O tratamento da variação no Dicionário Pan-hispânico de Dúvidas · 2011-08-30 · obra...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS O tratamento da variação no Dicionário Pan-hispânico de Dúvidas Ronaldo Gonçalves de Oliveira RIO DE JANEIRO 2010

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    FACULDADE DE LETRAS

    MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS

    O tratamento da variao no Dicionrio Pan-hispnico de

    Dvidas

    Ronaldo Gonalves de Oliveira

    RIO DE JANEIRO

    2010

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    O tratamento da variao no Dicionrio Pan-hispnico de

    Dvidas

    Ronaldo Gonalves de Oliveira

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obteno do Ttulo de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingusticos Neolatinos Opo: Lngua Espanhola)

    Orientadora: Professora. Doutora.

    Maria. Mercedes Riveiro Quintans Sebold

    Rio de Janeiro

    Novembro / 2010

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    OLIVEIRA, Ronaldo Gonalves.

    O tratamento da variao no Dicionrio Pan-hispnico de Dvidas / Ronaldo Gonalves

    de Oliveira Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2010.

    Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

    Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras,

    Programa de Ps-graduao em Letras Neolatinas, 2010.

    1. Espanhol. 2. Anlise do Discurso 3. Estudos Lingsticos Neolatinos I. Sebold,

    Maria Mercedes Riveiro Quintans. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

    Faculdade de Letras, Letras Neolatinas. III. Ttulo.

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    O tratamento da variao no Dicionrio Pan-hispnico de

    Dvidas

    Ronaldo Gonalves de Oliveira

    Orientador: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

    Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para a obteno do Ttulo de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingusticos Neolatinos Opo: Lngua Espanhola)

    Aprovado por:

    ____________________________________________________________

    Presidente: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold Orientadora

    Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

    ____________________________________________________________

    Profa. Dra. Mrcia Atlla Pietroluongo

    Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

    ____________________________________________________________

    Prof. Dr. Xon Carlos Lagares Diez

    Universidade Federal Fluminense UFF

    ____________________________________________________________

    Profa. Dra. Maria del Carmen Ftima Gonzlez Daher Suplente

    Universidade Federal Fluminense UFF

    ____________________________________________________________

    Profa. Dra. Tnia Reis Cunha Suplente

    Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

    Rio de Janeiro

    Novembro / 2010

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    A Davi Oliveira do Nascimento, meu companheiro, meu amigo, meu irmo: minha

    alma gmea, de quem Deus temporariamente me separou.

    A voc, Davi, devo a pessoa que constru de mim mesmo.

    E, embora com muitas rachaduras, gosto do que vejo no

    espelho. A voc, que estar eternamente em mim, a nossa

    msica:

    ViDa

    Somos fantasia beira da realidade

    Somos poesia que virou verdade

    Sonhos de meninos, de meninos que pintam o sol.

    Somos alegria, somos sentimento

    Somos dia-a-dia, somos bons momentos

    E na balana da vida, ns somos felizes.

    Pra voc eu buscaria o pr-do-sol mais lindo, a primavera

    Horizontes de uma melodia sem par

    A cada dia que se passa

    Voc se transforma em presente

    Pra mais gente que se acerca de voc.

    ... Deus foi bom pra mim!

    Me deu voc, meu doce querubim.

    Ronaldo Gonalves de Oliveira

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, que me deu a vida. Obrigado, Pai! A Jesus, o Cristo, pela oportunidade de renascer em seu planeta e pelo carinho e compreenso com que me guia, amparando-me nas quedas e, incansavelmente, redirecionando-me ao encontro de mim mesmo, no meu processo evolutivo. Obrigado, amado Irmo! Mercedes Sebold, pela possibilidade da convivncia intelectual e pessoal. Pela imensa pacincia e compreenso. Pela humanidade com que me acolheu nas minhas limitaes. Foi um privilgio trilhar essa estrada em sua companhia. Mrcia Atlla Pietroluongo, pela disponibilidade e boa vontade em me direcionar no incio desta jornada. T-la na banca avaliadora um grande privilgio. o encerramento de um ciclo, cuja abertura voc possibilitou. Muito obrigado! Ao amigo Chico (Francisco Romo), pelo incentivo e toda a fora para que este momento se concretizasse. Valeu, Chico! A meu pai, Manoel Baptista de Oliveira, que, mesmo desprovido das letras, entendeu que o maior tesouro que podia me dar era a Educao. Lutou arduamente. Cumpriu com xito sua misso paterna. Elevo meu pensamento de gratido e rezo para que ele o atinja na dimenso em que o senhor se encontra. Obrigado, meu pai! minha me, Edith Gonalves de Oliveira, por me amar tanto e incondicionalmente. Por dedicar sua vida a mim. Por me entender e, mesmo com todas as minhas falhas, me dizer que sou o melhor filho do mundo. Obrigado, minha me. Somos e sempre seremos almas intimamente ligadas pelo amor de Deus. minha irm, Rose Leny Gonalves de Oliveira, que caminha comigo nessa jornada de aprendizado e crescimento. Com quem eu posso contar em todos os momentos da minha vida. Obrigado, minha irm amada! A todos os meus amigos, que entendem as minhas ausncias e me amam assim mesmo. Sou meio bicho de casa, mas amo vocs.

    Muchsimas Gracias!

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    RESUMO

    O tratamento da variao no Dicionrio Pan-hispnico de Dvidas

    Ronaldo Gonalves de Oliveira

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

    Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre. OLIVEIRA, Ronaldo Gonalves. O tratamento da variao no Dicionrio Pan-hispnico de Dvidas . 2010. Dissertao de Mestrado em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Este trabalho analisa, a partir do conceito de ethos, segundo Dominique Maingueneau, a obra Diccionario Panhispnico de Dudas doravante DPD da Real Academia Espaola doravante RAE por um processo dialgico, onde os atores so os falantes nativos do espanhol e os enunciadores do referido dicionrio. Para tanto, analisaram-se alguns verbetes, cujo uso se inclui no macrossistema do espanhol. A hiptese dirigiu a anlise para a verificao da legitimidade e concretizao da noo de pan-hispanismo proposta da RAE, que afirma considerar a variao na busca de uma unidade lingustica para o espanhol dos diversos pases. A pesquisa traz luz tanto a relevncia da proposta de um DPD, com pretenses de contemplar todas as variaes lingusticas do espanhol, quanto as limitaes e possveis desvios que, consequentemente, o incluam numa publicao ratificadora da imposio de uma norma sobre as demais. Atravs da anlise do ethos pr-discursivo, depreendido na viso que tem o falante nativo do espanhol em relao RAE, buscou-se a comparao com o ethos discursivo verificado na materializao da proposta: o referido dicionrio. Essa viso do falante nativo do espanhol em relao RAE foi percebida nas interaes comunicativas em fruns virtuais do Yahoo Grupos en Espaol e do Word Reference. Foi, ento, possvel no s conferir a cientificidade do modelo proposto pela obra, mas tambm confirmar a ideia de prevalncia de determinadas formas de lngua em detrimento de outras, as quais, no entanto, mereceriam o mesmo tratamento. Palavras-chave: Ethos discursivo. Ethos pr-discursivo. Variao. Pan-hispanismo

    Rio de Janeiro

    Novembro / 2010

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    RESUMEN

    El abordaje de la variedad lingstica en el Diccionario Panhispnico de Dudas

    Ronaldo Gonalves de Oliveira

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

    Resumen da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre.

    OLIVEIRA, Ronaldo Gonalves. El abordaje de la variedad lingstica en el Diccionario Panhispnico de Dudas . 2010. Disertacin (Mster en Letras Neolatinas) Facultad de Letras de la Universidad Federal de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Este trabajo analiza, a partir del concepto de ethos, segn Dominique Maingueneau, la obra Diccionario Panhispnico de Dudas a partir de ahora DPD de la Real Academia Espaola a partir de ahora RAE por una ruta dialgica, donde los actores son los hablantes nativos del espaol y los enunciadores del referido diccionario. Para tanto, se analizaron algunas voces, cuyo uso se incluye en el macro-sistema del espaol. La hiptesis ha direccionado el anlisis a la verificacin de la legitimidad y concretud de la nocin de panhispanismo propuesta de la RAE, que promete considerar la variedad lingstica en la bsqueda de una unidad lingstica para el espaol de los diversos pases. La investigacin revela tanto la relevancia de la propuesta de un DPD, con pretensin de contemplar todas las variedades lingsticas del espaol, como los lmites y posibles desvos que, conseqentemente, lo ubiquen en una publicacin ratificadora de la imposicin de una norma sobre las dems. A travs del anlisis del ethos pr-discursivo, depreendido en la visin que tiene el hablante nativo del espaol respecto a la RAE, se ha buscado la comparacin con el ethos discursivo verificado en la materialidad de la propuesta: el referido diccionario. Esa visin del hablante nativo del espaol respecto a la RAE se ha percibido en las interacciones comunicativas en el foro virtual del yahoo grupos en espaol. As que fue posible no solo conferir la cientificidad del modelo propuesto por la obra, sino confirmar la idea de prevalencia de determinadas formas de lengua en detrimento de otras, las cuales mereceran el mismo abordaje. Palabras-clave: Ethos discursivo. Ethos pr-discursivo. Variedad lingstica. Panhispanismo

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    ABSTRACT

    The treatment of variation in the Pan-Hispanic Dictionary of Doubts

    Ronaldo Gonalves de Oliveira

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

    Abstract da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre.

    OLIVEIRA, Ronaldo Gonalves. The treatment of variation in the Pan-Hispanic

    Dictionary of Doubts. 2010. Thesis (Master of Arts Neo-Latin) Faculdade de Letras,

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

    This study examines, from the concept of ethos, Dominique Maingueneau second, the image built on the work of Diccionario Panhispnico Dudas - henceforth DPD - the Real Academia Espaola - henceforth RAE - a dialogic process where the actors are native speakers of Spanish and the statements of that dictionary. To do so, they have analyzed some entries, whose use is covered by the macrosystem of Spanish. The hypothesis addressed the analysis to verify the legitimacy and implementation of the concept of pan-Hispanic - proposal submitted by the RAE, which promises to consider the variation in search of a language unit for the Spanish of many countries. The research brings to light both the relevance of the proposal for a DPD, with aspirations to capture all the variations of the Spanish language, the limitations and possible biases that, consequently, the publication includes a ratifying the imposition of institutional variation on the others. Through analysis of pre-discursive ethos, the vision that has inferred the native speaker of Spanish in relation to the RAE, we sought to compare the discursive ethos, verified in the materialization of the proposal: this dictionary. This vision of a native speaker of Spanish in relation to the RAE, was perceived in communicative interactions in virtual forums of yahoo groups en espaol. It was then possible not only to give a scientific model for the work, but alsdo confirm the idea of the prevalence of certain forms of language over others, which, however, deserve the same treatment.

    Keywords: Ethos discursive. Ethos pre-discursive. Variation. Pan-Hispanic

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    SUMRIO

    Introduo ............................................................................................. 12

    Captulo 1................................................................................................ 19

    1- Conceitos e Noes .......................................................................... 19 1.1 Conceito de norma ............................................................... 19 1.2 A noo de lngua estndar ................................................. 23 1.3 A variao ............................................................................. 25

    1.3.1 A variao lingustica............................................ 25

    1.3.2 A variao lingustica no Espanhol...................... 30

    1.4 A Real Academia Espanhola: autoridade como norma.... 40 1.5 Pan-hispanismo .................................................................... 41

    1.5.1 A construo do pan-hispanismo................................ 41

    1.5.2 A instituio do pan-hispanismo................................. 42

    1.6 O ethos .................................................................................. 44 1.6.1- A Retrica Aristotlica........................................ 44

    1.6.2- O ethos segundo Maingueneau........................... 46

    Captulo 2................................................................................................ 49

    2.1- A constituio do dicionrio .............................................. 49

    2.1.1- O gnero dicionrio de dvidas ......................... 51

    2.1.2- O Dicionrio Pan-hispnico de Dvidas ........... 52

    2.1.2.1 O que o dicionrio pan-hispnico?..... 52

    2.1.2.2 O carter normativo do DPD................ 52

    2.1.2.3 A norma de hoje, segundo o DPD......... 53

    2.1.2.4 Observaes sobre a norma culta

    estandardizada no DPD.................................... 53

    2.1.2.5 Sobre a variao lingustica no DPD.... 54

    2.1.2.6 Sobre as respostas dos enunciadores do

    DPD na apresentao da obra............................ 54

    2.2- O vdeo institucional para o lanamento do DPD............ 56

    2.3- A pgina eletrnica da Real Academia Espaola em

    www.rae.es................................................................................... 59

    Captulo 3................................................................................................ 61

    3 Anlise .............................................................................................. 61

    http://www.rae.es/
  • 11

    3.1 Do ethos pr-discursivo ....................................................... 62

    3.2 Do ethos discursivo .............................................................. 75

    3.2.1 Os verbetes: artigos temticos .......................... 76

    3.2.2 Os verbetes: artigos no-temticos .................. 92

    3.3 Algumas contradies ...................................................... 96

    3.4 Comentrios ps-anlise sobre o DPD........................... 100

    Consideraes finais .......................................................................... 102

    Referncia Bibliogrficas .................................................................. 107

    Anexos ................................................................................................. 112

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    INTRODUO

    [...] digamos que esta es una obra abierta y en permanente revisin, nunca acabada, nunca definitiva. Porque es precisamente una obra humana, tiene errores y defectos que los crticos se encargarn de poner en evidencia para que los corrijamos en futuras ediciones. (Trecho do discurso proferido por D.Ral Rivadeneira Prada, Diretor da Academia Boliviana da Lngua Espanhola e publicado no site da Asociacin de las Academias de la Lengua Espaola)

    Este um trecho do discurso pronunciado pelo Sr. Ral Rivadaneira Prada, da

    Academia Boliviana da Lngua Espanhola no ato de lanamento do Diccionario

    Panhispnico de Dudas, doravante DPD. Este excerto parece-nos apropriado como

    destaque nesta introduo, mais especificamente por suas palavras finais, que

    assumem uma imagem para o DPD, que normalmente no se encontra nos discursos

    da Real Academia Espaola, doravante RAE. A referida obra representa a

    materialidade do conceito de Pan-hispanismo, proposta apresentada pela citada

    academia e pela Associao de Academias da Lngua Espanhola, que agrega as

    vinte e duas academias da lngua espanhola existentes em diversas regies

    geogrficas do globo.

    O Pan-hispanismo , basicamente, uma proposta de que se estabelea um eixo

    comum para o espanhol, tendo em conta os diversos pases que o tm como lngua

    nativa. O conceito de Pan-hispanismo ser revisto e analisado ao longo deste

    trabalho; mas, para que entendamos os vrios discursos que sero vistos neste

    estudo, acerca dessa proposta, faz-se necessria uma breve introduo: pretende o

    Pan-hispanismo considerar a variao lingustica, em seus distintos nveis:

    diatpico, diafsico, diastrtico, diacrnico e, ainda, em nveis mais esfecficos da

    variao inerente ao falante nativo. Dentro da diversidade prpria da lngua

    espanhola, considerando seus aspectos sociolingusticos, histricos e geogrficos,

    pretende, ainda, buscar a unidade, sem privilegiar essa ou aquela norma1

    1 Neste estudo adotaremos o seguinte conceito de norma: o uso padro, relativamente estabilizado tradicional ou socialmente, que se faz de uma determinada

    vigente em

    determinado pas.

    lngua dentro de uma comunidade lingustica Coseriu (1973).

    http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Lingu%C3%ADstica
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    Interessou-nos sobremaneira este trecho do discurso do Sr. Rivadeneira Prada, pois

    neste estudo avaliamos o referido dicionrio sob um olhar crtico, comprovando a

    hiptese de que, embora o DPD seja um avano no gnero dicionrio de dvidas, pois

    se presta a considerar diversos registros lingusticos de diversas comunidades hispnicas

    para dirimir algumas dvidas, no s do falante nativo do espanhol, mas tambm dos

    aprendizes deste idioma como lngua estrangeira, efetivamente, no cumpre a funo a

    que se prope, ou seja, no consegue criar um eixo lingustico comum, considerando a

    variao, conforme promete na poltica pan-hispnica, instituda pela RAE. As anlises

    aqui realizadas nos indicam uma composio de dicionrio que abarca um nmero

    insuficiente de registros lingsticos, 7000 verbetes, se consideramos a variao da

    lngua espanhola em todo o seu imenso universo. Seus enunciadores prometem fugir da

    tradio acadmica de impor uma norma em detrimento de outras. Porm, as marcas

    discursivas encontradas no DPD contradizem tal intento e criam o paradoxo de uma

    obra que nem normativa, conforme estabelece o gnero a que pertence (dicionrio de

    dvidas); tampouco descritiva (variacionista) como gostaria a Poltica Pan-hispnica.

    Isto posto, queremos mostrar os caminhos percorridos para a definio do corpus. A

    motivao deste estudo partiu de uma situao especfica que nos despertou a

    curiosidade para a pesquisa.

    Cumprindo uma das exigncias do Programa de Mestrado da Faculdade de Letras da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, matriculamo-nos na disciplina de Capacitao

    Didtica, ministrada pelas professoras Maria Mercedes Quintaes Sebold e Maria

    Consuelo Alfaro Lagorio. A Professora Mercedes, poca, tambm docente

    responsvel pela disciplina Lngua Espanhola I, nas turmas da Graduao em Letras

    desta universidade, abriu-nos as portas de sua sala de aula, para que fizssemos as

    observaes concernentes disciplina de Capacitao. Vale ressaltar que nosso projeto

    inicial estava relacionado anlise de material didtico para o ensino de espanhol como

    lngua estrangeira. Em uma das aulas em que fazamos as observaes, surgiu uma

    dvida sobre o uso do pronome tono de complemento verbal le2

    . A Professora

    2 Pronombre personal tono- DPD, pg.392

  • 14

    Mercedes, estrategicamente, ofereceu aos alunos o Diccionario Panhispnico de Dudas

    e os orientou para uma consulta, no intuito de promover aos alunos a possibilidade da

    descoberta e da construo do conhecimento. Consultando o DPD, os alunos

    encontraram uma definio, que os levava a um quadro demonstrativo da noo de

    pronombres personales tonos3 . Nesse quadro, surgia a palavra lesmo4

    e, como num

    modelo de hipertexto, foram direcionados pgina 392 do DPD. J tendo sido

    apresentados a este material pela Professora Mercedes, os alunos conheciam o objetivo

    explicitado da obra de no ser normativa, ou seja, de considerar a variao. Chegaram,

    ento, ao verbete lesmo e perceberam que o discurso do DPD no estava coerente com

    o que preconizava, pois, na definio do verbete le, era admitido e justificado o uso

    como complemento de verbos transitivos diretos, entretanto, na definio do verbete

    lesmo, o DPD apresentava uma explicao cuja marca discursiva no se

    compatibilizava com a sua prpria proposta de considerar a variao do espanhol em

    todo o mbito hispnico. O DPD afirmava que o lesmo era o uso imprprio do

    pronome le como complemento direto. Percebeu-se que a palabra impropio marcava

    uma tendncia de imposio de uma norma. Isso nos despertou o interesse em investigar

    se havia outros registros que tambm expressassem marcas discursivas do enunciador,

    que revelassem sua posio normativa, como a percebida naquele verbete. Interessamo-

    nos pela busca e, nos encontros de orientao com a Professora Mercedes, recebemos a

    indicao de leitura do que, posteriormente, tornar-se-ia a base terica que

    fundamentaria a nossa investigao: a noo de Ethos Discursivo, segundo

    Maingueneau (1997, 2005, 2008). Para essa pesquisa, precisvamos entender tambm

    os conceitos de variao lingustica, para tal optamos por fazer leituras das teorias de

    Weinreich, Herzog e Labov, que estudaram as mudanas lingusticas e propuseram uma

    Teoria da Mudana. Foi necessrio, ainda, visitar um pensamento lingstico voltado

    para a variao no espanhol. Assim, consultamos Penny (2004), em sua obra Variacin

    y Cambio en Espaol, a qual teremos a oportunidade de detalhar ao longo deste estudo.

    A pgina eletrnica da Real Academia Espaola, o vdeo institucional de lanamento do

    DPD e o frum eletrnico do yahoo grupos en espaol nos forneceram material de

    3 Diccionario Panhispnico de Dudas, pg 526

    4 Uso do pronome le, complementando verbos transitivos diretos.

  • 15

    anlise, dando-nos subsdios para um estudo mais apurado da constituio do Ethos, em

    suas vertentes pr-discursiva e discursiva, conceitos que teremos a oportunidade de ver

    descritos e analisados ao longo da pesquisa. Entretanto, apesar da relevncia da anlise

    desse material, o Diccionario Panhispnico de Dudas que caracteriza o corpus desta

    pesquisa, pois nele, efetivamente, que procuramos perceber os elementos reveladores

    de um ethos constitudo por enunciadores (a RAE e a Asociacin de Academias de la

    Lengua Espaola) com tradio de normatividade, mas que prometem considerar a

    variao. Alm disso, como j dissemos, o DPD uma das representaes da

    materialidade da proposta de Pan-hispanismo.

    Cremos necessria esta descrio, no sentido de que esclarece a motivao deste

    trabalho e aclara a hiptese estabelecida no incio deste processo. Esperamos contribuir

    com aqueles que se dedicam a esta rea do conhecimento. No temos a pretenso, neste

    estudo, de propor a desconstruo da proposta de pan-hispanismo, pelo fato de haver

    marcas discursivas que depem contra o esforo de considerar a variao. Nosso intento

    mostrar a alternncia entre um discurso que afirma contemplar a variao e um

    discurso normativo que se perpetua por tradio das academias.

    A metodologia seguir a seguinte via: analisar-se- de que maneira o fenmeno da

    variao lingustica considerado na proposta de pan-hispanismo da Real Academia

    Espaola, em sua representao fsica: o Diccionario Panhispnico de Dudas. A pgina

    eletrnica da RAE e o vdeo institucional de lanamento do DPD nos serviro de apoio

    anlise, que visa a depreender as marcas discursivas indicadoras de um enunciador

    (RAE), que, embora prometa considerar a variao lingustica, constri um discurso

    antittico ao proferido na proposta pan-hispnica.

    A anlise do ethos pr-discursivo ter como corpora os Fruns do Yahoogroups en

    espaol e a seo de perguntas e respostas da pgina eletrnica da RAE.

    A anlise do ethos discursivo ter como corpus o Dicionrio Pan-hispnico de Dvidas.

    Em relao aos corpora, como se pode perceber, no h exatamente uma constituio,

    mas uma definio do que nos pareceu relevante anlise. O DPD se apresenta como

    principal elemento de anlise para se chegar ao que objetivamos: a comprovao da

  • 16

    hiptese deste estudo. Essa hiptese parte do princpio de que, sendo o DPD uma obra

    pertencente ao gnero dicionrio de dvidas, deve ser normativo; porm, obedecendo a

    uma orientao pan-hispnica, deve considerar a variao. Assim, pretendemos

    comprovar que esta obra alterna momentos em que apresenta um discurso mais

    unificador no estabelecimento de uma norma, exercendo a funo de um dicionrio de

    dvidas, e momentos em que apresenta um discurso que quer contemplar a variao.

    O recorte do corpus foi trabalhoso e exigiu uma ao meticulosa. Para recort-lo,

    precisamos considerar a funo de um dicionrio de dvidas e at comparar algumas

    definies de verbetes descritas pelo DPD, com definies de outros dicionrios, por

    exemplo, o Dicionrio da Lngua Espanhola e o Dicionrio Essencial, ambos da RAE.

    Procedemos, ento, a um recorte que nos permitisse uma anlise mais segura e coerente

    com a proposta deste estudo.

    Buscamos, ento, perceber, utilizando as noes de ethos pr-discursivo e discursivo de

    Maingueneau (1997, 2005, 2008), a maneira com que a Real Academia Espaola

    contempla a variao lingustica no DPD, ou seja, como a RAE materializa a sua

    proposta de considerar a variao, em busca de um eixo lingustico unificador do

    espanhol. Por isso, analisamos a constituio do ethos dos enunciadores do DPD em

    outras fontes, j mencionadas nesta introduo: a pgina eletrnica da RAE na Internet,

    o vdeo institucional da campanha de lanamento do DPD e um frum de discusso

    para falantes nativos do espanhol, abrigado pelo Yahoo Grupos e pelo Word Reference;

    objetivando compreender se o DPD representa uma inovao de fato, no que tange a

    considerar o fenmeno da variao, ou se somente perpetua o papel das academias na

    imposio de uma norma de prestgio, confirmando, assim, a hiptese deste estudo.

    Quanto organizao da superestrutura da pesquisa, o texto encontra-se formatado em

    quatro captulos, alm desta introduo, da seo de consideraes finais e das

    referncias bibliogrficas. A estrutura textual est organizada de forma a guiar o leitor a

    uma sequncia lgica de pensamento. O primeiro captulo destinado ao exame de

    conceitos e noes que norteiam e embasam a pesquisa. Nesta parte do estudo,

    iniciamos nossa reviso de literatura, verificamos alguns conceitos de norma e

    explicitamos qual deles adotamos para nos referir imposio de uma norma pelas

  • 17

    academias de lngua. Ainda em norma, visitamos a noo de lngua estndar, que,

    embora seja usada como sinnimo de norma, uma de suas representaes.

    Ainda no captulo 1, discorrendo sobre variao lingustica, examinamos os vrios tipos

    de variao inerente a toda lngua: diatpica, distrtica, diafsica e diacrnica.

    Visitamos alguns conceitos de variao no mbito geral e voltamos um olhar especfico

    e mais atento variao lingustica que ocorre no sistema geral do espanhol. Detivemo-

    -nos, ento, na teoria de Penny (2004), que aprofunda um estudo especfico sobre a

    variao no espanhol.

    Continuando nesse captulo, voltamos o olhar para a RAE, sua constituio, sua histria,

    sua imagem. Percebemos sua autoridade, no que concerne a estabelecer a norma

    vigente, respaldada por aspectos scio-histricos e pelo prprio falante nativo do

    espanhol. Verificamos tambm o papel que exerce a Associao de Academias da

    Lngua Espanhola, bem como o jogo poltico estabelecido na parceria com a RAE. As

    publicaes individuais e conjuntas, o estabelecimento de ocupao de postos na

    direo dessa instituio e a imagem construda de ambas as entidades mostram-nos

    esse jogo de poderes, onde a lngua espanhola se caracteriza como um dos instrumentos

    que estabelece e mantm a autoridade de uma delas.

    A noo de pan-hispanismo, que est entremeada por todos esses aspectos sociais,

    histricos, polticos e lingusticos, apresenta-se como possibilidade, segundo a RAE, de

    buscar a unidade num universo to diversificado, como o do espanhol. Entretanto, o que

    procuramos perceber nesse captulo se essa unidade lograda ou no, e se a RAE e as

    demais academias esto de fato se permitindo ver as questes da variao, respeitando

    as caractersticas prprias de cada sociedade hispnica, ou se por trs do pan-

    hispanismo escondem-se intenes outras que no a de respeitar linguisticamente o

    falante nativo do espanhol, seja ele de que regio for.

    O conceito de ethos discursivo visto sob uma perspectiva diacrnica. Vamos ao ethos

    aristotlico para examinar como se constitua a noo de ethos em Aristteles e sua

    Retrica. Passamos por Maingueneau (1993), quando ainda construa uma noo inicial

    de ethos, que reformulava Aristteles e analisava esse ethos no texto escrito. Seguimos

    com Maingueneau e o amadurecimento de sua noo de ethos, agora, sub-partido em

  • 18

    discursivo e pr-discursivo, o que nos d maiores possibilidades de compreenso do

    processo de construo da imagem do DPD, de seus enunciadores e da instituio que

    os avaliza, a RAE.

    no captulo II que vamos nos deter na observao da superestrutura do Diccionario

    Panhispnico de Dudas. Embora no nos caiba fazer um estudo lexicogrfico mais

    completo, j que no o objetivo deste estudo aprofundar-se nessa rea do

    conhecimento, buscamos compreender o que um dicionrio de dvidas, como se

    compe, o que considera como corpus, que grau de normatividade deve externar, ou

    seja, procuramos responder s nossas indagaes sobre o fazer lexicogrfico, mais

    especificamente, no gnero dicionrio de dvidas, predispondo-nos a algumas leituras

    de Borba (2003), no mbito da lexicografia geral, e de Jimnez y Zorraquino (2003), na

    lexicografia hispnica.

    ainda neste captulo que analisamos o vdeo institucional de lanamento do DPD e a

    pgina eletrnica da RAE, www.rae.es. Todas essas anlises convergem para que

    compreendamos a questo das imagens dos enunciadores do DPD: a imagem construda

    por elementos scio-histricos e a imagem atribuda pelos falantes nativos do espanhol.

    No obstante essa discusso s se efetivar no captulo III, quando fazemos a anlise dos

    corpora, sob a luz da noo de ethos discursivo e pr-discursivo. Procuramos, ento,

    perceber a construo dessas imagens.

    A anlise, no captulo III, est divida em duas partes: os elementos extrnsecos e

    intrnsecos. Os extrnsecos so analisados sob a noo de ethos pr-discursivo. Assim,

    temos as discusses realizadas no frum virtual do yahoo grupo en espaol e Word

    Reference sendo analisadas sob o ponto de vista da constituio de uma imagem das

    academias, ou seja, que imagem tem o falante nativo do espanhol com respeito s

    academias de lngua? Na segunda parte da anlise, examinamos os verbetes

    selecionados do DPD, sob o ponto de vista da RAE e da Asociacin de las Academias

    de Lengua Espaola, ou seja, percebemos aqui o ethos discursivo, a imagem de si

    construda pelos enunciadores do DPD, enquanto seres institucionais, ou seja,

    representantes das academias.

    Passemos aos captulos.

    http://www.rae.es/
  • 19

    CAPTULO 1

    1 CONCEITOS E NOES

    Neste captulo, estudamos as noes que embasam e sustentam a pesquisa. Optamos por

    concentrar toda a teoria e ainda demonstrar os elementos normativos da RAE num nico

    captulo. Entendemos que as vises tericas, os embasamentos e as discusses acerca do

    tema devam permanecer num nico captulo, para que tenhamos melhor oportunidade

    de confrontar, comparar e deduzir, tomando por base os dilogos que estabelecemos

    entre pensamentos distintos.

    1.1 O CONCEITO DE NORMA

    A discusso sobre a caracterizao do processo de estandardizao do espanhol no

    contexto de orientao pan-hispnica exige que nos situemos em uma definio de

    norma no contexto poltico da lngua. Sem essas definies prvias, no nos seria

    possvel qualquer intento de estudo e observao.

    Neste estudo, quando trouxermos o conceito de norma para a discusso sobre imposio

    ou legitimao das variantes preferidas pelas elites intelectuais dos pases hispnicos,

    ser o de Coseriu (1973), no qual se entende norma como o uso padro, relativamente

    estabilizado tradicional ou socialmente, que se faz de uma determinada lngua dentro de

    uma comunidade lingustica. As referncias a outras normas sero especificadas sempre

    que se fizer necessrio, a fim de que consigamos distinguir bem esses campos

    complexos das definies das vrias normas lingusticas existentes.

    No mundo hispnico, h tantas normas estandardizadas ou cultas como h vinte e duas

    academias de lngua, representando os pases de lngua espanhola. Por isso, quanto ao

    recente intento da Real Academia Espaola e da Asociacin de las Academias de la

    Lengua Espaola de sistematizar e difundir uma norma pan-hispnica, que seja capaz

    de contemplar as distintas variantes das distintas regies hispnicas, provvel que

    possamos constatar a inviabilidade dessa proposta no formato em que se encontra.

    Segundo Vzquez(2008), no pode existir lngua pan-hispnica e consequentemente

    http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Lingu%C3%ADstica
  • 20

    norma pan-hispnica porque no existe falante pan-hispnico. Para Vzquez(2008), a

    lngua espanhola deve ser considerada em suas vrias representaes identitrias, no

    como variantes passveis de pertencimento a uma proposta de unidade que no capaz

    de contemplar toda a diversidade da lngua. Assim, afirmar que exercer o idioma sob

    orientao pan-hispnica respeitar todas as variantes , no mnimo, uma falcia.

    Segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006), a lngua se concretiza no nvel individual.

    Tal afirmao abre um enorme campo de investigao em nveis mais especficos e, por

    conseguinte, inviabiliza o intento de verificar a variao em nveis mais amplos, por

    conjunto.

    Considerando que falar sublinhar a prpria identidade (Kerbrat-Oreccioni, 2005), o

    choque gerado pela imposio de uma norma especfica sempre problemtico, pois se

    trata da tentativa de deslocar o indivduo de sua prpria construo identitria. Essa

    normatizao passa pela questo do prestgio social; assim, entram os sujeitos

    politicamente interessados nessa imposio da variante de prestgio em detrimento de

    outras. Como lembra Coseriu (1981: 303), a lngua no imposta ao indivduo, mas

    este dispe dela para externar sua liberdade expressiva, e essa liberdade quase

    ilimitada no plano do texto, onde os sentidos, excetuando os significados, podem ser e

    so sempre novos.

    Percebendo a complexidade do assunto, quando este se refere conceituao de norma,

    achamos necessrio um aparte para um olhar especfico, restrito a uma dada

    comunidade lingustica. Referimo-nos a um estudo sobre a convivncia das normas

    venezuelanas, que apresenta a proposta de uma nova viso de norma. Tejera(2001)

    nesse estudo ressalta que, na Venezuela, duas normas conviveram durante os sculos

    XIX e XX, entretanto, essa convivncia, parece-nos, pelas colocaes do estudo, que

    no foi nada pacfica, j que a norma espanhola, mais prxima da lngua escrita, seria

    imposta venezuelana, encontrada no mbito de nao. A norma estabelecida na

    Venezuela conhecida no estudo como lngua viva, porque atravs dela que o falante

    constri sua identidade, pois a tem como prpria e, por isso, pode transgredi-la com

    adies e criaes originais. As duas normas so paralelas e se encontram em certos

    pontos, identificando-se quando se trata do sistema geral da lngua. Neste caso, h uma

    grande coincidncia e por isso que a RAE, em sua proposta de pan-hispanismo, afirma

    que o espanhol homogneo e que se trata de uma nica lngua. Porm, no se pode

  • 21

    esquecer que, como j foi mencionado, o choque gerado pode causar conflitos graves no

    referente s questes identitrias.

    antiga a tentativa de se normatizar a lngua espanhola, considerando a regionalizao,

    ou seja, desde A Gramtica de la Lengua Castellana (Nebrija, 1492) e os primeiros

    dicionrios latim-espanhol (Nebrija, 1492) e espanhol-latim (Nebrija, 1495), j havia a

    pretenso de impor uma norma que sustentasse a lngua, para que as variantes no

    pudessem gui-la a uma diferenciao tal, que no se conseguisse controlar. Por isso, o

    mesmo Antonio de Nebrija, em 1517, publicou as Reglas de Ortografa Espaola que

    codificavam, pela primeira vez, a pronncia como critrio ordenador da escrita, apesar

    de tambm recorrer a princpios etimolgicos para solucionar os casos mais difceis. A

    ideia de Nebrija, de que a lngua era instrumento do Imprio, buscava unificar a

    pronncia em todo o territrio da coroa de Castela, de acordo com a prestigiosa forma

    de Valladolid, abandonando definitivamente o romance5 Burgos de , que tinha estado na

    origem dos primeiros escritos pr-afonsinos6

    Como exemplo atual da influncia scio-econmica na questo lingustica, citamos os

    parques grficos da megamultinacional espanhola Santillana-Prisa na Argentina e no

    Mxico os dois maiores parques grficos da Amrica hispnica. Essa presena indica

    certa coerncia no discurso de crticos que afirmam a sobreposio da norma espanhola

    em detrimento das hispano-americanas. Que norma esto impondo a alunos hispano-

    -americanos, se o material didtico obedece a uma normatizao espanhola, haja vista

    seus produtores?

    . Observa-se aqui que a conotao poltica

    instrumento antigo de imposio. A tentativa de Nebrija dar identidade ao espanhol,

    atravs de uma norma, considerada de prestgio. Tendo em conta esse vis da

    importncia da lngua, notamos que as questes de construo identitria so complexas

    e nem sempre priorizadas.

    5 Tambm denominadas lnguas romnicas ou neolatinas, ramo do tronco indoeuropeu de lnguas estreitamente relacionadas entre si e que historicamente apareceram como evoluo do latim vulgar (entendido em seu sentido etimolgico de falado pelo povo e como oposio ao latim clssico).

    6 Alfonso X, El Sbio, rei da Espanha.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_de_Castelahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Valladolidhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Burgos_(Espanha)
  • 22

    Segundo os defensores da proposta pan-hispnica7, acadmicos da RAE e da Asociacin

    de las Academias de la Lengua Espaola, a divergncia, na lngua escrita, entre a

    Espanha e a Amrica8

    A imposio da norma espanhola sobre a americana, impregnada de nuanas scio-

    histricas, constri-se sob paradigmas antigos de correo e limpeza do idioma,

    conforme veremos mais adiante neste captulo. Por exemplo, um dos campos onde se

    produzem muitas divergncias, entre Espanha e Amrica, o lxico, j que objetos,

    atitudes e aes so nomeados de forma diferente em ambos os lados do oceano. Assim,

    vemos a imprensa caraguenha, por exemplo, registrar o uso da variante jueza, como

    feminino de juez, entretanto, alguns escritores desse pas, seguindo a norma espanhola e

    sua tradio de correo e limpeza, s admitem essa variante com marcas do

    enunciador, como letras em itlico ou entre aspas, ou simplesmente ignoram a variante

    local, registrando a norma estabelecida pela RAE, sem nenhuma aluso regional ou

    nacional. Isso significa que fora da imposio de uma norma, corroborada por uma

    pequena parte da populao (elite), despreza-se o estabelecido pela maioria dos falantes

    daquela determinada comunidade lingustica.

    limita-se a determinados usos morfossintticos, como, por

    exemplo, a preferncia pelo pronome ustedes na Amrica e vosotros na Espanha; a

    distino etimolgica do pronome lo como objeto direto e le para objeto indireto na

    Amrica, e o uso do le para objeto direto na Espanha; a diferena entre o pretrito

    simples (cont) e o passado composto (he contado) entre Amrica e Espanha,

    respectivamente. Entretanto, no esto considerando a questo desde um ponto de vista

    mais pragmtico, ou seja, de uso. Afirmar que a escolha entre ustedes e vosotros uma

    questo de preferncia constitui-se numa desconsiderao variao, que, nesse caso,

    trata de uma real construo de identidade.

    1.2 A NOO DE LNGUA ESTNDAR

    Standard (palavra inglesa, do francs antigo estandart) adj. 2 gn. 2 nm. 1. Que conforme a uma norma de fabricao, a um modelo, a um tipo, a um padro ou a uma

    7 O Pan-hispanismo, cf item posterior deste captulo, a proposta de buscar a unidade, sem desconsiderar a diversidade existente entre as comunidades lingusticas dos diversos pases de lngua espanhola.

    8 Neste estudo, quando usamos o vocbulo Amrica, referimo-nos Amrica hispnica.

  • 23

    marca. s. m. 2. Modelo, padro. (Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa, em www.priberam.pt)

    Como estamos discutindo a conceituao de norma e veremos mais adiante a proposta

    pan-hispnica de unidade lingustica para as comunidades hispano-americanas, preciso

    que problematizemos a noo lngua estndar.

    A problematizao da noo de lngua estndar relativamente complexa, pois se trata

    de uma das modalidades normativas, cuja existncia no validada pelo uso, ou seja,

    no simplesmente uma das variantes reais se transformando em norma, mas a escolha

    de uma dessas variantes, geralmente, a de maior prestgio, que, organizada pelas

    academias de lngua, se configura como modelo de bom uso da lngua, ou modelo de

    correo.

    Numa comunidade lingustica, os usos lingusticos de determinados grupos cultos

    compem esse modelo. O conjunto desses usos a norma estandardizada.

    Como dissemos acima, uma das variantes da lngua considerada a de maior prestgio e

    acaba se impondo pelo uso culto estabelecido pelas academias. No caso do espanhol,

    essa variante, sistematizada pela Real Academia Espanhola, resulta na lngua estndar,

    que no coincide com nenhuma variante real, mas existe a partir de uma delas, que a

    empregada pela classe mais culta.

    A lngua estndar tem por objetivo servir de modelo para toda a comunidade e, nesse

    sentido, serve de referncia para todos os falantes, independentemente, da variante ou

    variantes que cada um empregue.

    O processo de estandardizao de uma lngua est relacionado poltica de lnguas, pois

    visa modelao formal dessa lngua. A questo das polticas lingusticas avaliada

    neste estudo por ser temtica importante, quando se trata do conceito de pan-

    hispanismo, que est intimamente relacionado a ela. Vejamos um caso interessante: a

    Espanha no s exporta suas empresas aos mercados americanos como tambm importa

    riqueza atravs da oferta da aprendizagem da lngua em seu habitat. Mas de que lngua e

    de que habitat estamos falando? As universidades espanholas esto a cada perodo de

    frias com maior demanda pelos cursos para estrangeiros. Granada recebe um nmero

    espantoso de estudantes de espanhol dados como falantes de lngua estrangeira:

  • 24

    milhares de alunos esto expostos variante andaluza. Pode-se dizer que Argentina,

    Mxico e Uruguai, entre outros pases hispnicos tambm contam com significativa

    quantidade de estudantes, que vo queles pases para formao; porm, no podemos

    nos esquecer, como mencionado anteriormente, de que nesses pases a maior editora que

    fornece material didtico, inclusive, aos governos, pertence ao grupo espanhol

    Santillana-Prisa. Seria essa a razo de que esses dois pases recebam mais solicitaes

    de cursos para estrangeiros? A que variantes esses alunos esto expostos? portenha,

    de Ciudad de Mxico, ou espanhola da produtora do material didtico? Abaixo,

    transcrevemos o que a RAE caracteriza como sua Poltica Lingustica Pan-hispnica:

    La poltica lingstica panhispnica

    En los ltimos aos, la Real Academia Espaola y las veintiuna Academias de

    Amrica y Filipinas que con ella integran la Asociacin de Academias de la Lengua

    Espaola vienen desarrollando una poltica lingstica que implica la colaboracin

    de todas ellas, en pie de igualdad y como ejercicio de una responsabilidad comn,

    en las obras que sustentan y deben expresar la unidad de nuestro idioma en su rica

    variedad: el Diccionario, la Gramtica y la Ortografa.

    Este decidido compromiso acadmico de avanzar en una accin conjunta trasciende

    el mbito lingstico para constituirse en un refuerzo de lo que es la ms slida base

    de unin de los pueblos hispnicos en la Comunidad Iberoamericana de Naciones:

    el idioma. Las facilidades de comunicacin ofrecidas por las nuevas tecnologas han

    favorecido el trabajo concertado de las Academias, que, de este modo, han forjado

    una poderosa y activa red de colaboracin que, ms all de cualquier retrica fcil,

    materializa una poltica de alcance internacional. (www.rae.es)

    Colocamos alguns grifos para chamar a ateno para duas questes: a primeira refere-se

    igualdade proposta pela RAE, entretanto, os estatutos de fundao da Asociacin de

    las Academias de la Lengua Espaola guardam os cargos de presidente e tesoureiro

    exclusivamente a membros da RAE. Os membros das outras academias podem ocupar

    outros cargos que no sejam os dois citados. O ltimo grifo refere-se ao fato de que a

    Poltica Pan-hispnica no se resume a uma poltica lingustica, ou seja, envolve outros

    aspectos sociais e econmicos, como exemplificamos acima. O DPD uma representa

    a materialidade dessa Poltica Pan-hispnica da RAE, porm, a intencionalidade

    transcende as representaes e vo muito alm da questo lingustica, embora parta

    dessa questo para o macrouniverso socioeconmico.

    http://www.rae.es/
  • 25

    1.3 VARIAO

    variacin. (Del lat. variato, -nis). 1. f. Accin y efecto de variar.. (RAE, 2001)

    variante. (Del ant. part. act. de variar). 7. f. Ling. Cada una de las diferentes formas con que se presenta una unidad lingstica de cualquier nivel.(RAE, 2001)

    1.3.1 Variao Lingustica

    Para tematizar a variao, parece-nos necessria uma breve descrio dos estudos de

    Saussure, j que vamos retom-lo mais adiante para confront-lo Teoria da Mudana

    de Weinreich, Labov e Herzog (2006), base terica para os estudos da variao nesta

    pesquisa.

    Saussure baseia-se no estudo da estrutura da lngua e em seu uso coletivo, comum a

    todos os falantes, desprezando o individual, por considerar que a lngua homognea e

    dinmica, enquanto a fala mutvel. Assim, Saussure separou-a em langue e parole, a

    fim de estud-la como sistema e aprofundou-se apenas na primeira, a langue.

    Para Saussure, a lngua um sistema homogneo, um conjunto de signos exteriores aos

    indivduos e deve ser estudado separado da fala. Para ele, o estudo da fala seria

    problemtico, por envolver todas as possibilidades imprimidas nela pelos falantes,

    impossibilitando sua anlise cientfica. A cada instante, a linguagem implica ao mesmo

    tempo um sistema estabelecido e uma evoluo: a cada instante, ela uma instituio

    atual e um produto do passado. (Curso de Lingstica Geral, 1989, p.16). Aqui,

    Saussure percebe a impossibilidade de lidar com os aspectos da variao. Embora no

    tenha estudado a evoluo da lngua, Saussure a define como um agente transformador

    da linguagem e, com isso, desperta, no futuro, o estudo tambm da fala. Nas palavras do

    teorizador, [...] tudo que diacrnico na lngua, no o seno pela fala (parole). na

    fala que se acha o germe de todas as modificaes: cada uma delas lanada, a

    princpio, por um certo nmero de indivduos, antes de entrar em uso. (Curso de

    Lingstica Geral, , 1989, p.116).

  • 26

    Com uma viso um pouco diferente de Saussure, surge a escola lingustica, embasada

    no estudo das variedades da lngua, denominada Sociolingustica, a qual no admite a

    existncia de uma cincia da linguagem que no seja social, como seu prprio nome j

    sugere. O iniciador desse modelo terico-metodolgico o americano William Labov.

    Foi ele quem mais de forma veemente insistiu na relao entre lngua e sociedade e na

    possibilidade real de se sistematizar a variao prpria da lngua, apresentando seu

    modelo como uma reao ausncia do componente social no modelo gerativo9

    .

    Labov une-se a Weinreich, e Herzog (2006) e, juntos, elaboram o que chamam de

    Teoria da Mudana, que apresenta uma proposta para a problemtica da variabilidade

    lingustica. Analisam vrios intentos para explicar os fenmenos lingusticos que se do

    em uma determinada comunidade. Estabelecem a crtica s teorias desenvolvidas por

    Hermann Paul e Ferdinand de Saussure, pois observam que para Saussure, como

    descrito acima, nesta seo, a variabilidade e a sistematicidade se excluam

    mutuamente, o que no acontece na Teoria da Mudana.

    A proposta apresentada para uma Teoria da Mudana Lingustica questiona e contraria o

    axioma da homogeneidade, que apresenta uma linha de conduta de que s possvel

    analisar estruturalmente a lngua se o recorte analisvel homogneo. Em outras

    palavras, os corpora para anlise de estrutura de determinada lngua, segundo esse

    axioma, devem ser constitudos de forma a considerar somente o que homogneo,

    idntico, rechaando teoricamente a variabilidade. Essa a questo fundamental a que

    se ope o texto de Weinreich, Labov e Herzog. Estes, para refutar tal axioma, elaboram

    o seguinte questionamento: se uma lngua tem que ser estruturada para que funcione

    eficientemente, como ela funciona enquanto a estrutura muda, j que se trata de um

    processo lento e gradual?

    O texto de Weinreich, Labov e Herzog estabelece o confronto com os estudos

    saussureanos. Em Saussure, como j dissemos, encontra-se a anlise de uma lngua 9 Tambm conhecido como gerativismo, trata-se de uma corrente lingstica criada por Noam Avram Chomsky, o qual afirma que o objetivo dos estudos lingsticos a competncia lingstica do falante-ouvinte ideal. Para ele a lngua inata ao ser humano, uma vez que, se a linguagem deriva de um fator gentico podemos afirmar que toda pessoa possui uma intuio gramatical.

  • 27

    apenas por seus aspectos homogneos. Pode parecer paradoxal e de fato pois

    Saussure define a lngua como fato social, porm, acaba considerando-a um sistema

    homogneo e excluindo das tarefas da Lingustica a preocupao com os fatores de

    ordem social. Ao analisar a lngua dedutivamente, Saussure acaba por no encontrar

    respostas para os fatos do discurso, j que estes so definidos por caracteres

    multiformes, os quais no eram considerados por sua definio de homogeneidade da

    lngua.

    Saussure enfatizou em seus trabalhos os estudos da Langue lngua em si mesma, j

    que esta pode ser repassada por meio da lngua escrita que envolve a descrio do

    conjunto de regras consideradas corretas em uma determinada lngua e que formam,

    assim, o cdigo da comunicao utilizado pelas pessoas, de forma linear e com carter

    arbitrrio. A lngua na perspectiva saussuriana ento caracterizada como um sistema

    de valores que se opem uns aos outros e que est depositado como produto social na

    mente de cada falante de uma comunidade.

    Outra famosa dicotomia Saussuriana est centrada no eixo da Sincronia/Diacronia,

    como formas de referencial terico temporal para os estudos lingsticos. Para Saussure,

    a Sincronia o estudo descritivo da linguagem, enquanto a Diacronia se sustenta como

    o estudo da lingstica histrica, estudo da mudana dos signos no eixo das sucesses

    temporais, a forma como o estudo das lnguas era tradicionalmente realizado no sculo

    XIX. No obstante reconhecer o eixo diacrnico de estudo lingstico, Saussure focou

    seus estudos no carter sincrnico, visando estabelecer os princpios fundamentais

    pertencentes a um determinado estado de lngua, ou seja, enfocando o sistema

    lingustico em funcionamento, num determinado momento, sem a perspectiva histrica.

    Tal enfoque contraria a Teoria da Mudana, que questiona exatamente o processo

    temporal, ou seja, diacrnico, em que as lnguas teriam tempo para se modificar. Para os

    autores dessa teoria, a questo social est intimamente ligada histrica.

    Weinreich, Labov e Herzog propem, ento, o abandono do axioma da homogeneidade

    de Saussure, e a constituio do axioma da heterogeneidade ordenada, segundo o qual,

    enquanto as mudanas lingusticas vo ocorrendo, o sistema cria mecanismos para se adequar a

    elas, sem que os falantes deixem de poder estabelecer comunicao entre si. Buscam

  • 28

    organizar a variabilidade da lngua (a lngua como uma realidade inerentemente

    varivel) dentro de uma ordenao coerente e organizada para entender-se.

    Quanto a Hermann Paul, tambm confrontado pelos autores da Teoria da Mudana,

    vinculou, em 1880, a mudana lingstica sucesso de geraes de falantes, teoria

    desenvolvida posteriormente por alguns pesquisadores ao longo do sculo XX,

    entretanto, insustentvel, pois para que isso acontecesse, alguns postulados deveriam ser

    considerados:

    a) o carter discreto das geraes (postular que elas se sucedem em blocos);

    b) o carter uniforme da transmisso (postular que todos os membros da nova gerao

    adotaro as mudanas)

    c) o aprendizado da lngua pelas novas geraes tendo como modelo principal a fala dos

    pais e dos adultos;

    d) a finalizao de uma mudana necessariamente no espao temporal de uma gerao.

    Tanto Paul como Saussure fazem seus recortes, considerando a homogeneidade. Paul

    parte de anlises idioletais e justifica as mudanas, dando relevncia aos aspectos

    psicofisiolgicos, ou seja, o falante procederia s mudanas por uma questo de

    facilidade do aparelho fonador. Diz que os dialetos so compostos pelos idioletos por

    um processo de uso lingstico (sprachusus) que se define como certa mdia de

    ocorrncias calculveis com base num recorte puramente arbitrrio de idioletos.

    Saussure insiste na homogeneidade. Essas teorias, segundo Faraco (2005), no tm

    respaldo emprico.

    Embora Paul apele para a noo de emprstimo, que justificaria a composio dos

    dialetos a partir da convergncia dos idioletos de uma mesma comunidade, no h

    aprofundamento dessa noo, j que no foi desenvolvida a ideia e, portanto, no vale

    como justificativa para embasar uma teoria.

    As contradies nesses estudos invalidam a homogeneidade. Assim, Weinreich, Labov

    e Herzog afirmam que nem Paul nem Saussure contribuem para a afirmao de uma

    teoria da Mudana Lingustica, pois ambos consideram apenas a homogeneidade. Seus

    recortes da realidade lingustica acontecem sempre considerando os aspectos

    unificadores da expresso lingustica; entretanto, h que se considerar o aspecto

  • 29

    dinmico da lngua e assim ver relevncia na mudana, na variao. V-se, ento, a

    possibilidade de se construir uma viso da lngua sob a considerao de que ela no

    uma instituio linear e homognea para todos os falantes daquela comunidade, eis a a

    Teoria da Mudana Lingustica: que sugere o estudo da lngua sob as consideraes de

    que ela um sistema diferenciado e busca explic-la, partindo da variao,

    metodicamente, ordenada. Apresenta a fundamentao emprica de seu modelo, que se

    divide em trs itens distintos:

    1) os dados empricos obtidos pela geografia lingstica;

    2) os dados retirados dos estudos do contato de lngua e dialetos;

    3) dados advindos do estudo sociolingstico.

    Metodologicamente, organiza as generalizaes implicadas numa fundamentao

    emprica, referindo-se a cinco problemas detectados: fatores condicionantes, transio,

    encaixamento lingustico e social, avaliao e implementao.

    Nem toda variao implica mudana, mas toda mudana pressupe variao (Faraco,

    2005). As mudanas lingusticas encontram-se intrinsecamente ligadas por um

    complexo jogo de valores sociais que podem bloquear, retardar ou acelerar sua

    expanso de uma para outra variedade de lngua .

    A Teoria da Mudana aborda, ento, os seguintes elementos j citados anteriormente

    para esclarec-los:

    a) A questo dos fatores condicionantes (mudanas e condicionantes possveis);

    b) A questo da transio (os estgios intervenientes entre dois estados de lngua);

    c) A questo do encaixamento (o entrelaamento das mudanas com outras que ocorrem

    na estrutura lingustica e na estrutura social);

    d) A questo da avaliao (os efeitos da mudana sobre a estrutura e o uso da lngua);

    e) A questo da implementao (razes para mudanas ocorrerem em certa lngua numa

    dada poca).

    Esse tratamento dado variao pela Teoria da Mudana significativo para nortear

    este estudo, pois, considerando a realidade lingustica da lngua espanhola, preciso ter

    em conta a enorme gama de aspectos sociais e temporais imbricados no processo de

  • 30

    variao dessa lngua. Vale enfatizar que, quando nos referimos variao, no o

    estamos fazendo somente do ponto de vista da variao interna da lngua, ou seja, dos

    processos diatpicos, diastrticos e diafsicos; mas nos referimos a toda a gama de

    variao produzida pelo falante nativo, em sua construo identitria. Por isso, cremos

    que a Teoria da Mudana nos fornece elementos tericos que sustentam uma viso mais

    abrangente do processo de mudana de uma lngua, ou seja, pela Teoria da Mudana

    possvel perceber com mais clareza o processo de extenso e nacionalizao lingustica

    do espanhol.

    1.3.2 A Variao Lingustica no Espanhol

    Para falar da variao do espanhol, vale um breve resumo sobre o comeo da expanso

    territorial da Espanha para o Novo Mundo. Cristvo Colombo foi o primeiro homem a

    comprovar o que muita gente, em sua poca, j desconfiava: o mundo, na verdade, tinha

    uma forma esfrica. Ele acreditava ser possvel viajar para o leste ou para o oeste e

    acabar retornando ao ponto de partida. Colombo nasceu em Gnova, cidade porturia no

    norte na Itlia, onde cresceu circulando entre navios e marinheiros. Naquela poca, o

    comrcio europeu com o Extremo Oriente, praticado principalmente por mercadores

    venezianos que seguiam a rota descoberta por Marco Plo, estava florescendo. O

    problema que o caminho terrestre de Plo era extremamente longo e difcil.

    Alguns navegadores, como Colombo, acreditavam na possibilidade de que o mundo era

    esfrico e estavam convencidos de que poderiam chegar ao Oriente, no leste, viajando

    para oeste.

    Hoje, sabemos que o mundo , de fato, uma esfera com grandes massas de terra nos

    hemisfrios oriental e ocidental. Mas, na Europa, at a poca de Colombo, em geral,

    acreditava-se que a Terra fosse achatada, como um prato, e quem navegasse para muito

    longe no oceano acabaria caindo pela borda.

    Colombo estava disposto a fazer a experincia potencialmente mortal de viajar a

    oeste para atingir o leste e saiu em busca de um governo que financiasse sua aventura.

    Os governantes das cidades italianas de Gnova e Veneza assim como de Portugal

    recusaram sua proposta. Ele procurou ento o rei Fernando V de Arago (1452-1516) e

  • 31

    a rainha Isabel I (1451-1504) de Castela, na Espanha, que concordaram em fornecer trs

    navios (Nina, Pinta e Santa Maria) e a tripulao necessria. Colombo zarpou do porto

    de Palos na Espanha, no dia 6 de setembro de 1492. Depois de uma longa viagem, no

    dia 12 de outubro de 1492, a expedio chega provavelmente onde hoje se localizam as

    Bahamas. Depois visitou o que atualmente corresponde aos territrios de Cuba e

    Repblica Dominicana.

    Poucos fatos mudaram tanto a histria da humanidade quanto a chegada de Cristvo

    Colombo s Amricas. Sabemos que Colombo no descobriu a Amrica, pois, quando

    ele chegou ao Caribe, havia cerca de nove milhes de nativos no hemisfrio ocidental.

    Estes, no entanto, no tinham idia de que houvesse um hemisfrio oriental, assim como

    os europeus nem desconfiavam da existncia de um continente a oeste. Os dois

    hemisfrios eram to diferentes e independentes como se realmente existissem em

    planetas separados.

    A descoberta de Colombo foi tratada com entusiasmo pelas autoridades espanholas, que

    fizeram um grande esforo na explorao e colonizao das terras recm-descobertas.

    Para elas, na verdade, Colombo havia mesmo descoberto um "Novo Mundo".

    A diversidade idiomtica da Amrica era extremamente grande, alguns linguistas

    estimam que o continente era o mais fragmentado linguisticamente, possuindo dezenas

    ou centenas de lnguas e dialetos (Greenberg,1987). Algumas dessas lnguas so

    consideradas de muita importncia tanto pelo nmero de falantes, quanto por suas

    contribuies ao espanhol: o nhuatl, o taino, o maia, o mapuche, o quechua e

    o guarani so algumas delas. Quando Colombo chegou, iniciou-se, ento, um processo

    de consolidao idiomtico, chamado de Hispanizao da Amrica.

    Parece-nos pertinente essa breve explanao sobre o processo de espanholizao da

    Amrica, para que compreendamos a complexidade da questo, quando nos referimos

    variao de um idioma construdo com muitos aportes em sua origem10

    10Antes da chegada dos romanos Pennsula Ibrica, no era possvel falar em unidade lingustica na prpria regio. Os alfabetos ibrico e tartsio serviram cada um para diversas lnguas. Muitas lnguas eram faladas ali. Muitos povos que habitavam as terras conservavam e estendiam suas lnguas medida da extenso de seus domnios: tartsios, fencios, gregos, fceos, cartagineses, ligures, celtas,

    . A lngua no

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9ricahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_castelhanahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_nahuatlhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Civiliza%C3%A7%C3%A3o_maiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_qu%C3%ADchuahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_guaranihttp://pt.wikipedia.org/wiki/Crist%C3%B3v%C3%A3o_Colombo
  • 32

    pode ser isolada dos fatores externos isto , de tudo aquilo que constitui a fisicidade, a

    historicidade e a liberdade expressiva dos falantes (Coseriu, 1979, p. 19).

    Vale lembrar que para Coseriu, a lngua deve ser entendida, primeiramente, como

    funo, depois como sistema, uma vez que, se ela funciona, no por ser um

    sistema; pelo contrrio, constitui-se um sistema a partir do momento que cumpre uma

    funo e essa funo liga-se a fatores histricos que, certamente, imprimem marcas na

    organizao sistmica da prpria lngua. Nesse raciocnio, Coseriu define uma lngua

    funcional (lngua que se pode falar) como um sistema de oposies funcionais e

    realizaes normais (Coseriu, 1979, p. 50). No h, a, nenhuma contradio entre

    sistema e historicidade, ao contrrio: a historicidade da lngua implica a sua

    sistematicidade (Coseriu, 1979, p. 16).

    A grande maioria dos falantes do espanhol, hoje, mais ou menos trezentos milhes,

    encontra-se na Amrica, numa vasta rea que se estende do sudoeste dos Estados

    Unidos at o extremo sul do continente, sem mencionar os numerosos grupos de

    falantes do espanhol como lngua nativa que se encontram nas grandes cidades do

    Estados Unidos, como Nova Iorque. Assim, de se esperar que haja uma gama de

    variaes a serem consideradas nessa imensa rea.

    Os estudos desenvolvidos sobre variao no espanhol americano tm se mostrado

    bastante centralizados, ou seja, as variantes vistas ficam sempre no mbito regional,

    entretanto esses corpora acabam generalizando a viso de determinada variante: aquilo

    que deveria ser visto como prprio de uma determinada comunidade lingustica

    generalizado. Por exemplo, ressalvados alguns estudos abrangentes, como o mapa

    lingustico das formas de tratamento em espanhol (Carricaburro, 1997) e como o estudo

    sobre o sistema pronominal do espanhol (Fontanella, 1999), as pesquisas sobre o

    muulmanos, e, definitivamente, os romanos contriburam na formao do que seria o espanhol, quando da consolidao da regio (Quesada, 1989).

  • 33

    voseo11

    generalizam esse aspecto lingustico para a Amrica Hispnica, quando, basta

    uma rpida reviso de literatura para entender que a questo de uso e valores desse

    referido aspecto reveste-se de uma imensa complexidade e no pode ser vista como um

    fator generalizante no mbito continental, como fazem os manuais e livros didticos de

    espanhol.

    Segundo Penny (2004), encontramo-nos, no caso do espanhol americano, diante de um

    continuum dialectal, cortado pelas fronteiras que separam cada repblica. Essa

    interseo entre continuum dialectal e fronteira pode ser menos arbitrria que em outras

    partes do mundo, como a frica e o Oriente Mdio, mas, onde se pode contar com

    informaes detalhadas sobre a presena e abrangncia de determinadas variantes,

    pode-se observar que as isoglosas raramente coinciden com fronteiras polticas.

    Essas fronteiras permitem confrontos lingusticos, que somados a novas modalidades de

    contato de lnguas, promovidas pelo fcil acesso a outras lnguas e culturas, no processo

    da globalizao, facilitam o surgimento de uma classe de variao que abarca os

    estrangeirismos sintticos e lexicais.

    Na Espanha, alguns estudos mostram certa resistncia s mudanas, por exemplo, o

    conceito de neoespanhol (Carreter,1997) avalia, segundo uma viso de lngua histrica,

    as novas tendncia de criao e construo no espanhol da Espanha, seguindo uma

    metodologia que se baseia na premissa de que a alterao da lngua no pode ser

    procedida por qualquer falante. Sobre isso, encontramos o seguinte:

    A los practicantes del neoespaol Lzaro Carreter les recuerda las leyes pocas pero

    augustas que rigen en la utpica Ciudad de la Palabra:

    1. Habla y escribe de modo que todos te entiendan y reconozcan en ti un conciudadano

    civilizado.

    11 a substituio do tratamento informal de segunda pessoa do singular (t) pelo pronome vos, consequentemente, carregando todas as adaptaes verbais e pronominais inerentes a este aspecto lingstico. Ocorre em algumas comunidades lingusticas especficas, com predominncia em pases hispano-americanos.

  • 34

    2. Procura que tu idioma, construido por tus predecesores a lo largo de varios siglos, y en

    el que se expresa una noble y gigantesca comunidad cultural, contine permitiendo que sta

    exista. 3. S humilde: deja que slo innoven los que saben. Si eres mentecato, no por decir relax,

    prioritario, tema, en base a, dejars de serlo. 4. Slo humanos habitamos en la Ciudad de la Palabra; no la conviertas en zahrda.

    (Lzaro Carreter, 1997, p.76)

    Nota-se a disposio para defender a castidade da lngua espanhola. As crticas

    estabelecidas variao chegam a ponto de reclamar para poucos a prerrogativa de

    mudana na lngua.

    Os estudos de Carreter (1997) se organizam em Ortografia, Morfologia e Sintaxe, ou

    seja, a anlise realizada por blocos. Temos, assim, agrupados os desvios12

    ,

    dividindo-os em grupos, segundo a diviso habitual das gramticas normativas:

    Fontica e Fonologia, Morfologia e Sintaxe.

    Um breve confronto entre a proposta de Lzaro Carreter (1997) e o Dicionrio Pan-

    hispnico de Dvidas mostrou-nos certa divergncia entre o que aceito, o que est

    condenado e o que se indica como norma (percebamos que tanto os enunciadores do

    DPD, quanto Fernando Lzaro Carreter possuem legitimidade para discutir o assunto

    e orientar o falante para possveis resolues de problemas, j que este um acadmico

    conceituado e aqueles representam, nessa obra, a prpria RAE. O reconhecimento do

    falante nativo do espanhol constri suas imagens como legtimos representantes da

    lngua, validando suas teses). Verificamos a formao do feminino de algumas palavras,

    como juez/jueza, bedel/bedela e fiscal/fiscala. Embora estes termos constem da anlise

    deste estudo, apresentada mais adiante, podemos adiantar que enquanto Carreter no

    admite a formao com o acrscimo da desinncia a, o DPD tenta comtemplar a

    variao e dar conta dessa mudana, isto , a possibilidade de se usar os femininos de

    juez, bedel e fiscal, formados com o acrscimo desidencial; e no pelo uso do artigo.

    12 Termo usado por Fernando Lzaro Carreter, em seu livro El Dardo en la Palabra (1997), referindo-se a algumas classes de variao.

  • 35

    Ao contrrio desses casos relacionados ao lxico, que se referem ao gnero dos

    substantivos que nomeiam profisses; as alteraes de sentido e uso das formas verbais,

    que no constam no DPD so temas de anlise para Carreter(1997). Vejamos a

    apreciao de Zorraquino (2001):

    El primero es muy frecuente en la prensa deportiva (el extremo recuper el baln que

    perdiera) y le parece a Lzaro ms afn al preciosismo de las damas molierescas que

    al bronco rugir de las canchas (op. cit.: 384), en la medida en que resucita el sintagma

    derivado del pluscuamperfecto de indicativo latino (amaveram), tan frecuente en el

    Romancero (yo me levantara, madre, / maanita de San Juan).

    El segundo aparece continuamente en el periodismo informativo y refleja un valor

    epistmico: transmitir la opinin ajena el condicional de la presuncin o el rumor

    (Israel dispondra de la bomba atmica) (op. cit.: 387), que resulta nuevo dentro del

    sistema verbal espaol (es, segn el autor, un calco del francs). En los dos casos se

    advierten, adems, tanto su adscripcin a gneros discursivos determinados, como el

    deseo urgente, en sus emisores, de diferenciarse y jergalizar la lengua que emplean.

    (Martn Zorraquino, 2001)

    Em concluso, vrias marcas discursivas nas colocaes de Carreter denotam a questo

    ideolgica, relacionada ao estabelecimento da norma lingustica.

    A travs del examen sabio, riguroso y, a menudo, irnico de los usos desviados de

    cientos de palabras y construcciones de nuestra lengua, se nos desvela cmo es

    actualizada sta por una gran masa de ciudadanos. Lzaro censura sobre todo a los

    periodistas, y tambin a los polticos, a los escritores, a los profesores y a los

    estudiantes, porque, en cuanto profesionales de la palabra, estn especialmente

    obligados a cuidar de ella.

    El autor critica as, lo que l suele denominar el neoespaol, que deforma el uso

    cannico del idioma de diversas maneras

    (Martn Zorraquino, 2001)

    Lzaro Carreter, entretanto, admite a variao como algo inevitvel, pois, conforme

    suas prprias palavras, a lngua individual, realiza-se individualmente, assim, seria

    oportuno dizer que a variao inevitvel. A questo que pelo artigo de Zorraquino,

    podemos perceber a inteno de que a normatividade se imponha sobre a variao,

    numa tentativa de manuteno de um idioma casto e puro.

  • 36

    La lengua cambia est cambiando permanentemente. Lo recuerda Lzaro Carreter

    tambin en las pginas liminares de su libro. Por ello mismo, el autor seala la tensin

    continua entre dos tendencias en el empleo del idioma: la centrpeta los hablantes

    tratan de mantener la lengua intacta y la centrfuga actan en sentido contrario:

    crean nuevas palabras, introducen matices nuevos en las que ya existen, adoptan

    extranjerismos, modifican expresiones porque, a menudo, las reinterpretan, etc. De

    modo que es una tarea compleja determinar lo que es correcto y proscribir lo que

    resulta desviado en la lengua que utilizamos a diario: (... ) es cierto que una actividad

    de este tipo se funda en una base subjetiva incompatible en gran parte con el rigor

    cientfico; el idioma vive en cada hablante, en m por tanto, de un modo que otro u

    otros pueden objetar razonadamente (Lzaro Carreter, 1997)

    Palavras e termos como desviaciones, espaol correcto, problema de la correccin

    idiomtica, lengua estndar, hechos errneos o impropios de la lengua so

    normalmente utilizadas desde uma perspectiva normativa. Segundo Coseriu (1981),

    toda lngua apresenta variao interna, em forma de diferenas mais ou menos

    profundas, que correspondem a trs tipos fundamentais: diferenas diatpicas (no

    espao geogrfico), diferenas diastrticas (entre os estratos socioculturais da

    comunidade lingustica) e diferenas diafsicas (entre os diversos tipos de modalidade

    expressiva). A questo que quando se tematiza a variao, geralmente, no estamos

    nos referindo s variaes inerentes aos processos diatpicos, diastrticos e diafsicos

    da lngua, mas a um processo cotidiano de necessidade do falante em criar, dar novos

    matizes aos termos e construes, adaptar. contra esse processo que tambm

    natural pois tem carter sociolingustico o que o legitima que o acadmico parece

    se colocar.

    A lngua no est unicamente estruturada pelo plano universal da cognio, da memria

    e da lgica humana, mas, tambm, pelo uso que o falante faz dela em sua comunidade

    lingstica prpria. Por exemplo, na frase Es bueno que has venido, tem-se um uso de

    indicativo por subjuntivo. Ento, poderamos encontrar, numa norma dita

    estandardizada, a frase Es bueno que hayas venido. Uma coisa que algum entenda

    o mesmo, ou o que queira dizer o mesmo; outra coisa dizer que ambas as frases

    signifiquem a mesma coisa. Querer dizer e entender so conceitos que se referem

    performance, ou seja, s coisas ou situaes que so objetos da comunicao lingstica;

    significar, pelo contrrio, s tem a ver com as formas idiomticas em que consiste essa

    comunicao. O fato de que, na prtica, has venido e hayas venido possam ser de

  • 37

    igual valor no significa que essas formas sejam sinnimas, antes, significam que o

    falante renunciou ao uso das diferenas. Em outras palavras, so os atos de fala diretos e

    indiretos promovendo uma relao pragmalingustica que deve ser considerada no

    mbito da variao, porque se constitui, linguisticamente, em possibilidades de

    variantes geradas no mbito interno (cognio) do processo de realizao do ato de fala

    (Kerbrat-Orecchioni,2005).

    iluso de crer em uma lngua nica, hermtica, cujas regras gramaticais contemplem

    todas as variveis (Fernndez, 2001). Fernndez (2001) parte de um princpio geral: a

    lngua varivel e se manifesta de modo varivel. Este princpio supe que os falantes

    recorrem a elementos lingusticos diferentes para expressar contedos diferentes e, ao

    mesmo tempo, podem usar elementos lingusticos diferentes para dizer a mesma coisa.

    evidente que a lngua se manifesta de modo varivel, mas por que se diz que a lngua

    varivel? Logicamente se existe a crena na variedade da lngua porque se aceita a

    possibilidade de que essa variao faa parte de sua essncia, porque se admite que o

    varivel esteja presente no que alguns chamam de sistema, ou lngua ou langue e outros

    chamam de competncia (Fernndez, 2001).

    Quando se identifica um fenmeno de variao (variao que supe a existncia de

    formas diferentes de dizer a mesma coisa) surgem, de imediato, perguntas, como: por

    que se produz tal variao? Como se originou? As respostas costumam apontar fatores

    extralingusticos, fatores como a geografia, a histria, a situao comunicativa, em seu

    sentido mais amplo, ou determinados elementos sociais. Mas nem sempre assim, por

    isso, estudos apontam para o fato de elementos, que determinam a apario de variantes

    lingusticas em certas circunstncias e de outras variantes em circunstncias diferentes

    dentro de uma mesma comunidade de fala poderem responder a quatro possibilidades:

    a) que as variantes venham determinadas exclusivamente por fatores

    lingusticos;

  • 38

    b) que as variantes venham determinadas exclusivamente por fatores

    extralingusticos;

    c) que as variantes venham determinadas conjuntamente por fatores

    lingusticos e extralingusticos;

    d) que as variantes no venham determinadas por fatores lingusticos nem por

    extralingusticos.

    Segundo Fernndez (2001), no ltimo caso, o mais provvel no a ausncia de

    determinao por parte desses tipos de fatores, mas talvez a falta de resposta ou de

    explicaes por parte dos especialistas. Se algo no est determinado por um ou por

    outro fator, mais razovel pensar na incapacidade dos estudiosos, que na

    inexplicabilidade da lngua.

    Considerando esta reflexo, preciso insistir no fato de que a variao, definida como o

    uso alternativo de formas diferentes de dizer o mesmo, pode ser encontrada em todos os

    nveis da lngua, desde o mais concreto (fontico-fonolgico), ao mais amplo (discurso),

    passando pela gramtica e pelo lxico.

    As referncias e precises do termo norma lingustica se desdobram e geram tantas

    normas como so as convenincias para definies e conceitos: norma acadmica,

    norma exemplar, norma lingustica, norma idiomtica, norma lingustica culta, norma

    lingustica castelhana, norma hispnica, norma nacional, norma regional, norma local,

    norma social, norma sociolingustica, norma escolar, norma informtica, etc. Porm,

    no se pode afirmar com garantia de certeza que em dada regio ou em um certo grupo

    social uma determinada norma ser a nica norma. O conceito de norma, na verdade,

    como j vimos nessa pesquisa, abstrato e subjetivo. Os limites da existncia, ou

    melhor, da extenso da norma vigente em determinado tempo e espao so flexveis e

    alternam quando e em que situao se encontra localizada a ao lingustica (Zamora

    Salamanca, 1985:227-249). Em sua determinao especfica intervm fatores

    lingusticos, pragmalingusticos, socioculturais, histrico-polticos, psicolgicos, aos

    quais, em se tratando de lngua espanhola, h que se dar especial ateno, por sua

    abrangncia.

  • 39

    As variantes impem diferenas de toda sorte. Por exemplo, um espanhol que visita a

    Argentina, apesar de ser falante da lngua espanhola, quando enuncie, provvel que

    seu interlocutor no se d conta de alguns aspectos da mensagem.

    As muitas variantes se devem extenso geogrfica que ocupa o espanhol,

    diversidade de formas correspondentes e variedade das modalidades lingusticas.

    Baseada nessa diversidade, que deveria ser vista como um patrimnio, a RAE tenta

    justificar a proposta de unidade, baseada na orientao pan-hispnica, alegando a

    necessidade de proteo da lngua: manuteno das formas ortogrficas e gramaticais do

    idioma.

    Na tentativa de defesa do idioma, encontramos de um lado a atual poltica lingustica

    das academias, preconizando a igualdade hierrquica entre as variantes; de outro lado, a

    realidade demonstra que umas so mais iguais que outras, ou seja, algumas variantes

    contam com maior prestgio, e a atribuio desse prestgio pode estar baseada em

    interesses econmicos corroborados pela casta intelectual dos pases economicamente

    mais fortes.

    Uma questo que nos leva a essa anlise est na pgina eletrnica do Real Academia

    Espanhola:

    La Asociacin

    En 1951, y por iniciativa del presidente Miguel Alemn, se convoc en Mxico el I

    Congreso de Academias de la Lengua Espaola, en el cual se acord la constitucin de la

    Asociacin de Academias de la Lengua Espaola. Su fin primordial es trabajar

    asiduamente en la defensa, unidad e integridad del idioma comn, y velar porque su

    natural crecimiento sea conforme a la tradicin y naturaleza ntima del espaol.

    Comisin Permanente

    La Comisin Permanente, Junta Directiva de la Asociacin, est compuesta por un

    presidente (de la Real Academia Espaola), un secretario general, electo entre los

    acadmicos hispanoamericanos en sus congresos cuatrienales, un tesorero (de la Real

    Academia Espaola) y cuatro vocales de las Academias asociadas.

    Su misin es coordinar los trabajos de todas las Academias que colaboran intensamente

    con la Espaola en la elaboracin de sus obras ms representativas. En concreto, coordina

    la preparacin de los Congresos de la Asociacin de Academias de la Lengua Espaola que

  • 40

    se celebran cada cuatro aos, o antes si fuese posible. (As marcaes em negrito so

    nossas.)

    Pgina eletrnica da RAE

    Vejamos, ento, que a organizao do quadro diretivo da Associao corrobora a ideia

    de que umas variantes so mais iguais que outras. Se assim no fosse, por que os

    postos estratgicos de diretor e tesoureiro seriam prerrogativas somente de espanhis?

    Pode-se perceber que a interferncia econmica sobre a questo lingustica algo

    complexo na formulao de polticas lingusticas para o espanhol.

    1.4 A REAL ACADEMIA ESPANHOLA: AUTORIDADE COMO NORMA

    A Real Academia Espanhola foi fundada em 1713, por iniciativa de Juan Manuel

    Fernndez Pacheco, Marqus de Villena. Felipe V aprovou a sua constituio em 3 de

    outubro de 1714 e a colocou sob seu amparo e sua real proteo.

    Seu propsito foi o de registrar palavras e construes lingusticas da lngua castelhana

    com maior propriedade, primando pela elegncia e pela pureza. Essa finalidade foi

    representada por um emblema formado por um crisol no fogo com a legenda Limpia,

    fija y da esplendor, o que representava o propsito de combater tudo o que alterasse a

    elegncia e pureza do idioma, bem como de fix-lo pelo estado de plenitude alcanado

    no sculo XVI13

    Segundo a descrio em sua pgina eletrnica, a RAE vem adaptando as suas funes ao

    tempo. Atualmente, segundo o estabelecido pelo artigo primeiro de seus Estatutos, a

    Academia tem como misso principal velar para que as mudanas que experimente a

    lngua espanhola, em suas constantes adaptaes s necessidades de seus falantes, no

    quebrem a essencial unidade que o idioma mantm em todo o mbito hispnico.

    .

    Pela relevncia da citada legenda constante no smbolo da RAE (um exemplo da

    pretensiosa proposta de controle total da lngua), apresentamo-lo aqui para melhor

    observao:

    13 Siglo de Oro Apogeu da Cultura Espanhola.

  • 41

    1.5 PAN-HISPANISMO 1.5.1 A construo do pan-hispanismo

    A nova poltica lingustica da RAE vem construda por um discurso de

    desnacionalizao da lngua espanhola e sua dissociao de cultura especfica da

    Espanha (Valle, 2007). O movimento de dissociar a lngua de sua cultura constri a

    imagem de uma lngua livre dos elos que a mantm regionalizada. O Espanhol da

    Espanha, por essa construo, no mais o espanhol da Espanha, pois no est ligado

    cultura espanhola, mas o espanhol do mundo, pois promove um sentimento de

    universalidade que envolve falantes nativos da lngua espanhola de todas as partes do

    mundo. Desnacionalizar o espanhol da Espanha significa expandi-lo a todos os pases

    da Amrica espanhola que o compartilham. Eis a proposta pan-hispnica. Essa proposta

    especialmente uma poltica lingustica meticulosamente construda, com longa

    preparao para a sua instaurao. Os portavozes dessa poltica lingustica espanhola

    iniciam essa construo com o rechao do nacionalismo lingustico. Isso significa que a

    premissa de que a lngua a encarnao da cultura de um povo e o modo de interpretar

    a experincia vital humana est desconstruda e d lugar a uma noo de lngua no

    mais focada na comunidade lingustica a que pertence, mas nas vrias comunidades que

    desejem dividir essa viso de compartilhamento lingstico.

    Nesse sentido, Francisco Marcos Marin, Diretor do Instituto Cervantes, em 2001,

    afirmava, no suplemento cultural do jornal ABC de Madrid, a separao conceitual

    entre lngua e cultura: Frente a toda idia de mente coletiva ou de propriedade da

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    comunidade de falantes, a lngua deve ser estudada como propriedade individual: a

    identidade lingustica no implica identidade cultural (Marin, 2001).

    Uma vez dissociada do conceito de cultura, a lngua fica neutralizada como elemento

    potencialmente constitutivo da nao, ao menos nas formulaes romnticas desta.

    Poder-se-ia, ento, a partir de nacionalismos mais cvicos, afirmar o valor da lngua

    como marca de uma nao; porm, outro intelectual viria desconstruir esta assertiva.

    Gregrio Salvador, membro da RAE, em 1995, afirmava:

    O espanhol no senha de identidade nem problema de bandeira, a velha lngua de mil anos e milhares de caminhos no mais verncula em parte nenhuma, nem sequer na velha Castela, onde nasce. Transformou-se num valiosssimo instrumento de comunicao entre os povos, transformou-se num idioma plurinacional e multitnico (Salvador, 1995).

    Vemos aqui que estes fillogos, diretamente vinculados a instituies de implementao

    de poltica lingustica de promoo do espanhol, abraam uma concepo de lngua

    uma ideologia lingustica que parece situ-los no polo oposto do nacionalismo

    lingustico clssico, q