissional não assuma

essa responsabilidade de forma integral, e não gere mais atribuições fora de sua

área. O fato dessas atividades serem aos finais de semana e não remuneradas,

voluntárias mesmo, conforme as falas abaixo, impressionou-nos muito.

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Aí é minha parte de voluntária, não faz parte da minha função. Porque existe uma

voluntária em marketing, que é responsável por isso, então a gente só discute, por exemplo,

vai ter um encontro numa empresa tal, a gente foi convidado. Vale a pena ir, ou não vale a

pena. E, quais são as pessoas, aí entram os profissionais enquanto voluntários. Aí vai fora

do horário de trabalho. E a gente faz, todo mundo vai. Quem tá aqui na AADA, é porque

realmente tem o mesmo propósito, tá envolvido. Trabalho institucional é muito disso. (...)

Sabe, não é só a capacitação técnica do profissional, é também, aqui todos nós temos pelo

menos pós-graduação, mas a gente tem essa proposta de voluntariado também. (...) Então,

final de semana, vamos supor, a gente vai vender sorvete no Parque da Cidade, como já

aconteceu. Quais são as pessoas que podem ir? Fulana, então, vamo fazer uma escala, a

gente faz essa escala, pra não pesar pra todo mundo, todo mundo participa. Não sente

uma obrigação? Não, não, a gente se diverte, aqui, a gente se diverte muito. Como você

mesmo citou, o ambiente daqui é gostoso, é tranqüilo. A assistente social como teve uma

reunião, ligou que ia atrasar, vai ter uma reunião agora à tarde, as mães tão lá, tão

conversando, elas vão pegando as coisas que tem para fazer da oficina e vão fazendo, já

tem uma linha, entendeu? Já tem um fluxo. (Sujeito I).

Aqui na creche Santo Antonio final de semana é muito difícil a gente trabalhar, a não

ser quando a faz algum evento, alguma festividade especial, dia dos pais, dia das mães, que

daí a gente procura fazer no sábado, ou quando tem algum evento pra angariar fundos, aí

sim, aí a gente vem pra trabalhar. Todo trabalho é voluntário. Tudo que passa do seu

horário de trabalho é voluntário? Algumas vezes sim, outras vezes a gente faz banco de

horas, então, a irmã fala tal terça você pega folga, e isso e aquilo, mas remunerado mesmo,

esses trabalhos não são não. Todos os funcionários trabalham nesse sentido.(...) eu venho

porque eu gosto, a gente e outros profissionais aqui dentro, não vem porque foi solicitado,

vem por amor a causa. Vão fazer dez anos que eu estou aqui na Creche Santo Antonio,

então todo processo de formação, de construção, eu presenciei, vivenciei, então a gente

acaba criando um vínculo muito grande, e eu gosto muito do trabalho que é realizado aqui, a

pesar de ter muitas dificuldades. As irmãs que administram elas têm uma consciência em

relação ao trabalho, em terceiro setor, elas até que valorizam muito. Então, quando a gente

é solicitado para trabalho voluntário, ou até pra formação, a gente tem formação interna, eu

venho por livre e espontânea vontade mesmo, porque eu gosto. Mas assim, outros lugares

que eu fui solicitada para ir e tudo mais, eu já me senti assim um pouco..., mas aí quando

você chega vê o trabalho você até muda um pouco de opinião. Mas a questão do

voluntariado pra mim é muito importante, a gente cresce e aprende muito. Essa outra

instituição que eu trabalhei, fui como voluntária, ia todos os sábados, era com dependência

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química, mas assim, eu só não continuei por conta da direção, porque a direção não

valorizava o trabalho do Serviço Social, só queria você para assinar documento, e aí esse

não é o meu objetivo. No meu objetivo, assinar papel é o de menos. O trabalho que você

desenvolve com eles, a confiança que conquista ali, eu fiquei seis meses lá, e quando eu

saí... é até hoje alguns da administração até pedem, volta seu trabalho tava ficando bom,

isso e aquilo. Mas quando você se esbarra com uma diretoria que só quer que você faça

aquilo que é do interesse deles, e o diretor é político, aí a coisa não caminha, então aí não é

pra mim não. Mas o voluntariado também é algo muito gratificante de se fazer. (Sujeito II).

É o vestir a camisa daquilo que eu faço. A gente vem, vem com muito prazer, não

tem essa preocupação da questão com banco de horas, com valor esse ou não seja lá o

que for. A gente vem, se doa da mesma forma como se nós tivéssemos na execução do

trabalho. E tem uma equipe que é muito boa aí pela frente. Tudo isso colabora. (Sujeito

III).Na verdade no primeiro caso, não é a assistente social que participa dos eventos,

mas a pessoa; ela sabe que não é função do Serviço Social, dessa forma,

respeitamos seu propósito pessoal e acreditamos que essa distinção tem

importância, principalmente, se for reconhecida pela equipe de profissionais.

Nessa pesquisa não conseguimos saber até que ponto isso realmente é uma

escolha totalmente livre para essas profissionais. Pelas falas, parece-nos que sim,

mas no primeiro caso, percebemos que o voluntariado é um direcionamento da

entidade; fica, então, um questionamento se o ato é tão voluntário assim.

Apenas na segunda entidade o serviço social é responsável por toda essa

parte, talvez, por ter uma característica mais tradicional, dirigida por irmãs. Mas, se

compararmos com a última entidade, que possui essa mesma característica,

podemos entender que também depende da postura profissional. Na segunda

entidade, também parece que o ato voluntário é um direcionamento, já que atinge a

todos os profissionais, além do que, até a formação interna é realizada no final de

semana e sem remuneração.

Uma reflexão que fazemos é como ficarão os/as próximos/as profissionais

que ocuparem o lugar de assistente social nessas entidades? Será que poderão se

recusar a trabalhar finais de semana voluntariamente? Bem, fica a dúvida.

O assistente social pode colaborar na captação de recurso, mas dentro do

horário dele e se for algo combinado, que faça parte da relação contratual entre

entidade e profissional. Por outro lado, é bonito ver o envolvimento dessas

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profissionais com o trabalho que executam, o vínculo que essas profissionais

criaram com o tempo. O sujeito II trabalhou em outro lugar, como voluntário, mas

não houve valorização de seu trabalho, por isso, afastou-se; então, ela tem essa

atitude porque acredita no trabalho, além do que, como foi colocado, o motivo que

mais a leva a trabalhar nos finais de semana é a dificuldade em participar dos

eventos nos dias de semana. Como veremos no próximo capítulo, essas

profissionais preocupam-se com a qualidade do atendimento que prestam, o que

nos faz concluir que as entidades poderiam dar mais valor a essa atuação,

melhorando as condições de trabalho dessas profissionais.

A profissionalidade da intervenção do assistente social vai inseri-lo numa relação de assalariamento estabelecendo-se aí um divisor entre trabalho profissional e atividade social voluntária. Convém lembrar ainda que a ação do assistente social é, desde sua emergência, subordinada aos objetivos e ao perfil institucional. O assistente social não desempenha sua atividades como profissional autônomo, não dispondo do controle das condições materiais e organizacionais de seu exercício, o que não significa que a profissão não disponha de relativa autonomia e de características como a possibilidade de estabelecer uma relação singular com seus usuários, o caráter não rotineiro de sua intervenção, a possibilidade de apresentar propostas de intervenção a partir de seus conhecimentos teórico/metodológicos e técnico operativos e ético- políticos. (YAZBEK, 2002, p. 179).

Conforme a citação de Carmelita Yazbek, percebemos que se criou um

divisor entre a profissão e o voluntariado. Aí fica a nossa preocupação, se essas

atitudes voluntárias não vão diminuir esse divisor. Como ela bem explica, o

assistente social é subordinado à instituição e aos seus objetivos e, claro, possui

uma autonomia relativa. Para nós, essa subordinação pode explicar essa questão.

Procuramos entender em que valores se baseiam as atividades voluntárias.

É facilmente observável que a dimensão, visibilidade e protagonismo assumida pelo Terceiro Setor, no âmbito da solidariedade social, resulta em grande parte do trabalho voluntário, pois, sem dúvida, a filantropia e a provisão assistencial tem sido, ao longo da história, campo de valores como o altruísmo, o solidarismo e a ação voluntária. Esses valores, assim como a ação de voluntários, são seculares e estão vinculados a dinamismos confessionais, comunitários e humanitários diversos e heterogêneos. (YAZBEK, 2002, p. 177).

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O vinculo confessional pode estar não apenas na entidade, mas também no

profissional. As falas em que elas afirmam que não sentem uma obrigatoriedade,

que fazem porque gostam ou fazem de coração, permitem essa inferência.

Acreditamos que pode pesar o vínculo confessional, o fato de não haver fins

lucrativos ou pagamento por parte das crianças que são usuárias.

Percebemos que hora-extra é algo que não existe nessas entidades; mesmo

para o sujeito IV, que tem um posicionamento mais crítico, as horas-excedentes

funcionam como banco de horas. Interessante é notar que se é algo que ela entende

como do âmbito do serviço social, ela passa do seu horário; por outro lado, afirma

que é flexível, tanto para as necessidades da instituição, quanto para as dela

própria. Não é a entidade que define o dia de folga.

Sabe o que acontece, eu tenho um horário para cumprir, se eu, por exemplo, falar

amanhã eu não posso vir por causa disso, também não tem problema. Eu tenho uma

liberdade com relação a isso, que até agora, então eu não tenho muito isso, quando é

preciso fazer alguma coisa e sair 11h eu saio tranqüilamente. (...) Eu tenho essa flexibilidade

porque se você começa também deu meio dia eu vou embora. Agora qual que é o meu

compromisso profissional? Você tem que levar em consideração isso. Se eu amanhã

começar a chegar depois da hora, aí muda de figura, e nesses anos eu não tive esse

problema. Se eu precisar sair eu saio, se eu precisar chegar mais tarde, sempre procuro

avisar, evidente, sem problemas. Eu não tenho problema com relação a isso, é bem flexível.

Além de captar recursos, em muitas entidades o assistente social possui a

atribuição de atrair voluntário. Yazbek (2002, p. 178) entende que a concepção de

voluntariado que prevalece

(...) é do cidadão que, motivado pelos valores da solidariedade e da participação social, doa seu tempo, seu trabalho e seus talentos, de modo espontâneo e não remunerado, para causas de interesse comunitário, humanitário e social.

Para Landim (1993), as entidades de assistência social “são, no geral, menos

profissionalizadas e o trabalho voluntário tem mais peso e valor simbólico”.

Então tem voluntário que trabalha na área de marketing, serviços gerais e na própria

oficina também tem alguns voluntários que devem ensinar algum tipo de habilidade. (...) O

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Serviço Social tem essa função aqui dentro, dentro da hierarquia, do organograma da

AADA, o Serviço Social tá ligado diretamente à Coordenação Técnica, que hoje passou a

ser da fonoaudióloga. (Sujeito I).

Temos, mas nós temos dificuldade com o voluntariado, porque a gente acaba não

podendo contar muito com eles. Atualmente, nós temos somente três voluntários. (...) Não, a

questão do voluntariado fica para parte administrativa, o primeiro contato até é feito pelo

Serviço Social, mas a conversa mesmo, o contrato de voluntariados, que é feito com eles e

tudo mais, isso é feito pela irmã responsável. (Sujeito II).

Então, nós temos hoje o voluntário da oficina de artesanato, duas voluntárias para

oficina de artesanato, uma realiza terça-feira, e uma quinta-feira. (...) Então, isso a gente

tem acompanhado. Na realidade a gente não adotou ainda a questão do voluntariado aqui

na entidade, porque nós tivemos algumas experiências que não foram positivas. Porque o

voluntário geralmente são pessoas que de alguma forma estão desempregadas. E, aí o que

acontece, eles entram começam um trabalho, daqui a pouco desistem, no meio do caminho.

Então, isso não foi positivo, nós tivemos uma voluntária que foi de psicologia, não foi bom, a

experiência não foi boa. A de inglês também, nós tivemos o mesmo problema: na hora que

conseguiu um trabalho, saiu. A gente sentiu assim, que a gente ficou abandonado, por eles,

e mais que nós, foram as crianças. Então, a gente não adotou ainda, por essa questão da

responsabilização, do comprometimento, porque acho assim, não sei se é próprio da região,

mas é difícil, ou por conta da questão da espiritualidade que a organização adota, não sei. A

gente ainda, não chegou a um consenso em relação a isso. (...) uma experiência que não foi

positiva pra nós aqui. As duas que se propuseram de artesanato, a gente tentou porque são

pessoas que na realidade, já são aposentadas, tem uma outra renda, não depende do

trabalho específico. Então, para nós, foi mais tranqüilo. Elas dão oficina de artesanato pro

Centro de Convivência às terças e quintas-feiras. (Sujeito III).

Olha com as crianças a gente evita trabalho de voluntário, porque, até quando eu

entrei tinha, mas o trabalho voluntário ainda é difícil até aqui mesmo. O trabalho do

voluntário eu admiro, eu trabalhei como voluntária, sei que a pessoa faz uma doação, quem

ganha mais, normalmente, é o voluntário, mas ele também tem que ser tratado com

respeito, porque uma coisa é você ter um funcionário, ele tem hora pra chegar, hora pra sair

e o voluntário, não. Então assim, como não se aprendeu a lidar bem ainda, eu,

normalmente, não recomendo voluntário, pra trabalhar com as crianças. Porque assim, você

olha pras crianças, as crianças são bonitinhas, o voluntário ele se apega àquela criança em

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detrimento das outras, isso aí tem que ser muito bem trabalhado. Toda a direção pra

trabalhar isso tipo de coisa, não dá pra você se apaixonar por uma criança. (Sujeito IV).

Nesse aspecto, tivemos a impressão de que as entidades pesquisadas têm a

grande preocupação de que o trabalho voluntário não tire a qualidade do

atendimento, principalmente, em relação às crianças e aos vínculos que estas

constroem com aqueles que são seus cuidadores; zelam pela segurança delas, até

mesmo emocional, já que não podem contar com o compromisso do voluntário,

como nas palavras das profissionais. Assim, se um vínculo for rompido

abruptamente, a criança pode ter a sensação de abandono, como o sujeito III

colocou.

Essa rotatividade de voluntários também foi verificada na pesquisa de

doutorado realizada por Cabral (2004, p. 189); ao entrevistar treze gestores de

organizações prestadoras de serviços sociais e de assistência social, conforme a

autora denomina, questionados sobre a importância do voluntariado, nove deles

avaliaram como muito forte. Porém, quando inquiridos sobre a retenção dos

voluntários, a situação é outra; também nove apontaram dificuldades em relação

isso. A autora destacou algumas afirmações de seus sujeitos.

Estamos muito no início do trabalho com voluntários, e não temos ainda um perfil do voluntário que nos interessa, bem como suas atribuições”, ou, “a dificuldade maior é conseguir equacionar suas expectativas pessoais com as expectativas da instituição, e as necessidades de vínculo com os beneficiários. Nosso desafio é informar ao voluntário as nossas áreas de trabalho e, a partir delas, motivá-los a se integrar conosco.

Carmelita Yazbek (2002, p. 183) mostra a incidência do trabalho voluntário na

atuação do assistente social:

Uma delas é a proximidade das práticas voluntárias com as intervenções profissionais, sobretudo, nas ações filantrópicas e de assistência social. Muitas vezes, neste âmbito é conferida ao profissional a tarefa de organizar, supervisionar e orientar ações do voluntariado. Em outras situações, particularmente reveladoras da desregulamentação dos mercados de trabalho, profissionais e voluntários dividem tarefas e responsabilidades.

A autora destaca a importância de abordamos essa questão:

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Se levarmos em consideração o fato de que as ações voluntárias desenvolvem-se predominantemente tendo como parâmetro a perspectiva de atenuar situações de pobreza, exclusão, subalternidade, violências e carecimentos de diversas naturezas, muitas vezes relacionadas ao campo das políticas e ações sócio-assistenciais, espaços onde ocorre inserção profissional dos assistentes sociais, temos aí uma situação a ser cuidadosamente examinada. (YAZBEK, 2002, p. 183).

Falconer (1999, p. 72) apresenta o conceito de voluntaru failure, utilizado por

Salamon (1998), como a incapacidade inerente ao “terceiro setor” de atender a

todas as demandas de serviços públicos; esta deficiência caracteriza-se por quatro

atributos. Apenas o último refere-se ao voluntariado e à profissionalização do

“terceiro setor”:

Amadorismo. Amadorismo é o reverso da moeda do voluntariado. A qualidade louvada de utilização de trabalho voluntário pelo terceiro setor está associada ao problema de sua freqüente falta de capacitação para agir com os meios necessários, que efetivamente atendam a demanda por serviços públicos. A crescente profissionalização do terceiro setor é conseqüência da demanda por serviços prestados por pessoas especializadas: médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros etc., inseridos em estruturas formais.

Os três primeiros atributos apresentados por Falconer (1999, p. 71), também

podem ser reconhecidos ao observamos as características dessas entidades.

Insuficiência: Este é o reflexo do dilema do “free rider”, esboçado anteriormente: nenhuma organização tem condições de obter recursos em volume suficientes para o a operação de serviços públicos na escala necessária para atender à demanda, sem a capacidade de recorrer a contribuições obrigatórias, pois o benefício seria igualmente disponível a todos, pagantes ou não. Somente o Estado, através do poder de tributação, detém esta capacidade. Particularismo: organizações voluntárias tendem a beneficiar grupos de acordo com critérios que julguem importantes, mas que não são, necessariamente, aqueles que assegurem o acesso a todos os que precisam dos serviços. Organizações privadas podem legitimamente optar por privilegiar ou servir prioritariamente aos membros de um determinado grupo étnico, religioso ou mesmo familiar, como preferirem. Por mais louváveis que sejam as ações caridosas das organizações sem fins lucrativos, sua independência e particularismo não permitem assegurar que a totalidade de interesse, demandas e carências serão atendidas. O Estado democrático guia-se por princípios opostos ao particularismo: equidade e universalidade.

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Paternalismo: O controle dos serviços a serem oferecidos, em um sistema controlado por organizações voluntárias, está nas mãos de quem detém os recursos. Independente do mérito da ação desenvolvida, este aspecto legitima as elites econômicas como decisórias sobre os desfavorecidos e nega qualquer tipo de direito a quem recebe. Esta relação tende a criar dependência e subordinação entre os detentores de recursos e aqueles que necessitam deles.

O primeiro deles explica a necessidade das organizações do “terceiro setor”

em adotar critérios. O segundo discute que esses critérios não se baseiam na

equidade, mas na preferência de cada organização. O terceiro questiona o controle

dos serviços e, justamente, pela negação dos direitos, estabelece-se uma relação de

subordinação.

Não estamos dizendo que as entidades têm que atender o mesmo

contingente de pessoas que o poder público. Falamos de critérios transparentes,

baseados na equidade, que é o acesso universal dentre aqueles que necessitam ou

venham a necessitar de tais serviços. A questão é que não há garantias que definam

que esses critérios sejam universais ou resguardados; eles dependerão do

julgamento de cada entidade.

Nós atendemos crianças carentes do município, a gente coloca como um critério pra

tá entrando na creche a mãe estar trabalhando fora, mas a gente não segue muito à risca

esse critério, porque a creche é direito da criança, o Estatuto dá essa garantia, e o que

importa pra gente é a criança estar realmente na creche. E, como a demanda é muito

grande, a gente acaba tendo que selecionar um pouco. Nós temos vários projetos na

instituição, nós temos projetos na área educacional, na área da saúde, nós temos projeto de

lazer e recreação, nós temos projetos de música, e tem o projeto do Serviço Social. (Sujeito

II).

Nós temos um dia no mês que acontece as inscrições, a gente vai pelas famílias que

efetivamente trabalham e que tem uma per capita baixa. Serviço Social é que define, que

faz a visita, que verifica toda questão socioeconômica dessa família para entrar. (Sujeito III).

A educação infantil a mãe deve estar trabalhando, pra criança ficar o dia todo na

creche. E aqui, como nós estamos numa realidade bem diferente dos bairros, nós também

temos um período parcial, porque o Estatuto contempla que a criança tem direito à creche,

ela não fala se é carente ou se não é carente. O direito é para todas as crianças do

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município, então, nós temos o atendimento parcial atendendo até essa criança da região. A

condição sócio-econômica deles é um pouco mais alta, também não é aquela coisa

exagerada; às vezes a mãe não trabalha, a mãe não precisa trabalhar, às vezes o marido

tem um salário um pouco melhor, por cultura, ou dificuldade de emprego mesmo, a mãe não

trabalha. Ela traz a criança aqui, sem problema, nós atendemos prioritariamente as crianças

da região, nesse período parcial. E as crianças, mesmo que seja um pouco mais distante,

mas se a mãe trabalha aqui na região, nós atendemos também, mas a prioridade para o

atendimento de período integral é de que a mãe esteja trabalhando. Até porque se trabalha

para o fortalecimento do direito de família, pra mãe deixar aqui, tem casos também que a

mãe não trabalha, mas aí é onde entra então, no caso, o Serviço Social; nós atendemos

individualmente, sabemos que as situações são diferentes, que cada caso realmente é um

caso, então, mesmo que a mãe não trabalha, existe uma série de coisas: questão de

dependência química, alcoolismo, uma questão de vulnerabilidade social, às vezes o pai tá

preso, a mãe tá presa; nós temos tudo isso, então a gente também não esquece, você tem

também que contemplar essa criança, independente de tá trabalhando ou não estar

trabalhando. Essa área diz respeito ao social, grosso modo, a mãe trabalha, é simples. Mas

você vê, atende cada um na sua necessidade, é esse o trabalho que a gente tenta fazer

aqui. Aí os critérios acabam. São casos especiais, nós temos alguns assim, então essas

crianças também. Vai falar, mas sua mãe tá trabalhando, daí eu acho que choca. Quando a

gente na abordagem, na entrevista, na triagem que a gente faz, você percebe isso, no caso

visita; tudo, constata a necessidade da crianças, é ela que é priorizada. A questão familiar

daí é trabalho num outro momento, o atendimento imediato é para as crianças para que ela

tenha os seus direitos preservados. (Sujeito IV).

É importante notar a referência ao direito à creche garantido pelo Estatuto da

Criança e do adolescente como uma preocupação das profissionais. Até mesmo,

como no caso da última entidade que possui uma alternativa para atender a

demanda de famílias da região, para aqueles que não são necessariamente

“carentes” é destinado o atendimento parcial. Para as mães que trabalham utiliza-se

atendimento integral. Destaca-se nas falas o fato da entidade, mesmo com uma

grande demanda, observar o direito das crianças à creche e buscar cumpri-lo.

Evidentemente, os critérios das entidades de assistência social, de uma forma

geral, são focalistas; nestas que pesquisamos há uma preocupação em atender o

direito em detrimento dos critérios, porém, é algo que depende apenas do

julgamento de cada entidade.

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Na maioria dos casos pesquisados, as ONGs realizam atividades mínimas de manutenção, recorrentes a um modelo de atuação com a pobreza reproduzido desde os programas estatais. Assim, mais de 50% dos usuários atendidos nas ONGs estão na faixa de renda familiar de menos de 1 salário mínimo, enquanto os demais recebem de 1 a 6 salários mínimos. Aqui, surge uma hipótese interessante: a proximidade das faixas de renda dos usuários atendidos, abaixo e acima de 1 salário mínimo, pode significar que as organizações direcionam suas atividades predominantemente para os sujeitos que estão abaixo da linha da pobreza, mas também para aqueles que vivenciam o processo de empobrecimento ou precarização das condições de vida. Os critérios para separar tais usuários por classes distintas estão sendo definidos pelos serviços ou atendimentos prestados aos mesmos pelas ONGs. Se a hipótese for verdadeira, os tipos de serviços ou atendimentos devem ser semelhantes, conforme as classes de renda se aproximem, frente a essa linha de corte (os extremos das faixas de renda atendidas). Caso se confirme tal hipótese, pode-se supor que as organizações estão se tornando a porta de entrada dos sujeitos que empobrecem aos serviços e bens públicos de manutenção de suas necessidades básicas, o que abre oportunidade para uma série de questionamentos derivados. (LOPES, 2004, p. 61).

Critérios para programas o poder público também possui, mas apenas os

direitos têm caráter universal e a garantia que os mesmos critérios serão utilizados

para todos indistintamente. Dessa forma, não acreditamos em terceirização para

implementar direitos, mesmo o discurso dos direitos estando presentes na falas dos

profissionais, ou até mesmo da entidade, isso não resolve esse impasse.

Gutierres (2006, p. 116) ao analisar a noção de cidadania dos movimentos

sociais e a defendida no “terceiro setor”, ratifica nossas argumentações do início

desse capítulo de que a ação do “terceiro setor” é esvaziada de conteúdo político e

não contribui para que se chegue à justiça social.

Daí decorre o contraponto entre uma noção ampliada e uma noção minimalista de democracia. Afinal, apesar do discurso propagado pelas organizações do terceiro setor afirmar seu compromisso com a construção da cidadania, foi possível observar, ao contrapormos suas posições à noção de cidadania trazida pelos movimentos sociais, que as concepções de terceiro setor operam uma redução dessa noção, enaltecendo a ação solidária em detrimento da ação política.

O sujeito I apresentou uma discussão importante que faz nos espaços em que

participa: os conselhos de direito, uma luta em torno dos direitos da pessoa com

deficiência, na qual a maior dificuldade encontrada é justamente a interpretação do

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poder público sobre a legislação social, gerando uma exclusão que vai à contra mão

dessa mesma legislação.

Geral, aonde eu vou, tenho documentos já registrados que eu apresentei o

questionamento. O que acontece reabilitação, por exemplo, do deficiente auditivo, do surdo,

é pelo menos durante quatorze anos da vida dessa pessoa, ela vai precisar de

fonoaudiologia, vai precisar de um aparato educacional, ela vai precisar muitas vezes de

terapeuta educacional, fisioterapeuta, que muitas vezes ela tem um outro comprometimento

associado, psicólogo. Geralmente, a mãe que tem um filho com deficiência, ao longo de

muitos anos, ela não vai conseguir continuar trabalhando fora, ela vai ter que ter alguém se

dedicando a essa criança. Aí fala, ah, mas tem carro, tem casa própria, e o pai ganha

R$1.200,00 por mês, R$ 1.800,00, tem quatro filhos, só esses profissionais, hoje uma

sessão de fonoaudiologia, é na faixa de R$ 70,00, são duas sessões por semana R$

140,00, o professor de apoio, e aí você vai somando. Então, ele não tá dentro da baixa

renda, abaixo da linha da pobreza, não, ele é classe média, mas a classe média hoje no

nosso país, eu digo assim, que é a que ta mais nadando de costas pra se afogar. Porque

quem ta de baixa renda tem o aparato do social, os benefícios, inclusive o próprio BPC que

pessoa de classe média não consegue, quem é rico tem o próprio suporte, classe média, tá

muito difícil a classe média sobreviver. Então assim, a partir do momento que você não faz

uma leitura correta do próprio artigo 3º da LOAS, você tá discriminando uma grande parcela

da sociedade, tá deixando de exercer o que roga o SUAS, o que roga a própria constituição

brasileira. (Sujeito IV).

Vale lembrar, que o terceiro setor é formado por múltiplos atores de natureza

diferente, assim, embora possua características gerais, há exceções de sujeitos que,

ao seu modo, estão lutando pela ampliação dos direitos sociais.

Nesse capítulo fizemos uma discussão acerca da noção de “terceiro setor”

que serviu de base para caracterizarmos as entidades de assistência social que

pesquisamos, as quais possuem a marca da religiosidade e dedicam-se ao

atendimento de crianças e adolescentes. Procuramos analisar pontos que refletem o

processo de crescimento do “terceiro setor”, como voluntariado, captação de

recursos e critérios de atendimento para que se compreenda o espaço em que

nossos sujeitos, assistentes sociais, estão inseridos. Deste modo, propomos para o

terceiro capítulo, aprofundarmo-nos nos impactos desse processo para o Serviço

Social.

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Capítulo 3 - O “terceiro setor” enquanto empregador dos assistentes sociais

3.1 – O Serviço Social diante do contexto atual

Neste capítulo estudaremos o “terceiro setor” enquanto empregador dos

assistentes sociais. Quando pensamos em “terceiro setor”, a primeira referência que

fazemos é sobre seu crescimento. Muitas vezes, em nome desse crescimento, esse

setor é visto com uma panacéia e entre o seu poder de cura está o de fazer face ao

desemprego. Na verdade tal setor constitui, sim, um campo de trabalho, e para os

assistentes sociais é notável sua importância, porém, devemos ter cautela para que

esse pensamento não seja resultado de uma análise superficial, que acredita que o

“terceiro setor” constitui uma nova alternativa para as conseqüências do capitalismo

na vida social e do afastamento do Estado de suas responsabilidades públicas.

[...] apostar nas ONGs como “saída profissional” é desconhecer os graves riscos do pluriemprego – roda-viva em que profissionais são compelidos a várias inserções empregatícias, num processo em que a fragmentação do mercado de trabalho pode conduzir a um processo de desagregação profissional. (NETTO, 1996, p. 122).

Para compreensão do Serviço Social diante do contexto atual e de seus

aspectos relativos aos limites e possibilidades apresentados nesta conjuntura, cuja

inserção no campo de trabalho do “terceiro setor” vem com um dos marcos deste

contexto, é necessário, de forma breve, situarmos historicamente essa profissão em

seu processo de desenvolvimento.

Desde a institucionalização do serviço social enquanto profissão, inserida na

divisão sócio - técnica do trabalho até os dias atuais, a categoria profissional foi

protagonista de muitas transformações. Ora, sabemos que essa institucionalização

se configura no momento em que o Estado amplia sua presença na gestão dos

conflitos sociais, trazendo para si tal responsabilidade, devido, de um lado, à

pressão feita pelo mercado para que fosse garantida a reprodução da mão-de-obra

e, de outro, às demandas impostas pelos trabalhadores.

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A partir da década de 1990, encontramo-nos diante de uma conjuntura

oposta, na qual o Estado está aparentemente se afastando da vida social e

delegando a responsabilidade de atender as necessidades sociais da população à

própria sociedade civil. Os direitos, então, passam a ser enfraquecidos pelo

atendimento solidário e filantrópico. Além de a classe trabalhadora perder direitos

que foram conquistados através de lutas, vemos também o campo de trabalho do

assistente social se transformar.

O Serviço Social sempre passou por transformações movidas por fatores

conjunturais: pelo movimento da História, impulsionada pela luta entre as classes

que resultava em transformações na profissão de ordem técnico-operativa, teórico-

metodológica e político-ideológica. O Movimento de Reconceituação, que se inicia

na segunda metade dos anos de 1960 e ganha força na passagem das décadas

1970 para 1980, é um marco das transformações vivenciadas pela profissão, cenário

em que os assistentes sociais buscam romper com um modelo de prática

conservadora, optando por uma autonomia no seu fazer profissional; autonomia que

lhes deu a maturidade de se posicionar enquanto profissão que luta pelos direitos da

classe trabalhadora. A direção que resulta nesse entendimento é a chamada

“intenção de ruptura”.15

A partir desse movimento, a categoria dos assistentes sociais teve um

posicionamento muito claro e definido a respeito do significado social dessa

profissão na sociedade, superando uma visão endógena predominante até então e

voltando seus olhos para o mundo em que está inserido.

Uma marca desse processo foi a revisão do Código de Ética de 1986,

considerada insuficiente diante das exigências da realidade, o que acabou

resultando no Código de Ética de 1993; este preservou alguns aspectos como a

conquista política expressa no código anterior e os valores éticos mais abrangentes

como o compromisso com o usuário. Assim, essa profissão tornou-se a única que

15 Segundo Netto (1996), no processo de renovação do Serviço Social houve duas outras direções, além da que já citamos. A primeira chamada perspectiva modernizadora, procura modernizar os instrumentos de intervenção do Serviço Social adequando-os às exigências do desenvolvimento capitalista, visando atribuir ao Serviço Social o cariz tecnocrático, sob inspiração estrutural-funcionalista. A outra perspectiva, reatualização conservadora, repudia a tradição positivista, porém o que opera na verdade é sua reatualização, pois se beneficia do acúmulo do Serviço Social com base na ajuda psicossocial, se apresentando como de inspiração fenomenológica. É importante, ressaltar que a perspectiva que ganha hegemonia ideológica no Serviço Social é a intenção ruptura; esta é a única que realmente propõe ruptura com o Serviço Social “tradicional”.

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traz de forma contundente em seu código ética a “opção por um projeto profissional

vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem

dominação da exploração de classe, etnia e gênero”. Conquista, também, a lei

8.662/93 que dispõe sobre a regulamentação e delimitação do exercício profissional

do assistente social, reafirmando os direitos do usuário e assistente social.

Há pouco tempo, o conjunto CFESS/ CRESS reiterou esse compromisso de

forma contundente; tal conjunto, enquanto expressão da representatividade da

nossa categoria, ainda precisa ter um posicionamento definido de acordo com sua

história e com seu projeto ético-político.

O conjunto CFESS/CRESS reunido no XXXIV Encontro Nacional, realizado

em Manaus/AM, no período de 04 a 07 de setembro de 2005, publicou uma carta

intitulada Carta de Manaus: Por uma política econômica a serviços dos direitos

sociais. Manifestou-se veemente contrário à política econômica realizada pelo

governo federal de forte orientação neoliberal, que se subordina ao capitalismo

financeirizado. Na carta denuncia que esta política favorece o capital em detrimento

das demandas do trabalho, provocando a aceleração progressiva dos juros, o que

permitiu aos bancos obter lucros de 20.08 bilhões em 2004 (CFESS, 2005), e

enfraquece o setor produtivo, gerando baixos índices de emprego e precarização do

trabalho.

Sabemos que quem lucra com essa política social e econômica contra a qual

nossa categoria se posiciona são as multinacionais, os países que recebem juros da

dívida do país e, principalmente, o setor financeiro. Já a classe trabalhadora, com a

qual somos comprometidos, é quem paga por esse lucro, de forma direta por meio

dos impostos e indireta na precarização dos serviços públicos de que necessita.

Desse modo, essa carta também acaba possuindo o papel de colaborar para o

entendimento do projeto ético-político do contingente de assistentes sociais, já que

diante de tal conjuntura16 ele precisa ser reafirmado por todos os profissionais que

formam esta categoria.

16 Em outubro de 2002, os brasileiros foram às urnas e elegeram um governo popular e democrático; para o Serviço Social abriam-se perspectivas para a realização do projeto ético-político que defendemos. No ano de 2005, o Brasil passou a vivenciar um período de turbulência política, marcado por acusações, denúncias e CPIs, tempo propício para críticas do atual governo e ideal como palanque para oportunistas.

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Sofrer transformações é necessário para o crescimento da profissão e até

para sua manutenção no mercado de trabalho. Acompanhar o processo histórico de

transformações do mundo do trabalho também não significa plena aceitação das

suas implicações, pois tal postura pode levar ao abandono do projeto coletivo do

Serviço Social e não teremos senso crítico para reconhecer que esse processo

contribuiu para o aumento da miséria, do desemprego e das inúmeras perdas de

garantias trabalhistas.

Cabe, então, ao profissional desvendar o significado social dessas

transformações, analisando as implicações para o exercício da profissão e, somente

com uma postura crítica, poderá dar respostas inovadoras aos dilemas impostos

pelo sistema capitalista e as novas conseqüências causadas por esse sistema na

vida social. Para tanto, é necessário pensar o serviço social como profissão inserida

nas transformações históricas, que sofre com a falta de recursos, com os baixos

salários, desemprego, com as exigências feitas pelo mercado de trabalho, já que

somos trabalhadores assalariados. Porém, não se pode esquecer do projeto ético e

político dessa profissão direcionado a colaborar para uma transformação social,

fortalecendo o verdadeiro sentido de democracia entre a classe trabalhadora.

A realidade social traz muitos desafios para trabalharmos, mas também pelo

próprio movimento dialético coloca possibilidades que precisamos desenvolver em

frentes de trabalho. A partir da década de 1980, a classe trabalhadora pode avançar

em suas conquistas, como a Constituição de 1988, com a qual se deu início a um

processo de gestão democrática, que mesmo não se efetivando como desejado,

criou um espaço de participação popular nas decisões que lhes dizem respeito.

Esses espaços são conhecidos como Conselhos de Gestão Democrática e existem

em várias áreas na saúde, educação, habitação, alimentação, assistência social,

criança e adolescente e idoso. Esses espaços estão se alargando, multiplicando-se

e se estendendo a novas áreas, de forma que comportam novos atores sociais,

novos fóruns de representação. O assistente social também colabora nesse

processo enquanto membro desses conselhos ou divulgando informações que

possam garantir maior autonomia da sociedade civil dentro desses espaços.

Os Conselhos de Gestão democrática possuem uma natureza de organização

paritária, ou seja, a mesma quantidade de representantes do poder público e da

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sociedade civil. Infelizmente, seguindo a velha tradição do poder, os membros do

governo quando ocupam esses espaços servem apenas para anular a presença de

outras pessoas, formando uma espécie de “peleguismo” nesses conselhos, no qual

lutam por arranjos clientelísticos e voltados a interesses particulares, tendo o favor

como moeda de troca que anula a perspectiva dos direitos sociais. (RAICHELIS,

2000).

Outra importante conquista que está imbricada na Constituição é a garantia

da assistência social como direito e seu estatuto de política pública; mesmo não

sendo ainda prioridade do governo e ainda que tão rapidamente o Estado queira

isentar-se dela, a assistência social entrou no campo da agenda estatal e da

responsabilidade pública.

Entretanto, a sociedade civil organizada alcançou mais avanços, como a Lei

Orgânica da Assistência Social - LOAS/93, que começa um processo de

regulamentação da assistência enquanto política de direitos. Processo que vem

sendo continuado pela Política Nacional de Assistência Social, que demonstrou uma

abertura coletiva para o redesenho desta política pública, já que é fruto de uma

discussão entre diversos atores da sociedade civil organizada (Fóruns, Associações,

Entidades Sociais, Gestores de todos os níveis governamentais, Secretarias de

Assistência Social, além de pesquisadores e estudioso de áreas afins). Continuado

também na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência Social,

que materializa as diretrizes da LOAS por uma política mais descentralizada e

democrática e que reafirma que a assistência social não é clientelismo, caridade,

assistencialismo e nem política pontual.

Embora o processo de descentralização das políticas públicas deva ser

continuamente acompanhado pela sociedade civil organizada, para que não

signifique mais uma estratégia de afastamento do Estado, tornado assim retrocesso

o que acreditávamos ser um avanço, a participação da população na decisão sobre

a verba pública pode colaborar para otimização da sua utilização, pois ela é quem

vive a realidade local. A descentralização, também característica dessa política,

permitiu um maior monitoramento e avaliação das políticas públicas; assim, a

tecnologia se aliou como estratégia de melhoria para o uso da informação, no que se

refere ao controle da assistência social.

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3.2 – O Serviço Social enquanto trabalho especializado.

Temos por referencial teórico a compreensão de Iamamoto (2001) que

entende o assistente social como trabalhador especializado, o qual vende sua força

de trabalho para seu empregador em troca de um salário, fazendo com que o

Serviço Social ingresse no universo da mercantilização, no universo do valor.

O Estado recolhe a mais-valia17 por meio dos impostos e a redistribui em

forma de políticas sociais; o Serviço Social, por criar e prestar serviços cujos

resultados são os atendimentos das necessidades sociais, torna-se um trabalho

especializado e necessário socialmente, e por isso tem utilidade social e valor de

uso e de troca. Os assistentes sociais participam do processo de produção ou de

redistribuição da mais-valia, colaborando para a reprodução da força de trabalho ou

na prestação de serviços sociais. Ele não cria a mais-valia de forma direta. O

assistente social pode imprimir uma ação de direcionamento de seu trabalho na

defesa dos direitos sociais.

o primeiro pressuposto de toda a existência humana, e portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas para viver é preciso comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção de meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material. (MARX; ENGELS apud IAMAMOTO, 2001, p. 26).

Os homens necessitam trabalhar para sobreviver; ao reproduzirem a vida

material, se relacionam entre si, e reproduzem as relações sociais. O produto do

trabalho do Serviço Social é a reprodução das relações sociais, numa visão de

totalidade que não se restringe à econômica.

17 “O capitalista compra o direito de explorar a força de trabalho durante uma jornada, na qual o trabalhador não só produz o trabalho necessário para sua subsistência, mas um trabalho excedente ou um valor excedente. Assim, o capitalista que compra a força de trabalho a faz funcionar por mais tempo que o necessário para reproduzir o seu preço; caso contrário só obteria o tempo de trabalho socialmente necessário equivalente ao salário, não se apropriando de qualquer trabalho excedente. Sem trabalho excedente não haveria mais-valia, e a continuidade da produção estaria comprometida, já que esta é seu impulso e finalidade básica.” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988, p. 49).

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Como se pode observar, portanto, o trabalho não transforma apenas a matéria natural, pela ação dos seus sujeitos, numa interação que pode ser caracterizada como o metabolismo entre sociedade e natureza. O trabalho implica mais que a relação sociedade/natureza: implica uma interação no marco da própria sociedade, afetando os seus sujeitos e a sua organização. O trabalho, através do qual o sujeito transforma a natureza (e, na medida em que é uma transformação que se realiza materialmente, trata-se de uma transformação prática), transforma também seu sujeito: foi através do trabalho que, de grupos primatas, surgiram os primeiros grupos humanos – numa espécie de salto que fez emergir um novo tipo de ser, distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser social. (NETTO; BRAZ, 2006, p. 34).

No trabalho temos a antecipação e projeção dos resultados, isto é, o trabalho

humano dispõe de uma dimensão teleológica. É por meio dele que o homem dá

respostas prático-conscientes às suas necessidades. Ao satisfazê-las, o homem cria

outras necessidades, pois não transforma apenas a natureza, seu objeto, mas

transforma a si mesmo, sujeito, pois descobre novas capacidades humanas. A força

de trabalho é uma mera capacidade que só se transforma em trabalho dadas as

condições necessárias. Para produzir utilizamos nossa consciência, o que significa

que o trabalho é norteado por valores, possui uma dimensão ética e moral.

Iamamoto nega a chamada “prática” do Serviço Social; primeiro porque

acredita que esta só considera a atividade do assistente social desfragmentada do

trabalho social como um todo e, segundo, por dar a esta prática um caráter de

centralidade ao Serviço Social, em cujo entorno ficam a dinâmica institucional, as

políticas sociais, os movimentos sociais como fatores condicionantes dessa prática

de forma externalizada em relação a ela.

“A exigência de analisar o exercício profissional no âmbito de processos e relações de trabalho impõe-se em função da condição de trabalhador “livre”, proprietário de sua força de trabalho qualificada, que envolve uma relação de compra e venda dessa mercadoria. É, portanto, a condição de trabalhador assalariado, como forma social atribuída pelo trabalho, que revela a insuficiência da interpretação corrente de prática profissional, tal qual como interiormente referida, para explicar o exercício profissional no conjunto de seus elementos constitutivos. Aquela interpretação supõe que a atividade do assistente social depende, fundamentalmente, do profissional, como se ele dispusesse da autonomia necessária para acioná-la e direcioná-la conforme suas próprias e exclusivas exigências, o que se choca com a condição do assalariamento.” (IAMOMOTO, 2001, p. 96).

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O objeto de trabalho do assistente social são as múltiplas expressões e

manifestações da questão social e para compreendê-las devemos considerar os

processos históricos que as produzem e os sujeitos sociais que as vivenciam. É sua

existência que demanda o profissional de Serviço Social e cria seu espaço sócio-

ocupacional, a fim de atuar no âmbito de suas expressões.

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre proletariado e burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988, p. 77).

A bagagem teórico-metodológica (conhecimento) que o assistente social

possui é o seu principal instrumento de trabalho, é ela que permite que façamos uma

interpretação da realidade e, assim, possamos construir nossas estratégias, junto

aos sujeitos.

O Serviço Social é regulamentado como profissão liberal, mas

predominantemente não atua assim, porque na maioria de seus campos de trabalho

necessita de recursos financeiros e humanos para desenvolver seus projetos; esta é

uma característica marcante da inserção deste profissional no mercado de trabalho.

Porém, o caráter de profissão liberal se dá pela relativa autonomia que temos diante

da intervenção com os sujeitos.

O Serviço Social não deixa de ser um trabalho concreto, porque tem uma

utilidade social; o trabalho do assistente social tem um efeito direto sobre a classe

trabalhadora. É a reprodução da força de trabalho, sua mercadoria, que por sua vez

irá produzir a mais-valia.

Esta profissão é necessária por atuar na sobrevivência social e material dos

trabalhadores, intervindo na vida dos sujeitos; tem-se uma objetividade social, que

nem sempre é material, mas que tem resultados concretos na vida social. É

importante que os profissionais criem uma autoconsciência de seu trabalho, já que

seu produto reforça a hegemonia ou cria uma contra-hegemonia do capital.

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3.3 Características do trabalho: atividades, planejamento, valorização profissional, autonomia, trabalho em equipe e demandas.

A reflexão teórica travada anteriormente sobre a profissionalidade do Serviço

Social serviu de base para levantarmos as questões presentes na realidade dos

sujeitos entrevistados.

Relembramos que estamos utilizando a metodologia da história oral, o que

implica a maior fidelidade às falas dos sujeitos, até mesmo quando houve solecismo,

esses foram mantidos. Outro ponto importante referente à metodologia é que, por

tratar-se de um roteiro semi-estruturado, contamos com acréscimos no conteúdo das

respostas de situações de importância para os sujeitos; assim um tema pode não

estar presente na fala de todos os sujeitos, mas não desprezamos essas passagens,

porque muitas vezes nos fizeram olhar para outras dimensões de nosso objeto.

A primeira observação é que, ao pensarmos sobre o trabalho de tais

profissionais, deve-se ter em mente que se trata de um trabalho institucional.

As instituições sociais são organizações específicas de política social, embora se apresentem como organismos autônomos e estruturados em torno de normas e objetivos manifestos. Elas ocupam um espaço político nos meandros das relações entre o Estado e a sociedade civil. Elas fazem parte da rede, do tecido social lançado pelas classes dominantes para amealhar o conjunto da sociedade. (FALEIROS, 1985, p. 31).

No decorrer da pesquisa veremos a marca que o trabalho institucional

imprime à atuação do assistente social.

A primeira entrevista foi realizada em 25 de setembro 2007, na entidade em

que trabalha a profissional, a AADA; durou uma hora e vinte e três minutos.

Conforme melhor analisado no segundo capítulo, a AADA – Associação de Apoio ao

Deficiente Auditivo - desenvolve um programa de atendimento à criança e ao

adolescente com deficiência auditiva.

A entrevistada é formada há 25 anos, possui experiência na área pública e

privada, mas sua maior experiência é atuando junto ao terceiro setor.

Especificamente, em entidades que têm como público-alvo pessoas com deficiência.

Trabalhou prestando assessoria técnica para entidades desse segmento. No

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momento da entrevista estava se afastando do cargo de gestora da entidade para

dedicar-se ao trabalho de assessoria.

(..) enquanto gestora da AADA, eu tenho toda função equivalente à administração e

gestão. Na verdade, eu era como assistente social, a partir do momento que eu me formei,

especializei, passei a ser gestora da AADA. Por conta de questões financeiras, na AADA, eu

acumulei funções. Hoje as funções foram subdivididas; então tem uma assistente social,

uma coordenadora técnica, foi divido as funções. (Sujeito I).

Embora, não seja objeto de nossa pesquisa, é interessante observar que para

esta profissional não cabe ao Serviço Social administrar as finanças da entidade;

sua gestão tem a característica de normalizar.

A diretoria, a gestão que eu fiz até hoje, eu não mexo com um centavo, é normatizar.

O Serviço Social não tem que mexer com dinheiro, eu sou formada há 25 anos e tenho

muito claro, a linha de Serviço Social. E pra mim isso não tem nada a ver. (Sujeito I).

Realizamos a segunda entrevista em 16 de setembro de 2007, no espaço de

trabalho da assistente social, com duração de 47 minutos. Esse espaço é a Creche

Santo Antônio, de vínculo confessional, onde são atendidas crianças de um ano e

meio a três em período integral e, em atendimento de jornada ampliada, crianças de

quatro a seis anos; estas permanecem na creche no período contrário à escola.

A assistente social II iniciou seu trabalho em 2001, quando se formou, pois já

trabalhava como funcionária no mesmo local há quatro anos. Somente a partir desse

momento é que foi implantado o serviço social; antes não havia assistente social.

Desde então, essa foi sua maior experiência; em paralelo prestou um trabalho

voluntário, como assistente social em outra instituição.

Ela descreve as atividades do Serviço Social e dá ênfase ao atendimento à

família. Nota-se uma visão um pouco tradicional nessa descrição, quando a

profissional fala em veracidade de informação e doação de material. Claro que,

apenas por isso, não se pode avaliar seu trabalho como um todo.

No final do ano a gente faz inscrições, pra turma nova, essas inscrições, a gente

realiza visitas domiciliares, pra ta verificando a veracidade das informações. É a gente que

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faz a triagem, toda parte de matrícula, entrevista, e depois no dia-a-dia, a gente faz o

acompanhamento das famílias, trabalha com a família e não somente com a criança, pra

gente poder atingir nossos objetivos tem que trabalhar com a família, ter todo um

acompanhamento com a família. A gente também dá ajuda material, cesta básica,

medicamentos, quando a gente percebe a necessidade da família. (Sujeito II).

Aí o Serviço Social promove palestras, reuniões em grupo, faz atendimento

individual, dependendo da situação. E, a gente faz os encaminhamentos necessários...

(Sujeito II).

Ao questionarmos sobre administração financeira, encontramos um

posicionamento diferente do primeiro sujeito. Aqui o serviço social participa da

gestão financeira em parceira com a administração; embora isso possa significar

acúmulo de funções, o profissional, estrategicamente, pode utilizar o momento de

planejamento do orçamento para incorporar as demandas postas ao Serviço Social,

além de ser um espaço que fortalece sua autonomia e dá mais poder de decisão ao

profissional.

Na parte financeira, eu trabalho em conjunto com a administração, não é só o

Serviço Social, a gente trabalha em parceria. Aí a irmã, que é da parte administrativa, todo

planejamento, orçamento, tudo isso a gente faz em conjunto, não é nem só ela, nem só o

serviço. A gente conseguiu unir. (Sujeito II).

A terceira entrevista foi realizada em 05 de novembro de 2007, no local de

trabalho da profissional, Creche Federação Espírita do Estado de São Paulo, onde

há o atendimento de creche e a jornada ampliada para crianças e adolescentes de

seis a quatorze anos. A entrevista teve duração de quarenta e um minutos. A

entrevistada possui onze anos de formação como assistente social; toda sua

experiência foi em terceiro setor, em outras organizações também. Sua carga

horária é de 40 horas e é contratada como celetista.

Sempre terceiro setor. Meu primeiro trabalho foi com famílias de adolescente autor

de ato infracional, a gente trabalhava diretamente, buscava tornar as famílias interlocutoras

na busca dos direitos delas. Saí desse trabalho, fui trabalhar no CEDECA, Centro dos

direitos da criança e do adolescente, autor de ato irracional, aí já não era mais da família,

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porque na realidade, era com a mãe diretamente e com os adolescentes não. No CEDECA

eu trabalhava diretamente com os adolescentes autores de ato infracional, que também é

um trabalho sócio-educacional e depois que eu vim para cá. (Sujeito III).

Quanto ao trabalho do Serviço Social, percebe-se pela descrição que esse é

muito dinâmico e perpassa por quase todos os campos da entidade. A atividade de

inscrição, avaliação sócio-econômica e a inserção aparecem relatadas por todos os

sujeitos, em momentos diferentes. Nota-se, então, serem estas atividades

tradicionais no espaço institucional das entidades.

As atividades do Serviço Social daqui, eu faço acompanhamento do desenvolvimento

todo do projeto. Acontecem milhões de situações, eu fico atenta a tudo que acontece na

casa. Nós temos relatórios, passamos pra educação, das inscrições, que são os

classificados, eu tenho a responsabilidade da inscrição, também do centro de convivência.

Tanto inscrição, quanto inserção, quando surgem as vagas. Nós temos um trabalho de

formação com as educadoras, que acontece a cada semana, todas as segundas-feiras, a

gente senta pra discutir textos e fazer a discussão de casos, isso é semanal. Com os

professores e auxiliares dos professores, que é do Cecoi, nós fazemos isso, a cada quinze

dias, também pra gente discutir casos e pra ta discutindo textos. (Sujeito III).

Faz parte do trabalho o suporte aos educadores, quando estes identificam

dificuldades nas famílias. Podemos considerar como um trabalho de assessoria

realizado pela assistente social, como no caso da assistente social I, que presta

assessoria à diretoria da entidade; trata-se de uma intervenção nova e que exige um

profissional bem qualificado para realizar um diálogo com os outros profissionais. Há

muita preocupação em atender às famílias como parte da intervenção realizada com

os adolescentes e sempre buscando a qualidade do atendimento, como aparece na

fala abaixo:

Isso é um processo mesmo de desenvolvimento dos educadores, pra que eu esteja

mais perto e dando suporte maior. As discussões de caso todas às vezes que acontecem, a

gente tem a intervenção, que é com a família direto, então, são os casos assim, mais difíceis

de resolução, que aí tem que trabalhar toda estrutura, então a gente vai através da

discussão de caso, trabalhando essa família. Eu tenho uma vez por mês, eu faço o

atendimento dessas famílias, atendimento individual e grupal é uma vez por mês, a gente

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trabalha “n” situações, todas as temáticas, que são discutidas com os grupos de

adolescentes, desde disciplina, a questão da sexualidade, todos os temas preventivos,

gravidez precoce, “DST”, todas as temáticas que a gente trabalha de alguma forma com os

pais também, para que a gente possa orientá-los de alguma forma. Os meninos têm

orientação aqui, mas a gente dá o suporte, para que eles possam ta acompanhando isso, e

possam ta orientando também. A gente tem essa prática, todos os profissionais, foram

capacitados fora, pra discussão dessas temáticas. Nós estamos num processo, a gente tem

buscado essas alternativas, pra que a gente possa aprimorar, no sentido do atendimento a

essas crianças e com a melhor qualidade possível. Como o nosso eixo é informação,

informação e informação, e essa informação sempre da melhor qualidade, pra que eles

possam decidir sobre tudo que venha a acontecer na vidinha deles, e que eles possam fazer

a melhor escolha. (Sujeito III).

A quarta entrevista foi realizada dia 06 de novembro de 2007, no Lar Escola

Santa Verônica que atende crianças e adolescentes, em regime de creche e

também jornada ampliada, com duração de 81 minutos. A assistente social IV

contou que seu primeiro trabalho foi em empresa; parou de trabalhar quando casou

e teve filhos, mas voltou a trabalhar em 2000. Sua carga semanal é de vinte horas e

é contratada pela esfera estadual.

Entrei em julho de 2000, nesse projeto alternativo das crianças que estão no

convênio do estado. Ele exige que tenha um técnico da área de serviço social. Pra você vê

que não é pedagógico e não pede o professor e não pede pedagogo. (Sujeito IV).

Interessante que em outros momentos de sua fala, ela fala da inserção das

crianças na creche ou no projeto alternativo. Mas, na hora de falar sobre seu

cotidiano, destaca que seu trabalho não se resume ao público-alvo da entidade,

crianças e suas famílias, ou seja, é um trabalho estendido à sociedade.

Bem, eu trabalho quatro horas. Faço aqui um atendimento parece atendimento do

CRAS, porque eu atendo todo o mundo. Ele passou lá e tem uma dificuldade, a irmã manda

aqui. Então acaba que não ta voltado só para isso, quando alguém que liga pede orientação,

a gente vai passando. (Sujeito IV).

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Dentre todas as atividades realizadas pelas assistentes sociais entrevistadas,

há aquelas que são próprias de sua profissão. Ao serem questionadas sobre essa

questão, ou aquilo que é atribuição do Serviço Social, todas elas se reportaram ao

trabalho que realizam com as famílias.

Família, trabalho com família é essencial, puro e único. A psicologia, por

exemplo, pode ser um apoio pro trabalho social, só que a essência é do assistente

social, a atuação é do assistente social. Você fala em que foco? Em atender, dar

orientação, do conhecimento de quem é aquela família que ta integrada na

instituição, é de trabalhá-la mesmo, de ter esse vínculo direto com a família. Eu não

digo, nem mais aquele modelo, de porta fechada e de mesa não. É trabalhar o

grupo, de famílias mesmo, com questões direcionadas a elas, por exemplo, direito,

cidadania, participação, quem são eles perante a sociedade, conhecimento dos

direitos do deficiente, aonde recorrer, qual é a obrigação deles, enquanto pais,

enquanto cidadãos, é esse trabalho. E, esse trabalho, não é você falar: trabalhei um

mês com isso, acabou, não. É no dia-a-dia, são situações que vão acontecendo. É

preconizar o Estatuto da Criança e Adolescente, Estatuto do Idoso, Estatuto do

Deficiente. (Sujeito I).

(...) as entrevistas, toda avaliação socioeconômica das famílias. Já briguei muito

para que a gente conseguisse implantar o Serviço Social, não aquela maravilha, mas hoje

eu posso dizer que na creche Santo Antônio existe Serviço Social implantado. Mas foi

assim, muita luta, muita briga, muita discussão. É agora, a gente conseguiu mostrar a

importância do Serviço Social dentro da instituição, até então, por outras administrações não

era reconhecido. Então hoje, o levantamento socioeconômico é o Serviço Social que faz, as

visitas domiciliares, é só o Serviço Social que faz, o acompanhamento com as famílias, é o

Serviço Social que faz, mas foi uma luta, e ainda continua, não quer dizer que a gente já

conseguiu efetivar esse trabalho. (Sujeito II).

Bom, eu acho que a visita, o relatório, o diagnóstico dessa família é do

assistente social. (Sujeito III)

O assistente social, geralmente, ele vai mais longe. Eu tenho de conhecer o

histórico dessa família, a realidade dessa família, eu tenho que respeitar essa

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família, dentro do âmbito dela, para que eu possa entrar um pouquinho dentro e

tentar ajudá-la na questão da estrutura, mudar algumas coisas dentro, eu tenho que

conhecer muito a realidade dela e você respeitando ela como ela é. (Sujeito III).

Sem dúvidas, o trabalho com famílias não é área exclusiva do Serviço Social,

mas, conforme podemos observar na fala da assistente social I, o assistente social

pode dar a esse trabalho um direcionamento próprio, utilizando seu conhecimento

para atender às famílias, construindo um vínculo com elas. Conforme a assistente

social III, em um acompanhamento que respeita e conhece sua realidade no

trabalho institucional das entidades de assistência, existe um relacionamento estreito

entre as famílias e o profissional; já que é um acompanhamento que se realiza ao

longo do ano, não tem a característica emergencial de atendimento.

Uma atividade que compõe e ao mesmo tempo norteia o trabalho do

assistente social é o planejamento. Percebemos que todos os sujeitos relatam

planejarem suas atividades, desde um planejamento maior, dos projetos que

realizam, desde a temática, a metodologia a ser definida e outros aspectos

essenciais a um projeto, até o planejamento do dia-a-dia, embora este tenha sido

menos citado. A primeira fala traz algo interessante: a importância do estudo

contínuo para o planejamento, como forma de melhorar o atendimento.

É tudo planejado, (o trabalho com) a violência, a drogadição, isto é uma coisa

importantíssima. Se dentro da Instituição o Serviço Social consegue fazer um planejamento

dentro dessa área, o que acontece, a partir do momento que você conscientiza essa família,

eles serão multiplicadores. Fora isso também tem uma ação que o assistente social, que ele

estuda um pouquinho mais, que ele faz uma pós, uma especialização em atendimento de

família, né, não digo nem que seja terapêutico, mas no conhecimento de família, ele tem

uma outra forma de atuar junto a essas famílias, com dinâmicas diferenciadas, e isso agrega

cada vez mais. (Sujeito I).

A assistente social II relata que o acúmulo de funções dificultava o

planejamento, sendo este dispensado em detrimento de outras atividades, não por

escolha da profissional, como fica claro. Ao separar as funções, tornou-se possível a

assistente social planejar seu trabalho.

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Hoje nós conseguimos; há um tempo atrás, além do Serviço Social, eu desenvolvia

outras atividades, de RH., de contabilidade. Há dois anos eu consegui ficar realmente só na

parte social, então, hoje eu já não trabalho com recursos humanos, na parte assim de

contratação, de burocracia mesmo. Trabalho com o funcionário o Serviço Social também

faz, questão de relacionamento e tudo mais. (Sujeito II).

Na fala da assistente social III, percebemos que existe um vínculo entre o

planejamento do serviço social e o da instituição, tratando-se de planejamento anual.

Ela coloca a flexibilidade presente na execução dos projetos e o que também

demarca o espaço do Serviço Social nessa articulação com a entidade, já que se é

identificada alguma necessidade das crianças, esta é atendida com prioridade.

Nosso trabalho é todo planejado. Nós estamos renovando. Essa semana, a gente

inicia a gestão do projeto 2008/2009 e a gente já tem toda uma programação pro ano que

vem já, de tudo que nós vamos realizar. O que acontece, no próprio processo de

desenvolvimento, é óbvio que, enquanto temática que é proposta no projeto, tem aquelas

que venham de encontro com a realidade da criança, que vão surgindo. E a nossa proposta

é essa trabalhar aquilo que eles nos trazem, dentro daquilo da possibilidade dele, não aquilo

que a gente impõe, nós não impomos nada aqui. A gente sugere algumas temáticas,

algumas situações, mas a gente trabalha dentro da realidade deles, porque eu acho que a

gente só vai mudar a partir daquilo que eles, eles (repetiu dando ênfase à palavra) nos

trazem, tanto a família, quanto as crianças e adolescentes. Senão, a gente não anda pra

lugar nenhum. (Sujeito III).

O planejamento nas atividades da assistente social IV é mais voltado ao

Serviço Social; a profissional não apresentou, como na entrevista anterior, a relação

com o planejamento institucional. Na verdade, existe planejamento, mas não é

sistematizado, o que foi descrito é mais rotina habitual, a organização do trabalho

que se estabelece conforme os atendimentos. Esse trabalho é mais criterioso

quando as datas são impostas pelos outros órgãos.

O que é habitual do planejamento é exatamente a questão do atendimento. Faz

atendimento e orientação, isso é diariamente, tem os relatórios que você tem que

encaminhar pro departamento de educação, contato com o conselho tutelar. (...) com o

conselho tutelar, os encaminhamentos de relatório, essas coisas tem uma data certa. Aí

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você vê, tem planejamento nesse sentido. Mas, não sei dizer para você, por exemplo, outro

dia eu atendi 52 pessoas. Eu atendo aqui das oito às dez, porque depois eu procuro

organizar, guardando, depois arquivar, daí também vou visitar a creche, dar uma olhada,

uma acompanhada nas crianças. Saio um pouco da rotina, quando tem alguma doença.

(Sujeito IV).

Algo que se relaciona diretamente ao planejamento, que até mesmo o

compõe em sua fase inicial, é o estudo da realidade dos sujeitos. Estranhamente,

não encontramos profissional que nos apresentasse em dados o perfil dos sujeitos

atendidos, embora todos, de alguma forma, planejem o trabalho.

Ao debatermos a atuação profissional, necessário se faz desenvolver pesquisas sobre a realidade, sobre a clientela e sobre as possibilidades de uma intervenção junto às camadas mais oprimidas da sociedade (possibilitando-lhes a compreensão do Sistema e as possibilidades de mudanças na realidade vivida pela maioria). (ANDRADE, 2006, p. 152).

As profissionais entrevistadas conhecem a realidade de forma muito próxima;

descreveram o perfil dos usuários com base em suas experiências de atendimento,

por isso não seria difícil para elas sistematizar esse conhecimento. Entendemos a

atividade de pesquisa como parte das atribuições do profissional, isso porque o

levantamento do perfil dos usuários facilita aos profissionais traçarem suas

estratégias, quando necessita ser apresentado a outros profissionais e ainda pode

ser usado pelos próprios usuários.

O nosso perfil aqui são crianças de baixa renda; a maioria das mães trabalha como

doméstica, diarista, faxineira, outras nem trabalham, e nem vão conseguir entrar mesmo no

mercado de trabalho. Nós temos uma demanda muito grande da Vila Paraíso, que é uma

favela aqui do município de Caçapava. E a maioria é realmente de baixa renda e com uma

vulnerabilidade social muito grande. A gente ainda não conseguiu colocar isso no papel, isso

a gente ainda está em processo, porque como faz dois anos que realmente a gente

conseguiu implantar o Serviço Social na creche, então a gente ainda não conseguiu colocar

esses dados no papel, têm no relatório, as fichas dos educadores, relatórios dos

educadores, uma série de documentos, mas ainda no papel nós não conseguimos colocar.

(Sujeito II).

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Quanto aos dados que demonstram os resultados dos serviços, nota-se, a

mesma situação: a profissional possui bastante conhecimento da realidade, mas

ainda não conseguiu sistematizá-los, o que é uma pena, já que se trata de dados

que dariam ainda mais visibilidade e organização ao trabalho.

Hoje eu não tenho isso, para dizer para você exato, eu não tenho, mas eu posso

dizer que esses dias, eu tava conversando com a nossa a administradora e tava falando

isso. Há quinze anos, eu tô aqui, há quatro, quatro anos e meio, houveram outras

profissionais, mas a gente tem um índice assim muito baixo de gravidez na adolescência e a

questão da inserção nas drogas um número extremamente baixo, pelo número de crianças

que foram atendidas. (Sujeito III).

A quarta entrevistada relatou que, mesmo conhecendo o perfil dos usuários

no dia-a-dia, está sendo realizado o levantamento do grupo atendido. De forma

positiva esse trabalho é feito na supervisão de estágio, o que demonstra a

importância da pesquisa e da troca de conhecimentos para esta profissional.

Certamente, por mais que o profissional conheça a realidade, com a pesquisa terá a

possibilidade de levantar novos questionamentos e reflexões de pontos que não se

revelam empiricamente.

Quantidade de atendimento mensal, nós fazemos uma média de 350 atendimentos.

Agora, eu dou supervisão para uma estagiária, nós estamos levantando esse grupo hoje.

Ela tá levantando os dados. Na verdade assim, a maior parte de mães aqui, elas trabalham,

ou faz faxina de empregada doméstica é basicamente isso. Agora com a entrada do parcial,

aí modifica um pouco, daí elas têm atividades diversas, mas assim basicamente para o

integral nós temos isso, têm bastante empregada, têm costureiras. Para mães de parcial

(refere-se ao atendimento sócio-educativo às crianças realizado no período contrário ao

escolar) tem mãe que é estudante, é por que nós temos um curso de suplência aqui, então

às vezes elas fazem esse curso para conseguir um trabalho, vendedora na parte de

comércio, muitas na parte de cozinha e a maior parte sempre na parte de auxiliar, não

cozinheira mesmo, sabe, a maior parte é ajudante. (Sujeito IV).

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Primeiramente, a assistente social I, relaciona a valorização de seu trabalho

ao respeito que a entidade possui no município, o que está correto, pois o Serviço

Social participa diretamente nos resultados da entidade. Quanto à valorização de

seu trabalho, foi muito bem lembrada, a participação política como um fator que

colabora para a valorização do trabalho do assistente social.

E você sente se o Serviço Social é valorizado aqui dentro? É, e o trabalho da

AADA é bem visto pelas outras instituições e respeitado pela prefeitura, pode ter certeza.

Nosso trabalho é pequeno, só atendemos 56 famílias, mas a gente faz uma coisa muito bem

feita. E, paralelo a isso eu sou conselheira no município, já fui de criança e adolescente,

hoje eu sou vice-presidente do CMAS. E dou um suporte na formação do Conselho de

Deficiência, faço parte da comissão. (Sujeito I).

O relato da assistente social II mostra-nos uma situação diferente da anterior,

mas que se aproxima da quarta entrevistada.

Olha, a gente ainda ta em processo de valorização, a gente já conquistou um espaço

muito grande. É, mas ainda falta muito pra dizer assim: O nosso trabalho é bem valorizado.

Mas eu posso dizer que nesses dez anos que eu estou aqui na creche Santo Antônio, esses

dois últimos anos foram de muita conquista e de muita vitória, mas ainda falta muito. (Sujeito

II).

Olha pelos pais você sente bastante. A gente esbarra muito nas vaidades. Eu não sei

por que todo mundo se acha assistente social. E daí o que não é técnico, vocês podem

fazer, o que é técnico é meu. Isso aí causa certa, justamente, para você não ter que fazer

festinha junina, negócio de pizza, ficar vendendo carninha. Então eu acho que você tem que

ser respeitada por isso. (Sujeito IV).

O sujeito II ainda possui dificuldades dentro da instituição, embora relate que

já tenha conquistado bastante; mantendo assim sua postura, a tendência é positiva.

A assistente social IV sinaliza uma questão que vai além da instituição, e está

nas marcas que a sociedade atribuiu a nossa profissão, não reconhecendo seu

caráter profissional e entendendo como uma atividade que qualquer um pode

desempenhar, como a profissional nos relatou. Ela demonstra que o respeito que

conquistou foi com luta e realizando o trabalho do serviço social, sendo coerente

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101

com nosso projeto ético-político e delimitando o espaço de trabalho próprio a sua

profissão. As dificuldades que enfrenta ao se negar “vender carninha” certamente

colaboram para a melhoria das nossas condições, ou seja, da categoria dos

assistentes sociais. Como foi analisado, não sabemos, até onde o voluntariado do

assistente social nesses eventos para arrecadação é, de fato, voluntário, ou se é

fruto de uma coerção velada.

Os sujeitos I e III relataram que o seu trabalho é valorizado; a fala do sujeito

III revela questões sobre autonomia, o que nos mostra a relação intrínseca entre

valorização profissional e autonomia, enquanto características que permeiam o

espaço de trabalho. Como se nota, as profissionais que sentem dificuldades em

relação à valorização, sujeito I e IV, são as mesmas que vivem dificuldades com os

gestores das entidades, lembrando que esses são irmãs religiosas.

Mascarenhas (2007, p. 47) explica as relações e disputas de poder no espaço

institucional e como essas afetam o trabalho do assistente social.

Assim, propor ações profissionais, requer do assistente social um estudo detalhado acerca das condições objetivas de vida do usuário e, fundamentalmente, do modo como este constrói relações na realidade social onde vive. Entretanto, as condições em que o trabalho do assistente social se realiza colaboram para que a autonomia e o poder de decisão do profissional sejam restritos. Esse pequeno espaço favorece também a subordinação do profissional aos determinantes da organização e do gestor. Ou seja, o exercício profissional desenvolvido sob a perspectiva do gestor esbarra na questão da autonomia que o profissional tem para desenvolver seu trabalho e nas condições em que este trabalho se desenrola.

Demonstra a grande importância da autonomia para o trabalho, que se baseia

numa relação de confiança construída ao longo de sua experiência profissional no

espaço da entidade.

Tenho, até porque eu cheguei antes da própria diretoria, sou a profissional mais

antiga, já passou dos treze anos. Então assim, essa confiança foi crescendo. E hoje,

conforme a decisão que tem que ser tomada por telefone, eu me comunico com os

responsáveis e OK. Já houve situações de eu ter que tomar decisão sozinha, depois prestar

contas junto com relatório, nunca fui barrada, de forma alguma, sempre fui muito respeitada

(Sujeito I).

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102

A assistente social I, por si mesma, acrescentou uma crítica que possui ao

trabalho de alguns profissionais do Serviço Social. É um posicionamento,

importante, por que não esquiva o profissional de sua responsabilidade, ao contrário,

chama-a para si. Claro que não nos esquecermos das características que nossa

posição de assalariados nos imprime, mas sempre é importante lembrar que

podemos ter propostas que não fiquem somente nos limites do trabalho institucional.

Olha! Eu vou te falar uma coisa bem crítica, ta. O assistente social dá o volume que

ele quer, dentro da ação institucional. Se ele é uma pessoa de visão, uma pessoa atuante,

ele consegue ramificar o trabalho do Serviço Social de tal forma que o resultado sempre vai

ser valorizante e valorizado. Agora, se ele for um profissional que se limita a fazer

orientação e encaminhamento, ele vai passar e a instituição não vai desenvolver. Eu acho

que o Serviço Social, nós temos assim um número imenso de profissionais, que,

infelizmente, poderiam tá fazendo muito mais. (Sujeito I).

A valorização e autonomia são características que contribuem no

desenvolvimento do trabalho, como podemos observar na fala seguinte:

Tenho (respondeu com voz firme e rápido). Nesse aspecto sou muito respeitada,

tenho muito agradecer a entidade, a gente conseguiu um espaço, um espaço muito legal. Eu

sou muito respeitada no desenvolvimento do meu trabalho. A gente discute, senta pra

conversar situações. Mas assim, nunca houve intervenção no sentido de, não faça, ou a

gente não permite, nunca houve isso em momento nenhum. A gente tem uma autonomia

aqui em termos de desenvolvimento. Valorização do serviço social. (Sujeito III).

Dificuldade apontada pelos sujeitos II e IV é a mudança constante dos

gestores, rotatividade imposta pelo caráter religioso; é comum nas Congregações de

irmãs religiosas que essas não permaneçam muito tempo no mesmo local; os

motivos desconhecemos; mas é evidente que a mudança constante no

direcionamento de qualquer trabalho traz dificuldades.

(...) hoje o Serviço Social consegue ter essa autonomia aqui na creche Santo

Antônio, mas, antigamente, nós não tínhamos não. O Serviço Social era o último a ser

procurado; mas há dois anos, que posso dizer agora sim, que o Serviço Social consegue ter

uma autonomia na creche. A gente sabe que não é uma autonomia muito grande ainda, mas

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103

já é uma grande conquista. Eles respeitam o sigilo? Isso sim. É antigamente nem sala, a

gente tinha. Você atendia aqui, atendia lá, entra um, entrava outro não respeitava. Hoje não,

a gente já tem uma sala pra atendimento. Todos os recursos físicos que a gente precisa a

administração acata, na medida do possível, tenta solucionar o problema. E a parte do sigilo

é fundamental, e isso eu consegui também através de construção mesmo, e de mostrar a

importância desse sigilo também com a parte pedagógica. Que daí eu tenho que tá

trabalhando com os educadores, quando a criança apresenta algum problema, alguma

dificuldade, eu chamo o educador pra relatar essa situação da família. Se a criança não

apresenta nenhuma dificuldade, nenhum problema, então também não tem necessidade de

estar falando, se o pai ta preso, essas coisas, só mesmo em último caso, que a gente

chama e fala. (Sujeito II).

A assistente social IV busca autonomia mantendo um serviço social coerente

com os princípios da profissão.

Eu tenho. A dificuldade, a cada três anos muda a direção. E aí é questão de

mudança da dificuldade de se adaptar, você tem que tentar passar tudo para outra pessoa.

Cada uma recebe de uma forma, tem aquelas que são autoritárias, são competentes, mas

autoritárias. Aquele que diz: eu sou freira, então eu mando. Eu não sou freira, mas eu

também mando; mandar não, sou responsável pela minha área. E aí esse lado do serviço

social, eu acho que nós conseguimos impor. O assistencialismo que é mais fácil, aí você se

compara a essas políticas que nós temos aí você passa a mão e dá uma cesta básica, fala

amém e tudo bem. Deus provém? Deus provém desde que você esteja fazendo alguma

coisa, senão não vai prover. (Sujeito IV).

Quando a assistente social fala do respeito ao sigilo, ela remete a relações

que envolvem outros profissionais envolvidos no trabalho institucional e a

necessidade que o serviço social sente de capacitá-los para que estes tenham uma

postura mais ética. E, não somente isso, mas para melhor desempenho da equipe, o

serviço social compartilha seu conhecimento e, na medida do possível, assessora

esses profissionais; é o que observamos na fala abaixo.

É afinal de contas, não temos essa de falar modelo de família, já não existe mais

isso. (...) se você conversar com cada profissional aqui da AADA, principalmente, os chefes

de setores, você vai ver que tem uma visão social, todos eles. Porque assim, a minha

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gestão em Serviço Social é compartilhada e nos fazemos parte de uma equipe

transdisciplinar. É compartilhado tudo isso. Eles têm a plena noção do que é o Serviço

Social, do que é o Sistema Único de Assistência Social. Então se você chama a

coordenadora pra conversar, ela vai falar sobre SUAS, qual é o papel da AADA frente ao

SUAS. (Sujeito I).

Observamos a importância do assistente social compartilhando informações e

colaborando para estruturar o trabalho em equipe. Em algumas instituições de

assistência social, com características de pequenas entidades, é comum o

assistente social ser o único profissional com nível superior; então por esse motivo,

ele assume para si esse trabalho junto à equipe. É raro vermos uma equipe

trabalhando transdisciplinarmente, com conhecimento de outra área como

demonstrado na fala do sujeito I; talvez não chegue a ser transdisciplinar ainda,

mas, de fato, podemos considerá-la interdisciplinar e próxima à transdisciplinaridade.

Abaixo esclarecemos a diferença entre os conceitos multi e pluri, inter e

transdisciplinar.

Por multi e pluridisciplinaridade entende-se uma atitude de

justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a

integração de conteúdos numa disciplina, alcançando a integração

de métodos, teorias ou conhecimentos. (SAMPAIO, 2002, p. 83).

O conhecimento interdisciplinar deve ser uma lógica de descoberta,

uma abertura recíproca, uma comunicação entre os domínios do

Saber; deveria ser uma atitude, que levaria o perito a reconhecer os

limites de seu saber para receber contribuições de outras disciplinas.

Toda Ciência seria complementada por outra e a separação entre as

Ciências seria substituída por objetivos mútuos. Cada disciplina dá

sua contribuição, preservando a integridade de seus métodos e seus

conceitos. A transdisciplinaridade seria o nível mais alto das relações

iniciadas nos níveis de multi, pluri e interdisciplinaridade. (SAMPAIO,

2002, p. 83).

A assistente social demonstra a importância de divulgar para as pessoas da

equipe aquilo que é atribuição do assistente social, pois evita que cheguem

demandas ao serviço social que não pertençam a este.

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(...) Mas tem algumas vezes que eles até trazem problemas que realmente não é do

Serviço Social, mas aí eu oriento e encaminho para onde deve ser levado aquele

determinado problema. Mas ainda falta muito, para eles compreenderem, saberem, um

pouco por falta de interesse deles mesmo, e outro também porque a gente faz um trabalho

de formiguinha, ainda tem muito que fazer e acontecer. (Sujeito II).

Quanto aos projetos, os profissionais também têm a concepção de que em

equipe ou em parceira com profissionais de outras áreas podem-se agregar mais

conhecimentos e planejar algo mais próximo às exigências da realidade.

Sim, porque aí fica mais fácil e você consegue atingir o seu objetivo. Não adianta,

por exemplo, o Serviço Social querer dá um de pedagogo e fazer um projeto, não funciona.

Você realmente não tem a visão que o pedagogo tem, nem o conhecimento que ele tem.

Então, os projetos são feitos assim, até mesmo com a parte administrativa, a gente não

deixa de fora a parte administrativa. A responsável ela também vem, conversa, então, a

gente cria um projeto em conjunto. Mais difícil. É muito mais fácil você sentar sozinho e

fazer o que você quer, do que quando você tem outras pessoas do seu lado dando idéias,

sugestões, e cada um pensa de um jeito, então até chegar num consenso. Mas o projeto

fica mais pé no chão, fica uma coisa mais objetiva. (Sujeito II).

A assistente social III relata que o trabalho em equipe está no dia-a-dia, e há

um respeito da equipe ao trabalho do Serviço Social.

Reconhece e respeitam muito também. Eu acho que assim é um setor importante e

necessário e eles reconhecem isso. Tanto é que, quando a gente faz intervenção, não me

delimito na criança e adolescente, é o todo, é o grupo. Sempre quando é preciso a gente tá

aqui, tá junto. Acho que eles têm bem esse olhar de importância do serviço da gente.

(Sujeito III).

Na fala abaixo, percebe-se que o trabalho em equipe não está bem

estruturado; a troca de idéias entre profissionais só ocorre quando existe uma

necessidade da criança e não há troca de conhecimento entre as áreas, fazendo

com que não se caracterize um trabalho interdisciplinar; apenas existem os

profissionais de áreas diferentes e estes trabalham paralelamente.

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(...) Então assim as orientações para os professores e seu sempre faço no que diz

respeito às crianças. Elas também no que diz respeito às crianças, também me passam, nós

trabalhamos juntas nesse sentido. Mas também não envolvo na parte de conteúdo

pedagógico porque não é minha área. Se não está de acordo com o que está acontecendo

na sala com a área da criança aí sim eu intervenho, caso contrário, não. Até porque existe

um supervisor do departamento de educação e o conteúdo pedagógico é do departamento

de educação. (Sujeito IV).

(...) Agora, por aqui ser bem voltado para área de educação, eu vejo pouca

participação nas reuniões com os professores e todas as observações e sugestões não é

acatada por eles. Então eu não quero mais participar. (Sujeito IV).

Como as instituições são espaços de correlação de forças, é de sua natureza

que além das alianças formadas entre a equipe, também existam disputas entre os

profissionais.

No processo de institucionalizado de “readaptação social” diferentes profissionais, exercendo distintas funções, não formam um bloco homogêneo. Divergências entre administrados e administradores, entre categorias profissionais, transformam esses lugares em campo de competição e luta. Os profissionais defendem sua autonomia de ação contra os burocratas que querem aumentar os controles e padronizações. Os diferentes profissionais lutam entre si pelo controle do poder e dos recursos. Frente à clientela lutam pelo controle do atendimento. (FALEIROS, 1985, p. 37).

Andrade (2006) cita uma pesquisa que realizou em 1999 sobre as demandas

postas às Ongs; entendemos por dedução, que estas demandas também atingem

aos profissionais inseridos nessas organizações, entre eles o assistente social.

Nesta percebemos que a solicitação de recursos é a demanda que aparece com

mais freqüência.

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Nº de ordem

Demandas Freqüência

01 Recursos financeiros / auxílio transporte/ remédios / alimentação / vestuário / auxílio na obtenção de benefícios

13

02 Encaminhamentos na área de saúde 05 03 Emprego / capacitação profissional / encaminhamentos

para estágio 06

04 Informações diversas 05 05 Acompanhamento às famílias 04 06 Ações educativas variadas 02 07 Assessoria e consultoria à diretoria da entidade 02 08 Distúrbios psicológicos / carências afetivas 02 09 Acompanhamento escolar 01 10 Atividades esportivas 01 11 Assistência jurídica 01 12 Projetos para captação de recursos para a entidade 01 Total 43

O quadro acima apresenta uma variedade de demandas colocadas ao

“terceiro setor”; claro que não sabemos o objetivo de cada organização que compôs

a referida pesquisa, mas é provável que essas organizações recebam mais de uma

das demandas citadas. Querendo compreender melhor o processo de formação de

demanda postas ao “terceiro setor”, pedimos que os sujeitos comentem um pouco a

respeito.

(...) hoje ta bem direcionada, com deficiência ou supostamente com deficiência, ou é

através dos setores públicos ou mesmo privado ou a sociedade. Então vem da UBS, vem da

própria secretaria, vem da educação, vem do Conselho Tutelar, da Fundhas já veio

encaminhamento. Supostamente, olha a criança não consegue se comunicar direito. Tem

como averiguar se ela tem uma deficiência, se é um caso pra AADA ou não? Ai a gente faz

todo o fluxo de avaliação, se não é da AADA, mas a gente detecta que tem uma deficiência,

eu já encaminho para outras instituições que atendem a pessoas com deficiência. (Sujeito I).

Nas falas acima e abaixo, há relatos de que o encaminhamento se dá num

processo dinâmico; as entidades recebem a solicitação de algum órgão, mas em

algum momento também precisam de outra organização. A assistente social II

explica que a maior demanda é da família, justificada pela falta de recursos e

necessidade das mães em trabalhar para sustento da casa.

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Então como a gente tem convênio com a prefeitura, então todos os problemas

levantados na Secretaria de Cidadania, eles também encaminham pra gente. Conselho

Tutelar quando tem alguma dificuldade, algum problema, também encaminha aqui pra nós.

E quando a criança atinge a idade de seis anos e onze meses, aí a gente faz o

encaminhamento pra outras instituições que atende essa outra faixa etária. Mas, a maioria

mesmo da nossa demanda são as próprias famílias que procuram, eles vêm porque

precisam trabalhar fora, são mães que ao mesmo tempo, são mães e pais dentro da casa.

Então, a maioria da nossa demanda é a nossa família que procura. (Sujeito II).

A assistente social III articulou sua resposta à concepção política de família

que exige um trabalho ampliado para que se possa abranger a todos os seus

integrantes.

Bastante variada, porque quando a gente trabalha hoje, e se falando de SUAS, a

gente trabalha o todo. Aliás, eu acho que às vezes você fala, você trabalha com a criança e

adolescente, nunca existiu isso, porque não tem como você trabalhar a criança e do

adolescente, porque ela tem um núcleo dela e o núcleo dela são de idosos, pessoas com

deficiência, a criança, então não tem como você separar. Você sempre trabalha o núcleo.

(Sujeito III).

A assistente social IV recebe demanda que nem sempre vem das famílias que

atende na entidade; pelo que relata, são demandas por informações. Ela realiza um

trabalho de publicização da informação que dispensa procedimentos burocráticos,

como ter a informação e negá-la por não ser do seu espaço; ao ser um canal de

informações, sem dúvidas, ela está facilitando para que essas pessoas alcancem

seus direitos.

Sabe, às vezes a pessoa vem. É questão de conselho tutelar, bolsa-família. Aí você

tem uma vizinha que fala que lá na creche tem uma assistente social, daí eles vêm. Quer

dizer, acho que nós somos mesmo, devemos ser um canal de informação. Acaba que você

participa de uma coisa, participa da outra, da igreja, aquela coisa toda, você vai aprendendo

algumas coisas, acho que nós somos multiplicadores e temos que fazer com que os outros

também sejam. Então, quando você passa uma informação pro outro, aí quando alguém

perguntar ela mesma informa. (...) (Sujeito IV).

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A justificativa que ela possui para fazer esse trabalho de divulgação de

informações está imbricada no compromisso ético-político do Serviço Social e atinge

a coletividade do município.

Por outro lado também, eu acho assim, não é sua obrigação, mas como munícipe

que eu vejo que é. Porque se você pode colaborar para que outro em vez de ele ir lá. Eu

acho que tudo que diz respeito ao município. (Sujeito IV).

Observemos a fala abaixo:

(...) eu procuro me informar o mais que eu posso, justamente para orientar, não só as

mães aqui, elas também porque eu tô constantemente, agora as pessoas que passam. Você

conhece uma pessoa, a pessoas: Ah, não, eu sei que você sabe, então vou passar seu

telefone, aí a pessoa liga. Então tem tudo isso. Eu acho isso interessante, porque nós

estamos falando em termos de município, e não só da entidade. (Sujeito IV)

Ao trabalhar no espaço micro, no espaço do município, tendo como referência

os processos macro econômicos, o assistente social constrói um novo perfil e ser um

canal de informações, faz parte desse novo perfil; não se trata apenas de um

repasse de informações, mas um momento de sensibilização da condição de

cidadão, que a legislação nos garante e de que devemos fazer uso.

O assistente social, ao buscar alternativas para construir um novo perfil profissional, pode vir a conhecer e apropriar-se da problematização micro (conhecimento da conjuntura local, do cotidiano, do dia a dia, etc.) e macro (relações de produção e reprodução do Sistema Capitalista, etc.) sociais, ser um ser sócio-transformador, construtor da realidade e de sua própria história. (ANDRADE, 2006, p.154).

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3.4 – Algumas referências quanto ao “terceiro setor” enquanto empregador dos assistentes sociais.

Primeiramente, é fato a escassez de pesquisas quanto às condições de

trabalho do assistente social e, maior ainda, quando essas se dão no “terceiro setor”.

Fizemos um levantamento das pesquisas que se aproximassem desse tema, entre

as dissertações de mestrado e doutorado da biblioteca da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo e não obtivemos nenhum resultado.

Autores de referência para o Serviço Social iniciam suas análises a partir dos

riscos que sofrem os postos de trabalho na esfera pública; estes possuem uma

posição sobre a abertura do mercado de trabalho no “terceiro setor” e a condição

que este oferece para a categoria. Podemos considerar suas análises ponderadas

quanto à qualidade do emprego no “terceiro setor”.

[...] o mercado de trabalho aberto no “terceiro setor” não parece compensar, sob nenhum aspecto, a retração do mercado na órbita estatal para o Serviço Social. Não parece compensar em relação à quantidade dos postos de trabalho para os assistentes sociais criados na sociedade civil. Não compensa no tipo de vínculo empregatício: instável, flexível, sujeito à financiamento externo de projetos pontuais. (MONTAÑO, 2002, p. 253).

Alguns autores consideram o chamado “terceiro setor” como uma alternativa para o desemprego atual. [...] Cabe ao Serviço Social avaliar se esta fatia de mercado significa uma alternativa para absorver profissionais, em decorrência da retração do mercado estatal e do enxugamento de postos de trabalho no setor empresarial, conforme ficou evidenciado em minhas investigações e estudos. (SERRA, 2001, p. 160).

O aumento de contratos de assistentes sociais, no âmbito das ONGs não se

apresenta como uma alternativa sólida aos espaços perdidos no Estado. As ONGs

somente ampliam sua contratação por uma questão conjuntural: a) A

desestruturação proposital do sistema Público/Estatal de Assistência Social; b)

Mudanças no financiamento estatal e na legislação a estas instituições; c) O

aumento da procura por atendimento nas ONGs. (ANDRADE, 2006, p. 162).

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Considerando que um dos objetivos dessa pesquisa é o de analisar o trabalho

dos assistentes sociais inseridos no “terceiro setor”, a abordagem histórica realizada

até aqui aconteceu para destacar os elementos que definem as transformações do

mercado de trabalho18, incluindo-se aí a refilantropização19 da assistência social e a

institucionalização do voluntariado, ambas com base no projeto neoliberal e no

enxugamento do Estado. Tal dinâmica redimensionou as políticas públicas, com já

analisado, e se estas constituem a base de sustentação funcional ocupacional dessa

profissão; estamos diante de um processo de redimensionamento dessa categoria e

do profissional também.

Faleiros (1996, p. 15) também analisa esse aspecto do Serviço Social.

Discute-se a emergência de um reordenamento comunitário, articulado, não tanto à defesa de direitos, mas à prestação de serviços, em parceria com o Estado, que responde ao movimento de transferência de vários serviços públicos para setores comunitários. Esse setor, chamado de “privado, porém público” (FERNANDES, 1992), vem se expandindo na prestação de serviços, seja com a presença de voluntariado, seja sem ela, no atendimento de certas necessidades da população. Isto não descarta o incremento da iniciativa privada nesses serviços, com o estímulo do próprio Estado em função da política neoliberal de favorecimento do mercado. É nesse processo contraditório de prestação individual de serviços e de articulação coletiva dos sujeitos, de desenvolvimento do terceiro setor e do setor privado, que o Serviço Social precisa encontrar as categorias adequadas para repensar o social e a gestão social. A gestão pode ser feita com essas populações, apesar do contexto político em que se constrange a fazer política para essas populações.”

A utilização do itálico para destacar as expressões “com” e “para”, demonstra

que, para o autor, a gestão da prestação de serviços no campo do “terceiro setor”

18 Lembramos que com os processos descentralizadores das políticas e, particularmente, da Assistência Social, crescem as demandas para o trabalho do assistente social na esfera pública municipal. A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos- NOB-RH/SUAS, documento aprovado em 2006, já reivindicado na PNAS/2004, prevê que todos os CRAS contarão com dois assistentes sociais, independentemente, do porte populacional do município, aumento dos postos de trabalho para estes profissionais e trazendo mais qualidade à população demandante desses serviços.

19 Segundo Yazbek (2000, p.29), a refilantropização refere-se ao “avanço de uma onda de incentivo do ideário da sociedade solidária, que implica o deslocamento para a sociedade das tarefas de enfrentar a pobreza e a exclusão social”; essa prática escamoteia o pensamento neoliberal de transformar direitos em favor.

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tem sido feita, assim como no público, salvo exceções em ambos, sem a efetiva

participação da sociedade civil no controle e na fiscalização desses serviços.

Como parte de toda pesquisa, busca-se o que já foi descoberto sobre se

objeto de estudo; aqui queremos compreender o exercício do assistente social no

“terceiro setor”, quais são os limites e possibilidades na realização de seu trabalho.

Para ampliarmos nossa visão a respeito dessa realidade, gostaríamos de apresentar

as condições de trabalho nesse campo. Como foi explicitado no início deste item,

diante da dificuldade de encontrar material específico, optamos por reproduzir parte

uma pesquisa que realizamos em 2005 sobre este tema.

Evidentemente, trata-se de outros sujeitos pesquisados, mas como estes

também eram assistentes sociais e as relações trabalhistas são atravessadas por

um aspecto coletivo, acreditamos ser enriquecedor retomá-la nesse momento, além

de a área dessa pesquisa também ser o Vale do Paraíba. Pedimos que não se

estranhe a diferença metodológica; em 2005 nossas análises se deram sob uma

perspectiva quanti-qualitativa.

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Relações de trabalho dos profissionais pesquisados, encontradas na pesquisa de 2005.

As informações aqui apresentadas referem-se à coleta de dados acerca das

condições de trabalho dos assistentes sociais no referido setor, colhidos por

intermédio de questionários aplicados junto aos supervisores de estágio de alunos

do Departamento de Serviço Social da UNITAU- Universidade de Taubaté.

Distribuímos 15 (quinze) questionários e tivemos a devolutiva de 9 (nove); iniciamos

a análise dizendo que esta falta de dados já representa um dado, de que alguns

profissionais ainda entendem que informações referentes a questões como salário,

carga horária, etc devem ser mantidas em sigilo, o só reforça um aspecto

individualizado sobre algo que deveria ser abordado no coletivo; ou então é um

indicativo da pouca importância em colaborar com pesquisas de uma forma em

geral, visto que alguns dos questionários devolvidos advieram da insistência de

telefonemas, mediante explicitação direta da necessidade de concluirmos este

trabalho.

Suj

eito

Con

diçõ

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go

Em

preg

o an

terio

r

A Todos itens. 4 a 6 S/M 01 01 Celestista 20 h Sim A Social

Publ. Mun.

B Todos - PC 4 a 6 S/M 01 01 Celetista 40 h Sim A Social

Privada

C Inadequado 7 a 9 S/M Nenhum Nenhum

Voluntário + 40 h Sim A Social

Publ. Est.

D Inadequado Até 3 S/M 01 01 Celetista 30 h Sim A Social

Privada

E Todos itens 4 a 6 S/M 01 01 Celetista + 40 h Não A Social

Privada

F Todos itens + 9 S/M 02 02 Cont. Por tempo inde.

40 h Sim A Social

Publ. Mun

G Todos itens + 9 S/M Nenhum 01 Celetista + 40 h Sim A Social

Privada

H Inadequada S/ remuneração

03 03 Voluntário Versátil Sim Não Publ. Municipal

I Todos itens 4 a 6 S/M 03 03 Serv. Prestado

40h Sim A Social

Privada

Tabela: Relações trabalhistas encontradas pelos Assistentes Sociais Supervisores de Estágio do DSSO- UNITAU que atuam nas organizações do “terceiro setor”- 2005.

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Para analisarmos as condições físicas do trabalho, delimitamos alguns

elementos essenciais a sua realização, como sala própria que garanta sigilo ao

atendimento, microcomputador, móvel e material de escritório. Transcrevemos a

resposta de dois sujeitos, pois foram as que mais se destacaram quanto à

precarização dessas condições.

[...] pois trata-se de uma ONG (Sede) que fica distante da comunidade onde atuo. Na comunidade, o espaço utilizado é uma capela. (Sujeito H).

Hoje atuo numa organização não governamental recentemente criada que não dispõe de nenhuma dessas condições. Utilizamos nossos recursos pessoais e de colaboradores voluntários; além de um único e precário espaço na comunidade - em uma capela. (Sujeito C).

Um outro profissional destacou que, embora exista toda a condição, “não foi

nada fácil, foi uma luta intensa, hoje tenho total autonomia no exercício da minha

profissão sem interferência da Diretoria que apóia todas as minhas iniciativas,

graças a Deus consegui que o Serviço Social tivesse o espaço desejado”. (Sujeito

F).

O sujeito D considera que suas condições de trabalho não são adequadas

“porque não existe uma separação do Assistente Social com relação aos outros

funcionários”. Essas condições também são um demonstrativo da pouca valorização

do Serviço Social nesses espaços ou da falta de recursos financeiros da

organização para oferecer qualidade nessas condições.

Fig.6 - Gráfico: Condições físicas do local de trabalho

7%

33%

60%

Todos itens.

Todos - PC

Inadequado

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115

A faixa salarial predominante, considerando apenas a renda do terceiro setor,

é a de 4 a 6 salários mínimos, representando 49%. Em seguida tem-se a faixa dos

voluntários com 25%; em terceiro temos 13% com uma faixa de salário que vai até 3

salários mínimos. Conclui-se, então, que a maioria dos profissionais possui uma

faixa salarial relativamente baixa para uma profissão de nível superior. Apenas 1

(um) sujeito possui um faixa salarial maior que 9 salários mínimos. Isto reflete a falta

que um piso salarial faz na garantia de uma melhor condição de trabalho para essa

profissão. Este dado também está confirmado pela pesquisa realizada pelo CFESS,

cujo resultado apontou que 45,19% dos assistentes sociais possuem um salário

entre 4 a 6 salários mínimos. Outra pesquisa, realizada por Serra também faz esse

apontamento, referindo-se às peculiaridades do “terceiro setor”:

No meu ponto de vista, pelo que pude verificar, ainda é uma perspectiva limitada à profissão, além de não oferecer, pelo que foi apurado, salários compatíveis com uma formação universitária. Penso que:

o desenvolvimento de uma profissão resulta da (re)valorização de sua função social, cuja utilidade é perpassada, necessariamente, pela criação de novos postos de trabalho, pela constituição de novas atribuições frentes às novas demandas sociais (resultantes de novas necessidades sociais) e por uma valorização social compatível com uma atividade de nível superior (SERRA, 2001, p. 160).

Fig. 7 - Gráfico: Condições salariais

49%

13%13%

25%

Até 3 S/M

4 a 6 S/M

S/ remuneração

+ 9 S/M

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116

Destaca-se que 03 assistentes sociais possuem o chamado pluriemprego,

sendo dois com duplo vínculo empregatício em Serviço Social e 01 com três

vínculos, todos em Serviço Social. Um sujeito não possui nenhum vínculo

empregatício, ou seja, atua como voluntário. Outro sujeito, por fim, possui um

vínculo empregatício e, embora atue como assistente social, declarou que este

vínculo não é em Serviço Social.

O gráfico 09 demonstra que a maioria dos assistentes sociais pesquisados

(56%) é contratada como celetistas; em segundo lugar estão os profissionais que

não possuem vínculo com a organização do “terceiro setor” em que estão inseridos.

É importante destacar que raramente encontramos neste setor a realização de

concursos públicos, já que não existe tal obrigatoriedade, mesmo quando esses

recebem verba pública para financiamento dos projetos. Os profissionais são

contratados por outra via. Na verdade a grande questão é que se perde a

0

1

2

3

A B C D E F G H I

Fig. 8 - Gráfico: Nº de vínculos empregadícios X Nº de vínculos empregadícios em Serviço Social

Nº devínculosempregadícios

Nº devínculosempregadícios emServiçoSocial

Sujeitos

Fig. 9 - Gráfico: Tipo de vínculo empregatício

56%

11%11%

22%

Celestista

Voluntário

Serv. Prestado

Cont. Por tempoindeterminado

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estabilidade oferecida pelo regime estatutário. Fazemos um parêntese nestas

análises para questionar uma afirmação muito veiculada em que se criticam os

serviços públicos; trata-se da argumentação de que os funcionários concursados

acabam descompromissados com o atendimento.

Acreditamos, na verdade, que o que define a qualidade do atendimento é o

seu compromisso ético com o usuário e o projeto profissional da categoria, o que

independe do vínculo de trabalho. Concluímos que a estabilidade garantida pelo

regime estatutário pode até colaborar na qualidade do atendimento, pois possibilita

ao profissional maiores estratégias no âmbito institucional.

A grande maioria (67%) dos assistentes sociais possui uma carga horária de

40 horas ou mais, considerando 33,5% com carga horária semanal de até 40 horas

e 33,5% indefinida, sendo mais que 40 horas. O mesmo sujeito que não possui

vínculo empregatício possui um horário flexível. Dois sujeitos pesquisados possuem

uma carga horária de 20h e recebem de 4 a 6 s/m (salário mínimo) e 30h com um

salário menor na faixa de até 3 s/m.

Aqui existem duas situações a serem analisadas: a da carga horária grande

que significa um desgaste para o trabalhador (que às vezes é até mantida pelo

discurso do trabalho filantrópico) e a outra da carga horária pequena e que não

significa necessariamente uma boa condição de trabalho, já que muitas

organizações contratam o assistente social com uma carga menor para pagar-lhe

um salário proporcionalmente menor. O que demanda essa contratação, muitas

Fig. 10 - Gráfico: Carga horária semanal

33

11 1 20 h

40 h

+ 40 h

30 h

Variável

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vezes, é a exigência da subvenção estatal. Serra (2001, p. 165) ao referir-se às

jornadas semanais menores que quarenta horas, analisa que:

“Isto pode significar que tal estratégia, de comprimir o tempo necessário para execução do trabalho de seus profissionais – em particular o assistente social -, provavelmente esteja na gênese de tais entidades, pois desde sua origem isto constitui uma forma de reduzir salários compatíveis com sua capacidade financeira e/ou justificada por sua finalidade humanitária ou comunitária”.

No que se refere à residência, apenas 11% dos entrevistados, o que

representa 1 sujeito, não reside na mesma cidade onde trabalha; os outros 89%, 9

sujeitos, encontram-se nessa condição.

O gráfico 12 apresenta a natureza do emprego anterior dos sujeitos da

pesquisa; nele figuram 56% advindos do setor privado e 44% do setor público,

Fig. 11 - Gráfico: Residência X local de moradia

89%

11%SimNão

Fig. 12 - Gráfico: Natureza do emprego anterior

33%

56%

11%

Publ. Mun.PrivadaPubl. Est.

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sendo 11% da esfera estadual e 33% da esfera municipal, reflexo do processo de

descentralização das políticas públicas. Nota-se que embora esses assistentes

sociais estejam atualmente trabalhando no “terceiro setor”, nenhum deles já

trabalhava neste campo.

Ao final da exposição dos dados podemos considerar que as condições gerais

deste campo são: falta de condições físicas de trabalho adequadas; faixa salarial de

4 a 6 s/m; predominância do vínculo empregatício celetista; carga horária a partir de

40 horas e assistentes sociais advindos da esfera privada e pública.

Diante da situação, pensemos quais são as respostas construídas pelos

assistentes sociais atualmente. Nesta dissertação entendemos que a articulação em

rede, o embasamento teórico e legal, a participação política podem fazer parte

dessas respostas. Demos um destaque à rede porque, conforme analisado desde o

início deste trabalho, existem relações estreitas entre o público e privado e, na rede,

essa relação é materializada.

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3.5 – Entrevistas: relação público X privado, visão do “terceiro setor”,, conhecimentos legais, capacitação e participação política.

Redes

Procuramos analisar este item tendo por referência a Política Nacional de

Assistência Social de 2004 e o Sistema Único de Assistência Social, visto que, a

partir deles, propõe-se uma nova formatação para a assistência social no país.

Devemos considerar que o tema “redes” na referida política está em discussão e há

muito a ser construído nesse contexto específico.

Primeiramente, nota-se que a PNAS/04 reafirma e dá mais força à

contribuição das entidades, visto que inclui em suas diretrizes as entidades

beneficentes e de assistência social como co-responsáveis na coordenação e

execução dos programas em nível municipal e estadual, fato que na Lei Orgânica de

Assistência Social não estava presente, enquanto diretriz, mas já constava em seu

artigo 1º .

O imperativo de formar redes se faz presente por duas razões fundamentais. Primeiramente, conforme já mencionado, porque a história das políticas sociais no Brasil, sobretudo, a de assistência social, é marcada pela diversidade, superposição e, ou, paralelismo de ações, entidades e órgãos, além da dispersão de recursos humanos, materiais e financeiros. (BRASIL, 2004, p. 47).

A rede é uma ferramenta de gestão, que atualmente se mostra como

alternativa eficaz para uma melhor organização dos serviços. A PNAS/SUAS coloca

como responsabilidade do CRAS20 o mapeamento, organização e coordenação da

rede sócio-assistencial, assim como a inserção das famílias nos serviços da rede.

O paradigma do século XX, segundo o qual problemas são melhor enfrentados por organizações formais é, aos poucos, substituído por um modelo que enfoca a necessidade de articulação de redes. Em lugar de privilegiar o espaço institucional, olha para as relações:

20 “O Centro de Referência da Assistência Social – CRAS é uma unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social, que abrange um total de até 1.000 famílias/ano. Executa serviços de proteção básica, organiza e coordena a rede de serviços sócio-assistenciais locais da política de assistência social”. (BRASIL, 2004, p. 35).

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entre indivíduos, grupos, organizações e setores. (FALCONER, 1999, p. 134).

Whitaker (2002, p. 03) traz uma esclarecedora explicação sobre a estrutura da rede:

é horizontal, em oposição à estrutura piramidal caracterizada por níveis hierárquicos - de

cima para baixo ou de baixo para cima. Para ele, numa rede, todos têm o mesmo poder de

decisão e o mesmo nível de responsabilidade, à medida em que são co-responsáveis pela

realização dos objetivos da rede.

Quando a realização de um objetivo depende menos da disciplina dos que dela participam do que do engajamento consciente de todos na ação, menos cabe comandar e controlar o que os outros fazem ou deixam de fazer: tem que se contar é com a lealdade de cada um para com todos, baseada na corresponsabilidade e na capacidade de iniciativa de cada um, e a organização pode ser feita numa estrutura em rede, horizontal.

Uma forma de garantir a participação das entidades do “terceiro setor” nas

decisões sobre as políticas e os serviços encontra-se na participação de seus

representantes, enquanto conselheiros da Assistência Social. A LOAS definiu o

Conselho de Assistência Social como o responsável pela concepção dos projetos da

área.

Neste contexto, as entidades prestadoras de assistência social integram o Sistema Único de Assistência Social, não só como prestadoras complementares de serviços sócio-assistenciais, mas como co-gestoras através dos conselhos de assistência social e co-responsáveis na luta pela garantia dos direitos sociais em garantir os direitos dos usuários da assistência social. (BRASIL, 2004, p. 47).

Percebemos que, quanto à organização das redes sócio-assistenciais e à

articulação das entidades, há heterogeneidade entre os municípios pesquisados.

No município de São José dos Campos fica claro que as duas profissionais

entrevistadas têm a mesma visão a respeito da rede no município, e que a grande

dificuldade que encontram é, justamente, com o poder público, que é quem deveria

ser o articulador do processo. Já as entidades do “terceiro setor” estão bem

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articuladas, formando até uma sub-rede para o atendimento das pessoas com

deficiências.

A rede privada tem um vínculo muito grande, principalmente a PCD, a gente fala

rede PCD, são as instituições que atendem a pessoas com deficiência; existe uma relação

muito estreita mesmo, de apoio. A gente tem mensalmente a nossa reunião, não é que nós

segmentamos, mas infelizmente, não tem ninguém acima de nós pra nos orientar. Somos

nós que definimos, e inclusive a discussão junto à rede pública, a própria Secretaria de

Desenvolvimento Social é muito dificultosa, porque eles não têm o conhecimento do que é a

atuação em si das instituições de PCD. Quando nós fizemos uma discussão, ano passado,

eles classificaram todas as instituições PCD como básica, eu tomei a frente numa discussão

de mostrar que não. A AADA, por exemplo, não tem nenhuma proteção básica, ela toda é

média complexidade, e eu provei. Existem instituições que são média e básica, mas a AADA

é a única das 11 instituições que é estritamente média complexidade. Assim como existe

uma que é abrigo que é alta complexidade. (Sujeito I).

Essa falta de conhecimento da atuação das instituições de PCD impõe uma

dificuldade para a formação das redes sócio-assistenciais, já que para se evitar o

paralelismo e distribuir melhor os serviços é necessário que os papeis sejam

definidos de acordo com o perfil de cada membro da rede. Resta-nos saber se este

desconhecimento deve-se à falta de competência ou de vontade política.

A fala abaixo demonstra que, além da dificuldade de gerir a rede por parte do

gestor do município, ainda há a dificuldade em acessar os serviços públicos.

Eu acho que quando se trata de instituições é tranqüilo; quando se trata de rede de

proteção, eu acho que a gente tem muito ainda pra crescer, a gente tá vivendo e eu

particularmente acho. A gente tá vivendo um momento difícil em termos de acessar essa

rede. Eu adeqüei o meu trabalho a um processo de solicitação através de ofício, para que a

gente possa fazer com que algumas coisas caminhem mais rápido. (...). Então, no sentido

saúde, por exemplo, é o que a gente mais tem sentido que tem precisado de intervenção,

tem demorado muito as consultas para as crianças. A gente trabalha dentro do que prevê o

estatuto, a gente tem tentado manter isso com que se garanta o que tá previsto lá. (Sujeito

III).

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Percebemos que o excesso de burocracia ainda se faz presente nos serviços

públicos e obriga as entidades a se adequarem a ela. A burocracia está ligada à falta

de informação, ao segredo; sua superação é fator essencial para o bom

funcionamento da rede, pois não é só necessário reciprocidade nos serviços, mas

também nas informações.

O funcionamento mais ou menos democrático de uma organização em rede é medido pela real liberdade de circulação de informações em seu interior e, portanto, pela inexistência de censuras, controles, hierarquizações ou manipulação nessa circulação. (WHITAKER, 2002, p. 4)

Quanto ao SUAS, há divergências nas colocações das entrevistadas,

enquanto uma dá ênfase à adequação da gestão joseense a esse novo formato, em

comparação com os municípios da região, a outra já mostra que o município está no

início do processo.

São José é considerado como gestão plena, tem quatro CRAS bem formados, tava

na formação do CREAS. Na verdade, quando a gente vai, enquanto conselho, nas

capacitações e discussões com a regional, que a gente pertence, que é formada por 39

cidades aqui da região. É até ruim, porque sabe dá aquela sensação de...Ah, mas e isso?

Tem. Tem lugar que o Serviço Social ainda ta junto com a Secretaria de Saúde, com a

Educação, então, você vê que o Serviço Social ele é subordinado à Saúde, subordinado à

Educação. É um assistente social que atua naquela região toda, às vezes é uma cidade

muito pequena, mas a extensão demográfica dela é grande. Então, o Serviço Social um dia

ta na região “tal”, um dia na região rural, e aí vai indo. Então é muito difícil pro profissional

conseguir desenvolver algo, até porque ele precisa de uma equipe pra que ele possa se

colocar, enquanto profissional, enquanto SUAS, o que é competência dele. (Sujeito I).

Você acha que o SUAS já alterou alguma coisa no município? Ou para a instituição?

Não, eu acho que não, ainda não. Que dê assim para perceber isso, não. Que você possa

sentir isso, ainda não. Eu acho que quando nós tivermos os CRAS, quando o atendimento

começar efetivamente nos CRAS, com a equipe multidisciplinar como é proposto, aí pode

ser que a gente comece, mas assim tá muito no pequeno ainda. A única coisa que a gente

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vê, o município ele já começou o processo, taí tá caminhando, tá tentando caminhar dentro

do que prever tudo isso, dessa mudança, tá se adequando a essa mudança. (Sujeito III).

Pensamos que a própria questão da dificuldade que as entidades do “terceiro

setor” encontram em relação à rede sócio-assistencial, demonstra que essa

adequação ao SUAS pode ser meramente burocrática, ou seja, sem superar os

padrões tradicionais de dicotomia, sobreposição no atendimento e buscando

qualidade para os serviços.

Quanto às redes internas, existe um posicionamento diferenciado. O sujeito III

chama a atenção para o perigo de fragmentação das redes.

Na realidade, todas as áreas de assistência social, educação, saúde esporte e lazer,

na realidade, têm que se unificar. Não tem como você trabalhar com redes separadas, a

única questão que eu acho é a fragmentação dessas redes, porque quando na realidade,

você atende uma criança que precisa de toda essa rede, ela tá de alguma forma inserida

nessa rede, ela tá na escola precisa do médico, precisa de atividades esportivas, e então

não tem como você descolar, ela tá ali dentro. O que acontece é quando você vai entrar, por

exemplo, Secretaria de Desenvolvimento Social tem que ter lá uma relação direta com a

Educação isso pesa. Porque assim, elas são fragmentadas parece que não se entendem

direito, aí você fica buscando ações individualizadas, por exemplo, tem que falar com a

Secretaria de Desenvolvimento Social, e daqui a pouco, tem que falar com a Secretaria de

Educação, e tem que falar, em separado, com a secretaria de saúde, sendo que isso

poderia ser unificado. É o que já vem desde a esfera federal? Que é o que não deveria de

acontecer. E o SUAS e vem e vem muito com essa característica de unificação. Ele tá aí

para isso, para que seja uma rede que possa dar esse suporte na integralidade mesmo.

(Sujeito III).

Compreendemos ambos os aspectos; evidentemente, seria melhor se

houvesse a necessidade dessas sub-redes e se, de fato, a articulação no município

seguisse um modelo unificado. Porém, não foi por vontade própria que as entidades

PCD formaram uma rede paralela, mas pela necessidade de se fortificarem, diante

das dificuldades que enfrentam, podendo compartilhar informações e o não

interesse do público sobre a questão. Assim as sub-redes, ou simplesmente redes,

que se entrelaçam surgem de forma espontânea na necessidade pelos atores.

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Uma gestão em rede. A moderna apreensão da gestão em rede sinaliza que não há uma única rede na qual os agentes se integram; pelo contrário, o fazer social ocorre no entrelaçamento de redes alimentadas por fluxos contínuos de informação e interação. Esta noção de rede se caracteriza como sinérgica, convergente e movente: interconecta serviços similares e complementares, organizações governamentais e não-governamentais, comunidades locais, regionais, nacionais, mundiais; mobiliza parcerias e ações multi-setoriais; constrói participação; mobiliza vontades, adesões e implementa pactos de complementaridade entre atores sociais, organizações, projetos e serviços. É uma gestão que exige vínculos horizontais e, portanto, está ancorada em princípios democráticos e na participação ampla, negociada e propositiva. (CARVALHO, 2002, p. 26).

O sujeito III aponta para uma questão que se relaciona diretamente com as

redes, a intersetorialidade. A falta de unificação das áreas do poder público, essa

segmentação, não permite o atendimento do cidadão na sua totalidade por meio da

integralidade das ações. Conforme o sujeito III colocou, existe no SUAS e na PNAS,

a proposta de superar as ações segmentadas.

Para Menicucci (2002) “a proposta de planejamento e intervenções intersetoriais envolve mudanças nas instituições sociais e suas práticas”. Significa alterar a forma de articulação das ações em segmentos, privilegiando a universalização da proteção social em prejuízo da setorialização e da autonomização nos processos de trabalho. Implica, também, em mudanças na cultura e nos valores da rede sócio-assistencial, das organizações gestoras das políticas sociais e das instâncias de participação. Torna-se necessário, constituir uma forma organizacional mais dinâmica, articulando as diversas instituições envolvidas. (BRASIL, 2004, p. 44).

Em Caçapava, a situação é mais precária; há individualidade nas instituições.

As tentativas de articulação, por desinteresse dos representantes das entidades, não

surtem efeito, conforme assinalado pela profissional. Essa dificuldade reflete-se no

Conselho.

O trabalho em rede aqui no município, a gente ta assim, como uma grande

dificuldade. Hoje a gente vê em Caçapava, a individualidade das instituições, a gente não

consegue trabalhar em conjunto. Nós por exemplo que atendemos criança e adolescente, a

gente até tenta fazer uma articulação com as entidades que atendem o mesmo segmento.

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Mas outras instituições a gente acaba, às vezes, sem ter muito contato. Um trabalho em

rede é uma coisa que hoje a gente fala muito, ainda mais agora com a implantação do

SUAS. A gente sabe que esse trabalho em rede tem que ser muito bem articulado e tal, pro

negócio funcionar e fluir bem, mas ainda é muito precário aqui no nosso município. A gente

não tem um trabalho de rede bem articulado, não. (Sujeito II).

(...) é bem individual, essas outras instituições do município também têm convênio com a

prefeitura, mas entre instituições não. A gente já tentou organizar, reunir as instituições, mas

é muito difícil, o individualismo ainda fala muito mais alto. Não existe uma reunião entre as

instituições? Não. A gente também já tentou fazer, quando faz, a gente convida, a gente

não consegue atingir todos não, vão sempre aquelas mesmas pessoas, a maioria das vezes

vai só o técnico, o pessoal da diretoria mesmo, que precisa ta envolvido não vai. Às vezes, a

instituições ta passando por grandes dificuldades, a gente só descobre isso quando o

problema já foi resolvido. Não tem esse trabalho de parceria, infelizmente, aqui em

Caçapava a gente não tem isso não. Até no Conselho, que a gente tem que fazer as

eleições, que as entidades têm que ta participando, na sociedade civil a gente tem muita

dificuldade de participação. É quando tem evento na cidade, a gente vê, que é cada um por

si mesmo, às vezes até coincide festas com as mesmas datas de outras instituições, por

falta de diálogo mesmo, falta desse trabalho em parceria. (Sujeito II).

A capacidade de articulação depende da existência de interesses compartilhados, dos recursos necessários para promovê-la, mas também de uma competência gerencial, que inclui técnicas e habilidades interpessoais, que deve ser desenvolvida nos gestores de organizações do terceiro setor. (FALCONER, 1999, p. 135).

A falta de interesse das entidades em articular-se ainda se soma ao fato do

município não ter nem CRAS e nem ter iniciado um processo efetivo de implantação

do SUAS. Além do que, as entidades que poderiam cobrar essa implantação estão

distanciadas de tal discussão.

No município de Caçapava o SUAS ainda não foi implantado, nem CRAS a gente

têm. Então ainda, a proposta da Secretaria de Cidadania é de estar implantando um CRAS

no município nesse final de ano, que eu acredito que não vá acontecer, mais pro ano de

2008, mais ainda não tem nada articulado. Ainda assim, a gente vê no município que a

questão do SUAS é muito distante de muitas instituições, até mesmo de muitos

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profissionais, até mesmo profissionais de terceiro setor. Porque quem ta na prefeitura, são

funcionários de organização governamental, eles estão muito mais em contato com a

questão e nós de terceiro setor, se você não for pesquisar, procurar, se interar, você acaba

ficando distante. Então a gente percebe que aqui no município a questão do SUAS ta bem,

bem devagar, bem distante. (Sujeito II).

Assim como em São José dos Campos há a dificuldade em acessar os

serviços da rede pública, fazendo com que as entidades procurem outras

alternativas para atender a demanda de seu público, nesse caso, para resolver o

problema, a profissional teve que recorrer ao voluntariado como alternativa de

preencher o espaço vazio deixado pelo poder público, em detrimento do direito à

assistência psicológica.

(..) faz três meses que nós conseguimos psicólogos para instituição, então, hoje, os

nossos encaminhamentos para psicólogos ficam aqui dentro mesmo, não precisa da rede

pública, que demora muito para ser atendido. (Sujeito II).

A situação em Taubaté é semelhante à de São José: a articulação fica na

dependência da entidade e do profissional.

Olha, eu tenho visto isso no conselho, essa questão de proteção básica, aquela

coisa, não é bem clara para o município, principalmente no poder público. Agora a rede, eu

particularmente não tenho dificuldade talvez por que justamente você conhece um pouco.

Daí agora mesmo a menina ligou, você conhece um pouco do que tem, eu acho que isso

facilita bastante. É o que eu falei da importância da gente conhecer o que tem no município.

Agora eu acho também que as entidades, e esse é o objetivo dessa rede social Senac, é de

fortalecer o terceiro setor, porque por muitos anos ainda a gente sente muito isso, as

entidades ficaram na dependência do poder público. É como dizia uma pessoa que

trabalhou na secretaria de assistência: a entidade tava sempre com chapéu na mão, ela não

se posicionava e algumas ainda não se posicionam, por isso que eu falei a entidade ela é

parceira no atendimento. Então nesse caso é uma troca a entidade vai participar com isso e

em contrapartida o poder público com outra coisa. (Sujeito IV).

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As reflexões dessa profissional vão ao encontro do pensamento de Pontes e

Bava (1996, p. 136) de que, se o “terceiro setor” é co-responsável na execução das

políticas, é justo que ele participe também das decisões.

Para se mudar as relações Estado/sociedade civil, os desafios são igualmente importantes. Entre eles estão o da transparência, isto é, a exposição pública das informações e do processo decisório sobre as políticas sociais; o do reconhecimento da alteridade, isto é, de que as ONGs não são e não querem ser um mero braço executivo de políticas definidas nas instâncias governamentais e sim atores que querem preservar sua autonomia e participar do processo decisório sobre as políticas nas quais se envolvam.

E mesmo que entidade ela faz uma parceria, mas o poder público manda, você está

sempre dependente. Eu não posso fazer isso. Por que não? A prefeitura não quer, já que é

da prefeitura, não, não é da prefeitura. Então eu acho que nesse sentido, quando elas

tomarem consciência do papel delas, eu acho que muda um pouco. Você tem que perceber

que cada um tenha sua contribuição, então, se você estiver sempre dependente deles. Por

daí, fulana é a favor da entidade, aí libera verba essa é a briga nossa no conselho. É uma

questão de justiça e é para todas as pessoas, a verba vai de acordo com projeto que você

tem para a entidade. Então por que você dá cesta básica, por que você levou médico, por

que você dá uma cadeira, empresto uma cadeira de rodas, não é isso. Por exemplo, a

criança da escola, ela vai para comer quando se fala em política pública não tem nada a ver,

a criança não vai na escola para comer, pensa bem. Então é essa consciência que eu penso

que precisa que haja na entidade sim. A gente percebe que tá havendo uma mudança sim,

ela é lenta, as pessoas elas têm que dar um passo para frente e perceber que elas não vão

sofrer represália, que elas não vão sofrer perseguição, porque sempre é que isso. É sempre

e isso que se tem! Então eu acho essa questão maior. (Sujeito IV).

Uma dificuldade muito séria apontada aqui é a perseguição política sobre

daqueles que lutam por exercer seu direito de participação, configurando-se como

um grande retrocesso. É com perplexidade que vemos um município de médio porte

populacional, com um setor industrial desenvolvido, politicamente arcaico por ainda

utilizar práticas intimidatórias. Não é à toa que só recentemente o município

conseguiu instituir o Conselho de Assistência Social. Uma lentidão que também está

refletida no processo de implantação do Suas que, pelo que se percebe, ainda nem

começou. É pior até que a situação de Caçapava, na qual as entidades

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desconhecem o Suas; em Taubaté o próprio poder público mostra-se omisso diante

da questão. O que ameniza a situação é a existência de um conselho que está

atuante e preocupado em assumir a responsabilidade de capacitar as entidades.

Não, aqui não tem SUAS. Não aqui. Em termos de, com a criação do conselho é que

nós estamos tentando. É lento porque o desconhecimento é. Tem pessoas que conhecem

tem, é evidente, mas o poder público ainda desconhece. Tem capacitação? Olha, (risos) e

isso aí quem vai fazer, que nós nos propusemos, é o próprio conselho, nós vamos fazer

para as entidades. Para você ver, ontem nós fomos na audiência pública, numa discussão a

respeito de orçamento, verbas que devem vir pro conselho. Nós tomamos posse em junho,

de lá para cá nós já tivemos tempo de fazer a conferência, estamos fazendo as visitas,

então o processo é lento. Sabe para gente poder fazer alguma coisa. (Sujeito IV).

As entidades ainda não conhecem? Olha, não. Numa reunião que nós tivemos com as

entidades, tivemos essa proposta de fazer a capacitação, mas ainda não foi possível fazer.

(Sujeito IV).

Concluindo, o poder público precisa superar muitas dificuldades para

efetivação da rede sócio-assistencial: Embora, encontremos heterogeneidades entre

os municípios pesquisados, alguns aspectos comuns podem ser destacados;

necessidades a serem consideradas por todos os sujeitos envolvidos nas redes.

• Conhecer o perfil das entidades e os serviços que prestam.

• Realizar um diálogo entre iguais.

• Superar a burocracia e compartilhar informações entre a rede.

• Reorganizar-se de forma intersetorial.

• Não apenas transferir serviços, mas também transferir poder de

decisão sobre eles.

• Internalizar uma cultura de comportamento democrático, superando

práticas intimidatórias.

• Melhorar a qualidade dos seus serviços e o acesso a eles.

• Propor-se a uma adequação ao SUAS efetiva e não apenas

burocrática.

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130

Mesmo com todas as dificuldades apontadas pelos sujeitos entrevistados na

relação do “terceiro setor” com o poder público, entendemos que não há

possibilidade de elaborar-se uma política social sem o Estado. Assim como a própria

LOAS coloca e a PNAS ratifica, há primazia do Estado na condução da Política de

Assistência Social em cada esfera de governo.

No entanto, somente o Estado dispõe de mecanismos fortemente estruturados para coordenar ações capazes de catalisar atores em torno de propostas abrangentes, que não percam de vista a universalização das políticas, combinada com a garantia de equidade. Esta prerrogativa está assegurada no art. 5º, inciso III, da LOAS.

Quanto às entidades, é valido o que Pontes e Bava (1996, p. 137) escrevem sobre as Ongs:

Da parte das ONGs colocam-se muitos desafios, entre eles aumentar

sua capacidade propositiva, estreitar laços com os demais atores

coletivos da sociedade civil, colaborar na construção de espaços

públicos de formulação, implementação e controle social das

políticas públicas.

Se as redes de fato forem constituídas conforme a PNAS/SUAS prevê, evita-

se que sejam ações que permitam a terceirização do público, em detrimento de uma

relação de reciprocidade. Entendemos que a grande diferença estaria no

acompanhamento e na fiscalização do poder público sobre os serviços prestados

pelas entidades; e também que a rede apresenta um grande potencial para atingir

resultados positivos, porém não pode ser vista como uma panacéia, já que tratamos

de problemas estruturais.

Quanto à relação público X privado, enquanto espaços de trabalho, as

experiências das entrevistadas são diferentes; essa comparação nem sempre foi

possível, mas foram emitidas opiniões sobre outros aspectos, conforme descrito

abaixo.

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A assistente social relata a dificuldade que sentiu como funcionária pública

em sua avaliação; o espaço encontrado no “terceiro setor” é mais propício ao

desenvolvimento de sua criatividade.

(...) Depois de formada, fui funcionária pública no COSENT, que hoje é a FUNDHAS.

Aí não me fez bem trabalhar subordinada a uma gestão pública. Aí saí, trabalhei numa

empresa, voltei a trabalhar naquele hospital que eu fui estagiária, depois eu trabalhei numa

outra empresa. (Sujeito III).

Mas qual foi sua dificuldade com o público? (...) eu sempre fui uma pessoa muito

criativa, sempre gostei muito de desenvolver projetos. E assim, tudo pra mim, sempre teve

um início, um meio e um fim. Eu peguei uma fase transitória de governo municipal, e você

era transferida de um setor pra outro. Sabe, o trabalho que você montava, o projeto que

você guiava, acabava saindo com o nome de outras pessoas. Ora você tava numa situação

legal de trabalho, ora você tava... E aí, depois que eu saí, eu vi mais claramente isso, que

assim quando eu vim pra instituição pra área... (Sujeito i).

A partir de sua experiência, a profissional entende que há no terceiro setor

mais possibilidades de executar projetos, utilizar o conhecimento teórico acumulado.

Que você nota de diferença forte no “terceiro setor”, público... As

possibilidades, lógico dependem da pessoa, do profissional. Mas, as possibilidades de

conhecimento, de desenvolver, de pôr em prática, sabe, de você resgatar aquelas coisas

que os professores falavam pra você, do que ta no livro e você conseguir executar.

As entrevistadas II e III fazem referência à freqüência do acompanhamento;

talvez no terceiro setor as condições de trabalho para o profissional, enquanto

trabalhador, sejam mais precárias, não contem com as mesmas vantagens dos

funcionários públicos; mas para o desenvolvimento do trabalho o terceiro setor é

mais livre. Um aspecto, importantíssimo, para o desenvolvimento do trabalho do

assistente social é a manutenção do vínculo com os usuários, o acompanhamento

sistemático que a complexidade das situações exige.

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Olha o que eu vejo é assim, no setor público você tem muito mais

estabilidade, muito mais vantagem, mas o trabalho também fica um pouco amarrado

por conta de toda uma estrutura. No terceiro setor, financeiramente, às vezes, você

não é tão valorizado (..). Por exemplo, no poder público, plantão social, você vê a

cara da pessoa uma vez ou outra, daqui a pouco ela desaparece, depois volta de

novo, então aquela freqüência, aquele acompanhamento... Aqui no terceiro setor a

gente até faz um acompanhamento melhor das famílias. Então eu vejo, apesar da

gente não ser a nível financeiro bem remunerado, o trabalho até que, eu,

particularmente, gosto muito de trabalhar no terceiro setor. Eu fiz estágio no setor

público também gostei da experiência, mas eu gosto bastante do trabalho no terceiro

setor. É mais íntimo... Muito mais, você criando outros vínculos, a questão da

confiança com o usuário. Então, isso é muito mais gratificante do que no poder

público. (Sujeito II).

Essa assistente social possui um entendimento semelhante ao da assistente

social I: também se refere às amarras da estrutura pública, marcada pelo excesso

de burocracia, e faz uma boa avaliação - a de que, muitas vezes, toda burocracia

dificulta o acompanhamento freqüente às famílias.

Quanto o público existe o comprometimento, eu acredito nessa possibilidade. Mas,

eu acho que existe um comprometimento maior, em termos do terceiro setor, eu não sei por

quê. Não sei se é por acomodação do público. Não to me referindo isso a todos, porque eu

acho que são alguns, tem profissionais muito comprometidos. Mas, eu acho que o público

lida muito com uma questão que é burocrática, muito mais burocrática do que da questão da

intervenção direta, assim numa freqüência maior com essa família, com essa criança, seja lá

com esse “ppd”, com esse idoso. Eu acho que assim, são situações e situações, fica difícil

eu dizer, é a minha visão com relação à questão. O público traz uma questão que é muito

burocrática, então, perde-se muito da atuação de intervenção com essas famílias, com esse

atendimento dessa demanda. (Sujeito III).

A quarta entrevistada, por ter uma experiência profissional diferente das

anteriores, possibilitou pensarmos também no espaço empresarial de trabalho e sua

diferença quanto ao trabalho em entidades.

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Espaço público eu não trabalhei e trabalhava em empresa. Então eu vejo assim, a

questão da organização da empresa, você tem menos possibilidade, embora a gente com o

trabalho, até conseguisse algumas conquistas. Mas, a empresa é definido os papéis, então

você pode intervir em algumas coisas. Ela tem mais recursos, não fica dependendo de

parceria com “A” ou “B”. (...) Se os funcionários passarem por alguma dificuldade,

precisarem de um empréstimo, tem a possibilidade de você socorrer nesse momento, não ta

dando nada para ele, é um direito dele. Sabe, então, a questão da organização eu acho

muito importante. (...) Mais organizada que o terceiro setor, porque ela é independente, e

isso eu acho importante. (Sujeito IV).

A partir da reflexão acima, foi possível inferir que, para a entrevistada, no

terceiro setor há mais possibilidades para o trabalho, mas por outro lado nesse

espaço não se pode contar com tantos recursos financeiros e esses são amarrados

ao poder público, situação diferente nas empresas que detém seu próprio capital;

sobretudo, a assistente social IV ressaltou a importância da organização.

O relato a seguir mostra que a assistente social entende que a organização

empresarial pode ser uma base para a organização do “terceiro setor”.

As entidades podem se basear na gestão empresarial? Elas devem. Porque veja,

o plano nacional dá as diretrizes para o trabalho da assistência. Não é uma forma de

profissionalizar? Se é para você fazer alguma coisa, você tem que ter condições de fazer.

Uma das nossas emendas, que nós mandamos, ontem, para audiência pública, é de que a

entidade que trabalha com assistência, tenha um assistente social. É uma forma de

profissionalizar, dar um atendimento de qualidade para o usuário. Tem um rio de dinheiro

num lugar, mas o quê que o município tá recebendo. O usuário, que direito está tendo? Que

direito dele que é preservado, se eu dou a cesta, compro um gás para ele, isso é

assistência? Não. Eu acho que essa diretriz agora da PNAS, é isso que vai ajudar com que

a assistência mude de cara. Você entendeu, para que ela seja efetiva no atendimento do

usuário, senão não vai adiantar nada. Vai continuar que abre ONG, abre ONG, abre ONG, e

na verdade, você não sabe nem o quê que é. (Sujeito IV).

Se observarmos, na verdade, o que deseja a quarta entrevistada é que exista

organização nas entidades, que estas sigam uma diretriz; a PNAS vai ao encontro

de tal visão, no sentido da coordenação do Estado e da rede para evitar a

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duplicidade de um serviço e ausência do outro. De toda forma, é imperioso termos

cautela para não cairmos na situação apresentada por Faleiros.

Os procedimentos burocráticos estabelecem um roteiro rígido de

atuação que possa ser bem controlado desde cima, de cima para

baixo. O planejamento e a programação permitem e obrigam cada

vez mais esse controle interno, transformando a disciplina em uma

questão competência, de avaliação, de eficácia. O modelo industrial

penetra todos os setores institucionais. (FALEIROS, 1985, p. 35).

Embora tenhamos críticas quanto ao incentivo ao crescimento do “terceiro

setor” propagado pela mídia como resposta a problemas de diferentes naturezas

(sem a devida análise das implicações desse processo), concordamos com a fala da

assistente social IV, e registramos que a contribuição de uma profissional com boa

bagagem profissional e um olhar construído a partir dessa realidade colaborou

nessa pesquisa e, mais ainda, no amadurecimento de nossa visão. De fato, muitas

organizações do “terceiro setor” buscam superar o assistencialismo e desenvolvem

sua competência buscando suporte na gestão empresarial; embora não

concordemos com essa postura, porque acreditamos que existam outras vias para a

profissionalização mais adequadas a essa natureza, admitimos que, durante um

tempo, não havia outras formas de superação que se apresentassem às entidades;

agora com a PNAS espera-se que consigamos construir uma gestão bem

organizada e pautada no acúmulo teórico das ciências sociais.

Eu acho assim, o terceiro setor veio em boa hora, veio até mostrar que a sociedade

civil não ta brincando. Veio pra contradizer aquela coisa da ajuda e cresceu. Ele não ficou

meramente no suporte do assistencialismo, ele desenvolveu. (...) não fosse a iniciativa da

sociedade civil, nos não teríamos, por exemplo, aqui no município de São José, uma

equiparação social tão grande. Aqui em São José são, oficiais, quarenta e oito instituições,

organizadas, conveniadas, fora as demais. (...) Hoje ta um pouquinho enfraquecido, nós por

muitos anos tivemos um fórum social, chamado Fórum Ampliado da Assistência Social, ele

ta um pouco enfraquecido, por causa das visões que muitos participantes têm. E mesmo

esses arranjos com os órgãos públicos, enfraqueceram bem o Fórum Ampliado, e até o

momento que o próprio órgão público era um fortalecedor nesse órgão, ele era participativo

enquanto políticas públicas. Nossa! São José tava indo de vento e poupa. A partir do

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momento que o órgão público passou a desenvolver uma postura de política partidária, aí,

teve quebra. Que é o que ta hoje, eu por exemplo, particularmente não faço parte do Fórum

Ampliado, dificilmente participo, eu coordenei durante três anos o Fórum Ampliado,

enquanto era do CMDCA. (Sujeito I).

Muitos dos serviços prestados e da cobertura efetivada devemos às

organizações do “terceiro setor”, conforme colocado nas análises sobre rede; há no

poder público muitos problemas, o que exige que as entidades se fortaleçam.

Hoje eu vejo que o terceiro setor cresceu muito, a gente ouvia muito pouco a questão

de outras organizações, a gente sempre falava muito do poder público. Agora hoje, a gente

já percebe que o terceiro setor cresceu muito, e começou a ter mais valor. As instituições

procuram, na medida do possível, fazer seu trabalho com transparência; a gente já teve

muita dificuldade, por problemas irregulares, pessoas desonestas, que acaba até

atrapalhando também o trabalho da gente. Mas eu vejo que hoje o terceiro setor tá

caminhando para uma consciência muito maior das questões, hoje se fala muito mais em

terceiro setor, se consegue mais financiamento, até o próprio poder público hoje investe em

terceiro setor, como parceiro. Cresceu bastante. (Sujeito II).

Entendemos, a partir da fala da assistente social, essa consciência maior das

questões como um crescimento qualitativo, necessário ao acompanhamento do

processo de organização das entidades. Embora, de fato, o incentivo por parte da

mídia e do próprio poder público durante um tempo tenha sido quantitativo,

acreditamos que espaços, começando a viver um novo momento, de arrumar o que

já existe, acabem por gerar serviços mais bem estruturados.

Acho extremante importante, acho um parceiro fundamental pro público. Tem

contribuído em muitos aspectos. Eu acho que até na questão em termos de prevenção, em

si. E de contribuir no sentido de que o município como um todo, eu acho que o terceiro setor

contribui muito nesse aspecto do atendimento. Porque o público ele, não dá conta sozinho.

(Sujeito III).

A assistente social IV entende que parceria público X privado é fundamental

para o atendimento à população e destaca um aspecto importante - o da prevenção.

Trabalhar com a prevenção remete à muita organização, porque se faz necessário

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um trabalho voltado à raiz dos problemas, com uma complexidade maior, que

dispensa o imediatismo. Deste modo, a contribuição dada abaixo pela assistente

social é valorosa para conseguirmos que as entidades colaborem no trabalho de

prevenção.

Primeiro assim, para uma ONG abrir, ela devia ter uma fiscalização. Por que assim,

eu da minha casa vou começar a trabalhar com idosos, suponhamos. Aí de repente, eu

começo arrecadar, tem que pegar isso e pegar aquilo. Mas eu não tenho contrapartida, eu

só quero receber. E o que é que eu vou oferecer? Porque, para você trabalhar com idoso, o

idoso tem estatuto, eles têm um direito deles que tem que ser preservado. Será que é só

eles ficarem lá o tempo todo, no atendimento ali? Então ele vai lá, daí encaminha para o

médico, mas não precisa disso. O CRAS veio aí que vai isso. Então se adequar o plano ao

município, eu acho que nós vamos assim, acredito que vai se restringir essa criação da

ONG, por que você vai ter os lugares certos de atendimento de uma forma adequada e

digna também. É isso que precisa, por que abre-se, quando você ta abrindo uma Ong, mas

sem os requisitos necessários pra aquilo. E até a falta de preparo mesmo das pessoas para

fazer aquilo, só de boa vontade eu acho que não. (Sujeito IV).

É importante que a maioria dos assistentes sociais possua a compreensão

de que a legislação deve respaldar o cotidiano profissional. Nossa profissão possui

um monopólio legal; são instrumentos legais utilizados no cotidiano profissional.

Esse monopólio é formado pelo Código de Ética, Lei de Regulamentação da

Profissão, Tabela Referencial de Honorários, Diretrizes Curriculares do Curso de

Serviço Social, que defende os direitos, tanto dos usuários na qualidade do

atendimento, quanto dos assistentes sociais na delimitação do seu fazer, na

garantia de suas condições de trabalho e definição de sua formação.

Acreditamos que o não reconhecimento da importância da relação entre

fazer profissional X legislação, dificulta a reivindicação por melhores condições de

trabalho, já que para isso necessita-se conhecer quais foram as conquistas já

obtidas, para efetivá-las a partir daí.

O Estatuto da Criança e Adolescente foi citado por todas as profissionais, já

que elas trabalham diretamente com crianças e adolescentes, além dele

percebemos um bom embasamento na legislação social.

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Bem, tem a própria Lei Orgânica do Município, a LOAS, Estatuto da Criança e do

Adolescente, Estatuto do Deficiente, a Lei de Acessibilidade; fora isso tem elencados várias

leis, decretos, promulgações de, por exemplo, da pessoa com deficiência, tudo que é

relacionado à pessoa com deficiência, a Constituição Brasileira, Código Civil, então é no que

eu me pauto. (Sujeito I).

A gente trabalha muito com o Estatuto da Criança e do Adolescente, por ser uma

instituição. A gente trabalha muito com o Código de Ética do Serviço Social, da nossa

profissão. E procuro assim através da internet que veio facilitar muito, então todos os sites

que tem coisas de Serviço Social. Tudo que vem do federal, eu procuro ao máximo ta

estudando e se interando da questão. Mesmo a questão do SUAS, tudo isso eu venho

aprendendo, apostilas, material, tiro tudo da internet. (Sujeito II).

Lei Orgânica da Assistência Social, Código de Ética do Serviço Social, Estatuto da

Criança e do Adolescente. Eu tenho todas as leis do Conselho Tutelar, nós temos uma

ligação também direita, até por conta se nós trabalhamos preconizados dentro do Estatuto

não tem como descolar. Então, a gente tem tentado da melhor forma, em termos de

conhecimento de legislação, tanto pra essa, quanto pras outras áreas a gente tem tentado

se atualizar. E o SUAS que ta aí e que tem muito pra gente aprender ainda. (Sujeito III).

O PNAS, a questão do SUAS, Estatuto da Criança e do Adolescente. E, qualquer

dúvida também, eu me reporto ao conselho tutelar e eles também. Qualquer coisa a gente

está sempre em contato com o conselho. Acontecem muitos problemas dos alunos com

relação conselho tutelar. (Sujeito IV).

Ao questionarmos sobre as formas que essas profissionais têm utilizado

para se capacitar, observamos que só a primeira entrevistada fez especialização,

embora todas busquem fazer cursos de atualização.

Aqui se expressa mais uma das conseqüências da precarização das

condições de trabalho, que é a falta de condições objetivas para se capacitar

continuamente. Porém, quanto aos recursos financeiros, existem as palestras,

seminários, discussões realizadas pelo CRESS com investimento zero, sem

custos, mas, tratando-se de especialização, os custos aumentam muito. Primeiro

porque na região do Vale do Paraíba não há especialização específica em Serviço

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Social; há em áreas afins como recursos humanos, gestão institucional e social,

pedagogia, porém quanto à questão teórico-metodólogica em Serviço Social não

há cursos de especialização. Ademais, os cursos específicos que existem, além de

estarem alocados na capital (SP), o que também envolve a falta de tempo, são

particulares. O investimento, então, torna-se alto mesmo, ainda se considerarmos a

faixa salarial que, conforme pesquisado, nem sempre permite ao profissional dispor

desse recurso.

Percebemos pelas falas abaixo que existe o desejo em dar continuidade aos

estudos, mas falta o recurso financeiro.

Você fez pós-graduação? Não, minha filha ta terminando fisioterapia é muito gasto.

Eu pretendo fazer, mas agora não tenho condições. (Sujeito IV).

Eu fiz outros cursos, não fiz pós-graduação por motivo financeiro. Agora internet, leio

bastante, procuro me informar dessa outra forma. E mesmo aqui no município a gente tá

tentado assim, é através da Secretaria de Cidadania, através dos Conselhos, solicitando

cursos de capacitação. Mas, me formei na Universidade não consegui fazer pós, mestrado,

mas não deixei de sonhar. (Sujeito II).

A assistente social II já sentiu dificuldades até mesmo em participar dos

eventos do CRESS, com a gestão anterior.

E quando você vai para as capacitações do município, do CRESS, a instituição

apóia, libera? Olha, não vou dizer que seja cem por cento, mas até que, financeiramente,

eu consigo recurso da instituição pra ta indo nesses encontros. É condução, o motorista da

instituição que leva e me libera pra ta indo fazer os cursos, mas tudo isso também foi uma

conquista de dois anos. Antigamente, não, a gente não tinha nada, se quisesse ir tinha que

ser por conta própria, não tinha esse apoio da instituição não. Hoje eu posso dizer que eu

tenho sim. (Sujeito II).

Interessante observar que a assistente social I encontrou uma realidade

diferente, contanto com todo apoio necessário para aprimorar sua formação e, como

se nota, a que ela correspondeu.

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(...) Nesses treze anos que eu estou na AADA, eu fiz muitos cursos, inclusive eu

participei de Congressos Internacionais a AADA bancando, por eles verem que era coisa

para eu trazer de suporte pra instituição. Noutra instituição que eu trabalhei, paralelo à

AADA, eu consegui trazer assessoria de fora para os funcionários da instituição. Porque a

gente mostra, quando eles acreditam no trabalho da gente, e nos resultados que a gente

apresenta, tem muita instituição que vê, que realmente aquilo é importante. (Sujeito I).

Uma forma importante de capacitação são os seminários, os encontros das

áreas de atuação desses profissionais. Além de possibilitar atualização profissional,

abrem um espaço para contatos com a rede e com outros profissionais, o que hoje é

um diferencial para o trabalho social.

A gente tem buscado todas as alternativas, em termos de capacitação, cursos,

seminários. Eu faço parte do conselho municipal da assistência, freqüento o Fórum

Ampliado da Assistência Social. As capacitações todos que têm, que são necessárias, a

gente tem feito, nós passamos agora, por último por uma capacitação de quatro meses

sobre violência doméstica e abuso sexual. Passamos, anterior a essa, a do Instituto Kaplan,

que é sobre o projeto ser mulher, que é um trabalho mesmo preventivo com esses

adolescentes. Estamos agora em processo de supervisão, tanto da Kaplan, quanto violência

e abuso sexual. (Sujeito III).

Com a participação da parte de serviço social, os encontros todos da área da

assistência. Aqui, na educação, eu participo de algumas coisas, quando tem algum fórum,

conferência da saúde. Tudo voltado ao trabalho que eu tô fazendo. (Sujeito IV).

A leitura é direcionada pela área de atuação ou pela demanda identificada

nos usuários; elas buscam se capacitar para melhorar o atendimento, o que

também reflete o compromisso dessas profissionais.

Hoje, a gente ta dando, assim, uma atenção especial, pra questão da sexualidade

das nossas crianças, que assim, é o que estão trazendo com uma freqüência maior, em

termos de como lidar com isso, tanto os de CECOI quanto os daqui. Então a gente tem

trabalhado, tem buscado alternativas de todas as formas, em termos de literatura, tanto em

pesquisa de internet, como as literaturas que estão aí hoje. (Sujeito III).

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O que você costuma ler? (...) tudo que diz respeito à área que estou atuando hoje,

a criança ao adolescente, a educação, questão, sempre dos direitos. Então tudo o que eu tô

atuando é que eu procuro ficar mais atualizada possível, justamente para orientar porque

senão não adianta você pegar uma coisa. A educação muda bastante, então tudo isso a

gente procura se atualizar para poder atuar. (Sujeito IV).

Consideramos que uma das principais estratégias na busca de melhores

condições de trabalho e de exercício profissional é a participação política, pois uma

resposta individual não pode dar conta de um problema coletivo. O tema

participação política fez parte de uma pesquisa do CFESS, de 2005, que traçou o

perfil do assistente social. Nesta pesquisa quanto à atividade política, ficou

constatada a participação de apenas 32% dos assistentes sociais. Aqui, observamos

a participação política somente no espaço do conselho de direitos, relembrando que

nossos sujeitos são conselheiros de assistência social. As quatro entrevistadas

disseram não participar de partido e movimento social, apenas duas justificaram.

Você participa de movimentos? Não, não. Não participa de partido político?

Também não, até porque eu sou péssima, eu vou, eu faço, eu tenho o pavio um pouquinho

curto. E outra, hoje se fosse pra falar: Qual partido você defenderia? Eu falo nenhum.

Teoricamente um pouco desse, alguma coisa daquele, nada de outros, mas talvez, eu

fundaria um outro partido, até porque eu sou contra o excesso de partidos na política.

(Sujeito I).

Olha, Taubaté não tem em movimento social. Partido político eu não me engajo,

porque eu tenho as minhas preferências, é evidente, mas eu procuro não me envolver. (...)

Todo abaixo-assinado que tem aí, eu procuro trazer, o que a gente faz na igreja, eu procuro

trazer para cá. Mas sem envolvimento de partido, sem me filiar. Eu procuro ficar à parte

disso, pra não me envolver. Mesmo na questão religiosa. Ah, é católica. Nós trabalhamos, o

que tem de gente de outra denominação, então se eu for ver, por exemplo, só aquele lado

ali como única salvação, eu deixo de respeitar o outro, a forma de pensar do outro. Então eu

procuro assim, essas coisas que levam muita discussão, eu procuro deixar de lado, tenho as

minhas discussões lá fora, mas com os grupos. Não misturo, nesse ano eleitoral todo

mundo fica atrás. Todo mundo quer aparecer perto de qualquer pessoa que tá envolvido

com muita gente. Várias passam por aqui, é como se de repente, aqui fosse um instrumento

para a eleição, então eu gosto de separar. (Sujeito IV).

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Os profissionais podem não envolver-se por dois motivos: por não

entenderem a política ou por pressão política. Pela fala da assistente social IV,

podemos observar que as pressões políticas existentes tornam-se um empecilho

para essa participação.

Também observamos que não encontramos nenhum sujeito participando de

movimento sindical, partidário ou social. Por isso, é importante relacionarmos este

dado com os dados do CFESS, os 32% que participam das atividades políticas

estão divididos da seguinte forma: movimento sindical 10,40%; movimento

partidário 12,62 %, movimento social 32,18 e movimento da categoria de assistente

social 44,80%. Seguindo os dados descritos pelo CFESS, só encontramos a

participação em movimento da categoria, mesmo assim, apenas da assistente

social I.

A assistente social II relata a dificuldade de participação entre os assistentes

sociais.

(...) É difícil encontrar profissionais que quererem se abrir, aqui em Caçapava a gente

até tentou formar um grupo de profissionais. A gente não consegue, vai uma vez, vai outra,

daqui a pouco ninguém quer saber de nada. (Sujeito II).

Considerarmos que o conselho de direitos é um espaço em que o assistente

social pode colaborar muito, tanto como membro, quanto divulgando informações à

sociedade civil, por meio do conhecimento que o profissional vai adquirindo pela

sua proximidade com as áreas de atuação. Porém, a referida pesquisa do CFESS

constatou pouca participação até mesmo nesse espaço.

[...] em relação à participação em conselho de direitos ou de políticas sociais, é possível perceber que esta prática ainda não está disseminada, apesar da expansão do “controle social” das políticas públicas e das diversas possibilidades de as (os) assistentes sociais participarem desses conselhos: sejam como representantes governamentais, sejam representando os profissionais, ou como assessores. (CFESS, 2005, p. 45).

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De maneira geral, as entrevistas relataram não sentirem dificuldades com

seus empregadores; quanto à participação no conselho, ao contrário, algumas

entidades apóiam esse trabalho; apenas a assistente social II já sentiu dificuldades

em outra gestão.

Eles me indicam pra tudo que eu mostro que é importante; eu trago pra cá os

resultados, assim como eu passo a reunião do grupo do PCD. (Sujeito I).

Isso vai fazer dois anos que eu to participando desse conselho. Dos outros

conselhos eu participei, mas não era conselheira, eu participava pra tá sabendo o que ia

acontecer e tal. Mas conselho mesmo, aqui no nosso município, ainda não tá muito bem

estruturado, ainda falta muita orientação, muita informação pra que as pessoas se

conscientizem. Que conselho ainda não quer dizer muita coisa pro nosso município, não.

Existem porque é uma necessidade, uma obrigatoriedade, mas não tem aquela valorização.

Já crescemos bastante, mas ainda falta bastante. (Sujeito II).

Na fala acima, percebe-se que a entrevistada possui um bom conhecimento

da realidade do município e da realidade do conselho de assistência social, que

ainda é entendido por alguns, como exigência burocrática para repasse de recursos

e não como forma de participação política.

Até um tempo atrás, eu não podia nem me candidatar à conselheira, tinha essa

dificuldade. Agora não, agora essa outra administração me deu total liberdade, então fui me

candidatar nessa gestão 2005-2007, nessa nova gestão 2007-2009 também pude me

candidatar. Então, hoje eu já consegui conquistar mais esse espaço aqui dentro, posso sair

para as reuniões, para as atividades, ela me libera sempre, sem problemas. Claro que eu

procuro assim, diante de todos esses trabalhos, de ter que sair, participar de outras coisas.

Eu procuro não prejudicar o meu trabalho, que aí sim, eu consigo mostrar que apesar de ter

esse outro compromisso, meu trabalho aqui dentro não fica prejudicado. (Sujeito II).

A assistente social II explica como entende a presença dos assistentes

sociais nos conselhos de direito e atrela essa participação à consciência do trabalho.

Quando a gente vai pro Conselho, hoje, por exemplo, a gente tem uma consciência

maior do que é ser conselheiro, do papel da gente lá dentro. Aí a gente acaba conquistando

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um espaço maior para nossa área. Então quem vai pro conselho, vai porque tem

consciência do seu trabalho. (Sujeito III).

Sem problemas, apóia. Eu tenho uma autonomia muito grande, enquanto,

desenvolvimento do trabalho. (..) Vêem importância, sabem da importância, acompanham,

em momento nenhum eu fui impedida de qualquer participação do que ta aí hoje,

capacitação, as reuniões que eu tenho que tá ausente em algum momento, sem problemas.

Tenho tido um apoio muito grande nesse aspecto. (Sujeito III).

Na fala abaixo percebemos que a assistente social III entende a participação

nos conselhos como integrante do trabalho do Serviço Social. Ela faz a análise do

conselho como um meio de intervir na realidade social e criar outras possibilidades

de trabalho.

(...) Porque eu acho que o assistente social, ele tem que mostrar um pouco daquilo,

que é o Serviço Social, é isso que você precisa fazer. Porque de repente se perde, não

consegue mostrar o que é o trabalho, como é realizado esse trabalho, às vezes até a não

permissão acontece pelo equívoco do não conhecimento mesmo. Porque acaba não vendo

a importância que o Serviço Social tem dentro dá instituição. (...) Eu acho que é importante,

extremamente importante, no momento que, a gente vai participando e conhecendo,

conhecendo o processo todo que ta imposto, e como que a gente vai atuar pra melhorar

toda condição. Eu acho que assim, vai abrindo as possibilidades no sentido de intervenção.

(Sujeito III).

Explicou que existe o apoio, e foi muito honesta ao reconhecer que existem

pontos que são interessantes para a entidade de forma individual.

Apóia. É porque na verdade assim, a indicação é da entidade. A eleição não

depende deles, mas a indicação é, se a entidade não me indicar eu não posso ir. Eles

sabem que quanto mais você se envolve com isso, mais credibilidade você dá para

entidade. E eu acho que assim demonstra uma certa autonomia da entidade também. Eu

vou pela entidade, mas eu não sou a entidade, eu não tenho a cabeça da entidade, tudo o

que eu participar sou eu. (Sujeito IV).

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É extremamente importante quando a assistente social IV diz: não sou a

entidade, tudo o que eu participo sou eu. Tal declaração demonstra seu

compromisso como conselheira e complementa sua fala anterior, ao explicar que é

representante de todas as entidades do município e não apenas da sua.

(...) no conselho municipal de assistência são três representantes das entidades,

cadastradas nós temos 65. Mas com a vinda do conselho, a gente percebe que tem mais

entidade. Hoje nós temos 75 entidades cadastradas. Então eu sou uma das três

representantes de 65, então por isso que eu tô sempre com as entidades. Então você vê, eu

tô representando as entidades, eu não posso falar em nome de uma entidade. São três

representantes das 75 entidades, então não posso só falar daqui e procurar só beneficiar

aqui, por isso que eu falo pra você que é uma questão do município, então tem que ter um

olhar mais abrangente. (Sujeito IV).

Essas profissionais esforçam-se para superar as barreiras, são atuantes

politicamente na medida da possibilidade, atualizam-se, buscam leituras, estão

atentas à legislação, enfim, tudo demonstra seu profissionalismo e a convergência

de esforços na busca por qualidade.

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CONCLUSÃO

Olhar para o sujeito e aproximar-se de seus sentimentos foi fundamental na

compreensão de nosso objeto. Posso dizer que este foi um trabalho que contou não

apenas com o pensamento do autor e orientador; os sujeitos também o escreveram.

O diálogo que traçamos não durou apenas uma hora, mas desde que nos

encontramos venho refletindo, polemizando com eles, e acho que por um bom

tempo me recordarei desses diálogos, tamanhas foram as suas riquezas,

despertando em mim diversas emoções.

Quanto às nossas pesquisas, diante do exposto em todo o trabalho,

acreditamos que as peculiaridades do “terceiro setor” caracterizam-se basicamente

por dois âmbitos: o ideológico e gerencial; ideológico porque se vale do discurso

humanista/ voluntarista para conquistar a adesão da sociedade civil, e gerencial pela

sua busca de modelos organizacionais advindos da gestão executiva.

Evidentemente, essas duas características vão refletir diretamente sobre o exercício

profissional do assistente social que trabalha neste setor, interferindo nos aspectos

de trabalho técnico-operativo, teórico-metodológico e ético-político. Elas refletem

também sobre as condições de trabalho do assistente social, pois em face dessas

características tem-se um redimensionamento dessas condições, que em muito se

relacionam ao exercício profissional.

Nota-se, que o “terceiro setor” também é um espaço de trabalho e, assim

como os outros espaços, possui limites e possibilidades. Isto pode ser melhor

observado no relato da primeira entrevistada: foi no “terceiro setor” que ela

encontrou as melhores possibilidades de trabalho, fato que afirmou com veemência.

Desde o contato telefônico que realizei para convidá-la a ser sujeito da pesquisa, a

profissional se mostrou interessada e com boa vontade em colaborar e, de fato, seu

depoimento foi muito importante nesse aspecto, já que ela possui ampla experiência

na atuação em “terceiro setor”. Por isso, compreendermos o porquê da profissional

acreditar no “terceiro setor” como espaço de trabalho; nele ela tem um exercício

respeitado, reconhecido, com possibilidades de criação e apoio para se capacitar.

Claro, que se trata de um exemplo e também encontramos realidades não tão

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semelhantes, mas para desfazermos as amarras da nossa concepção acerca desse

objeto, precisamos estar atentos a tudo que esta pesquisa nos mostrou.

O cotidiano é inesgotável. O desafio está aberto para sacudir a acomodação, elevar nosso nível teórico e comprometer-nos de maneira diferenciada e aberta com os interesses das classes populares nos lugares de trabalho, com nossas condições no emprego e no contexto político da correlação de forças que se nos apresenta. (FALEIROS, 1985, p. 56).

O leitor pode até mesmo perceber uma mudança em nossa visão a respeito

desse tema; acreditamos que essa se deva às esperanças que o SUAS e a PNAS

trouxeram, ao afirmar o Estado como gestor da rede. Uma vez que as entidades

existem e irão continuar existindo, qual seria a melhor forma de fazerem parte da

política de assistência social, pautadas nos direitos sociais? Foi a PNAS que trouxe

as diretrizes dessa inserção.

Reconhecemos a importância do atendimento realizado pelas entidades onde

atuam os sujeitos pesquisados. O depoimento da assistente social I também ratifica

tal importância quando relata que o único local onde a criança com surdez encontra

atendimento especializado é na AADA, e se não houvesse esse trabalho, talvez não

existisse nenhum atendimento. De fato, pensando na forma minimizada das políticas

públicas, podemos concluir que não é uma hipótese sem fundamento. Nossa crítica

continua no sentido de não entender o “terceiro setor” como alternativa ao

afastamento do Estado, esperando das entidades uma cobertura e amplitude que

sua natureza não permite. Não é possível e nem justo encarregá-las deste papel.

Não podemos, pois, apostar no “terceiro setor” como saída para tudo, pois os

problemas sociais ou das outras áreas têm sua raiz na estrutura do sistema

capitalista, e isto não podemos perder de vista.

Apresentamos nesse trabalho o conceito de “terceiro setor” que fundamentou

nossa caracterização das entidades de assistência social que pesquisamos. Estas

possuem a marca da religiosidade e dedicam-se ao atendimento de crianças e

adolescentes. Procuramos analisar pontos que refletem o processo de crescimento

do “terceiro setor”, como voluntariado, captação de recursos, critérios de

atendimento, para que se compreenda o espaço em que nossos sujeitos,

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assistentes sociais, estão inseridos. Apesar das diferenças entre as entidades,

alguns aspectos comuns podem ser destacados:

• Todas possuem uma forte tradição no município, seja pelo tempo que

atuam ou pelo serviço que prestam.

• Majoritariamente, são financiadas pelo Estado, por meio de convênios

com o município; algumas tendo mais de um convênio com o município

e, ainda, nas esferas estadual e a municipal.

• Há contrapartida dessas entidades; algumas possuem mantenedoras

ou buscam recursos por meio de captação entre a sociedade.

• Nesse trabalho de captação é forte a presença do assistente social,

sendo feito, muitas vezes, de forma voluntária.

• Evidenciou-se a preocupação que o voluntariado não interfira na

qualidade do atendimento, principalmente, quando se envolve o

contato direto com as crianças.

Em nossas análises, procuramos destacar pontos de convergência nas

entrevistas, ou outros que chamaram a atenção. Aqui temos apresentado as

dificuldades a serem superadas e os caminhos que estão sendo construídos por

essas profissionais; muitas dessas dificuldades extrapolam a limite profissional,

sendo marcadas por característica conjunturais. O que percebemos, sobretudo, é

que essas assistentes sociais estão dando a sua contribuição no que é possível;

talvez até uma contribuição pequena, mas que colabora na reversão dos problemas

apresentados. Assim seguem algumas considerações:

• Primeiramente, são profissionais com rica experiência no exercício do

Serviço Social, sendo que a profissional que possui o menor tempo de

trabalho já conta com sete anos de atuação. Também relataram gostar

do trabalho que realizam, são comprometidas e conhecem o segmento

(pessoas com deficiência e educação) com o qual trabalham. Elas

participaram da pesquisa com envolvimento, dando acréscimos às

perguntas; desde o primeiro contato realizado colocaram-se à

disposição. Acredito que todo esse diferencial encontrado nessas

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profissionais, em partes, relaciona-se à busca por sujeitos que, em

paralelo ao Serviço Social, atuavam nos conselhos de direito.

• Sentimos que o projeto ético-político se expressa na busca pela

qualidade do atendimento, e na luta para o cumprimento dos direitos

sociais; esta não é uma fala abstrata; tal posicionamento é percebido

no relato das práticas.

• Percebemos que o trabalho do assistente social perpassa quase todos

os campos da entidade, ele é um profissional que desempenha uma

papel importante, colabora para coesão da equipe, auxilia na formação

dos profissionais que não são de nível superior, assessora a direção e

os outros profissionais. Assim, podemos concluir que esses assistentes

sociais compreendem a importância do trabalho em equipe no

desenvolvimento de projetos e buscam agregar à sua prática o

conhecimento de outras áreas. Alguns profissionais ainda sentem

dificuldades nesse trabalho: não há troca de conhecimentos e os

profissionais trabalham paralelamente

• Quanto ao trabalho próprio do Serviço Social ou atribuição, todas se

reportaram ao trabalho com famílias; este está fortemente colocado

para o Serviço Social, no sentido de conhecer a realidade da família,

construir vínculo com ela. O sujeito I apontou uma face interessante do

trabalho com famílias: ele utiliza da estratégia da abordagem grupal

para trabalhar temas relacionados aos direitos sociais e propicia maior

conhecimento sobre a legislação social, fortalecendo a autonomia das

famílias atendidas.

• O planejamento de uma forma ou de outra é realizado por todas;

quando pensamos no planejamento do cotidiano, esse foi menos

citado. Algo muito interessante foi a relação que a sujeito I fez entre

planejamento e estudo. Fato com que concordamos, visto que o

planejamento facilita a reflexão e impede a atuação tarefeira, pois ele

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obriga o profissional a repensar o que já foi feito para melhorar os

projetos futuros.

• Uma questão que é parte do planejamento é o estudo da realidade dos

usuários. Encontramos dificuldades nos sujeitos quanto às pesquisas

neste aspecto. O perfil dos sujeitos facilita traçar estratégias e os dados

facilitam na organização e visibilidade do trabalho. Chamou-nos

atenção a assistente social III que percebe no dia-a-dia excelentes

resultados, mas não tem como apresentá-los de forma sistematizada.

• Quanto à valorização, um dado interessante foi que duas profissionais

não se sentem tão valorizadas pela instituição; já as outras vivem uma

realidade oposta. Uma relata que essa valorização está sendo

construída; a outra tem o reconhecimento das famílias, mas sente falta

da delimitação da área técnica. Percebemos que são as mesmas

profissionais que também apresentam alguma queixa quanto à

autonomia, fazendo com que inferíssemos a relação entre valorização

profissional e autonomia. Além disso, o espaço de trabalho delas

possui uma característica comum, o fato de serem entidades de cunho

religioso, administrada por irmãs religiosas e de forma rotativa, o que

imprime ao trabalho perdas dos avanços que foram construídos com

outras gestões.

• Notamos que a demanda é um processo dinâmico; comumente, vem

das famílias atendidas. São apresentadas questões ao serviço social

relacionadas ao desemprego e falta de recursos financeiros. Essa

demanda é variada, justifica-se por atender às famílias como um todo;

exige-se um trabalho ampliado. A assistente social IV atende demanda

por informações, publiciza essas informações para que as pessoas

alcancem seus direitos; seu entendimento é que o trabalho deve atingir

a coletividade do município.

• Quanto ao trabalho em rede, percebe-se que os profissionais

encontram-se bem articulados e possuem bons conhecimentos de seu

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parceiro. Ainda há dificuldades e, como analisamos muitas delas, por

falta de vontade política do poder público em assumir seu papel de

gestor da rede. O SUAS, embora traga esperanças, ainda não é uma

realidade em todos os municípios e falta às entidades conhecê-lo

mais. Essas assistentes sociais, enquanto conselheiras, relataram

buscar capacitação para as entidades de seus respectivos municípios.

• Visão do público X privado: para a primeira entrevistada, o “terceiro

setor” permitiu o desenvolvimento de sua criatividade, por meio de

projetos; ela e as outras profissionais entendem o público como um

espaço marcado pelo excesso de burocracia, o que dificulta um

acompanhamento sistemático. Já o trabalho no terceiro facilita a

construção de vínculos, por ocorrer durante o ano e não ter

característica emergencial. A assistente social IV trouxe uma outra

experiência a do espaço empresarial; em comparação às empresas,

entende que o terceiro setor tem mais possibilidades, porém sente falta

da organização que encontrou lá, destacou que espera que a PNAS

traga diretrizes às entidades.

• Uma dificuldade encontrada foi que apenas uma profissional conseguiu

continuar seus estudos na pós-graduação; destacamos que todas as

outras buscam formas possíveis de capacitação, como internet. e

participação em encontros e seminários. A falta de oportunidade de

aprofundar os estudos na pós-graduação é preocupante, já que o

conhecimento é o principal instrumento de trabalho do assistente social

e essas alternativas não substituem o espaço acadêmico. Acrescento

que todas têm bom embasamento na legislação; o Estatuto da Criança

e Adolescente foi a lei mais citada, já que trabalham tendo por público-

alvo crianças e adolescentes. Elas relataram buscar leituras a partir

das necessidades identificadas no espaço de trabalho, visando à

melhoria do atendimento.

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• As profissionais têm consciência de que as entidades precisam buscar

qualidade e ser mais bem estruturadas. Consideram as entidades um

parceiro importante do público na cobertura dos serviços, inclusive no

trabalho de prevenção. A assistente social IV relata a necessidade de

planificar as entidades para que a contrapartida seja o trabalho naquilo

que o município necessita e de forma profissionalizada, pautada na

legislação social.

• Conexão com o projeto ético-político, quando respeita o

direcionamento do sujeito usuário no processo, considerando seu

desejo, sua cultura. Muitas vezes os sujeitos entrevistados remeteram

à democratização da informação, visando à autonomia, o poder do

usuário sobre os seus projetos de vida.

• As profissionais ocupam os espaços de participação popular

efetivamente, enquanto conselheiras, colaboram com o conhecimento

da realidade adquirido no contato diário com as necessidades da

população, facilitando o monitoramento e avaliação, além de realizarem

um trabalho de democratização dessas informações na sociedade civil.

Positivamente, a presença nos conselhos é atrelada à consciência do

trabalho; há também quem entenda essa atuação como parte

integrante do trabalho do Serviço Social ou até mesmo um meio de

criar possibilidades de intervenção na realidade.

• Não encontramos profissionais participando de partidos políticos ou

movimentos sociais. Observamos uma certa descrença quanto aos

partidos políticos existentes, falta de identificação com os mesmos.

Muitos assistentes sociais sofrem pressões políticas, por pessoas que

não primam pela ética, principalmente, em períodos eleitorais. Assim,

percebemos o receio que a assistente social IV tem de que o Serviço

Social seja utilizado como instrumento eleitoreiro. Em nossa atuação

profissional também é comum encontrar profissionais que sofrem

situação semelhante. Importante lembrar que a referida profissional

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busca outras formas de participação política, como o abaixo-assinado;

foi forma que encontrou de não deixar de atuar.

O desafio de enfrentar teoricamente o terceiro setor, enquanto mercado de

trabalho não se esgota aqui; existem muitos pontos a serem aprofundados, outros

em que nem pudemos tocar aqui. Encerro este trabalho com a fala de uma de

nossas entrevistadas, que consideramos um dos trechos mais valiosos para esta

dissertação; ela conseguiu expor, por meio de sua atuação, do exercício profissional

que realiza todos os dias, o compromisso ético-político dessa profissão que, para

muitos, só cabe na teoria:

Outra coisa importante na nossa área é exatamente isso, que você no mínimo

conheça os recursos que tem o município, pra daí você poder falar em políticas públicas.

Porque não adianta ficar sentado aqui falando, falando o que precisa, mas eu não tenha

atuação fora daqui. Você tem um tempo aqui, mas a atuação de sua tem que ser realmente

mais lá fora, para trabalhar mesmo essa questão das políticas públicas, porque as pessoas

daqui também serão beneficiadas. O meu olhar sempre em termos de município e não só da

entidade, porque as crianças estão por um tempo aqui, mas elas estão inseridas no contexto

do município. Então a como você consegue? Você pode conseguir, mas não pode ser

pontual, as coisas têm que ser de direito. Porque falam: Ah, eu não consigo tal coisa. Então

você faz para mim? Você consegue, você pode ligar, você pode tentar marcar sabe, uma

consulta essas coisas assim. Política pública também isso, se ela é pública é para mim, é

para você, é para todo mundo, então eu não preciso da intervenção de alguém. Então

assim, cada vez que eu preciso de alguém para intervir numa coisa que é de direito, ela não

pode ser política pública. Eu acho que trabalho nosso tem que ser exatamente nesse

sentido que todos tenham direito, que todos tenham acesso a todas as políticas e não

determinadas pessoas. Essa é a briga. (Sujeito IV).

De fato, é uma briga o que travamos em muitos lugares e estar disposto a

entrar na arena é o que faz valer nosso trabalho, é o que nos afasta da apatia e faz

com que tenhamos esperanças em alcançarmos a tão desejada “nova ordem

societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero”.

Aqui converge também a discussão da apreensão da realidade enquanto atitude política, visando a não acomodação perante os desafios e não rotinização do trabalho, mantendo essa situação

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profissional centrada na posição ético-política de defesa da vida e da não manutenção da desigualdade inerente ao “status quo”. (ANDRADE, 2006, p. 153).

Por fim, esclareço o quão importante foi o contato com os sujeitos e com a

realidade por eles apresentada. Isto possibilitou repensar teorias, sendo até mesmo

possível, uma mudança em nossa visão após as entrevistas. Hoje a ponderação faz-

se mais presente em nossas análises e entendemos que ainda falte muito estudo

para compreensão desse fenômeno e, mais do que negá-lo, também é preciso fazer

o exercício de refletir sobre suas possibilidades. Acreditamos que encontramos

profissionais que estão fazendo isso. Envolvidas com o trabalho institucional,

descobriram pontos positivos a serem explorados no atendimento aos usuários que

buscam o Serviço Social, ou seja, estão na direção de superar as dificuldades e

construir os caminhos.

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Uma nota sobre as limitações desse estudo

“Esse movimento em espiral e por aproximações sucessivas exige do pesquisador um processo de decisão sobre o que se deve abstrair e o que não se deve, sobre a definição do problema a ser investigado e sobre os elementos essenciais desse problema.” (BERING; BOSCHETTI, 2006, p. 42).

Essa dissertação tem inúmeras e evidentes limitações, justificadas pelo seu próprio

objeto. Primeiramente, destaco que se tratou de um tema extenso, que exigiu a abordagem

de vários temas a fim de que conseguíssemos situar nosso objeto na contemporaneidade.

Houve, ainda, temas que abarcam inúmeras questões, como o “terceiro setor”, seja pela sua

complexidade que, como analisado, está imbricada na sua heterogeneidade, ou até mesmo

pelas opiniões dos pesquisadores que divergem a seu respeito, porque esse espaço não

permite apresentá-las de modo satisfatório, mas cuidou-se para que estas estivessem

apenas representadas pelos seus principais pensadores. Além do que, creio que, na

verdade, meu objeto contém em si, ao menos, dois grandes temas: o terceiro setor e o

trabalho do assistente social. Ambos, isoladamente, poderiam ser o meu objeto de pesquisa.

Mas eu só encontraria as respostas que procuro e só seria possível realizar esse estudo, se

pudesse olhá-los em sua relação e, assim, deleitar nas questões que nos desafiaram e

ainda desafiam.

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Anexos

LEI Nº 9.608, DE 18 DE FEVEREIRO DE 1998

Dispõe sobre o serviço voluntário e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional

decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não

remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou

a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais,

educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.

Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem

obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.

Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de

adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário,

dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.

Art. 3º O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas

que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.

Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar

expressamente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço voluntário.

Art. 3o-A. Fica a União autorizada a conceder auxílio financeiro ao prestador de

serviço voluntário com idade de dezesseis a vinte e quatro anos integrante de família

com renda mensal per capita de até meio salário mínimo. (Incluído pela Lei nº

10.748, de 22.10.2003) (Regulamento)

§ 1o O auxílio financeiro a que se refere o caput terá valor de até R$ 150,00

(cento e cinqüenta reais) e será custeado com recursos da União por um período

máximo de seis meses, sendo destinado preferencialmente: (Incluído pela Lei nº

10.748, de 22.10.2003)

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163

I - aos jovens egressos de unidades prisionais ou que estejam cumprindo

medidas sócio-educativas; e (Incluído pela Lei nº 10.748, de 22.10.2003)

II - a grupos específicos de jovens trabalhadores submetidos a maiores taxas

de desemprego. (Incluído pela Lei nº 10.748, de 22.10.2003)

§ 2o O auxílio financeiro poderá ser pago por órgão ou entidade pública ou

instituição privada sem fins lucrativos previamente cadastrados no Ministério do

Trabalho e Emprego, utilizando recursos da União, mediante convênio, ou com

recursos próprios. (Redação dada pela Lei nº 10.940, de 2004)

§ 3o É vedada a concessão do auxílio financeiro a que se refere este artigo ao

voluntário que preste serviço a entidade pública ou instituição privada sem fins

lucrativos, na qual trabalhe qualquer parente, ainda que por afinidade, até o 2o

(segundo) grau. (Redação dada pela Lei nº 10.940, de 2004)

§ 4o Para efeitos do disposto neste artigo, considera-se família a unidade

nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços

de parentesco, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e

mantendo sua economia pela contribuição de seus membros. (Incluído pela Lei nº

10.748, de 22.10.2003)

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 18 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Paulo Paiva

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LEI Nº 9.637, DE 15 DE MAIO DE 1998.

Dispõe sobre a qualificação de entidades

como organizações sociais, a criação do

Programa Nacional de Publicização, a

extinção dos órgãos e entidades que

menciona e a absorção de suas atividades

por organizações sociais, e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Seção I

Da Qualificação

Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de

direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa

científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à

cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

Art. 2o São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior

habilitem-se à qualificação como organização social:

I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre:

a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação;

b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes

financeiros no desenvolvimento das próprias atividades;

c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um

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conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas

àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei;

d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do

Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade

moral;

e) composição e atribuições da diretoria;

f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e

do relatório de execução do contrato de gestão;

g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto;

h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese,

inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da

entidade;

i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram

destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso

de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no

âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do

Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados;

II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como

organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de

atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração

Federal e Reforma do Estado.

Seção II

Do Conselho de Administração

Art. 3o O conselho de administração deve estar estruturado nos termos que dispuser o

respectivo estatuto, observados, para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação, os

seguintes critérios básicos:

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I - ser composto por:

a) 20 a 40% (vinte a quarenta por cento) de membros natos representantes do Poder Público,

definidos pelo estatuto da entidade;

b) 20 a 30% (vinte a trinta por cento) de membros natos representantes de entidades da

sociedade civil, definidos pelo estatuto;

c) até 10% (dez por cento), no caso de associação civil, de membros eleitos dentre os

membros ou os associados;

d) 10 a 30% (dez a trinta por cento) de membros eleitos pelos demais integrantes do conselho,

dentre pessoas de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral;

e) até 10% (dez por cento) de membros indicados ou eleitos na forma estabelecida pelo

estatuto;

II - os membros eleitos ou indicados para compor o Conselho devem ter mandato de quatro

anos, admitida uma recondução;

III - os representantes de entidades previstos nas alíneas "a" e "b" do inciso I devem

corresponder a mais de 50% (cinqüenta por cento) do Conselho;

IV - o primeiro mandato de metade dos membros eleitos ou indicados deve ser de dois anos,

segundo critérios estabelecidos no estatuto;

V - o dirigente máximo da entidade deve participar das reuniões do conselho, sem direito a

voto;

VI - o Conselho deve reunir-se ordinariamente, no mínimo, três vezes a cada ano e,

extraordinariamente, a qualquer tempo;

VII - os conselheiros não devem receber remuneração pelos serviços que, nesta condição,

prestarem à organização social, ressalvada a ajuda de custo por reunião da qual participem;

VIII - os conselheiros eleitos ou indicados para integrar a diretoria da entidade devem

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renunciar ao assumirem funções executivas.

Art. 4o Para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação, devem ser atribuições

privativas do Conselho de Administração, dentre outras:

I - fixar o âmbito de atuação da entidade, para consecução do seu objeto;

II - aprovar a proposta de contrato de gestão da entidade;

III - aprovar a proposta de orçamento da entidade e o programa de investimentos;

IV - designar e dispensar os membros da diretoria;

V - fixar a remuneração dos membros da diretoria;

VI - aprovar e dispor sobre a alteração dos estatutos e a extinção da entidade por maioria, no

mínimo, de dois terços de seus membros;

VII - aprovar o regimento interno da entidade, que deve dispor, no mínimo, sobre a estrutura,

forma de gerenciamento, os cargos e respectivas competências;

VIII - aprovar por maioria, no mínimo, de dois terços de seus membros, o regulamento próprio

contendo os procedimentos que deve adotar para a contratação de obras, serviços, compras e

alienações e o plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entidade;

IX - aprovar e encaminhar, ao órgão supervisor da execução do contrato de gestão, os

relatórios gerenciais e de atividades da entidade, elaborados pela diretoria;

X - fiscalizar o cumprimento das diretrizes e metas definidas e aprovar os demonstrativos

financeiros e contábeis e as contas anuais da entidade, com o auxílio de auditoria externa.

Seção III

Do Contrato de Gestão

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado

entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à

formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às

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áreas relacionadas no art. 1o.

Art. 6o O contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade

supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e

obrigações do Poder Público e da organização social.

Parágrafo único. O contrato de gestão deve ser submetido, após aprovação pelo Conselho de

Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área

correspondente à atividade fomentada.

Art. 7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes

preceitos:

I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das

metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa

dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores

de qualidade e produtividade;

II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de

qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações

sociais, no exercício de suas funções.

Parágrafo único. Os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de atuação da

entidade devem definir as demais cláusulas dos contratos de gestão de que sejam signatários.

Seção IV

Da Execução e Fiscalização do Contrato de Gestão

Art. 8o A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada

pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade

fomentada.

§ 1o A entidade qualificada apresentará ao órgão ou entidade do Poder Público supervisora

signatária do contrato, ao término de cada exercício ou a qualquer momento, conforme

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recomende o interesse público, relatório pertinente à execução do contrato de gestão,

contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados,

acompanhado da prestação de contas correspondente ao exercício financeiro.

§ 2o Os resultados atingidos com a execução do contrato de gestão devem ser analisados,

periodicamente, por comissão de avaliação, indicada pela autoridade supervisora da área

correspondente, composta por especialistas de notória capacidade e adequada qualificação.

§ 3o A comissão deve encaminhar à autoridade supervisora relatório conclusivo sobre a

avaliação procedida.

Art. 9o Os responsáveis pela fiscalização da execução do contrato de gestão, ao tomarem

conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de

origem pública por organização social, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob

pena de responsabilidade solidária.

Art. 10. Sem prejuízo da medida a que se refere o artigo anterior, quando assim exigir a

gravidade dos fatos ou o interesse público, havendo indícios fundados de malversação de

bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao

Ministério Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entidade para que

requeira ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o

seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam

ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1o O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do

Código de Processo Civil.

§ 2o Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens,

contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no País e no exterior, nos termos da

lei e dos tratados internacionais.

§ 3o Até o término da ação, o Poder Público permanecerá como depositário e gestor dos bens

e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuidade das atividades sociais da

entidade.

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Seção V

Do Fomento às Atividades Sociais

Art. 11. As entidades qualificadas como organizações sociais são declaradas como entidades

de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais.

Art. 12. Às organizações sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e bens

públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão.

§ 1° São assegurados às organizações sociais os créditos previstos no orçamento e as

respectivas liberações financeiras, de acordo com o cronograma de desembolso previsto no

contrato de gestão.

§ 2o Poderá ser adicionada aos créditos orçamentários destinados ao custeio do contrato de

gestão parcela de recursos para compensar desligamento de servidor cedido, desde que haja

justificativa expressa da necessidade pela organização social.

§ 3o Os bens de que trata este artigo serão destinados às organizações sociais, dispensada

licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão.

Art. 13. Os bens móveis públicos permitidos para uso poderão ser permutados por outros de

igual ou maior valor, condicionado a que os novos bens integrem o patrimônio da União.

Parágrafo único. A permuta de que trata este artigo dependerá de prévia avaliação do bem e

expressa autorização do Poder Público.

Art. 14. É facultado ao Poder Executivo a cessão especial de servidor para as organizações

sociais, com ônus para a origem.

§ 1o Não será incorporada aos vencimentos ou à remuneração de origem do servidor cedido

qualquer vantagem pecuniária que vier a ser paga pela organização social.

§ 2o Não será permitido o pagamento de vantagem pecuniária permanente por organização

social a servidor cedido com recursos provenientes do contrato de gestão, ressalvada a

hipótese de adicional relativo ao exercício de função temporária de direção e assessoria.

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§ 3o O servidor cedido perceberá as vantagens do cargo a que fizer juz no órgão de origem,

quando ocupante de cargo de primeiro ou de segundo escalão na organização social.

Art. 15. São extensíveis, no âmbito da União, os efeitos dos arts. 11 e 12, § 3o, para as

entidades qualificadas como organizações sociais pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos

Municípios, quando houver reciprocidade e desde que a legislação local não contrarie os

preceitos desta Lei e a legislação específica de âmbito federal.

Seção VI

Da Desqualificação

Art. 16. O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização

social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão.

§ 1o A desqualificação será precedida de processo administrativo, assegurado o direito de

ampla defesa, respondendo os dirigentes da organização social, individual e solidariamente,

pelos danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão.

§ 2o A desqualificação importará reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à

utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

CAPÍTULO II

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da

assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que

adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de

recursos provenientes do Poder Público.

Art. 18. A organização social que absorver atividades de entidade federal extinta no âmbito da

área de saúde deverá considerar no contrato de gestão, quanto ao atendimento da

comunidade, os princípios do Sistema Único de Saúde, expressos no art. 198 da Constituição

Federal e no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990.

Art. 19. As entidades que absorverem atividades de rádio e televisão educativa poderão

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receber recursos e veicular publicidade institucional de entidades de direito público ou privado,

a título de apoio cultural, admitindo-se o patrocínio de programas, eventos e projetos, vedada

a veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que configurem comercialização de

seus intervalos.

Art. 20. Será criado, mediante decreto do Poder Executivo, o Programa Nacional de

Publicização - PNP, com o objetivo de estabelecer diretrizes e critérios para a qualificação de

organizações sociais, a fim de assegurar a absorção de atividades desenvolvidas por

entidades ou órgãos públicos da União, que atuem nas atividades referidas no art. 1o, por

organizações sociais, qualificadas na forma desta Lei, observadas as seguintes diretrizes:

I - ênfase no atendimento do cidadão-cliente;

II - ênfase nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados;

III - controle social das ações de forma transparente.

Art. 21. São extintos o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, integrante da estrutura do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, e a Fundação

Roquette Pinto, entidade vinculada à Presidência da República.

§ 1o Competirá ao Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado supervisionar o

processo de inventário do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, a cargo do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, cabendo-lhe realizá-lo para a

Fundação Roquette Pinto.

§ 2o No curso do processo de inventário da Fundação Roquette Pinto e até a assinatura do

contrato de gestão, a continuidade das atividades sociais ficará sob a supervisão da

Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

§ 3o É o Poder Executivo autorizado a qualificar como organizações sociais, nos termos desta

Lei, as pessoas jurídicas de direito privado indicadas no Anexo I, bem assim a permitir a

absorção de atividades desempenhadas pelas entidades extintas por este artigo.

§ 4o Os processos judiciais em que a Fundação Roquette Pinto seja parte, ativa ou

passivamente, serão transferidos para a União, na qualidade de sucessora, sendo

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representada pela Advocacia-Geral da União.

Art. 22. As extinções e a absorção de atividades e serviços por organizações sociais de que

trata esta Lei observarão os seguintes preceitos:

I - os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entidades extintos

terão garantidos todos os direitos e vantagens decorrentes do respectivo cargo ou emprego e

integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entidades indicados no Anexo II, sendo

facultada aos órgãos e entidades supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão de servidor,

irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as

correspondentes atividades, observados os §§ 1o e 2o do art. 14;

II - a desativação das unidades extintas será realizada mediante inventário de seus bens

imóveis e de seu acervo físico, documental e material, bem como dos contratos e convênios,

com a adoção de providências dirigidas à manutenção e ao prosseguimento das atividades

sociais a cargo dessas unidades, nos termos da legislação aplicável em cada caso;

III - os recursos e as receitas orçamentárias de qualquer natureza, destinados às unidades

extintas, serão utilizados no processo de inventário e para a manutenção e o financiamento

das atividades sociais até a assinatura do contrato de gestão;

IV - quando necessário, parcela dos recursos orçamentários poderá ser reprogramada,

mediante crédito especial a ser enviado ao Congresso Nacional, para o órgão ou entidade

supervisora dos contratos de gestão, para o fomento das atividades sociais, assegurada a

liberação periódica do respectivo desembolso financeiro para a organização social;

V - encerrados os processos de inventário, os cargos efetivos vagos e os em comissão serão

considerados extintos;

VI - a organização social que tiver absorvido as atribuições das unidades extintas poderá

adotar os símbolos designativos destes, seguidos da identificação "OS".

§ 1o A absorção pelas organizações sociais das atividades das unidades extintas efetivar-se-á

mediante a celebração de contrato de gestão, na forma dos arts. 6o e 7o.

§ 2o Poderá ser adicionada às dotações orçamentárias referidas no inciso IV parcela dos

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recursos decorrentes da economia de despesa incorrida pela União com os cargos e funções

comissionados existentes nas unidades extintas.

Art. 23. É o Poder Executivo autorizado a ceder os bens e os servidores da Fundação

Roquette Pinto no Estado do Maranhão ao Governo daquele Estado.

Art. 24. São convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 1.648-7, de 23

de abril de 1998.

Art. 25. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 15 de maio de 1998; 177o da Independência e 110o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Pedro Malan

Paulo Paiva

José Israel Vargas

Luiz Carlos Bresser Pereira

Clovis de Barros Carvalho

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LEI No 9.790, DE 23 DE MARÇO DE 1999.

Dispõe sobre a qualificação de pessoas

jurídicas de direito privado, sem fins

lucrativos, como Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público,

institui e disciplina o Termo de Parceria, e

dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DA QUALIFICAÇÃO COMO ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

DE INTERESSE PÚBLICO

Art. 1o Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos

sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei.

§ 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de

direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores,

empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos,

bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de

suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.

§ 2o A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento dos

requisitos instituídos por esta Lei.

Art. 2o Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3o

desta Lei:

I - as sociedades comerciais;

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II - os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria

profissional;

III - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas

e visões devocionais e confessionais;

IV - as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;

V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um

círculo restrito de associados ou sócios;

VI - as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;

VII - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;

VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;

IX - as organizações sociais;

X - as cooperativas;

XI - as fundações públicas;

XII - as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão

público ou por fundações públicas;

XIII - as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema

financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

Art. 3o A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da

universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente

será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos

sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:

I - promoção da assistência social;

II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

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III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de

participação das organizações de que trata esta Lei;

IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação

das organizações de que trata esta Lei;

V - promoção da segurança alimentar e nutricional;

VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do

desenvolvimento sustentável;

VII - promoção do voluntariado;

VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;

IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas

alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica

gratuita de interesse suplementar;

XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de

outros valores universais;

XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e

divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às

atividades mencionadas neste artigo.

Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas

configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas,

por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de

serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor

público que atuem em áreas afins.

Art. 4o Atendido o disposto no art. 3o, exige-se ainda, para qualificarem-se como

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas

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sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre:

I - a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,

economicidade e da eficiência;

II - a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a

obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em

decorrência da participação no respectivo processo decisório;

III - a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para

opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações

patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade;

IV - a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido

será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente

que tenha o mesmo objeto social da extinta;

V - a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por

esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o

período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica

qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social;

VI - a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade que atuem

efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos,

respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região

correspondente a sua área de atuação;

VII - as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que

determinarão, no mínimo:

a) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras

de Contabilidade;

b) que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao

relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as certidões

negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de

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qualquer cidadão;

c) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso,

da aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria conforme previsto em

regulamento;

d) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina o

parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal.

Parágrafo único. É permitida a participação de servidores públicos na composição de

conselho de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, vedada a percepção de

remuneração ou subsídio, a qualquer título.(Incluído pela Lei nº 10.539, de 2002)

Art. 5o Cumpridos os requisitos dos arts. 3o e 4o desta Lei, a pessoa jurídica de direito

privado sem fins lucrativos, interessada em obter a qualificação instituída por esta Lei, deverá

formular requerimento escrito ao Ministério da Justiça, instruído com cópias autenticadas dos

seguintes documentos:

I - estatuto registrado em cartório;

II - ata de eleição de sua atual diretoria;

III - balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício;

IV - declaração de isenção do imposto de renda;

V - inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes.

Art. 6o Recebido o requerimento previsto no artigo anterior, o Ministério da Justiça

decidirá, no prazo de trinta dias, deferindo ou não o pedido.

§ 1o No caso de deferimento, o Ministério da Justiça emitirá, no prazo de quinze dias da

decisão, certificado de qualificação da requerente como Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público.

§ 2o Indeferido o pedido, o Ministério da Justiça, no prazo do § 1o, dará ciência da

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decisão, mediante publicação no Diário Oficial.

§ 3o O pedido de qualificação somente será indeferido quando:

I - a requerente enquadrar-se nas hipóteses previstas no art. 2o desta Lei;

II - a requerente não atender aos requisitos descritos nos arts. 3o e 4o desta Lei;

III - a documentação apresentada estiver incompleta.

Art. 7o Perde-se a qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a

pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa

popular ou do Ministério Público, no qual serão assegurados, ampla defesa e o devido

contraditório.

Art. 8o Vedado o anonimato, e desde que amparado por fundadas evidências de erro ou

fraude, qualquer cidadão, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, é parte legítima

para requerer, judicial ou administrativamente, a perda da qualificação instituída por esta Lei.

CAPÍTULO II

DO TERMO DE PARCERIA

Art. 9o Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de

ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as

partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3o

desta Lei.

Art. 10. O Termo de Parceria firmado de comum acordo entre o Poder Público e as

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público discriminará direitos, responsabilidades

e obrigações das partes signatárias.

§ 1o A celebração do Termo de Parceria será precedida de consulta aos Conselhos de

Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, nos respectivos níveis de

governo.

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§ 2o São cláusulas essenciais do Termo de Parceria:

I - a do objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho proposto pela

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público;

II - a de estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos

prazos de execução ou cronograma;

III - a de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem

utilizados, mediante indicadores de resultado;

IV - a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento,

estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização e o detalhamento

das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos, com recursos oriundos ou

vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados e consultores;

V - a que estabelece as obrigações da Sociedade Civil de Interesse Público, entre as

quais a de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a

execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas

propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e

receitas efetivamente realizados, independente das previsões mencionadas no inciso IV;

VI - a de publicação, na imprensa oficial do Município, do Estado ou da União, conforme

o alcance das atividades celebradas entre o órgão parceiro e a Organização da Sociedade

Civil de Interesse Público, de extrato do Termo de Parceria e de demonstrativo da sua

execução física e financeira, conforme modelo simplificado estabelecido no regulamento desta

Lei, contendo os dados principais da documentação obrigatória do inciso V, sob pena de não

liberação dos recursos previstos no Termo de Parceria.

Art. 11. A execução do objeto do Termo de Parceria será acompanhada e fiscalizada por

órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, e pelos

Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, em cada

nível de governo.

§ 1o Os resultados atingidos com a execução do Termo de Parceria devem ser

analisados por comissão de avaliação, composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a

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Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

§ 2o A comissão encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo sobre a

avaliação procedida.

§ 3o Os Termos de Parceria destinados ao fomento de atividades nas áreas de que trata

esta Lei estarão sujeitos aos mecanismos de controle social previstos na legislação.

Art. 12. Os responsáveis pela fiscalização do Termo de Parceria, ao tomarem

conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de

origem pública pela organização parceira, darão imediata ciência ao Tribunal de Contas

respectivo e ao Ministério Público, sob pena de responsabilidade solidária.

Art. 13. Sem prejuízo da medida a que se refere o art. 12 desta Lei, havendo indícios

fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela

fiscalização representarão ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União, para que

requeiram ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o

seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam

ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público, além de outras medidas

consubstanciadas na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, e na Lei Complementar no 64, de 18

de maio de 1990.

§ 1o O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e

825 do Código de Processo Civil.

§ 2o Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens,

contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no País e no exterior, nos termos da

lei e dos tratados internacionais.

§ 3o Até o término da ação, o Poder Público permanecerá como depositário e gestor dos

bens e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuidade das atividades

sociais da organização parceira.

Art. 14. A organização parceira fará publicar, no prazo máximo de trinta dias, contado da

assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que

adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de

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recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios estabelecidos no inciso I do

art. 4o desta Lei.

Art. 15. Caso a organização adquira bem imóvel com recursos provenientes da

celebração do Termo de Parceria, este será gravado com cláusula de inalienabilidade.

CAPÍTULO III

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 16. É vedada às entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público a participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais,

sob quaisquer meios ou formas.

Art. 17. O Ministério da Justiça permitirá, mediante requerimento dos interessados, livre

acesso público a todas as informações pertinentes às Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público.

Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base

em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes

assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da data

de vigência desta Lei. (Vide Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)

§ 1o Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação

prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas

qualificações anteriores. (Vide Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)

§ 2o Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá

automaticamente a qualificação obtida nos termos desta Lei.

Art. 19. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de trinta dias.

Art. 20. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 23 de março de 1999; 178o da Independência e 111o da República.

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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Renan Calheiros

Pedro Mallan

Ailton Barcelos Fernandes

Paulo Renato Souza

Francisco Dornelles

Waldeck Ornélas

José Serra

Paulo Paiva

Clovis de Barros Carvalho