O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL: DAS ORIGENS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE

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FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO ESCOLA PÓS-GRADUADA CURSO LATO SENSU EM MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE Dimas Renato Pallu MARQUES O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL: DAS ORIGENS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE São Paulo 2009

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Este trabalho é um conciso recorte do tráfico de animais silvestres no Brasil e em São Paulo. Para contextualizar o tema, é apresentado um pouco do histórico costume de conviver com animais silvestres como se fossem bichos de estimação por indígenas brasileiros e, desde a Idade Média, pela civilização europeia. Também é relatada a evolução do comércio da fauna principalmente a partir das Grandes Navegações. Por meio de pesquisa bibliográfica e entrevistas, buscaram-se as informações mais atualizadas sobre a dimensão, estrutura, funcionamento e consequências socioambientais e para a biodiversidade desse comércio ilegal em território nacional para, na sequência, relatar como o governo paulista enfrenta o problema. As legislações federal e paulista que abordam o tema são apresentadas, seguidas dos mecanismos repressivos (ação da Polícia Militar Ambiental) e preventivos utilizados pelos gestores públicos paulistas.

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FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO ESCOLA PÓS-GRADUADA

CURSO LATO SENSU EM MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE

Dimas Renato Pallu MARQUES

O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL: DAS ORIGENS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE

São Paulo 2009

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Dimas Renato Pallu MARQUES

O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL: DAS ORIGENS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola Pós-graduada da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo como requisito para obtenção do título de especialista em Meio Ambiente e Sociedade. Orientadora: Professora Gabriela Priolli de Oliveira

São Paulo 2009

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Dimas Renato Pallu MARQUES

Título

Conceito:

Parecerista:

Maria Claudia Mibielli Kohler - Coordenadora do curso Meio Ambiente e Sociedade

da Escola Pós-graduada da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

(Fespsp), Bióloga, Mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP,

2003), Especialista em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP,

2000)

Assinatura:

Data da Aprovação:

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Às mulheres da minha vida, Flávia e

Regina, pela paciência e por me darem

força nos momentos de baixa – afinal,

aguentar meu mau-humor não é fácil.

Ao Negão, o companheiro da mesinha do

computador.

Mayá, seu amor pelas letras e apreço pelo

conhecimento estão comigo.

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AGRADECIMENTOS

A idéia sobre o que abordar já estava pronta. O como fazer veio das

conversas em sala de aula com a então professora Gabriela Priolli de Oliveira,

posterior orientadora deste trabalho. Seus conselhos e seu bom-senso em achar o

“norte da navegação” foram fundamentais.

Em 2001, ainda como repórter do Diário de S.Paulo, solicitei e recebi da Rede

Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) um exemplar do 1º

Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. A partir daquele momento, a

causa ganhou um militante e eu uma missão. Obrigado pela publicação.

Aos entrevistados, em especial ao diretor-presidente da Fundação Parque

Zoológico de São Paulo e gerente do Projeto Estratégico Fauna Silvestre da

Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Paulo Magalhães Bressan,

ao capitão Marcelo Robis Francisco Nassaro, da Polícia Militar Ambiental, e a

Marcelo Pavlenco, da SOS Fauna.

Para Newton Miura, amigo da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São

Paulo, pela ajuda com as Resoluções e o material educacional.

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“Todos os argumentos que provam a superioridade humana não eliminam este fato:

no sofrimento os animais são semelhantes a nós.”

Peter Singer1

1 Filósofo e professor de bioética na Universidade de Princeton (EUA), autor de Libertação Animal

(1975) e os ensaios Famine, Affluence, and Morality (1971) e Practical Ethics (1979).

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RESUMO

Este trabalho é um conciso recorte do tráfico de animais silvestres no Brasil e

em São Paulo. Para contextualizar o tema, é apresentado um pouco do histórico

costume de conviver com animais silvestres como se fossem bichos de estimação

por indígenas brasileiros e, desde a Idade Média, pela civilização europeia. Também

é relatada a evolução do comércio da fauna principalmente a partir das Grandes

Navegações. Por meio de pesquisa bibliográfica e entrevistas, buscaram-se as

informações mais atualizadas sobre a dimensão, estrutura, funcionamento e

consequências socioambientais e para a biodiversidade desse comércio ilegal em

território nacional para, na sequência, relatar como o governo paulista enfrenta o

problema. As legislações federal e paulista que abordam o tema são apresentadas,

seguidas dos mecanismos repressivos (ação da Polícia Militar Ambiental) e

preventivos utilizados pelos gestores públicos paulistas.

Palavras-chave: conservação, biodiversidade, tráfico de animais silvestres, fauna

silvestre, gestão pública, política setorial.

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ABSTRACT

This treatise is a concise overview on the illegal animal trade in Brazil and in

São Paulo state. In order to put the subject in context, this paper presents a brief

history of mankind’s custom of keeping wild animals as pets, in this case by Brazil’s

indigenous people and, as from the 16th Century, by European settlers. It also

presents the historical evolution of animal trade, especially as from Portugal’s great

navigations period. The latest information was sought through bibliographic research

and interviews on the dimension, structure, operation, and consequences for society,

environment and biodiversity of this illegal animal trade in Brazil. Subsequently, this

paper presents how São Paulo government tackles the problem. Federal and São

Paulo state legislations on the subject are also presented, followed by enforcement

(through the Environmental Military Police) and preventive measures adopted by São

Paulo officials.

Keywords: conservation, biodiversity, illegal animal trade, wildlife, public

administration, sectorial policies.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Macaco-prego (Cebus apella) encontrado com traficantes de

animais...................................................................................................................... 19

Figura 2 – Primata criado como bicho de estimação no Pará................................... 21

Figura 3 – Garras de bicho-preguiça (Bradypus variegatus) no mercado Ver-o-peso,

em Belém (PA).......................................................................................................... 26

Figura 4 – Engradados improvisados para transporte de pássaros encontrados em

sacolas de lona.......................................................................................................... 29

Figura 5 – Macaco-prego (Cebus apella) para venda no Pará................................. 32

Figura 6 – Mapa-resumo com as três grandes rotas do tráfico de animais silvestres

no Brasil..................................................................................................................... 33

Figura 7 – Filhotes de papagaio, apreendidos em Guarulhos (SP), eram

transportados em caixotes de madeira..................................................................... 38

Figura 8 – Parte dos quatro mil animais apreendidos em Guarulhos (SP) em

2003........................................................................................................................... 40

Figura 9 – Corrupião (Icterus jamacaii) em pequena caixa para transporte utilizada

por traficantes............................................................................................................ 42

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Número de espécies descritas e projetadas para serem descobertas no

Brasil e no mundo...................................................................................................... 20

Tabela 2 – Quantidade de animais apreendidos no Brasil de 1992 a 2000.............. 24

Tabela 3 – Apreensões de animais por tipo de ocorrência em 2006........................ 41

Tabela 4 – Ranking das 10 espécies mais apreendidas no Estado de São

Paulo......................................................................................................................... 43

Tabela 5 – Efetivos de Polícia Ambiental nos Estados e no Distrito Federal............ 52

Tabela 6 – Animais silvestres apreendidos (total geral em unidades por ano)......... 53

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Cetas – Centro de Triagem de Animais Silvestres

CECFAU - Centro de Conservação da Fauna

Conama - Conselho Nacional do Meio Ambiente

Consema – Conselho Estadual do Meio Ambiente

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

DF – Distrito Federal

FF – Fundação para a Conservação e Produção Florestal do Estado de São Paulo

Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

ONG – Organização Não-governamental

PM – Polícia Militar

PMAmb – Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo

Renctas – Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres

SMA – Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 13

2. O HÁBITO DE CONVIVER COM ANIMAIS SILVESTRES.................................. 15

3. O COMÉRCIO DE ANIMAIS SILVESTRES: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E O

SURGIMENTO DO TRÁFICO................................................................................... 17

4. O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES............................................................. 20

4.1 Números do tráfico: dimensionando o problema.......................................... 22

4.2 Tipos de tráfico.................................................................................................. 25

4.3 Estrutura social do tráfico................................................................................ 27

4.4 Rotas do tráfico................................................................................................. 30

4.5 Consequências do tráfico................................................................................. 35

5. O ESTADO DE SÃO PAULO E O TRÁFICO....................................................... 39

5.1 Mercado consumidor e porta de saída para o mundo .................................. 39

5.2 As espécies mais traficadas em São Paulo.................................................... 43

5.3 A legislação de proteção à fauna: panoramas federal e paulista................. 45

5.3.1 Panorama federal........................................................................................... 45

5.3.2 Panorama paulista.......................................................................................... 50

5.4 Repressão e prevenção.................................................................................... 52

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 56

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 60

ANEXOS................................................................................................................... 64

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1. INTRODUÇÃO

No ano de 2001, trabalhava como repórter no jornal paulistano Diário de S.

Paulo. Começava a tatear, como jornalista, o universo da imprensa ambiental. Em

um dia desses, soube do lançamento do 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de

Fauna Silvestre pela ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais

Silvestres (Renctas). Solicitei um exemplar à entidade, o li com o interesse que

apenas um ex-repórter policial com paixão pelas questões ligadas à natureza

poderia ter. Os dois universos de meu conhecimento estavam se fundindo em um

só; um encontro até então inimaginável para mim e que gerou um militante.

Passados alguns anos, surge com este trabalho a oportunidade de reunir não

só o que já havia lido no relatório de Renctas, mas também outras referências sobre

o assunto. A definição do tráfico de animais silvestres como tema a ser abordado

aconteceu naturalmente quando se fez necessário determinar a proposta da

monografia do curso. O próximo passo foi delimitar o universo a ser tratado. E assim

foi feito: apresentar como o comércio ilegal de animais silvestres está estabelecido

no Brasil e conhecer a política do governo do Estado de São Paulo para o problema.

Para tanto, foi necessário contextualizar essa atividade criminosa no mundo e

no Brasil. A identificação do início da demanda por espécimes é apresentada no

segundo capítulo, “O hábito de conviver com animais silvestres”, em que é mostrado

um pouco do antigo costume humano de manter exemplares da fauna silvestre

como bichos de estimação. Esse fenômeno, o início do desenvolvimento de uma

sociedade calcada em consumo e status e o mercantilismo em ascensão geraram

um nicho comercial com foco na fauna – coincidindo com o momento em que o

Brasil ganha destaque no cenário internacional por sua biodiversidade -,

informações essas que estão no capítulo três, “O comércio de animais silvestres:

evolução histórica e o surgimento do tráfico”.

Apresentada a origem do tráfico, coube detalhá-lo. O Brasil, a partir desse

ponto, passa a ser protagonista dessa monografia. No quarto capítulo, “O tráfico de

animais silvestres”, apresenta-se o potencial da biodiversidade nacional, seguido de

um detalhamento da atividade ilegal, como os números do tráfico, os tipos de tráfico

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(o tipo de demanda determina, em muitos casos, a forma como se desenvolve o

crime), a estrutura social do tráfico (do apanhador ao consumidor final, quem é quem

na corrente do tráfico), as rotas do tráfico (de onde saem e para onde vão os

animais brasileiros) e, finalmente, as consequências do tráfico (problemas

ecológicos, financeiros e sanitários gerados pela atividade).

Com essas informações, válidas para todo o país, foi possível abordar o

tráfico no estado de São Paulo e como o governo paulista está estruturado para

combatê-lo, aspectos esses mencionados no quinto capítulo.

Para conseguir as informações necessárias à construção desta monografia,

ampla pesquisa bibliográfica foi realizada. A intenção era identificar as melhores

referências, bom como as que possuíssem os mais recentes dados sobre o tema.

Além da pesquisa bibliográfica, foram realizadas entrevistas com gestores públicos e

especialistas no assunto, de forma a suplementar as poucas publicações e

pesquisas que abordam o comércio de fauna silvestre no território paulista.

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2. O HÁBITO DE CONVIVER COM ANIMAIS SILVESTRES

O convívio com animais silvestres como bichos de estimação ou como

ornamentos em residências é um hábito mantido já na Idade Média. Na Europa era

possível encontrar macacos, papagaios, esquilos e doninhas, por exemplo, no

interior das casas, praticamente dividindo o mesmo espaço com seus proprietários

(SANCHES, 2008). Além de companhia, eles tinham valor comercial e poderiam ser

trocados ou vendidos, assim como porcos e ovelhas. Para os camponeses,

dependendo da espécie, o costume garantia uma fonte de alimento, enquanto para

as classes mais altas, animal em casa era considerado artigo de luxo, pois muitas

espécies não eram facilmente encontradas em mercados e tinham de ser trazidas de

outros continentes. “Possuir animais silvestres sempre foi símbolo de riqueza, poder

e nobreza, conferindo certo status ao seu dono perante a sociedade.” (KLEIMAN et

al., 1996 apud RENCTAS, 2001, p.12)

O hábito espalhou-se pela Europa principalmente com o advento das Grandes

Navegações (final do século XV e século XVI), período em que produtos e

espécimes da fauna e flora de terras distantes e das novas colônias passaram a

chegar com regularidade ao continente. O comércio de animais silvestres ampliou-se

acompanhando o crescente interesse das pessoas (RENCTAS, 2001, p.12).

Esse hábito não era exclusividade dos europeus. As comunidades indígenas

que viviam no Brasil pré-Cabral criavam animais silvestres como bichos de

estimação, tanto que os grupos falantes da língua tupi tinham até um termo

específico para esses espécimes: os xerimbabos – “coisa muito querida”

(CARVALHO, 1951; CASCUDO, 1973; SPIX e MARTIUS, 1981 apud RENCTAS,

2001, p.11). Os índios mantinham soltos nas aldeias araras, papagaios, periquitos,

primatas, veados, quatis, cobras e vários outros tipos de animais, costume esse que

não tinha a preocupação de domesticar a espécie, mas somente o espécime

(RENCTAS, 2001, p.11).

A mistura desses elementos do cotidiano que formaram parte significativa da

cultura brasileira continua presente nos dias atuais. Dos pequenos municípios dos

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rincões mais isolados do país até as grandes metrópoles como São Paulo e Rio de

Janeiro, é fácil encontrar animais nas residências. Dos domesticados cães e gatos,

passando pelos tradicionais pássaros mantidos em gaiolas, até os silvestres não tão

convencionais, os brasileiros cultivam fortemente esse costume, tanto que entre

60% e 70% do comércio ilegal de animais silvestres no Brasil é voltado para o

abastecimento do mercado interno (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA;

RENCTAS, 2005, p.36; WWF-BRASIL, 1995, p.17).

Estima-se que no Brasil entre dois milhões e quatro milhões de animais

silvestres vivam em cativeiros particulares. Braga et al. (1998 apud FERREIRA,

2000, p.16). De acordo com a fonte consultada, esse número pode ser ainda maior,

indicando haver cerca de 60 milhões de brasileiros possuindo espécimes silvestres

em suas residências (PRAXEDES, 1995 apud FERREIRA, 2000, p.16).

De acordo com Ferreira (2000, p.36), os pássaros, principalmente os canoros,

são as aves mais encontradas em cativeiro por todo o país por causa do hábito de

possuir gaiolas. A manutenção de papagaios nas residências também é um fato tido

como normal, tanto que, apesar de ser ilegal, não chama a atenção de policiais que

deveriam atuar na repressão a esse tipo de postura. O fenômeno também pode ser

estendido aos primatas, conforme relatado em WWF-BRASIL (1995, p.16).

Na região Norte, este traço cultural é majoritário, além de ser favorecido pela proximidade com a floresta. Uma pesquisa realizada durante dois meses na cidade de Rio Branco (AC), pela bióloga Meri Cristina Amaral Gonçalvez Fernandes, da Universidade Federal do Acre, identificou a existência de 19 espécies diferentes de primatas mantidos em residências particulares naquela cidade. Considerando que a cidade de Rio Branco é um centro urbano de médio porte, não é difícil imaginar a variedade existente de espécies animais mantidas em residências particulares de outras cidades brasileiras.

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3. O COMÉRCIO DE ANIMAIS SILVESTRES: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E O

SURGIMENTO DO TRÁFICO

Conforme apontado no capítulo anterior, o hábito de manter bichos de

estimação e a comercialização de animais estão bastante interligados. E a história

brasileira pós-Cabral já tem em seu primeiro documento, a carta escrita por Pero

Vaz de Caminha em 1º de maio do ano do descobrimento ao rei de Portugal, Dom

Manuel, o relato do envio dos primeiros animais silvestres brasileiros para

apreciação do monarca (1500 apud CORTESÃO, 1943, p.226-227).

Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos e carapaças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, maneira de tecido assaz formoso, segundo Vossa Alteza todas estas cousas verá, porque o Capitão vô-las há de mandar, segundo ele disse.

A partir de então, o envio de exemplares da fauna brasileira para a Europa

intensificou-se. Relatos de viajantes informam que a nau Bertoa, em 1511,

desembarcou 22 periquitos tuins e 15 papagaios em Portugal (SANTOS, 1990 apud

RENCTAS, 2001, p.12). Oito anos depois, foi a vez de o navegador português

Cristóvão Pires levar 70 aves de penas coloridas (POLIDO; OLIVEIRA, 1997 apud

RENTCAS, 2001, p.12).

A impressão causada na sociedade europeia por esse tipo de ave (família dos

psitacídeos, animais popularmente chamados de “bicos tortos”) deve ter sido tão

marcante que durante algumas décadas a nova colônia portuguesa chegou a ser

denominada em alguns meios como “Terra dos Papagaios” (SOUZA, 2001, p.67).

Dessa forma, aparece, por exemplo, no globo de Schöner de 1520 (“América vel

Brasilia sive papagalli terra”) e Ptolomeu de 1522.

Durante os trinta primeiros anos do Brasil sob o domínio de Portugal, as naus

da Metrópole costumavam levar em seus porões cerca de três mil peles de onça-

pintada e 600 papagaios. (BUENO,1997 apud PADRONE, 2004, p.7).

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As principais nações europeias viviam (século XVI) o período das Grandes

Navegações e, apesar de ainda serem poucos os viajantes que se aventuravam a

viajar para a América do Sul, primatas começavam a ser comercializados nas ruas e

encontrados como bichos de estimação em residências inglesas (HAGENBECK,

1910 apud RENCTAS, 2001, p.12), enquanto que na França, além de animais, era

possível encontrar indígenas brasileiros nessa situação. (KAVANAGH, 1983;

BUENO, 1998 apud RENCTAS, 2001, p.12). A partir de então, comerciantes

passaram a se especializar nesse tipo de mercadoria, que durante os séculos

seguintes tiveram sua demanda incrementada.

A fauna brasileira não gerou interesse apenas como animais para companhia

e composição de ambientes, mas também como fornecedores de matéria-prima para

vestuário. No século XIX, eram enviados milhares de beija-flores para abastecerem

a indústria da moda ou serem embalsamados. (PAIVA, 1945; FITZGERALD, 1989;

REDFORD, 1992; SICK, 1997a apud RENCTAS, 2001, p.13). Em suas expedições

pelo Brasil entre 1817 e 1820, o zoólogo Joahann Baptist von Spix e o médico e

botânico Carl Friedrich Philipp von Martius relatam ter encontrado xavantes (que

viviam entre os rios Araguaia e Tocantins) trocando penas de aves por artigos de

ferro e cachaça (1981 apud PADRONE, 2004).

Já em 1932, contabilizou-se o extermínio de aproximadamente 25 mil

espécimes no Pará para que as penas fossem enviadas à Itália, onde foram usadas

na decoração de caixas de bombons. Em 1964, um canhão francês foi importado e

utilizado para abater 60 mil marrecas em uma fazenda no Amapá (SICK, 1997 apud

RENCTAS, 2001, p.13).

Percebe-se que esses últimos fatos descritos pertencem ao século XX,

período em que o aumento do comércio de animais silvestres para satisfazer a

demanda interna foi outro fenômeno registrado. A facilidade gerada pelos avanços

nos transportes e nas vias de acesso a quase todos os locais do país permitiram tal

incremento (FITZGERALD, 1989; MUSITI, 1999 apud RENCTAS, 2001, p.13).

Nas feiras populares existentes na maioria dos municípios brasileiros, a venda

de espécimes - principalmente pássaros – passou a ser muito comum. Esse

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processo só foi interrompido em sua trajetória dentro da legalidade em 1967, ano em

que se promulgou a Lei Federal nº 5.197, a chamada de Lei de Proteção à Fauna.

Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.

[...]Art. 3º. É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha. (MEDAUAR, 2008, p.437)

A entrada em vigor dessa lei lança para a ilegalidade, de acordo com Renctas

(2001, p.14), pessoas que viviam desse tipo de comércio. Sem assistência para

procurar alguma alternativa de geração de renda, elas caíram na clandestinidade e

surgiu o tráfico da fauna silvestre brasileira.

Figura 1 – Macaco-prego (Cebus apella) encontrado com traficantes de animais

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4. O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES

Quando se aborda a questão ambiental no Brasil, terceiro maior país em

extensão territorial contínua do planeta (com 8,5 milhões de km²) e que está dividido

em seis grandes biomas (Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e

Pampa), muitos aspectos beiram o gigantismo. A nação está entre os 17 territórios

megadiversos – países mais ricos em biodiversidade, com base no critério da

contagem de plantas endêmicas (MITTERMEIER, 1997). De acordo com o Ibama

(IBAMA, 2002, p.35), mais de 202 mil espécies já foram descritas, havendo potencial

para esse número chegar a 1,8 milhão. Para se ter uma noção mais detalhada do

que isso representa, é possível destacar os seguintes dados:

Tabela 1 – Número de espécies descritas e projetadas a serem descobertas no

Brasil e no mundo

Táxon Espécies conhecidas

no Brasil

Total projetado

no Brasil

Total projetado

no mundo

Vírus 400 55.000 400.000

Bactérias 1.400 136.000 1.000.000

Protozoários 3.200 27.000 200.000

Fungos 13.000 205.000 1.500.000

Algas 4.900 55.000 400.000

Plantas 47.000 52.000 320.000

Artrópodes 116.500 1.214.000 8.900.000

Demais

invertebrados

9.700 116.000 850.000

Vertebrados 6.200 8.000 50.000

TOTAL 202.500 1.870.000 13.620.000

Fonte: IBAMA, 2002, p.35

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Em meio a esse imenso mosaico de vida, a perda de hábitat por

desmatamento é apontada como o principal fator das extinções de animais

silvestres, enquanto a caça para subsistência e para o abastecimento do tráfico da

fauna é considerada a segunda maior causa (REDFORD, 1992; ROCHA, 1995 apud

RENCTAS, 2001, p.6; WWF-BRASIL, 1995, p.15). “Calcula-se que a taxa de

extermínio de espécies executada pela ação humana chega a ser de 50 a 100 vezes

superior aos índices determinados por causas naturais” (FUNDAÇÃO SOS MATA

ATLÂNTICA; RENCTAS – REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE

ANIMAIS SILVESTRES, 2005, p.19).

Figura 2 – Primata criado como bicho de estimação no Pará

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4.1 Números do tráfico: dimensionando o problema

Por ser uma atividade ilegal, sem a possibilidade de aferição ou de aplicação

de uma metodologia para se chegar a dados exatos, tudo que se afirma e se

apresenta como base para o estudo desse comércio é plausível de forte

questionamento. Os números que pesquisas e publicações veiculam variam muito,

com diferenças que comprovam a ausência da possibilidade de comprovação e de

confiabilidade científica. De qualquer forma, os dados que serão apresentados são

os utilizados e repetidos por estudiosos em suas dissertações, teses e publicações,

por administradores públicos, por ONGs e pela imprensa.

A dimensão exata do comércio de animais selvagens e seus subprodutos

(penas, ovos, peles, garras e partes em geral, além de substâncias como venenos

utilizados por laboratórios farmacêuticos e institutos de pesquisa) é pouco

conhecida. Estima-se que essa esse tipo de crime seja responsável por movimentar,

anualmente, entre 10 bilhões e 20 bilhões de dólares, valores que o colocariam

como a terceira maior atividade ilícita do mundo. O Brasil seria responsável por uma

fatia entre 5% e 15% do total (ROCHA, 1995; LOPES, 2000 apud RENCTAS, 2001,

p.6; WWF-BRASIL, 1995, p.14).

De acordo com Amado (1991 apud RENCTAS, 2001, p.31; WWF-BRASIL,

1995, p.15) anualmente são retirados 12 milhões de animais da natureza no Brasil.

Este número é o único valor encontrado nas bibliografias que foram consultadas e na Moção do CONAMA nº 16/91. No entanto, para se chegar a esse valor não foi utilizada metodologia alguma, o mesmo valor é apenas uma estimativa oficiosa da Associação dos Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, Defesa Ecológica – APANDE. Essa estimativa baseou-se em informações pessoais obtidas por Amado (op.cit.) na Superintendência do IBAMA/RJ e no Batalhão Florestal do Estado do Rio de Janeiro (RENCTAS, 2001, p.31).

O outro número sobre a quantidade de animais retirados da natureza por ano

pelo tráfico é 38 milhões (invertebrados e peixes não contabilizados). Esse valor é a

projeção feita pela ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais

Silvestres, a Renctas (RENCTAS, 2001, p.32), a partir de dados oficiais de

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23

apreensões de espécimes realizadas pelo Ibama no Brasil e das informações

apresentados no trabalho de Braga et al. (1998). Deve-se esclarecer que a

instituição citada é a única ONG que desenvolve atividades especializadas de

combate ao tráfico da fauna silvestre em nível nacional, sendo que seu presidente,

Dener Giovanini, recebeu em 2003, do então secretário-geral da Organização das

Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, o prêmio Unep-Sasakawa – o mesmo destinado

a Chico Mendes em 1990.

Sejam 12 milhões ou 38 milhões de espécimes retirados da natureza por ano,

WWF-Brasil (1995, p.17) e Redford (1992 apud RENCTAS, 2001, p.32) indicam que

apenas um de cada 10 sobrevive do momento da captura até a entrega para o

consumidor. Os motivos de tanta mortandade são inúmeros e normalmente estão

relacionados à eliminação de animais capturados que não tem valor comercial

(como fêmeas de saíras - Tangara sp.), condições insalubres de transporte

(pequenas caixas, malas e gaiolas imundas, normalmente escondidas em

caminhões e bagageiros de ônibus com pouca ventilação, sem alimentação e água,

em viagens que podem durar mais de três dias) e maus tratos realizados pouco

antes da venda para dar a impressão que o espécime é manso (furam-se olhos e

quebram-se ossos de aves, embriagam ou entorpecem primatas com bebidas

alcoólicas e remédios e arrancam-se dentes e garras de espécimes, por exemplo).

Pavlenco2 (2009) discorda dessa proporção, que considera exagerada.

“Traficante não deixa bicho morrer, pois bicho morto não tem valor para ele. [...] Que

o traficante é um canalha, não tenho dúvidas, mas que é o responsável direto pelas

mortes, isso não existe.” Ele considera que essa proporção (10 para um) é

reproduzida para retirar dos governos a falta de estrutura em lidar com esse

problema, principalmente durante as apreensões.

A porcentagem de óbitos no momento da apreensão pode variar de 20% a até 100%, dependendo da atenção no momento da apreensão. A falta de gente com conhecimento especializado no manejo dos animais é o fator que determina a quantidade de mortes.

Quando o animal já está com seu comprador, os 10 primeiros dias são os mais críticos e as perdas são poucas. A quantidade varia de

2 Informação fornecida por Marcelo Pavlenco, presidente da ONG paulista SOS Fauna, especializada

no combate ao tráfico de animais silvestres, em 21 de abril de 2009. Ele respondeu questionário via e-mail.

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24

acordo com espécie do bicho. Com os psitacídeos as perdas são de 5%, já com o corrupião são de 20%. (informação verbal)

Com o número 38 milhões e a proporção de 10 para um, Renctas (2001,

p.32) estimou que, anualmente no Brasil, são comercializados quase quatro milhões

de animais silvestres. A partir desse dado e do total de espécimes apreendidos no

país entre 1992 e 2000 pelo Ibama, Renctas (2001, p.33) calculou que apenas

0,45% do total comercializado ilegalmente é recuperado pela fiscalização

(excetuam-se invertebrados e peixes em todos os cálculos citados até o momento).

17.84837.132 30.110

58.698 51.16124.304 28.298

16.421

263.972

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Total

Tabela 2 – Quantidade de animais apreendidos

no Brasil de 1992 a 2000

Fonte: Ibama (dados de 1994 não informados) apud RENCTAS, 2001, p.33

Ao se abordar o mercado de subprodutos da fauna, a mortandade de animais

é menor. De acordo com a Renctas (2001, p.32), para cada produto comercializado

três animais foram mortos durante todo o processo – da apanha à prateleira.

Baseando-se nos dados fornecidos pelo Ibama dos anos de 1999 e 2000, a

Renctas (2001, p.37) também contabilizou que 82% da fauna apreendida no

comércio ilegal é de aves, sendo a maioria da ordem passeriforme, que

popularmente e genericamente é conhecida como a categoria das “aves canoras”. O

número elevado de pássaros exposto anteriormente está relacionado ao fato de que

o comércio ilegal de aves é mais fácil de ser mantido graças ao tamanho dos

espécimes e porque esses animais têm rápida comercialização. Os répteis

representavam 3% das apreensões, os mamíferos 1% e 14% foram colocados na

categoria de “outros”.

Page 25: O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL:  DAS ORIGENS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE

25

4.2 Tipos de tráfico

A determinação dos tipos de tráfico é feita a partir do destino dado ao animal

ou ao subproduto. A Renctas (2001, p.17-20) trabalha com a seguinte classificação:

- animais para colecionadores particulares e zoológicos: atividade que atende, com

exemplares de espécies raras, ameaçadas de extinção ou que apresentem algum

tipo de dificuldade para aquisição, um mercado bastante exigente e que paga altos

valores. Arara-azul-de-lear (Anadorhynchus leari), arara-azul (Anadorhynchus

hyacinthinus), arara-canindé (Ara ararauna), papagaio-da-cara-roxa (Amazona

brasiliensis), flamingo (Phoenicopterus ruber), harpia (Harpia harpyja), mico-leão-

dourado (Leontopithecus rosalia), uacari-branco (Cacajao calvus) e a jaguatirica

(Leopardus pardalis) estão entre os animais mais procurados, com seus valores

variando entre US$ 4 mil e US$ 60 mil. Os principais compradores são estrangeiros

estabelecidos na Europa (Alemanha, Portugal, Holanda, Bélgica, Itália, Suíça,

França, Reino Unido e Espanha), Ásia (Singapura, China - Hong Kong -, Japão e

Filipinas) e América do Norte (Estados Unidos e Canadá);

- biopirataria: ramo do tráfico que também movimenta as maiores quantias e envolve

bastante planejamento e organização, já que necessita de gente muito especializada

para identificar as espécies e seus subprodutos. Insetos (aranhas, escorpiões,

besouros e vespas), répteis (serpentes) e anfíbios (sapos) produtores de venenos

(peçonhas) são os principais alvos desse grupo, responsável por atender indústrias

farmacêuticas e institutos de pesquisa (normalmente estrangeiros) interessados em

princípios ativos para a fabricação de remédios. Nesse grupo são vendidos os

animais e também as substâncias extraídas deles – grama do veneno de algumas

cobras brasileiras chega a custar mais de US$ 30 mil;

- animais para pet shops: ramo que mais incentiva o tráfico e movimenta grande

quantidade e variedade de animais (aves ornamentais e canoras, primatas, répteis –

tartarugas e cobras), comprados para serem mantidos como bichos de estimação;

- produtos da fauna: são as partes dos animais utilizadas na indústria da moda

(peles de mamíferos, couro de répteis, penas, garras e presas) ou em peças de

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decoração (assas de borboletas, por exemplo). As espécies envolvidas variam de

acordo com a demanda do momento.

Figura 3 - Garras de bicho-preguiça (Bradypus variegatus) no mercado Ver-o-peso,

em Belém (PA)

De acordo com Ibama (2009), as categorias do tráfico estão voltadas para os

seguintes objetivos: colecionadores, científico, estimação, biopirataria e lembranças.

O órgão federal atua com uma tipificação bastante similar a da Renctas, mas

destaca-se que a ONG não aborda a venda ilegal que acontece em feiras populares

realizadas para suprir a demanda de interessados em bichos de estimação que não

procuram os pet shops (incluídos na categoria “estimação” do Ibama).

Page 27: O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL:  DAS ORIGENS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE

27

4.3 Estrutura social do tráfico

A estrutura a ser apresentada é uma simplificação, mas que permite uma

visualização da complexidade do problema. WWF-Brasil (1995, p.18-19) e Renctas

(2001, p.28-30) identificam três grupos: fornecedores, intermediários e

consumidores.

- fornecedores: similares, na rede do tráfico de drogas, aos grupos de pequenos

agricultores que plantam cocaína. Eles são os responsáveis pela captura de animais

diretamente em seus hábitats. Diferentemente do que ocorre na realidade do tráfico

de drogas, os atores do primeiro degrau do comércio ilegal de fauna silvestre não

vivem exclusivamente dessa atividade, mas complementam sua pouca renda com

os trocados que ganham retirando os exemplares da natureza.

A lógica que leva o lavrador, o posseiro, o mateiro, o coureiro, o caboclo ribeirinho, o pequeno proprietário rural, o garimpeiro e outros setores economicamente marginalizados a caçar animais silvestres ou a desmatar e poluir áreas de florestas primárias é a lógica da sobrevivência.

[...] A consciência predominante nesse segmento é a de que os recursos disponíveis na natureza são infinitos, capazes, portanto, de suportar qualquer ação predadora.

Esta visão de que a fauna e a flora são inesgotáveis leva esses agentes a atuar como um verdadeiro “exército de formigas”, disperso ao longo de todo o território nacional (WWF-BRASIL, 1995, p.18).

- intermediários: é um grupo vasto, que envolve atores com as mais diversas

funções, podendo ser subdividido por diferentes critérios. Com pouca expressão

financeira, o primeiro degrau dos intermediários são os transportadores de animais

(mascates, barqueiros, caminhoneiros, motoristas de ônibus), que mantém contato

direto com os apanhadores e pagam pouco pelos espécimes. Donos de imóveis que

funcionam como depósitos e fazendeiros que mantém contato com pequenos e

médios comerciantes (segundo degrau e responsáveis pelo fornecimento para os

grandes comerciantes) também estão nesse primeiro grupo.

Os pequenos e médios comerciantes têm ganhos maiores e fazem a conexão

com os grandes comerciantes, que recebem as encomendas dos consumidores

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finais (sejam eles de fora do país - como colecionadores especializados, zoológicos,

institutos de pesquisa ou laboratórios farmacêuticos – ou nacionais – como pet

shops, criadouros credenciados no Ibama e zoológicos). É necessário destacar que

essas relações não são lineares como estão aqui descritas, podendo haver a

supressão de certos degraus dependendo do contexto regional ou dos envolvidos

(RENCTAS, 2001, p.29; WWF-BRASIL, 1995, p.18).

Um grupo bem mais sofisticado de intermediários é o que mantém páginas de

vendas de animais silvestres brasileiros na internet. A Renctas fez uma pesquisa em

1999 e identificou 4.892 anúncios em sites, oferecendo répteis, aves, mamíferos

(primatas, felinos e marsupiais), anfíbios (sapos amazônicos) e peixes ornamentais

(RENCTAS, 2001, p.19).

- consumidores: são os criadores domésticos que mantêm os animais em suas

residências como bichos de estimação, grandes colecionadores, zoológicos,

laboratórios e institutos de pesquisa (biopirataria), criadouros científicos para

pesquisa, criadouros científicos para conservação, criadouros comercias (nesses

três últimos grupos estão incluídos os registrados no Ibama), produtores e estilistas

de moda e confecções (RENCTAS, 2001, p.30; WWF-BRASIL, 1995, p.19).

De acordo com a divisão apresentada no I Workshop do Programa de

Proteção à Fauna da Superintendência do Ibama de São Paulo (IBAMA, 2009), os

agentes do tráfico de animais são os apanhadores (índios, caboclos, lavradores e

ribeirinhos), distribuidores (barqueiros, pilotos de aviões, motoristas de ônibus e

caminhoneiros), comerciantes (feirantes, donos de pet shops, criadores ilegais,

criadouros e avicultores) e consumidores (criadouros, zoológicos, aquários, circos,

laboratórios, turistas e a população).

A similaridade entre a estruturação das quadrilhas que trabalham com

entorpecentes e com animais silvestres permite que haja uma otimização dos

recursos e atores sociais envolvidos na logística de distribuição e corrupção

(pagamentos de propinas e compra de guias autorizando o transporte de espécimes)

de agentes de fiscalização como policiais em rodovias e fiscais alfandegários ou

sanitários, por exemplo (RENCTAS, 2001, p.52). Caminhões, ônibus e carros

preparados para o transporte de drogas em recintos escondidos sob bancos, em

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29

porta-malas ou bagageiros acabam também acomodando exemplares da fauna sem

o menor conforto ou condições adequadas, o que ocasiona alta mortandade. Os

grupos criminosos utilizam também os animais para levar, em seus órgãos internos

ou nos engradados de transporte, as drogas (RENCTAS, 2001, p.53). A ONG estima

haver entre 350 e 400 quadrilhas organizadas de tráfico de fauna silvestre no Brasil,

com cerca de 40% delas envolvidas com outras atividades ilegais.

Figura 4 - Engradados improvisados para transporte de pássaros encontrados em

sacolas de lona

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30

4.4 Rotas do tráfico

Estima-se que 95% do mercado da fauna silvestre no Brasil seja ilegal (WWF-

BRASIL, 1995, p.18), com a maior parte desse comércio – entre 60% e 70% -

voltado para a demanda interna (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA; RENCTAS,

2005, p.39; WWF-BRASIL, 1995, p.17). Esse grande consumo nacional é

responsável pela presença permanente das espécies silvestres brasileiras também

no mercado internacional.

Outra característica geral a ser considerada diz respeito à relação existente entre o comércio interno e o tráfico internacional no Brasil. Devido ao tipo de composição social que alimenta e mantém esta rede de comércio clandestino, às dimensões geográficas do país e às interferências culturais que permeiam esta atividade, é impossível imaginar a existência do tráfico internacional desvinculado do comércio ilegal praticado no País.

Por conseguinte, pode-se afirmar que, no Brasil, a base de sustentação do contrabando internacional apóia-se no comércio nacional. Sem o tráfico interno, o volume de espécies oriundas do Brasil e comercializadas no mercado internacional seria certamente menor, se comparado com as estimativas atuais (WWF-BRASIL, 1995, p.15).

De acordo com Renctas (2001, p.22), a maior parte dos animais é

transportada por via terrestre em caminhões, ônibus e carros particulares que

cruzam até cinco mil quilômetros de estradas desde o ponto de captura até o

consumidor final. Apenas na região Norte os meios fluviais são mais utilizados, isso

por uma característica própria e singular do sistema de transporte local.

A maioria dos animais silvestres traficados no Brasil é originária das regiões

Norte, Centro-Oeste e Nordeste e tem como principal destino as regiões Sudeste e

Sul. Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro se destacam por serem, além dos

principais consumidores em quantidade, pontos com portos e aeroportos utilizados

pelas quadrilhas mais bem organizadas para escoar espécimes para o exterior

(RENCTAS, 2001, p.21).

Esse grande eixo sentido Norte-Sul pode ser dividido em três sub-eixos. O

principal fluxo é o que ocorre entre o Nordeste e o Sudeste (com destino aos

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estados do Rio de Janeiro e de São Paulo) por rodovias, seguido do que parte da

região Centro-Oeste (passando por Minas Gerais) e, por fim, o que tem como origem

a região Norte (WWF-BRASIL, 1995, p.19).

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos

Deputados que investigou, em 2003, o tráfico de fauna silvestre (SARNEY FILHO,

2003, p.106-108) aponta que as principais áreas de captura do Nordeste (e início

das rotas do primeiro sub-eixo) são:

- Bahia: Campo Formoso, Jeremoabo, Canudos, Canché, Ribeira do Pombal,

Euclides da Cunha, Uauá, Tucano, Ibotirama, Cocos, São João do Paraíso, Morro

do Chapéu, Itaberaba e Amargosa. WWF-Brrasil (1995, p.20) e Pavlenco3 (2008)

ainda incluem Paulo Afonso entre as cidades com intensa atividade de apanhadores

(informação verbal). Feira de Santana, Vitória da Conquista, Cipó e Milagres são

apontados como grandes centros de distribuição, pois recebem animais de outros

municípios e estados e os enviam para São Paulo e o Rio de Janeiro;

- Piauí: Floriano, Canto do Buriti, Piripiri, Corrente, Gilbues, Santa Filomena,

Barreiras, São Gonçalo do Gurguéia e Monte Alegre;

- Pernambuco: Petrolândia, Serra Talhada e Salgueiro. Nesse estado, de acordo

com levantamentos da SOS Fauna, WWF-Brasil (1995, p.20) e Renctas (2001, mapa

região Nordeste), os municípios de Petrolina e Petrolândia têm centros de

armazenamento e distribuição para o Sudeste;

- Maranhão: região do Alto Parnaíba, Curupá, Tasso Fragoso, Balsas, Guadalupe,

Barão do Grajaú, Zé Doca e Buriticupu;

- Paraíba: Patos, Pombal, Souza e Cajazeiras. Campina Grande, segundo a SOS

Fauna, também é uma área de captura intensa;

- Ceará: Crateús, São Benedito, Ubajara, Araripe e Jati;

- Rio Grande do Norte: Caicó, Jardim do Seridó e Currais Novos;

3 Informação fornecida por Marcelo Pavlenco, presidente da ONG paulista SOS Fauna, especializada

no combate ao tráfico de animais silvestres, em entrevista realizada na sede da instituição, em Juquitiba (SP), em março de 2008.

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- Sergipe: Tobias Barreto, Cristinápolis e Nossa Senhora da Glória;

- Alagoas: Pão de Açúcar, Palestina e Piracâina.

No sub-eixo que parte da região Centro-Oeste, as rotas começam nas áreas

de captura de Poconé (MT), Cáceres (MT), Bonito (MS), São Miguel do Araguaia

(GO), Bonópolis (GO), nas chapadas dos Guimarães (MT) e dos Veadeiros (GO) e

em todo o Pantanal. (SARNEY FILHO, 2003, p.107-108).

Figura 5 – Macaco-prego (Cebus apella) para venda no Pará

Na região Norte (terceiro sub-eixo) se destacam os estados do Pará (Ilha de

Marajó, Redenção, Xinguara, Repartimento, Parauapebas, Conceição do Araguaia,

Bragança, Santarém e a Serra do Carajás) e do Tocantins (região do Jalapão, Ilha

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do Bananal, Lizarda, Mateiros, Santa Rosa, Centenário, Recursolândia, Silvanópolis,

Araguanã, Ponte Alta e Araguaçu) (SARNEY FILHO, 2003, p.107-108).

WWF-BRASIL (1995, p.28) ainda dá destaque especial para Belém (PA),

“cidade da Amazônia Oriental que dispõe a maior malha rodoviária, constituindo-se

na principal via terrestre de transporte com destino aos mercados consumidores

localizados no Nordeste e no eixo Centro-Sul.” No município estão as feiras do Ver-

o-Peso, da Jutaí e da Avenida Presidente Vargas apontadas por WWF-Brasil (1995,

p.30) como os principais pólos do comércio ilegal de fauna silvestre.

Figura 6 – Mapa-resumo com as três grandes rotas do tráfico de animais silvestres

no Brasil

Fonte: (IBAMA, 2009)

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Ao se abordar o tráfico internacional, o Brasil está entre os principais países

exportadores de animais silvestres, junto com África do Sul, Argentina, Bolívia,

Camarões, China, Colômbia, Guiana, Índia, Indonésia, Kenya, Madagascar, Malásia,

Paraguai, Peru, Rússia, Senegal, Venezuela, Vietnã, Tanzânia e Zaire (ROCHA,

1995 apud RENCTAS, 2001, p.21). Os espécimes brasileiros passam primeiro pela

Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana, Panamá, Paraguai e México, onde

normalmente ganham documentação falsa autorizando o transporte (WWF-BRASIL,

1995, p.21) e têm como destino final os Estados Unidos (maior consumidor mundial

de vida silvestre), Alemanha, Arábia Saudita, Bélgica, Bulgária, França, Grécia,

Holanda, Inglaterra, Japão e Suíça (HARDIE, 1987; ROCHA, 1995; LE DUC, 1996

apud RENCTAS, 2001, p.21).

A região Norte, diferentemente do que acontece no comércio ilegal interno,

tem bastante destaque na exportação por causa da ausência de fiscalização.

Tabatinga (AM), Manaus (AM), Rio Branco (AC), Porto Velho (RO) e Bonfim (RR)

são municípios de destaque nas rotas que envolvem essa região com os países

vizinhos. Na região Sul, Uruguaiana (RS) e Foz do Iguaçu (PR) são pontos de

fronteira onde os criminosos atuam bastante (RENCTAS, 2001, p.24). Quando o

tráfico envolve transporte aéreo, animais e seus subprodutos são embarcados

principalmente nos aeroportos de Cumbica e Viracopos, em São Paulo, Galeão, no

Rio de Janeiro, além de Belém (PA), Recife (PE) e Curitiba (PR) (WWF-BRASIL,

1995, p.21).

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35

4.5 Consequências do tráfico

Os problemas ocasionados pelo comércio ilegal de fauna silvestre são

inúmeros e complexos. A intenção desse capítulo é abordar algumas consequências

relevantes para ilustrar como essa atividade criminosa afeta o cotidiano de todos.

Essas consequências podem ser divididas em três grandes grupos: sanitária,

econômica/social e ecológica (RENCTAS, 2001, p.54-59). O primeiro conjunto é

caracterizado por doenças transmitidas pelos espécimes para o homem (zoonoses)

e os animais domésticos. Mais de 180 zoonoses já foram descritas, sendo as mais

conhecidas (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA; RENCTAS, 2005, p.53):

- macacos e micos: raiva, febre amarela, hepatite, herpes simples e tuberculose;

- jabutis e lagartos: salmonelose, verminoses e micoses;

- papagaios e passarinhos: ornitose (também conhecida como “febre do papagaio”)

e toxicoplasmose.

A situação de estresse que esses animais passam durante a comercialização pode levar à queda de resistência imunológica e desenvolvimento de doenças transmitidas por estes animais, tornando-os portadores de agentes infecciosos dentro das residências (RENCTAS, 2001, p.55).

A constatação de que as mordidas de primatas com raiva podem transmitir a

doença para a população fez com que os Estados Unidos proibissem a importação

desses animais para serem criados como bichos de estimação (FITZGERALD, 1989

apud RENCTAS, 2001, p.54). Nos anos de 1970, um surto de salmonelose no

mesmo país foi relacionado à manutenção de tartarugas em residências, que na

época eram encontradas em 42% dos domicílios (RENCTAS, 2001, p.54).

No Brasil, por exemplo, dois surtos recentes de ornitose envolveram

espécimes localizados com traficantes de animais no Rio Grande do Sul. Em

novembro de 2007, 477 aves (entre elas filhotes de caturritas e de cardeais) foram

apreendidas no município de Pântano Grande causando a contaminação de 18

pessoas - veterinários e professores do Hospital Veterinário da Universidade Federal

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do Rio Grande do Sul e policiais ambientais - que trabalharam no caso. No ano

anterior, um caso similar aconteceu em Pelotas após a apreensão de 94 pássaros

(CAVALHEIRO at al., 2008, p.1).

O segundo conjunto de consequências engloba os prejuízos econômicos e

sociais que a sociedade sofre com essa atividade criminosa. Por ser um comércio

ilegal, o Estado não recolhe impostos, empregos formais não são gerados e o setor

de saúde pública acaba tendo mais gastos em consequência das zoonoses.

Na iniciativa privada, o setor primário (principalmente a agricultura) tem de

investir mais em métodos artificiais de controle de pragas por causa da ausência de

animais silvestres – o desequilíbrio ecológico pode ocasionar a redução ou o

desaparecimento de espécimes insetívoros, obrigando a maiores investimentos em

inseticidas, por exemplo. Outro setor que perde com o tráfico de animais é o turismo

ecológico, que precisa desse atrativo para atrair clientes. Esse nicho do turismo

movimenta 12 bilhões de dólares por ano no mundo (RAVEN,1992; NORTON,1997

apud RENCTAS, 2001, p.55).

A biopirataria é um ramo do tráfico que causa prejuízos a indústria cosmética

e farmacêutica do país, sem contar as questões éticas envolvendo a utilização de

conhecimentos de populações tradicionais sem nenhuma remuneração ou retorno

em benefícios para elas. Com substâncias retiradas dos animais, inúmeros

princípios ativos de remédios são descobertos, sintetizados e patenteados fora do

Brasil.

[...] se 40% dos medicamentos do planeta são produzidos a partir de espécies naturais, incluindo a fauna, e somente o Brasil concentra 10% da biodiversidade mundial, fica claro que a manutenção das florestas e das espécies que nelas vivem não é apenas uma questão ética, mas estratégica também do ponto de vista econômico (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA; RENCTAS, 2005, p.51).

Socialmente, essa atividade ilegal é responsável pela exploração de

integrantes de comunidades pobres (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA;

RENCTAS, 2005, p.51), que acabam também envolvidos com crimes e bandidos.

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37

Segundo Pavlenco4 (2009), “programas de educação ambiental precedidos de

inclusão social e mudanças de hábitos culturais devem existir na origem, ou seja,

regiões de captura.” (informação verbal)

[...] A ação primordial, mas raramente desenvolvida com eficiência, deve visar a não retirada de qualquer silvestre de seu habitat. Culpar a situação socioeconômica pela apanha e venda de animais não pode ser mais uma justificativa aceitável, da mesma forma que não se tolera o tráfico de drogas em regiões carentes. Educação e repressão precisam caminhar juntas, bem como a implantação de projetos de incentivo a atividades geradoras de renda para as comunidades que não impliquem em usos indevidos dos recursos naturais (RENCTAS, 2007, p.193).

As consequências ecológicas do comércio ilegal de animais começam pelo

auxílio ao extermínio de espécies, sendo a atividade considerada a segunda maior

causa desse fenômeno (REDFORD, 1992; ROCHA, 1995 apud RENCTAS, 2001,

p.6; WWF-BRASIL, 1995, p.15).

Quando se elimina uma espécie, morre com ela toda a sua história genética, que jamais poderá ser recriada. Deve-se considerar que as espécies não evoluíram independentes, mas possuem relações intra e interespecíficas e com o meio físico-químico. Essas relações, muitas vezes por nós não compreendidas e até desconhecidas, contribuem para a complexidade, funcionamento e equilíbrio dinâmico dos ecossistemas. Ao se eliminar espécies, muitas dessas interações se perdem, sendo difícil prever quais as reações e consequências nos ecossistemas (WILSON, 1994; NORTON, 1997 apud RENCTAS, 2001, p.57).

Quando não ocorre a extinção da espécie e sim a redução da quantidade de

indivíduos em uma determinada região pode ocorrer aumento ou decréscimo da

população de outros animais localizados acima ou abaixo na cadeia alimentar

(dependendo de sua função ecológica). A ausência de indivíduos de espécies

dispersoras de sementes (por fezes ou durante a alimentação) ou polinizadoras

pode também afetar a estrutura da flora, impactando desde simples cadeias

alimentares até complexos ecossistemas (RENCTAS, 2001, p.57). Para Pavlenco5

(2008), manter o animal em cativeiro ou simplesmente fora de seu hábitat significa

4 Informação fornecida por Marcelo Pavlenco, presidente da ONG paulista SOS Fauna, especializada

no combate ao tráfico de animais silvestres, em 21 de abril de 2009. Ele respondeu questionário via e-mail. 5 Informação fornecida por Marcelo Pavlenco, presidente da ONG paulista SOS Fauna, especializada

no combate ao tráfico de animais silvestres, em entrevista realizada na sede da instituição, em Juquitiba (SP), em março de 2008.

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matá-lo ecologicamente. “O espécime que não cumpre sua função ecológica e

genética tem o mesmo peso que um animal morto.” (informação verbal)

Figura 7 – Filhotes de papagaio, apreendidos em Guarulhos (SP), eram

transportados em caixotes de madeira

Não só a retirada de animais de um ecossistema pode ocasionar impactos

ambientais, mas também a introdução de indivíduos de uma espécie estranha

(exótica a determinado hábitat). Isso acontece quando espécimes silvestres,

comprados para serem bichos de estimação, ficam adultos e demonstram

agressividade ou comportamentos não esperados por seus donos acabam soltos e

abandonados em regiões onde não existem naturalmente. A competição com

espécies silvestres nativas e a introdução de doenças podem gerar consequências

imprevisíveis e negativas (RENCTAS, 2001, p.58).

A variedade de espécies e habitats bem diferenciados influencia a produtividade e os “serviços” oferecidos pelos ecossistemas. Na medida em que essas espécies mudam, a capacidade dos ecossistemas em absorver poluição, manter a fertilidade do solo e os microclimas, purificar água e fornecer outros serviços de valor inestimável, também muda. [...] Uma gama variada de genes, espécies e ecossistemas é um recurso que pode ser usado à medida que as necessidades e as demandas humanas se alterem (RAVEN, 1992 apud RENCTAS, 2001, p.58).

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39

5. O ESTADO DE SÃO PAULO E O TRÁFICO

5.1 Mercado consumidor e porta de saída para o mundo

A existência de um fluxo de animais das regiões Norte, Nordeste e Centro-

Oeste para a Sudeste, principalmente para o eixo Rio-São Paulo, auxilia na

composição do perfil “consumidor” dos dois estados e como porta de saída para o

mercado internacional pelos aeroportos. (RENCTAS, 2001, p.21) Em WWF-Brasil

(1995, p.17), ao se explicar os métodos de elaboração de uma pesquisa, afirma-se:

Considerando-se as dimensões geográficas do Brasil, as características do tráfico da vida silvestre e as diferenças culturais regionais, optou-se em concentrar esta pesquisa nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Pará. Os dois primeiros são considerados por todas as fontes consultadas como pólos do principal eixo do contrabando nacional e internacional da fauna e flora silvestres. A cidade de Belém, no Pará, é um dos centros de captação e distribuição ilegal de vida silvestre originária da Região Amazônica.

Especificamente sobre o território paulista, Nassaro6 (2009) afirma que é “fato

amplamente conhecido ser o Estado de São Paulo um recebedor de animais

silvestres e não um fornecedor.” (informação verbal) Um bom exemplo dessa

característica paulista está em Vieira (2009), que relata a prisão de traficantes

ocorrida em 24 de março de 2009, no município de Milagres (BA), com cerca de três

mil espécimes acondicionados em um caminhão-baú com destino à cidade de São

Paulo. Entre os detidos estava José Santana Silva, apontado como dono da carga, e

dois outros homens, que admitiram para promotores de Justiça da Bahia realizar

esse tipo de transporte quinzenalmente nos últimos cinco anos.

A promotora titular de Cipó adiantou que somente no mês de junho o tráfico era interrompido. Os traficantes nunca levam lotes pequenos. Seguiam viagem com carga completa, como levantou o grupo de investigações do caso. Essa mesma equipe se surpreendeu com o lote.

6 O capitão da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, Marcelo Robis Francisco Nassaro, é

conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Estado de São Paulo e subgerente do Projeto Estratégico Fauna Silvestre da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Ele respondeu questões, por e-mail, em 26 de abril de 2009.

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40

Esperavam encontrar cerca de dois mil exemplares, e o que os policiais e promotores encontraram foram mais de três mil aves espremidas em gaiolas e caixas (VIEIRA, 2009).

A rota da quadrilha começava no Ceará, de onde saía o caminhão até a

Bahia, para ser carregado e seguir para a capital paulista. Os animais não seriam

entregues para uma única pessoa, mas para vários compradores. Segundo

Pavlenco7 (2009), dos 3.063 animais (2.880 aves, 106 saguis e 77 iguanas), até 28

de março 1.581 já haviam morrido pelas precárias condições em que foram

encontrados ou por falta de cuidados adequados na apreensão e nos dias seguintes.

O presidente da SOS Fauna afirmou ter participado, em março de 2003 no

município de Guarulhos (SP), da operação em que a polícia paulista prendeu José

Santana Silva em um caminhão-baú carregado com quatro mil animais. “[...] vinte

dias após ser detido em São Paulo, este já estava montando mais uma carga,

novamente no município de Cipó (BA), com o objetivo de continuar atendendo

principalmente as feiras da zona leste de São Paulo.” Silva abasteceria a região

desde 1985 (informação verbal).

Figura 8 – Parte dos quatro mil animais apreendidos em Guarulhos (SP) em 2003

7 Informação fornecida por Marcelo Pavlenco, presidente da ONG paulista SOS Fauna, especializada

no combate ao tráfico de animais silvestres, em 21 de abril de 2009. Ele respondeu questionário via e-mail.

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A análise feita pela Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo das

apreensões realizadas em 2006 (Tabela 3) faz a instituição ter bons indícios de que

o território paulista é um centro de consumo de fauna silvestre. Dos 30.216

espécimes apreendidos naquele ano, apenas 5% estavam envolvidos em

ocorrências de caça. Apesar de não se poder afirmar categoricamente que os

animais apreendidos em outras circunstâncias não foram apanhados (capturados)

em São Paulo por serem de espécies que também ocorrem em outros Estados, a

quantidade de indivíduos apreendidos em situação ilegal em cativeiros (75,1%)

evidencia o perfil de “consumidor” paulista (PMAMB; 2007, p.14).

75,1%

13,1%

5,0% 3,9% 3,0%

Cativeiro Transporte Caça Comércio Outros

Tabela 3 - Apreensões de animais por tipo de ocorrência em 2006

Fonte: PMAMB; 2007, p.14

Destaca-se também que a maior parte das apreensões de animais realizada

pelos policiais militares ambientais ocorre na Região Metropolitana de São Paulo,

área extremamente urbanizada não característica pela abundância de fauna para

desenvolvimento de captura em grande escala. Em 2006, de acordo com PMAmb

(2007, p.10), 27,2% (8.227 indivíduos de um total de 30.216) dos espécimes

recuperados estavam em ocorrências próximas da capital paulista.

O Vale do Ribeira, na divisa com o Paraná, é a região que destoa do restante

do Estado por ser apontada como um centro de apanha (captura) e não como área

Page 42: O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL:  DAS ORIGENS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE

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de consumo (Pavlenco8, 2009; RENCTAS, 2001, SARNEY FILHO, J., 2003, p.108).

A grande extensão preservada de Mata Atlântica e o fato de abrigar a população

mais carente do território paulista deixam a localidade com características ideais

para a ação do tráfico.

Bioma considerado um dos mais ricos conjuntos de ecossistemas em termos de diversidade biológica do Planeta, a Mata Atlântica hoje está reduzida a 7% de sua área original, ou a aproximadamente 100 mil quilômetros quadrados. Desse total, 23% se situam no Vale do Ribeira com seus 2,1 milhão de hectares de florestas, 150 mil de restingas, 17 mil de manguezais e 200 km de uma costa recortada por um conjunto de praias, estuários e ilhas. Todas essas áreas estão extremamente bem preservadas, incluindo o mais conservado banco genético das regiões Nordeste, Sudeste e Sul [...].

[...] Em contraposição aos ricos patrimônios ambiental e cultural, o Vale do Ribeira apresenta os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados de São Paulo e Paraná, incluindo os mais altos índices de mortalidade infantil e de analfabetismo.

A população local também não possui alternativas econômicas adequadas ao desenvolvimento sustentável da região. (ISA; INSTITUTO AMBIENTAL VIDÁGUA, 2009)

Figura 9 – Corrupião (Icterus jamacaii) em pequena caixa para transporte utilizada por traficantes

8 Informação fornecida por Marcelo Pavlenco, presidente da ONG paulista SOS Fauna, especializada

no combate ao tráfico de animais silvestres, em 21 de abril de 2009. Ele respondeu questionário via e-mail.

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5.2 As espécies mais traficadas em São Paulo

Os passeriformes, pequenas aves muito populares por seu canto e bela

plumagem, são tradicionalmente os animais mais procurados pela população e

também os mais apreendidos em território paulista. Dos 29.002 espécimes

recuperados pela Polícia Militar Ambiental (PMAmb) em 2007, 4.287 foram canários-

da-terra – Sicalis flaveola brasiliensis - (14,8%), 2.185 coleirinhos – Sporophila

caerulescens - (7,5%) e 2.180 picharros – Saltator similis - (4,3%). Essas três

espécies estão no topo da lista desde 2005. De acordo com PMAmb (2007, p.13), os

passeriformes “são animais pequenos, abundantes na natureza e que propiciam

facilidade para serem transportados de forma discreta, de modo que o tráfico dá

preferência a eles.”

0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000

Canário-da-terra

Coleirinha

Picharro

Sabiá-laranjeira

Trinca-ferro

Pintassilgo

Azulão

Tico-tico

Pássaro-preto

Galo-de-campina

4.287

2.185

1.258

1.021

922

868

791

732

562

478

Tabela 4 - Ranking das 10 espécies mais apreendidas no Estado

de São Paulo em 2007

Fonte: Nassaro9, 2009 (informação verbal)

O canário-da-terra (Sicalis flaveola brasiliensis) e o coleirinho (Sporophila

caerulescens) são aves encontradas em quase todo o país, o que dificulta a

9 O capitão da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, Marcelo Robis Francisco Nassaro, é

conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Estado de São Paulo e subgerente do Projeto Estratégico Fauna Silvestre da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Ele respondeu questões, por e-mail, em 26 de abril de 2009.

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44

identificação das áreas de captura. Porém, o galo-de-campina (Paroaria dominicana)

- 10º no ranking de 2007 e que também apareceu nas listas de 2005 e 2006 (10ª e

7ª colocações respectivamente) – é endêmico do Nordeste. “Tal indicação aponta

para a possibilidade de que outros animais também tenham sido fornecidos na

mesma situação.” (PMAMB, 2007, p.13)

Entre os psitacídeos, aves cuja característica de identificação mais evidente é

o bico torto, 438 papagaios – destaque para o papagaio-verdadeiro (Amazona

aestiva) com 160 do total – e 90 araras - sendo 83 delas araras-canindé (Ara

ararauna), espécie ameaçada de extinção no Estado de São Paulo -, foram

recuperados pela PMAmb.

Entre os mamíferos, os saguis (primatas da família Callitrichidae) foram os

mais apreendidos (19 indivíduos, o que representa 0,1% do total de apreensões de

2007). O número desses primatas recuperados no ano anterior foi bem maior (77).

Em média são apreendidos 40 mil animais silvestres em território paulista, por ano,

quando somados os resultados dos trabalhos das equipes da PMAmb, da

Superintendência do Ibama de São Paulo e de outros órgãos de fiscalização -

guardas municipais, por exemplo (IBAMA, 2009). Os passeriformes (coleirinho -

Sporophila caerulescens -, canário-da-terra - Sicalis flaveola brasiliensis -, trinca-

ferro-verdadeiro - Saltator similis -, azulão - Cyanocompsa brissonii -, sabiás

(espécies diversas), pássaro-preto - Gnorimopsar chopi -, e galo-de-campina -

Paroaria dominicana) também são os animais mais recuperados pelos fiscais do

órgão federal.

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5.3 A legislação de proteção à fauna: panoramas federal e paulista

O objetivo desse item é apresentar uma visão geral e resumida das principais

leis nacionais e acordos internacionais com participação do Brasil e que abordam a

proteção da fauna silvestre, não havendo, portanto, a pretensão de ser uma

compilação completa sobre o tema. Pretende-se exibir pontos da legislação em que

há a intenção direta de combater o tráfico de animais. A primeira parte tratará das

leis federais para, em seguida, ser apresentada a legislação paulista sobre o tema.

5.3.1 Panorama federal

O fato de o Brasil ser um país megadiverso (MITTERMEIER, 1997) e a

histórica exploração da fauna sem critérios auxiliaram na formação da ideia que os

animais eram recursos inesgotáveis. Contudo, a prevalência desse raciocínio não

impediu a organização de uma legislação brasileira de proteção ao meio ambiente e

à fauna que tivesse em uma posição de vanguarda,

[...] oferecendo meios para que os órgãos dos poderes públicos competentes pudessem ter instrumentos, embora a maioria destes ainda desconheça que possuímos mecanismos eficazes para a conservação da biodiversidade (DAL’AVA, 2002).

WWF-Brasil (1995, p.45) destaca que, apesar da existência de “um razoável

aparelhamento jurídico”, juristas consideram a legislação ambiental esparsa,

fragmentária e de difícil acesso aos leigos.

A legislação em geral tem sido uma alquimia desconhecida para o povo. Devido às disparidades sócio-culturais existentes no Brasil, a questão da lei sempre foi considerada como um assunto para “especialistas” que manipulam e desvendam os caminhos no labirinto complexo das normas jurídicas. (WWF-BRASIL, 1995, p.44)

Em 27 de dezembro de 1940, o Brasil adere à Convenção para a Proteção da

Flora, Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, ação essa que

foi ratificada pelo Congresso Nacional apenas em 1948 (Decreto Legislativo nº 3). O

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46

documento tem como princípio garantir a existência de espécimes da flora e da

fauna em número suficiente e em áreas extensas para evitar processos de extinção,

sendo a criação de Parques Nacionais, Reservas Nacionais, Reservas de Regiões

Virgens e Aves Migratórias o meio para cumprir seus objetivos.

Na mesma década entrou em vigor o Código de Caça (Decreto-lei nº 5.894,

de 20 de outubro de 1943), que impôs o respeito ao período de defeso e criou as

fazendas de reprodução de espécimes silvestres e as áreas de refúgio,

evidenciando uma preocupação pela sustentabilidade. Essa tendência restritiva para

a caça e a exploração sem controle de animais silvestres chegou ao seu ponto

culminante em 3 de janeiro de 1967, com a sanção da Lei de Proteção à Fauna (nº

5.197).

A partir dessa data, a caça profissional fica proibida no Brasil, o mesmo

acontecendo com o comércio de animais silvestres e de produtos que impliquem sua

caça, perseguição, destruição ou apanha. “Começa a partir daí a história do tráfico

da fauna silvestre brasileira”. (RENCTAS, 2001, p.14)

Vale ressaltar que, dois anos antes, o Brasil ganhara seu segundo Código

Florestal (Lei Federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, responsável por

substituir o de 1934) e que em 1972 participara da Conferência das Nações Unidas

sobre o Meio Ambiente Humano, realizada na Suécia, e que resultou na Declaração

de Estocolmo, “conjunto de princípios para o manejo ecologicamente racional do

meio ambiente” (CASCINO, 2003, p.37) e considerada a base do chamado

“desenvolvimento sustentável”.

Em 1973, na cidade de Washington (EUA), foi firmada por 21 países a

Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagem

em Perigo de Extinção (CITES), uma das principais ferramentas de fiscalização do

mercado mundial de animais ameaçados, com base em licenças e certificados. As

espécies a serem controladas são definidas em acordos entre os signatários e

divididas em três anexos:

Anexo I: espécies ameaçadas de extinção em que o comércio só é autorizado em

condições excepcionais;

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Anexo II: espécies em perigo de entrar em processo de extinção, caso o comércio

não seja controlado;

Anexo III: espécies indicadas por qualquer um dos signatários da convenção (não há

a necessidade de consenso) para incentivar a cooperação entre as nações a

reforçarem o cumprimento das leis internas de proteção e controle da vida silvestre

de cada país.

A CITES entrou em vigor em 1975, ano em que o Brasil também se tornou

seu signatário. Atualmente, 130 países participam da convenção

De acordo com Cascino (2003), o mundo vivia anos de uma efervescência de

“enfrentamento às condições de opressão e injustiça, marcas do capitalismo. [...]

Tratava-se, então, de formular novas estratégias e novos objetivos a serem

alcançados.” E o ambientalismo também protagonizava tal momento histórico.

ISA (2005, p.390) afirma que esse novo enfoque começou a aparecer com

mais força na legislação nacional na década de 1980, como resultado da

democratização do País e do crescimento do movimento ambientalista. Em 1981, a

estrutura funcional pública brasileira na área ambiental ganha nova organização (são

criados o Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama – e o Conama, por

exemplo) e objetivos definidos com a Lei Federal nº 6.938, que instituiu a Política

Nacional do Meio Ambiente.

Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da ida humana, atendidos os seguintes princípios: [...] (MEDAUAR, 2008, p.795)

Entre os oito princípios citados nesse artigo está a Lei de Proteção à Fauna.

A entrada em vigor, em 1988, da atual Constituição Federal com seu inovador

e exclusivo capítulo sobre meio ambiente (formado pelo artigo 225) consolida essa

temática na legislação brasileira.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

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48

dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.[...] (MEDAUAR, 2008, p.139)

Vinte anos depois do encontro mundial realizado em Estocolmo, o Rio de

Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento (Eco-92 ou Rio-92). Entre os documentos resultantes do evento,

destaca-se para a fauna silvestre a Convenção da Diversidade Biológica que,

segundo ISA (2005, p.386), tem três objetivos principais: a conservação dos

ecossistemas por meio de áreas protegidas, o uso sustentável da biodiversidade e a

proteção dos conhecimentos tradicionais; e a repartição justa de benefícios

conseguidos por meio da utilização da biodiversidade e dos conhecimentos

tradicionais. A adesão do Brasil foi ratificada pelo Congresso Nacional em 1994

(Decreto Legislativo nº 2).

A Lei do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza – nº 9.985 de 18 de julho de 2000, é um exemplo de ação resultante de

exigências do capítulo de meio ambiente da Constituição Federal e dos objetivos

declarados na Convenção da Diversidade Biológica. Essa lei, em seu artigo 1º,

“estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de

conservação.” (MEDAUAR, 2008, p.983)

Ampliando os ganhos da Lei de Proteção à Fauna (nº 5.197/67), a Lei de

Crimes Ambientais (n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) estipulou no artigo 29:

Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécies da fauna silvestre, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Esse artigo, principal ferramenta jurídica utilizada pelos órgãos de fiscalização e

combate ao tráfico de animais silvestres, é alvo de várias críticas. Por causa de sua

pena de restrição de liberdade ser inferior a dois anos, ele acaba classificado como

crime de “menor potencial ofensivo”, o que pela Lei Federal nº 9.099, de 1995,

permite a “transação penal” (artigo 76) e a “suspensão do processo” (artigo 89).

Assim, ao aceitar a transação penal, o sujeito flagrado traficando animais silvestres [...] não será processado, desde que concorde a se submeter à prestação de serviços à comunidade ou realizar prestações pecuniárias para atender determinada demanda

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entendida como prioridade por aquele que propõe a transação. (PMAMB, 2007, p.3)

Para Sarney Filho (2003, p.109), os dispositivos da Lei de Crimes Ambientais

que abordam a fauna “não preveem sanções com o rigor adequado para os grandes

traficantes de animais, ou para aqueles que comercializam animais de alto valor,

situação que acaba estimulando as atividades ilícitas.” Renctas (2007, p.190)

considera necessária a tipificação do ato de traficar animais silvestres com o

acréscimo de um novo artigo na Lei nº 9.605/98, que contemple exclusivamente os

traficantes e não seja tão abrangente como a legislação em vigor. Atualmente, as

penas previstas para criminosos organizados e pessoas que mantêm ilegalmente

em cativeiro apenas um espécime (como bicho de estimação) são iguais.

Em Dantas, P.; Gonçalves, A. (2009, p.A20) noticiou-se que o Ministério do

Meio Ambiente enviaria para o Congresso Nacional um projeto-de-lei equiparando a

pena do comércio ilegal de animais silvestres com o tráfico de drogas ( 5 a 15 anos)

e armas (4 a 12 anos). “Vamos diferenciar a vovozinha que ouve o pássaro que o

netinho apanhou na floresta do sujeito que pegou mil pássaros e enviou para a

Alemanha”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em 12 de março de

2009, após uma operação da Polícia Federal que resultou na prisão de 72 pessoas

acusadas de integrar uma quadrilha internacional especializada no delito.

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50

5.3.2 Panorama paulista

Além da legislação federal, a base de qualquer ação em defesa do meio

ambiente que parta do poder público em território paulista é a Política Estadual do

Meio Ambiente (Lei Estadual nº 9.509, de 20 de março de 1997), que no inciso XII

do Artigo 2º determina como princípio a

proteção da flora e fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, que provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade, fiscalizando a extração, produção, criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos.

Três anos depois (2000), a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) cria o

Programa de Proteção à Fauna Silvestre do Estado de São Paulo por meio da

Resolução SMA nº 8, de 25 de abril, e que desde 2005 está sob a responsabilidade

da Fundação Parque Zoológico de São Paulo (Resolução SMA nº 5, de 7 de

janeiro). Até 13 de julho de 2006, quando foi assinada a Resolução SMA nº 27, esse

conjunto de documentos correspondeu às etapas burocráticas para cumprir o

determinado na Política Estadual do Meio Ambiente. Nessa data, objetivos claros

para o tratamento de fauna silvestre no estado foram estipulados:

Artigo 1º - O “Programa de Proteção à Fauna Silvestre do Estado de São Paulo” deve atender aos seguintes objetivos:

I - conservação da diversidade do patrimônio genético da fauna silvestre do Estado de São Paulo; e

II - proteção da integridade da fauna silvestre do Estado de São Paulo.

§ 1º - Para a execução dos objetivos definidos neste artigo, o Grupo Gestor deverá contemplar, dentre outras, as seguintes atividades:

I - atualizar a lista das espécies da fauna ameaçadas de extinção do Estado de São Paulo;

II - orientar a destinação e os centros de recepção de fauna silvestre no Estado de São Paulo;

III - acompanhar a execução da legislação que regula as atividades relacionadas à fauna silvestre do Estado de São Paulo, bem como propor sua modificação, se pertinente;

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51

IV - investir na capacitação profissional e educação ambiental;

V - elaborar inventários da fauna, planos de manejo e estratégias para a conservação “in situ” e “ex situ”; e

VI - integrar os dados dos órgãos da Secretaria do Meio Ambiente e da Policia Militar Ambiental.

Em nenhum trecho dessa resolução, o comércio ilegal da fauna silvestre é

abordado diretamente. Ressalte-se que, em uma publicação do próprio governo

sobre o Programa Estadual de Proteção à Fauna (FF, 2000), “colaborar no combate

ao tráfico de animais silvestres” está explicitamente citado entre os objetivos.

Todas essas decisões administrativas chegaram à esfera operacional de SMA

em maio de 2007, quando foram instituídos os 21 Projetos Ambientais Estratégicos

da secretaria, entre eles o Fauna Silvestre. Em sua seção na página no site de SMA

(SMA, 2009), o projeto de fauna retoma abertamente (como na publicação de 2000)

o objetivo de combater o comércio ilegal de animais.

Segundo Bressan10 (2009), o projeto Fauna Silvestre está estruturado para

que o estado de São Paulo assuma toda a gestão pública de fauna, atualmente (abr.

2009) sob responsabilidade do Ibama. Para tanto, foi assinado um acordo de

cooperação entre as instituições estadual e federal para a realização da transição e

de ações conjuntas para a conservação da fauna silvestre em território paulista.

Entre as medidas implantadas pelo projeto estão: Cadastro de Fauna

Silvestre (cadastro das atividades que utilizam a fauna silvestre nativa ou exótica e

seus produtos); Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção (Decreto Estadual nº

53.494/2008); proposição de normas para licenciamento ambiental das atividades de

manejo de fauna nativa e exótica no estado (Resolução SMA nº 73/08); implantação

do CECFAU (Centro de Conservação da Fauna, que promove a reprodução de

animais para reintrodução no bioma que necessite deles) e elaboração de projeto de

lei Estadual de Fauna, a ser apresentado à Assembléia Legislativa. “Todas as ações

acabam por repercutir no tráfico”, diz Bressan11 (2009). (informação verbal)

10

Paulo Magalhães Bressan, diretor-presidente da Fundação Parque Zoológico de São Paulo e gerente do projeto Fauna Silvestre de SMA, concedeu entrevista na sede da fundação em 26 de março de 2009. 11

Paulo Magalhães Bressan, diretor-presidente da Fundação Parque Zoológico de São Paulo e gerente do projeto Fauna Silvestre de SMA, concedeu entrevista na sede da fundação em 26 de março de 2009.

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52

5.4 Repressão e prevenção

Na organização da SMA, cabe aos 2.300 integrantes da Polícia Militar

Ambiental (PMAmb) a função repressiva do combate ao tráfico de animais silvestres.

Para mensurar o quanto essa estrutura representa na estrutura de segurança

pública do Estado, as polícias Militar (PM) e Civil contam juntas com 120 mil

homens, sendo que a tropa da PMAmb é parte dos 85 mil que formam a PM.

A PMAmb paulista é a maior do tipo no país, seguida por Minas Gerais com

seus 1.845 integrantes e o Paraná com 595. Nos demais Estados da federação, os

contingentes são bem menores. Amazonas e Roraima não possuem tropa militar

especializada nessa área. (POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL DO BRASIL, 2009)

1720

1470

162110101140

1179686

18748

12432

59570

361260273

20370

1531.845

4032.300

AmapáAmazonas

ParáRoraima

RondôniaTocantins

AlagoasBahiaCeará

MaranhãoParaíba

PernambucoPiauí

Rio Grande do NorteSergipeParaná

Rio Grande do SulSanta Catarina

Distrito FederalGoiás

Mato GrossoMato Grosso do Sul

Espírito SantoMinas Gerais

Rio de JaneiroSão Paulo

Tabela 5 - Efetivos de Polícia Ambiental nos Estados e DF

Fonte: POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL DO BRASIL, 2009

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Os integrantes da PMAmb foram responsáveis pela apreensão de 29.002

animais silvestres em 2007 (Nassaro12, 2009) (informação verbal). No ano anterior,

esse número foi de 30.216 (PMAMB, 2007, p.9), o pico de uma evolução gradativa

na quantidade de espécimes apreendidos que se verificava desde o ano 2000.

Esse é um dado estatístico que vem apresentando a maior tendência de aumento de todos os demais dados e pode ser decorrente do aumento do esforço operacional da PM Ambiental no período ou também do aumento da caça ilegal nos demais Estados, ou também a influência desses dois fatores (PMAMB, 2007, p.9)

18.44917.538

18.725

23.807

18.217

25.111

30.21629.002

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Tabela 6 - Animais silvestres apreendidos (total geral em unidades por ano)

Fonte: PMAMB, 2007, p.9; Nassaro13, 2009 (informação verbal)

De acordo com Nassaro14 (2009), os policiais militares ambientais

frequentam, durante seu processo de formação, aulas de matéria específica sobre

tráfico de animais silvestres. Eles também recebem relatórios com indicações das

regiões onde o problema deve ser prioritariamente reprimido, com a adoção de um

esforço maior em bloqueios e revista de veículos e a intensificação do trabalho de

inteligência para a realização de operações. Em cada viatura da PMAmb, há um

Manual de Fundamentos – Fauna Silvestre Nacional com fotos e dados de 202

espécies, confeccionado para facilitar o trabalho dos policiais. (informação verbal)

12

O capitão da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, Marcelo Robis Francisco Nassaro, é conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Estado de São Paulo e subgerente do Projeto Estratégico Fauna Silvestre da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Ele respondeu questões, por e-mail, em 26 de abril de 2009. 13

O capitão da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, Marcelo Robis Francisco Nassaro, é conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Estado de São Paulo e subgerente do Projeto Estratégico Fauna Silvestre da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Ele respondeu questões, por e-mail, em 26 de abril de 2009. 14

Ibid.

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54

A atividade fiscalizatória da PM Ambiental possui dificuldades a serem solucionadas que não estão sob sua governabilidade, tais quais: a criação de centros de recepção e destinação de animais silvestres para dar amparo aos animais apreendidos15, bem como o aumento do esforço de combate à caça de animais da fauna silvestre pelos Estados reconhecidos como fornecedores de fauna.

A intensificação do esforço operacional da Polícia Militar Ambiental deve ser compreendida como uma ferramenta importante de combate ao tráfico de animais da fauna silvestre, pois, pese tal esforço, os dados estatísticos apontam a tendência crescente de ocorrências de fauna. Esse fator pode estar ligado ao interesse das pessoas em obter um animal da fauna silvestre nacional, daí porque uma estratégia a ser aplicada, com bastante ênfase, é a educação ambiental, principalmente para as crianças, que valorize os animais

silvestres livres na natureza e não nas residências das pessoas. (PMAMB, 2007, p.17)

De acordo com RENCTAS (2007, p.193), os principais focos de uma política

pública adequada para a proteção da fauna devem ser a educação continuada e as

maciças campanhas publicitárias, que estimulem a preservação dos animais

silvestres e a não manutenção dos mesmos em cativeiro.

Para o estado de São Paulo, Bressan16 (2009) afirma não haver, entre as

iniciativas planejadas para o projeto Fauna Silvestre, ações educativas que abordem

especificamente o tráfico de fauna. “A idéia do governo do Estado é fazer educação

ambiental com mensagens positivas, que ressaltem a importância de manter o

animal em seu hábitat e não em uma gaiola. Não vamos atacar pontualmente o

tráfico de animais.” (informação verbal) Com esse objetivo, em 31 de março de 2009,

SMA inaugurou no Parque Zoológico de São Paulo o espaço Bicho Legal, integrante

de um programa mais amplo chamado Criança Ecológica que, em sua concepção,

foi preparado para atender estudantes com idades entre oito e 10 anos.

O programa Criança Ecológica, ainda não completamente implantado até abril

de 2009, pretende sensibilizar alunos do ensino fundamental sobre os conceitos

básicos de meio ambiente: água, energia, flora, fauna, poluição e aquecimento

global. Excursões escolares agendadas (inclusive de unidades de ensino do interior)

15

Por uma opção do autor dessa monografia, questões envolvendo centros de triagens de animais silvestres (Cetas) e criadouros não foram aprofundadas, sendo apenas citadas como parte do universo de fatores que envolve o tráfico de fauna. 16

Paulo Magalhães Bressan, diretor-presidente da Fundação Parque Zoológico de São Paulo e gerente do projeto Fauna Silvestre de SMA, concedeu entrevista na sede da fundação em 26 de março de 2009.

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levam os estudantes até localidades preparadas para abordar cada uma dessas

questões (uma primeira etapa com estruturas na cidade de São Paulo e, em um

segundo momento, em 29 unidades de conservação de SMA espalhadas pelo

estado, um parque ecológico em Campinas, um bosque municipal em Ribeirão Preto

e a Estação Ciência da Universidade de São Paulo, na capital paulista).

No caso do tema fauna, as crianças são recebidas no espaço Bicho Legal, no

Parque Zoológico da capital paulista, de onde partem com monitores para um roteiro

de três horas pelo próprio parque e o Zoo Safári. Os professores, por meio de um

site (www.criancaecologica.sp.gov.br) podem agendar a visita e deverão encontrar

material pedagógico de apoio. “É uma iniciativa nova, que vai além das atividades

pontuais já realizadas em parques estaduais e que são preparadas de acordo com a

realidade local”, afirma Bressan17 (2009). (informação verbal)

Nassaro18 (2009) destaca que, além das atividades repressivas, a PMAmb

realiza ações educativas que atingem, anualmente, um milhão de pessoas.

Especialmente sobre o tráfico, desenvolvi no ano de 2007 um trabalho que se constituiu em um jogo de cinco quebra-cabeças, com fotos de animais silvestres mais traficados. Esses quebra-cabeças foram confeccionados por empresa profissional e distribuídos a 12 mil crianças da região metropolitana de São Paulo, durante aula de educação ambiental ministrada exclusivamente por policiais militares ambientais. Detectamos à época que a região metropolitana é a região onde há mais apreensões de animais silvestres no Estado, por isso o projeto foi empregado aqui. (informação verbal)

17

Paulo Magalhães Bressan, diretor-presidente da Fundação Parque Zoológico de São Paulo e gerente do projeto Fauna Silvestre de SMA, concedeu entrevista na sede da fundação em 26 de março de 2009. 18

O capitão da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, Marcelo Robis Francisco Nassaro, é conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Estado de São Paulo e subgerente do Projeto Estratégico Fauna Silvestre da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Ele respondeu questões, por e-mail, em 26 de abril de 2009.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seja 12 milhões ou 38 milhões o número de animais silvestres retirados

anualmente da natureza no Brasil, o fato é que a perda em biodiversidade e em

recursos naturais que podem ser sustentavelmente aproveitados para o

desenvolvimento do país é imenso. São dois os focos de discussão que se

apresentam para uma sociedade que vive em um território classificado como

megadiverso (MITTERMEIER, 1997): um ético e outro socioeconômico.

O ético questiona o direito de o ser humano gerar a extinção em massa de

espécies – o tráfico de animais é apontado como a segunda maior causa desse

problema (REDFORD, 1992; ROCHA, 1995 apud RENCTAS, 2001, p.6; WWF-

BRASIL, 1995, p.15) - e de cercear a liberdade de outro ser vivo para garantir alguns

momentos de “prazer”.

Esse debate não foi abordado diretamente neste trabalho, mas permeia cada

palavra e linha escritas. Em nenhum momento realizou-se uma pesquisa para tentar

chegar a pensadores que o desenvolvam, apesar de alguns deles terem sido alvo de

rápidas leituras (como Humphry Primatt19, Tom Regan20, Peter Singer21, David

Favre22, Heron José de Santana23, Laerte Fernando Levai24 e Sônia Felipe25). As

abordagens entorno das questões éticas poderiam ter sido aprofundadas e ligadas

19

Autor de The Duty of Mercy (1776), que defende a coerência da moral humana na consideração da dor e do sofrimento de animais humanos e não humanos. 20

Professor Emérito de Filosofia da Universidade do Estado da Carolina do Norte. Ele é autor de inúmeros livros como “Jaulas Vazias”, lançado no Brasil pela Editora Lugano. E-mail: [email protected]. Para conhecer mais o seu trabalho, ver o site www.tomregan-animalrights.com. 21

Filósofo e professor de bioética na Universidade de Princeton (EUA), autor de Libertação Animal (1975) e os ensaios Famine, Affluence, and Morality (1971) e Practical Ethics (1979). 22

Professor de Direito dos Animais, Direito Ambiental da Fauna Silvestre e Direito Ambiental Internacional na Faculdade de Direito da Michigan State University. Ele tem atuado na defesa jurídica dos animais desde o começo da década de 80 e foi membro fundador do Animal Legal Defense Fund (associação civil que mantém um fundo privado para a defesa jurídica dos animais), presidindo-o entre os anos de 2003 a 2005. 23

Doutor em Direito Público pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Professor Adjunto da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e UCSAL (Universidade Católica de Salvador), promotor de Justiça do Meio Ambiente em Salvador. 24

Promotor de Justiça de São José dos Campos/SP. 25 Professora do Departamento Filosofia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), e do

Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

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57

ao material utilizado para a confecção do segundo e terceiro capítulos, contudo a

rota a ser mantida era outra.

O foco socioeconômico, trabalhado no quatro capítulo, resume a forma como

o crime organizado aproveita-se de mazelas sociais para garantir seus ganhos e

gerar perdas financeiras para o Estado. Para ilustrar um pouco mais esse problema,

vale lembrar que o comércio ilegal de animais silvestres estrutura-se de forma muito

semelhante ao tráfico de drogas. Em ambos existe uma corrente de atores que

envolve camadas bastante desprotegidas pelo Estado e socialmente marginalizadas,

em que é evidente a exploração motivada pela precariedade financeira, mas onde

também atuam setores extremamente capitalizados com total consciência das

consequências de seus atos.

No tráfico de entorpecentes (no caso da cocaína), a corrente pode ser

detalhada a partir dos chamados “cocaleiros”, agricultores de países como Bolívia,

Colômbia e Peru que tradicionalmente plantam a cocaína e que dessa atividade

tiram seu sustento. São milhares de núcleos familiares (fornecedores) que, sem

alternativa tão rentável, optam pelo cultivo da planta que fornecerá folhas para a

preparação da droga. Essas folhas são compradas às toneladas por preços baixos

e, ainda nas regiões rurais e nas matas, transformadas em pasta base de cocaína –

ora pelos próprios agricultores, ora por gente especializada nessa atividade.

A partir desse momento, inúmeros intermediários de diferentes status se

agregam à corrente. São grupos pagos para transportar a pasta, grupos para

misturá-la com outras substâncias até transformá-la no produto final que chega aos

consumidores pelas mãos de outros tantos de distribuidores que compraram a droga

no atacado dos grandes traficantes – esses últimos, instalados bem longe das áreas

de cultivo e conflito, são os que têm os maiores ganhos financeiros com todo o

negócio. Não se deve esquecer da presença de agentes do Estado corruptos

(policiais e fiscais de fronteira, por exemplo) em várias fases da corrente.

Os termos sublinhados (fornecedores, intermediários e consumidores)

chamam a atenção para a similaridade com a estrutura do tráfico de animais.

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58

Seja por questões éticas ou pelo foco socioeconômico, não deveriam os

gestores e pesquisadores de um país megadiverso conhecer um pouco melhor essa

pressão negativa sobre a fauna silvestre brasileira?

Os dados apresentados neste trabalho são publicados e repetidos

exaustivamente pela imprensa e em dissertações e teses como se fossem

informações totalmente consolidadas, apesar de serem estimativas. Tanto a

academia quanto o poder público parecem ainda não terem sido capazes de investir

forças para realmente conhecer o tráfico de animais silvestres ou para sistematizar o

que já se conhece sobre o tema de forma que esse material possa ser facilmente

consultado e subsidiar, por exemplo, políticas públicas.

A falta de informações precisas e de aceso a pesquisas na área são reflexos

de uma sociedade que gosta e mantém o habito de ter animais silvestres como

bichos de estimação – o que transparece uma falta de clareza sobre os motivos que

deveriam fazê-la mudar – e da não priorização no trato com o comércio ilegal de

fauna por parte daqueles que poderiam estar na vanguarda de um movimento para

alterar esse status quo. É um circulo vicioso.

A legislação brasileira, embora aborde o tema (principalmente na Lei de

Crimes Ambientais), é um bom exemplo desse ambiente cultural por dois motivos:

por prever penas baixas que permitem a “transação penal” ou a “suspensão do

processo” - causando sensação de impunidade e reincidência dos criminosos – e

por ainda não ter o “tráfico de animais” como um tipo penal com sanções severas e

proporcionais aos envolvidos processados. Falha dos legisladores e omissão do

restante da sociedade (Judiciário, Ministério Público, agentes fiscalizadores, ONGs,

etc.), que não fazem pressão para alterar esse quadro.

No estado de São Paulo, onde o combate ao comércio ilegal de animais

silvestres já é citado na política ambiental da atual gestão de SMA (Projeto

Ambiental Estratégico Fauna Silvestre), a repressão policial é a ferramenta mais

estruturada. Apesar de a PMAmb mostrar-se atuante e consciente da abrangência

do problema, a falta de centros de recebimento dos animais apreendidos (Cetas) e

de diretrizes claras para o retorno dos espécimes a seus hábitats (reintrodução) são

latentes e uma falha na gestão de fauna - tanto do governo do Estado quanto do

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59

Ibama. Esses pontos, bem como o envolvimento de criadouros ilegais e

credenciados pelo Ibama no tráfico, são citados em entrevistas e em diversas

referências bibliográficas, mas sem aprofundamento e detalhamento, merecendo

portanto pesquisas específicas para a situação nacional e paulista.

As ações de prevenção do governo do estado de São Paulo, como educação

ambiental (exemplificada com o programa Criança Ecológica, o quebra-cabaças da

PMAmb e as ações isoladas nos parques estaduais paulistas) estão em

implantação, são pontuais e não abrangem todo o território paulista. É um trabalho

realizado dentro de uma política setorial (a ambiental) e sem perspectiva de

transversalidade com o envolvimento de outros órgãos da administração pública

como as secretarias de Educação e de Cultura.

Evidenciou-se com as informações de Renctas (2007, p.193), Nassaro26

(2009) e PMAmb (2007, p.17) a necessidade da ação educacional como forma de

prevenção, principalmente em uma localidade como o território paulista, em que

predomina o consumo de animais – afinal, sem haver demanda, os elos anteriores

da corrente do tráfico ficam prejudicados. A exceção é o Vale do Ribeira, com seu

perfil de área de apanha, que vale um estudo próprio e um investimento

governamental em políticas de geração de renda e de educação para evitar a

continuidade da atividade no mais bem preservado trecho de Mata Atlântica de São

Paulo.

Apesar da relevância que o comércio ilegal de animais selvagens tem no

empobrecimento da biodiversidade, é recente o engajamento dos governos na

elaboração de políticas públicas que destaquem o tráfico. O que ainda se percebe é

a supressão de vegetação nativa dos diversos biomas como “motor” que impulsiona

o poder público a preparar políticas setoriais ambientais e como fator que leva a

maior parte da sociedade civil a se organizar na defesa do meio ambiente.

26

O capitão da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, Marcelo Robis Francisco Nassaro, é conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Estado de São Paulo e subgerente do Projeto Estratégico Fauna Silvestre da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Ele respondeu questões, por e-mail, em 26 de abril de 2009.

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SPIX, J.B. e MARTIUS, K.F.P. Viagem pelo Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 3v.;

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VIEIRA, M.C. Quadrilha é presa com três mil animais silvestres. Tribuna da Bahia,

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WILSON, E.O. Diversidade da Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 1994,

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WWF-BRASIL. Tráfico de animais silvestres no Brasil: Um diagnóstico preliminar.

Brasília: WWF-Brasil, 1995. 53p.

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64

ANEXOS

ANEXO A – Declaração Universal dos Direitos dos Animais

Preâmbulo:

Considerando que todo o animal possui direitos;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e

continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;

Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência

das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras

espécies no mundo;

Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de

continuar a perpetrar outros;

Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos

homens pelo seu semelhante;

Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a

compreender, a respeitar e a amar os animais,

Proclama-se o seguinte

Artigo 1º

Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à

existência.

Artigo 2º

1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado.

2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou

explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao

serviço dos animais.

3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

Artigo 3º

1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.

2.Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem

dor e de modo a não provocar-lhe angústia.

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Artigo 4º

1.Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no

seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se

reproduzir.

2.Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este

direito.

Artigo 5º

1.Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio

ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de

vida e de liberdade que são próprias da sua espécie.

2.Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo

homem com fins mercantis é contrária a este direito.

Artigo 6º

1.Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma

duração de vida conforme a sua longevidade natural.

2.O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

Artigo 7º

Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de

intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.

Artigo 8º

1.A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é

incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica,

científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.

2.As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.

Artigo 9º

Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado,

transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.

Artigo 10º

1.Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem.

2.As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis

com a dignidade do animal.

Artigo 11º

Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto

é, um crime contra a vida.

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Artigo 12º

1.Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um

genocídio, isto é, um crime contra a espécie.

2.A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.

Artigo 13º

1.O animal morto deve de ser tratado com respeito.

2.As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no

cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos

direitos do animal.

Artigo 14º

1.Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar

representados a nível governamental.

2.Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.

(APASFA, 2009)

Em 27 de janeiro de 1978, assembléia da Unesco (Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), realizada em Bruxelas, aprovou o

texto acima baseado em uma proposta de Georges Heuse, cientista e secretário

geral do Centro Internacional de Experimentação de Biologia Humana.