O Último Verão Europeu

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0 verão de 1914 teve o início mais glorioso de que os europeus eramcapazes de se lembrar. Nos bastidores, porém, nascia de forma inexorávela mais destrutiva das guerras que o mundo já conhecera até então — umaguerra cujas consequências continuam a influenciar o mundo do século XXI.A questão de como começou a Primeira Guerra Mundial vem intrigandohistoriadores há várias décadas. Muitos citam como motivo para o conflitoo assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando; outros chegaram àconclusão de que ninguém foi responsável. Mas David Fromkin — cujorelato está baseado nas mais recentes pesquisas — dá uma respostadiferente a essa pergunta. Ele deixa claro que a hecatombe que iriadilacerar o continente foi iniciada de maneira deliberada.Em uma narrativa fascinante que traz paralelos assustadores

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0 verão de 1914 teve o início mais glorioso de que os europeus eram capazes de se lembrar. Nos bastidores, porém, nascia de forma inexorável a mais destrutiva das guerras que o mundo já conhecera até então — uma guerra cujas consequências continuam a influenciar o mundo do século XXI.A questão de como começou a Primeira Guerra Mundial vem intrigando historiadores há várias décadas. Muitos citam como motivo para o conflitoo assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando; outros chegaram à conclusão de que ninguém foi responsável. Mas David Fromkin — cujo relato está baseado nas mais recentes pesquisas — dá uma resposta diferente a essa pergunta. Ele deixa claro que a hecatombe que iria dilacerar o continente foi iniciada de maneira deliberada.Em uma narrativa fascinante que traz paralelos assustadores com os acon­tecimentos de nossa própria época, Fromkin mostra que não foi travada apenas uma guerra, mas duas, e que a primeira serviu de pretexto para a segunda. Abordando de forma esclarecedora temas atuais como guerra preventiva e terrorismo, o autor descreve em detalhes as negociações e traça retratos incisivos dos diplomatas, generais e líderes protagonistas do conflito: o cáiser alemão, o tsar da Rússia, o primeiro-ministro britânico. E revela como e por que as iniciativas diplomáticas que tentaram evitá-lo estavam fadadas ao fracasso.

“Alia um estilo direto e arrebatador a um impressionante domínio de fontes antigas e novas. ”

P u b l i s h e r s W e e k l y“A clareza e ousadia da tese de Fromkin já são suficientes para

justificar o interesse do leitor, mas a fluidez de sua narrativa certamente conquistará para seu livro um público mais amplo. ”

B o o k l i s t

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“0 céu de onde despencou a Europa não estava vazio; ao contrário, esta­va carregado de processos e poderes. As forças que iriam dilacerá-lo —

nacionalismo, socialismo, imperialis­mo e afins — estavam havia muito em movimento. 0 mundo europeu já vinha sendo assaltado por ventos de grande altitude. Havia muito navega­va em céus perigosos. 0 comandante e a equipagem o sabiam. Mas os pas­sageiros, pegos completamente de surpresa, ficaram se perguntando in­sistentemente: por que não receberam nenhum aviso?”

Escrito pelo conceituado historiador norte-americano David Fromkin — autor do grande sucesso A Peace to End AU Peace (Uma Paz para Pôr Fim a Toda Paz), sobre a génese do Oriente Médio moderno —, O Último Verão Europeu é uma ousada e extremamente bem docu­mentada reavaliação das causas da Pri­meira Guerra Mundial de 1914-1918.Sob muitos aspectos, as décadas que pre­cederam a Grande Guerra foram bastante parecidas com a nossa própria época:

I um período de conferências sobre desar­mamento, "^bnlhíirnn dn nrnna*—

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O arquiduque Francisco Ferdinando e sua família

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Vista aérea de Sarajevo em 1914

O arquiduque e a duquesa começam o dia em Sarajevo, 28 de junho de 1914.

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O cenário da primeira tentativa de assassinato

O casal real deixa a prefeitura.

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A prisão de Gavrilo Princip

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Imperador Francisco José I

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Presidente Woodrow Wilson e secretário de Estado William Jennings Bryan, dos Estados Unidos

Coronel Edward House, enviado diplomático de Wilson

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Primeiro-ministro sérvio, Nicola Pasic

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O líder do Exército austro-húngaro, Conrad von Hõtzendorf

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Conde von Berchtold, ministro das Relações Exteriores da Áustria

Primeiro-ministro britânico, Herbert Asquith

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Sir Edward Grey, secretário britânico das Relações Exteriores

David Lloyd George, ministro das Finanças

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Winston Churchill, primeiro lorde do Almirantado

Serge Sazonov, ministro das Relações Exteriores da Rússia

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O tsar Nicolau II e o presidente francês, Raymond Poincaré

Em Paris, o rei George V e o presidente Poincaré

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Joseph Caillaux, primeiro-ministro da França

A senhora Caillaux

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O cáiser Guilherme II e o general von Moltke inspecionando manobras

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Alfred von Tirpitz, almirante alemão

Príncipe Karl Lichnowsky, embaixador alemão na Grã-Bretanha, saindo do Ministério das Relações Exteriores quando a guerra começou

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VERAO EUROPEUQ U E M C O M E Ç O U A G R A N D E G U E R R A D E 1 9 1 4 ?

T radução Renato Aguiar

O B J E T I V A

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Copyright @ 2004 David FromkinTradução publicada mediante acordo com Alfred A. Knopf, uma divisão da Random House, Inc.

Título original:Europe’s Last Summer: Who Started the Great War in 1914?

Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA OBJETIVA LTDA. Rua Cosme Velho, 103 Rio de Janeiro - RJ - CEP: 22241-090 Tel.: (21) 2556-7824 - Fax: (21) 2556-3322 www.objetiva.com.br

Todas as ilustrações reproduzidas com permissão da Illustrated London News Library exceto: “Coronel Edward House” e “Conde Graf Berchtold” (Hulton-Deutsch Collection/Corbis); “General alemão Erich von Falkenhayn” (Corbis); e “Almirante alemão Alfred von Tirpitz” (Bettman/Corbis).

Fotos de capaOn The Ladies Way - ©Hulton-Deutsch Collection/ CORBIS Hand Holding Burning Matching - ©Bettmann/ CORBIS Fotógrafo: Philip Gendreau

CapaPedro Gaia e Felipe Mello sobre design original de Evan Gaffney

RevisãoUmberto de Figueiredo Pinto Taís Monteiro Marilena Moraes

Editoração Eletrônica FA Editoração Eletrônica

F931uFromkin, David

O último verão europeu : Quem começou a grande guerra de 1914? / David Fromkin. Tradução de Renato Aguiar. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2005.

388 p. ISBN 85-7302-654-5Tradução de: Europe's last summer: Who started the great war in 1914?

1. Europa — História — Guerra ( 1914 ). 2. Primeira guerra mundial. I. Título

CDD 940.4

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Para Alain Silvera

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A transição peremptória de uma paz aparentemente profunda a uma guerra geral violenta em poucas semanas em pleno verão de 1914 conti­nua a desafiar as tentativas de explicação.

— JOHN k eegan , A Primeira Guerra Mundial

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SUMÁRIO

Mapa 13

PRÓLOGO(i) Do nada 15

(ii) A importância da questão 17(iii) Um verão a ser lembrado 25

PARTE UM AS TENSÕES EUROPÉIAS

CAPÍTULO 1 CHOQUE DE IMPÉRIOS 31 CAPÍTULO 2 LUTA DE CLASSES 35

CAPÍTULO 3 DISPUTA ENTRE NAÇÕES 37 CAPÍTULO 4 ARMAMENTO DOS PAÍSES 42

CAPÍTULO 5 PROFECIAS DE ZARATUSTRA 54 CAPÍTULO 6 ALINHAMENTO DIPLOMÁTICO 58

PARTE DOIS ANDANDO EM CAMPOS MINADOS

CAPÍTULO 7 A QUESTÃO ORIENTAL 65 CAPÍTULO 8 UM DESAFIO PARA O ARQUIDUQUE 67

CAPÍTULO 9 ALEMANHA EXPLOSIVA 70

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PARTE TRÊS À DERIVA PARA A GUERRA

CAPÍTULO 10 MACEDÔNIA - FORA DE CONTROLE 83 CAPÍTULO 11 ÁUSTRIA - PRIMEIRA A DAR PARTIDA 87

CAPÍTULO 12 FRANÇA E ALEMANHA FAZEM SEU JOGO 93 CAPÍTULO 13 A ITÁLIA TOMA POSSEs OS BÁLCÃS TAMBÉM 100

CAPÍTULO 14 A MARÉ ESLÁVICA 104 CAPÍTULO 15 A EUROPA À BEIRA DO PRECIPÍCIO 112

CAPÍTULO 16 MAIS ABALOS NOS BÁLCÃS 116 CAPÍTULO 17 UM AMERICANO TENTA DETER O PROCESSO 122

PARTE QUATRO ASSASSINATO!

CAPÍTULO 18 A ÚLTIMA VALSA 133 CAPÍTULO 19 NA TERRA DOS ASSASSINOS 138

CAPÍTULO 20 A CONEXÃO RUSSA 150 CAPÍTULO 21 OS TERRORISTAS ATACAM 153

CAPÍTULO 22 A EUROPA BOCEJA 158 CAPÍTULO 23 DESCARTE DOS CORPOS 166

CAPÍTULO 24 REUNINDO OS SUSPEITOS 168

PARTE CINCO MENTINDO

CAPÍTULO 25 ALEMANHA ASSINA CHEQUE EM BRANCO 175 CAPÍTULO 26 A GRANDE FRAUDE 185

CAPÍTULO 27 BERCHTOLD PERDE O PRAZO 191 CAPÍTULO 28 MANTÉM-SE O SEGREDO 193

PARTE SEIS CRISE!

CAPÍTULO 29 O itt/TN Ã O FOI AC C O M PLI 197 CAPÍTULO 30 APRESENTANDO O ULTIMATO 208

CAPÍTULO 31 A SÉRVIA MAIS OU MENOS ACEITA 220

PARTE SETE CONTAGEM REGRESSIVA

CAPÍTULO 32 CARTAS NA MESA EM BERLIM 227CAPÍTULO 33 26 DE JULHO 232

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CAPÍTULO 34 27 DE JULHO 238CAPÍTULO 35 28 DE JULHO 244CAPÍTULO 36 29 DE JULHO 250CAPÍTULO 37 30 DE JULHO 256CAPÍTULO 38 31 DE JULHO 262

CAPÍTULO 39 1“ DE AGOSTO 265CAPÍTULO 40 2 DE AGOSTO 272CAPÍTULO 41 3 DE AGOSTO 277CAPÍTULO 42 4 DE AGOSTO 279

CAPÍTULO 43 DESTRUINDO PROVAS

PARTE OITO O MISTÉRIO DESVENDADO

CAPÍTULO 44 REUNIÃO NA BIBLIOTECA 287 CAPÍTULO 45 O QUE NÃO ACONTECEU 289

CAPÍTULO 46 A CHAVE PARA O QUE ACONTECEU 301 CAPÍTULO 47 QUAL O PORQUÊ? 308

CAPÍTULO 48 QUEM PODERIA TER IMPEDIDO? 314 CAPÍTULO 49 QUEM COMEÇOU? 318

CAPÍTULO 50 PODERIA ACONTECER OUTRA VEZ? 324 CAPÍTULO 51 RESUMINDO 327

EPÍLOGOCAPÍTULO 52 A GUERRA DA ÁUSTRIA 331

CAPÍTULO 53 A GUERRA DA ALEMANHA 335

Apêndice 1: A Nota Austríaca 339 Apêndice 2: A Resposta Sérvia 345

Quem Era Quem 349 Notas 353

Bibliografia 365 Agradecimentos 373 índice Remissivo 375

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PRÓLOGO(i) Do nada

Pouco depois das onze horas da noite de domingo, 29 de dezembro de 1997, o vôo 826 da United Airlines, um Boeing 747 transpor­

tando 374 passageiros e 19 tripulantes, havia cumprido duas horas da sua programada viagem sobre o Pacífico, de Tóquio a Honolulu.1 O avião alcançara a altitude de cruzeiro indicada, entre 31 e 33 mil pés. O serviço de bordo estava quase terminando. A viagem transcorria sem novidades.

Num instante terrível, tudo mudou. O avião foi atingido, sem avi­so, por uma força invisível. Abruptamente, levantou o nariz, e depois mergulhou em queda livre. Corpos gritando voaram em todas as dire- ções, batendo no teto e em carrinhos de serviço. Uma japonesa de 32 anos morreu e 102 pessoas ficaram feridas. Recuperando o controle do Jumbo, o capitão e sua tripulação conduziram o vôo 826 de volta ao aeroporto japonês de onde havia decolado horas antes.

O que houve de tão assustador no episódio foi o seu caráter inescrutável. Até o momento do impacto, aquele fora um vôo normal. Não houve qualquer razão para esperar que algo pudesse acontecer. Não houve qualquer aviso: nenhum raio ou clarão no céu. O que quer que

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PRÓLOGO

fosse “aquilo”, não deu para ver que ia acontecer. Os passageiros não ti­nham idéia do que os tinha atingido, e as companhias aéreas não estavam em condições de garantir que algo semelhante não aconteceria outra vez.

Especialistas citados pelos meios de comunicação acreditavam que o vôo 826 havia sido vítima do que eles chamam de “turbulência de céu ou ar claro”. Eles a associavam a um tornado horizontal, mas um torna­do que não se pode ver. Alguns dos especialistas entrevistados expressa­ram sua esperança de que em poucos anos algum tipo de tecnologia de radar fosse desenvolvido para detectar essas tempestades invisíveis antes de elas romperem. A transparência da atmosfera significa pouco, apren­deu o público deste episódio; o céu calmo pode irromper em furia tão repentinamente quanto o oceano.Especula-se que algo parecido com esse ataque de turbulência de céu claro tenha ocorrido com a civilização européia em 1914, durante a sua passagem do século XIX para o século XX. O mundo da década de 1890 tinha sido, à semelhança da nossa própria época, um tempo de congres­sos internacionais, conferências de desarmamento, globalização da eco­nomia mundial e iniciativas visando implantar algum tipo de liga de nações para banir a guerra. O público esperava que um longo período de paz e prosperidade se estendesse indefinidamente.

Em vez disso, o mundo europeu mergulhou descontrolado, despe­daçando-se e explodindo em décadas de tirania, guerra mundial e assas­sinato em massa. Que tornado terá varrido a Velha Europa civilizada e o mundo que ela então dominava? Retrospectivamente, a passagem pode ser menos misteriosa do que imaginaram alguns contemporâneos que a experimentaram. Os anos de 1913e 1914 foram anos de perigos e dis­túrbios. Nas primeiras décadas do século XX, havia sinais de que a catás­trofe poderia eclodir logo adiante; nós podemos vê-los agora, os líderes militares e políticos podiam vê-los então.

O céu de onde despencou a Europa não estava vazio; ao contrário, estava carregado de processos e poderes. As forças que iriam dilacerá-lo— nacionalismo, socialismo, imperialismo e afins — estavam havia muito em movimento. O mundo europeu já vinha sendo assaltado por ventos de grande altitude. Havia muito navegava em céus perigosos. O coman­dante e a equipagem o sabiam. Mas os passageiros, pegos completamen­

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te de surpresa, ficaram se perguntando insistentemente: por que não receberam nenhum aviso?

(ii) A importância da questãoNo verão de 1914, estourou na Europa uma guerra que se espalhou pela África, Oriente Médio, Ásia, Pacífico e Américas. Hoje, um tanto im­precisamente conhecida como Primeira Guerra Mundial, ela acabou se tornando, sob muitos pontos de vista, o maior conflito que o planeta jamais tinha conhecido. E mereceu o nome pelo qual então foi chama­da: a Grande Guerra.

Para entrar na disputa, os países do planeta alinharam-se numa ou noutra de duas coalizões mundiais. Liderada pela Grã-Bretanha,* Fran­ça e Rússia, uma delas era chamada de Tríplice Entente;* a outra, lide­rada pela Alemanha e pela Áustria-Hungria, foi inicialmente conhecida como a Tríplice Aliança.^ Entre si, as duas coalizões mobilizaram cerca de 65 milhões de soldados.2 Na Alemanha e na França, nações que apos­taram toda a sua população masculina no resultado, 80% de todos os homens foram convocados.3 Nos choques armados decorrentes, eles fo­ram massacrados.

Mais de 20 milhões de soldados e civis perderam a vida4 na Grande Guerra, e outros 21 milhões foram feridos.5 Milhões mais morreram vítimas das doenças liberadas pela guerra: mais de 20 milhões de pessoas morreram só na pandemia de gripe de 1918-1919.6

Entretanto, por mais esmagadores que sejam, os números não lo­gram contar toda a história ou traduzir integralmente o impacto da guerra sobre o mundo de 1914. As consequências das mudanças engendradas pela crise da civilização européia são demasiado numerosas para serem especificadas, e na sua extensão e profundidade, fizeram dela o ponto crítico da história moderna. E isto seria verdadeiro mesmo que, como

* A partir de 1801, o título oficial da Grã-Bretanha passou a ser “Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlan­da”; ou, reduzido, Reino Unido.* Chamada de “Aliados” durante a guerra.§ Com a Itália como terceiro membro em tempos de paz. Chamadas de “Potências Centrais” durante a guerra.

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PRÓLOGO

sustentam alguns, a guerra só tenha acelerado algumas das mudanças induzidas pela crise.

Em 8 de agosto de 1914, apenas quatro dias após a entrada da Grã- Bretanha na guerra, o Economist de Londres a descreveu como “talvez a maior tragédia da história humana”.7 E é possível que isto continue a ser verdade. Em 1979, o eminente diplomata e historiador americano George Kennan escreveu: “ [Passei a] ver a Primeira Guerra Mundial, como creio que muita gente razoavelmente séria aprendeu a fazê-lo, como a grande catástrofe seminal deste século.”8

Fritz Stern, um dos mais destacados estudiosos de assuntos ale­mães, escreve sobre “a primeira calamidade do século XX, a Grande Guerra, da qual decorreram todas as outras calamidades”.9

Os terremotos militares, políticos, económicos e sociais acarreta­ram um novo desenho do mapa do mundo. Impérios e dinastias foram varridos. Novos países tomaram seus lugares. A desintegração da estru­tura política do globo prosseguiu ao longo do século XX. Hoje, a terra é divida em quatro vezes mais Estados independentes do que os existentes quando os europeus entraram em guerra em 1914. Muitas das novas entidades - Jordânia, Iraque e Arábia Saudita são exemplos que vêm à mente - são países que nunca antes existiram.

A Grande Guerra engendrou forças terríveis que assolariam o res­tante do século. Para tirar a Rússia da guerra, a Alemanha financiou os comunistas bolcheviques de Lenin, e introduziu o próprio Lenin na Rússia em 1917 - nas palavras de Winston Churchill: “assim como seria possível mandar um frasco contendo uma cultura de tifo ou de cólera para despejar no suprimento de água de uma grande cidade”.10 O bolchevismo foi apenas a primeira dessas íurias nascidas da guerra, se­guido anos depois pelo fascismo e pelo nazismo.

Entretanto, a guerra também pôs em movimento os dois grandes movimentos de libertação do século XX. Ao mesmo tempo em que se dilacerava a Europa, desfazia-se a sua dominação no restante do planeta. E ao longo do século, literalmente bilhões de pessoas alcançaram a sua independência. As mulheres, também, em algumas partes do mundo, libertaram-se de alguns grilhões do passado, ao que tudo indica em con­sequência direta do seu envolvimento no esforço de guerra — empregos nas fábricas e nas forças armadas -, iniciado em 1914.

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Um outro tipo de libertação, de alcance amplo e diversificado, re­sultou da Grande Guerra e vem se expandindo desde então, em termos de comportamento, vida sexual, costumes, vestuário, linguagem e nas artes. Nem todos acreditam que o fato de tantas regras e restrições terem ficado pelo caminho seja uma coisa boa. Mas para o bem ou para o mal, o mundo percorreu um longo caminho — da era vitoriana ao século XXI- por sendas que foram abertas pelos soldados de 1914.

Ao pesquisar a origem de qualquer das grandes questões que con­frontaram o mundo durante o século XX, ou que o confrontam hoje, é notável a frequência com que retornamos à Grande Guerra. Como ob­servou George Kennan, “a mim parece que todas as linhas de investiga­ção remontam a ela”.11 Depois dela, as opções se estreitaram ainda mais. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha tiveram escolha, por exemplo, de entrar ou não na Primeira Guerra Mundial - e sem dúvida há desacordo até hoje sobre o seu acerto ou não de tê-lo feito - , mas, realisticamente, os dois países tiveram pouca ou nenhuma escolha quanto a entrar ou não na batalha da Segunda.

Nada houve de inevitável na progressão do primeiro para o segun­do conflito. O longo pavio podia ter sido cortado em muitos pontos ao longo do caminho de 1914 a 1939, mas o fato é que ninguém o cortou. Assim, a Primeira Guerra Mundial realmente levou à Segunda, ainda que não tivesse necessariamente de fazê-lo, e a Segunda, tivesse ou não de fazê-lo, levou à Guerra Fria. Em 1991, os historiadores Steven E. Miller e Sean M. Lynn-Jones afirmaram: “A maioria dos observadores descreve o período atual da política internacional como a era ‘pós-Guer- ra Fria’,12 mas de muitas maneiras nosso tempo seria mais bem definido como a era £pós-Primeira Guerra Mundial’.”13

Desde o começo, a explosão de 1914 pareceu desencadear uma sé­rie de reações, e a seriedade das consequências rapidamente se tornou aparente para os contemporâneos: na introdução ao seu livro A Monta­nha Mágica (1924), Thomas Mann escreveu sobre “a Grande Guerra, em cujo começo tantas coisas começaram, que ainda mal pararam de começar”.

E tampouco hoje deixaram inteiramente de fazê-lo. Em 21 de abril de 2001, o New York Times noticiava, da França, o retorno ao lar de milhares de pessoas que haviam sido temporariamente evacuadas de suas

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PRÓLOGO

casas por causa da ameaça decorrente de sobras de munições da Primeira Guerra Mundial estocadas à proximidade. Havia cartuchos, granadas e bombas, e cápsulas de gás mostarda. Os evacuados receberam permissão para retornar às suas casas após a remoção de 50 toneladas das munições mais perigosas. Porém, restaram centenas de toneladas de materiais le­tais - e ainda restam. Assim, bombas da guerra de 1914 ainda podem explodir em pleno século XXI.

Em certo sentido, não há dúvida, já explodiram. Em 11 de setem­bro de 2001, os ataques suicidas muçulmanos fundamentalistas contra o World Trade Center, em Nova York, destruíram o coração de Lower Manhattam e ceifaram cerca de 3 mil vidas. Em sua primeira declaração televisionada após os fatos, Osama bin Laden, o chefe terrorista que evocou este horror e ameaçou com ainda mais, descreveu o atentado como uma vingança pelo que havia ocorrido oitenta anos antes. Fazia provavelmente referência à intrusão, na esteira - e como consequência - da Primeira Guerra Mundial, dos impérios cristãos europeus no Orien­te Médio, até então governado por muçulmanos. Os simpatizantes de Bin Laden sequestraram aviões a jato e os esmagaram contra as torres gémeas em consequência de uma disputa aparentemente enraizada nos conflitos de 1914.

De forma semelhante, a escalada da crise do Iraque em 2002-2003 levou jornalistas e personalidades do rádio e da televisão aos seus telefo­nes, à procura dos professores de história das principais universidades americanas, para perguntar como o Iraque surgiu como Estado das cin­zas da Primeira Guerra Mundial. Eis uma pergunta relevante, pois não tivesse havido guerra em 1914, o Iraque poderia muito bem não existir em 2002.

Trata-se certamente do acontecimento mais seminal dos tempos modernos.Em que consistiu a Primeira Guerra Mundial? Como aconteceu? Quem a começou? Por que eclodiu onde e quando eclodiu? “Milhões de mor­tos e de palavras depois, os historiadores ainda não concordaram sobre o porquê”, como observou a “Millennium Special Edition” do The Economist (l2 de janeiro de 2000-31 de dezembro de 1999), acrescen­tando que “nada daquilo precisava ter acontecido”. Desde o começo,

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todos diziam que a guerra de 1914 foi literalmente desencadeada por um estudante secundarista sérvio-bósnio, ao atirar e matar o herdeiro dos tronos austríaco e húngaro. Mas praticamente todos concordam que o assassinato proveu não a causa, mas apenas a ocasião para que primeiro os Bálcãs, depois a Europa e em seguida o resto do planeta pegassem em armas.

A desproporção entre o crime do estudante e a conflagração em que se consumiu o globo, começando 37 dias depois, era absurda de­mais para que os observadores acreditassem que um era a causa da outra. Não é possível 10 milhões de pessoas perderem suas vidas, sentiam eles, porque um homem e sua esposa - duas pessoas sobre quem muitos ja­mais tinham ouvido falar - tinham perdido as suas. Isso não parecia possível. Não podia ser verdade, todos diziam.

Haja vista a Grande Guerra ter sido um evento tão enorme e carre­gado de consequências, e porque queremos evitar que qualquer coisa semelhante aconteça no futuro, a investigação de como ela aconteceu tornou-se não apenas a questão mais desafiadora mas também a maior pergunta da história moderna. Porém, ela continua elusiva; nas palavras do historiador Laurence Lafore, “a guerra foi muitas coisas”, e também são muitos os significados da palavra causa.14Nos anos 1940 e 1950, os estudiosos tendiam a acreditar que tinham aprendido tudo o que havia a ser aprendido sobre as origens da guerra, e que tudo o que restava era debater a interpretação das evidências. No começo da década de 1960, num processo desencadeado pela pesquisa do grande historiador alemão Fritz Fischer (cujas opiniões serão comen­tadas posteriormente), novas informações vieram à luz, notadamente oriundas de fontes alemãs, austríacas e sérvias, e hoje é difícil passar um ano sem que o aparecimento de novas monografias acrescente conside­ravelmente ao nosso conhecimento. Fischer inspirou os estudiosos a vasculharem os arquivos em busca do que estava escondido. O conteúdo deste livro é uma tentativa de examinar as velhas questões à luz desse novo conhecimento, sumariar os dados e tirar algumas conclusões.

Quando e onde começou a marcha na direção da guerra de 1914? Recentemente, numa sala de aula em Boston, pedi a estudantes uni­versitários para identificarem os primeiros passos do caminho — antes de

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PRÓLOGO

1908. A partir das suas respostas, o que segue pode ilustrar quantos caminhos podemos imaginar terem levado a Sarajevo.O século IV d.C. A decisão de dividir o Império Romano entre Oci­dente falante do latim e Oriente falante do grego teve consequências duradouras. A separação cultural que bifurcou a cristandade em dois ramos distintos, em dois calendários e duas escritas rivais (o latim e o cirílico) persistiu. Os austríacos católicos romanos e os sérvios ortodo­xos gregos, cujas rixas deram ocasião à guerra de 1914, estavam, neste sentido, fadados a serem inimigos.O século VII. Os eslavos, que estavam em vias de se tornar o maior grupo étnico da Europa, deslocaram-se para os Bálcãs, onde os teutônicos já haviam chegado. O conflito entre povos eslavos e germânicos tornou-se um tema recorrente da história européia, e no século XX antagonizou germânicos teutônicos e austríacos com russos eslavos e sérvios.O século XI. A divisão formal entre as cristandades católica romana e ortodoxa grega gerou um conflito de fé religiosa em torno da mesma fratura que as de grupo étnico, alfabeto e cultural — romanos versus gre­gos —, fratura esta que ameaçava a Europa do Sudeste e acabou resultan­do no terremoto político que ocorreu em 1914.O século XV. A conquista do Oriente cristão e da Europa Central pelo Império Otomano (ou Turco) muçulmano privou os povos dos Bálcãs de séculos de experiência de autogoverno. É possível que isto tenha con­tribuído para a violência e o facciosismo da área nos anos que prepara­ram o caminho para a guerra de 1914 - e talvez para provocá-la.O século XVI. A Reforma Protestante dividiu a cristandade ocidental. Ela separou os povos germânicos politicamente e levou ao curioso rela­cionamento entre a Alemanha e a Áustria, que está no coração da crise de julho de 1914.O século XVII. O começo da secular retirada otomana da Europa signi­ficou que os turcos estavam abandonando terras valiosas, cobiçadas pelas

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grandes potências cristãs. O desejo de apoderar-se dessas terras alimentou a rivalidade entre a Áustria e a Rússia, desencadeando a guerra de 1914.1870-1871. A criação do Império Alemão e o fato de ter anexado terri­tórios franceses em consequência da guerra franco-prussiana tornaram provável outra guerra européia, tão logo a França recuperasse forças su­ficientes para tentar retomar o que tinha perdido.1890. O imperador alemão demitiu seu chanceler - seu primeiro-mi- nistro - , o príncipe Otto von Bismarck. O novo chanceler revogou a política de Bismarck, de aliança tanto com a Áustria como com a Rússia, para manter a paz entre elas. Em vez disso, a Alemanha se alinhou com a Áustria, contra a Rússia, na luta pelo controle dos Bálcãs, o que enco­rajou a Áustria a seguir uma política perigosamente belicosa, que se mostrou propensa a provocar uma resposta final russa.A década de 1890. Repelida pela Alemanha e sem ver outra alternativa, a Rússia monárquica reacionária foi levada a uma aliança com a França republicana. Isto convenceu os líderes alemães de que cedo ou tarde a guerra seria inevitável, e que a Alemanha teria mais chances de vencer se a empreendesse o mais cedo possível.A década de 1900. A tentativa alemã de rivalizar com a Grã-Bretanha como potência naval foi vista em Londres como uma ameaça vital.1903. Num sangrento golpe de Estado na Sérvia, oficiais do Exército pertencentes a uma sociedade secreta assassinaram o seu rei e a sua rainha pró-austríacos, substituindo-os por uma dinastia rival pró-russa. As lide­ranças austríacas reagiram planejando punir a Sérvia — um plano que, se executado, ameaçava levar a um conflito perigosamente mais amplo.1905. A primeira crise do Marrocos foi uma questão complicada. Ela será descrita aqui, no Capítulo 12. Nela, a diplomacia agressiva da Ale­manha teve o efeito não intencional de unificar os outros países contra ela. A Grã-Bretanha passou de mera amizade com a França - a Entente Cordiale- a algo mais próximo de uma aliança informal, incluindo con-

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PRÓLOGO

versações entre os dois governos e consultas entre Estados-maiores, e posteriormente acordos e conversações com a aliada da França, a Rússia. Houve um endurecimento dos alinhamentos europeus em blocos rivais e potencialmente inimigos: França, Grã-Bretanha e Rússia, de um lado, e uma Alemanha isolada - apenas com um tíbio apoio da Áustria-Hungria e da Itália - do outro.Até certo ponto, todas essas respostas estavam certas. Outras datas - entre as quais 1908, que é discutida nas páginas que seguem — também servem como pontos de partida do estopim que levou às explosões de 1914. Pode-se dizer que todas elas contribuíram de algum modo para o advento da guerra.

Não obstante, em certo sentido todas as respostas também estão erradas, à pergunta de por que o conflito aconteceu. Trinta e sete dias antes da Primeira Grande Guerra, o mundo europeu estava confortavel­mente em paz. Os líderes da Europa iniciavam as suas férias de verão e nenhum deles esperava ser perturbado. O que deu errado?

Todos os estopins identificados por meus estudantes tinham sido tão perigosos para a paz da Europa em 1910e 1912 quanto o foram em 1914. Mas como não levaram à guerra em 1910 ou em 1912, por que o fizeram em 1914? A questão não é apenas o porquê de a guerra aconte­cer, mas o porquê de ela ter acontecido no verão europeu de 1914; não por que a guerra? - mas por que aquela guerra?Por que as coisas aconteceram como aconteceram e não de outro modo, eis a questão que os historiadores têm se colocado desde que Heródoto e Tucídides, gregos do século V a.C., começaram a fazê-lo há mais de 2.500 anos. Porém, resta discutível se questões como esta podem ser respondi­das com algum nível de precisão; frequentemente, tantos afluentes correm para o rio que é difícil dizer qual é de fato a fonte.

Em sua magnitude e múltiplas dimensões, a Primeira Guerra Mun­dial é talvez o exemplo supremo da complexidade que desafia e confun­de os historiadores. Arthur Balfour, primeiro-ministro britânico de antes da guerra, político conservador de longa data, filósofo e patrocinador do Estado judeu na Palestina, é citado em algum lugar como tendo dito que a guerra era grande demais para ser compreendida.

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Não é à toa, portanto, que a explicação da guerra seja a maior ques­tão da história moderna; trata-se de uma questão exemplar, que nos força a reexaminar o que queremos dizer com palavras como “causa”. Havia causas - muitas delas - para as grandes potências europeias esta­rem dispostas a entrar em guerra umas com as outras. Havia outras cau­sas - imediatas, nas quais este livro está interessado - para elas entrarem em guerra onde e como o fizeram.

(Ui) Um verão a ser lembradoPara os homens ou mulheres nas ruas do mundo ocidental - alguém vivendo nos primeiros e vibrantes anos do século XX -, nada teria pare­cido mais remoto do que a idéia de uma guerra. Naqueles anos, os ho­mens que eventualmente sonhassem com aventuras em campos de batalha teriam imensa dificuldade para encontrar uma guerra em que pudessem praticar. Em 1901, e nos 13 anos seguintes, os povos da Europa Oci­dental e das Américas anglófonas estavam se tornando consumidores em vez de guerreiros. Eles almejavam mais: mais progresso, mais prospe­ridade, mais paz. Na época, os Estados Unidos “navegavam num mar de almirante” (comentou um observador inglês), mas também a Grã- Bretanha, a França e outros países.15 Há quase meio século não havia guerras entre as grandes potências, e a globalização da economia mun­dial sugeria que as guerras tinham se tornado coisa do passado. A culmi­nação daqueles anos no verão quente, ensolarado e deslumbrante de 1914, o mais belo da memória recente, é lembrada por muitos europeus como uma espécie de Éden. Stefan Zweig falava por muitos quando escreveu que raramente tinha experimentado um verão “mais exuberante, mais belo e, estou tentado a dizê-lo, mais estival”.16

Os britânicos de classe média e alta viam-se num mundo idílico cujas realidades económicas resguardariam as grandes potências da Eu­ropa de travarem guerra umas com as outras. Para aqueles com uma renda confortável, o mundo da sua época era mais livre do que o de hoje. Segundo o historiador A. J. P. Taylor, “até agosto de 1914, um inglês sensível e obediente à lei podia passar pela vida sem notar a exis­tência do Estado”.17 Você podia viver em qualquer lugar que quisesse,

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PRÓLOGO

como quisesse. Podia ir praticamente a toda parte no mundo, sem a permissão de ninguém. Para a maior parte dos lugares, você nem pre­cisava de passaporte, e muitos viajaram. O geógrafo francês André Siegfried deu a volta ao mundo sem qualquer identificação além do car­tão de visitas: sequer o seu cartão profissional, apenas o pessoal.18

Admirado, John Maynard Keynes lembra do período como uma época sem controles comerciais ou alfândegas.19 Você podia entrar com o que quisesse na Grã-Bretanha ou mandar qualquer coisa para fora. Podia levar qualquer soma em dinheiro quando viajasse, ou enviar (ou trazer de volta) qualquer quantia; seu banco não informava ao governo, como é feito hoje em dia. E se você decidisse investir qualquer quantia em quase todos os países estrangeiros, não havia ninguém a quem deves­se pedir permissão, e tampouco era necessária autorização para retirar o investimento ou quaisquer lucros que possa ter dado quando quisesse fazê-lo.

Muito mais do que hoje, era um tempo de fluxos livres de capital e de movimentos livres de pessoas e mercadorias. Um notável estudo em andamento do mundo no ano 2000 nos mostra que havia mais globa­lização antes da guerra de 1914 do que há agora: “Grande parte do último quarto do século XX foi gasta apenas e tão-somente na recupera­ção do terreno perdido nos últimos 75 anos.”20

Os contatos e a interdependência económicos e financeiros esta­vam entre as poderosas tendências que faziam parecer que a guerra entre as principais potências européias tinha se tornado impraticável - e certa­mente obsoleta.

Era fácil sentxr-se seguro naquele mundo. Os americanos o sentiam tanto ou talvez mais do que os europeus. O historiador e diplomata George Kennan recorda que, antes da guerra de 1914, os americanos tinham tanta sensação de segurança “que suponho que nenhum povo a tenha experimentado desde a época do Império Romano”.21 Eles tinham pouca necessidade de governo. Até 1913, quando foi ratificada uma medida específica à Constituição, concebia-se que o Congresso não de­via ter sequer o poder de decretar impostos sobre a renda.

Stefan Zweig, o autor judeu-austríaco, recordando aqueles anos do pré-guerra décadas mais tarde, observou: “Quando tento encontrar uma

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fórmula simples para o período no qual cresci, antes da Primeira Guerra Mundial, espero traduzir sua plenitude chamando-o de Época de Ouro da Segurança.22 Tudo na nossa monarquia austríaca de quase mil anos parecia basear-se na permanência.”

No mundo ocidental, de modo geral era verdade que as pessoas comuns não sentiam qualquer apreensão. Como veremos, havia líderes que estavam preocupados, mas no inverno e na primavera de 1914, nem eles esperavam que a guerra estourasse no verão.

A França, é verdade, teria apreciado recuperar territórios tomados pela Alemanha décadas antes, mas pessoas bem situadas para avaliar ti­nham certeza de que ela não ia começar uma guerra para tomá-los de volta. A Rússia, como aliada da França, estava bem informada sobre o pensamento oficial francês; e o primeiro-ministro russo relatou ao tsar, em 13 de dezembro de 1913: “Todos os políticos franceses querem paz e tranquilidade. Eles querem trabalhar com a Alemanha.” Esses senti­mentos pareciam ser correspondidos pelos alemães. John Keiger, desta­cado estudioso da política daqueles anos, argumentou: “Não há dúvidas de que ao final de 1913 as relações franco-alemãs estavam em melhor pé do que há anos.”23 A Alemanha temia uma guerra eventual com a Rússia, mas em 1913, Berlim reconheceu que a Rússia não estava em condições de iniciar uma guerra, e que não seria capaz de fazê-lo nos anos seguintes. Era manifesto que a Grã-Bretanha queria a paz. Assim, escreve o professor Keiger, “a primavera e o verão de 1914 foram marca­dos na Europa por um período de calma excepcional”.24 Nenhuma das grandes potências européias acreditava que qualquer outra estivesse em vias de lançar uma guerra de agressão - pelo menos não no futuro imediato.

Como os passageiros do vôo 826 da United Airlines, nos últimos dias gloriosos de junho de 1914 os europeus e americanos viajavam sob um céu sem nuvens, sobre um mar de verão — até serem atingidos por um raio que, erradamente, acreditaram ter vindo do nada.

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PARTE UM

AS TENSÕES EUROPÉIAS

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CAPÍTULO 1: CHOQUE DE IMPÉRIOS

o começo do século XX, a Europa era o ponto culminante da rea­lização humana. Na indústria, na tecnologia e na ciência, ela havia

ido além das sociedades anteriores. Em termos de riqueza, conhecimen­to e poder, excedia qualquer civilização que jamais havia existido.

A Europa é quase o menor dos continentes: de 8 a 10 milhões de quilómetros quadrados de extensão, dependendo de como são definidas as fronteiras orientais. Por comparação, o maior continente, a Ásia, tem 44 milhões de quilómetros quadrados. É verdade, alguns geógrafos vi­ram a Europa como uma simples península da Ásia.

Contudo, no começo dos anos 1900, as grandes potências da Eu­ropa - um mero punhado de países — tinham conseguido dominar a maior parte do planeta. Entre eles, Áustria-Hungria, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália e Rússia dominavam a Europa, a África, a Ásia, o Pacífico e até mesmo partes substanciais do hemisfério ocidental. Do pouco que restava, grande parte pertencia a Estados europeus menos poderosos: Bélgica, Holanda, Portugal e Espanha. Quando todos estes impérios eram somados, a Europa abarcava o globo.

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C H O Q UE DE IMPÉRIOS

Porém, os impérios europeus eram de tamanho e força muito desi­guais, um desequilíbrio que conduzia à instabilidade; e como rivais, seus líderes se estudavam constantemente, tentando adivinhar quem derro­taria quem em caso de guerra e, portanto, com quem era melhor se aliar. A superioridade militar era vista como um valor supremo numa época que acreditava erradamente que a sobrevivência do mais apto de Charles Darwin dizia respeito ao mais mortífero, em vez de (como agora o en­tendemos) ao mais bem adaptado.

O Império Britânico era a mais rica, a mais poderosa e a maior das grandes potências. Controlava mais de um quarto da superfície e um quarto da população do globo, e sua Marinha dominava os oceanos do mundo, que ocupam mais de 70% do planeta. A Alemanha, uma confe­deração recém-criada pela Prússia militarista, comandava o mais pode­roso Exército de terra. Na Rússia, o maior país do mundo, um gigante atrasado que se estendia por dois continentes, restava um enigma; debi­litada por uma guerra que perdeu contra o Japão em 1904-1905 e pela revolução de 1905, ela deu uma guinada, tratando de industrializar-se e armar-se com apoio da França. Apesar de contar com um grande impé­rio, a França já não era mais páreo para a Alemanha, e apoiou a Rússia como contrapeso ao poder teutônico. A monarquia dual da Áustria- Hungria governava uma variedade de nacionalidades bastante agitadas e frequentemente em conflito. A Itália, um Estado novo, na condição de recém-chegada que aspirava conquistar seu lugar entre as potências, an­siava ser tratada como igual.

Acreditava-se comumente na época que o caminho para a riqueza e a grandeza das potências européias passava pela aquisição de mais coló­nias. O problema era que as grandes potências já controlavam tantas partes do mundo que pouco restava aos outros para tomar. Repetida­mente, as potências européias se atropelaram umas às outras ao avançar. De tempos em tempos, a guerra ameaçava estourar, e somente a hábil diplomacia e o autocontrole as tornavam capazes de recuar. As décadas anteriores a 1914 foram pontuadas por crises, e quase todas podiam ter levado à guerra.

Nada houve de acidental no fato de as mais conspícuas dessas crises terem resultado de iniciativas alemãs. Ao trocar seu chanceler em 1890, o imperador alemão - o cáiser, ou César - também mudou sua política

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de governo. Otto von Bismarck, o líder cuja determinação férrea tinha criado a Alemanha em 1870-1871, não acreditava no imperialismo.* Longe de crer que colónias ultramarinas trouxessem riqueza e poder, aparentemente ele acreditava que, de riqueza e poder, elas fossem antes um sumidouro. Para distrair a França de eventuais pensamentos de re­cuperar territórios que a Alemanha havia tomado na Europa - na Alsácia- Lorena —, Bismarck estimulou e apoiou a França a buscar novas aquisições no norte da África e na Ásia. Como esta política levaria a França a fre­quentes colisões com a Inglaterra e a Rússia imperiais, dividindo deste modo os rivais potenciais da Alemanha, servia a todos os propósitos de Bismarck.

A Alemanha pós-Bismarck passou a cobiçar os territórios ultrama­rinos que o Chanceler de Ferro vira como ouro de tolo. Ela se colocou em posição de tomar parte da partilha iminente da China. Mas os governantes de Berlim tinham entrado no jogo muito tarde. A Alema­nha já não podia mais conquistar um império numa escala proporcional à sua posição de maior potência militar da Europa. Não havia mais con­tinentes a serem tomados: não havia mais Áfricas, não havia mais Amé- ricas. Não obstante - descuidadamente - , a Alemanha guilhermina manifestava interesse em terras ultramarinas.

No começo do século XX, como a França avançasse mais profun­damente no Marrocos para ampliar seu império norte-africano, a Ale­manha, em vez de estimular e apoiar, como Bismarck teria feito, interveio em oposição. As iniciativas alemãs fracassaram, mas acenderam o esto­pim das crises internacionais mais notáveis daqueles anos: as crises do Marrocos de 1905-1906 e de 1911. Para o governo alemão, aquelas manobras podem ter sido meras tentativas, mas na Europa causaram verdadeira apreensão.

Retrospectivamente, fica claro que o problema era que a cobiça imperial da Alemanha pós-1890 não podia mais ser satisfeita, a não ser tomando territórios ultramarinos dos outros países europeus. Isto não era algo que se pudesse alcançar por meios pacíficos. Assim, podia a Alemanha contentar-se em continuar sendo a principal potência militar

* Por razões não inteiramente claras, Bismarck divergiu brevemente desta política no começo da década de 1880, ocasião em que a Alemanha adquiriu uma pequena quantidade de colónias.

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e industrial do continente mas com impérios africanos e asiáticos meno­res do que os da Inglaterra ou da França? Os alemães discordavam, é claro, sobre qual devia ser a resposta a esta pergunta, e o clima das opi­niões estava mudando. Em 1914, a Alemanha era o único país do conti­nente com mais trabalhadores industriais do que rurais, e a força crescente das suas massas operárias e socialistas sugeria que a nação poderia ser obrigada a concentrar sua atenção na solução de problemas internos, em vez de aventuras estrangeiras. Ou então, alternativamente, a sugestão seria os líderes alemães empreenderem uma política estrangeira agressi­va, em vista de distrair a atenção dos problemas que permaneciam sem resolução dentro de casa.

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CAPÍTULO 2: LUTA DE CLASSES

A Alemanha não era tampouco a única a estar dividida contra si mes- jna. Antes da guerra, a Europa era presa de revoltas sociais e econó­micas que estavam modificando suas estruturas e sua política. A Revolu­

ção Industrial que havia começado na França e na Inglaterra do século XVIII continuava, num ritmo acelerado, a realizar mudanças radicais nesses dois países, assim como na Alemanha, e promovia mudanças se­melhantes nos outros. A Europa agrária, em parte ainda feudal, e a Eu­ropa das chaminés, trazendo modernidade, viviam literalmente ao mesmo tempo, mas figurativamente a séculos de distância uma da outra. Alguns continuavam a viver como se estivessem no século XIV, com seus ani­mais de carga e seus lentos ritmos aldeões quase imutáveis, enquanto outros habitavam as grandes cidades abarrotadas do século XX, impul­sionadas pelas recém-inventadas máquinas de combustão interna e in­formadas pelo telégrafo.

Ao mesmo tempo, o crescimento da população urbana de operá­rios fabris na Revolução Industrial produziu conflitos entre esta popula­ção e os proprietários das manufaturas, sobre salários e condições de

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LUTA DE CLASSES

trabalho. Isto também antagonizou trabalhadores e industriais, de um lado, os quais só podiam expandir suas exportações num mundo de co­mércio livre, e os agricultores, que necessitavam de proteção, e a peque­na nobreza sem liquidez, do outro. A classe social tornara-se uma linha divisória e uma lealdade - a fronteira principal, segundo muitos. Dispu­tas domésticas ameaçavam todos os países da Europa Ocidental.

Na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista foi constituído para falar em nome de uma classe trabalhadora que já não estava mais satisfeita de ser representada pelo Partido Liberal, o qual simpatizava com os assala­riados mas falava como porta-voz das classes médias e mesmo de alguns dos bem-nascidos. No continente, o trabalhismo também se transfor­mava em socialismo, com sucesso crescente nas pesquisas: nas eleições alemãs de 1912, os sociais democratas surgiram como o maior partido isolado do Reichstag. Deve ter sido de algum consolo para os conserva­dores alemães e britânicos perceberem que os trabalhadores em seus paí­ses geralmente se expressavam pacificamente por meio do voto, em vez de greves, levantes e ataques terroristas (como os sindicalistas franceses, espanhóis e italianos). Naqueles tempos de crises bélicas frequentes, os governos se preocupavam com a possibilidade de o seu povo não apoiá- los se uma guerra estourasse. Mas o problema tinha dois lados: aventu­ras estrangeiras também podiam distrair a atenção dos conflitos sociais e de classe, levando o povo a se reagrupar sob a bandeira. Qual seria a alternativa? Os choques sociais e de classes dividiriam, ou os conflitos internacionais uniriam?

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CAPÍTULO 3: DISPUTA ENTRE NAÇÕES

ara o internacionalismo socialista, o rival era o nacionalismo, umapaixão que se tornava crescentemente prioritária nos corações e

mentes dos europeus, à medida que terminava o século XIX e chegava o XX. Até mesmo os britânicos contraíram a febre. A Irlanda - ou pelo menos a sua maioria católica romana - agitava-se violentamente em nome da autonomia ou independência, entrando em confronto com os pro­testantes do Ulster, que se preparavam para pegar em armas a fim de defender a união com a Grã-Bretanha.

A Inglaterra eduardiana já era um país surpreendentemente violen­to, dilacerado por questões como salário e condições de trabalho indus­triais, e também pela causa do sufrágio das mulheres. Ela era igualmente sacudida por uma crise constitucional que era também uma crise de classe. A crise centrava-se em duas questões interligadas: o orçamento e o poder da Câmara do Lordes, hereditária, de vetar a legislação aprovada pela Câmara dos Comuns, eleita popularmente. Esses dois conflitos es­tavam destruindo o sentido de solidariedade nacional.

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DI SPUTA ENTRE NAÇÕES

O país já estava polarizado com a questão da autodeterminação da Irlanda, amplos setores do Exército e da facção Unionista-Conservado- ra parecendo prontos a desafiar a lei e o governo em vista de manter a união com a Irlanda. O precedente estabelecido pelos Estados Unidos em 1861 era perturbador. Haveria uma guerra civil britânica?Na Europa continental, as chamas do nacionalismo ameaçavam incen­diar e destruir mesmo estruturas que haviam resistido durante séculos. A Áustria dos Habsburgo, uma remanescência das Idades Médias que até pouco antes fora dirigida pelo Santo Império Romano, restava, como ocorrera ao longo do século XIX, como o principal inimigo do naciona­lismo europeu. As duas grandes novas nações da Alemanha e da Itália haviam sido esculpidas em territórios antes dominados pelos Habsburgo. Nas universidades, cafés e esconderijos parcamente iluminados das so­ciedades secretas e terroristas, nos Bálcãs e na Europa Central dos pri­meiros anos do século XX, planos eram urdidos por grupos étnicos que aspiravam realizar algo semelhante. Os nacionalistas estavam em conta- to uns com os outros, e com os niilistas, anarquistas, socialistas e outros que vivessem e conspirassem na obscuridade da resistência política. Era lá que sérvios, croatas, tchecos e outros tramavam para minar e destruir o Império Austríaco.

Os Habsburgo eram uma dinastia que, ao longo de um milénio, chegou a governar uma coleção heterogénea de territórios e povos — um império multinacional que nunca teve qualquer perspectiva de se tornar um Estado nacional homogéneo. Centrada em Viena, cidade onde se falava alemão, a Áustria-Hungria incluía uma variedade de línguas, gru­pos étnicos e climas. Seus 50 milhões de habitantes abrangiam talvez 11 nações ou partes. Muitas das suas terras tinham sido originalmente do­tes trazidos por casamentos com herdeiras territoriais: independente­mente do que se possa dizer sobre ela, a família Habsburgo casava-se bem. Em seu apogeu, no século XVI, quando abrangeu a Espanha e grande parte do Novo Mundo, os haveres da família Habsburgo com­preendiam o maior império do mundo. Suas raízes recuam ao Natal de 800, quando Carlos Magno, o Franco, foi coroado pelo papa imperador do Império Romano do Ocidente. Como imperadores do Santo Impé­rio, posto para o qual um Habsburgo quase sempre era eleito desde o

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século XV até ele ser abolido no começo do século XIX, os Habsburgo dominaram a Europa Central, inclusive as suas muitas entidades políti­cas falantes de alemão - e de italiano. Na esteira das revoluções de 1848, eles perderam suas possessões italianas para a Itália recém-unificada. Em 1871, foram excluídos da Alemanha recém-unificada organizada pela Prússia. Antigo líder dos alemães e italianos da Europa, o imperador Habsburgo era agora o estranho do ninho.

Abandonado com um núcleo alemão - dos 28 milhões de habitan­tes da Áustria, apenas 10 milhões eram alemães — e um império refratá- rio de povos centro-europeus e balcânicos, principalmente eslavos, o governante Habsburgo, Francisco José, de repente se viu presidindo uma entidade que, segundo toda aparência, não era viável A solução que en­controu em 1867 foi um pacto entre a Áustria e uma Hungria que era governada por sua minoria magiar, nos termos do qual ele passou a ser­vir como imperador da Áustria e como rei da Hungria. A Monarquia Dual, como foi chamada, era um Estado em que a Áustria e a Hungria tinham cada qual o seu próprio Parlamento e primeiro-ministro, mas apenas um ministro das Relações Exteriores, um da Guerra, um da Fa­zenda - e, é claro, apenas um monarca, tanto do império austríaco como do reino húngaro. Os povos governantes eram a minoria de alemães da Áustria e a minoria magiar da Hungria. O que eles tentavam governar, nas palavras de um político Habsburgo, era um complexo formado por “oito nações, dezessete países, vinte grupos parlamentares, vinte e sete partidos” - e um espectro de povos e religiões.

A Europa tornava-se rapidamente um continente de naçÕes-Esta- do. Ao entrar no século XX, uma das principais debilidades da Áustria- Hungria é que ela estava situada no que parecia ser o lado errado da história. Mas o que ameaçava derrubá-la era uma força que tampouco era inteiramente progressista; o nacionalismo tinha os seus aspectos atávicos.Considerado como filosofia política ou como o seu contrário, um tipo de delírio de massa, o nacionalismo era ambivalente. Ele era a crença democrática de que cada nação tinha o direito de tornar-se independen­te e de governar a si mesma. Mas também era a insistência não-liberal de que os não-membros da nação deviam assimilar-se, ter direitos civis cas­

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sados, ser expulsos, ou até mortos. O nacionalismo odiava uns como expressão de amor por outros. E para aumentar a obscuridade da situa­ção, não havia acordo sobre o que constituía a nacionalidade. A edição de 1911 da Encycbpaedia Britannica caracteriza-o como “termo vago” e observa que “a ‘nacionalidade’[...] representa um sentimento comum e uma reivindicação organizada, em vez de atributos distintos que pos­sam ser compreendidos numa definição estrita”. De modo que não exis­tia um acordo geral sobre que grupos eram nações e que grupos não o eram. Tratava-se, isto sim, de mais uma questão para a Europa disputar. Pensavam alguns - e há quem continue a fazê-lo — que esta era a princi­pal questão que a Europa tinha para disputar.Na ausência de uma medição científica da opinião pública por meio de pesquisas, os historiadores não são capazes de nos dizer com qualquer grau de certeza o que a população da Europa pensava ou sentia na era pré-1914. Isto produz uma lacuna no nosso conhecimento. Não uma lacuna tão grande como seria hoje, pois há um século o público desem­penhava um papel pequeno na formação da política externa. Mas a opi­nião pública tinha alguma significância, no sentido de que os tomadores de decisão a levavam provavelmente em consideração — na medida em que soubessem qual era.

A evidência sugere que o sentimento mais disseminado na Europa na época era a xenofobia: uma grande hostilidade em relação uns aos outros. Os grupos étnicos dos Bálcãs forneciam um exemplo óbvio de ódio recíproco, mas países muito mais avançados também mostravam essas tendências.

A Inglaterra é um exemplo apropriado. Esteve em guerra com a França intermitentemente desde o século XI - em outras palavras, por cerca de mil anos. Já bem adentrado o século XX, o sentimento antifrancês continuava alto. Mesmo durante a Primeira Guerra Mundial, em que os dois países foram aliados, os oficiais britânicos e franceses conspiravam e manobravam uns contra os outros pelo controle do Oriente Médio árabe no pós-guerra.

Os britânicos só entraram em choque com a Rússia muito depois de o terem feito com a França, mas uma vez iniciada a colisão, não faltou para ninguém. Os dois países se opuseram em cada ponto, econô-

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mica, política, militar e ideologicamente, até os britânicos começarem a se opor aos russos não apenas pelo que eles faziam, mas pelo que eram. A história é contada num clássico: The Genesis o f Russofobia in Great Britain [A Génese da Russofobia na Grã-Bretanha], de John Howes Gleason.

A Alemanha começou a existir como Estado em 1871, e parecia ser um aliado possível - a idéia foi discutida mais de uma vez nos mais altos escalões - , mas os britânicos começaram a desconfiar da Alemanha e, depois, a antagonizá-la. Isto aconteceu por uma variedade de razões, exaustivamente discutidas no relato definitivo de Paul Kennedy, The Rise ofthe Anglo-German Antagonism [A Ascensão do Antagonismo Anglo- alemão].

Assim, ainda que acreditassem ser um povo de mente aberta, os britânicos odiavam os três povos que vinham logo depois deles na clas­sificação das grandes potências: franceses, russos e alemães.

As questões que os políticos europeus tentavam resolver na aurora do século XX estavam sendo enfrentadas, portanto, num contexto em que os povos abrigavam sentimentos hostis e às vezes francamente belicosos.O surgimento e o crescimento de jornais independentes de circulação de massa no século XIX em países europeus como a Inglaterra e a França fizeram pesar ainda uma outra poderosa influência sobre a tomada de decisões, impossível de calcular precisamente. Fazendo apelo a medos e preconceitos populares para conquistar leitores, a imprensa parece ter exa­cerbado o ódio e as divisões entre os europeus. Sobre a imprensa britânica antialemã e a alemã antibritânica, o imperador alemão escreveu ao rei da Inglaterra em 1901: “A imprensa é terrível para ambos os lados.”1

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CAPÍTULO 4: ARMAMENTO DOS PAÍSES

Esperava-se do nacionalismo, como pregavam Giuseppe Mazzini e seus discípulos na Europa do século XIX, que trouxesse a paz. Em

vez disso, trouxe a guerra. E o mesmo aconteceu com um desenvolvi­mento muito mais profundo da época: a revolução da energia, que se tornou possível quando Michael Faraday aprendeu como gerar eletricidade.

Energia praticamente ilimitada, eis a novidade que tornava possí­vel quase tudo mais. Henry Adams, historiador e profeta, o Jano ameri­cano que enxergava para trás e para a frente, a identificou. Maravilhado com o que viu nas feiras mundiais de Chicago (1893) e Paris (1900), ele especulou que ela poderia tornar toda a história humana obsoleta. A novidade “desconcertaria os professores”, observou ele, mas “pescoços professorais” já haviam sido “quebrados” umas poucas vezes desde que a Europa começou, e dessas poucas vezes, “a que mais se aproximava da revolução de 1900 era a de 310, quando Constantino instituiu a Cruz”. De fato, os raios de eletricidade eram algo que Adams achou quase so­brenatural: “Uma energia como a da Cruz.”1

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Era natural que Adams fosse otimista; era filho do século que acre­ditava que a história fosse a história do progresso. Antes de o século XIX começar, os homens olhavam para trás, para uma época de ouro. Então, eles passaram a olhar para a frente, para poder vislumbrá-la.

Europeus e americanos estavam fascinados com as especulações sobre o futuro. Um novo tipo de ficção alimentou suas predileções. Jú­lio Verne e H. G. Wells foram os pioneiros da criação de narrativas de maravilhas científicas e tecnológicas: de máquinas voadoras, vida sob os oceanos, viagens interplanetárias.

O foco sobre todos esses prodígios que o futuro mantinha em esto­que para uma humanidade de poderes aumentados pode ter sido um pouco exagerado. Só uns poucos perceberam que o lado escuro da histó­ria, não fosse por isso prometéica, era que a raça humana estava lançan­do mão das suas extraordinárias possibilidades evocando novos e explosivos poderes de destruição.

Numa carta muito citada, escrita quando estourou a guerra em 1914, Henry James, o famoso romancista americano residente na Ingla­terra, escreveu: “O mergulho da civilização neste abismo de sangue e trevas [...] é uma coisa que trai tão gravemente a longa época durante a qual supomos que o mundo, apesar dos percalços, estava gradualmente melhorando, que ter de percebê-lo agora pelo que os anos de ilusão esta­vam o tempo todo realmente construindo e significando é trágico demais para quaisquer palavras.”2 A ciência não tinha tornado o ser humano mais pacífico e civilizado; ela traiu esta esperança e em vez disso tornou possível os Exércitos serem mais selvagemente destrutivos do que qual­quer soldado do passado jamais poderia ter sonhado.

A Europa não estava progredindo na direção de um mundo me­lhor, mas sim de um gigantesco desastre, pois, na primeira guerra entre sociedades industriais modernas do século XX, o poder explosivo acu­mulado desenvolvido pela ciência avançada concentrava-se na meta da destruição em massa.

Por que os contemporâneos acreditavam estar evoluindo para um mundo mais pacífico? Como puderam eliminar a hipótese de uma guer­ra entre as potências européias dos seus temores e de suas mentes? Por que foram pegos de surpresa quando a guerra estourou? Nunca busca­ram ver o que suas principais indústrias estavam fabricando?

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Ao olharmos para trás, talvez a característica mais notável da paisa­gem internacional pré-guerra fosse a aceleração da corrida armamentista. Tomada isoladamente, a fábrica de armamentos alemã Krupp era o maior negócio da Europa. Suas rivais — Skoda, Creusot, Schneider e Vickers- Maxim - também eram gigantescas. Em grande parte, o negócio da Europa na nova era industrial tinha se tornado preparar-se para lutar. Retrospectivamente, a intensa corrida armamentista era o aspecto mais visível da paisagem política da Europa naqueles anos antes da guerra. É curioso que o homem das ruas não o tenha percebido com igual clareza na época.

A economia de guerra européia tornara-se proporcionalmente imen­sa, mas não dava nenhuma segurança. Uma realização tecnológica como o desenvolvimento pelos britânicos do encouraçado Dreadnought, que obsolesceu todos os navios de guerra existentes, não apenas forçava ou­tros países a descartar seus esforços e investimentos anteriores, mas ex­punha-os ao risco de ficar expostos aos inimigos ao longo do tempo necessário para equiparar-se.

Todos adaptavam suas exigências de contingente — sua combina­ção de Exército regular, alistamento e reservas de um tipo ou de outro — para pelo menos igualar os níveis dos seus adversários potenciais. A com­petitividade inflexível produziu o oposto do que era pretendido. A ex­pansão das forças armadas visava consolidar a segurança nacional, mas em vez disso minou-a: a corrida armamentista, impulsionada pelo medo recíproco, acabou tornando todas as grandes potências européias radi­calmente inseguras.

Todas elas — mesmo a Rússia, depois da revolução de 1905 - eram sociedades relativamente abertas, em que a dotação de fundos pelos Par­lamentos para fins militares podia ser monitorada pelos Estados rivais, cujas análises com certa frequência eram tingidas de alarmismo. Como programas militares aprovados por lei agregam cronogramas, os países sabiam dos planos de produção de armamento uns dos outros e conse- qúentemente buscavam lançar iniciativas para compensação.

Uma inovação introduzida no século XIX foi que as forças armadas dos respectivos países passaram a preparar rotineiramente planos de con­tingência contra seus rivais, caso as hostilidades estourassem. Estes pla­nos eram secretos, é claro, embora os governos geralmente tivessem pelo menos uma idéia de qual seria a estratégia geral de uns e de outros.

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Não havia grandes mistérios sobre quais seriam os potenciais ini­migos. Apesar das suas diferenças ideológicas de fundo, a França e a Rússia eram sabidamente aliadas, reunidas pela ameaça comum da Ale­manha. Esta tinha vínculos estreitos com a Áustria-Hungria e também era aliada dos pouco confiáveis italianos, apesar de eles ainda alimenta­rem reivindicações territoriais contra a Áustria. Ainda que preferisse permanecer neutra, a Grã-Bretanha estava sendo premida, pelo cresci­mento das ambições alemãs, a se aproximar da França e - no interesse da França — da Rússia.

As várias crises bélicas do começo do século impeliram as grandes potências a iniciar conversações de Estado-maior conjunto com as for­ças armadas dos seus aliados. Discussões secretas de Marinha e Exército entre a Grã-Bretanha e a França em 1905-1906 e 1911 examinaram as respostas a dar a um eventual ataque da Alemanha. Em 1908-1909, conversações semelhantes foram iniciadas pelos chefes dos Estados-maio- res alemão e austro-húngaro, tendo como centro a possibilidade de uma guerra com a Rússia. O gabinete britânico autorizou conversações secre­tas entre as Marinhas da Grã-Bretanha e da Rússia em maio de 1914; quando Berlim soube, a Alemanha ficou aterrorizada. Essas conversa­ções conjuntas não comprometiam os governos europeus num sentido formal, mas ao transformarem a teoria em prática, os governos da Euro­pa de algum modo deram um gigantesco passo adiante no caminho que levou a 1914. E conforme aconteceu, elas realmente definiram a guerra iminente. Produziram um roteiro que de fato teve de ser seguido. For­neceram uma boa indicação de quem ficaria em que coligação: Alema­nha e Áustria fechariam questão, enquanto a Grã-Bretanha decidiu apoiar a França e a Rússia.

Tenha ou não a aceleração da corrida armamentista das grandes potências tornado o conflito inevitável, como afirmou o secretário bri­tânico das Relações Exteriores, Sir Edward Grey, de algum modo as grandes potências da Europa precipitaram o evento ao engajarem-se em verdadeiros ensaios gerais de guerra - e não de qualquer guerra, mas as etapas iniciais da guerra específica que elas estavam em vias de empreender.3

Era o medo recíproco, impulsionado pela corrida armamentista e alimentando a si mesmo, que estava fazendo a Europa chegar perto do

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limite? Ou era a agressividade congénita, reprimida durante as quatro décadas artificialmente longas de paz entre as grandes potências, que agora ameaçava explodir? Ou eram os governos, como muitos iriam di­zer, que deliberadamente estavam manobrando seus países para a guerra a fim de desviar a atenção de problemas domésticos que pareciam inso­lúveis? Ou estariam alguns governos implementando políticas agressivas ou perigosas a que eles próprios sabiam que outros países seriam obriga­dos a se opor pela força das armas? Qualquer tenha sido a razão, como disse Helmuth von Moltke, chefe do Estado-maior alemão, ao chance­ler civil num memorando datado de 2 de dezembro de 1912: “Todos os lados estão se preparando para a Guerra Européia, que todos os países esperam para mais cedo ou mais tarde.”4

Os planos de guerra foram examinados e alterados à luz da experiência obtida em exercícios de guerra. Eles foram atualizados conforme a mu­dança das circunstâncias e pela obtenção, por meio da espionagem dos serviços de inteligência, de novas informações sobre os planos inimigos. Nisto, a França foi extraordinária, pois na véspera da guerra modificou seus planos à luz de uma filosofia em voga. A nova doutrina francesa era de que o aspecto moral era a chave da vitória. Tratava-se de concepção decorrente dos ensinamentos dos oficiais Ardant du Picq (1821-70)* e Ferdinand Foch (1851-1929). A opção de enfatizar o aspecto moral em vez do material parecia confirmar-se na filosofia de Henri Bergson (1859- 1941), que via no élan vital- força vital - a energia que propelia a evo­lução. Tais concepções se prestavam à glorificação do ataque - às expensas, talvez, da prudência — e isto se manifestou no viés ofensivo que muitos criticariam posteriormente no Plano XVII, o plano organizacional e estratégico adotado pela França em maio de 1913.

De todas as estratégias examinadas previamente pelos chefes militares das potências européias, a que figuraria mais amiúde no pensamento ulterior sobre a guerra seria o esquema que tomou o nome do conde Alfred von Schlieffen, general alemão a quem foi atribuída a concepção.

" Algumas fontes fornecem 1831 como sua data de nascimento.

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Schlieffen (1833-1913) serviu como chefe do Grande Estado-maior ale­mão de 1891 a 1906. O Estado-maior do Exército prussiano era chama­do de “Grande” desde 1871, para distinguir-se dos Estados-maiores dos outros Estados da confederação alemã: Bavária, Saxônia e Wurttemberg. Corpo de elite de cerca de 650 oficiais, o Grande Estado-maior funcio­nava como cérebro e centro nervoso do Exército.

Em sua primeira guerra hipotética após a unificação em 1871, o Grande Estado-maior imaginou um conflito em que o inimigo consistia numa coalizão formada pela França, a Áustria-Hungria e a Rússia. De todas a mais perigosa, esta possibilidade correspondia ao pesadelo da Alemanha de se ver cercada: o “oriente eslavo e o ocidente latino contra o centro da Europa”, nas palavras de Helmuth von Moltke — conhecido como Moltke, “o Velho” - , então chefe do Estado-maior.5 A partir de 1879, nos termos do acordo de aliança firmado com a Áustria-Hungria, o planejamento alemão sempre pensou uma guerra contra a França e a Rússia: combinação improvável no campo ideológico, pois a França era uma democracia avançada, e a Rússia, uma tirania atrasada. Reunidas - contra toda a probabilidade - pela ameaça alemã, em 1894 a França e a Rússia acabaram formando uma aliança, e os planos de guerra alemães deixaram de ser hipotéticos. Os sucessivos chefes do Grande Estado-maior não se perguntavam se a guerra ia acontecer, mas apenas quando seria. O difícil desafio que enfrentavam — como vencer uma guerra de duas frentes - decorria da inépcia dos líderes do país em polí­tica externa.

Moltke, o Velho, e seu sucessor, o conde Alfred von Waldersee, planejaram promover uma guerra limitada contra a Rússia, que obrigas­se o tsar a buscar a paz rapidamente, enquanto guerreavam com a Fran­ça com o objetivo de negociar a paz em termos favoráveis. Tratava-se de uma estratégia moderada, de espírito defensivo, visando alcançar uma posição mais vantajosa. Mas ela realmente significava dividir forças para lutar com ambos os inimigos ao mesmo tempo.

O conde Schlieffen assumiu a chefia do Estado-maior em 7 de fe­vereiro de 1891. Foi nomeado apesar da sua falta de experiência de com­bate. Desde a morte da esposa, ele era uma figura solitária de poucas ambições profissionais. Era um oficial sarcástico cujo monóculo retorci­do o fazia parecer uma caricatura de oficial prussiano.

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Schlieffen conduzia o que seria quase uma universidade para os oficiais sob seu comando. Punha-os ao trabalho anualmente, testando e reelaborando planos de desdobramento de tropas à luz do que aprendia nos frequentes exercícios de guerra e cavalgadas no terreno. Sob sua su­pervisão, o Estado-maior preparou 49 diferentes planos estratégicos to­tais para a guerra européia, que ele acreditava estar chegando: 16 contra a França, separadamente, 14 contra a Rússia e 19 contra as duas juntas.

No caso de uma guerra nas duas frentes, a Alemanha tinha essen­cialmente três escolhas. Uma delas - lutar contra a França e a Rússia ao mesmo tempo - parecia ser uma estratégia arriscada para uma Alema­nha cujos números eram inferiores. Lidar com a Rússia primeiro não parecia prático; mesmo derrotados, os russos podiam retirar-se para o interior quase sem fim do seu vasto país: não podiam ser vencidos com um ataque rápido, decisivo. Além disso, os russos estavam armando Exér­citos e construindo estradas de ferro num ritmo rápido; a cada minuto tornavam-se oponentes mais formidáveis. Por outro lado, desde 1905 Schlieffen não tinha boa opinião sobre as capacidades dos militares russos.

Um certo número de fatores sugeria a estratégia de combater pri­meiro a França, e para a opinião militar, a única maneira prática de a Alemanha atacar a França era através do território neutro da Bélgica. Alguns oficiais do alto comando francês percebiam isso. Na Grã- Bretanha, Winston Churchill estava a par; tinha-o sabido por meio de um informe confidencial do Comité Britânico de Defesa Imperial, em1911. As razões tinham sido explicadas ao comité pelo general-de-briga- da Sir Henry Wilson, diretor de operações militares do Ministério da Guerra.

Ao final do seu mandato como chefe do Estado-maior, Schlieffen compôs um memorando informal resumindo para seu sucessor como a invasão da França através da Bélgica deveria ser levada a cabo. O memo­rando supunha que a Alemanha tinha noventa divisões à disposição para o hipotético ataque - num momento em que apenas setenta estavam disponíveis. Isto quer dizer que o memorando não era de fato uma pro­posta? Que na verdade não passava de uma demonstração no papel de que a Alemanha precisava de um Exército maior do que o que o Minis­tério da Guerra estava propenso a reunir? Tratar-se-ia de um documen­to destinado a convencer o Ministério da Guerra a mudar de idéia? O

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que quer tenha sido, serviu como roteiro, e esta é provavelmente a me­lhor maneira de encará-lo.

Os memorandos de Schlieffen de 1905-1906 continuam a ser ob- jeto de intensa controvérsia. Após o final da Primeira Guerra Mundial, os generais sobreviventes da Alemanha afirmaram que a guerra havia sido perdida apenas porque colegas mortos tinham deixado de seguir ao pé da letra um suposto plano secreto de Schlieffen, que teria se mostrado um verdadeiro guia para a vitória.

Em grande parte, a sua alegação foi aceita. O plano supostamente chamava quase todo o Exército alemão a constituir um braço direito — um flanco direito — que avançaria sobre as costas holandesa e belga e depois cairia rapidamente, envolvendo o oeste da França, para então guinar e penetrar até Paris, a caminho de uma vitória decisiva a leste daquela cidade: uma vitória sobre um Exército francês àquela altura in­teiramente cercado. A França seria destruída para sempre como grande potência. Toda a manobra seria questão de semanas, e o Exército ale­mão seria então transferido para o leste, para lidar com a Rússia.

Ao longo de todo o século XX, e agora no XXI, os historiadores têm debatido as consequências do assim chamado plano Schlieffen. Seu rígido cronograma teria supostamente obrigado a Alemanha a iniciar a guerra quando e como ela iniciou. O curso dos acontecimentos no verão de 1914 é frequentemente descrito como um exemplo de automação, como se o governo de Berlim estivesse preso nas garras do seu próprio plano secreto imutável. Mas hoje nós podemos ver que todos esses rela­tos são distorcidos.

Hoje nós temos recursos críticos que não estavam disponíveis para as gerações passadas. Documentos de Schlieffen, levados pelos america­nos, foram descobertos em Washington, D.C., em 1953, nos Arquivos Nacionais. Após a pesquisa pioneira de Gerhard Ritter nos anos 1950, lucidamente secundada em 2001 por John Keegan, tornou-se claro que, o que quer possa ter acontecido, o memorando Schlieffen de 1905, com seu suplemento de 1906, não era um plano. Ele não entrava em detalhes e não emitia ordens. Não era operacional. É possível examiná-lo em seu contexto por meio da leitura de uma coletânea dos escritos militares de Schlieffen, recém-publicada em tradução inglesa por Robert T. Foley.

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Outro desafio — lançado enquanto o presente livro estava sendo escrito — é a publicação de Inventing the Schlieffen Plan [Inventando o plano Schlieffen], de Terence Zuber. Baseado em material de arquivo que ele nos diz nunca ter sido utilizado, Zuber argumenta que mesmo os memorandos que dizemos materializarem a proposta de estratégia de Schlieffen não expressam as estratégias por ele realmente propostas, e nem seus planos e idéias.

É claro, a Alemanha realmente invadiu a França através da Bélgica, como o memorando de Schlieffen imaginou que faria. Porém, a invasão foi conforme, com mais exatidão, ao que deveria ser chamado de plano Moltke, pois foi durante o mandato de Moltke que o documento operacional — o verdadeiro plano de invasão da França - foi promulgado.

Examinando os memorandos de Schlieffen cerca de cinco anos mais tarde, em 1911, Moltke indicou em suas notas que concordava que a França devia ser invadida através da Bélgica. A decisão exerceu uma es­pécie de efeito multiplicador nas desavenças alemãs. No contexto da política externa da Alemanha pós-1890, criava a própria coalizão cir­cundante que os alemães professavam temer. E também transformava, automaticamente, a guerra alemã numa guerra européia que resultaria numa guerra mundial. Se a Alemanha atacasse a Rússia, começaria inva­dindo Bélgica, Luxemburgo e França, trazendo-os assim para a guerra, igualmente, e também a Grã-Bretanha, e além dela a índia, Austrália, Nova Zelândia, Africa do Sul e Canadá, e outros também, possivelmen­te incluindo o aliado britânico no Pacífico, o Japão.

Toda esta suscitação de inimigos foi assumida em função de uma estratégia que, mesmo nas palavras de um estudioso que acredita na exis­tência do esquema Schlieffen, “nunca alcançou a forma final perfeita que às vezes lhe foi imputada”.6

Schlieffen considerou violar a neutralidade do Luxemburgo, da Bélgica e da Holanda ao invadir a França. Moltke, em vez disso, decidiu deixar a Holanda em paz. Em primeiro lugar, a resistência armada holandesa poderia fazer pender a balança contra os invasores; em segundo, a desen­volver-se uma guerra de atrito, a Alemanha necessitaria de uma Holanda neutra como rota de suprimento. Ambas as razões eram boas para res­peitar a neutralidade holandesa.

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Entretanto, uma das consequências de fazer esta opção era estreitar a rota de invasão através da qual as forças alemãs deveriam deslocar-se. Seria um corredor de cerca de 20 quilómetros de largura, que poderia ser dominado pelas fortificações belgas em Liège. Assim, confiando na surpresa total e em velocidade máxima, as forças alemãs teriam tomado Liège antes sequer de o inimigo ficar sabendo que a guerra o alcançara. Tudo isto só seria possível em completo segredo. Consequentemente, Moltke não autorizou sequer outros líderes militares alemães a tomarem conhecimento da informação — e civis menos ainda.

Posteriormente — no verão de 1914 —, outro ponto assumiu grande im­portância. A rapidez crescente com que a Rússia se mostrou capaz de mobilizar-se e o fortalecimento das suas forças armadas, significando que, em caso de guerra, a Alemanha sozinha poderia não ser capaz de repelir um primeiro ataque da Rússia. Ela teria de chamar a Áustria- Hungria para ajudar. Este fator será chave para entender a crise de julho de 1914.

Na federação alemã unificada que a Prússia havia organizado numa única potência nas guerras das décadas de 1860 e 1870, as forças arma­das desempenhavam um papel desproporcionalmente grande e — através disso — também o rei da Prússia, que servia não apenas como imperador alemão mas também como chefe militar. Como chanceler - o líder civil da Alemanha —, Otto von Bismarck usava uniforme militar, buscando assim identificar-se com o serviço militar e consequentemente indicar onde ele, que havia criado o novo Estado e era o autor da sua constitui­ção, acreditava estar baseado o poder.

Poderes quase ditatoriais estavam investidos na figura do cáiser em termos de guerra e paz: quase, mas não totalmente. Ele tinha o poder de declarar guerra ou fazer a paz - enquanto conseguisse obter a contra- assinatura do chanceler. Porém, como o chanceler era nomeado pelo cáiser e de sua serventia, não chegava a representar um real contrapeso ao poder do monarca.

No Exército imperial alemão, o cáiser era o chefe militar supremo. Imediatamente abaixo dele, havia três diferentes órgãos que às vezes com­petiam entre si: o Ministério da Guerra prussiano, o Gabinete de Guerra e o Grande Estado-maior. Suas funções eram separadas, mas às vezes se sobrepunham. Seus titulares também eram nomeados pelo imperador.

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Dizia-se frequentemente, após a nomeação do jovem Moltke para a chefia do Grande Estado-maior em 1906, que ele havia sido escolhido porque Guilherme gostava dele. Num trabalho recém-publicado, parcial­mente baseado em fontes primárias até então desconhecidas, a biógrafa de Moltke, Annika Mombauer, nos diz que ele “foi amigo do cáiser bem como seu ajudante por longo tempo”, que quando jovem era uma “figu­ra militar alta e vigorosa” e que “suas maneiras agradáveis e interesses culturais variados fizeram dele um candidato atraente”.7

Nascido na Prússia Oriental, Moltke vinha do celeiro certo. Sua candidatura não haveria de ser arranhada por ele ser sobrinho do grande Moltke - Moltke, o Velho, como ficou conhecido posteriormente - , o comandante dos Exércitos de Bismarck, que, ao derrotar a Dinamarca, a Áustria e depois a França, se tornou o general cujas vitórias criaram a Alemanha moderna. O sobrinho sabia o que devia ao nome do tio. Na ocasião da sua nomeação para o Estado-maior, ele perguntou a Guilher­me: “Sua majestade acredita que vai ganhar o primeiro prémio duas vezes na mesma loteria?”8

Grande e pesado, ele tinha 54 anos na época da sua nomeação. Embora pintasse, tocasse violoncelo e se interessasse por temas espiri­tualistas, suas opiniões militares e políticas eram convencionais. Diz-se que Fausto, de Goethe, era “seu companheiro constante”; mas seria pre­ciso mais do que o seu intelecto um tanto comum para suspeitarmos que Fausto tivesse alguma relevância em relação à tentativa que a Prússia estava fazendo, na sua época, de assumir o poder total.9

Considerando que a Áustria era de importância vital para seus planos, Moltke trabalhou com seu colega austríaco, Franz Conrad von Hõtzendorf, visando consolidar a aliança austro-alemã. Ele teve êxito em restaurar a simpatia numa relação que havia sido desgastada. Ambos os chefes de Estado-maior, isso acabou transpirando, se continham e deixaram de confiar inteiramente um no outro. Moltke não revelou a extensão da sua necessidade da assistência da Áustria para responder ao ataque inicial da Rússia que ele esperava. Conrad, por sua vez, não ad­mitiu que a Áustria ia se concentrar em destruir a Sérvia e esperar que a Alemanha assumisse - sozinha - toda a responsabilidade de lidar com os Exércitos do tsar.

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Até há pouco, a opinião corrente entre os estudiosos, especialmen­te na Alemanha, era de que Moltke era inadequado, fraco e de pouca importância. A publicação da biografia de Mombauer iria mudar esta visão. Moltke foi uma figura de considerável significância, tanto pelo que fez como pelo que deixou de fazer.

Como favorito do cáiser, que conseqíientemente estava em posição de fazer ouvir suas opiniões, Moltke tomou a iniciativa de duas proposi­ções: primeiro, que a aliança com a Áustria era absolutamente central para a Alemanha e tinha de receber prioridade máxima; e segundo, como a guerra contra a Tríplice Entente - Grã-Bretanha, França e Rússia, três países que tinham feito um pacto de amizade recíproca — estava fadada a eclodir não muito depois de 1916 ou 1917, a Alemanha perderia a guer­ra se não lançasse um ataque preventivo imediatamente. Certo de que a guerra aconteceria, Moltke a queria mais cedo, em vez de mais tarde. Ele a desejava, mesmo temendo, como muitos dos seus colegas, que a civili­zação européia chegasse ao fim.

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CAPÍTULO 5: PROFECIAS DE ZARATUSTRA

A maior corrida armamentista que o mundo jamais conheceu foi empreendida não apenas entre nações hostis, ativamente ocupadas

em planejar a destruição uma da outra, mas numa civilização em que se acreditava amplamente que somente a destruição podia trazer a regene­ração. O profeta da época era o filósofo poderosamente eloquente, em­bora assistemático, Friedrich Nietzsche (1844-1900). Nietzsche pregava os valores do irracional. Apesar de ser alemão, sua mensagem fez vibrar a corda em muitos países. Era uma figura européia, não uma figura pa­roquial alemã. Convenientemente, escolheu a Suíça e a Itália para morar.

A Revolução Francesa de 1789 prenunciou um século de revolu­ções, as quais não lograram alcançar os sonhos que encarnavam. Revo­luções não realizadas e revoluções traídas deixaram a Europa frustrada, e disposta — segundo Nietzsche - a quebrar coisas. Rejeitando os valores herdados da Europa, Nietzsche bradou em Assim Falava Zaratustra que “Deus está morto!”.

A estréia do balé A Sagração da Primavera, de Stravinsky-Nijinsky, em 29 de maio de 1913, no Théatre des Champs-Elysées, em Paris, é frequentemente considerada o símbolo da rebelião nietzschiana em to­

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das as artes. Multidões em fúria contra o balé - uma celebração pagã com dissonâncias ensurdecedoras - gritaram seus protestos contra o que consideravam uma selvageria exaltada ocupando o lugar da civilização. Histeria e arrebatamento pareciam estar na ordem do dia.

Pode ser que a sensação de frustração européia — a sensação de impasse na vida, na arte e na política — tenha levado a um sentido vio­lento de renúncia, de deixar-se ir: a percepção de que o mundo tinha de ser explodido, quaisquer pudessem ser as consequências. O ânimo nietzschiano europeu parece ter desempenhado algum tipo de papel em tornar a Grande Guerra possível.

Como escreve J. P. Taylor: “A mente dos homens parecia estar no limite nos últimos dois ou três anos antes da guerra, de um modo que não tinha estado antes, como se estivessem inconscientemente cansados de paz e segurança.1 É possível vê-lo em coisas muito distantes da políti­ca internacional — no movimento artístico chamado futurismo, nas mi­litantes sufragistas [...] na tendência da classe trabalhadora na direção do sindicalismo. Os homens queriam a violência pela violência; acolheram bem a guerra como uma libertação do materialismo. Na realidade, a civilização européia estava desmoronando mesmo antes de a guerra destruí-la.”

Nos primeiros anos do século XX, os europeus glorificavam a vio­lência, e pelo menos alguns grupos entre eles sentiam necessidade de mudanças radicais. Em todo o espectro da existência, a mudança domi­nava a Europa num ritmo mais acelerado do que nunca — muito mais rápido do que a Europa sabia como lidar. Uma visão panorâmica da Europa entre os anos 1900 e 1914 mostraria principalmente que o con­tinente corria adiante numa revolução científica, tecnológica e indus­trial, de força motriz quase ilimitada, que estava transformando quase tudo; que a violência era endémica a serviço da rivalidade económica, política, de classe, étnica e nacional; que a Europa concentrava suas ati- vidades principalmente numa corrida armamentista vertiginosa de esca­la nunca vista; e que, no centro dos assuntos continentais, a poderosa e dinâmica Alemanha tinha feito arranjos estratégicos tais que, se entrasse em guerra, levaria quase toda a Europa e boa parte do restante do plane­ta numa guerra contra ela ou a favor dela.

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Dadas essas condições, não se responde sozinha a pergunta “Como pôde a guerra estourar num mundo tão pacífico?”. Não seria mais perti­nente perguntar como poderiam os políticos ter continuado a evitar a guerra por mais tempo? Como conseguiram manter a paz por tanto tem­po? Isso não quer dizer que a guerra não poderia ter sido evitada, mas apenas que extraordinárias habilidades teriam sido necessárias em 1914 para continuar evitando-a.

Hoje em dia, acredita-se que governos queiram manter a paz. Fre­quentemente, esta é a nossa hipótese implícita. Desde o desenvolvimen­to das armas de destruição em massa, todos sairiam perdendo, dizemos, se estourasse uma guerra entre as grandes potências. A raça humana, dizem-nos, não sobreviveria a um conflito de tal monta. Nossa institui­ção internacional mais importante, a ONU, é definida como organiza­ção promotora da paz porque a principal razão pela qual os países da Terra se reuniram é evitar a guerra.

Seria um erro, contudo, supor que os líderes mundiais teriam par­tilhado dessa opinião há um século. Seu pensamento na época foi bem expresso no que ficou conhecido como “o primeiro grande discurso” na carreira política de Theodore Roosevelt, recém-nomeado secretário as­sistente da Marinha na nova administração do presidente estadunidense William McKinley. Dirigindo-se à Escola de Guerra Naval em 1897, Roosevelt afirmou: “Nenhum triunfo da paz é tão formidável quanto os supremos triunfos da guerra.”2 A guerra, declarou ele, é algo puro e sau­dável: “Todas as grandes raças dominadoras têm lutado com outras ra­ças; no momento em que uma raça perde as inflexíveis virtudes do combate, então [...] terá perdido o direito altivo de permanecer como igual entre os melhores.” Ele argumentou: “A covardia numa raça, assim como num indivíduo, é um pecado imperdoável.” Algum dia as cir­cunstâncias podem ser diferentes, disse ele, mas até que assim fosse, a guerra continuaria a ser necessária. “Até agora nenhuma nação pôde manter seu lugar no mundo, ou pôde fazer realmente valer qualquer esforço, a menos que estivesse pronta a defender seus direitos com um braço armado.”

O discurso foi reproduzido integralmente em todos os jornais ame­ricanos importantes, e o coro de aprovação da imprensa em todos os Estados Unidos deixou claro que Roosevelt não estava falando somente

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em seu nome. Ele vivia num mundo em que a guerra era considerada desejável — e mesmo necessária.

Franz Conrad von Hõtzendorf, chefe do Estado-maior das forças arma­das da Monarquia Dual, era outro líder a expressar frequentemente sua opinião de que a guerra era “o princípio básico por trás de tudo o que acontecia nesta Terra”.3 E também, conforme ele entendia, era a chave para o sucesso pessoal. Ele mantinha um caso amoroso com uma mu­lher casada, e nutria a crença de que, se pudesse voltar do campo de batalha como herói de guerra, sua amante poderia ser convencida a dei­xar o marido rico.

A busca da “honra” era um tema recorrente naquele tempo. Na visão pessoal de Conrad, a nobreza de um guerreiro conquista o amor das mulheres e a aclamação dos homens. Nos conflitos de 1914, chefes de Estado e de governo argumentariam que a honra do seu país os obri­gava a entrar na refrega; o presidente estadunidense Woodrow Wilson usou o conceito em seu discurso ao Congresso em 1917, em que solici­tou a declaração de guerra contra a Alemanha. Alguns às vezes achavam- Conrad era um deles, e seu imperador octogenário Francisco José, outro - que deviam levar seu país à guerra em razão do seu código de honra, mesmo que o mais provável fosse perder.

Essas opiniões - defendidas por soldados e aristocratas por um lado, e por muitos artistas e intelectuais, por outro — não eram necessariamen­te compartilhadas pelas massas, incluindo trabalhadores, agricultores e as classes comerciais e médias amantes da paz. Mas o público não de­sempenhava nenhum papel nas decisões de guerra-e-paz: decisões que ele sequer sabia que estavam sendo tomadas a portas fechadas.

As poucas dúzias de líderes que de fato discutiam e decidiam esses assuntos viviam num mundo próprio, um mundo em que guerras e sol­dados eram glorificados.

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CAPÍTU LO 6: ALINHAMENTO DIPLOMÁTICO

ntre as grandes potências da Europa, a paz prevaleceu entre 1871 e1914. Foi um período longo. Pode-se ao menos argumentar que

não foi apenas a habilidade dos políticos da Europa que tornou esta realização possível, mas também o seu caráter e a sua perspectiva. Em grande parte, eles eram uma espécie de família estendida: monarcas e aristocratas que a Revolução Francesa não conseguiu varrer. Formados pela tolerância e pelos valores do século XVIII, eles conservaram suas posições e seus sistemas ao longo de todo o século XIX. Eram ligados por laços de educação, de cultura e, em muitos casos, de sangue. A con­dução das relações exteriores era a sua vocação compartilhada. Cosmo­politas e sem inclinações preconceituosas, eles às vezes tendiam a pôr o bem-estar da Europa como um todo à frente do seu próprio país. De fato, não era raro um diplomata estar a serviço de um país estrangeiro: um alemão ou um córsico, por exemplo, servir como ministro das Rela­ções Exteriores da Rússia. Certa feita — muito tempo antes, é verdade — um austríaco, o conde de Stainville, foi adido cultural de Viena em Paris ao mesmo tempo que seu filho era adido de Paris em Viena.

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O ÚLTI MO VERÃO EUROPEU

Hans Morgenthau (1904-80), o grande teórico das relações inter­nacionais do século XX, descreve a maneira como as coisas se passavam em termos que exsudam nostalgia:

Nos séculos XVII e XVIII, e em menor grau até a Primeira Guerra Mundial, a moralidade internacional era uma preocupação pessoal do soberano — isto é, de um certo príncipe individual e seus sucessores — e do grupo relativamente pequeno, coeso e homogé­neo de governantes aristocratas.1 O príncipe e os governantes aris­tocratas de uma nação particular estavam em contato íntimo constante com os príncipes e governantes aristocratas das outras nações. Eram unidos por laços de família, uma língua comum (o francês), valores culturais comuns, estilo de vida comum, e convic­ções comuns sobre o que um cavalheiro estava ou não autorizado a fazer em suas relações com outros cavalheiros, tanto em sua casa como numa nação estrangeira.

Em outras palavras, eles jogavam o jogo da política mundial como se ele tivesse regras. A perda dos valores aristocráticos e o enfraquecimento dos laços foram o que tornou possível o comportamento de alguns polí­ticos em julho de 1914.

Na nossa era democrática, tendemos a esquecer a importância do papel que continuou a ser desempenhado por reis e imperadores, e pela aristocracia hereditária, há tão pouco tempo quanto um século, não ape­nas por seus valores e códigos de conduta, mas por eles próprios. Isto nos foi lembrado por um estudo que acaba de ser publicado, Royalty and Diplomacy in Europe, 1890-1914 [Realeza e diplomacia na Europa, 1890- 1914], de Roderick R. McLean. Amizades pessoais entre monarcas po­diam ajudar a aproximar países. O oposto também podia ser verdade. Ambas as possibilidades puderam ser vistas em exercício no relaciona­mento ambivalente entre os dois mais poderosos imperadores continen­tais, Nicolau II da Rússia e Guilherme II da Alemanha. Cada um deles podia exercer poderes quase absolutos em seu país em matéria de guerra e de paz.

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A L INHA ME NT O D I PL OMÁT I CO

O tsar Nicolau II ascendeu ao trono russo no final de 1894 e foi coroado no ano seguinte. Dócil e inexperiente, pouco antes ele havia sido descrito como inadequado por seu pai: “Não passa de um menino, cujo julgamento é infantil.”2

O cáiser Guilherme II empreendeu guiar seu jovem parente na sel­va da política mundial. Havia quase uma década de diferença de idade entre ambos. Além disso, Nicolau era hesitante e Guilherme era assertivo. O jovem tsar era tão educado que o cáiser sempre achava que ele estava concordando, mesmo quando não estava. Guilherme iniciou uma cor­respondência secreta com ele que durou quase duas décadas. No come­ço, Nicolau gostou.

Em 1896, os dois imperadores se encontraram para uma conferên­cia em Breslau, no que hoje é a Polónia. Acordos foram facilmente cele­brados. Mas o desejo de Guilherme de tutelar e dominar fez Nicolau se voltar contra ele. A partir de então, o tsar passou a olhar para o cáiser com uma antipatia que beirava a hostilidade. Nicolau decidiu que que­ria interromper sua correspondência. Ignorando o desejo de Nicolau, Guilherme continuou a lhe escrever por mais oito anos. Ocasionalmen­te, os dois líderes promoviam encontros. Depois de um deles, em 1902, Nicolau comentou: “Está louco desvairado!”3

De tempos em tempos, o cáiser realmente parecia exercer alguma influência; ele pode ter desempenhado um papel convencendo o tsar a envolver seu império na guerra contra o Japão (1904-05), guerra esta que se mostrou desastrosa. O mais das vezes, contudo, Nicolau preferia não ver nem ouvir falar do seu cansativo parente. E nisto ele não estava só.

A rainha Vitória, avó do cáiser, preveniu Nicolau contra o procedi­mento “pernicioso e desonesto” de Guilherme.4 Ao seu primeiro-ministro, Vitória descreveu Guilherme como um “jovem cabeça-quente, presun­çoso e obstinado”. Ela não convidou Guilherme para o seu jubileu de diamante (1897) ou para a celebração do seu octogésimo aniversário (1899). Na sua versão da história, Guilherme descreve a si próprio como o neto favorito.

Apesar de todos os defeitos do imperador, ele era um parente con­sanguíneo e como tal era tratado. Esta solidariedade entre primos foi um sentimento que contribuiu para a paz e a estabilidade entre o tsar e o cáiser. McLean nos diz: “Até pelo menos 1908, ambos os monarcas con­

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O ÚLTI MO VERÂO EUROPEU

tinuavam convencidos de que um não ia empreender atos hostis con­tra o outro.”

Esses relacionamentos pessoais tiveram um papel na história de como a Europa conseguiu não ter nenhuma guerra entre as grandes po­tências nos anos inaugurais do século XX. Em última análise, todavia, os laços de família não lograram fazer relaxar as tensões crescentes entre as potências. Sem dúvida, seria preciso uma estadística de alto nível para guiar os países da Europa por entre as questões explosivas com as quais eles tinham de lidar. Era como andar em campo minado.

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PARTE DOIS

ANDANDO EM CAMPOS MINADOS

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CAPÍTULO 7: A QUESTÃO ORIENTAL

Desde o começo do século XIX, os políticos da Europa — o punhado de primeiros-ministros, secretários das Relações Exteriores e oficiais

de chancelaria que lidam com as arcanas questões da política externa — estavam convencidos de que sabiam como o seu mundo ia acabar (em­bora não soubessem quando). A guerra entre as grandes potências in­dustriais avançadas, acreditavam eles, seria provocada pela desintegração do Império Otomano, pois os seus vastos e valorosos territórios excita­vam os instintos predatórios dos impérios expansionistas europeus. Houve um tempo, séculos atrás, em que os turcos dominaram não ape­nas o Oriente Médio, mas também grande parte da África do Norte e da Europa balcânica - em toda a sua extensão até os portões de Viena. Então, contudo, as forças atrasadas e desmoralizadas do sultão estavam, embora lentamente, em plena retirada diante dos cristãos. A “Questão Oriental” — que potências européias tomariam para si, especificamente, a Europa do Sudeste - era vista comumente como a controvérsia de longo prazo mais explosiva da política internacional. “Um dia, a grande

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A QUEST ÃO ORI ENTAL

Guerra Européia há de estourar por causa de alguma maldita bobagem nos Bálcãs”, comentou-se ter Bismarck dito no final da sua vida.

Temendo o cataclismo, com suas consequências incalculáveis, a Grã-Bretanha tradicionalmente evitou enfrentar a questão, apoiando o decadente império turco. Do lado oposto, a Áustria, com a adesão pos­terior da Rússia, implementou políticas expansionistas às expensas do sultão, visando uma eventual partilha dos domínios otomanos.

E como muito frequentemente acontece quando o mundo político centra a sua atenção numa ameaça particular, a ameaça em questão não se materializou; o perigo foi evitado. Ao longo do século XIX, um povo cristão após outro se libertou dos grilhões do domínio otomano sem ser absorvido por nenhuma grande potência. Ao cabo da primeira década do século XIX, Roménia, Bulgária, Sérvia, Montenegro e Grécia tinham todos, pelo menos de fato, se tornado países livres. Eram nações belige­rantes, às vezes rivais agressivos; e cada uma delas definiu seu próprio curso nos assuntos mundiais. Cobiçavam os territórios que restavam aos turcos na Europa. No começo do século XX, Constantinopla tinha mais a temer desses Estados locais do que das grandes potências. As grandes potências maiores — Grã-Bretanha, França, Alemanha e mesmo a Rússia- preferiam então a manutenção da fronteira otomana. Em abril de 1897, a Rússia e a Áustria-Hungria fizeram um acordo de manutenção do status quo no que restava dos Bálcãs otomanos.

A este respeito, os chanceleres da Europa podiam dar um suspiro de alívio. Durante um século, eles atravessaram um campo minado, e tinham conseguido sair do outro lado não apenas vivos mas relativa­mente ilesos.

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CAPÍTULO 8: UM DESAFIO PARA O ARQUI DUQUE

Os Habsburgo foram uma dinastia dominante na Europa por tanto tempo que se pode facilmente esquecer que o país que eles gover­

navam em 1914 - a Áustria-Hungria ou a Monarquia Dual - era de origem muito recente. Tão novo que o homem que o criou — o impera­dor Francisco José — ainda estava vivo e o governava. Em 1914, a Áus- tria-Hungria tinha 47 anos; Francisco José, 84.

A Monarquia Dual era uma improvisação. Houve a necessidade urgente de estabelecê-la na década de 1860, quando os alemães da Áus­tria, expulsos do mundo que a Prússia consolidara, se viram apartados dos outros alemães e incapazes de se organizarem sós. Uma aliança per­manente com os governantes magiares da Hungria foi a solução de Fran­cisco José em 1867. As disposições económicas do acordo não eram permanentes; estavam sujeitas a renovações, a cada dez anos.

Mas a Áustria e a Hungria tinham interesses e ambições que às vezes eram antagónicos. O arquiduque Francisco Ferdinando, sobrinho e herdeiro presumido de Francisco José, havia dedicado muita reflexão à questão de como reconstituir as terras dos Habsburgo quando ascendesse

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UM DESAFIO PARA O A R QU I DU Q U E

ao trono. Um plano a ele atribuído era a criação de uma monarquia tríplice, reunindo os eslavos aos alemães e magiares como povos gover­nantes do império, possibilitando aos austro-alemães jogar os eslavos contra os magiares. Ele parece ter descartado este cenário em favor de outros, todos destinados a restaurar a grandeza austríaca.

Francisco Ferdinando deplorava as consequências da ligação do seu país com a Hungria. Seus sentimentos a este respeito tanto eram conhe­cidos como recíprocos. Não era desarrazoado predizer que, quando Fran­cisco José morresse e Francisco Ferdinando ascendesse ao trono com mudanças constitucionais radicais em mente, distúrbios ocorreriam.

A Áustria-Hungria era então uma estrutura periclitante, que só se manti­nha com dificuldade, conservando sua posição formal de uma das grandes potências em parte por cortesia das outras. Assim, em retrospecto, a Ques­tão Oriental — o que fazer com as possessões européias de um império turco em derrocada - se justapôs à questão austríaca emergente: o que fazer com a combalida Monarquia Dual? Havia quem afirmasse que, depois do sultão da Turquia, o imperador Habsburgo seria o novo Doente da Europa. No jogo mortal da política mundial, a Áustria-Hungria con­tinuava a caçar, mas também estava sendo caçada. Invertera-se a Ques­tão Oriental, estava de ponta-cabeça. Os Habsburgo tinham cobiçado as terras balcânicas; agora os povos balcânicos cobiçavam a terra dos Habsburgo.

Em termos de área, a Áustria-Hungria era um dos maiores Estados da Europa. Duas das suas talvez 11 nacionalidades, alemães e magiares, exerciam a maior parte do poder político. Na Áustria, o terço alemão da população tendia a dominar os dois terços que não o eram; na Hungria, os 40% que eram magiares governavam os 60% não magiares.

O nacionalismo varria a Europa desde a época da Revolução Fran­cesa. Havia inspirado uma literatura em que uma Áustria repressiva era marcada como vilã. Assim, sinistra e irredutível, inimiga implacável das liberdades humanas, a Áustria dos Habsburgo lança uma sombra escura sobre a Europa em obras como A Cartuxa de Parma, de Stendhal. Al­guns, e talvez a maioria, dos movimentos nacionalistas ardentes mais importantes da Europa — os dos tchecos, por exemplo, e um sem número de etnias nos Bálcãs - visavam desmantelar o Império Habsburgo, ou pelo menos descentralizá-lo.

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Um dos pontos fracos da Áustria-Hungria era governar tantos po­vos eslavos — membros do maior grupo étnico da Europa e a Rússia eslava, temia-se, poder atrair a sua lealdade patrocinando o pan-eslavismo.

Os historiadores nos contam que o Exército austríaco era forte, ainda que tivesse um registro surpreendente, recuando mais de um sécu­lo, de derrotas em batalhas e em guerras.

Os generais da Monarquia Dual sabiam que, sozinhos, não pode­riam lutar em igualdade de condições com a Rússia, com suas vastas extensões e sua enorme população. Para ter uma chance, a Áustria- Hungria tinha de ter a proteção da Alemanha.

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CAPÍTULO 9: ALEMANHA EXPLOSIVA

entrar no século XX, a Alemanha ainda estava na sua infância, ão obstante, de muitas maneiras a sua estrutura política já se tor­

nara obsoleta - ou talvez desde o começo o tenha sido. Nos seus trinta anos de existência, a Alemanha tinha deixado de ser um país essencial­mente agrícola e dado um salto adiante, tornando-se a potência indus­trial e comercial mais dinâmica do continente. Um dos resultados disso foi o país encontrar-se, então, internamente dividido.

Conforme observou-se anteriormente, os interesses agrícolas ainda reclamavam tarifas protetoras para sobreviver, ao passo que a indústria já pressionava em prol do livre comércio de que precisava para prospe­rar. Esta era apenas uma das contradições que tornava o Reich do cáiser Guilherme II tão difícil de compreender — e de governar. Na vanguarda do mundo moderno em alguns aspectos, a Alemanha era politicamente obsoleta, e portanto incapaz de reconciliar as diversas tendências engen­dradas pela modernidade.

Segundo Volker R. Berghahn, “o traço notável da política interna alemã antes de 1914 era [...] um quase total impasse”.1 Ele cita Gustav

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Schmidt para explicar: “A noção de vários grupos bloqueando um o outro e conseqiientemente bloqueando a saída do impasse oferece ‘uma chave para a compreensão da política alemã nos últimos anos antes da guerra’. Sob o fascínio de Nietzsche, alguns acreditavam que a solução era dinamitar a sociedade. Não era fácil identificar uma alternativa que não envolvesse violência.

Até o século XIX, os povos germânicos da Europa foram fragmentados. No antigo Santo Império Romano, viviam em centenas de principados, cidades e outras quase soberanias. Napoleão os reestruturou. Os Aliados que derrotaram Napoleão também tentaram. No final, a unificação veio de dentro do mundo germanófono.

O país que hoje conhecemos por Alemanha deriva do Império Ale­mão, que foi criado por meio de uma série de guerras que culminaram em 1870-1871 pela ação da Prússia militarista protestante, liderada por Otto von Bismarck. A Alemanha recém-unificada por ele incluía menos da metade dos povos germânicos da Europa. Consistia no reino da Prússia, três outros reinos, 18 ducados e três cidades livres. Mas Bismarck excluiu deliberadamente a Áustria, que havia encabeçado os Estados germânicos da Europa. E claro, ele o fez para garantir a própria lideran­ça da Prússia na Europa alemã. Isto também teve o efeito de garantir uma maioria protestante na federação alemã. Um chanceler posterior da Alemanha, o príncipe Bernhard von Biilow, fez lembrar a seus represen­tantes governamentais no estrangeiro em 1906 que, se os austríacos fa­lantes de alemão fossem incorporados à Alemanha: “Nós teríamos de acolher um aumento de 15 milhões de católicos, o que tornaria os pro­testantes minoritários [...] o equilíbrio de forças entre protestantes e ca­tólicos ficaria semelhante àquele que, na época, levou à Guerra dos Trinta Anos, i.e., à virtual dissolução do Império Alemão.”2 Com a Alemanha, Bismarck preferiu pôr na cena política um país menor, que ele e seus companheiros prussianos pudessem controlar, em vez de um maior, que não pudessem, e esta continuou sendo a preferência de Berlim.

Contudo, passou-se a acreditar na Alemanha que, em caso de guer­ra, a Áustria seria indispensável como aliada, mesmo sendo mais fraca. A continuação da existência do Império Habsburgo era vista em Berlim

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ALEMANHA EXPLOSIVA

como um interesse vital da Alemanha, com certeza, talvez o mais na política internacional.

De cultura não democrática e militarista, a Prússia era controlada por seu Exército e a classe grandemente empobrecida dos junkers proprietá­rios de terras que comandavam a sua oficialidade. Por sua vez, ela exercia um controle considerável, e em tempo de guerra quase total, sobre o restante da Alemanha. Por meio da sua rápida industrialização, a Ale­manha se alçou à posição de líder económico do continente, mas ao fazê-lo transformou necessariamente grande parte da sua população em proletariado industrial. Ora, trabalhadores não poderiam ser admitidos na oficialidade do Exército sem diluir o caráter aristocrático prussiano da corporação - e o regime que ela apoiava. Assim, apesar de abrigar ambições de dominar a Europa e quiçá o mundo, a Alemanha delibera­damente escolheu não aumentar o tamanho do seu Exército, ao ponto que teria sido exigido para realizar seus sonhos expansionistas.

O almirante Alfred Tirpitz explicou em 1896 que as forças arma­das existiam em última análise “para reprimir revoltas internas”.3 A re­volução industrial que estava transformando a Alemanha no maior país do continente engendrava ao mesmo tempo forças que ameaçavam o regime. Eis apenas uma das muitas contradições da política alemã.

O sistema educacional nacional era uma força motriz do cresci­mento industrial do país. Eis aqui mais uma contradição. O público geral mais bem educado da Europa não iria tolerar indefinidamente uma estrutura governamental arcaica ou a liderança de um grupo exclusiva­mente reduzido.

Muito depois da Grande Guerra, observadores estrangeiros com­preensivos argumentariam que a grandeza crescente da Alemanha pode­ria ter sido acomodada pacificamente pelas outras potências: que elas deveriam ter apaziguado Berlim. Assim colocada, a responsabilidade pela eclosão da guerra recai sobre os ombros dos principais países — Grã- Bretanha, França, Rússia e Estados Unidos - , que afinal estavam no caminho da ascensão alemã ao poder mundial. Eles não teriam dado à Alemanha, segue o argumento, nenhuma maneira de afirmar-se além da guerra. Como diz o historiador francês Elie Halévy compreensivelmen- te nos anos 1930: “Mas suponha que se considere, hoje em dia, que uma nação tenha acumulado imensa força militar e económica às expensas de

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uma ou muitas outras [...] para tal perturbação do equilíbrio, o homem ainda não encontrou nenhum método de ajuste pacífico [...] ele só pode ser retificado por uma irrupção de violência — uma guerra.”4

Mais uma vez, contudo, chega-se a uma contradição. Conforme será mostrado em seguida, o cáiser e outros líderes alemães acreditavam em 1912el913 que seu país estava ficando mais fraco, e não mais forte, relativamente às outras potências. Ver-se-á que o chefe do Estado-maior achava que a Alemanha devia começar a guerra tão logo fosse possível, precisamente porque as chances de ganhar seriam menores a cada ano. Em outras palavras, a guerra não era necessária para acomodar a força alemã, mas para acomodar a sua fraqueza.

Durante um tempo, a corrida armamentista parecia oferecer uma saída. No processo de alcançar a Grã-Bretanha como principal econo­mia da Europa, a Alemanha teve de ser capaz de superar o orçamento militar das suas rivais. Porém, a estrutura constitucional arcaica e a con­sequente inexistência de um sistema progressivo de impostos impedi­ram a Alemanha de traduzir o crescimento da economia em aumento da arrecadação do governo. No começo do século XX, a Alemanha tinha chegado ao seu limite, gastando tudo o que podia, e mais do que devia, nas forças armadas. Em seu respeitado estudo da Alemanha pré-Primei- ra Guerra Mundial, Berghahn escreve: “A política armamentista alemã foi quase exclusivamente responsável pela delicada situação financeira do Reich. Ao longo dos anos, um volume constante em torno de 90% do orçamento do Reich foi gasto no Exército e na Marinha” (grifo meu).5

Um líder como Franklin D. Roosevelt poderia ter aberto os olhos dos alemães para uma visão mais ampla, unindo o povo com genuíno carisma. O cáiser alemão Guilherme II parece ter aspirado tal papel. Ele usava uniformes brilhantes e montava nobres cavalos de batalha, e, às vezes, fazia pronunciamentos dramáticos. Mas não funcionou: ele não tinha aptidão para a função.

Ao longo dos muitos anos do seu reinado, seu apoio diminuiu en­tre os alemães, despencando durante os vários escândalos públicos sobre os quais mais será dito posteriormente. É curioso que no estrangeiro ele fosse considerado como a encarnação da tradição militar prussiana^ww^r, sendo a sua popularidade tão baixa entre os junkers militares prussianos.

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O cáiser Guilherme II era meio inglês; sua mãe era filha da rainha Vitória. Ele apresentava atitudes estranhas em relação à Inglaterra — um caleidoscópio de amor, ódio, admiração e desejo de ser aceito pelo me­nos como igual - , e essas contradições são explicadas por muitos biógra­fos com base nos seus sentimentos tanto pela mãe quanto pela avó.

Ao nascer, descobriu-se que ele estava mal posicionado no corpo da mãe. Os médicos que assistiram o parto não eram plenamente quali­ficados para o problema: na época, menos de 2% dos bebês mal posicio­nados nasciam vivos. Guilherme - mal - sobreviveu, mas com seqttelas permanentes.

Parece provável que Guilherme II fosse emocionalmente desequili­brado por causa das várias sequelas sofridas no nascimento. Resta aberto e controverso saber se sofreu ou não dano cerebral. Seu braço esquerdo ficou permanente paralisado, e a reação dos outros ao membro atrofiado pode tê-lo afetado de uma maneira ou de outra. John Rõhl, principal pesquisador da sua vida e da sua época, concluiu, com base em consi­deráveis indícios médicos, que Guilherme fora privado de oxigénio durante o parto e sofreu a vida inteira das consequências: distúrbios de persona­lidade como falta de objetividade e sensibilidade excessiva.6 Na opinião de Rõhl, o problema foi agravado pelo rigores da sua infância, inclusive o tratamento do pescoço torto por métodos como o uso de um “apare­lho de tração da cabeça”, e o tratamento do braço por introdução no corpo de um coelho recém-sacrificado.7 Sua paixão por uniformes mili­tares, sua devoção à caça e sua identificação com Aquiles sugerem que ansiava por uma glória marcial que jamais conseguiu alcançar.

Em 1888, Guilherme ascendeu ao trono como rei da Prússia e im­perador alemão. Em 1913, aos 54 anos de idade, ele havia reinado por um quarto de século. Durante este tempo, ele presidira os assuntos de Estado num sem número de crises internacionais que ameaçaram pro­vocar uma guerra européia, e em todas elas a guerra tinha sido evitada com o próprio Guilherme cedendo afinal, em cada caso, ao lado da paz. A decisão era dele. A constituição da federação alemã lhe dava o poder de declarar guerra. Ele brincava amiúde com a idéia de fazê-lo.

Ele era uma influência perturbadora. Era nervoso, irritável e in­constante. Apanhado na excitação do momento, ele ameaçava e assumia posturas, agia como um senhor da guerra pronto a liderar a nação na

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batalha; depois, recuava e retirava tudo. Funcionários militares e civis que trabalharam com ele aprenderam a nunca confiar nas decisões que ele anunciava extemporaneamente; houvera muitos alarmes falsos.

Os relatos que nos foram deixados por pessoas a ele associadas mostram uma figura indisciplinada e inconstante, algo infantil, emocio- nalmente tensa, sempre à beira de um colapso, francamente ignorante mas que não hesitava em fazer pronunciamentos impróprios sobre não importa que assunto sobre o qual nada soubesse. Egoísta e propenso à megalomania, ele falava frequentemente, e até agia, como se fosse um governante absoluto. Isto era particularmente verdadeiro no campo das relações exteriores. Em certa ocasião, ele se vangloriou ao príncipe de Gales: “Sou o único mestre e senhor da política alemã e meu país tem de me seguir onde quer que eu vá.”8 Se não fosse tão caprichoso e impre­visível, e não tivesse voltado atrás tantas vezes, ele poderia ter exercido mais influência política. Sendo as coisas o que eram, os ministros apren­deram a quase nunca considerar o que o cáiser lhes dizia e, como se faz com uma criança, “a saber levá-lo”. E isto nem era tão difícil, haja vista ele raramente estar presente; a maior parte do tempo ele estava fora, caçando ou velejando. Nos anos normais, só permanecia na residência em Berlim de janeiro a maio.

Até Guilherme II tornar-se cáiser, a política alemã era amplamente definida pelo chanceler, Otto von Bismarck. Guilherme, um monarca inexperiente, não ficou à vontade com o veterano ancião e suas políticas. Ele discordava de Bismarck em assuntos como a maneira de lidar com o esforço industrial: Guilherme tomava então o partido dos trabalhadores em greve, Bismarck se alinhava com os proprietários das fábricas. Em 1890, Guilherme afirmou sua autoridade demitindo o Chanceler de Ferro.

Em 1890, depois de Bismarck ter sido demitido, os novos minis­tros do cáiser deixaram o Tratado de Resseguro, criação de Bismarck, caducar. O tratado fora um elemento essencial da política alemã, pois ratificava a amizade com a Rússia depois de já ter ratificado a amizade com a Áustria-Hungria. Na visão de Bismarck, ele vinculava os três impé­rios, assim mantendo a rivalidade entre a Rússia e a Áustria nos Bálcãs sob controle. A Alemanha jogaria todo o seu peso sobre qualquer dos dois aliados que ameaçasse perturbar o delicado equilíbrio existente entre eles.

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Berlim manteria ambos os aliados, garantindo a segurança da Alemanha na sua frente oriental. Os tratados eram secretos: a Rússia não sabia do tratado com a Áustria; a Áustria não sabia do tratado com a Rússia.

Durante um século, os historiadores culparam o cáiser por deixar que o Tratado de Resseguro caducasse. Os estudiosos agora mostraram que a responsabilidade não foi inteiramente dele. Em 21 de março de 1890, Guilherme garantiu ao embaixador russo que planejava renovar o tratado. Em 27 de março, explicando que seus conselheiros políticos eram contrários à renovação, ele disse: “Então não pode ser feito.9 Sinto muitíssimo.” Este comportamento era típico; ao mesmo tempo que afir­mava ser monarca absoluto, permitia-se ser desconsiderado.

De Bismarck, o poder passou, dentro do governo alemão, para aque­les que olhavam para o leste: que talvez sonhassem em expandir territó­rio, influência ou mercados através dos Bálcãs e quiçá da Rússia na direção do Oriente Médio e daí para a China.

Por trás dessa perspectiva política jazia a sombria visão histórica de um choque fatídico entre os povos teutônicos, por um lado, e por outro os povos do Leste, eslavos e orientais, na qual estes, se derrotados, have­riam de tornar-se servos ou escravos. Tratava-se da contrapartida das ambições pan-eslavas que animavam alguns formuladores de políticas em São Petersburgo.

Uma questão ainda debatida é se Guilherme II teve ou não um papel importante na formulação de políticas. Uma área em que sua ava­liação teve de fato uma influência consideravelmente determinante foi a mudança de ênfase na grande estratégia ao final de década de 1890: o novo foco da Alemanha em política naval.

A grande figura com quem esta estratégia era associada era o secre­tário de Estado do Gabinete Naval, o recém-nobilitado almirante Alfred von Tirpitz. Num certo sentido, Tirpitz representava as classes médias ascendentes. Seu plano pareceu resolver vários problemas de uma só vez. Ele reclamou a criação de uma grande frota de guerra. A sua construção geraria níveis de emprego e de prosperidade, e seduziria, por assim dizer, um setor da classe trabalhadora até então socialista.

Este programa naval consumia cada vez mais dinheiro, e só foi pos­sível devido à ordem de prioridades peculiar do Ministério do Exército. Segundo Berghahn: “A partir de meados dos anos 1890, as despesas

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navais aumentaram enormemente, enquanto, ao mesmo tempo, a ex­pansão do Exército chegou a uma virtual paralisação [...] Seguiram-se duas décadas de estagnação.”10 Havia fundos disponíveis para expandir a Marinha porque o Exército escolheu não se expandir; “foi a própria liderança do Exército quem convocou a suspensão da expansão.” Os generais agiram assim para evitar a abertura das fileiras da oficialidade ao que viam como elementos não confiáveis: elementos sem passado prussiano junker.

Como escreve Berghahn, uma das funções da oficialidade era “ga­rantir a fidelidade absoluta à ordem existente e ao comandante militar supremo, o monarca”. Em vez de ampliar-se, para melhor combater os inimigos estrangeiros, o Ministério da Guerra escolheu permanecer nos níveis de força então existentes a fim de combater os inimigos internos.

Esperava-se da expansão naval lançada por Tirpitz que capacitasse a Alemanha para competir com as outras potências por colónias. Ela permitiria à Alemanha estender seu alcance a qualquer lugar do mundo e não somente ao interior e cercanias da Europa. A Alemanha passaria a fazer parte da política mundial, e não apenas da continental. Por sua própria natureza, o programa lançava um desafio à Grã-Bretanha, con­tra quem, na realidade, era voltado. Ao construir uma grande Marinha, tentar tomar posse de um império colonial e buscar desempenhar um papel no cenário global, a Alemanha estava empreendendo ou bem riva­lizar com a Inglaterra ou tomar o seu lugar.

Em retrospecto, foi uma política autofágica. A Alemanha, junta­mente com seu aliado austríaco, está situada no centro da Europa. Tem vizinhos de todos os lados. Geograficamente, está cercada. Seu pesadelo sempre foi ver-se cercada por uma combinação de potências hostis. Pois foi a própria Alemanha guilhermina quem traduziu este pesadelo em realidade, com sua política externa agressiva e suas imprudentes decisões de aliança.

A oeste estava a França, inamistosa pela perda da Alsácia e parte da Lorena para a Alemanha na guerra de 1870-1871. Bismarck, na sua épo­ca, distraía os franceses apoiando suas pretensões imperiais; sob Guilher­me II, a Alemanha passou a aprofundar o fosso, opondo-se ao imperialismo francês, notadamente durante as crises marroquinas de 1906 e 1911.

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ALEMANHA EXPLOSIVA

A leste estava a Rússia, que Berlim deliberadamente hostilizou, dei­xando caducar o Tratado de Resseguro. A Alemanha fez a escolha fatídi­ca de apoiar a Áustria contra a Rússia. Assim, tinha inimigos de ambos os lados, leste e oeste, evocando precisamente a guerra de duas frentes que assombrava os seus generais.

Ao sul, a Itália tinha reivindicações territoriais contra a Áustria, o que tornava provável que a aliança de Roma fosse com o outro lado. A aliança germano-austríaca também poderia ter de lutar na frente sul.

Então, no começo dos anos 1900, o programa Tirpitz hostilizava também a Grã-Bretanha. Inglaterra, França e Rússia, que de muitas maneiras eram inimigas naturais uma da outra, e que estiveram em con­flito por mais de um século como rivais imperiais na Ásia e em toda parte, ficaram sem escolha, exceto se agruparem. Portanto, o cerco hos­til que a Alemanha tanto temia foi enredado pela própria Alemanha. Mas o cáiser e seu grupo, incluindo os líderes militares do país, preferi­ram acusar os outros.

Até onde se mantinha constante no apoio a políticas, o cáiser apoiou Tirpitz e sua política naval. Isto levou o monarca a um alinhamento com um segmento amplo da classe média, a qual favorecia a expansão do comércio, a criação de uma frota para sustentar o ímpeto comercial e o reconhecimento pelas potências estrangeiras da grandeza crescente da Alemanha. Era uma política que incitava o medo dos vizinhos. Por ou­tro lado, não levava a Alemanha a sentir-se mais segura.

Dada a relativa coerência com que estimulou o navalismo, poder-se- ia condenar o cáiser como responsável pela guerra de 1914, tivesse ela resultado do desafio naval que ele lançou contra a Grã-Bretanha. Mas não foi isto o que aconteceu. A Alemanha abandonou a corrida armamentista naval vários anos antes de a guerra começar; o navalismo perdeu então sua relevância na estratégia mundial alemã.

Foi um grupo militar rival, o Exército liderado pelos prussianos, que finalmente levou a Alemanha pelo caminho escolhido em 1914. Para ser visto com clareza, o militarismo alemão daquele período não deve ser compreendido como um fenómeno único com dois aspectos, mas como dois programas rivais: o da Marinha e o do Exército. Parado­xalmente - palavra que, assim como “singularmente”, é preciso usar fre­quentemente ao falar sobre a Alemanha guilhermina - , Tirpitz e

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Guilherme, soubessem ou não, lideravam o partido da paz. Isto porque, no grande plano de Tirpitz, a Marinha levaria anos para ficar pronta para qualquer possível confrontação com a Inglaterra. E a Marinha não queria lutar até estar pronta. Assim, Tirpitz era a favor da paz no presen­te e da guerra tão mais tarde que pouca relevância tinha para a política do seu tempo. Para a Marinha, o inimigo era a Inglaterra; para o Exérci­to, era a Rússia.

O Exército não tinha nenhum entusiasmo pelo cáiser. O apoio de Guilherme à Marinha ameaçava o controle junker do império alemão; entre outras coisas, abria vias de ascensão para elementos novos das clas­ses médias e profissionais. Além disso, sua tendência a retroceder diante de confrontações internacionais sempre que parecia haver risco real de guerra era vista como covardia pelo Exército.

O abatimento provocado pelas impropriedades do cáiser se desdo­brou num pessimismo mais amplo, visão de mundo característica da Alemanha pré-1914 e que afetou as lideranças mais jovens, como Moltke. Esse abatimento difuso era devido, nos diz Fritz Fischer, à devoção aos ideais do mundo pré-capitalista e seus valores, que desapareciam e ja­mais poderiam ser restaurados.11

Nenhuma descrição da Alemanha há um século seria completa sem mencionar sua precedência académica e cultural. A “Alemanha de Einstein”, como a chamava Fritz Stern, estava pronta para liderar o mundo em termos de erudição e ciência. Produzia uma grande literatura e uma grande música. Os que esperavam fazer uma carreira séria em estudos clássicos, filosofia, sociologia ou ciências naturais eram aconse­lhados a entrar nas universidades alemãs. Os alemães eram, possivel­mente, o povo mais realizado do mundo.

País avançado dentro de uma estrutura governamental atrasada, de um humanismo amplo ainda que estreitamente militarista, a Alemanha era uma terra de paradoxos. Observadores de fora a viam como um país promissor, a terra do futuro, ao passo que seus próprios líderes acredita­vam que sua hora estava passando. Era um país deslumbrantemente bem- sucedido, mas profundamente perturbado, poderoso mas medroso ao ponto da paranóia. Simbolizava-o bem o seu governante, que era tanto física quanto emocionalmente desequilibrado. Situada no coração da Europa, a Alemanha estava no coração dos problemas europeus.

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ALEMANHA EXPLOSIVA

Retrospectivamente, parece estranho que observadores - os obser­vadores que foram surpreendidos pela eclosão da guerra de 1914 - não tivessem visto que muitos líderes alemães estavam ávidos por uma guer­ra, e que mais cedo ou mais tarde - se pudessem convencer o cáiser — eles conseguiriam. Um americano, Edward House, o viu, mas muitos euro­peus não.*

Se acreditarmos em House, tudo apontava para uma guerra em que a Europa seria tragada pelas chamas. A dificuldade seria prever quando e onde seria dado o primeiro passo. Retrospectivamente, pode-se argu­mentar com segurança a proposição de que ele foi dado na Turquia otomana em 1908.

" Para House, ver p. 122.

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PARTE TRÊS

À DERIVA PARA A GUERRA

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CAPÍTULO 10: MACEDÔNIA- FORA DE CONTROLE

O problema mais difícil, complicado e longevo enfrentado pelo [...] [sultão turco] foi a Questão Macedônia [...] Do Congresso de Berlim até a Primeira Guerra Mundial, a discussão ocupou os políticos otomanos e europeus igualmente, mais do que qualquer outro proble­ma diplomático isoladamente

Shaw e Shaw, History ofthe Ottoman Empire and Modem Turkey [História do Império Otomano e da Turquia moderna]

Parece muito que a deriva para a guerra começou, até onde qualquer movimento da história tem um começo, na velha cidade imperial de

Constantinopla: a Bizâncio de ontem e Istambul de hoje. Dominando os estreitos que separam a Europa da Ásia, a cidade ocupa um lugar que esteve no centro da política mundial desde que os lendários, e talvez fabulosos, Agamenon, Ulisses e Aquiles embarcaram para a vizinha Tróia. Por mais de mil anos após o século IV d.C., Constantinopla serviu como capital do Império Romano do Oriente. Depois, por quinhentos anos ela foi capital do Império Otomano (ou Turco). Sobreviveu a duas civilizações e, no começo dos anos 1900, parecia pronta a sobreviver à terceira.

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M A CE DÔNI A - FORA DE C O N T R O L E

Entretanto, ela vivia um momento baixo do seu fado. Extinguira- se a sua glória, bem como a sua beleza. Ela não acompanhara os tempos. A maioria das suas ruas continuava sem pavimentação; os sapatos e bo­tas dos seus milhões de habitantes continuavam sujos de lama quando chovia, e de poeira quando não. A eletricidade ainda não tinha sido introduzida. A cidade era conhecida por seus fortes ventos, soprando às vezes de uma direção, às vezes, de outra. Que os ventos da mudança haveriam de acabar levando aquele império, eis uma visão comumente expressa, mas prever de onde iria soprar seria um pouco menos fácil.

Foi na Macedônia, um território turco igualmente ambicionado pela Grécia, a Sérvia e a Bulgária, no centro dos turbulentos Bálcãs, que as forças diruptivas foram liberadas. A Macedônia era um país fronteiriço, sem leis e fora de controle; ela resistia aos esforços para policiá-lo. O país era presa de banditismo, guerrilha, disputas de sangue, terrorismo, as­sassinatos, massacres, retaliações, rebeliões e quase todas as formas de violência e derramamento de sangue conhecidas da humanidade. O Terceiro Exército Otomano, encarregado da responsabilidade de pacificá- lo, era infiltrado por membros de uma das muitas sociedades secretas subversivas turcas: o Comité de União e Progresso (C.U.P.), conhecida como o movimento dos Jovens Turcos. Os Jovens Turcos defendiam a modernização. Seu objetivo era reformar o império para impedir que a Europa continuasse tomando territórios otomanos.

Também na Bulgária, que via a Macedônia como a sua metade meridional, a luta foi uma experiência que engendrou sociedades milita­res ultranacionalistas clandestinas e mortíferas. Muito mais tarde — nos anos 1920 e 1930 - elas se aliariam com o fascismo italiano e deixariam uma trilha de sangue na história dos Bálcãs.

A Macedônia desempenhou quase o mesmo papel para a Sérvia, outra província a reivindicá-la. Oficiais e voluntários sérvios passaram pela mesma experiência de guerrilha e guerra suja. Também na Sérvia, um dos resultados da comoção foi a criação de sociedades secretas por oficiais ultranacionalistas. Como veremos mais tarde, um desses grupos sérvios, o Mão Negra, foi frequentemente acusado de ter começado a Primeira Guerra Mundial. A Macedônia foi a escola que formou os ultranacionalistas sérvios. Oriundos de um passado incendiário, eles

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O ÚLTIMO VERÃO EUROPEU

tiveram um papel direto no incêndio do seu próprio mundo. Como os búlgaros, os sérvios começaram a praticar assassinatos para alcançar seus fins e, como os búlgaros, voltaram-se contra o seu próprio governo e seus próprios políticos. As sociedades secretas militares turcas, búlgaras e servias se pareciam umas com as outras, exceto pelo fato de cada uma delas querer a Macedônia para si. E os Jovens Turcos foram os primeiros a sair da clandestinidade para realizar seus objetivos.

Os Jovens Turcos foram incitados à ação pela notícia, em junho de 1908, da proposta russa e inglesa de restaurar a ordem na Macedônia com o envio de tropas europeias que serviriam como força de polícia. Se implementada, o que, pelo menos retrospectivamente, parece ser alta­mente improvável, a proposta teria significado que a Turquia podia per­der mais uma província.

Saindo brevemente da clandestinidade, os Jovens Turcos entraram em contato com as potências europeias para protestar contra a proposta. Em meio a uma grande confusão, o sultão enviou homens para prender vários líderes do C.U.P., mas os Jovens Turcos fugiram para evitar a prisão e dar início a uma rebelião. Em resposta à desordem crescente, o sultão decretou, em 24 de julho de 1908, a restauração da Constituição, o que vinha a ser a principal reivindicação dos Jovens Turcos. No ano seguinte, o sultão abdicou em favor do seu irmão.

Uma nova fase fora aberta na política otomana. Não estava claro quem ia liderar ou em que direção iriam os líderes. Não até que 1913 visse os Jovens Turcos seguramente instalados no controle do Império Otomano. Mas os europeus estavam informados de que mudanças po­diam finalmente estar no ar.

Para Alois Lexa von Aehrenthal, ministro das Relações Exteriores da Áustria-Hungria, parecia possível que a rebelião dos Jovens Turcos pudesse representar uma genuína revolução nos assuntos otomanos. A rebelião podia significar que a reforma e a modernização que os Jovens Turcos defendiam podiam de fato ser tentadas - e podiam colocar em perigo os interesses dos Habsburgo nos Bálcãs.

Visto desse modo, o sinal fora dado. Agora, podia-se argumentar, chegou a hora de agir — ou nunca. O tempo estava passando. Ou os Jovens Turcos fortaleceriam o seu império e dariam um basta a mais anexações por potências européias, ou então o Estado otomano ia conti­

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nuar a desintegrar-se. A ascensão ao poder do movimento dos Jovens Turcos parecia traduzir uma mensagem para Viena: responder, golpear imediatamente, enquanto a Turquia ainda continuava fraca e antes que outra potência europeia viesse a fazê-lo.

MACE DÔNI A - FORA DE C O N T R O L E

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CAPÍTULO 11: ÁUSTRIA- PRIMEIRA A DAR PARTIDA

Em 1908, a Monarquia Dual da Áustria-Hungria administrava as pro­víncias balcânicas duais da Bósnia-Herzegóvina, cujo governante

nominal continuava a ser o sultão otomano. A Turquia experimentara, nos anos 1870, o processo de perder as províncias para uma rebelião nativa e, depois, numa guerra contra a Rússia, quando as outras grandes potências da Europa invadiram para acertar as coisas e preservar o equi­líbrio de poder entre elas.

No Congresso de Berlim, em 1878, as potências tinham dividido a propriedade das províncias em duas: o título legal permanecia com a Turquia, mas o direito real de ocupação foi garantido — provisoria­mente — à Monarquia Dual. Esse arranjo não acertou de fato as coisas. O Império Habsburgo foi obrigado a enviar um exército de entre 200 e 300 mil homens para abrandar e subjugar os combatentes locais pela indepen­dência. As províncias eram ambicionadas por muitos; cada um dos sócios que compunham a Monarquia Dual, a Áustria-Hungria, certamente as queria para si, de modo que a decisão teve de ser adiada indefinidamente, a fim de preservar o equilíbrio de poder interno da Monarquia Dual.

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ÁUSTRIA - PRIMEIRA A DAR PARTIDA

A decisão de quem finalmente substituiria o sultão otomano como go­vernante legal também teve de ser adiada, para preservar o equilíbrio de poder ainda mais frágil entre os Estados da Europa. Neste ínterim, os habitantes amplamente eslávicos das províncias acalentavam ambições próprias de independência nacional, ao passo que seus companheiros eslavos na vizinha Sérvia, do outro lado do rio, sonhavam anexá-los.

O barão von Aehrenthal, ministro das Relações Exteriores da Mo­narquia Dual (1906-1912), foi elevado da dignidade de conde à de ba­rão em 1909, decantado em sua reputação como o secretário das Relações Exteriores mais altamente estimado do seu tempo. No Ministério das Relações Exteriores, ele se fez cercar por uma equipe de jovens assessores aristocráticos que se tornaram seus discípulos. Seus admiradores consi­deravam-no inteligente; seus detratores, demasiado inteligente.

Aehrenthal via na rebelião dos Jovens Turcos uma oportunidade para alcançar uma esplêndida proeza na rivalidade permanente entre as grandes potências imperiais. Pouco importa se tomar as províncias balcânicas fosse a primeira — ou a última - chance de desmembrar o Império Otomano; em ambos os casos, a Áustria-Hungria ia sair na frente das outras potências, atacando primeiro. O momento era propí­cio: a Rússia, antes a principal rival da Áustria nos Bálcãs, estava tão enfraquecida por ter perdido a guerra contra o Japão (1904-1905) e pela revolução de 1905, que estava praticamente hors de combat.

Em 6 de outubro de 1908, a Monarquia Dual anunciou a sua ane­xação da Bósnia-Herzegóvina. Para desviar a atenção da proclamação, Aehrenthal encorajara a Bulgária, que até então permanecera nominal­mente sob soberania turca, a proclamar sua independência legal no dia anterior. Além de jogar poeira nos olhos dos ministros das Relações Ex­teriores da Europa, ele também propôs retirar as tropas Habsburgo, que considerava inúteis, do distrito turco vizinho de Novibazar. Aehrenthal, que manteve seu próprio monarca, Francisco José, no escuro quanto a estas manobras, mentiu repetidamente aos outros governantes europeus sobre o que fazia e o que estava estimulando a Bulgária a fazer. Trata-se de um exemplo da erosão do código de conduta aristocrático que antes tinha caracterizado os líderes europeus.

A reação mais violenta veio da pequena mas vigorosa monarquia balcânica da Sérvia, defensora dos direitos dos eslavos do sul. A Sérvia

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O ÚLTI MO VERÃO EUROPEU

há muito encarava a Bósnia-Herzegóvina como área estratégica sua. Mui­tos elementos do governo, entre os militares, e da população pensaram imediatamente em mobilização contra a Áustria ou em entrar em guerra de uma vez. A Narodna Odbrana, uma organização paramilitar nacio­nalista sérvia, se projetou como a campeã da causa sérvia.

Até o cáiser ficou apreensivo, chamando a anexação de “temerosa estupidez” e lamentando: “Minha política turca, tão cuidadosamente construída ao longo de vinte anos, foi jogada fora.”1 Ele soube da inicia­tiva austríaca pelos jornais e comentou dizendo-se “profundamente ofen­dido em meus sentimentos de aliado” pelo segredo de Aehrenthal;2 ao que o chanceler alemão respondeu: “Nosso problema pode ser definido da seguinte maneira: não podemos arriscar a perda da Áustria - com seus 50 milhões de habitantes, seu Exército forte e eficiente, mas menos ainda podemos nos deixar arrastar por ela para dentro de um conflito armado que [...] pode levar a uma guerra generalizada, em que certa­mente não temos nada a ganhar.”3

Alexander Izvolsky, o secretário das Relações Exteriores da Rússia, que era o principal rival da Áustria na região, inicialmente não fez obje- ções à tomada pela Áustria. Ele acreditava que Aehrenthal tinha lhe pro­metido que o Império Habsburgo ia ajudar a garantir uma compensação para o tsar: a Rússia teria passagem livre por Constantinopla e pelos estreitos. E verdade, Izvolsky acreditou ter uma promessa definitiva de Aehrenthal a este respeito e sentiu-se enganado quando não foi cumpri­da. Mas uma nota dura em linguagem nada diplomática de Berlim dis­suadiu o tsar de patrocinar a causa sérvia. O ativo ministro das Relações Exteriores alemão, o agressivo Alfred von Kiderlen-Wãchter, usou, em nome de Biilow, uma linguagem ameaçadora — de ultimato - ao comu­nicar-se com Izvolsky: “Esperamos uma resposta definitiva: sim ou não; qualquer resposta evasiva, intricada ou vaga terá de ser encarada por nós como recusa.” A Rússia, recuperando-se da derrota e da revolução de 1905, tinha pouca escolha além de submeter-se. Foi muito humilhante para Izvolsky, pois outras figuras importantes em seu governo que não compartilhavam seus objetivos nos estreitos ficaram surpresas por ele ter deixado Aehrenthal sair ileso da tomada da Bósnia.

A anexação pela Áustria da Bósnia-Herzegóvina perturbou o frágil equilíbrio de poder nos Bálcãs. Izvolsky, para dar uma resposta a

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Aehrenthal ou por alguma outra razão, enviou Nicolai Hartwig como representante à Sérvia (1909-1914). Hartwig era um militante pan-eslavo que tinha seu próprio grupo de seguidores na Rússia. Ele empreendeu reunir os Estados balcânicos numa frente comum para tomar parte ou todas as terras ainda ocupadas pelo Império Otomano na Europa. Era uma tarefa difícil — levar os Estados rivais belicosos dos Bálcãs cristãos a um acordo sobre qualquer assunto às vezes parecia desesperador —, mas, como mostrou Hartwig, não era impossível.

Hartwig começou forjando uma aliança entre a Sérvia e a Bulgária, e depois associando esta aliança a um acordo com a Rússia. Seguiram-se arranjos com a Grécia e com Montenegro.

O chanceler von Biilow tinha aprovado o uso de uma linguagem humi­lhante para lidar com a Rússia. Talvez por querer marcar um triunfo evidente. Ele necessitava de um triunfo evidente.

Búlow tinha sido nomeado para o cargo em grande parte pela in­fluência de Philip Eulenburg, o melhor amigo do cáiser. Em seguida a uma série de escândalos e perseguições homossexuais, Eulenburg foi obrigado a ir para o exílio. Histórias de folias travestidas e festas deca­dentes pareciam implicar o próprio cáiser.

Como chanceler, Búlow fora obrigado a reconhecer que a Alema­nha não podia manter a corrida armamentista naval com a Grã-Bretanha, disputa que havia sido central na política de Tirpitz, que ele e o cáiser tinham adotado. Ele próprio havia compreendido a dificuldade de sus­tentar o orçamento, e visto que não havia como aumentar impostos, o que seria necessário para poder fazê-lo.

Quando a crise bósnia estava chegando ao fim, Bulow enfrentou outro escândalo: uma polémica entrevista concedida pelo cáiser a um jornal, previamente liberada pelo chanceler.

A entrevista foi dada por Guilherme a um amigo britânico, que a partir das suas anotações redigiu um artigo que foi publicado pelo Daily Telegraph em outubro de 1908. O artigo pretendia mostrar que o cáiser era pró-Grã-Bretanha e que, conseqiientemente, a Inglaterra nada tinha a temer da Alemanha. Guilherme afirmava que durante a recente Guer­ra dos Bóeres na África do Sul (em que os interesses e simpatias alemães estavam com os bóeres e contra a Inglaterra), ele havia pessoalmente

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evitado que outras potências européias se juntassem contra a Inglaterra. E mais, o cáiser reivindicava ter concebido e repassado planos estratégi­cos à Grã-Bretanha, os quais teriam lhe permitido vencer a guerra. Os britânicos ficaram furiosos, e não foram os únicos.

O povo alemão, o Parlamento alemão e todos os partidos alemães condenaram Guilherme. Discutiu-se se o cáiser devia ou não ser forçado a abdicar. E claro, ele não havia, conforme afirmado, fornecido aos ge­nerais britânicos os seus planos de campanha. Biilow, porém, que fra­cassara em vetar adequadamente as observações indiscretas do seu monarca, agora fracassava em defendê-lo. Para salvar-se, ele mentiu e não admitiu ter liberado a entrevista. Em 1909, Biilow renunciou. Um novo chanceler foi empossado, Theobald von Bethmann Hollweg, fun­cionário público, mas de uma velha e rica família renana. Bethmann sabia não ser a escolha preferencial de Guilherme para a posição, e sua disposição para confrontar o cáiser foi então questionada, e ainda é. Bethmann era um ádvena - não era prussiano, não era militar — que não tinha, e tampouco jamais desenvolveu, relações pessoais com a liderança das forças armadas ou com o imperador.

Para os militares prussianos, desmoralizados pelo descrédito de Guilherme, pareceu evidente que a única maneira de salvar a monarquia e, portanto, o seu modo de vida era entrar em guerra. O chefe do Gabi­nete Militar, general Moritz von Lyncker, afirmou que a guerra era ne­cessária para tirar a Alemanha de “dificuldades internas e externas”.4 Mas acrescentou que o cáiser provavelmente não teria fibra para adotar esta solução.

Moltke, chefe do Grande Estado-maior, acreditava que a guerra era inevitável, e quanto mais rápido melhor. Desapontou-o o fato de a crise bósnia ser resolvida pacificamente; tal oportunidade de guerra, advertiu ele, “não aparecerá tão cedo novamente em condições tão favoráveis”.5

Tendo concluído a anexação da Bósnia-Herzegóvina, Aehrenthal tratou de preservar o novo status quo nos Bálcãs. Não queria mais mudanças. Tentou persuadir as potências de que a Áustria não tencionava anexar a Macedônia a seguir. A Rússia, porém, considerava o que ele havia feito agressivo, acreditando que a Áustria-Hungria tinha se tornado expansionista. Para se

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contrapor a tal expansionismo, a Rússia sentiu-se impelida a organizar o sentimento pró-russo, antiaustríaco nos Bálcãs. A Monarquia Dual, por sua vez, considerou a iniciativa da Rússia expansionista, o que exigia medidas defensivas da sua parte.

O tratado de 1879 entre a Alemanha e a Áustria fora uma aliança defen­siva: se qualquer dos países fosse atacado — mas somente no caso de o país ser atacado - , o outro era obrigado a ajudar. Em janeiro de 1909, po­rém, no auge da crise da Bósnia-Herzegóvina, Conrad, o chefe do Esta­do-maior da Áustria, perguntou a Moltke, seu colega alemão, o que a Alemanha faria se a Áustria invadisse a Sérvia, provocando com isto uma intervenção russa. Moltke respondeu que a Alemanha protegeria a Áustria ainda assim, mesmo que ela tivesse começado. Ademais, a Ale­manha entraria em guerra não apenas contra a Rússia, mas também contra a França, já que a França era aliada da Rússia.

Em sua história da Alemanha, Gordon Craig observa que depois disso a Áustria confiou na promessa de Moltke como um compromisso solene: “Com efeito, Moltke havia mudado o tratado de 1879, de trata­do defensivo para tratado ofensivo, e colocado seu país à mercê dos aven­tureiros de Viena.”6 Deve-se acrescentar que a promessa de Moltke foi apoiada pelo chanceler.

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CAPÍTULO 12: FRANÇA E ALEMANHA FAZEM SEU JOGO

A França estava há muito de olho no Marrocos. Era o último territó­rio na África do Norte a continuar independente, e complementaria

convenientemente os haveres da nação na Argélia e na Tunísia. A Fran­ça estava tomando medidas para afirmar presença no Marrocos quando, em 1905, a Alemanha inesperadamente interveio. O cáiser, ainda que relutantemente, foi enviado por seu governo numa viagem — de navio, por meio de ventos força 8 — de apoio à independência marroquina. Para a Alemanha, tratava-se de um pretexto visando cindir a recém- formada Entente da Grã-Bretanha com a França. Mas a manobra da Alemanha não deu certo: a Grã-Bretanha apoiou a França. Convocou- se uma conferência internacional, que também se solidarizou com a Fran­ça. A conferência arbitrou o papel decisivo deste país nos assuntos do Marrocos por meio de um tratado assinado em Algeciras em 1906. Por insistência da Alemanha, o tratado exortava os europeus a apoiarem o governo do sultão, a não enfraquecerem a independência do Marrocos, como a França (ou pelo menos sua facção colonialista) na verdade ten­cionava e de fato empreendeu fazer.

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Em março de 1911, segundo as autoridades francesas, tribos rebel­des iniciaram desordens no interior do Marrocos, ameaçando uma das suas capitais, Fez. O sultão marroquino fez um apelo à França, para mandar tropas e restaurar a ordem. Em Berlim, acreditou-se que o le­vante havia sido fomentado pela França a fim de prover uma justificati­va para ocupar o país. Mesmo que a revolta fosse genuína, era prudente supor que, uma vez instaladas no Marrocos, as tropas francesas iriam permanecer. O novo secretário das Relações Exteriores alemão, Alfred von Kiderlen-Wãtcher, decidiu estender uma armadilha. Até a França agir, ele nada fez, exceto lembrar que fazê-lo anularia os acordos do tra­tado existente e levaria a novas negociações para substituí-los. Seu obje- tivo era forçar a França a oferecer compensações substanciais à Alemanha: enormes extensões de terra na África. Tal triunfo diplomático reforçaria a posição do governo de Berlim nas iminentes eleições parlamentares de1912, nas quais, caso contrário, as perspectivas seriam das mais sombrias.

Tropas francesas ocuparam Fez em 21 de maio de 1911. Sem con­sultar sequer elementos-chave do seu próprio governo, como os chefes das forças armadas, Kiderlen enviou um cruzador, o Panther, para ficar ancorado no porto de Agadir, na costa atlântica marroquina. Então de­clarou as reivindicações alemãs em Ia de junho. Aparentemente, ele su­pôs que a Inglaterra, como rival imperial de longa data da França, não se envolveria no conflito. E tampouco a Rússia, relutante em arriscar uma guerra por um país tão distante e desimportante como o Marrocos. A Áustria-Hungria era aliada, e também, pelo menos em tese, a Itália.

O cálculo de Kiderlen era de que uma França isolada ia ceder. Re­velou-se, porém, que a França não estava isolada. A Grã-Bretanha veio em seu apoio: o ministro das Finanças David Lloyd George, apesar de suas origens políticas radicais, de inclinações pacifistas e antiimperialistas, deixou-o claro num discurso inflamado num banquete na Mansion House em 21 de julho. A Rússia também, com alguma ambiguidade, pareceu solidarizar-se com a França, enquanto a Áustria-Hungria se re­cusou a prestar sequer apoio diplomático à Alemanha. A Itália não foi de nenhuma ajuda.

O cáiser e seus aliados políticos, relutantes desde o começo em dei­xar o secretário das Relações Exteriores dar sua arriscada cartada, pres­sionaram em favor da paz. A Alemanha recuou. A Áustria tinha logrado

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anexar a Bósnia-Herzegóvina graças ao apoio alemão; a França lograra tomar o Marrocos graças à ajuda britânica. A França, que já controlava a Argélia e a Tunísia, obtinha então o reconhecimento da Alemanha também para seu protetorado no Marrocos. Em retorno, a Alemanha re­cebeu compensações na África, as quais considerou inadequadas. Tudo foi acordado em 4 de novembro de 1911.

Tudo parecia se encaixar na esteira da crise de Agadir. Os contor­nos de uma guerra futura, ainda que não a sua causa, tornavam-se cada vez mais claros. A Alemanha fora avisada de que a Grã-Bretanha poderia ficar do lado da França, e que a Rússia faria o mesmo se o que estivesse em jogo fosse a sobrevivência da França, em vez de uma simples questão colonial.

A Alemanha não podia contar com a Itália, um aliado nominal, e nem sequer com a Monarquia Dual. Encarando a aliança austríaca como vital, a Alemanha aprendeu em Agadir que se tratava de uma via de mão única: Berlim apoiaria os interesses de Viena, mas Viena não apoiaria os de Berlim. O chanceler Theobald von Bethmann Hollweg já sabia disso antes da crise; ele tinha dito ao cáiser: “Se houver uma guerra, devemos esperar que a Áustria seja atacada, para que ela precise da nossa ajuda, e não que nós sejamos atacados, de modo a dependermos da decisão da Áustria se vai ou não permanecer leal à aliança.”1 Em outras palavras, o conflito teria de ser da Áustria em primeiro lugar, ou Viena não ia entrar na guerra.

A crise de Agadir alertou a Alemanha para um outro perigo: vulnerabilidade financeira. Ela decidiu cobrar todo o dinheiro que esta­vam lhe devendo. A partir de meados do verão de 1911, o Banco Cen­tral alemão, o Reichsbank, começou a cobrar sistematicamente todas as dívidas estrangeiras, um programa que, se continuado, estaria concluído em cinco anos e teria transformado a Alemanha em devedor total.2 Em 1916, Berlim teria repatriado todo o seu dinheiro. E também estaria de posse da montanha de dinheiro que tomara emprestado de outras po­tências européias, o qual agora financiaria uma guerra contra elas.

Os atos e palavras da Alemanha no verão de 1911 - o envio do Panther ao Marrocos e a linguagem usada na comunicação com as gran­des potências — alarmaram a Europa e provocaram uma forte reação. Há nisso uma certa ironia, pois não foram obra nem do cáiser nem do chan­

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FRANÇA E ALEMANHA FAZEM SEU J O G O

celer, mas de um secretário das Relações Exteriores um tanto ou quanto descontrolado, que morreu no final daquele ano depois de entornar seis conhaques.

David Lloyd George, ministro das Finanças do governo liberal bri­tânico, era um daqueles velhos antiimperialistas cuja disposição foi mu­dada por alemães e a respeito deles. Daí o discurso na Mansion House em que ele se comprometeu a gastar tudo o que fosse necessário para manter a supremacia da Inglaterra. Seu jovem afilhado político, Winston Churchill, secretário do Interior e destacado amigo da Alemanha até uma hora tão avançada quanto a primavera de 1911, também mudou de posição e previu a guerra mundial iminente.

Churchill se recordaria posteriormente que, na tarde de 24 de ju­lho de 1911, ao passear pelas fontes do Palácio de Buckingham com ■ Lloyd George, um mensageiro os alcançou, para levar o chanceler com toda urgência à presença do secretário das Relações Exteriores, Edward Grey. Em sua sala na Câmara dos Comuns, Grey lhes disse: “Acabo de receber uma mensagem tão dura do embaixador alemão que a Frota pode ser atacada a qualquer momento.”3 E sem dúvida, a Marinha Real foi posta imediatamente em alerta.

Grey, Lloyd George, Churchill e outros ministros interessados en­contraram-se irregularmente no verão, durante o desenrolar da crise no Marrocos. Sob a pressão dos acontecimentos, os líderes do governo to­maram consciência de que a Grã-Bretanha não estava preparada para a guerra. As conversações secretas de Estado-maior com a Bélgica e a França em 1905-1906, renovadas de tempos em tempos juntamente com algu­mas trocas de informações e discussões dentro das forças armadas e em comissões governamentais, tinham chegado a resultados contraditórios e inconclusivos.

Uma jornada de conferências de alto nível do Comité Imperial de Defesa foi convocada em 23 de agosto, por iniciativa do diretor de Ope­rações Militares, o general-de-brigada Henry Wilson. Parece que esta foi a única oportunidade antes de 1914 em que as duas forças armadas, Exército e Marinha, delinearam as suas estratégias respectivas, e rivais, para entrar na guerra. Uma decisão foi tomada na conferência entre as duas forças: a Grã-Bretanha não lutaria apenas no mar; também envia­

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ria um exército - uma força expedicionária - para lutar numa campanha terrestre no continente europeu, ao lado da França e contra a Alemanha.

Os participantes ficaram chocados ao descobrir duas grandes fa­lhas na Marinha Real. A frota não estava preparada para transportar a força expedicionária da Grã-Bretanha ao continente, e recusou-se a criar uma instância equivalente ao Estado-maior do Exército. Para lidar com firmeza com os almirantes entrincheirados, seria necessário encontrar uma nova chefia civil para o Almirantado: alguém dinâmico. Em outu­bro, o primeiro-ministro Asquith nomeou o jovem, polemico e enérgi­co Winston Churchill, um mês antes dos seus 37 anos de idade. Num memorando por ele preparado e divulgado, Churchill já havia discrimi­nado os principais contornos da guerra mundial iminente, mergulhan­do num frenesi de atividades ao preparar-se para vencê-la.

Nos planos de guerra britânicos, a Alemanha era o inimigo. O alia­do era a França.

Falar da França na política mundial de 1914 é falar do seu líder, Raymond Poincaré. Sua política foi - e continua a ser - amplamente mal interpre­tada. Supunha-se e supõe-se que seu objetivo fosse reverter os resultados da guerra franco-prussiana: que ele queria liderar uma cruzada para re­cuperar os territórios perdidos, acima de tudo o território da sua terra natal, a Lorena. Mas segundo o seu biógrafo mais recente, John Keiger, isto não é verdade. Em vez disso, ele era um centrista moderado que preferia conciliações pacíficas.

Até bem recentemente, sabia-se extraordinariamente pouco sobre a sua condução dos assuntos. Há muito pouco tempo, a década de 1980, seus dois biógrafos na França não sabiam da existência de documentos privados de Poincaré; é verdade, o mais recente entre eles afirmou em 1984 que o estadista francês havia destruído seus papéis. Coube, assim, ao primeiro biógrafo de Poincaré em língua inglesa, Keiger, cujo traba­lho foi publicado em 1997, estudar e usar esses materiais.

Raymond Poincaré, nascido na cidade de Bar-le-Duc, na Lorena ocidental, em 20 de agosto de 1860, uma pessoa de peso e solidez formi­dáveis, tornou-se uma figura dominante na política francesa do seu tem­po. Do lado paterno, veio de uma família de profissionais reconhecidos por mais de um século no campo das ciências e da educação. Os ances­

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trais da sua mãe eram juizes e políticos. Seu primo Henri tornou-se um dos matemáticos mais importantes do século XX.

Virtuoso, cauteloso, abstémio, moderado e essencialmente não par­tidário, impelia-o contudo uma competitividade abrasadora: a ambição de vencer todas as disputas da vida. Aos vinte anos de idade, ele tornou- se o mais jovem advogado da França. Aos 26, foi eleito o mais jovem membro do Parlamento. Aos 52, em 17 de janeiro de 1913, ele foi a pessoa mais jovem até então eleita para presidente, cargo que durava sete anos. Também foi o primeiro a ser eleito diretamente do cargo de pri- meiro-ministro para o de presidente. Como presidente, foi uma figura dominante. No verão de 1914, tinha assumido o controle quase total da política exterior francesa. Em relação à Alemanha, ele mantinha uma posição tipicamente intermediária entre as forças de centro-esquerda, entre seu colega pró-alemão Joseph Caillaux e o lobo solitário antialemão Georges Clemenceau. Um observador da época, porém, poderia ter discernido algo em favor de Berlim. Em 20 de janeiro de 1914, Poincaré jantou na embaixada alemã - a primeira vez que um presidente francês o fazia desde 1870.

Keiger sugere que o incremento da amizade entre Poincaré e os alemães era produto de uma confiança oriunda em parte dos resultados da Primeira Guerra dos Bálcãs, em que as forças balcânicas, treinadas e armadas pela França, derrotaram os Exércitos otomanos, treinados e armados pelos alemães. Além disso, Poincaré tinha retomado a causa da aliança colonialista francesa, o Comité de 1’Orient, que aspirava ao con­trole da Síria, do Líbano e da Palestina caso o império turco desmoro­nasse - objetivo este que poderia jogar a França contra seus aliados, a Inglaterra e a Rússia.

Porém ocorreu que, como a França começou a dar-se por satisfeita com suas intenções coloniais, a Grã-Bretanha, sua rival tradicional, não ofereceu oposição, mas, ao contrário, apoio. E a Alemanha, que tinha encorajado a França em suas ambições imperiais, agora estava no cami­nho. Novas alianças estavam em processo de formação. Mudanças esta­vam no ar.

A Alemanha, tendo mais uma vez alienado as outras potências no episódio Panther, desta vez tomou medidas para se defender contra a hostilidade

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que incitara. Nas palavras de David G. Herrmann, uma autoridade na corrida armamentista pré-1914: “A consequência militar mais significa­tiva da segunda crise marroquina continua sendo a decisão alemã de iniciar um extraordinário programa de armamento terrestre na expecta­tiva de uma guerra. [...]4 A doutrina militar alemã resultante deu início a uma espiral internacional de fabricação de armamentos de terra. Os alemães julgavam estar respondendo a uma ameaça de todos os lados, e [...] lançaram-se na empreitada incerta esperando plenamente que seus rivais reagiriam” da mesma forma, por meio de uma expansão arma­mentista, “e que a guerra seria apenas uma questão de tempo. No devido tempo, a profecia se realizou”.

Enquanto a crise marroquina se aproximava do fim, outra potência eu­ropeia demarcava suas pretensões sobre partes do mundo muçulmano: a Itália, península que se estende da Europa Central para o meio do mar Mediterrâneo. Ela jamais fora unificada desde a queda de Roma, há cerca de 1.500 anos. Seus mais de 30 milhões de habitantes queriam um papel nos negócios mundiais.

A Itália era uma entidade geográfica que só recentemente tornara- se um país, na guerra de 1859. Ela adquirira sua capital, a cidade de Roma, no começo da década de 1870. Reclamava figurar entre as gran­des potências e sentia a necessidade de conquistar colónias, como as possuídas pelos países mais velhos e estabelecidos. Os italianos acalenta­vam metas ainda mais ambiciosas: sonhavam com seus ancestrais romanos e esperavam conquistar glórias semelhantes. A iniciativa da Áustria-Hungria nos Bálcãs seguida pela da França na África do Norte os lançou em busca dos mesmos fins.

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CAPÍTULO 13: A ITÁLIA TOMA POSSE; OS BÁLCÃS TAMBÉM

território da Tripolitana, hoje parte da Líbia, foi o primeiro obje-tivo da Itália. Sob o indolente domínio do governo otomano, a

Tripolitana, como a contígua Cirenaica eram minimamente governadas e inadequadamente defendidas. Durante anos, os diplomatas italianos estiveram preparando o caminho para a futura tomada. Em 1900, a França tinha renunciado a qualquer objeçao que pudesse ter, em retri­buição à renúncia semelhante da Itália em relação à anexação do Marro­cos, desejada pela França.

Assim, uma vez que a Áustria fez seu movimento na Bósnia, e a França no Marrocos, a imprensa e o público na Itália começaram a pres­sionar seus líderes para agir antes que fosse tarde demais. Com um vagar mais mediterrâneo do que moderno, o governo italiano informou as demais potências da sua intenção de entrar em guerra - com cerca de dois meses de antecipação.

Como recordou posteriormente um jovem diplomata italiano: “Eu [...] achava que o comunicado criaria por si uma certa agitação. Nada! Nin­guém deu a menor importância. [..J1 Pensaram que estávamos blefando.”

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Em 29 de setembro de 1911, a Itália declarou guerra, acusando a Turquia de prejudicar os interesses italianos. A Itália ocupou rapida­mente a costa do Líbano, mas em seguida atolou no interior. A luta prosseguiu por cerca de um ano. Um cessar-fogo entrou em vigor em 15 de outubro de 1912, seguido por uma paz que deixava à Itália a posse não apenas da Líbia, mas também de Rhodes e outras ilhas dodecanésias ao largo da Turquia no Mediterrâneo oriental.

Para a aliança balcânica de inspiração russa de Hartwig, a guerra italiana foi um sinal de que havia chegado a sua hora de atacar — e de apropriar- se da Áustria. Acelerava-se o ritmo do conflito; os choques começaram a se sobrepor. A guerra ítalo-turca começou antes de a Segunda Crise Marroquina estar resolvida, e então, das brasas de um sem-número de rixas de sangue, ardeu a Primeira Guerra dos Bálcãs, antes de a guerra colonial italiana estar concluída. Não há dúvida, a principal razão pela qual a Turquia aceitou os termos italianos para pôr termo às hostilida­des foi a sua necessidade de se concentrar na Europa do Sudeste. Havia uma revolta na Albânia, um conflito de fronteira em Montenegro, uma guerrilha perseverante na Macedônia e, acima de tudo, tumulto em Cons­tantinopla, onde oponentes dos Jovens Turcos tinham chegado ao poder.

Conforme já vimos, em 13 de março de 1912, a Bulgária e a Sérvia tinham se reunido pela intervenção do russo pan-eslavo Nicolai Hartwig, que as inspirou a tirar vantagem da guerra italiana para impor suas rei­vindicações a uma Turquia cuja atenção estava alhures. A Grécia aderiu a seguir. E também, por acordo verbal, Montenegro. A princípio, a Rússia não notificou a França do que estava acontecendo; mesmo depois, não a manteve plenamente informada. Mas pode ser que nem São Petersbur- go estivesse sendo avisada: Hartwig estava levando adiante algo próximo de uma operação de fraude. Izvolsky e outros líderes do governo russo “denunciaram os perigos da ‘austrofobia de Hartwig’” e do que o histo­riador Dominic Lieven recentemente chamou de a “sua deslealdade his­tórica para com a política externa geral da Rússia”.

Os povos balcânicos nutriam ódios assassinos uns contra os outros, faziam reivindicações rivais sobre territórios e fronteiras, mas agiram juntos para golpear a Turquia antes de ela poder chegar a um acordo de paz com a Itália. Preparando uma cruzada para libertar tudo o que resta­

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va do Império Otomano no sudeste cristão da Europa, Montenegro de­clarou guerra à Turquia em 8 de outubro de 1912, seguido por suas aliadas Bulgária, Sérvia e Grécia em 17 de outubro. A Turquia terminou imediatamente a guerra contra a Itália.

Para surpresa de todos, as forças otomanas foram rápida e incon­dicionalmente derrotadas. Elas foram enxotadas de quase toda a Tur­quia européia. Num mês de campanha-relâmpago, os Estados balcânicos tinham praticamente fechado a Questão Oriental. Eis um papel que as grandes potências sempre pensaram que elas próprias desempenhariam. Agora elas se desdobravam para garantir que qualquer acordo eventual­mente alcançado — por outros — não ameaçasse seus interesses vitais. Sua tarefa foi dificultada pela mudança de pessoal: os secretários das Rela­ções Exteriores da Alemanha e da Áustria tinham morrido, o secretário das Relações Exteriores da Rússia havia renunciado, e os seus substitutos não eram da mesma estatura.

Em dezembro de 1912, uma conferência de embaixadores reuniu- se em Londres. A Macedônia foi partilhada. A Bulgária sentiu-se ludi­briada em sua parte pela Sérvia e pela Grécia. Um tratado de paz foi assinado em 30 de maio de 1913, mas não perdurou. Um mês depois, na noite de 29 para 30 de junho, a Bulgária se voltou contra seus ex- aliados, Sérvia e Grécia, num ataque-surpresa ordenado pelo rei Fernan­do I, sem consultar sequer o seu próprio governo. Isto levou à chamada Segunda Guerra dos Bálcãs, em que a Bulgária foi derrotada pela Sérvia, a Grécia, a Turquia e a Roménia.

O Tratado de Bucareste, assinado em 10 de agosto, e negociado pelos Estados locais, em vez das grandes potências, pôs um termo na Primeira e na Segunda Guerras dos Bálcãs. A Áustria-Hungria foi pega de surpresa. Ela queria ver a Sérvia subjugada — tendo esperado e acredi­tado que a Turquia ganharia a primeira guerra e a Bulgária a segunda - , e bem poderia ter intervindo para impor resultados diferentes se tivesse havido tempo. Sendo as coisas o que eram, o Império Habsburgo temia por seu futuro. Seus temores se concentravam na Sérvia vitoriosa e em seu patrocinador, a Rússia.

Os temores austríacos não eram injustificados. Durante as guerras balcânicas, o novo ministro das Relações Exteriores russo, Serge Sazonov, disse ao embaixador sérvio em São Petersburgo:2 “Nós derrubaremos a

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Áustria até as fundações.” E que, ganhando tudo o que for possível nas negociações de paz, “nós devemos ficar contentes com o que receber­mos, encarando-o como uma prestação, pois o futuro nos pertence”.

Foi a própria Áustria-Hungria, ao anexar a Bósnia-Herzegóvina, quem havia provocado a reação da Rússia e da Sérvia em busca de vin­gança. Era possível que a Sérvia, que havia dobrado de tamanho, e seus aliados, a Rússia e as forças pan-eslavas, continuassem o seu avanço. Aehrenthal tinha perturbado o equilíbrio de forças dos Bálcãs em 1908 em fàvor da Áustria. Agora, Hartwig o perturbara em favor da Rússia. Iria a Monarquia Dual responder por sua vez? Ou continuaria o germanismo a recuar diante do eslavismo?

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CAPÍTULO 14: A MARÉ ESLÁVICA

Os tempos haviam mudado. No século XIX, quando os alinhamen­tos e ajustes de política externa tendiam a centrar-se em ideologia,

a Rússia e os Estados germânicos da Áustria e da Prússia eram os mais próximos aliados. Em 1912, eles ainda partilhavam a mesma perspecti­va, a mesma política reacionária, os mesmos valores. Mas sua solidarie­dade, baseada em crenças comuns, deu vez a um conflito de vida ou morte baseado em choques de interesses e disputas de poder.

O choque de interesses estava nos Bálcãs, onde se acreditava que, para sobreviver, a Áustria teria de esmagar todas as provocações dos po­vos eslavos. Por sua vez, a sobrevivência da Áustria como grande potên­cia era vital para os interesses da Alemanha. Ademais, o tamanho absoluto da Rússia e seu crescimento surpreendentemente rápido como potência, ao industrializar-se com o apoio financeiro da França, transformaram o império tsarista num rival potencial da Alemanha pela supremacia no continente. O aspecto teutônicos versus eslavos dessa disputa potencial refletia ódios raciais. Além disso, vendo o futuro da Alemanha em ter­mos de penetração e exploração do Oriente Médio e do Extremo Orien­

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te, o cáiser imaginava um outro objetivo, que só podia ser alcançado mediante a dominação do mundo eslavo.

Incoerente como tão frequentemente era, o cáiser também demo­rou para perceber o que estava acontecendo. Nos primeiros dias das guerras dos Bálcãs, ele achava a derrota do Império Otomano inquestio­nável. Os seus Jovens Turcos, decidiu ele, mereciam ser “lançados fora da Europa” por terem derrubado “meu amigo, o sultão”.1 O futuro dos Bálcãs deve ser determinado por seus povos, acreditava ele, e se as gran­des potências interviessem para “manter a paz”, o tiro só poderia sair pela culatra: os povos se voltariam contra as potências.2 Em vez disso, as potências deveriam formar um “anel” no interior do qual as forças locais pudessem resolver seus conflitos.3 “Deixemos essa gente se acertar”, es­creveu ele em suas notas marginais irresponsáveis, irrefletidas e tipica­mente ambíguas (que se prestam a várias leituras).4 “Seja tomando alguns golpes ou seja dando. [...] A Questão Oriental tem de ser resolvida com sangue e ferro.” Decisões seriam tomadas no campo de batalha. Sangue seria derramado; era inevitável. Só depois a negociação poderia ter al­gum papel. “Depois haverá tempo para conversar.”5 Mas para que este processo — as guerras étnicas balcânicas, seguidas por uma conferência de paz em que os termos seriam amplamente ditados pelos vitoriosos locais — produza um resultado aceitável para as potências alemãs, ele tem de ocorrer “na hora certa para nós!6 E esta hora é agora!” — enquanto a França e a Rússia ainda não estão preparadas para a guerra.

Pouco depois de rabiscar essas notas marginais, o cáiser ordenou ao seu Ministério das Relações Exteriores não “criar impedimentos para os búlgaros, sérvios e gregos em sua legítima busca da vitória”.7 Numa nota marginal, ele previu a possível criação dos “Estados Unidos dos Bálcãs”, que poderiam servir como um pára-choques entre a Áustria e a Rússia, assim resolvendo esse problema.8 E sua criação também proporcionaria um importante mercado para as exportações alemãs.

Avultando-se a ameaça de crise nos meses finais da Primeira Guer­ra dos Bálcãs, com os vitoriosos Sérvia e Montenegro buscando uma saída para o mar — Scutari, na costa do Adriático, na antiga Albânia otomana - e a Áustria se opondo a esta reivindicação, o cáiser escreveu ao seu secretário das Relações Exteriores: “Não vejo qualquer ameaça à existência da Áustria, ou ao seu prestígio, num porto sérvio no mar

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Adriático” e “creio ser desaconselhável e desnecessário opor-se ao desejo sérvio”.9 Ele negou que os termos da Tríplice Aliança (Alemanha, Áus­tria e Itália) obrigassem seu país a fazê-lo; a aliança só “visava garantir a integridade das possessões territoriais vigentes”.10 E acrescentou que, “certamente, algumas das mudanças produzidas nos Bálcãs pela guerra são inconvenientes e mal recebidas por Viena, mas ninguém [é] impor­tante a ponto de termos, por causa disso, de nos expor a um envolvi­mento militar. Eu não assumiria tal responsabilidade perante a minha consciência ou o meu povo.”

Ele reafirmava frequentemente a sua posição: “Em nenhuma cir­cunstância [ele estaria] preparado para marchar contra Paris e Moscou no interesse da Albânia.” Num memorando ao Ministério das Relações Exteriores, ele chamou de absurdo arriscar “uma luta pela existência com as três grandes potências, em que a Alemanha pode morrer”, somente porque a “Áustria não quer os sérvios na Albânia”.11

Entre muitas outras mensagens, Guilherme passou um telegrama ao seu secretário das Relações Exteriores em 9 de novembro de 1912: “Conversei em detalhes com o Chanceler do Reich sobre as linhas da minha instrução para o senhor e enfatizei que em nenhuma circunstância marcharei contra Paris e Moscou no interesse da Albânia.”11,13

O cáiser queria deixar claro para a Áustria que Berlim só apoiaria Viena se a Rússia atacasse - e se a Áustria não tivesse provocado o ata­que. Ele foi dissuadido. O chanceler von Bethmann Hollweg, talvez fortalecido pela opinião do almirante George Alexander von Miiller, conselheiro naval do cáiser, teria argumentado que a Áustria perderia a fé na garantia alemã se a mensagem fosse enviada a Viena, e que o povo alemão ficaria furioso. Em vez disso, o governo deveria instar a Áustria a demonstrar moderação, de modo a tornar uma eventual intervenção alemã “compreensível aos olhos do povo alemão”.14 (Mas se a opinião pública ficasse furiosa pelo abandono da Áustria, não quer dizer que o argumento austríaco já era “compreensível”?)

Na segunda metade de novembro, tendo se encontrado com ofi­ciais da ativa e funcionários civis, o cáiser ficou satisfeito. No momento, a opinião pública encarava a Áustria como a parte provocada; “a posição que eu queria que fosse alcançada”.15

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Em 21 de novembro, o arquiduque Francisco Ferdinando, grande amigo do cáiser e herdeiro do trono Habsburgo, chegou a Berlim e rece­beu garantias de Guilherme e de Moltke de que a Alemanha ia apoiar a Áustria “em todas as circunstâncias”, mesmo sob risco de guerra contra a Grã-Bretanha, a França e a Rússia.16 O cáiser estava obviamente per­suadido de que a Áustria era a parte provocada, e que a Inglaterra e a França não interviriam. É possível que estas tenham sido as suas condi­ções, ainda que não explicitadas. E a opinião do Ministério das Relações Exteriores era de que “hoje tanto a Itália quanto a Inglaterra estão do nosso lado”: o risco era muito menor do que pode parecer.17 Seja por esta razão ou por outra, os líderes alemães tornaram público o seu com­promisso. O ministro das Relações Exteriores falou ao Parlamento em 28 de novembro: “Se a Áustria for forçada, por qualquer razão que seja, a lutar por sua posição de grande potência, nós teremos de ficar ao seu lado” (grifo meu).18 Em Londres, o secretário britânico das Relações Exteriores ficou alarmado: a Alemanha quis mesmo dizer que vai dar um “cheque em branco” para a Áustria, perguntou ele, e apoiar Viena em qualquer coisa que fizesse, mesmo estando errada e mesmo numa guerra de agressão que ela tenha começado? Sir Edward Grey disse ao embaixador alemão que “as consequências de tal política” seriam “incalculáveis”.19

Grey agiu para garantir que o cáiser não compreendesse mal a po­sição da Inglaterra. Se a Alemanha não ia deixar a Áustria desaparecer como grande potência, tampouco a Inglaterra permitiria o desapareci­mento da França como tal. Grey aparentemente falou com R. B. Haldane, o lorde chanceler, que, como ministro da Guerra, tinha remodelado o Exército britânico, o que resultou numa mensagem de Londres que pro­vocou uma nova crise.

A data era 8 de dezembro de 1912. Num comunicado breve, o cáiser convocou uma reunião na sua residência de Berlim com os seus líderes militares: quatro, segundo um relato, seis, segundo outro. Eles se encontraram às onze horas da manhã, para avaliar o significado do tele­grama de Londres. Além de Guilherme, entre os participantes estavam o almirante Miiller, chefe do Gabinete Naval do cáiser; o almirante von Tirpitz, líder naval; o general Moltke, chefe do Estado-maior do Exérci­to; o vice-almirante August von Heeringen, chefe do Estado-maior da

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Marinha, e talvez também o seu irmão, o general Josias von Heeringen, ministro da Guerra prussiano, e o chefe do Gabinete Militar, Moritz Freiherr von Lyncker. As lideranças civis não estavam presentes: o chan­celer von Bethmann Hollweg e o secretário das Relações Exteriores, Gotdieb von Jagow.

A conferência secreta só foi revelada ao mundo meio século depois, quando o historiador Fritz Fischer mostrou que ela podia ser indício de um plano deliberado do cáiser e seus chefes militares para iniciar uma guerra européia em junho de 1914. A interpretação da conferência de 1912 ainda é uma questão aberta, embora a maioria dos historiadores importantes tenda hoje a não aceitar as opiniões de Fischer sem pelo menos alguma restrição. John Rõhl, talvez o mais próximo de Fisher nas suas opiniões, argumenta persuasivamente que dispomos agora de uma documentação adicional extraordinariamente abundante para nos ajudar a compreender as notas do almirante Miiller, as quais, numa versão expurgada anterior, tinham sido nossa única fonte.

O cáiser convocou a reunião porque o embaixador anglófilo da Alemanha em Londres, o príncipe Karl Max von Lichnowsky, tinha lhe telegrafado notícias sobre uma conversação que havia acabado de ter com lorde Haldane, o ex-ministro da Guerra germanófilo da Grã- Bretanha. Segundo o cáiser, Haldane falou abertamente em favor de Sir Edward Grey. Dado o canal de comunicação escolhido — Lichnowsky e Haldane, dois homens devotados à causa de cultivar as relações entre a Inglaterra e a Alemanha - , seria seguro inferir que Grey estava dando o remédio que, apesar de aparentemente amargo, era indicado ao bem- estar do paciente. A mensagem de Grey chamou a atenção do cáiser sobre algo que qualquer estudante de relações internacionais deveria saber: que era de interesse vital para a Grã-Bretanha manter o equilíbrio de poder na Europa. Se a Alemanha atacasse a França, a Grã-Bretanha interviria ao lado desta, pois preservar a independência e o status de potência da França era um dos interesses vitais de Inglaterra. E havia uma mensagem implícita no telegrama, que a Inglaterra não se oporia se a Alemanha ampliasse a sua liderança como país mais rico e mais pode­roso do continente, desde que as outras potências, especialmente as da Europa Ocidental, pudessem manter a sua independência. Em suas ira­das notas marginais ao texto do telegrama, Guilherme caracterizou o

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princípio inglês de equilíbrio de poder como “idiotia” que tornaria a Inglaterra “eternamente nossa inimiga”.20

O cáiser, conforme uma versão em segunda mão, estaria “num estado muito agitado” e “de ânimo abertamente marcial”. No relato de primeira mão do almirante Muller, Guilherme teria saudado o fato de a mensagem de Haldane prover um “esclarecimento desejável” das inten­ções britânicas, mostrando aos planejadores alemães propensos a consi­derar a possibilidade de neutralidade da Inglaterra o erro da sua maneira de ver as coisas. À luz da mensagem de Haldane, se a Alemanha entrasse em guerra, deveria planejar a luta também contra a Inglaterra, e para este fim, a Marinha deveria incrementar medidas como a construção da sua frota de submarinos U-Boat.

Segundo o cáiser, falando em dezembro, no meio das guerras dos Bálcãs, a Áustria “deve lidar energicamente” com a Sérvia; e “se a Rússia apóia os sérvios, o que evidentemente ela faz [...] então a guerra também será inevitável para nós”. Moltke disse: “Acredito que a guerra é inevitá­vel, e quanto mais rápido melhor.” Mas - e este mostrar-se-ia um “mas” significativo — ele acrescentou que “nós devemos trabalhar mais com a imprensa”, em vista de fortalecer o apoio popular à guerra contra a Rússia.

O cáiser e Moltke insistiam na guerra imediata. Tirpitz, falando em nome da Marinha, concordava em parte, mas pedia “o adiamento da grande luta por um ano e meio”. A frota precisava de tempo para concluir a ampliação e o aprofundamento do canal de Kiel e as obras da base de Heligoland. Moltke alegava que nem então a Marinha esta­ria pronta, e que o Exército, que já estava ficando sem dinheiro, estaria numa posição ainda pior.

A reunião parece ter degenerado num espetáculo de sentimentos pró-guerra, mas sem chegar a uma decisão acordada. Uma data fora mencionada, mas não firmemente estabelecida. Um almirante Miiller decepcionado anotou em seu diário: “O resultado” da conferência “foi quase nulo”. Muller escreveu ao chanceler naquela tarde, relatando o que havia sido dito e decidido no que depois ficou conhecido como o “conselho de guerra”. Muller transmitiu a ordem do cáiser de usar a imprensa para preparar o povo para uma futura guerra com a Rússia. Na semana seguinte à conferência, o cáiser mencionou frequentemente

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a guerra iminente em termos inflamados, descrevendo-a repetidas vezes como um conflito racial.

Desde que Fritz Fischer publicou material do conselho, os historia­dores têm se perguntado se pode ser coincidência a guerra ter de fato estourado um ano e meio depois (pouco depois de terminada a reunião, Guilherme disse ao representante suíço que a luta racial “iria provavel­mente acontecer em um ou dois anos”).21

Nos quase dois anos que se sucederam ao conselho de guerra, os alemães começaram uma corrida armamentista nova e mais frenética, mas ela havia sido decidida e posta em movimento muito tempo antes. Segundo um importante estudioso da corrida armamentista, David Herrmann, ela foi empreendida, em parte, num ato de rivalidade entre os ramos das forças armadas, em que o Exército teria feito um ataque preventivo contra a Marinha, buscando um financiamento grande o bas­tante para inviabilizar qualquer aumento também para a frota. Outra razão é que a crise do Marrocos de 1911 despertara tanto o público como o Exército para a consciência de que a Alemanha enfrentaria desa­fios reais numa guerra contra uma coalizão européia.

A Primeira Guerra dos Bálcãs, porém, tendo terminado em 1912, na época do conselho de guerra, “teve um efeito ainda mais galvanizador”, nos diz Herrmann, que “transformou a atmosfera de tensão numa de emergência”.22 Os eslavos continuavam a avançar visivelmente, e a Áus- tria-Hungria, paralisada nos seus planos de ação e como poder, nada fazia para impedi-los. Os líderes partidários alemães falaram abertamen­te sobre a possibilidade de uma guerra mundial.

O ministro da Guerra perseverou na tentativa de limitar o contin­gente do Exército, em vista de preservar o seu controle pelos junkers prussianos, enquanto um alarmado Moltke propunha um aumento de tamanho de quase 50%. A conta do Exército foi grande em 1912, mas a de 1913 foi a maior da história alemã. A máquina militar alemã de tem­pos de paz estava funcionando em capacidade plena; os aumentos não puderam ser inteiramente digeridos até 1916.

Como sabiam os líderes alemães, a expansão armamentista frenéti­ca incrementada por eles inspiraria outros países a buscarem igualdade. Mas eles tinham chegado a um tipo de limite. Da maneira como estava constituída, a Alemanha não tinha mais possibilidades de expandir-se.

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A organização política era demasiado instável; o sistema de impostos demasiado arcaico e não progressivo. A Alemanha não podia dar-se ao luxo de continuar sua expansão por muito tempo. A única coisa que podia justificar seus gastos militares nos níveis de 1913 era entrar em guerra no futuro imediato. Mas a opinião pública alemã não estava pronta para isto. Moltke escreveu para Conrad, chefe do Estado-maior austría­co, em fevereiro de 1913, dizendo que seria difícil encontrar um grito de guerra capaz de convencer o público alemão a entrar em combate — ainda.23

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CAPÍTULO 15: A EUROPA À BEIRADO PRECIPÍCIO

Entre 1908 e 1913, os Jovens Turcos foram sucedidos por uma inter­venção européia depois da outra em terras que certa feita haviam

sido ou que ainda eram otomanas. A rebelião na Turquia tinha levado à anexação pela Áustria da Bósnia-Herzegóvina. A França fez então seu movimento no Marrocos, inspirando a Itália a golpear o Império Otomano na Líbia e nas Egéias, enquanto Sérvia, Montenegro, Grécia e Bulgária atacavam nos Bálcãs. Naqueles cinco anos, as grandes potências deram um jeito de se manterem a distância umas das outras, evitando choque após choque, enquanto ao mesmo tempo aproximavam-se cada vez mais da colisão final. Entre 1908 e 1913, a despesa total com arma­mento das seis grandes potências cresceu cerca de 50%.

Em conjunto, os acontecimentos desses anos produziram uma mudança na cara da política européia.

• Na crise de Agadir, a Grã-Bretanha indicou que abandonaria seu iso­lamento tradicional para apoiar a França, se a França fosse ameaçada pela Alemanha - mesmo que fosse por culpa da França.

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• Nas guerras dos Bálcãs, a França mostrou que iria além do seu trata­do puramente defensivo para apoiar a Rússia num conflito contra a Alemanha começado pela Rússia.

• Isolada durante a crise de Agadir, apesar do seu tratado defensivo com a Monarquia Dual, a Alemanha evoluiu na direção de apoiar o Império Habsburgo — sustentando-o (como Moltke prometeu a Conrad durante a crise da Bósnia-Herzegóvina) mesmo num ato de agressão — em vez de ficar isolada outra vez.

• A Itália, imprevisível militarmente mesmo contra o lerdo Império Otomano, não era confiável.

• A Turquia européia, liberada pelos próprios povos balcânicos, em vez de pelas grandes potências (como se esperara), caiu conseqúente­mente presa da violência e das paixões voláteis dos seus grupos étni­cos rivais, em vez de desfrutar a estabilidade que o equilíbrio de poder das grandes potências poderia ter trazido.

• A Sérvia, exultante com suas vitórias relâmpago nas duas guerras dos Bálcãs, ansiava por continuar sua expansão.

• Com um medo mortal dos planos da Sérvia, a Áustria passou a acre­ditar que atacar primeiro podia ser sua única esperança. Vendo os Estados balcânicos potencialmente como um bloco único (e como tal equivalente a uma grande potência nova), ela temia a possibilidade de tornar-se uma entidade eslava ou grego-ortodoxa, alinhada com a Rússia, e assim deslocar o equilíbrio de forças na Europa em favor da França/Rússia.

• Durante um tempo, o cáiser achou que a mudança no equilíbrio de forças criaria um pára-choque capaz de resolver o problema da rivali­dade austro-russa, ao mesmo tempo permitindo aos cristãos se uni­rem em sua expansão para o leste, contra o islã.

Em 23 de outubro de 1913, Guilherme descreveu o resultado das guerras dos Bálcãs ao ministro das Relações Exteriores austro-húngaro com as seguintes palavras: “O que estava ocorrendo era um processo histórico que deve ser classificado na mesma categoria que as grandes migrações humanas, sendo o caso presente o de um grande avanço dos eslavos.1 A guerra entre o Oriente e o Ocidente era inevitável a longo prazo.” E continuou, dizendo: “Os eslavos não nasceram para governar,

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A EUROPA À BEIRA DO PRECIPÍCIO

sim para obedecer.” Sua estranha concepção nessa oportunidade era de que a Sérvia podia ser convencida a aceitar a liderança da Áustria e salvar o Ocidente. Sob liderança teutônica, a cristandade olharia a leste para expandir-se, como no passado a maré islâmica fluíra para o oeste.

De todas as mudanças de tendência e de percepção que ocorreram na política internacional européia durante os anos anteriores à guerra, talvez a mais discordante de nossas percepções de hoje seja a crença, amplamente sustentada em Berlim, de que a Alemanha estava ficando mais fraca. Retrospectivamente, o que chama nossa atenção, ao contrá­rio, é que a Alemanha vivia um surto de crescimento industrial e militar; ficava cada vez mais forte. Os números da indústria e outros aí estão para prová-lo, e políticos e empresários britânicos tão astutos quanto Joseph Chamberlain viam o declínio da Grã-Bretanha face à Alemanha como uma realidade. Mas Moltke falava para muitos baluartes do poder na Alemanha que achavam que a guerra final era inevitável - e que esta­vam convencidos de que ela só podia ser ganha se travada mais cedo, em vez de mais tarde. Se a Áustria precisava de uma guerra hoje, a Alema­nha, na visão de Moltke, precisava de uma no mais tardar amanhã.

Apesar de a Europa ter se afastando da beira do precipício, como indicava a nova perspectiva do cáiser, a beira do precipício continuava perto. Entre 1908 e 1913, permanentemente, os europeus chegaram cada vez mais perto do limite. Antes, as potências estavam presas a trata­dos secretos de aliança que as comprometiam a ajudar umas às outras em caso de ataque. Agora, as alianças já não eram mais defensivas. A França lutaria pela Rússia, e a Grã-Bretanha poderia lutar pela França, certa ou errada, assim como a Alemanha pela Áustria. A questão que a guerra resolveria era: qual das grandes potências continuaria a ser grande potência? Em 1914, somente uma delas sentia seu status— e a sua exis­tência — imediatamente ameaçado a menos que tomasse uma atitude prontamente, e esta potência era a Áustria-Hungria.

Estar cercada era o pesadelo da Alemanha, e a própria Alemanha havia provocado isso. Situado no coração da Europa, o país havia aterro­rizado tão efetivamente os seus vizinhos que eles acabaram se agrupando em autodefesa. Por sua vez, o que seus vizinhos foram levados a fazer reforçou ainda mais a paranóia alemã. O que havia começado como uma sombria fantasia fora convertido, pelas próprias ações da Alemanha,

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em realidade. França, Inglaterra e Rússia não tinham intenção de atacar a Alemanha, mas faziam planos de contingência para se articularem contra o império do cáiser se e quando ele as atacasse.

Culturalmente, a população mais e melhor educada da Europa em todos os aspectos — a da Alemanha — dizia a si mesma que estava sendo sufocada por uma civilização européia que a pressionava por todos os lados. Não era evidente então, nem é agora, o porquê de os alemães se sentirem assim, mas é claro que era assim que se sentiam.

Tais sentimentos faziam-se certamente notar em assuntos militares e políticos. Os historiadores acreditam que houve um relaxamento da tensão entre a Inglaterra e a Alemanha em 1914, como quando elas resolveram conflitos como os relacionados com o plano alemão de cons­truir uma estrada de ferro Berlim-Bagdá e nomear um oficial-general alemão, Otto Liman von Sanders, para reorganizar o Exército otomano. Mas quando o embaixador anglófilo da Alemanha em Londres enviou uma mensagem para casa instando Alemanha e Inglaterra a permanece­rem unidas, um alto funcionário das Relações Exteriores de Berlim só pôde imaginar que o embaixador fora enganado pelos britânicos: “Puse­ram-lhe a camisa de onze varas outra vez” (27 de junho de 1914).2 “Contra nós”,3 eis a anotação marginal do cáiser quando um jornal russo exortou a Entente à prontidão; “eles estão se preparando sob forte pressão para uma guerra iminente contra nós”.4 À afirmativa do jornal de que a “Rússia e a França não querem guerra”, o cáiser escreveu: “Conversa mole!”5

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CAPÍTULO 16: MAIS ABALOS NOS BÁLCÃS

os turbulentos Bálcãs do começo do século XX, tratados de pazpareciam não passar de tréguas durante as quais as partes articula­

vam seus realinhamentos para a próxima rodada de disputas. E assim foi em meados de junho de 1914, quando o cáiser Guilherme II manteve discussões com seu amigo, o arquiduque Francisco Ferdinando. Esses encontros foram seguidos por conversações amplas entre Francisco Ferdinando e o conde Berchtold, ministro das Relações Exteriores da Monarquia Dual. Estas, por sua vez, levaram ao rascunho a várias mãos no Ministério das Relações Exteriores dos Habsburgo de um memoran­do que delineava a grande estratégia da Áustria-Hungria.

Guilherme e Francisco Ferdinando se encontraram na casa de cam­po do arquiduque, em Konopischt, Boémia (hoje, República Tcheca). Nenhuma transcrição sobreviveu, mas há indícios de que Francisco Ferdi­nando foi instado, por seu imperador, a obter de Guilherme o compro­misso de continuar apoiando a Áustria incondicionalmente, tal como havia feito em novembro de 1912, e que Guilherme havia evitado tal

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declaração. O governo austríaco acreditava que a Sérvia representava um perigo mortal, mas o cáiser discordava.

A relação política entre Guilherme e Francisco Ferdinando era muito mais complexa do que aparentava superficialmente. Para o cáiser, pelo me­nos em parte, tratava-se de uma amizade de conveniência. Ele havia empre­endido formar um vínculo com o herdeiro aparente dos Habsburgo. Em alguns aspectos, foi coisa fácil de fazer por causa dos seus gostos co­muns, inclusive a paixão pela caça. Guilherme fazia questão de tratar Sophie, a esposa de Francisco Ferdinando, como arquiduquesa, posição que lhe fora negada em seu próprio país. Guilherme lidava com o arquiduque como se ele fosse o parceiro político que, com a morte do velho Francisco José, poderia realmente vir a ser. Ele se esforçou para fazer de Francisco Ferdinando um amigo, mas é possível que este não tenha gostado inteiramente de Guilherme. Havia tensões no seio da alian­ça austro-alemã.

Eram homens de temperamento autocrático. Eram impacientes e fortemente tendenciosos. Mas Francisco Ferdinando era católico roma­no, e Guilherme, luterano. E o arquiduque se ressentia profundamente da queda do Império Habsburgo do seu primeiro lugar entre as potên­cias da Europa para a sua posição em 1914, de parceiro menor da Ale­manha de Guilherme. Ele detestava a Hungria, e deplorava a fraqueza que levou a Áustria a fazer os magiares parceiros de governo. Guilherme, ao contrário, falava altamente do conde István Tisza, primeiro-ministro húngaro, mas não lograva convencer Francisco Fernando.

Ambos alimentavam esperanças de uma eventual distensão com a Rússia, cujo tsar partilhava a crença deles no absolutismo real. Porém, assim como Guilherme permitia que seu racismo anti-eslavo se sobre­pusesse à sua ideologia monarquista, Nicolau subordinava a sua ideolo­gia ao interesse nacional do país. E deve-se observar que o cáiser tinha um medo paranóico de a Rússia estar planejando uma guerra contra a Alemanha.

De tempos em tempos, ao longo das frequentes crises bélicas que eram um traço tão conspícuo da sua época, ambos escolhiam a paz, e por isso não gozavam da confiança dos militares em seus respectivos países. Eram homens imoderados em seu uso da língua: Francisco Ferdinando lidando com as pessoas, Guilherme ao lidar com a política.

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MAIS ABALOS NOS BÁLCÃS

Apesar de serem aliados próximos em teoria, a Alemanha do cáiser tinha planos económicos ambiciosos na Ásia e mesmo nos Bálcãs, dos quais a Monarquia Dual de Francisco Ferdinando estava excluída. A Áustria-Hungria não apoiaria a Alemanha no Marrocos; a Alemanha não apoiaria a Áustria-Hungria na Albânia. Quanto aos beligerantes na Segunda Guerra dos Bálcãs, a Alemanha estava com a Grécia, e a Áustria com a Bulgária. Os austríacos não conseguiam entender como a Alema­nha não via o porquê de a Sérvia, que havia dobrado de tamanho, os apavorar. A Sérvia exercia uma atração magnética sobre a importante população eslava do Império Habsburgo.

Em termos de planejamento político em junho de 1914, a questão para os dois impérios era que país deveria ser seu aliado principal nos Bálcãs: Roménia ou Bulgária? A Alemanha escolheu a Roménia, ao pas­so que a Áustria, mais uma vez, escolheu a Bulgária. Neste assunto, po­rém, Francisco Ferdinando não fazia coro com o seu governo; como o cáiser, ele preferia a Roménia.

E ali deliberavam juntos, dois dos homens mais antipatizados da vida pública européia, ainda que, nas fileiras dos seus próprios governos, tal­vez os únicos de peso a repetidas vezes favorecer o recuo à beira da guer­ra. Eles eram mal compreendidos pelo mundo externo. O cáiser, que gostava de falar grosso, frequentemente fazia discursos extravagantes exaltados de adolescente beligerante tentando impressionar seus pares, mas enquanto suas tiradas eram belicosas, suas decisões — quando che­gava o momento de agir — geralmente não eram. Contudo, não havia razão para não entender Francisco Ferdinando; ele falava tão bem como trabalhava para alcançar a paz.

O general Conrad, certa feita chefe do Estado-maior austríaco, lem­bra-se do ajudante-de-ordens dizendo, em 1913: “O arquiduque fez soar o toque de retirada em toda a linha, em nenhuma hipótese vai entrar em guerra com a Rússia, de jeito nenhum vai permitir que aconteça. Ele não quer sequer uma ameixeira, uma ovelha da Sérvia.” Berchtold, ministro das Relações Exteriores da Áustria, disse a Conrad: “O Herdeiro Apa­rente está inteiramente do lado da paz.” Segundo relatos, Francisco Ferdinando disse a convidados de um jantar que a Áustria nada tinha a ganhar conquistando a Sérvia; entrar em guerra seria “insensato”.

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Em 16 de março de 1914, Conrad falou, como frequentemente fazia, em entrar em guerra assim que possível contra a Rússia. Estava conversando com o embaixador da Alemanha em Viena, que lhe expli­cou por que isto não podia acontecer: “Duas pessoas importantes são contra, o seu arquiduque Francisco Ferdinando e o meu cáiser.”1

Uma verdade oculta sobre a política de 1914 - algo que o mundo externo não suspeitava - é que se esses dois homens tivessem continua­do a trabalhar juntos em prol dos seus objetivos políticos comuns, as grandes potências da Europa até poderiam ter mantido a paz. As guerras de 1914 não teriam ocorrido.

O conde Berchtold fora para Konopischt um dia depois de Guilherme partir. Era domingo, 14 de junho, duas semanas antes da programada viagem de Francisco Ferdinando a Sarajevo. Os dois homens e suas es­posas passaram o dia juntos. Depois, Berchtold pôs seus funcionários do Ministério das Relações Exteriores para trabalhar nas questões em pauta. Não era de fato a sua equipe. Tratava-se da camarilha de agitado­res políticos que ele herdara de Aehrenthal, que sabia como controlar seus espíritos exaltados. Mas Berchtold, então, estava lhes dando liberdade de ação. Seu objetivo era resumir o pensamento atual da Áustria nos assuntos mundiais: onde estava a Monarquia Dual e onde esperava chegar.

Uma preocupação era a Albânia, país criado pelas potências euro- péias como tampão para conter o expansionismo sérvio. A suposição era de que ela seria de orientação austro-alemã; é verdade, deram à Albânia um monarca alemão. Contudo, a Itália — aliada nominal da Áustria e da Alemanha na Tríplice Aliança — estava manobrando para conseguir im­por sua hegemonia na recém-criada nação. A Itália estava se tornando um rival e talvez um inimigo.

Era a Rússia uma preocupação? Guilherme e Francisco Ferdinando tendiam a pensar que não, e favoreciam um degelo nas relações com o tsar. Entretanto, havia gente no Ministério das Relações Exteriores em Viena que temia que, como em 1912, os russos pan-eslavos tivessem a capacidade de unir todos os países balcânicos — só que desta vez contra a Alemanha e a Áustria, em vez de contra a Turquia.

Guilherme pensava que os Estados balcânicos continuariam desuni­dos. O artificio era apoiar a combinação certa entre eles. A Roménia estava

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MAIS ABALOS NOS BÁLCÃS

no topo da lista. Seu monarca havia secretamente prometido - pessoal­mente — apoiar a Tríplice Aliança. Isto não obrigava o seu país. Guilher­me e Francisco Ferdinando esperavam um compromisso público e seguro.

O problema era que a Áustria estava comprometida com a Hungria na Monarquia Dual, e que Hungria e Roménia tinham um conflito aparentemente irreconciliável — o qual perdura até hoje. Francisco Fer­dinando era ferrenhamente anti-húngaro, e queria aliar-se com a Roménia às expensas da Hungria. O cáiser não enfrentaria a questão. Ele admira­va o premiê da Hungria, o conde István Tisza, e achava que o conflito Hungria-Romênia de algum modo seria evitado. Ele também queria trazer a Grécia para a aliança, mas não dispunha de indícios convincentes de que a Grécia quisesse fazê-lo. Finalmente, ele esperava reconciliar a Sérvia e a Áustria - para grande desgosto dos austríacos, que tentavam em vão convencê-lo de que a Sérvia era uma ameaça que de qualquer modo teria de ser eliminada. Com efeito, o cáiser estava propondo recriar a aliança vitoriosa da Segunda Guerra dos Bálcãs, só que desta vez liderada pela Alemanha e a Monarquia Dual. Ele defendia juntar-se com o lado que fora vencedor.

Berchtold via as coisas de maneira diametralmente oposta. O mi­nistro das Relações Exteriores da Monarquia Dual não acreditava que a Roménia viesse a se aliar com a Áustria; ela não apoiaria a Áustria-Hungria por causa do conflito húngaro, e conseqiientemente a Monarquia Dual aliar-se-ia ao inimigo da Roménia, a Bulgária. A Bulgária tinha vínculos com a Turquia, de modo que a Grécia seria forçosamente empurrada para o outro lado. Assim, Berchtold também reconstituiria essencial­mente a padrão de aliança da Segunda Guerra dos Bálcãs, mas assumin­do o lado que foi perdedor, em vez de o vencedor.

Às vésperas da crise mundial, não havia acordo em Berlim ou em Vie­na sobre quem era o inimigo ou qual era a disputa nos conturbados Bálcãs.

No tocante à Europa como um todo, os dois impérios tinham ra­zoável clareza sobre quem estava de que lado: eles próprios, talvez acompanhados pela Itália, de um lado; a Rússia e a França, talvez acom­panhadas pela Inglaterra, do outro. Além disso, os dois chefes de Esta­do-maior, Helmut von Moltke, na Alemanha, e Franz Conrad von Hõtzendorf, na Áustria-Hungria, mantinham contatos próximos um com o outro e às vezes discutiam seus respectivos planos de guerra. Ambos os gene­rais defendiam frequentemente o lançamento de uma guerra preventiva.

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Com certeza, nas palavras de Hew Strachan: “A primeira vez que Conrad propôs uma guerra preventiva contra a Sérvia foi em 1906, e depois novamente em 1908-9, em 1911-13, em outubro de 1913 e maio de 1914: entre l fl de janeiro de 1913 e l 2 de janeiro de 1914, ele propôs a guerra contra a Sérvia vinte e cinco vezes.”2

Mas os generais eram subordinados a monarcas que optaram pela paz. E na Alemanha, Moltke também sofria a oposição de Tirpitz, que queria uma guerra fria - pelo menos durante um bom número de anos - , em vez de uma quente, e cujo foco seria o conflito com a Inglaterra, não com potências terrestres como a França e a Rússia. Na ocasião, o minis­tro da Guerra também fazia lóbi contra Moltke, pois queria manter o tamanho reduzido da oficialidade, visando assegurar o controle prussiano da Alemanha - o que era um nível demasiado baixo para vencer uma guerra.

Mesmo Moltke, nas circunstâncias de 1913, tinha advertido con­tra lançar uma guerra, pois seria a hora errada de fazê-lo. Ele continuava a acreditar “que mais cedo ou mais tarde uma guerra européia iria fatal­mente acontecer, em que a questão seria uma luta entre o germanismo e o eslavismo”. Em sua visão, porém, a guerra não deveria ser iniciada até que a opinião pública pudesse ser conquistada para a causa. Nas palavras de Moltke: “Para começar uma guerra mundial, é preciso pensar com muito cuidado.”3

No alvorecer do século XX, os europeus eram mais ricos e poderosos do que qualquer um jamais havia sido. Eles também deveriam ter se sentido mais seguros do que qualquer um jamais havia se sentido. Mas não. Eles - ou pelo menos seus governantes - eram presas do medo. Sentiam os tremores. Onde e quando não sabiam, mas estavam convencidos de que um terremoto ia acometê-los.

Do outro lado do Atlântico, pelo menos um político americano estava suficientemente sintonizado nas realidades européias para sentir a mesma coisa. Seu nome era Edward House. Ele podia falar pelo presi­dente, e decidiu tentar evitar o cataclismo que ameaçava.

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CAPÍTULO 17: UM AMERICANO TENTA DETER O PROCESSO

ova York, 16 de maio de 1914. Uma imensa multidãose reunia nas docas para a partida dos passageiros do transatlânti­

co Imperator com destino à Europa. Entre os que podiam ser vistos em­barcando estava Edward House: coronel House, para dar-lhe o seu título honorário texano.

House, de 55 anos de idade, foi descrito pelo New York Sun como “um homem esbelto de meia-idade, bigodes bem aparados, bem vestido, de aparência calma” e que andava devagar mas com firmeza.1 Ele também falava baixo, às vezes num tom francamente sedoso.

Durante toda a sua vida ele havia tomado parte na política, embora nunca tivesse se candidatado a cargos públicos. Era alguém a quem os outros confiavam os seus segredos. Pode ter sido o melhor ouvinte da sua época. Os que falavam com ele saíam convencidos de que ele os havia entendido, o que geralmente era verdade, e que simpatizava intei­ramente com eles, o que amiúde não era o caso.

Homem de riqueza independente, familiarizado com as grandes figuras de Wall Street, ele vivia em Manhattan e ao mesmo tempo man­

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tinha uma residência e sua base política no seu estado natal, o Texas. Quando necessário, ia para Washington, D. C., encontrar-se com o chefe reformista em primeiro mandato do Executivo americano, Woodrow Wilson, que House tinha ajudado a eleger para a presidência na bizarra eleição de 1912. Naquela eleição, os dois candidatos republicanos — o ex-presidente Theodore Roosevelt, concorrendo pelo Partido Progres­sista, e o presidente em exercício William Howard Taft - haviam racha­do a maioria republicana entre eles, criando condições para Wilson — candidato do partido minoritário, o Democrático — insinuar-se, che­gando à vitória com menos de 50% do voto popular, ainda que bem mais do que a metade do colégio eleitoral.

Woodrow Wilson foi um dos homens mais estranhos jamais eleito para a presidência. Recluso que só se sentia à vontade na companhia de mulheres e crianças, ele não tinha gosto pela política nem simpatia por políticos, achava acordos e compromissos repugnantes, e a ambição po­lítica - exceto a sua própria - uma coisa sórdida.

Foi o dom das descobertas casuais que reuniu Wilson e House na eleição de 1912. House tornou-se seu alter ego. Uma vez Wilson eleito, House assumiu grande parte dos aspectos políticos da presidência: as tarefas rotineiras que Wilson não podia ou não queria fazer por si mes­mo. House entrevistava frequentemente os que procuravam emprego ou favores na nova administração. Se havia acordos a fazer ou transações comerciais a negociar, era ele quem agia. Os estudiosos continuam a discutir sobre as contribuições respectivas dos dois homens para o bom andamento da administração Wilson, mas House desempenhou um pa- pel-chave em assuntos tão importantes como o estabelecimento do Fe­deral Reserve Bank,* a reforma fiscal e a instituição do imposto de renda.

No campo das Relações Exteriores, pelo menos nos dois primeiros anos da presidência de Wilson, foi House, um talentoso estudante da política internacional, quem se mobilizou com os desenvolvimentos europeus, enquanto Wilson, que não tinha experiência na questão, não se interessou.

* Mantidas as especificidades histórico-institucionais, o Federal Reserve Bank cumpre função equivalente à do nosso Banco Central. (N. do T.)

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UM AMERI CANO TE NT A D E TER O P ROCE SS O

House observou, na primavera de 1914: “O presidente deu muito pouca atenção à situação existente na Europa.”2 Ele mesmo estava bas­tante preocupado com o que estava vendo e prevendo. House estava aparentemente quase sozinho entre os políticos americanos quanto à compreensão das implicações das guerras dos Bálcãs, percebendo que podiam acabar ameaçando a paz e a estabilidade mundiais.

Para acabar com os perigos que percebia adiante, House propôs ir à Europa para negociar a criação de uma nova estrutura internacional, que criaria uma paz duradoura entre as grandes potências. Wilson lhe deu seu pleno e admirativo apoio ao esforço. O nome em particular dado por House à missão para a qual estava em vias de embarcar foi “a grande aventura”.

A eficiência de House e seu valor para o presidente deveram-se em grande parte à sua discrição. Segredos lhe eram confidenciados porque as pessoas acreditavam que podiam confiar, que ele não os revelaria. É claro, isto gerou uma ampla curiosidade popular. Caracterizando House como um homem misterioso, o editor de um jornal disse a um dos seus repórteres: “House não recebe ninguém.3 Não é possível chegar até ele. Ninguém sabe seu endereço, e seu número de telefone é particular.” Mas isso era exagero; House fazia-se acessível, como faz o bom político. Assim, a bordo do Imperator, e ainda que preocupado com pensamentos da sua missão secreta, ele encontrou tempo para lidar com o telegrama de uma mulher que pedia que seu marido, um oficial consular estadunidense, fosse promovido de um posto no Rio para outro em Londres. “Nem no mar pode-se descansar dos suplicantes do gabinete”, foi o comentário de House.4

A missão que House tinha se atribuído era convencer a Alemanha e a Grã-Bretanha a se juntarem aos Estados Unidos numa aliança pela paz. Ele acalentava havia muito a idéia de que as principais potências da Europa acumularam tanto poder em suas mãos que, junto com a Amé­rica, podiam evitar guerras de maior envergadura.

Esta era uma idéia que, por assim dizer, estava no ar. No passado, Theodore Roosevelt tinha considerado a criação de um cartel de talvez cinco grandes potências para manter a paz mundial. Idéias em prol de uma liga das nações também despontavam de tempos em tempos na administração liberal da Grã-Bretanha.

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Andrew Carnegie, o magnata do aço que se tornara um dos ho­mens mais ricos do mundo, tinha se dedicado a um projeto não muito diferente do de House poucos anos antes. Visando uma aliança de “na­ções teutônicas”,5 Carnegie perguntava retoricamente: “Por que deve­riam lutar as nações teutônicas?”6 Ele imaginava ter garantido o apoio do governo britânico, notadamente do primeiro-ministro Hebert Asquith e do secretário das Relações Exteriores, Sir Edward Grey, para o seu plano. Para que se tornasse realidade, tudo o que precisava era que o cáiser Guilherme II assumisse a liderança.

“Hoje está no poder de um homem fundar a liga pela paz”, expli­cou Carnegie em 1907.7 “Entre todos os homens, o poder de abolir a guerra parece estar apenas nas mãos do imperador alemão.” Por razões não inteiramente claras, Carnegie achou que seus planos tinham sido arruinados com a morte do rei inglês, Eduardo VII, em 1910.

Como Carnegie, House acreditava ter o apoio do governo britâni­co para o seu plano, e que a chave para a sua viabilidade era ganhar o apoio do cáiser. Na primavera de 1914, imediatamente após desembar­car na Europa, House foi para a Alemanha. A bordo do navio e chegan­do na Alemanha, House sondou a opinião entre alemães bem colocados e bem informados e o que ouviu não era auspicioso para a causa da paz. De Berlim, ele escreveu ao presidente em 29 de maio, dizendo que o que ouvira até então “tendia a confirmar a opinião da quase impossibilidade de melhorar a situação”.8 Sem dúvida, escreveu ele, “a situação é extraor­dinária. Grassa o jingoísmo mais ensandecido”. House previu “um terrí­vel cataclismo”, a não ser que ele ou Wilson participasse dos acontecimentos, pois “Ninguém na Europa pode fazê-lo. Há ódio de­mais, desconfiança demais”.

Houve na Rússia uma violenta campanha de imprensa contra a Áus­tria. Na Áustria, houve uma violenta campanha de imprensa contra a Rússia. A Liga Pangermânica, um bem relacionado grupo de pressão na Alemanha, anunciou, em 19 de abril de 1914, que “a França e a Rússia estão se preparando para a luta decisiva contra a Alemanha e a Áustria- Hungria e pretendem atacar na primeira oportunidade”. Uma manchete de jornal (11 de março de 1914) advertia os alemães que “uma guerra, cuja semelhança a história nunca viu, está a caminho”.

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UM AMERI CANO T E N TA D E TER O PROCES S O

Na análise de House, a Rússia e a França “cercariam” a Alemanha e sua aliada, a Áustria-Hungria, se a Grã-Bretanha desse o sinal. Mas a Grã- Bretanha hesitava em fazê-lo: se a Alemanha fosse esmagada, quem res­taria para conter a Rússia? Não obstante, se a Alemanha continuasse a ameaçar a supremacia naval inglesa, Londres não teria escolha exceto aceitar o desafio de Berlim.

Daí o plano de House: um acordo entre a Grã-Bretanha e a Alemanha de limitação do tamanho das suas respectivas Marinhas, a ser mediado pelos Estados Unidos. O acordo poderia ensejar o mundo essencialmente pacífico que a América desejava, mas - sempre realista — House advertiu que poderia haver “alguma desvantagem para nós” no acordo entre a Grã-Bretanha e a Alemanha.

Tirpitz destacava outro defeito no plano de House. “Ele repudiou todo desejo de conquista, e insistiu que era a paz que a Alemanha queria, mas a maneira de mantê-la, é incutindo o medo nos corações dos seus inimigos.” House queria que a Alemanha parasse de expandir sua Mari­nha; Tirpitz, em vez disso, desejava “ampliar sua expansão”.

O principal objetivo de House era ter um encontro com o gover­nante alemão, e ele conseguiu. Em l 2 de junho, ao longo de um festival de um dia inteiro de cerimónias religiosas, paradas e entrega de meda­lhas, House conseguiu um encontro particular com duração de meia hora com o cáiser.

A menção no diário de House indica que os dois homens discuti­ram “como a situação européia afetava a raça anglo-saxã”. Na visão ex­pressa pelo cáiser, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos representavam a civilização cristã. Latinos e eslavos eram semibárbaros, acreditava ele, e também não confiáveis, de modo que a Inglaterra estava errada em aliar- se com a França e a Rússia. Por outro lado, o núcleo teutônico — Alema­nha, Grã-Bretanha e América - deveria aliar-se com todos os demais europeus em defesa da civilização ocidental “contra as raças orientais”.9

House tentou persuadir o cáiser de que a Alemanha deveria aban­donar seu desafio ao poder naval britânico. A Grã-Bretanha não teria mais por que se aliar com a Rússia. Teria sido somente a ameaça repre­sentada pela Alemanha que jogou a Grã-Bretanha nos braços da Rússia. Ao contrário, a Rússia seria o inimigo natural da Grã-Bretanha. Em

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outras palavras, estava no poder do cáiser realizar o que ele afirmava querer: desvincular-se a Inglaterra da aliança com a Rússia e a França, aliando-se em vez disso com a Alemanha.

House “falou da comunidade de interesses entre Inglaterra, Alema­nha e Estados Unidos e do pensamento de que, se ficassem juntos, a paz mundial poderia ser mantida. [...]10 Contudo, na minha opinião não podia haver entendimento entre a Alemanha e a Inglaterra enquanto ele [o cáiser] continuasse a expandir a sua Marinha”. O cáiser respondeu que precisava de uma Marinha forte, mas que quando seu programa de expansão em curso terminasse, ele pararia.

House disse que sua idéia era de que um americano - ele ou o presidente — estaria em melhor posição do que um europeu para reunir as potências européias. O cáiser concordou. House disse que tinha que­rido encontrar-se primeiro com o cáiser, e que estava indo diretamente para Londres, para tentar garantir também o acordo britânico para uma iniciativa dos Estados Unidos seguindo aquelas mesmas linhas.

House deixou a Alemanha esperançoso. De Paris, ele relatou ao presidente em 3 de junho que havia conversado com quase todos os alemães influentes nos encontros que tivera: “Estou feliz em lhe dizer que tive êxito como previsto e disponho de um farto material para nego­ciações em Londres.”11 O imperador alemão “pareceu feliz de eu ter me encarregado de começar o trabalho” e “também concordou com a mi­nha sugestão de que, qualquer que fosse o programa acordado pela América, a Inglaterra e a Alemanha, seria bem-sucedido”.12

O cerne da questão, como compreendia House, era que “a Ingla­terra e a Alemanha têm um sentimento em comum, o medo que sentem uma da outra”.13 Sua tarefa, cria ele, era dissipar esses medos aproximan­do os líderes dos dois países e estimulando-os a se conhecerem e a confia­rem um no outro. House acreditava na resolução face a face dos problemas em contatos de alto nível. Achava “essencial os dirigentes se reunirem” para acabar com os desentendimentos.14 Ele pensava estar “no caminho certo para começar a grande tarefa que tinha empreendido”.15

House viajou para Londres em 9 de junho. Ele anotou em seu diá­rio que Walter Hines Page, o embaixador dos Estados Unidos para a Grã-Bretanha, “foi delicado a ponto de dizer que considerava meu tra­balho na Alemanha o mais importante realizado nesta geração”.16 Page

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UM AMERI CANO TE NT A D ET ER O PROCES S O

arranjou um encontro de House com Sir Edward Grey. Não foi fácil. House explicou a Wilson: “Encontrei tudo aqui atravancado com afaze­res sociais, e é impossível trabalhar rapidamente.17 Eles só pensam em Ascot,* recepções ao ar livre, etc., etc.”

Em 27 de junho, o encontro com Grey finalmente aconteceu, du­rante um almoço. Ainda que outros estivessem presentes, a conversação coube quase toda a House e Grey. Eles realizaram uma discussão ampla sobre a conturbada situação política européia. Concordaram que os lí­deres franceses tinham aberto mão de quaisquer pensamentos de recu­perar territórios na Alsácia e Lorena, ou de se desforrar da Alemanha. O povo francês ainda acalentava tais sonhos, mas os políticos franceses reconheciam que o crescimento constante da população alemã em rela­ção à da França fazia deste objetivo uma possibilidade cada vez mais remota.

Quanto à Rússia e à Grã-Bretanha, Grey observou que as duas en­travam em contato em tantos pontos ao redor do mundo que era impor­tante manter os melhores termos. Grey afirmava entender que a Alemanha sentisse necessidade de construir uma frota maior. Foi House quem alertou Grey — e não Grey quem alertou House — sobre o “espírito de guerra militante na Alemanha e a grande tensão popular. [...]18 Eu achei que a Alemanha atacaria rapidamente quando se pusesse em movimen­to. Que não haveria parlamentações ou discussões. Que quando sentisse que uma dificuldade não podia ser resolvida através de negociações pací­ficas, ela não correria riscos, mas atacaria. Eu achei que o cáiser ele mes­mo e seus assessores imediatos não quisessem a guerra, por desejarem que a Alemanha continuasse a se expandir comercialmente e a aumentar sua riqueza, mas o Exército estava imbuído, agressivo e pronto para a guerra a qualquer momento”.

Contudo, os dois homens concordaram - menos de 24 horas antes de o arquiduque Francisco Ferdinando ser assassinado — que “nem a Inglaterra, a Alemanha e a Rússia, e nem a França desejava a guerra”.19 Olhando prescientemente para uma ameaça menos visível mas de mais

* Povoado próximo de Windsor in Berkshire, que as elites frequentavam pelas corridas de cavalo disputa­das em junho em Ascot Heath. (N. do T.)

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longo prazo à estabilidade global, House incitou as quatro potências européias a chegarem a um acordo com os Estados Unidos, mediante o qual, agindo juntos, eles poderiam fornecer crédito a juros mais baixos aos “países não desenvolvidos da Terra”.20

Chegando ao fim o mês de junho, House continuou a encontrar-se com líderes europeus em busca do seu sonho americano para o mundo.

Uma década mais tarde, Grey escreveu: “House tinha acabado de chegar de Berlim, e falou com sentimento grave da impressão que rece­bera lá; como a atmosfera dava uma impressão carregada de fragores de armas, de prontidão para atacar.21 A ênfase poderia ser descontada, como impressão que naturalmente se impôs a um americano que via de perto pela primeira vez um sistema militar continental. Este sistema era tão estranho ao nosso temperamento quanto ao dele, mas nos era familiar. Nós vivemos bem ao lado durante anos; sabíamos e observamos seu crescimento desde 1870. Mas House era um homem de conhecimentos extraordinários e julgamento frio. O que seria de nós se esse militarismo tivesse tomado o controle da política?”

Na primavera de 1914, enquanto House continuava em sua missão, os chefes de Estado-maior da Alemanha e da Áustria, Moltke e Conrad, tomavam banhos juntos nas casas de banho de Carlsbad, na Boémia. Discutiam planos de guerra. Moltke também manteve conversações na­quela primavera com Gottlieb von Jagow, o ministro alemão das Rela­ções Exteriores. Jagow registrou que Moltke lhe dissera que, em dois ou três anos, a “superioridade militar dos nossos inimigos [...] seria tão grande que ele não saberia como superá-los. Hoje, nós ainda seríamos páreo para eles. Na opinião dele, não havia alternativa a não ser fazer a guerra preventiva para derrotar o inimigo enquanto ainda existia uma chance de vitória. Consequentemente, o chefe do Estado-maior propôs que eu conduzisse uma política com o objetivo de provocar uma guerra no fu­turo próximo”.

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PARTE QUATRO

ASSASSINATO!

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CAPÍTULO 18: A ÚLTIMA VALSA

Embora Francisco Ferdinando von Osterreich-Este, sobrinho do velho imperador Francisco José e herdeiro aparente dos tronos Habsburgo

da Áustria e da Hungria, não fosse nem firme nem coerente na sua visão do futuro do seu império, as peças do seu pensamento até certo ponto se encaixavam. Elas assumiam tons de uma missão histórica de restauração, pois, se todas as suas preferências e desejos políticos fossem satisfeitos, era no que teriam redundado. Profundamente católico romano e anti- italiano, ele queria desfazer a unificação da Itália, alcançada sob auspícios seculares meio século antes; ele teria dissolvido o Estado italiano e res­taurado o domínio papal e austríaco. Teria gostado de ver o Império Habsburgo voltar à sua posição no primeiro escalão, alinhando-se pelo menos em pé de igualdade com a Alemanha na equação européia de poder. Ele teria revogado a participação igual da Hungria na Monarquia Dual, retornando, em substituição, a uma estrutura de poder central em que todas as outras nacionalidades (ou pelo menos as numerosas nacio­nalidades eslavas) exercessem uma autonomia igualmente limitada. Fi­nalmente, ele teria sanado a ruptura com a Rússia, que datava da segunda

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metade do século XIX, e se uniria ao tsar e ao rei da Prússia para promo­verem a causa do monarquismo e dos valores tradicionais nos assuntos da Europa e do mundo, como haviam feito, por exemplo, em 1814 com a Santa Aliança.

Na primavera de 1914, o herdeiro aparente tinha cinquenta anos de idade. Ele parecia ter se recuperado da doença que o atormentara nos anos anteriores. Era um homem de altura mediana, tendente ao pesado. Seu bigode grave de pontas levantadas era mais espesso que o do cáiser, mas em ângulo poucos graus menos agudo.

Francisco Ferdinando mantinha uma chancelaria militar parago- vernamental própria, com consentimento do imperador: Francisco José a reconhecera oficialmente em 1908. Com o apoio da sua equipe pes­soal, Francisco Ferdinando, nas palavras de um historiador recente, “che­gou a usufruir de influência, até de poder, e a ter direito a voz, senão aveto, sobre os postos de ministro da Guerra ou de chefe do Estado-

» 1maior ,AO arquiduque se interessava vivamente pelas forças armadas do seu

país, mas sua tendência, nas muitas crises internacionais que irromperam ao longo da sua vida, era recuar e evitar a guerra. Nisto (embora não em muito mais), ele teria sido um verdadeiro herdeiro político de Francisco José, que viu seu império perder guerras cruciais e cuja preferência, nas crises internacionais do começo do século XX, parecia ser pela paz.

No começo de 1914, Francisco José tinha 84 anos de idade. Havia ascendido ao trono em 1848. A maioria dos seus súditos não podia lem- brar-se de outro monarca. Em sua idade avançada, sua imagem era a de um velho e amável cavalheiro. Ele simbolizava a continuidade com o passado e com seus valores e virtudes. A noite ainda escura, ele acordava para cumprir suas obrigações. Começava a trabalhar todos os dias às cinco da manhã, e investia 12 ou mais horas na lida.

Com o senso de dever e a dedicação veio uma certa rigidez: uma relu­tância ou incapacidade de ceder; uma falta de flexibilidade que parecia ca­racterizar o conjunto do artrítico regime Habsburgo como um todo. A literatura a seu respeito sugere que frustração e repressão estão por trás da excessiva formalidade da vida vienense; e que o psiquiatra mais famoso da cidade, Sigmund Freud, podia não estar completamente errado ao suge­rir que apetites inconfessáveis, doenças de que as pessoas teriam vergonha

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e práticas então encaradas como perversas seriam disseminados sob a superfície. Francisco José, o imperador virtuoso, infectou ele mesmo a sua bela esposa com uma doença venérea, e passou sua vida com a atriz Katharina Scratt, uma amante - se é que esta é a palavra - em quem, escrupulosamente, ele nunca tocou, exceto nos ombros. Seu único filho, seu próprio herdeiro, o príncipe herdeiro Rudolf, morreu a tiros junto com uma jovem bailarina, e é difícil acreditar (como parece ter feito a versão oficial) que seus ferimentos seriam oriundos de um acidente de caça. Mayerling, um filme de 1933 estrelado por Charles Boyer, contava uma história que soava mais plausível: um pacto de suicídio entre aman­tes condenados, que a sociedade jamais permitiria se casarem.

Francisco Ferdinando, o primo que sucedeu Rudolf como herdeiro do trono, foi outra figura real penalizada por casar-se com a mulher que amava.

Alta, misteriosa, pobre mas orgulhosa, a condessa Sophie Chotek von Chotkova und Wognin era empregada como dama de companhia numa família arquiducal que Francisco Ferdinando visitava frequente­mente. Presumia-se que ele estivesse cortejando uma das filhas da casa. A mãe ficou chocada ao descobrir que não era esse o caso - que se tratava apenas de uma “cobertura” — e despediu Sophie, o verdadeiro objeto do interesse. Francisco Ferdinando propôs casamento a ela. O imperador objetou.Sem dúvida, Sophie era da antiga nobreza, mas sua família empobrecida não tinha o dinheiro necessário para justificar sua inclusão na lista, pre­parada pelas potências européias em 1815 (após o Congresso de Viena), dos elegíveis para casar e transmitir realeza. Insistindo em casar-se com Sophie de qualquer maneira, Francisco Ferdinando tomou-a como es­posa em 1900. Ele tinha 37 anos de idade, ela, 32. Francisco Ferdinan­do foi forçado a realizar um casamento morganático, renunciando para sempre ao direito de seus filhos sucederem ao trono, e excluindo a con­dessa Chotek (posteriormente duquesa de Hohenberg) de uma posição ao seu lado em ocasiões formais (ela foi banida, desterrada num status relativamente humilde). O príncipe Alfred Montenuovo, o camareiro- mor, era o funcionário encarregado da etiqueta da corte e, como tal, parece ter se tornado inimigo particular de Sophie.

O imperador Francisco José obviamente temia que, uma vez que Francisco Ferdinando fosse por sua vez imperador, voltasse atrás em sua

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palavra, talvez obtendo uma dispensa papal para fazê-lo, e tornasse Sophie sua imperatriz de pleno direito, elevando a posição dos três filhos do casal, bem como colocando-os na linha de sucessão ao trono. A luz deste receio provavelmente justificado, parece muito estranho os funcionários da corte continuarem suas perseguições mesquinhas contra Sophie, ad­ministrando o protocolo de modo a repetidas vezes humilhá-la em pú­blico. Um dia ela poderia ser perfeitamente capaz de cobrar; e não há dúvida, o próprio Francisco Ferdinando teria gostado de fazê-lo.

O herdeiro aparente não era uma pessoa de quem fosse fácil gostar. Poucos contemporâneos seus tinham uma palavra delicada a dizer sobre ele. A única coisa que era (e continua a ser) atraente nele é o seu amor por sua esposa e filhos. Quando foi convidado, em 1913, a inspecionar as forças armadas em manobras programadas para o final de junho de 1914 na Bósnia-Herzegóvina - um chamado muito pouco atraente em alguns aspectos - , uma das razões pelas quais ele pode ter aceitado foi que, devido ao status especial da Bósnia-Herzegóvina (que estava numa espécie de limbo, enquanto Áustria e Hungria disputavam a propriedade), Sophie teria permissão de tomar seu lugar junto dele durante os proce­dimentos oficiais. Planejavam-se cerimónias na capital provincial de Sarajevo em 28 de junho, a data de aniversário do seu casamento.

E não há de ter sido apenas notado, mas salientado pelos funcioná­rios Habsburgo encarregados do planejamento dos eventos, que 28 de junho - pelo menos segundo o moderno calendário ocidental - era o dia do aniversário da Primeira Batalha de Kosovo (1389), na qual a Sérvia medieval supostamente perdeu a sua independência para os turcos. Se­ria razoável esperar que os sérvios da Bósnia-Herzegóvina, sempre refra- tários por terem sido anexados pela Áustria, objetariam a qualquer ostentação do governo austríaco naquela data particular.

O funcionalismo austríaco teve a sua reputação de eficiência desmentida por seu desempenho na organização dessa viagem particular. Faltou eletricidade quando o imperador embarcava no trem. A criadagem correu para acender velas. Normalmente mal-humorado, Francisco Ferdi­nando brincou; parecia, disse ele, que estávamos entrando “numa tumba”.

O arquiduque e sua consorte partiram na chuva na manhã de quar­ta-feira, 24 de junho. Eles partiram de Viena separadamente, por cami­nhos diferentes, e a chuva os seguiu. Sophie chegou primeiro ao destino comum: a estação de águas de Bad Ilidze, nas cercanias da capital bósnia

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de Sarajevo. Francisco Ferdinando chegou ao final da tarde de quinta- feira, 25 de junho. Ele ficaram no hotel Bosna, que fora inteiramente reservado às autoridades por toda a duração da estada. Citadinos em­prestaram móveis e acessórios ao hotel, para que ficasse melhor aos olhos dos visitantes.

Ao anoitecer, num impulso do momento, o casal visitante resolveu ir à cidade, fazer compras. Em Sarajevo, eles perambularam pela rua do mercado, onde artesãos vendiam seus trabalhos e comerciantes ofere­ciam seus artigos. Passaram um tempo numa loja de tapetes. A multidão que os seguia parecia afável e hospitaleira.

Nos dois dias seguintes, Sophie visitou escolas, orfanatos e igrejas, e Francisco Ferdinando, como inspetor-geral, supervisionou exercícios de guerra em que um Exército simulava lutar com outro na chuva inter­minável. Conforme o relato escrito do arquiduque ao imperador, tudo corria excelentemente. Depois, Francisco Ferdinando convidou oficiais do Exército Habsburgo, funcionários civis e dignitários locais para um banquete formal em seu hotel, na noite de sábado 27 de junho: um jantar dançante. Seria uma noite a ser lembrada.

O hotel serviu sopa cremosa a Francisco Ferdinando e a seus convi­dados, depois uma variedade de suflês, e a seguir musse de trutas do rio local. Os pratos principais foram carne de boi, cordeiro e (os relatos diferem) galinha ou pato, seguidos de aspargos, salada e sorbets, e então queijos, sobremesas, sorvetes e doces. Foi servida uma grande variedade de vinhos e aguardentes, incluindo champanha, vinhos brancos do Reno, vinhos tintos de Bordeaux, Madeira, húngaro de Tokay e, penultima­mente, um vin du paysr. um Zilavka branco encorpado da vizinha região de Mostar, bebido justamente antes do conhaque.

Era uma noite de verão e as janelas do salão de jantar do Bosna estavam abertas. Na relva abaixo, a banda da guarnição de Sarajevo toca­va um concerto de música leve. Pelas janelas abertas, os convidados po­diam ouvir passagens de O Danúbio Azul, de Strauss, talvez a mais conhecida das valsas vienenses.

Francisco Ferdinando e Sophie tinham se conhecido em Praga, anos atrás, num baile. E era num baile que agora passavam a sua última noite juntos.

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CAPÍTULO 19: NA TERRA DOS ASSASSINOS

Francisco Ferdinando, como já se observou, era um reacionário: ele bem teria gostado de fazer o calendário recuar um século. Os eslavos

que conspiraram contra ele eram ainda mais reacionários; olhavam para mais de cinco séculos atrás, conforme já observado, para a Primeira Ba­talha de Kosovo, na qual fora perdida a grandeza da Sérvia, acreditavam eles. Em 28 de junho de 1914, os conspiradores propunham remir a derrota de 1389 ao custo das suas próprias vidas. Claro, não foi real­mente a batalha de 1389 que desgraçou os Bálcãs cristãos; foi a Segunda Batalha de Kosovo — em 1448. Mas os aprendizes de terrorista que so­nhavam aqueles terríveis pesadelos podem não ter sabido. Não havia intelectuais entre eles.

Há uma tendência a pensar que a gente dos movimentos revolucio­nários clandestinos é de esquerda. Mas os terroristas ocupam frequente­mente um espaço-tempo próprio: às vezes, eles não olham para a frente, mas para trás. Aspiram restaurar reinos que há muito se tornaram pó. Alinham-se sob bandeiras de causas esquecidas. Dão atenção cuidadosa a profetas que pregaram para a gente de uma era pretérita.

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Daí os fanáticos religiosos nas cavernas de Tora Bora nos primeiros anos do século XXI, aspirando fazer reviver a religião tal como era ensi­nada no século VII. Daí rapazotes secundaristas nas aldeias primitivas dos Bálcãs um século atrás, esperando tornarem-se assassinos, tal como as figuras lendárias de quem tanto ouviram falar na poesia patriótica.

Esses grupos do submundo terrorista eram muito semelhantes em seu formato, senão nas mensagens. Faziam juramentos terríveis de fide­lidade, eram submetidos a testes assustadores, passavam por cerimónias de iniciação nas quais sangue era bebido em crânios, punham uma pis­tola à cabeça e obedeciam a ordem de puxar o gatilho, usavam codinomes e organizavam-se em células em que somente o líder conhecia os mem­bros das demais. Embora seus objetivos diferissem, às vezes prestavam assistência uns aos outros e frequentemente tomavam cerimónias, práti­cas e procedimentos emprestados uns dos outros.

O que distinguia os terroristas dos assassinos comuns é que eles não desejavam necessariamente as consequências imediatas da sua vio­lência. Matavam pessoas que mesmo eles amiúde consideravam inocen­tes. Sua estratégia única - a estratégia de terrorismo - é amedrontar a sociedade e levá-la a fazer algo que os terroristas desejavam que fizesse. Um assassino comum dá um tiro em João da Silva porque quer João da Silva morto. Um assassino terrorista dá um tiro em João da Silva, cuja vida ou morte pode lhe ser completamente indiferente, porque quer que as autoridades reajam de certa maneira ao assassinato.

Numa época em que os governantes da Eurásia reprimiam a liber­dade de expressão política, muitos jovens idealistas foram impelidos para a clandestinidade. Redes de sociedades secretas viveram nos subterrâneos dos impérios da velha Europa ao longo de todo o século XIX e no come­ço do século XX, corroendo gradualmente as suas fundações. Seus mem­bros eram visionários, nacionalistas, oficiais do Exército, românticos, patriotas, idealistas, fanáticos ou loucos. As sociedades eram ilegais e a vida que ofereciam era perigosa, mas para os jovens isto era frequentemente um atrativo e não um empecilho: a vida clandestina parecia glamourosa e romântica. Alguns dos jovens terroristas acreditavam em atentados à bomba e em assassinatos, ao passo que outros em que a violência indivi­dual era menos efetiva do que a organização de massa; mas uma crença que tinham em comum era que, tal como existia, a sociedade tinha de ser destruída antes de a construção de um mundo melhor poder começar.

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NA TERRA DOS AS SASSI NOS

Anular as consequências da Revolução Industrial era a meta que muitos deles perseguiam, ainda que pudessem exprimi-lo diferentemen­te, e para este fim fomentavam greves e praticavam sabotagens. Outros se deixavam embriagar pelo apelo fácil do nacionalismo: derrubar o do­mínio estrangeiro. Como destacou Z. A. B. Zeman, a pressão popular emprestou intensidade e urgência às demandas nacionalistas.1 O Habsburgo e outros impérios multinacionais eram um celeiro de jovens criminosos políticos e de radicais dementes de direita e de esquerda.

Reis, presidentes, primeiros-ministros e outros líderes de governo e da sociedade eram assassinados indiscriminadamente, sem causar tanta surpresa quanto acontecimentos desse tipo hoje causariam. Isso ocorreu particularmente no Sudeste atrasado e semitribal da Europa, onde os camponeses viviam com seus animais, disputas de sangue eram comuns e matanças de retaliação eram a norma.

Por meio da ficção imaginativa de um Joseph Conrad ou de um Dostoievski é possível tentar conceber este mundo de sociedades secre­tas de um tempo remoto nos longínquos Bálcãs. Foi o mundo onde surgiu Gavrilo Princip, um sérvio bósnio: adolescente sem talentos mas seriamente determinado cuja escolha de carreira foi ser mártir. Ele era militante do movimento Jovem Bósnia, um grupo meio indefinido de nacionalistas juvenis. Aldeãos, produtos de uma sociedade feudal, os Jovens Bósnios, que pertenciam à primeira geração educada da sua pro­víncia, liam e discutiam uma literatura relativamente atualizada e às ve­zes subversiva: Walt Whitman, Alexander Herzen, Oscar Wilde, Maxim Gorky e Henrik Ibsen estavam entre os autores cujas obras eles liam. É difícil imaginar o que aquelas crianças de escola, com suas raízes emo­cionais no martírio sérvio do século XIV e suas raízes económicas na Idade Média, faziam do Modernismo eduardiano e vitoriano. Eles co­nheciam os escritos, as teorias e as ações da clandestinidade revolucioná­ria russa, e os niilistas de meio século antes, mas achavam difícil estabelecer uma ligação entre os vários socialismos que animavam os russos e o mundo camponês dos Bálcãs. Entretanto, o próprio Princip possuía uma pequena livraria de literatura anarquista que contava com livros de Mikhail Bakunin e Peter Kropotkin. Os versos de Nietzsche estavam frequentemente nos seus lábios. Figura solitária, ele vivia mais entre os livros do que entre as pessoas.

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Princip nasceu em 13 de julho de 1894, na aldeia de Gornji Obljaj, nas florestas altas do vale do Grahovo. Trata-se do que Zeman chamou de “a parte mais pobre de uma província pobre”, na Krajina, na parte ocidental da Bósnia, perto da Dalmácia.2 A família de Princip vivia lá há séculos, durantes os quais fronteiras e Estados vieram e se foram. Eles eram sérvios da Bósnia, fortemente ligados à sua terra, à sua igreja, às suas organizações comunais e ao seu clã. Gavrilo deixou o vale aos 13 anos de idade para frequentar a escola em Sarajevo, a capital da Bósnia.

Rapaz magro, moreno, de cabelos cacheados, mais para o frágil, um ascético que não fumava nem bebia, ele deixou crescer o bigode para parecer mais velho, o que também lhe deu ares de um tocador de realejo. Ele rejeitava a religião, brigava com seus professores e só frequentava a escola intermitentemente. Queria ser poeta, sentindo o sofrimento dos outros. Aborrecia-lhe o fato de não ser fisicamente atraente. Quando se apresentou para o serviço militar sérvio nas guerras dos Bálcãs de 1912- 1913, foi rejeitado por um oficial do recrutamento, que lhe disse: “Você é pequeno demais, fraco demais.” A observação o magoou. Ele nunca perdoaria aquele oficial.

Durante os vinte anos da vida de Princip, o assassinato foi uma manifestação frequente e característica da divisão entre a sociedade e o submundo. Entre os assassinados, temos o presidente da França (1894), o xá da Pérsia (1896), o presidente do Uruguai (1896), o primeiro-mi­nistro da Espanha (1897), o presidente da Guatemala (1898), a impera­triz da Áustria (1898), o presidente da República Dominicana (1899), o rei da Itália (1900), o presidente dos Estados Unidos (1901), o rei e a rainha da Sérvia (1903), o primeiro-ministro da Grécia (1905), o pri­meiro-ministro da Bulgária (1907), o primeiro-ministro da Pérsia (1907), o rei de Portugal (1908), o primeiro-ministro do Egito (1910), o pri­meiro-ministro da Rússia (1911), o primeiro-ministro da Espanha (1912), o presidente do México (1913) e o rei dos Helenos (1913). Em média, foi assassinado um chefe de Estado ou de governo por ano.

Quando o jovem Princip ouviu ou leu, em março de 1914, aos 19 anos de idade, que o herdeiro do Império Habsburgo ia visitar a Bósnia em junho, ele inventou (afirmou ele) o projeto de organizar um assassina­to. Ao fim da sua vida, ele insistiu em que a idéia tinha sido sua. O que quer tenha ocorrido, outros nacionalistas haviam tramado assassinar

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Francisco Ferdinando sem sucesso em muitas ocasiões, a mais recente em janeiro de 1914. Há quem acredite que não se tratava exatamente de o arquiduque ser odiado pelos Jovens Bósnios — eles eram mal informa­dos e tinham, em vários assuntos, opiniões completamente equivocadas —, mas de ele ser um símbolo proeminente da ordem existente, que os estudantes queriam assustar e derrubar.

Segundo outro conjunto de informantes, havia uma crença de que Francisco Ferdinando defenderia o “trialismo”; ele pretenderia integrar os eslavos ao governo dos austro-alemães e dos húngaros. Esta política neutralizaria o nacionalismo sérvio e privaria os Jovens Bósnios e outros grupos de sua causa.

Uma teoria oposta é que os nacionalistas sérvios teriam recebido informações falsas de que a Áustria-Hungria estavas prestes a atacar a Sérvia. As manobras em Sarajevo (diziam eles) eram mero ensaio geral. Depois das guerras dos Bálcãs, todo mundo sabia que a Sérvia estava exausta e precisaria de vários anos para recuperar-se. Francisco Ferdi­nando (sussurravam eles) estava planejando tirar vantagem deste mo­mento de impotência, lançando uma invasão. Erradamente, eles afirmavam que em Viena, nos círculos internos do governo, o arquiduque era partidário da guerra. Na verdade, ele era o principal defensor da paz.

Princip chamou amigos para participarem do complô. Os amigos acei­taram. Ele pediu aulas de tiro; mais uma vez, os amigos concordaram. Um amigo — um certo Milan Ciganovic - conhecia “um cavalheiro” — nome não fornecido — que poderia e de fato forneceu o armamento: bombas, revólveres e veneno com o qual cometer suicídio depois de matar os alvos. O mesmo “cavalheiro” era da alta hierarquia de uma orga­nização secreta e os faria passar clandestinamente pela fronteira entre a Sérvia e a Bósnia, ocupada pela Áustria na ocasião da visita de Francisco Ferdinando.

As armas eram quatro pistolas automáticas belgas, de última gera­ção. As seis bombas de manufatura sérvia especial, muito pequenas, le­ves e tão fáceis de carregar quanto de usar. O veneno era cianureto.

Por que o “cavalheiro” - major Voja Tankosic, braço direito do chefe da Mão Negra, uma sociedade secreta dentro do Exército sérvio

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sobre a qual continuaremos a falar - decidiu facilitar o assassinato? É possível que sua organização, por meio dele, tenha recrutado Princip e seus amigos, em vez de vice-versa? Ou se a trama começou realmente com Princip, Tankosic estava falando sério quando disse, anos mais tar­de, que a apoiou porque queria “criar problemas para Pasic”, o primei- ro-ministro da Sérvia?3

Outra das muitas versões da história dos assassinatos de Sarajevo foi supostamente contada por Apis, líder da Mão Negra, a um amigo em 1915. O amigo a publicou em 1924. Nessa narrativa, Tankosic queixa- se a Apis um dia: “Dragutin, há aí uns garotos bósnios que estão me importunando. Eles querem porque querem fazer um ‘grande feito’, a qualquer custo. Ouviram dizer que Francisco Ferdinando está vindo para a Bósnia, participar de manobras, e pediram-me para deixá-los ir até lá. O que me diz? [...] Eu disse que não podiam ir, mas eles não param de insistir.” Apis teria respondido algo como: por que não lhes dar uma chance? Mas então, algum tempo depois, refletindo sobre o assunto, Apis começou a achar que era importante matar Francisco Fer­dinando, e que os estudantes não tinham as qualificações necessárias. En­tão enviou uma mensagem para Princip abortar a missão, pretendendo mandar alguém mais experimentado em seu lugar. Mas Princip insistiu em continuar.

Houve três processos em que magistrados julgaram a questão de Sarajevo: um austríaco (1914), um sérvio (1917) e um iugoslavo (1953). Todos os três foram politicamente motivados, e das suas descobertas, nenhuma suscita crédito. Nem sequer a pesquisa e as entrevistas exaustivas empre­endidas com dedicação pelo grande historiador italiano Luigi Albertini no período entre guerras conseguiram esclarecer alguma coisa. O que as testemunhas viram foi uma chance de acertar contas ou fazer avançarem causas. Os nacionalistas sérvios continuavam a sentir orgulho dos assas­sinatos; muitos quiseram ganhar crédito por eles, outros apenas parecer importantes, mostrar que sabiam como realmente aconteceram. Ao afir­mar que era pessoalmente responsável pela matança, Apis podia estar pensando que estava absolvendo o seu país da culpa. Ou que, por uma razão ou por outra, não seria condenado pelo tribunal sérvio que o estava julgando em 1917, se os juizes percebessem que ele era o patriota que

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havia matado Francisco Ferdinando. Ou o tribunal pode ter ordenado a execução de Apis exatamente para impedi-lo de falar... Nós nunca saberemos.

Afinal, tudo o que se sabe com certeza é que Princip disparou a arma.

O sinistro grupo que ajudou Princip chamava-se Ujedinjenje ili Smrt [União ou Morte]. Posteriormente, ele ficou conhecido como a Mão Negra. Foi fundado em 3 de março de 1911, por sete nacionalistas que continuavam a protestar contra os resultados da crise bósnia de 1908- 1909. Quando o governo sérvio, ainda que relutantemente, aceitou a anexação austro-húngara da Bósnia-Herzegóvina, a organização nacio­nalista existente, Narodna Odbrana (Defesa Nacional), patrocinada pelo governo, fez o mesmo. De grupo antiaustríaco de vocação militar, ela se converteu em sociedade basicamente cultural.

Os dissidentes da decisão de aceitar a anexação formaram mais tar­de a ultra-secreta Mão Negra, para continuar a luta. Um dos seus mem­bros fundadores era um estudioso da história das sociedades secretas européias na França, Itália, Alemanha e outros lugares. Um tradiciona- lismo inepto (alguns diriam uma imitação) está evidente na constituição (37 artigos) e no regimento (38 artigos) da sociedade secreta de elite formalmente fundada em maio de 1911. Ela tomou como modelo prin­cipalmente as lojas franco-maçônicas e o movimento Jovem Itália de Mazzini, no século XIX.

A Mão Negra se infiltrou na Narodna Odbrana e talvez em outras organizações, mas não era amplamente conhecida fora dos círculos go­vernamentais. Não obstante, a sua existência era conhecida por um cer­to número de países estrangeiros. Ela constituía uma facção importante no meio militar, e fazia-se representar no governo. Era formada por ofi­ciais extremistas do Exército e políticos nacionalistas radicais. Sua figura mais importante (embora talvez nunca tenha sido seu líder formal) era um oficial do Exército, o então poderoso chefe do serviço de inteligência militar, chamado Dragutin Dimitrijevic, um sujeito taurino de codinome “Apis”. Em 1903, Apis havia liderado o comando que assassinou o rei e a rainha da Sérvia em seu palácio e depois jogou seus corpos mutilados pela janela. Durante o reinado do rei assassinado, a Sérvia vinha sendo

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O ÚLTIMO VERÃO EUROPEU

um satélite da Áustria. Sob a dinastia que Apis e seus colegas reconduziram ao trono, várias administrações sucessivas adotaram políticas antiaustríacas, mas não suficientemente para Apis. Para ele, consentir a anexação bósnia em 1908-1909 foi uma “traição”.

A Mão Negra perseguia objetivos finais que eram diferentes dos de Princip. Apis e seus colegas queriam que a Sérvia governasse todas as terras em que os sérvios vivessem. Princip sonhava em criar uma federa­ção em que a Croácia, a Eslovênia e outros povos eslávicos meridionais ficassem unidos. Essas diferenças não eram necessariamente relevantes na primavera de 1914; tratava-se de objetivos de longo prazo.

Entretanto, soubesse ou não, no curto prazo Princip estava entran­do num terreno sob fogo cruzado político. O governo sérvio e mesmo o Exército estavam divididos em dois. Apis travava um duelo feroz com o primeiro-ministro de 68 anos, Nicola Pasic, um político veterano que, assim como Apis, era nacionalista sérvio, mas, à diferença de Apis, cau­teloso. Cada um deles liderava uma facção numa luta que estava chegan­do ao seu clímax quando Princip iniciou seu projeto. Em maio de 1914, Apis convenceu o monarca reinante, o rei Peter, que Pasic devia ser demitido. Então a Rússia interveio. Como fiadora da Sérvia entre as grandes potências, a Rússia podia, em certa medida, promulgar leis. Nicolai Hartwig, o representante russo em Belgrado, interveio para manter Pasic como primeiro-ministro. Hartwig entendia que a Sérvia precisava de alguns anos de descanso para se restabelecer das guerras balcânicas e consolidar seus ganhos. Não era hora de aventureirismos temerários.

Em 26 de maio, Gavrilo Princip partiu para Belgrado, para um encon­tro previamente arranjado com seus companheiros conspiradores em Sarajevo. Ele viajou durante dez dias pela vastidão ameaçadora dos cam­pos, região difícil de atravessar. Seu maior desafio seria cruzar a fronteira inamistosa entre a Sérvia independente e a Bósnia dominada pelos Habsburgo. Mas tudo lhe foi facilitado. Agentes o esperaram em cada ponto ao longo do caminho. Tratava-se de um “túnel”, um percurso montado e controlado pela Narodna Odbrana e emprestado à Mão Ne­gra na oportunidade. Em 4 de junho, Princip chegou a Sarajevo para encontrar seus companheiros de conspiração, para preparar, para ensaiar.

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NA TERRA DOS ASSASSI NOS

O historiador Albertini acreditava que Ciganovic, que colocara Princip em contato com Tankosic, da Mão Negra, era informante da polícia. Se for verdade, o primeiro-ministro teria seguido de longe, pas­so a passo, o progresso de Princip. Segundo uma certa versão, o primei- ro-ministro teria dado ordens aos guardas da fronteira para prender Princip na fronteira sérvia — ordens que teriam sido desobedecidas pelos funcionários sérvios, leais a Apis. Em vez de prendê-los, eles teriam dei­xado os conspiradores passarem, e depois dito a Pasic que só tinham recebido a ordem quando já era tarde demais. Numa variação desta ver­são, os mesmos funcionários confessaram depois a Pasic o que haviam feito. De uma maneira ou de outra, o primeiro-ministro (acredita-se amplamente) tinha conhecimento de que terroristas - Princip e seus parceiros — portando pistolas e bombas haviam cruzado o rio Drina para entrar na Bósnia, e sabia ou supunha que o arquiduque devia ser o alvo. Pasic, porém, sempre negou que tivesse conhecimento específico sobre o que estava prestes a acontecer.

Para Pasic, sobrevivente astuto de uma das políticas mais traiçoeiras do mundo, as opções — na medida em que de fato soubesse do complô — não eram fáceis. Seu país estava exausto após as guerras dos Bálcãs, e não estava em posição de desafiar uma grande potência. Um ataque contra Francisco Ferdinando desencadearia necessariamente algum tipo de situação internacional desagradável com que a Sérvia teria dificuldade de lidar. E claro, ele nada podia fazer, esperando que os inexperientes secundaristas fossem derrotados em seu teste, mas o que quer que eles fizessem, podiam estar dando aos linhas-duras de Viena pelo menos um pretexto para intervir. Por outro lado, se Pasic avisasse aos austríacos e a notícia vazasse, a Mão Negra poderia ordenar que ele também fosse as­sassinado, ou então usar a informação sobre o que fizera para rotulá-lo de traidor. Não importa que aviso despachasse, também podia ser usado por Viena para provar que seu governo estava envolvido no complô contra o arquiduque; ora, não estaria ele admitindo a existência do ataque ao prevenir que oficiais sérvios o estavam planejando?

No fim das contas, apesar das suas negações posteriores, Pasic pode ter enviado um telegrama à sua legação em Viena em algum momento na primeira metade de junho, instruindo seu representante para infor­mar ao governo austríaco que, “devido a um vazamento de informação”,

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O ÚLTI MO VERÃO EUROPEU

a Sérvia “tinha motivos para suspeitar que um complô estava sendo tra­mado contra a vida do arquiduque por ocasião da sua viagem à Bósnia. E como a visita pode dar lugar a incidentes lamentáveis por causa de algum fanático, seria útil sugerir ao governo austro-húngaro a prudência de adiar a visita do arquiduque”.

Tendo Pasic mandado ou não o telegrama, o fato é que seu enviado tentou uma entrevista. O representante Ljuba Jovanovic, que pode ter recebido o telegrama, teve pelo menos duas razões para não seguir as instruções de seu primeiro-ministro. Ele não tinha boas relações com o ministro das Relações Exteriores Habsburgo, o conde Leopold von Berchtold, funcionário que ele devia alertar, e preferia não ter de encontrá-lo. Ele optou, em vez disso, por tentar uma entrevista com o ministro das Finanças, Leon von Bilinski, sob cuja administração (pelo menos tempora­riamente) estavam as províncias anexadas da Bósnia e da Herzegóvina, que o arquiduque programara visitar. Contudo, as questões de seguran­ça eram de responsabilidade do general Oskar Potiorek, governador das províncias, nominalmente subordinado a Bilinski, mas na verdade em rixa com ele. Assim, Potiorek ignorara Bilinski deliberadamente, ulti­mando os arranjos para a missão do arquiduque na Bósnia.

Jovanovic encontrou-se com Bilinski em 21 de junho, ao meio-dia. Aparentemente, ele decidira suprimir o núcleo da mensagem que supos- tamente teria recebido ordens de entregar — que Belgrado tinha infor­mações sólidas sobre um complô para matar o arquiduque. Em vez disso, ele falou em termos gerais sobre os perigos inerentes da visita a Sarajevo e a possibilidade de que sérvios descontentes pudessem atacar Francisco Ferdinando. Jovanovic tinha razões para não falar do complô para ma­tar Francisco Ferdinando; havia sido o indicado de Apis para o Ministé­rio das Relações Exteriores no golpe de Estado que Hartwig tinha evitado em maio. Circulavam então rumores de que Apis estava preparando um novo golpe, talvez para o mês de agosto, e mais uma vez pensava em promover Jovanovic. Não estava na hora de Jovanovic se alinhar com Pasic contra Apis.

Por sua vez, Bilinski tinha razões para descartar a vaga advertência que recebeu. Havia sido ignorado no planejamento da segurança. A res­ponsabilidade tinha sido assumida por um subordinado dele, o general Potiorek, sob ordens expressas de Francisco Ferdinando. Se as coisas

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NA TERRA DOS ASSASSI NOS

desandassem na viagem à Bósnia, Potiorek, e não Bilinski, seria respon­sabilizado. Além disso, era difícil preocupar-se muito com o que podia acontecer com o arquiduque: Bilinski não tinha razões para gostar dele.

Na capital sérvia, o primeiro-ministro tentou descobrir o que exa­tamente estava acontecendo, para poder obstar. Apis não cooperou, e os lealistas de Pasic no Exército, o Ministério da Guerra e o Ministério do Interior não foram capazes de seguir os conspiradores de Princip, que àquela altura já estavam na Bósnia, fora do alcance oficial da Sérvia.

Líderes da Narodna Odbrana, a sociedade nacionalista sérvia, ocu­pavam cargos no governo de Pasic e, consequentemente, souberam da trama de assassinato. Eles instruíram seu contato na Bósnia para impe­dir a operação. Ele fracassou.

Em 2 de junho, o Comité Executivo Central da Mão Negra se reuniu. Ou talvez fosse apenas uma reunião informal de todos os mem­bros que puderam imediatamente ser reunidos. Na reunião, eles foram informados da assistência que o major Tankosic tinha dado ao grupo de Princip em nome da organização. Por uma razão ignorada, ordenaram que a missão fosse imediatamente abortada. Compreensivelmente, a decisão foi unânime - exceto, parece, por Apis e Tankosic.

Apis enviou o intermediário de Tankosic junto ao grupo de Princip para a Bósnia, onde ele se encontrou com Danilo Ilic, que atuava como coordenador técnico do grupo de ataque. Ilic passou a ordem a Princip: cancele! Princip recusou-se.

Aos 20 ou 21 de junho, é possível que Apis acreditasse que o plano de assassinato houvesse sido cancelado, enquanto Pasic continuava pen­sando de outro modo. Ilic insistiu em convencer Princip a obedecer a ordem de cancelamento do ataque. Mas um confronto de opiniões entre Apis e Pasic em meados de junho - sobre a opção entre complô homici­da ou outra coisa - levou um agente da Mão Negra a enviar uma nova mensagem a Princip, anulando a ordem de cancelamento de Apis e res­tabelecendo a operação. O homem que trouxe a mensagem foi poste­riormente acusado pela Sérvia de ser espião austríaco, mas a acusação nunca foi comprovada; na verdade, ele atuava como chefe da rede de espionagem de Apis na Áustria-Hungria.

De qualquer modo, a conspiração já não podia mais ser secreta; conta-se que os cafés dos Bálcãs zuniam com as especulações sobre um

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complô para matar Francisco Ferdinando, e que estavam repletos de espiões austríacos. Um século depois, ainda não sabemos com certeza quem sabia o quê, nem quando o teria sabido.

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CAPÍTULO 20: A CONEXÃO RUSSA

Estava a Rússia de algum modo envolvida no complô contra o futuro líder da Áustria? Nos círculos governamentais, as pessoas se fizeram

esta pergunta na época; nos círculos intelectuais, os académicos têm se colocado a questão desde então.

O envolvimento russo teria feito pouco sentido. Francisco Ferdi­nando era o principal elemento pró-russo do seu governo; assim, tirá-lo de cena seria contrário aos interesses da Rússia. É claro, suas opiniões políticas eram mal compreendidas em outros lugares, e talvez também o fossem em São Petersburgo. É possível que a extensão da sua amizade não fosse plenamente compreendida. Porém, como defensor que era do monarquismo em toda a Europa, certamente, por princípio inarredável, o tsar teria se oposto a um tal assassinato.

A política balcânica da Rússia, administrada no terreno por Nicolai Hartwig na condição de representante para a Sérvia (1909-1914), era suscetível, conforme já foi observado, de ser compreendida como uma fraude. Militante pan-eslavo com longa folha de serviços e muito conhe­

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cimento dos Bálcãs e do Oriente Médio, Hartwig “usava a causa sérvia como uma arma em sua luta contra o seu próprio governo”, segundo o bem informado representante francês em Belgrado.1 “Com apoio dos círculos conservadores e ortodoxos de São Petersburgo”, ele travava sua batalha contra Sazonov, o ministro das Relações Exteriores, e “forçava a diplomacia russa na direção da evolução dos Bálcãs durante os últimos dois anos, cujo mérito da concepção e implementação lhe cabia”.

Foi Hartwig quem reuniu os Estados balcânicos por um tempo tanto contra a Turquia como contra a Áustria, e era crença geral que ele ditava a política em Belgrado. Mas é improvável que ele tenha aprovado o complô da Mão Negra; ele tinha acabado de salvar o governo Pasic de Apis, aprovando a facção mais cautelosa e menos provocativa contra os fanáticos.

E claramente verdade que o adido militar russo em Belgrado, coro­nel Viktor Artamanov, trabalhava muito ligado a Apis. Os dois podem ter dirigido redes de espiões juntos. Segundo certas acusações, uma vez Artamanov repassou fundos a Apis para financiar operações. Não é in­concebível que de alguma forma Artamanov tivesse vindo a saber que Apis estava ajudando os secundaristas bósnios. Há uma história de que Artamanov também pode ter dado garantias a Apis de que se a Áus­tria atacasse, a Rússia interviria para ajudar a Sérvia. Não obstante, não há provas de que alguém em posição de dar tais garantias em nome do tsar o tivesse feito.

George Malcolm Thomson, um historiador popular, escreve em The Twelve Days [Os Doze Dias] (1964) que Artamanov “fazia parte, desde as etapas iniciais, da conspiração da Mão Negra para assassinar o arquiduque”.2 Thomson fundamenta a sua afirmação na pesquisa de Albertini, a qual não sustenta uma alegação tão absoluta. Artamanov negou tudo na entrevista a Albertini. Albertini não acreditava na veraci­dade da história de Artamanov, mas não conseguiu refutá-la.

Um documento datado de 12 de junho de 1914, recentemente encontrado nos recém-abertos arquivos do Ministério da Defesa russo, relata que, em 1910, a Rússia concedeu um subsídio de 4 milhões de francos à oficialidade do Exército sérvio, e que o dinheiro havia sido impropriamente utilizado, desaparecendo desde então. O documento, expedido pelo agente militar russo na Sérvia, sugeria que o dinheiro fora

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A CONEXÃO RUSSA

indevidamente desviado para a Mão Negra; e parece confirmar que o governo russo, com base na experiência passada, não pensava mais em continuar financiando a oficialidade sérvia. A conjectura é de que a Rússia não estaria disposta a ajudar a Mão Negra.

Havia uma conexão russa na ação de Sarajevo? Se houvesse, nenhu­ma prova disso foi até hoje descoberta.

Poucos dias antes do assassinato, o primeiro-ministro Pasic recebeu uma carta anónima. O autor especulava que o governo austríaco podia estar manobrando para matar “aquele tolo do Fernando” durante as mano­bras bósnias, para então pôr a culpa no governo de Pasic como desculpa para começar uma guerra contra a Sérvia.3 Não foi o que aconteceu, mas podia ter acontecido.

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CAPÍTULO 21: OS TERRORISTAS ATACAM

omingo, 28 de junho de 1914. De manhã cedo, o arquiduqueFrancisco Ferdinando e sua esposa, Sophie, oravam na missa numa

capela montada para eles em seu hotel. Deixando o balneário suburbano de Ilidze, eles embarcaram no trem para Sarajevo, para uma viagem de menos de meia hora. No terminal ferroviário nos limites da cidade, pas­saram a automóveis, nos quais percorreram o restante do caminho. O desfile em veículos motorizados era algo impressionante; apenas havia pouco o automóvel passara a ser de uso comum.

O cortejo de carros com chofer entrou em Sarajevo nalgum momen­to entre nove e meia e dez horas da manhã, dirigindo-se à prefeitura. O prefeito e o chefe de polícia abriam caminho no primeiro automóvel. O arquiduque e a duquesa iam no segundo, um carro de passeio conversí­vel, emprestado para seu uso. O governador militar, general Potiorek, estava com eles. O proprietário do carro emprestado, o conde Franz von Harrach, sentava-se à frente, junto ao motorista. O resto do cortejo — entre dois e quatro outros veículos, dependendo do relato que aceitarmos - seguia atrás.1

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OS TERRORI STA S ATACAM

A chuva finalmente cessara. A bruma da manhã desaparecera. Um sol deslumbrante derramava seus raios sobre o casal aniversariante: ele, magnificamente trajado em seu uniforme multicolorido; ela, radiante de branco. Finalmente lado a lado numa celebração oficial, eles aco­lhiam as cores e sons da paisagem ao longo do caminho, o entusiasmo das massas em aclamação e o estampido da saudação dos canhões.

Posteriormente, os historiadores ficariam perplexos com a ausên­cia de precauções de segurança. Soldados deviam ter sido postados ao longo da avenida, mas não foram. Cerca de 22 mil soldados estavam nas vizinhanças, mas o general Potiorek só destacou uma guarda de honra de 120 homens para proteger Francisco Ferdinando e sua comitiva. Ex­plicou-se mais tarde que o general queria provar que, sob seu punho de ferro, a ordem estava tão firmemente estabelecida que não carecia poli­ciamento. Se for verdade, Potiorek tinha provado o oposto do que pretendia.

A turbulenta Bósnia era uma região de fronteira. Ela e seus vizi­nhos formavam uma arena em que o Oriente encontrava o Ocidente, em que clãs, nacionalidades, religiões e impérios rivais colidiam. A capi­tal da Bósnia, Sarajevo, um antigo povoado com raízes no passado dis­tante, era um grupamento de edifícios espalhados de ambos os lados do rio Miljacka, cuja conexão por pontes dava a forma de cidade. Uma torrente durante o longo inverno, o Miljacka estiava no verão, a tal pon­to que em junho o seu leito já começava a secar. No final de década de 1930, um visitante britânico afirmou que as águas do Miljacka corriam vermelhas, mas vai ver é uma ilusão de ótica produzida por uma leitura da história. O caminho tomado pelo comboio para entrar na cidade foi a avenida Appel, que corria paralelamente ao rio. A avenida era margeada de um lado pelo Miljacka e do outro por casas. Era a única via pública de porte considerável na cidade.

Séculos de domínio pelo Império Otomano muçulmano deixaram sua marca nos habitantes: seu vestuário, seus hábitos, seu comportamen­to. O aspecto das ruas, especialmente ao afastarem-se do rio em ruas es­treitas e sinuosas na direção do interior, era distintamente oriental.

A silhueta de Sarajevo, pontuada de minaretes, candente sob o sol ofuscante do verão, era como um lembrete de que a cidade mudara fre­quentemente de mãos. Havia centenas de mesquitas em Sarajevo, e qua­

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O ÚLTI MO VERÃO EUROPEU

se o mesmo número de igrejas. As sinagogas, embora menos conspícuas, testemunhavam a presença judaica. A população poliglota, multinacional e religiosamente diversa aprendeu a conviver não só uns com os outros, mas também sob a bandeira que no alto tremulasse. Domínios e poderes eram no máximo temporários e, conforme ocorreu, estavam prestes a mudar mais uma vez, em decorrência dos acontecimentos em Sarajevo naquele 28 de junho.

Naquela manhã, Princip havia postado seus companheiros de cons­piração ao longo da avenida Appel, em três lugares em que ela era corta­da por pontes. Andando ao longo do cais, portanto, a comitiva estaria passando por um corredor polonês. Atuando como coordenador, o amigo mais velho de Princip, Danilo Ilic, não teria uma posição fixa, para des­locar seus atiradores quando e para onde fosse necessário. Ilic, isto será lembrado, tentou convencer Princip a obedecer à ordem de abortar a missão.

Na primeira das pontes, o cortejo do arquiduque entrou numa zona de perigo: três conspiradores formavam uma fila ao longo do cais no lado do rio, e dois no lado das casas. O primeiro ataque contra a vida do arquiduque veio do lado do rio, de Nedeljiko Cabrinovic, que pediu a um policial para indicar qual era o carro de Francisco Ferdinando. De­pois, ele bateu a cápsula de percussão da sua bomba num poste, para acionar o detonador. Jogou a bomba afoitamente no carro do arquiduque, atingindo a capota baixada do conversível, de onde ela rolou para fora, indo explodir junto à roda do carro seguinte.

A condessa sentiu o detonador lhe roçar o pescoço, ao errar o alvo, enquanto um ocupante do carro de trás, o coronel Erich von Merizzi, ajudante do general Potiorek, foi ferido no punho por estilhaços. O baru­lho da explosão foi assustador, outro oficial e um certo número de espec­tadores ficaram levemente feridos, e a comitiva parou para investigar.

Cabrinovic, o perpetrador, saiu correndo da cena. Ele pulou da margem e tentou escapar pelas águas rasas do leito do rio. Capturado pela polícia, que o perseguiu, ele engoliu sua pílula de veneno, a qual estava vencida, velha demais para funcionar; seu único efeito foi fazê-lo vomitar.

Princip, que tinha ouvido a explosão e gritos da multidão, correu para o local e achou que tudo estava perdido. A polícia tinha Cabrinovic

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OS TER RORI STA S ATACAM

firmemente sob custódia, e já se apressava para levá-lo à delegacia. Ne­nhum dos outros conspiradores seria encontrado.

A. J. P. Taylor nos dá o relato mais conciso do que aconteceu com os outros: “Quanto aos outros conspiradores, um ficou tão imprensado na multidão que não pôde nem tirar sua bomba do bolso.2 O segundo viu um policial ao seu lado e decidiu que qualquer movimento seria arriscado demais. O terceiro ficou com pena da esposa do arquiduque e nada fez. O quarto perdeu a coragem e foi discretamente para casa.”

Só, Princip perambulou até o que tinha sido o seu ponto na margem do rio na avenida Appel, na chamada ponte Latina. Então, atravessou a rua. Os relatos diferem sobre onde ele permaneceu ou sentou-se.

Francisco Ferdinando decidiu cancelar os planos em curso, que previam a passagem da sua comitiva por ruelas sinuosas a caminho do museu; mas não refez o caminho, recuando. Após uma parada na prefei­tura para uma recepção e discursos, ele insistiu em ir até o hospital para visitar o coronel Merizzi, levemente ferido no ataque de Cabrinovic. O motorista do carro à frente da comitiva não foi informado ou não com­preendeu; seguiu os planos originais, deixando a avenida Appel e pegan­do uma rua lateral para chegar ao museu, e o motorista do arquiduque simplesmente o seguiu. “Volte!”, gritou-lhe o general Potiorek. O mo­torista parou. Considerou a melhor maneira de voltar. A retaguarda do seu automóvel pode ter ficado bloqueada pelo restante do comboio. Ele teria de manobrar lentamente na rua estreita, talvez andando de marcha a ré ou fazendo retorno. Nesse ínterim, o veículo ficou parado. Tudo isso se passou a cerca de l,50m de distância de Princip. Ele estava cerca­do por outros espectadores. Deve ter ficado surpreso, mas pensou rápi­do e agarrou a chance. Pôs a mão no bolso para pegar a bomba, mas compreendeu que estava apertado demais na multidão para poder proje- tar o braço e lançá-la livremente no alvo. Então sacou sua pistola e dis­parou dois tiros à queima-roupa, atingindo a jugular do arquiduque com um e o abdome da duquesa com o outro. Àquela distância, era quase impossível errar.

Princip virou a arma contra si mesmo, mas foi impedido de atirar por um homem ao seu lado, que se lançou sobre o braço do assassino. Não estava claro o que tinha acontecido. Para alguns, os dois estampi­

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dos inesperados soaram como explosões de escapamento, a que os auto­móveis estavam muito sujeitos naquela época. A confusão irrompeu quan­do a multidão e os policiais próximos começaram a se bater uns contra os outros para ver quem pegava o rapazote assassino. Princip engoliu sua cápsula de veneno, e começou a vomitar quando ela não funcionou. A turba começou a surrá-lo e é possível que estivesse tentando afastá-lo para linchá-lo. Lutando, Princip usou a coronha da sua arma para revidar. Finalmente, a polícia conseguiu arrancá-lo das mãos da multidão. Ele deixou cair a sua bomba. Os espectadores gritaram advertências enquanto chegavam reforços policiais para controlar a situação.

Nesse ínterim, a limusine com o casal real moribundo corria em busca de socorro. “Sophie, querida! Sophie, querida! Não morra! Conti­nue viva para nossos filhos!” - gritou-lhe Francisco Ferdinando. E de­pois, mais debilmente mas repetidas vezes, “Não é nada”, enquanto auxiliares lhe perguntavam ansiosamente como estava se sentindo. O casal fatalmente ferido foi levado às pressas à residência do governador, a apenas alguns minutos de distância. Eles haviam sido baleados por volta das dez e meia da manhã; Sophie morreu por volta das 10h45; Francisco Ferdinando, em torno das onze da manhã. Não foi bem “nada”.

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CAPÍTULO 22: A EUROPA BOCEJA

Tivesse o crime de Sarajevo sido cometido até um século antes, teria levado semanas até a notícia alcançar locais distantes. Em sua natu­

reza, portanto, as consequências do caso poderiam ter sido muito dife­rentes. Mas a tecnologia mudara as coisas. Na era dos navios a vapor e sobretudo do telégrafo, as notícias andavam rápido. Os Ministérios das Relações Exteriores do mundo souberam do atentado imediatamente, e em horas começaram a chegar condolências de lugares tão longínquos quanto da Casa Branca, em Washington.

Ao mesmo tempo em que os detalhes dos dois assassinatos são até hoje objeto de controvérsias, alguns traços gerais principais transparece­ram já na época, com acurácia. Assim, apesar de o cônsul britânico em Sarajevo, desnorteado pelas duas agressões, ter relatado que o ataque a bomba havia matado Francisco Ferdinando e Sophie, o embaixador bri­tânico em Viena tinha os detalhes exatos.

Nas ruas de Viena, um relato datilografado do que havia aconteci­do foi distribuído imediatamente pela Agência Telegráfica Oficial austríaca.

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O ÚLTIMO VERÃO EUROPEU

Os rumores também andaram rápido. Um deles, persistente, era de que os franco-maçons eram responsáveis. Um década depois, o roman­cista Thomas Mann continuava a atribuir a eles, pelo menos em parte, a crise do verão de 1914. A “internacional dos illuminati , escreveu ele, “a loja franco-maçônica mundial”, desempenhou um papel no desenca­deamento da guerra.1

Suspeitou-se dos serviços secretos alemães; o primeiro-ministro húngaro foi acusado. Vinte e cinco anos mais tarde, Rebecca West, a jornalista britânica cujo relato dos assuntos balcânicos é considerado clássico, ainda ecoava sua crença de que fora alguém dentro do próprio governo austro-húngaro que arranjara tudo; senão, como explicar a au­sência caso contrário desconcertante de precauções?

Além disso, o imperador, embora horrorizado pelo crime em si, não ficou chateado por Francisco Ferdinando estar fora do caminho. Ele não queria que o arquiduque o sucedesse. “Para mim, é uma grande preocupação a menos”, disse ele à sua filha, ao falar da morte do arquiduque.2 Para um auxiliar mais próximo, ele confidenciou: “De Deus não se zomba. Um poder superior restaurou a ordem que eu não pude manter.”

Mesmo Berchtold anotou em seu diário que durante a primeira reunião do gabinete após o assassinato havia “sim consternação e indig­nação, mas também um certo alívio”.3

O presidente Poincaré, da França, estava no hipódromo de Longchamps quando a notícia dos assassinatos de Sarajevo lhe foi dada. Ele ficou, para ver o fim das corridas. E depois seguiu a sua rotina usual. Paris não foi afetada.

Kiel, Alemanha. O cáiser estava participando de uma regata a bordo do seu iate Meteor. Ao aportar, o chefe do seu Gabinete Naval, almirante von Muller, recebeu um telegrama codificado do cônsul alemão em Sarajevo, transmitindo a notícia. Muller partiu imediatamente na lan­cha Hulda, alcançou o Meteor e gritou o que estava acontecendo.

Uma reunião foi realizada a bordo. Guilherme decidiu retornar a Berlim, “para assumir o controle da situação e preservar a paz da Europa”.

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A EUROP A B OC E J A

Deve ter sido um golpe terrível para o cáiser Guilherme. Ele ficaria horrorizado pelo assassinato de qualquer figura real; além disso, porém, ele havia trabalhado quatro anos para consolidar um relacionamento especial com Francisco Ferdinando. Para esse fim, ele foi, e mostrava todos os sinais de continuar a ser, o maior defensor de Sophie. Uma vez que o velho Francisco José morresse - em não mais do que uns poucos anos —, os dois amigos e imperadores, Guilherme e Francisco Ferdinan­do, poderiam (no que parecia ser a visão do cáiser) trabalhar em parceria para liderar o continente europeu. Este sonho havia sido destruído. Para a Alemanha, conjecturou-se, depois de Francisco Ferdinando sair de cena, o Império Habsburgo poderia não ser um aliado tão próximo e confiável quanto sob a liderança de Francisco Ferdinando.

De Kiel, o correspondente do Times de Londres passou um telegra­ma ao seu editor, dizendo que “o interesse alemão pelo problema austrí­aco será certamente mais intenso” do que antes.

Segundo um importante editor de jornal vienense contemporâneo, muito tempo depois, “a morte do arquiduque Francisco Ferdinando [...] foi recebida com alívio em amplos círculos políticos, mesmo nos mais altos círculos oficiais”.4 Biilow, o ex-chanceler alemão, contou que ouviu de um diplomata húngaro que a afronta fora um “desígnio da Providên­cia”, pois o anti-húngaro Francisco Ferdinando poderia ter dividido a Áustria-Hungria, levando-a a uma guerra civil.5

Segunda-feira, 29 de junho. Inglaterra. A “Afronta”, como o assassi­nato foi chamado, dominou o noticiário dos correspondentes estrangei­ros do Times de Londres pela manhã. Segundo o correspondente de Sarajevo, os acontecimentos terríveis na capital da Bósnia eram “eviden­temente fruto de um complô cuidadosamente tramado”.

Tendo Francisco Ferdinando e Sophie “escapado da morte por um triz”, devido a uma bomba atirada contra eles às lOhl 5 da manhã por um agressor, foram abatidos pouco depois por um outro, “um estudante secundarista” que abriu fogo com uma pistola automática Browning. O fato de um dos atacantes ser da Bósnia e o outro da Herzegóvina apon­tava para a existência de um amplo complô. Contudo, não foram dadas informações sobre o credo e a raça do assassino. Ambos os criminosos

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foram “salvos com dificuldade de serem linchados”, relatou o corres­pondente do Times.

As notícias eram suplementadas por matérias de fundo. Uma nota de solidariedade sobre o imperador austríaco de 84 anos, Francisco José, que mais um golpe sofrera no 66a ano do seu reinado, lembrava os leito­res das mortes violentas da sua esposa, do seu irmão e do seu filho, con­cluindo que “poucos vieram a sofrer uma sucessão de calamidades tão dolorosas quanto as que se abateram sobre o ancião que ocupa o trono mais orgulhoso do continente”.

Contudo, o imperador não deu sinais em público de estar abalado. O público austríaco tampouco ficou perturbado com a notícia; “há pou­cos sinais de inquietação pública”, relatou o correspondente em Viena.

Segundo o cônsul inglês em Sarajevo, “os jornais locais falam de crime anarquista, mas é mais provável que seja uma ação de irredentistas sérvios [sic\, há muito planejada”.

Uma biografia concisa de Francisco Ferdinando explicava que, como desde os seus primeiros anos nunca houve a expectativa de que ele subis­se ao trono — seu primo Rudolf era o herdeiro, e presumivelmente seria sucedido por seu futuro filho —, parecia não haver razão para lhe dar formação na arte de governar. Seus tutores foram assim guiados pelo princípio de que “suas faculdades intelectuais [...] não deveriam ser sobrecarregadas”. Aos vinte e poucos anos, ele era “um bom cavaleiro, excelente atirador e um oficial diligente, [mas] seu conhecimento em questões políticas e constitucionais era limitado”. Ele só começou a estu­dar essas matérias em 1889, pois, com a morte de Rudolf, ele tornou-se herdeiro do trono. Rudolf era filho do imperador; Francisco Ferdinan­do, apenas sobrinho.

No centro financeiro de Londres, o mercado de açoes abriu em baixa, mas recuperou-se quando ficou claro que o mercado de Viena e outras bolsas continentais estavam reagindo bem.

Sir Mark Sykes, um legislador tóri cuja perspectiva absolutamente não era paroquial — ele havia viajado muito pelo Oriente Médio, área em que era um dos poucos especialistas do seu partido - , falou por mui­tos ao dizer à Câmara dos Comuns que não era hora de centrar a atenção em desenvolvimentos estrangeiros, não importa o quanto pudessem ser envolventes; para ele, era “difícil discutir assuntos estrangeiros livremente

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quando os assuntos domésticos estão em situação tão particularmente danosa”.

Terça-feira, 30 de junho. O ponto de vista de Sykes repercutiu num artigo de fundo do Times (um editorial), o qual concordava que o que acontecera em Sarajevo “ocupa o primeiro lugar na mente do público” e vai “ocupar a atenção de todos os que estudam a política européia”, mas que a política interna não podia ser ignorada: “Temos de tratar dos nos­sos próprios assuntos.” O Times se referia provavelmente à ameaça de dissolução do Reino Unido em poucas semanas, numa guerra civil para determinar o destino da Irlanda — e muito mais.

Num comunicado ao seu embaixador na Rússia, o chefe perma­nente do Ministério das Relações Exteriores expressou seu anseio de que as consequências fossem limitadas. “A tragédia que ocorreu recentemente em Sarajevo não levará, espero, a mais complicações; embora já seja bas­tante evidente que os austríacos estejam atribuindo os terríveis aconteci­mentos a intrigas e maquinações sérvias”, algum bem poderá vir disso tudo: “Pode ser que o novo herdeiro seja mais popular do que o falecido arquiduque.”

Na França, no primeiro encontro ministerial após os assassinatos, estes (segundo o biógrafo do presidente Poincaré) “mal foram mencionados”.6

O embaixador britânico na Itália relatou a Londres: “Foi curioso estu­dar aqui o efeito dos terríveis assassinatos em Sarajevo.7 Ao mesmo tem­po em que as autoridades e a imprensa foram enfáticas em sua denúncia do crime [...] é óbvio que o povo em geral considerou a eliminação do falecido arquiduque quase providencial.”

Paris poderia ter passado em branco. Estava completamente tomada por um escândalo, um admirável escândalo, que tinha um pouco de tudo: sexo, violência, intriga internacional, amor, paixão e ciúme, e mau com­portamento nas altas esferas. Era o famoso escândalo Caillaux.

Joseph Caillaux, que se tornara primeiro-ministro da França em 1911, foi um político de esquerda obrigado a deixar o cargo em 1912 por ser, supostamente, demasiado cordato com a Alemanha. Em 1913,

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ele se tornou novamente membro do governo, mas sob ataque constante da direita. Ele era mesmo um importante defensor da amizade com a Alemanha — e tinha um quê de pacifista.

Caillaux era um velho amigo do presidente Poincaré. Em seus dias de solteiros, eles foram companheiros de aventura. Uma diferença entre os dois era que Poincaré era discreto, enquanto Caillaux, um faroleiro. Quando estavam de férias na Itália, em companhia das suas amantes, o contraste entre os dois homens era marcante: nas palavras de Caillaux, “a minha, eu exibia, a dele, ele escondia”.8

Quando, aos 43 anos de idade, Poincaré se casou, no civil, a ceri­mónia foi tão discreta que poucos souberam. Caillaux, porém, mesmo ao casar-se, continuou um caso amoroso clandestino com outra amante, que finalmente se tornou a sua segunda mulher.

Apesar da amizade pessoal entre os dois homens, em 1913-1914 eles tinham se tornado adversários políticos. Tendo acabado de ser elei­to presidente da França, em 4 de março de 1913, Poincaré apoiou um projeto de lei para ampliar o serviço militar no Exército francês de dois para três anos. Aquela parecia ser a única maneira de a França compen­sar a vantagem populacional da Alemanha: de 70 milhões para 40 mi­lhões. Caillaux se opôs à medida. A lei foi adotada em 7 de agosto. Caillaux, que havia sido eleito presidente do Partido Radical, continuou a atacar a legislação. O dublê de pacifista Jean Jaurès fez o mesmo, ele que havia unificado os socialistas do país.

O ponta-de-lança da campanha política contra Caillaux em 1914 foi o jornalista mais poderoso da França, Gaston Calmette, editor do principal jornal da direita, Le Figaro. Calmette afirmou que tornaria públicos certos documentos que mostrariam que Caillaux, quando era ministro das Finanças em 1911, teria obstruído a justiça num escândalo financeiro em que talvez estivesse pessoalmente envolvido. Calmette tam­bém ameaçou publicar a correspondência amorosa entre Caillaux e sua segunda esposa, escrita enquanto ainda estava casado com a primeira.

E mais deveria surgir: telegramas alemães para Caillaux, datados da crise de Agadir em 1911, que supostamente demonstravam sua simpatia pela Alemanha, haviam sido interceptados pelo Ministério das Relações Exteriores francês. Especulava-se que Calmette também iria publicá-los,

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o que motivou um protesto do governo alemão contra a interceptação da sua correspondência.

Caillaux foi visitar o seu velho amigo e presidente Poincaré, pedin­do-lhe para impedir Calmette de revelar o dossiê, e advertindo que, a menos que o presidente o fizesse, ele (Caillaux) iria revelar o que sabia sobre as negociações secretas de Poincaré com o Vaticano. Tais negocia­ções tinham sido evidenciadas pela interceptação de telegramas italia­nos. Se conhecidas, elas comprometeriam as relações do presidente com suas bases secularistas anticlericais.

Com isto, o governo francês negou oficialmente a existência de telegramas alemães interceptados, e Caillaux, em troca, deixou de reve­lar a existência dos telegramas italianos em suas mãos. Assim, só o que ameaçava Caillaux era a publicação proposta por Calmette das cartas de amor.

Em 16 de março de 1914, a segunda senhora Caillaux foi ao escri­tório de Calmette, pediu para vê-lo, esperou e, quando o viu, disparou seis tiros de pistola automática, matando-o imediatamente.

O seu julgamento por assassinato foi marcado para 20 de julho. Em julho, portanto, a atenção de Paris estava inteiramente voltada para o processo. Esquerdistas e direitistas brigavam nas ruas. Não sobravam tempo nem atenção para o arquiduque e sua consorte.

Poincaré brincou dizendo que o caso tinha lhe inspirado novas idéias: ele incumbiria a sua mulher de eliminar seus oponentes.9

Se há um país na Europa em que a matança em Sarajevo deveria ter sido sentida agudamente, seria a própria Áustria do arquiduque. As pessoas deviam estar chorando pelas ruas. Contudo, Z. A. B. Zeman escreve que, em Viena, “o acontecimento quase não causou nenhuma reação ou impressão.10 No domingo e na segunda-feira, a multidão em Viena ou­viu música e bebeu vinho [...] como se nada tivesse acontecido”.

O autor Stefan Zweig estava sentado num banco de jardim em Viena na tarde de 28 de junho. Sua atenção foi desviada do livro que estava lendo por um súbito silêncio: já não se ouvia mais o som distante de uma banda; a música havia parado. As pessoas estavam se aglomeran­do em volta do quiosque da banda, ouvindo algum comunicado. Zweig juntou-se a elas. A multidão ouvia a notícia dos assassinatos de Sarajevo.

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Tratava-se de austríacos recebendo a notícia da morte do seu futuro líder. Entretanto, Zweig escreveu mais tarde: “Não havia nenhum cho­que particular ou abatimento visível nos rostos das pessoas, pois o her­deiro aparente absolutamente não era amado. [...]n Ele nunca era visto sorrindo, e nenhuma fotografia o mostra relaxado. Ele não tinha sensi­bilidade musical e nem senso de humor, e sua esposa era igualmente inamistosa. Ambos eram cercados por uma atmosfera glacial; era sabido que não tinham amigos. Minha premonição quase mística de que al­gum infortúnio viria daquele homem com seu pescoço de buldogue e seus olhos frios, fixos, absolutamente não era pessoal, mas compartilha­da por toda a nação; por isso a notícia do seu assassinato não despertou nenhuma solidariedade profunda.”

Sem dúvida, em todas as capitais da Europa, a reação ao assassinato do herdeiro do trono Habsburgo foi calma ao ponto da indiferença.

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CAPÍTULO 23: DESCARTE DOS CORPOS

O príncipe Montenuovo, controlador-chefe da Casa Imperial Habs­burgo e principal perseguidor de Sophie enquanto ainda viva, fi­

cou encarregado dos arranjos para os dois corpos. Ele os fez despachar para Viena de modo a chegarem tarde da noite: às dez horas da noite do dia 2 de julho. Montenuovo esperava que ninguém os visse, para que, ignorados, ele pudesse separar os corpos. O arquiduque podia ser envia­do para a capela Hofburg, da família Habsburgo, enquanto Sophie iria para Artstetten, um castelo onde Francisco Ferdinando havia construído uma capela para a esposa e para si.

O plano de Montenuovo descarrilou quando o arquiduque Charles, sobrinho de Francisco Ferdinando que o sucedeu na posição de herdei­ro aparente, chegou à estação de trem para receber os corpos. Charles estava acompanhado, nos conta Albertini, por “toda a oficialidade da guarnição de Viena”.1 E lá se foram os dois corpos para a capela Hofburg, para o serviço fúnebre.

Ainda assim, o caixão do arquiduque era mais alto e maior, e “os­tentava o seu brasão de armas” de segundo mais alto príncipe do impé-

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rio, ao passo que o dela exibia um par de luvas brancas e um leque negro— a insígnia do seu préstimo de dama de companhia.2

Os filhos do casal foram proibidos de comparecer ao funeral por seus parentes. Eles mandaram flores, um dos dois únicos buquês permitidos.

Viena solicitou que as personalidades reais estrangeiras não com­parecessem e, consequentemente, tampouco o fez. A cerimónia ocorreu em 3 de julho. Posteriormente, a capela foi fechada. Durante a noite, os caixões foram enviados de volta à estação de trem, mas foram intercep­tados; depois, foram acompanhados por um grande cortejo de nobres conduzidos pelo irmão de Sophie - grupo que se recusou a ser excluído.

Em Artstetten, os corpos do arquiduque e de sua esposa morganática chegaram finalmente ao campo-santo, acossados e humilhados na mor­te como haviam sido em vida pela corte dos Habsburgo. Foi uma atitu­de vil dos próceres da corte. E também tacanha: solapava a sua própria pretensão de terem sido injuriados pelo crime que Gavrilo Princip perpetrara.

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CAPÍTULO 24: REUNINDO OS SUSPEITOS

Espancado, sangrando e vomitando, Princip foi levado para a delega­cia. Cabrinovic, que jogara a bomba, tinha chegado somente um

pouco antes. Segundo os procedimentos legais continentais, um magis­trado, Leo Pfeffer — funcionário local - foi nomeado para investigar o crime de Cabrinovic. Quando a polícia chegou com Princip, o alcance da investigação de Pfeffer foi ampliado. Dois atentados a minutos um do outro sugeriam algo maior do que um assassinato; indicavam uma conspiração.

Inicialmente, escreveu o juiz Pfeffer, Princip, “exausto pelo espan­camento, não foi capaz de dizer uma só palavra.1 Era pequeno, macilen­to, pálido, de feições agudas. Foi difícil conceber que um indivíduo de aparência tão frágil pudesse ter cometido um ato tão grave”.

Mais tarde, sob interrogatório, Princip recuperou a voz e afirmou que não tinha cúmplices, que tinha agido por iniciativa própria. Ele negou conhecer Cabrinovic. Sobre si mesmo, disse: “As pessoas me tomam por um fracote [...]2 E eu fingi que era uma pessoa fraca, mesmo sem o ser.”

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Cabrinovic, por sua vez, embora admitisse conhecer Princip, nega­va qualquer conhecimento do que seu amigo tinha feito. Se Princip tam­bém tivesse atentado contra a vida do arquiduque, deve ter sido (segundo Cabrinovic) porque tinha sentimentos parecidos e chegara às mesmas conclusões sobre o que deveria ser feito.

O correspondente do Times de Londres relatou, em 29 de junho, que Princip e Cabrinovic “estão sendo acusados de ter a mais cínica das atitudes durante o interrogatório”, e de insistirem em afirmar que nin­guém mais estava envolvido.

A história deles — que dois amigos por coincidência tinham tenta­do assassinar a mesma figura pública, independentemente um do outro, no mesmo dia e no mesmo local, mais ou menos na mesma hora - era essencialmente absurda. A razão pela qual não tinham nenhum relato plausível a dar é porque não tinham feito nenhum esforço para criá-lo: a sua missão era suicida; eles haviam engolido as pílulas de cianureto, de­veriam estar mortos e, portanto, remidos de qualquer necessidade de apresentar uma cobertura às autoridades.

Paralelamente à continuação dos interrogatórios, a polícia jogou seu arrastão. Não só a família de Cabrinovic e a família de Ilic, com quem Princip morava, mas mais de duzentas importantes personalida­des sérvias de origem bósnia foram detidas apenas em Sarajevo. Princip sentiu-se culpado por causa disso; estava errado, sentia ele, permanecer passivo e deixar pessoas inocentes serem punidas pelo que ele havia fei­to. De todo modo (embora os relatos difiram), Cabrinovic tinha revela­do alguns elementos da conspiração ao juiz Pfeffer. Princip só queria revelar os nomes dos seus parceiros conspiradores - afinal, tinham se apresentado como voluntários para uma missão suicida.

Ilic, apanhado com muitos outros pelo arrastão da polícia, se dis­pôs a tudo revelar se sua vida fosse poupada. Diferentemente de Princip, ele tinha mais de 21 anos, estando portanto sujeito à pena de morte. Contou aos austríacos tudo o que sabia.

Em 2 de julho, todos os conspiradores tinham sido identificados; em 3 de julho, todos estavam sob custódia, exceto por uma figura menor que tinha fugido para Montenegro e que acabou nunca sendo presa. Os prisioneiros tentaram evitar dar informações que pudessem ligá-los à Sérvia. Nao foram inteiramente bem-sucedidos; em 5 de julho, o general

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Potiorek pôde passar um telegrama ao seu superior civil, o ministro das Finanças Bilinski, informando que os conspiradores tinham recebido armas fornecidas pelo major sérvio Tankosic, que também dera treina­mento de tiro a Princip.3

O adido militar da Áustria na Sérvia descobriu indícios cabais que, se devidamente investigados, poderiam ligar os conspiradores de Princip com Apis - e portanto com o governo Sérvio. Ele informou aos seus superiores no Ministério da Guerra, que falhou em dar o devido enca­minhamento à comunicação, limitando-se a arquivá-la.4

A evidência de um vínculo com a Sérvia era sugestiva, mas nada tinha de conclusiva. O governo Habsburgo estava convencido de que a Sérvia estava de algum modo implicada no crime, mas não tinha provas. Um funcionário de Viena, que viajou para Sarajevo para ver por si mes­mo, telegrafou para casa: “Nada indica que o governo sérvio soubesse do complô.”5 Além disso, Viena estava - e continuou - enganada sobre a sociedade secreta que tinha apoiado Princip; não era a essencialmente cultural Narodna Odbrana, mas a Mão Negra, a qual os austríacos não mencionaram nominalmente, pois não sabiam da sua existência.

O representante diplomático alemão em Belgrado relatou ao chan­celer Bethmann Hollweg, em 30 de junho, que os sérvios estavam com medo de serem responsabilizados pelos assassinatos e estavam “muito deprimidos”, mas que a “cumplicidade moral da Sérvia com o crime [...] não podia ser negada”.6 Ele disse que o representante russo esperava que não fosse um sérvio a tê-lo cometido: “Esperons que ce ne sera pas um serbe.” [Esperemos que não seja um sérvio.] (“Devia saber!”, comentou o cáiser com ceticismo.)7

Em seu relatório, dois dias depois, o representante disse ao chance­ler que em l 2 de julho, por iniciativa própria, o agente diplomático austríaco em Belgrado tinha perguntado ao Ministério das Relações Ex­teriores sérvio que investigações estavam sendo feitas sobre o crime. A resposta foi: “Nada foi feito!” Quando ele expressou sua surpresa, o Ministério das Relações Exteriores resolveu entrar em contato com o Ministério do Interior. Buscas e prisões foram feitas, então, nos bair­ros em que alguns dos conspiradores tinham morado.

No mesmo dia, Pasic, primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores sérvio, despachou uma circular aos seus representantes diplo­

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máticos no estrangeiro a propósito de “a imprensa austríaca e húngara culpa[re]m cada vez mais a Sérvia pela afronta de Sarajevo”.8 Caracteri­zando a atitude de “absurda”, ele afirmou que em todos os círculos da sociedade sérvia o ato “tem sido o mais severamente condenado”. A Sérvia não pôde evitar os assassinatos porque “ambos os assassinos são súditos austríacos”.9 Ele exortou seus representantes a usar todos os canais dis­poníveis “para pôr fim o mais rápido possível à campanha anti-sérvia na imprensa européia”.10

Os líderes civis alemães, o chanceler, o ministro das Relações Exte­riores e o embaixador da Monarquia Dual tomaram instintivamente a iniciativa de aconselhar Viena a reagir com moderação. Não o cáiser, que estava arrasado e enfurecido. Já não minimizava mais, como seu amigo Francisco Ferdinando, o problema sérvio, pois estava entre os que pretendiam — sem esperar por provas - que a trilha de culpa levasse a Belgrado. “Agora ou nunca”, comentou ele.11 “Os sérvios têm de ser controlados, e o mais rápido possível!” Suas palavras ecoaram ao longo de todo o século XX. Foram citadas repetidas vezes para mostrar que sua reação reflexa foi o que levou à eclosão da guerra mundial.

Na velha cidade fortificada de Nish, o ministro das Relações Exte­riores da Monarquia Dual, conde von Berchtold, ouviu de um agente: “Praticamente não houve sinais de consternação ou indignação; o âni­mo dominante era de satisfação e até alegria, e amiúde abertamente [...]12 Este é especialmente o caso nos assim chamados círculos dirigentes - os intelectuais, tais como políticos profissionais, educadores, funcionários, oficiais, e os estudantes.”

Nos primeiros dias de julho, nenhuma das partes em disputa pare­cia ter consciência de como a questão se colocava para o mundo exte­rior. Belgrado, incapaz de ocultar a alegria do povo da Sérvia, parecia não compreender o quanto mais teria de fazer para convencer os outros de que era inocente. Viena não entendia o quanto mais teria de fazer para convencer os outros de que o governo sérvio — e não eventuais patifes no seu funcionalismo - era culpado.

Nikolai Schebeko, representante russo em Viena, iniciou uma in­vestigação própria. Enviou o príncipe M. A. Gagarin para Sarajevo. Gagarin ficou chocado com a falta quase total de segurança da parte dos funcionários Habsburgo locais.13 Ele suspeitou que, acusando a Sérvia,

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eles estivessem tentando dissimular a sua própria incompetência. Os assassinos, afinal, não eram sérvios; eram súditos Habsburgo da Bósnia austro-húngara. Parecia a Gagarin que se os sérvios tivessem tentado matar o arquiduque, teriam feito um trabalho melhor.

O ceticismo de Gagarin poderia ter sido dissipado se os austríacos houvessem tido uma atitude aberta e revelado os indícios que haviam descoberto. Mas a investigação oficial continuou a ser conduzida em segredo. Fosse de outro modo, tivesse a Áustria convencido a Rússia de que a Sérvia era um palco de terroristas dedicados a matar a realeza, o tsar poderia ter fechado posição com a Áustria-Hungria e a Alemanha contra os regicidas. E não teria havido guerra em 1914, embora pudesse muito bem ter havido uma guerra em algum outro ano.

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PARTE CIN CO

MENTINDO

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CA PÍTU LO 25: ALEMANHA ASSINA CHEQUE EM BRANCO

A verdade é que, com a possível exceção de Berchtold, poucos na Áus- tria-Hungria lamentavam que Francisco Ferdinando tivesse sido

removido da cena política. É verdade, os líderes da Monarquia Dual deploraram a matança da realeza, mas se alguém de sangue tivesse de ser sacrificado, o arquiduque era a escolha de todos.

É claro, o herdeiro aparente era, depois apenas do imperador, a figura mais importante do Império Habsburgo. Ao assassiná-lo, os arro­gantes terroristas sérvios desafiaram publicamente a própria existência do império. Se deixasse de responder, Viena perderia por omissão: este argumento podia e foi plausivelmente utilizado na época, e por muitos historiadores desde então.

Não era esta, contudo, a razão pela qual a Monarquia Dual buscava destruir a Sérvia. Não podia ser a razão porque, Francisco Ferdinando à parte, os líderes Habsburgo já queriam destruir a Sérvia antes do assassi­nato. Eles teriam lançado a sua campanha não em 1914, mas em 1912 ou 1913, se não tivessem sido impedidos. No meio do caminho, havia a

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opinião da Europa, assim como o medo da Rússia, assim como a falta de apoio alemão.

O que as mortes deram a Viena não foi uma razão, mas sim uma desculpa para agir. Elas deram aos austríacos motivos para destruir a Sérvia - um pretexto em que a Europa acreditaria, e aceitaria, e com que poderia até simpatizar. Era uma justificativa que podia atrair o apoio da Alemanha e impedir a Rússia de fazer oposição. No passado, dois ho­mens, Francisco Ferdinando e Guilherme II, tinham ficado no caminho da articulação de uma cruzada contra a Sérvia, e os assassinatos, de dife­rentes maneiras, eliminaram a ambos: o arquiduque morto e o cáiser tomado pelo desejo de vingança, presa de uma ira irrefletida.

Ao longo das guerras balcânicas de 1912-1913, a Áustria desenvol­vera, da Sérvia, um medo que chegava à histeria. O cáiser desconsiderava tais paúras, para o intenso pesar de Viena. Na nova situação, finalmente, o inconstante Guilherme tinha sido deixado para trás pelos aconteci­mentos de Sarajevo.

Nesse aspecto, e do ponto de vista de Viena, Gavrilo Princip tinha cometido o crime perfeito.

Logo depois dos assassinatos, quando o embaixador alemão em Viena arriscou aconselhar seus hóspedes a agirem devagar e serem cautelosos, o cáiser ficou furioso: “Quem o autorizou a agir deste modo?1 Quanta estupidez! Não é problema dele, o que a Áustria planeja fazer neste caso é problema exclusivamente da Áustria.” O próprio Guilherme passou a acreditar que a situação dos Bálcãs só poderia ser reparada pela força.

Como o governo Habsburgo reagiria aos acontecimentos? O funcioná­rio responsável da política externa era Leopold von Berchtold. Era para ele que a Monarquia Dual — e a Europa — estavam olhando, em busca de uma resposta.

Com 51 anos de idade em 1914, o ministro não era talhado para a liderança. Berchtold tinha aceitado o cargo somente com a maior relu­tância. Nomeado quando Aehrenthal morreu, em 1912, ele manteve a jovem e fervorosa equipe deste, tendendo a deixá-los fazer as coisas a seu modo. Indeciso e intelectualmente superficial, mas uma pessoa de charmes e maneiras, ele parecia ajustar-se melhor ao estilo bon-vivant.

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Nascido em família de posses, tornara-se um dos homens mais ricos do império por meio do casamento. Tinha terras e haras. Era diplomata por natureza, mas um ministro das Relações Exteriores amador.

No passado, Aehrenthal tinha sido deliberadamente ambíguo sobre a questão Sérvia. Francisco Ferdinando, após os encontros de Konopischt em meados de junho, acreditava que o ministro das Relações Exteriores concordava com ele que a Monarquia Dual devia deixar os sérvios em paz. Mas o memorando que Berchtold havia encomendado ao seu Mi­nistério — de Franz von Matschenko em colaboração com Ludwig von Flotow e Johann Forgach, funcionários identificados com a tradição ex- pansionista de Aehrenthal — defendia uma política agressiva: uma aliança estreita e ativa com a Alemanha, que assumiria a ofensiva na Europa contra uma suposta ameaça russa. O memorando considerava, entre outras coisas, o cerco diplomático da Sérvia.

Imediatamente após os assassinatos, Berchtold deu ordens para re­visar o memorando à luz do que acabara de acontecer. O novo memo­rando mantinha seu apelo por medidas fortes. As metas permaneciam as mesmas, mas novas oportunidades podiam agora estar disponíveis. A palavra “guerra” ainda não era mencionada. Em 30 de junho, porém, Berchtold falou da necessidade de um “acerto final e fundamental” com a Sérvia.2

Eis algo que tinha de ser discutido com a Alemanha. O governo da Áustria-Hungria não era forte o bastante para tomar sozinho uma posi­ção. Ao solicitar que a realeza européia não comparecesse ao funeral de Francisco Ferdinando, as autoridades de Viena abriram uma exceção para Guilherme II; o cáiser foi convidado na condição de amigo pessoal do falecido, mas ficaria disponível para discussões e decisões políticas. Contudo, os funcionários alemães temiam outro ataque; em razão da preocupação com a segurança do cáiser, seus assessores o persuadiram a declinar o convite.

Mas como poderia o governo Habsburgo recrutar a ajuda do cáiser para levar adiante qualquer política que adotasse? A solicitação de apoio à Alemanha tinha de incorporar-se num plano, e tinha de ser por escri­to: essa foi a recomendação do embaixador da Alemanha em Viena, o conde Heinrich von Tschirschky.

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Berchtold, conforme mencionado anteriormente, já tinha alguma coisa escrita: o seu memorando do Ministério das Relações Exteriores, urgindo que a Sérvia fosse cercada, isolada e submetida, memorando este que, com algumas modificações, poderia tornar-se a proposta escri­ta necessária. O imperador da Áustria, Francisco José, concordou em escrever uma carta a Guilherme, para servir de disfarce ou cobertura. A carta foi escrita, de imperador para imperador, de homem para homem. O conde Alexander Hoyos, um verdadeiro agitador de trinta e poucos anos de idade que servia como chefe de gabinete de Berchtold, se apre­sentou como voluntário para ser o mensageiro.

Hoyos tinha razões para acreditar que sua missão era promissora. Apenas poucos dias antes, em l 2 de julho, ele havia conversado longa­mente com Victor Naumann, um jornalista alemão com vínculos estrei­tos com o funcionalismo berlinense e especialmente com o Ministério das Relações Exteriores. Naumann lhe disse que se Viena fosse pedir apoio a Berlim, aquela era a hora: o cáiser estava chocado com os assas­sinatos. Além disso, em todas as áreas do governo havia menos oposição do que nunca à idéia de iniciar uma guerra preventiva contra a Rússia. (Isto é interessante porque, feitas as contas, mostra que Berlim ainda se opunha a declarar esta guerra.)

Era chegada a hora de “aniquilar a Sérvia”, disse Naumann.3 Na sua opinião, “se no presente momento, em que o cáiser está horrorizado com o assassinato de Sarajevo, falarem com ele da maneira certa, ele dará [à Áustria] todas as garantias, indo desta vez até a guerra, pois percebe os perigos para o princípio monárquico”.

Naumann podia não estar falando apenas em seu nome, mas no de um grupo dentro do governo alemão. Fosse ou não perspicaz e bem informado, essa era a fama que tinha. De fato, pouco antes de viajar para Viena, ele se encontrara com Guilherme von Stumm, um linha-dura do Ministério das Relações Exteriores alemão.

Na Alemanha de então, havia aqueles que viam o que acontecera em Sarajevo como uma oportunidade de ação: ação da Alemanha ou da Áustria. O embaixador saxão em Berlim relatou ao seu governo, em 2 de julho, que os militares alemães estavam pressionando por uma guerra imediata, enquanto a Rússia e a França não estivessem preparadas. Tais opiniões eram disseminadas, relatou o embaixador austríaco em Berlim.

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Moltke, o chefe do Estado-maior, de férias em 5 de julho, viu uma outra alternativa, caso fosse a Áustria que tomasse a iniciativa. “A Áus­tria deve bater os sérvios e depois fazer rapidamente a paz, exigindo uma aliança austro-sérvia como única condição.4 Exatamente como a Prússia fez com a Áustria em 1866.”

Berchtold telegrafou à embaixada alemã em Viena que seu envia­do, Hoyos, amigo pessoal do sobrinho do chanceler da Alemanha, esta­va a caminho de Berlim na esperança de se encontrar com o cáiser e com o chanceler, chegando na manhã seguinte. Seria uma programação aper­tada; Guilherme devia partir em 6 de julho, para seu cruzeiro anual no mar do Norte.

Berlim, 5 de julho. De manhã, Hoyos deu seu informe ao veterano embaixador da Áustria na Alemanha, Ladislaus Szõgyéni-Marich, que depois partiu para Potsdam e almoçou com o cáiser. Neste ínterim, Hoyos almoçou com Arthur Zimmermann, subsecretário do Ministério das Relações Exteriores alemão. Foi nesse almoço com o escalão inferior que o enviado austríaco se mostrou mais aberto sobre os verdadeiros objeti- vos do seu país. Hoyos falou abertamente de guerra, de varrer a Sérvia do mapa e de partilhá-la em seguida entre os Estados vizinhos. Teve uma recepção solidária.

Enquanto isso, em Potsdam, Szõgyéni deu ao cáiser Guilherme os dois documentos que Hoyos havia trazido consigo. O memorando do Ministério das Relações Exteriores concluía dizendo que havia sido escri­to antes do assassinato do arquiduque, sendo confirmado em sua análise pelo evento. A carta de cobertura tinha um tom mais pessoal e emotivo. Ambos os documentos se concentravam amplamente na Roménia, ad­vertindo sobre a sua proximidade crescente com a Sérvia e a Rússia. Nenhum preconizava açÕes específicas, embora o objetivo declarado fosse a eliminação da Sérvia como “fator de poder político nos Bálcãs”.5

Guilherme começou a discussão dizendo que teria de consultar o chan­celer. Após o almoço, contudo, pressionado a dizer mais, ele o fez. Prometeu o apoio incondicional da Alemanha à Áustria-Hungria no que quer que ela decidisse fazer em seu conflito com a Sérvia. Deu o que os historia­dores chamaram de uma “carta branca” ou um “cheque em branco”. Disse que apoiaria a Monarquia Dual mesmo que a Rússia interviesse.

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Contudo, advertiu seu hóspede de que a Áustria tinha de atacar rapida­mente. Depois, ele se encontrou com o chanceler e com aqueles dentre os seus conselheiros militares que puderam ser rapidamente encontrados em pleno verão, e novamente na manhã seguinte. Surgiu um consenso de apoiar a decisão de Guilherme. Até o chanceler estava de acordo.

Segundo a informação mais recente, foi principalmente o chanceler Bethmann Hollweg quem desenvolveu os termos da resposta alemã. Funcionário público de carreira, 57 anos de idade, ele tinha passado toda a sua vida profissional buscando conter forças poderosas e persona­lidades imoderadas.

Como chanceler por cinco anos, tinha sentido a pressão dos oficiais do Exército que acreditavam que a guerra contra a Rússia era inevitável, e que defendiam um ataque preventivo, antes de os russos estarem pron­tos. Ele também ficou exposto à pressão oposta de Tirpitz para postergar a entrada em guerra até o distante ponto em que a frota alemã fosse capaz de dissuadir a Grã-Bretanha. Bethmann sabia que o cáiser, não importa o que dissesse, no final sempre acabava optando pela paz.

Houve então a consulta por escrito de Viena, em 4 de julho, para saber se a Alemanha protegeria a Áustria-Hungria contra a Rússia se a Áustria-Hungria tentasse submeter a Sérvia. O que os austríacos preten­diam fazer não estava discriminado por escrito. Não estava claro se eles teriam a fibra de fazer o que quer que fosse. Mas ambos os lados — Berlim e Viena — estavam preocupados, como revelou-se, com o que poderia acontecer se as garantias solicitadas não fossem dadas.

Cada lado tinha consciência do seu isolamento internacional. Cada lado estava com medo de perder o seu único real aliado. Nos círculos governamentais alemães, uma preocupação, após a morte de Francisco Ferdinando, era de que o Império Habsburgo pudesse desintegrar-se. Outra era de que, assim como na crise marroquina de 1911, a Monar­quia Dual não apoiasse a Alemanha em suas disputas; que só lutasse em defesa dos seus próprios interesses. Na Áustria-Hungria, por outro lado, alguns temiam que a Alemanha pudesse se afastar de um aliado que se mostrasse inútil por não ter coragem de lutar.

A essência do consenso desenvolvido entre os alemães em 5 e 6 de julho era de que as circunstâncias eram então favoráveis para um projeto audaz: que a Áustria-Hungria poderia resolver seu problema sérvio sem

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arriscar uma guerra mais ampla, desde que Viena atacasse prontamente. A resposta alemã à missão de Hoyos, segundo o respeitado trabalho de Berghahn, trazia a chancela de Bethmann, que aparentemente a conce­beu.6 Foi plano de Berlim (embora o mundo não pudesse saber disso) que Viena assumiu a responsabilidade de apoiar. O plano era a Áustria atacar rapidamente, submeter a Sérvia, e apresentar à Europa um fait accompli.

Em 6 de julho, Bethmann confirmou aos austríacos o compromis­so secreto do cáiser de apoiar a Áustria em caso de guerra.

A maioria dos historiadores condenou a garantia alemã como te­merária ou negligente. Samuel Williamson, um dos mais destacados es­tudiosos do papel da Áustria-Hungria nas origens da Primeira Guerra Mundial, escreve: “Com suas garantias, a Alemanha entregou a direção e o andamento da crise de julho” à Áustria.7

Contudo, o cheque pode não ter sido inteiramente em branco. Os alemães podem ter acreditado que era deles o plano - um ataque rápido— que a Áustria iria levar a efeito, de modo que não estariam realmente entregando a decisão a Viena. E depois, também, a caução alemã estava sujeita a certas condições — ou pelo menos o cáiser pode ter pensado que estariam implícitas. A garantia foi dada no contexto dos vários anos de hostilidades nos Bálcãs, durante os quais a Áustria já havia pedido pelo menos três vezes a declaração de apoio que Hoyos recebera, conseguin­do um sim e dois nãos. O cáiser tinha certas precondições em mente para dar apoio total à Áustria-Hungria no seu continuado conflito com a Sérvia, precondições estas que se tornam mais claras quando observa­das no contexto de 1912-1914, em vez de apenas no de 1914.

• A Áustria-Hungria tinha de ser vista - pelo menos pelo povo alemão, e preferivelmente por toda a Europa — como a parte provocada. Na opinião de Guilherme, esse não foi o caso no começo do outono de 1912 ou no final da primavera de 1914, mas foi verdade no final do outono de 1912 - e agora era verdade outra vez, por causa da matan­ça de Sarajevo.

• A Áustria-Hungria tinha de agir só e na velocidade de um raio.• O cáiser acreditava claramente que a Áustria pretendia punir a Sérvia

pelos assassinatos. Ou não lhe disseram ou ele não compreendeu que

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o que a Monarquia Dual estava propondo era destruir a Sérvia - objetivo que Guilherme já havia obstado no passado, quando fora explicitado abertamente.

• As circunstâncias tinham de ser tais que Rússia, França e Inglaterra não se inclinassem a intervir. O cáiser e boa parte do seu círculo acreditavam que esse era o caso em julho de 1914. Bethmann, que foi designado para supervisionar a operação contra a Sérvia em nome da Alemanha, considerou que havia um risco de desencadear uma con­flagração, mas julgou que era pequeno. Guilherme acreditava que, na prática, não havia risco nenhum.

• A convicção do cáiser era de que a crise passaria rapidamente: “A situação seria resolvida em uma semana, com o recuo da Sérvia.”8

• Alternativamente, Guilherme explicou a um dos seus oficiais navais que “o governo austríaco vai exigir as mais completas satisfações da Sérvia e, imediatamente, se não forem dadas, deslocar suas tropas para a Sérvia”.9 Na sua visão, haveria uma rápida ocupação militar Habsburgo de Belgrado, a capital da Sérvia, convenientemente situa­da à margem do rio que formava a fronteira austro-húngara, seguida por um tratado de paz imposto, forçando a Sérvia a tornar-se aliada da Áustria.

Em 5-6 de julho, nem o cáiser nem seus conselheiros acreditavam estar correndo sérios riscos ao dar sua garantia. Erich von Falkenhayn, ministro da Guerra prussiano, não estava convencido de que Viena “es­tava realmente determinada” ou “tenha tomado qualquer resolução fir­me”.10 A Alemanha nada estaria arriscando porque, segundo todas as probabilidades, nunca seria chamada cumprir a sua garantia. O consen­so era de que “os russos - embora amigos da Sérvia — afinal não entra­riam no conflito”. 1 !0 cáiser disse a Szõgyéni que a Rússia “absolutamente não estava preparada para a guerra”,12 e aos seus conselheiros militares que a França “dificilmente permitiria que a guerra começasse”,13 pois ainda não dispunha de artilharia pesada. Além disso, ele não acreditava que o tsar entrasse em guerra do lado dos regicidas. Falkenhayn pergun­tou se preparativos adicionais deveriam ser feitos para o caso de uma guerra envolvendo as grandes potências, e Guilherme disse que não.

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Os líderes militares da Alemanha deixaram claro que, em qualquer caso, estavam preparados para todas as eventualidades. O cáiser e seus generais podem ter apoiado a decisão do cheque em branco por razões opostas. Ele foi favorável por acreditar que dele não resultaria guerra; já alguns dos seus generais podem ter sido a favor porque o cheque em branco abria a possibilidade de uma guerra dele resultar.

As coisas se passaram de tal modo que, três semanas depois de recusar uma garantia de apoio incondicional ao Francisco Ferdinando vivo, o cáiser Guilherme declarou abertamente o seu apoio à causa do Francisco Ferdinando morto. O que mudou foi a morte do arquiduque. E Gui­lherme não estava só; os líderes de outros países sentiram-se do mesmo modo. As simpatias da Europa estariam contra a Sérvia e a favor dos austríacos - se eles revidassem imediatamente, e se agissem sozinhos, em vez de em conluio com a Alemanha.

Mas as mentiras - ou pelo menos declarações enganosas - dos governos austríaco e alemão ameaçavam desmascará-los.

A Áustria-Hungria mentia ao afirmar que estava revidando o assas­sinato do arquiduque. Na verdade, a matança de Sarajevo tinha relativa­mente pouco a ver com o desejo dos Habsburgo de submeter a Sérvia. O que expõe a mentira da Áustria, em primeiro lugar, é o fato de ela não ter atacado imediatamente, que é o que se faz quando um ataque decor­re de raiva ou autodefesa. Ou então, alternativamente, dar-se-ia conti­nuidade à investigação judicial até a sua conclusão e publicar-se-iam os resultados para o mundo, o que Viena não teve paciência de fazer.

O fato - hoje conhecido, mas não então - de o memorando sub­metido ao cáiser em apoio ao plano de entrar em guerra ser o mesmo memorando que havia sido preparado antes dos assassinatos de Sarajevo mostra que a guerra não decorreu daquela ocorrência.

A Áustria não cumpriu sua parte muito bem. Seu comportamento nas semanas seguintes nada teve que convencesse a Europa de que sua motivação primária fosse vingar o arquiduque assassinado. A descrença começou a corroer a Europa. As pretensões de Viena pareceram cada vez menos dignas de crédito nas semanas que se seguiram.

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Para a Alemanha, os representantes austríacos davam a impressão de que iam fazer o que o cáiser insistia: agir com a rapidez de um raio, concluindo o assunto em uma, duas ou três semanas.

Os alemães contavam com isso, mas o Império Habsburgo não era capaz de satisfazer essa expectativa. Tratava-se de mais uma inexatidão própria a deslindar a situação dos austríacos, ainda que talvez nem eles compreendessem que não podiam cumprir o prometido.

E depois havia os alemães, talvez não propriamente mentindo, mas dando mostras de uma certa falta de franqueza O cáiser e muitos dos seus homens tinham certeza de que nenhuma das outras grandes potên­cias da Europa interviria para deter o esperado ataque austríaco. Eles se comprometeram a repelir a França e a Rússia na firme convicção de que nunca seriam forçados a fazê-lo. Estavam assinando um cheque em branco que, acreditavam, nunca seria compensado.

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CAPÍTULO 26: A GRANDE FRAUDE

Em conluio, cada uma das duas partes desempenhava agora o seu papel determinado. A Áustria decidiu - agindo aparentemente por

conta própria e espontaneamente - afirmar que estava levando os assas­sinos e seus patrocinadores sérvios à justiça. Ao atacar, numa demons­tração de ira justificada, os Exércitos Habsburgo estariam punindo o culpado e também exercendo o direito de autodefesa contra eventuais ataques posteriores perpetrados pela Sérvia. A Europa, mesmo sem aplau­dir, pelo menos admitiria que os austríacos tinham todo o direito de fazer o que estavam fazendo.

Era vital que o mundo não soubesse do papel da Alemanha ou da garantia do cáiser. Os dois aliados agiram certamente como se acreditas­sem que o segredo era fundamental. Mentiram repetidas vezes nas sema­nas seguintes, quebrando a confiança que era a marca da diplomacia européia no período anterior.

Tivesse a participação da Alemanha sido descoberta a tempo, a Europa teria reconhecido que a Áustria não estava interessada nos obje­tivos que afirmava. Ela não estava vingando uma vítima de assassinato;

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estava usando o assassinato como um manto sob o qual pretendia forçar um recuo da Rússia nos Bálcãs. A Europa teria visto que o que a Áustria pretendia não era punir a Sérvia, mas destruí-la; não derrotar a Sérvia, mas varrê-la do mapa.

E o mundo inteiro compreenderia que a Alemanha não era, como a França ou a Itália, uma espectadora inocente, mas sim uma participan­te plena no projeto da Áustria. O conchavo germanofalante não buscava fazer justiça ao arquiduque assassinado; em vez disso, engajava-se numa disputa de poder que pretendia alterar o equilíbrio de forças dos Bálcãs a seu favor.

Assim, a Áustria tinha de atacar e subjugar a Sérvia antes que al­guém compreendesse claramente que algo estava em curso. A Europa tinha de ser abrandada, levada a acreditar que a Áustria nada faria até que fossem concluídas as semanas de investigação judicial, com a devida atribuição de responsabilidade dos culpados. Sem saber o que fora pla­nejado, a Europa não tomaria precauções. Para enganar a Europa, os líderes da Alemanha e da Áustria teriam de se tornar atores teatrais.

Há muito era costume os líderes europeus tirarem férias de verão. No começo de julho, Berchtold tinha intenção (assim como Bethmann) de dar ao mundo europeu uma sensação ilusória de segurança, fingindo seguir sua programação normal de julho. Berchtold disse ao seu minis­tro da Guerra e ao seu chefe do Estado-maior do Exército para partirem em férias, “para evitar qualquer inquietação”. O imperador Francisco José retomou as suas férias interrompidas. O chanceler Bethmann ten­tou o mesmo ardil e fez um verdadeiro show da sua presença na sua casa de campo. Tirpitz estava de férias na Floresta Negra. Moltke estava no famoso balneário de Carlsbad, fazendo estação de águas. O ministro das Relações Exteriores estava em sua lua-de-mel. Os vices de Moltke e Tirpitz estavam de férias. E de férias estava o ministro da Guerra.

Uma vez instalados em seus retiros estivais, os alemães parecem ter feito o melhor que podiam para lá permanecerem e parecerem inocen­tes. A conselho do primeiro-ministro, o cáiser Guilherme partiu em seu cruzeiro programado, ainda que achasse toda aquela fraude um tanto “infantil!”.1 Parece não lhe ter ocorrido na época que seu chanceler o estivesse despachando em viagem para tirá-lo do caminho.

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A singularidade especial de julho de 1914, conseqiientemente, foi que as ações fatídicas que estavam em curso não eram visíveis. Como uma peça em que tudo que fosse importante se passasse nos bastidores.

Cedo na manhã de segunda-feira, 6 de julho, antes de embarcar, o cáiser mandou vários funcionários entregarem mensagens suas. O almirante Eduard von Capelle, vice de Tirpitz, recebeu um telefonema entre sete e oito da manhã. Encontrou-se com Guilherme no jardim do palácio. Capelle recorda:2 “O imperador andou de um lado para outro comigo por um curto período, e me contou brevemente as ocorrências do dia anterior” - o cheque em branco para a Áustria, relato que Capelle apa­rentemente deveria repassar a Tirpitz. O cáiser “não acreditava em des­dobramentos bélicos sérios. Na opinião dele, o tsar não iria, neste caso, ficar do lado de regicidas. Além disso, a Rússia e a França não estavam preparadas para a guerra. (O imperador não mencionou a Inglaterra.) A conselho do chanceler imperial, ele estava iniciando uma viagem a Northland, para evitar qualquer inquietação”.

Uma mensagem semelhante foi entregue em mãos por um oficial da Marinha, o capitão Zenker, a seus superiores.3 “Sua majestade pro­meteu” proteger a Áustria se a Rússia interferir, “mas ele não acredita que a Rússia vá entrar na briga pela Sérvia, que tem as mãos sujas do assassinato. A França, também, dificilmente permitiria a guerra, já que não tem artilharia pesada para seus Exércitos. Contudo, embora uma guerra contra a França-Rússia não seja provável, do ponto de vista mili­tar, deve-se ter em mente a possibilidade de tal guerra”.

Guilherme sabia que tinha reputação de recuar nas crises. “Desta vez não vou desistir”, disse ele ao fabricante de armas Krupp.4

Embarcado, o cáiser fez o melhor que pôde para não parecer al­guém à espera de notícias importantes. Entretanto, em 6 de julho ele se permitiu dizer a dois dos seus oficiais navais que em nove dias a resposta da Áustria ao que os sérvios haviam feito seria conhecida. Noutras opor­tunidades, o cáiser disse aos seus oficiais que a situação estaria resolvida em uma semana, ou em três semanas. Ele disse aos chefes das forças armadas de serviço: “Ele não estava prevendo complicações militares maiores. Na opinião dele, o tsar não ficaria, neste caso, do lado dos regicidas. Além disso, a Rússia e a França não estavam preparadas para a

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guerra [...] A conselho do chanceler, ele partiria em seu [...] cruzeiro, para não gerar nenhuma inquietação.”

Guilherme disse mais ou menos a mesma coisa para o chefe do seu Gabinete Militar e para o ministro da Guerra prussiano: “Quanto mais rápido os austríacos fizerem o seu movimento contra a Sérvia, melhor, e [...] os russos - embora amigos da Sérvia - não vão se envolver.”

Em 7 de julho, um dia depois de a Alemanha assinar o cheque em bran­co, Berchtold convocou o gabinete da Monarquia Dual para obter sua autorização para prosseguir. O gabinete era formado pelo premiê aus­tríaco e seus ministros, o premiê húngaro e seus ministros e um punha­do de ministros da união austro-húngara, como Berchtold.

O gabinete deliberou e debateu durante horas. O primeiro-minis­tro húngaro, conde István Tisza, expressou sua oposição frontal aos pla­nos de Berchtold. Ele ficou sozinho ao fazê-lo, mas impediu que os demais tomassem atitudes. Tisza advertiu que uma invasão da Sérvia pela Mo­narquia Dual “iria, até onde era humanamente possível prever, levar a uma intervenção russa e consequentemente a uma guerra mundial”. Seu plano alternativo para Viena era estabelecer uma lista de exigências e “só emitir um ultimato se a Sérvia não as cumprisse. As exigências precisam ser duras, mas não impossíveis de satisfazer”.5 Acima de tudo, argumentou ele, o Império Habsburgo não deve permitir-se ser arrastado a uma guerra.

Em vez disso, o gabinete propôs apresentar um ultimato - uma perda de tempo, como Berchtold deve ter imaginado — que a Sérvia não pudesse aceitar, e de concluir lançando uma invasão. Tisza, que tinha direito de veto, insistiu em fazer exigências que a Sérvia pudesse aceitar. Ele tinha preferência pela solução pacífica.

Todos os ministros estavam convencidos de que funcionários sérvios estavam de algum modo ligados ao crime em Sarajevo, apesar de não terem provas conclusivas disso, e de que o processo de Sarajevo podia não começar por semanas ou meses. Era tempo demais para Berchtold esperar. Ele tinha de agir no máximo em questão de dias ou quiçá uma semana ou duas.

Durante uma semana, de 7 a 14 de julho, o conde Tisza obstruiu a nego­ciação. Então, o seu conselheiro de Relações Exteriores o convenceu

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de que a Hungria, em sua disputa com a Roménia, se beneficiaria de uma cruzada contra a Sérvia. Além disso, Berchtold empregou dois ou­tros argumentos poderosos. Havia elementos no governo alemão que iam ficar tão decepcionados se a Monarquia Dual não atuasse de manei­ra cardeal, que não veriam mais utilidade em continuarem aliados: a aliança alemã, da qual todos dependiam, seria perdida. Além disso, Berchtold deu esperanças ao primeiro-ministro húngaro; não era im­possível a Sérvia aceitar os termos austríacos, caso em que não haveria guerra, afinal. (Isto não era realmente verdade, pois Berchtold estava decidido a forçar uma guerra contra a Sérvia, independentemente do que ela fizesse.)

Tisza abandonou sua posição, mas isto custou uma semana a Berchtold. E o cáiser, conforme será lembrado, esperava que a questão fosse resolvida em uma semana ou duas, ou no máximo em três.

De Londres, em 9 de julho, o embaixador alemão relatou ter discutido os desdobramentos de Sarajevo e a possível resposta da Áustria com Sir Edward Grey. Ele afirmou que Grey “estava inteiramente confiante, e declarou em tom animado que não via razão para ter uma visão pessi­mista da situação”.6

11 de julho. Do iate do cáiser, uma pergunta ao Ministério das Relações Exteriores: o telegrama de congratulação costumeiro deve ser enviado ao rei da Sérvia no dia do seu aniversário, 12 de julho?7 Resposta: “Como Viena não iniciou até agora qualquer tipo de ação contra Belgrado, a omissão do telegrama costumeiro chamaria a atenção e poderia tornar- se causa de inquietação prematura [...] [E]le deve ser enviado.”

14 de julho. De Viena para Berlim. O ultimato a ser enviado à Sérvia “está sendo redigido de modo que a possibilidade da sua aceitação está praticamente excluída”. Mas ele ainda não foi colocado em sua forma final, o que não deverá acontecer antes de 19 de julho. (“Lamentável”, observa o cáiser.)8

Em meados de julho, as queixas quanto à indecisão da Áustria pa­reciam ser justificadas. Podia-se especular, como fizeram os oficiais bávaros, que a Áustria-Hungria teria preferido que o cáiser tivesse re­

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A G R A N D E F R A U DE

cusado o cheque em branco na conferência de 5-6 de julho — que não tivesse dado pleno apoio - para ela ter uma desculpa para não fazer nada.

Assim como muitos diplomatas europeus, o barão Giesl von Gieslingen, representante da Áustria em Belgrado, estava de férias. Em 10 de julho, ele retornou. O representante russo, Hartwig, lhe telefonou prontamente naquele anoitecer, para apresentar condolências formais pelos assassinatos em Sarajevo. Hartwig negou o boato de que deixara de marcar a ocasião hasteando a bandeira da legação a meio mastro.

Hartwig, que era obeso, sofria não apenas de asma como também de angina pectoris. Queixava-se então de dores no coração. Compromis­sos oficiais o manteriam em seu posto por mais dois dias. Então ele poderia tirar suas férias num balneário.

Hartwig investigou o que a Áustria planejava fazer em resposta aos acontecimentos de Sarajevo. Giesl lhe garantiu que ele não precisava ter medo pela Sérvia. Hartwig pareceu aliviado. Então, sem qualquer ruído, o diplomata russo caiu no chão. Um médico foi chamado imediatamen­te, atestando sua morte por ataque cardíaco.

Os Giesl chamaram a filha de Hartwig, Ludmilla. Ela repudiou todas as tentativas feitas para confortá-la, chamando-as asperamente de “palavras austríacas”.9 Ela vasculhou a peça; perguntou se tinham servi­do comida ou bebida ao seu pai (não tinham); levou cuidadosamente as pontas de cigarro dele, presumivelmente para testar a presença de veneno.

Os cigarros não haviam sido adulterados. O que estava envenena­do na Europa balcânica em julho de 1914 era a atmosfera. Ela tornara- se um mundo de mentiras, complôs e fraudes.

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CAPÍTULO 27. BERCHTOLD PERDE O PRAZO

14 de julho. Embora Tisza não estivesse mais no caminho, Berchtold continuava sem poder avançar e atacar a Sérvia. Conrad, chefe do Esta­do-maior, descobriu que a licença que fora dada às tropas para a colheita não expiraria antes de 25 de julho. Um chamado de emergência atrairia a atenção para as intenções bélicas de Viena; não poderia ser feito.

Atacar antes seria imprudente, decidiram os austríacos, por outra razão. O presidente e o primeiro-ministro da França estavam prestes a partir em visita oficial à Rússia. Conseqiientemente, os líderes dos dois aliados estariam juntos, capazes de articular respostas conjuntas a quais­quer movimentos eventualmente feitos pela Áustria. Sem querer permi­tir que isto acontecesse, Berchtold decidiu esperar até que os dois franceses tivessem saído de São Petersburgo e estivessem a bordo de um navio, seguramente fora de alcance. Isto significava averiguar a data em que o presidente francês Raymond Poincaré e o primeiro-ministro René Viviani planejavam partir. Ele pediu à sua embaixada em São Petersburgo para fornecer a informação. Tendo-o feito, Berchtold planejava apresentar o ultimato à Sérvia em 23 de julho, expirando em 25 de julho.

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B E R C H T O L D PE RDE O PRAZO

Para usar na nota à Sérvia que havia proposto, Berchtold queria informações sobre os últimos indícios incriminadores descobertos em Sarajevo. Um dos seus oficiais foi para Sarajevo, examinou os indícios e fez seu relato em 13 de julho: não foi o que Berchtold esperava ouvir. Grande parte era inconclusiva. Os investigadores austríacos tinham des­coberto que: “Não há nada que prove ou sequer indique a participação acessória do governo sérvio na indução do crime, na sua preparação ou no fornecimento das armas. Ao contrário, há razões para acreditar que isto esteja completamente fora de questão.” Tudo o que puderam desco­brir é que os assassinos tinham sido ajudados por pessoas que tinham ligação com o governo.

Esperar o surgimento de provas conclusivas da culpa sérvia já não era mais uma opção. Berchtold teria de avançar na redação do seu ulti­mato sem as provas que o sustentariam.

Mais um prazo ameaçado. Conrad advertiu que as forças armadas só estariam prontas para invadir a Sérvia em 12 de agosto. Seriam sete se­manas após o assassinato — longe demais para lançar um ataque contra a Sérvia que a Europa desculpasse como reação impensada.

O que Berchtold devia fazer? O que deveria dizer a Berlim? Seu prazo tinha se esgotado.

O que estava acontecendo?, perguntou Berlim. Viena não respon­deu, pois Berchtold não tinha resposta a dar.

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CAPÍTULO 28: MANTÉM-SE O SEGREDO

Berchtold deixou os alemães no escuro, na verdade mantendo silên­cio no rádio. Ele tinha uma desculpa plausível: para obter o efeito

surpresa em seu planejado ataque contra a Sérvia, tinha de impedir to­dos os que estivessem fora do círculo existente de saber o que estava acontecendo. Como as comunicações podiam ser interceptadas e deci­fradas, o melhor era comunicar-se o menos possível com quem quer que fosse.

Manter segredo mostrou-se difícil. O Ministério das Relações Ex­teriores alemão passou ao seu embaixador na Itália uma idéia geral do pensamento austríaco. O embaixador o mencionou casualmente ao mi­nistro das Relações Exteriores Antonio di San Giuliano. As grandes po­tências raramente confiavam segredos aos italianos, por causa da sua reputação de indiscrição. É verdade, um historiador da política externa do país na época escreve: “Os diplomatas italianos não conseguem nem marcar encontro com políticos europeus importantes.”1 Alertado pelo embaixador alemão, San Giuliano repassou tudo o que sabia às suas embaixadas na Rússia, na Áustria e na Sérvia. Os austríacos, tendo que-

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M A N T Ê M - S E O S E G R E D O

brado o código italiano, sabiam o que San Giuliano estava dizendo aos seus diplomatas. O historiador Samuel Williamsom, que relata este acon­tecimento, conjectura que os russos, com a sua sofisticação em criptologia, também podem ter decifrado o código italiano, e ter alertado a Sérvia.2

Os russos tinham quebrado o código austríaco, lido a inquirição de Berchtold quanto à data em que o presidente e o primeiro-ministro france­ses deixariam a Rússia - e podem ter tirado conclusões da sua solicitação.

Vazamentos deste tipo eram certamente de se esperar à medida que o tempo passava, e que uma protelação levava a outra. Um diplomata austríaco aposentado deixou escapar uma alusão que foi captada pelo embaixador britânico, que repassou o boato a um colega francês.

Em 16 de julho, o embaixador britânico na Rússia alertou o seu governo sobre a tempestade que estava se formando: “O governo austro- húngaro não tem disposição de parlamentar com a Sérvia [sic[, mas vai insistir em anuência imediata incondicional, na falta da qual será usada a força. Comenta-se que a Alemanha está totalmente de acordo com este procedimento. ”3

No mesmo dia, e na mesma cidade, São Petersburgo, o embaixador italiano disse ao diplomata russo “que a Áustria era capaz de dar um passo irrevogável em relação à Sérvia, baseada na crença de que, embora protestasse verbalmente, a Rússia não adotaria medidas de força para proteger a Sérvia contra quaisquer tentativas austríacas”.4

Muitos diplomatas europeus ouviram rumores preocupantes, mas so­mente um punhado deles tinha informações de fato. Mesmo em Viena, eram poucos os que realmente sabiam, e em Berlim menos ainda.

Num sentido mais amplo, além do mais, o segredo foi mantido: o público nada sabia sobre o que se passava. Como escreve Volker Bergahahn sobre a Alemanha: “Somente um círculo muito pequeno de homens estava envolvido nas decisões cruciais que acabaram na guerra”, e “quando chegou a hora de tomar essa decisão, não mais do que doze homens foram consultados”.5 O mesmo era verdade para a Áustria- Hungria. Os conspiradores continuaram o seu trabalho, silenciosamen­te e às ocultas, enquanto, totalmente inconsciente, a Europa se aquecia ao sol daquelas preguiçosas férias de verão.

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PARTE SEIS

CRISE!

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CAPÍTULO 29: O FAIT NÃO FOI ACCOMPLI

Em 16 de julho, o embaixador russo em Viena enviou um telegrama ao seu governo: “Recebo informações de que, à conclusão do in­

quérito, o governo austro-húngaro pretende fazer certas exigências a Belgrado. [...] A mim parece recomendável que, neste momento, antes da decisão final sobre a questão, o gabinete de Viena deva ser informado de como a Rússia reagiria ao fato de a Áustria apresentar à Sérvia exigên­cias que fossem inaceitáveis à dignidade daquele Estado.”1

Esta e outras notificações semelhantes das intenções da Áustria per­turbaram o ministro das Relações Exteriores da Rússia. Mas o embaixa­dor de Viena apressou-se em contemporizar. Disse ao ministro russo das Relações Exteriores que a Áustria-Hungria queria a paz. Assim, a Rússia nada fez.

Em 18 de julho, Pasic, o primeiro-ministro da Sérvia, passou um telegrama às missões sérvias no estrangeiro (exceto em Viena), dizendo que estava determinado a não aceitar nenhuma exigência da Áustria- Hungria que eventualmente infringisse a soberania sérvia.

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O FAIT NÃ O FOI ACCOMPLI

A trama oculta que os líderes austríacos e alemães estavam em pro­cesso de executar ficou clara - mas confidencialmente - para o governo da Bavária na época. O reino da Bavária era o maior e mais populoso Estado do império alemão liderado pela Prússia. Ao aderir à Alemanha, a Bavária tinha “conservado um grau de independência soberana maior do que o de qualquer outro Estado constituinte”, inclusive serviço di­plomático, administração militar e serviços postais, telegráficos e ferro­viários separados.2

Em 18 de julho, Hans Schoen, um diplomata bávaro que havia sido informado por funcionários em Berlim, explicou minuciosamente ao seu primeiro-ministro, conde Georg Herding, a pretensa “inclinação à paz” da Monarquia Dual e por que um ultimato austríaco não podia ser entre­gue a Belgrado até meados de julho.3 Resumindo as exigências que seriam feitas no ultimato, Schoen observou: “É perfeitamente óbvio que a Sérvia não pode aceitar essas exigências, que são incompatíveis com a sua dignidade como Estado soberano. Deste modo, o resultado seria a guerra.” Isto é, haveria guerra se Viena continuasse de fato com o plano. Jagow e Zimmermann, respectivamente funcionários número um e dois do Ministério das Relações Exteriores alemão, tinham suas dúvi­das. Eles “declararam que, graças à sua indecisão e à sua inconstância, a Áustria-Hungria na verdade tinha virado o Doente da Europa, como no passado a Turquia havia sido”.

“Um deslocamento poderoso e bem-sucedido contra a Sérvia”, con­tinuava Zimmermann, tiraria a Monarquia Dual da beira do abismo. Schoen relatou que os líderes alemães “são de opinião [...] que a Áustria está diante de um momento decisivo”. Foi por isto, disseram eles a Schoen, que em 5-6 de julho a Alemanha tinha dado aos austríacos “au­toridade plena e indiscriminada, mesmo ao risco de uma guerra contra a Rússia”. Na opinião deles, os austríacos foram surpreendidos por este apoio tão incondicional, e pode ser que tivessem ficado mais à vontade se, em vez disso, tivessem lhes dito para se conterem.

A Alemanha, Schoen deixou claro, teria preferido que Viena não tivesse esperado tanto antes de fazer alguma coisa. Os alemães estavam esperando a apresentação do ultimato à Sérvia. Berlim empreenderia en­tão um esforço diplomático para manter o conflito localizado. Todas as potências tinham de ficar de fora, diriam os alemães, deixando a Áustria-

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Hungria e a Sérvia resolverem a questão por si mesmas. Os alemães iam dizer que sabiam tão pouco quanto os demais sobre o ultimato que os austríacos estariam apresentando; eles iam dizer que o ultimato era uma completa surpresa - já que o cáiser e outros estavam de férias.

Schoen concluiu: “Acima de todas as demais, a atitude da Rússia vai determinar se a tentativa de manter a guerra localizada será ou não bem-sucedida.” A opinião oficial alemã, conforme relatada por ele, era de que a guerra não seria aceitável nem para a França nem para a Ingla­terra. Em outras palavras, os alemães ainda acreditavam que Viena e Berlim podiam cumprir seu plano com êxito sem provocar uma guerra euro­péia. Eles pensavam que iam conseguir o que queriam sem gerar reprimendas. Isto foi confirmado pelo representante em Berlim da Saxônia, outro dos Estados alemães: “Como a Inglaterra é absolutamen­te pacífica e a França assim como a Rússia não estão propensas à guerra, espera-se que o conflito se mantenha localizado.”4

A urdidura da grande rede de intrigas chegando à sua conclusão, em Viena e Berlim preparava-se o ultimato da Monarquia Dual a portas fechadas. O Ministério das Relações Exteriores austro-húngaro começa­ra a trabalhar no documento em 10 de julho. Os alemães foram manti­dos informados dos progressos. No dia 19 de julho, o texto ficou pronto para ser discutido internamente.

Desde a mudança de disposição de Tisza, em 14 de julho, não ha­via mais dúvida quanto ao propósito que a nota para a Sérvia visava cumprir. Estava sendo redigida para ser rejeitada. O embaixador alemão em Viena relatou ao seu governo que “a nota está sendo composta de tal modo que a possibilidade de ser aceita está praticamente excluída ’.5

Outro funcionário da embaixada alemã relatou uma conversação com o ministro das Relações Exteriores austro-húngaro: “O conde Berchtold pareceu esperar que a Sérvia não concorde com as exigências austro-húngaras, já que uma mera vitória diplomática colocaria o país novamente num ânimo estagnante.”6 No Ministério das Relações Exte­riores da Monarquia Dual, Hoyos disse a um colega alemão “que as exigências eram de tal natureza que qualquer nação que ainda tivesse respeito próprio e dignidade jamais poderia aceitá-las”.7

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O ultimato em sua forma final foi submetido ao Conselho de Ministros - o gabinete - no domingo 19 de julho, à tarde. Nas palavras do historiador Frederic Morton, os ministros chegaram para a sua reu­nião na residência privada palaciana de Berchtold em “táxis e automó­veis particulares. [...] 8 Os carros chegavam a intervalos, evitando uma convergência dramática. [...] A cena parecia indicar alguma reunião so­cial de fim de semana. Mesmo observando com cuidado, um passante não teria notado sequer uma única limusine oficial”. Não houve impre­vistos: os participantes tinham recebido ordens para chegar em carros não identificados.

Durante a reunião, o conselho ratificou o ultimato à Sérvia. No dia seguinte, um correio o levou para o imperador ancião, Francisco José, em seu palácio no campo. Francisco José leu e aprovou. Ao mesmo tem­po, o texto foi telegrafado ao enviado Habsburgo em Belgrado, que esta­va incumbido de entregá-lo ao governo sérvio na data predeterminada.

A uma moção de Berchtold, o conselho concordou unanimemente “que a nota deveria ser apresentada ao Governo Real sérvio em 23 de julho às cinco horas da tarde”, de modo que, em seus termos de 48 horas, o ultimato expiraria em 25 de julho às cinco da tarde.9 Por sua vez, a mobilização austro-húngara das forças armadas poderia ser decretada e publicada na noite de sábado para domingo, 25-26 de julho.

Berchtold disse a seus colegas que se opunha a qualquer prorroga­ção dos prazos. Notícias das intenções austríacas tinham vazado em Roma, colocando em perigo o elemento surpresa. Além disso, “Berlim estava começando a ficar nervosa”.10

A noção de “nervosismo” talvez atenuasse o caso. Para os líderes civis alemães, Bethmann e Jagow, a Áustria estava sendo uma decepção, e privava-os certamente de uma brilhante vitória. O Império Habsburgo já devia ter submetido a Sérvia àquela altura, antes de o restante da Eu­ropa ter tempo para reagir ou responder. O assalto já devia ter aconteci­do. O devia ter sido accompli.

Não obstante, nada fora feito ou sequer estava prestes a ser feito. Em 19 de julho, os austríacos estavam começando — pela primeira vez — a definir o conjunto de exigências a ser enviado à Sérvia. O documento teria então de ser enviado e a resposta da Sérvia esperada.

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Era tarde demais para lançar a invasão surpresa que Bethmann ha­via considerado. Os países da Europa ficariam em alerta assim que to­massem conhecimento do tipo de ultimato que Berchtold propunha entregar. Saberiam que a Sérvia iria provavelmente recusar, que a Áus­tria iria provavelmente declarar guerra e que a Alemanha iria provavel­mente apoiar a Áustria. O elemento surpresa estaria perdido.

Uma fase do plano austro-alemão para punir a Sérvia fora supera­da: o plano de invasão formulado em 6 de julho e nunca experimentado. Até 19 de julho, a Áustria teria tido condições de subjugar a Sérvia sem interferência das potências européias, pois a operação teria sido realiza­da antes de as potências terem tempo de reagir. Agora - depois do 19 de julho — o plano teria de ser mudado, pois era tarde demais para levar a cabo o que fora originalmente premeditado. No esquema original, a invasão seria completada antes de o restante da Europa poder fazer alguma coisa, exceto emitir notas de protesto depois do fato consuma­do. Na nova concepção, a Europa teria tempo de reagir e responder, mas seria convencida a esperar até que fosse tarde demais. “Localização” era a palavra-chave que os alemães continuariam a usar, significando que as grandes potências, apesar de plenamente conscientes do que estava pres­tes a suceder, optariam por não intervir em virtude de não ser problema delas. A Alemanha empreendeu persuadi-las de que deviam deixar a Áustria e a Sérvia resolverem suas diferenças entre si. Claramente, os austríacos também tinham de agir rápido, pois quanto mais demorassem para es­magar seu vizinho menor, maior a probabilidade de que um dos patronos da Sérvia — particularmente a Rússia ou a França — pudesse começar a pensar em termos de interromper o conflito desigual.

19 de julho. O ultimato austríaco à Sérvia chegou à sua forma final. A fase em que austríacos e alemães pensaram que tudo seria decidido por um ataque rápido estava acabada. A partir de 19 de julho, os aliados germanofalantes avançariam às claras. A Alemanha passou à fase dois: lo­calização, em seu novo sentido. Nesta fase, a Alemanha permitiria que as outras potências européias soubessem previamente que haveria uma guerra.

O ultimato tendo sido formulado, o governo alemão tratou de avi­sar imediatamente as outras grandes potências para ficarem fora da briga que estava prestes a começar, ao mesmo tempo em que, tibiamente,

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negava saber o porquê de a luta estar prestes a começar ou por que as grandes potências poderiam estar tentadas a intervir. Jagow colocou uma nota em 19 de julho numa publicação quase oficial, a North German Gazette, advertindo “que a resolução das diferenças que podem advir entre a Áustria-Hungria e a Sérvia deve permanecer localizada”.11 Era o começo de uma campanha diplomática lançada pelo governo alemão em função do seu novo objetivo tático, a localização consciente.

Quando o embaixador francês em Berlim perguntou a Jagow “quan­to aos conteúdos da nota austríaca”, Jagow lhe garantiu “que nada sabia sobre o assunto”.12 Compreensivelmente, o embaixador ficou “surpre­so”. Como Jagow poderia não saber? É claro que sabia.

Declarações mais completas do argumento alemão em prol da lo­calização foram despachadas em 21 de julho para a Rússia, a Grã-Bretanha e a França. Viena, por seu lado, repassou aos seus embaixadores nos países principais a declaração aberta da posição austro-húngara.

A insistência continuada alemã de que nada sabia sobre o que a Áustria-Hungria planejava fazer ou exigir foi recebida com total descré­dito nas capitais européias. Analisando os argumentos de Jagow em prol da localização, um funcionário britânico disse a Sir Edward Grey: “Nós não conhecemos os fatos. É claro que o governo alemão os conhece. Eles sabem o que o governo austríaco vai exigir [...] e eu creio que podemos dizer com alguma segurança que eles aprovaram essas exigências e pro­meteram apoio em caso de complicações perigosas.” Mas o funcionário estava confiante de que “o governo alemão não acredita que haja qual­quer perigo real de guerra”. Segundo uma fonte, este funcionário era Sir Horace Rumbold, da embaixada em Berlim; segundo uma outra, trata- se de Sir Eyre Crowe, do Ministério das Relações Exteriores.13

O embaixador austríaco em Berlim trouxe uma cópia da forma final do ultimato a Jagow; que posteriormente mentiu e negou tê-lo visto antes de ter sido divulgado.* Jagow conferiu novamente os cálcu-

* Entretanto, numa entrevista em 17 de setembro de 1916 ao jornalista americano William Bullitt, ele admitiu que tinha visto o ultimato antes de ele ser mandado.14 E Zimmermann, o número dois de Jagow, disse a um colega (em 11 de agosto de 1917) que “é verdade que nós recebemos o ultimato sérvio cerca de12 horas antes de ele ser apresentado”. Zimmermann escreveu que não havia sentido em continuar men­tindo, pois o fato “não poderia continuar secreto para sempre”.

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los e descobriu que os austríacos pretendiam apresentar o ultimato uma hora antes do ideal — enquanto os líderes franceses ainda estavam na Rússia. Um esforço desesperado do funcionalismo Habsburgo, alertado por Jagow, logrou adiar a entrega do ultimato em uma hora.

Obedecendo a ordens, os líderes militares alemães permaneceram osten­sivamente de férias, deixando tudo ao chanceler Bethmann Hollweg e aos funcionários na chefia do Ministério da Relações Exteriores, Jagow e Zimmermann, que afetavam o melhor que podiam uma aparência externa de despreocupação.

Mas eles esperavam o desenrolar dos acontecimentos com esperan­ças, medos e expectativas diferenciadas. Apenas cerca de um mês antes, Moltke, o chefe sombrio e pessimista do Estado-maior, tinha pedido a Jagow para provocar uma guerra mundial rapidamente, enquanto a Ale­manha ainda podia vencer.15 Em dois ou três anos, segundo Moltke, seria tarde demais.

Agora Moltke parecia disposto a aceitar a vitória limitada mas bri­lhante que resultaria de um ataque da Áustria — se é que Viena ia conse­guir criar coragem para levar adiante o plano de Bethmann, e poder realizá-lo. Contudo, se os líderes alemães — militares e civis igualmente — estivessem errados na sua estimativa de que a guerra podia ser mantida localizada, e de que a Rússia ia ficar de fora, então, à diferença do cáiser e dos líderes civis, Moltke ficaria contente — talvez até mais contente — com este resultado também.

Bethmann, cujo papel era presidir os assuntos nacionais enquanto os austríacos executavam a estratégia dele, estava preocupado desde o come­ço. “Uma ação contra a Sérvia pode levar a uma guerra mundial”, disse ele ao seu confidente, Kurt Riezler, em 7 de julho. Ele temia que, “indepen­dentemente do resultado”, tal guerra virasse “tudo de cabeça para bai­xo”.16 O risco de engendrar um conflito global de consequências imprevisíveis era “um salto no escuro”.17

Não obstante, Bethmann sentia que a Alemanha não tinha esco­lha. O quadro que ele pintava da posição internacional do seu país mos­trava uma visão sombria e até paranóica, com perigos exagerados. Nas próprias palavras de Bethmann, era um “quadro dilacerante”. Na visão dele, a Alemanha estava “completamente paralisada”,18 e seus rivais, as

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potências aliadas Rússia, França e Grã-Bretanha, o sabiam. “O futuro pertence à Rússia, que está crescendo sem parar e se tornando um pesa­delo crescente para nós.”19 Até a Monarquia Dual aliar-se-ia com a Rússia, para estar do lado vencedor. A Alemanha ficaria só e desamparada no mundo da política internacional.

O chanceler estava apreensivo com os relatórios da inteligência que recebera, sobre conversações navais secretas entre a Grã-Bretanha e a Rússia. Segundo fontes alemãs, eles podem ter considerado operações anfíbias, nas quais forças britânicas trazidas por mar desembarcariam no nordeste da Alemanha.

Nas memórias do secretário britânico das Relações Exteriores, Sir Edward Grey (então visconde Grey de Fallodon), escritas pouco mais de uma década mais tarde, as conversações não tiveram nenhuma conse­quência. Elas tinham sido empreendidas a pedido da França, para tran­quilizar os russos. E assim foram mantidas. Nenhuma operação conjunta foi planejada; nenhum compromisso foi assumido. O que de fato acon­teceu, dir-se-ia, foi uma troca de informações.

A Rússia sabia que a Grã-Bretanha e a França tinham mantido conversações navais ao longo das quais foram reveladas as providências que cada uma pretendia tomar em relação às suas frotas em caso de guerra. Ambas ficaram livres para mudar as providências planejadas. Os russos quiseram, então, ser tratados em condições de igualdade com os outros dois países: serem aliados integrais. Como a Grã-Bretanha man­teve conversações separadas com a França, a Rússia também queria mantê- las. Os russos informaram os franceses do seu desejo.

Em 13 de maio, o gabinete de Asquith tinha autorizado a realiza­ção das conversações. O oficial da ativa de mais alta patente na frota britânica, o almirante príncipe Louis de Battenberg, foi a Paris para en- contrar-se com os russos algumas semanas depois. Conversações poste­riores foram consideradas, mas acabaram baldadas pela eclosão da guerra.

A notícia vazou. Questões foram levantadas no Parlamento. Em resposta, Sir Edward Grey reiterou uma declaração anterior do primei­ro-ministro, de que, “se estourar uma guerra entre potências européias, nenhum acordo não publicado restringiria ou impediria a liberdade do governo, ou do Parlamento, de decidir se a Grã-Bretanha deve ou não participar”.

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Como escreve Grey nas suas memórias: “A resposta dada é absolu­tamente verdadeira. A crítica à qual é suscetível é que não respondia à pergunta que me foi feita. Isto é inegável.”20 Porém, argumenta Grey, é comum funcionários do governo não revelarem inteiramente documen­tos oficiais relativos às suas forças armadas.

Segundo Grey, os russos superestimaram a importância das con­versações que os britânicos mantiveram com os franceses. Sua informa­ção era de que três cartas secretas de fontes russas haviam sido obtidas pelas autoridades alemãs. Elas sugeriam que Grey tinha sonegado infor­mações essenciais. Considerando o caráter de Grey e sua reputação de autenticidade, se essas cartas interceptadas fossem exatas, a falta de sin­ceridade de Grey, conforme percebida pelo ceticismo do olhar alemão, deve ter sido fonte de um genuíno alarme. Não importa por que razão, aquelas conversações preocuparam imensamente os alemães.

Apesar de todos os seus perigos, a estratégia de atacar a Sérvia rápi­do a ponto de criar um fait accompli foi, na opinião de Bethmann, seu criador, a única via plausível para sair de uma situação em que as outras grandes potências poderiam virar-se contra a Alemanha e contra a Áus­tria. E esta estratégia não foi empregada. Os austríacos sequer a tentaram.

O chanceler (segundo seu confidente) preocupou-se.21 Refletiu so­bre os erros que a Alemanha tinha cometido em política exterior desde a exoneração de Bismarck. A Alemanha havia alienado a Rússia, a França e a Grã-Bretanha, feito de todas inimigas, sem enfraquecer nenhuma delas.

Na Inglaterra, o secretário das Relações Exteriores professava o otimis- mo em relação à disputa austro-sérvia. Sir Edward Grey era talvez o único membro do gabinete a ter uma razão para entender precocemente que a situação nos Bálcãs era séria. Ele fora alertado pelo embaixador alemão em Londres, o príncipe Lichnowsky, que era firmemente pró- britânico. Já em 6 de julho, Lichnowsky avisou a Grey que a Áustria ia adotar uma postura dura na questão de Sarajevo, e que teria a bênção e o apoio da Alemanha para fazê-lo.

Grey considerou a hipótese de trabalhar com a Alemanha para conter a Áustria. Posteriormente, ele estimulou a Áustria e a Rússia a mante­

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rem conversações para resolverem suas diferenças. Grey não demons­trou qualquer preocupação desmedida; o Ministério das Relações Exte­riores mostrou ainda menos. Conforme relatou o embaixador alemão em Londres, Grey “acreditava que uma solução pacífica seria alcançada”.22 Ele pregava a moderação, e destacava a importância de a Áustria provar que as acusações feitas contra a Sérvia eram verdadeiras.

Os britânicos também eram presas de paixões em casa, ocasionadas pela questão do que fazer com a Irlanda. Eles permaneceram desatentos ao perigo vindo do estrangeiro. As ameaças externas pareciam estar se dissi­pando. “A primavera e o verão de 1914 foram marcados na Europa por uma tranquilidade excepcional”, recordou-se mais tarde Winston Churchill, chefe civil do Departamento da Marinha da Inglaterra.23 O menino prodígio de 39 anos da política inglesa era um primeiro lorde ativista — e até intrépido — do Almirantado, mas seu olhar escrutinava águas calmas.

Churchill não era então a figura grandiosa que o século XX reve­renciaria posteriormente. Ele havia avançado muito e rápido na política, mas era visto como uma espécie de novo-rico por seus colegas de gabine­te, quase todos uma década ou mais idosos. Ele parecia estar sempre nas manchetes e na ribalta. Sua energia não tinha limites — o bastante para exaurir os que estavam à sua volta, e mesmo no gabinete ele nunca para- va de falar. Seu entusiasmo raiava o infantil. Mas suas aptidões eram inegáveis. Mesmo então, podia-se ver que tinha talento; somente déca­das mais tarde seria visto que ele também tinha gênio.

Em 1914, ele aplicava suas habilidades à questão aparentemente insolúvel da Irlanda. Como escreveu posteriormente: “A estranha calma da situação européia contrastava com a violência crescente dos conflitos partidários em casa.”24 Quando ficou claro que a autodeterminação da Irlanda ia finalmente ser decretada, liberais e conservadores se viram presos na luta mortal da sua respectiva clientela, os católicos do sul da Irlanda e os protestantes do norte: os Ulstersmen. Ambos os lados recru­tavam e treinavam formações paramilitares. O Ulster comprava armas em quantidade da Alemanha, e havia informação de que equipamentos bélicos eram importados ilegalmente para as milícias rivais.

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Sobrepujada pelos acontecimentos, Londres acionou reforço de tro­pas e apoio naval. Compreensivelmente, “vendo-se confrontados a ações que poderiam constituir os movimentos de abertura de uma guerra ci­vil, os comandantes militares começaram a estudar planos de caráter muito mais sério”. A complicação era que a parcela de protestantes do Ulster na oficialidade do Exército britânico era desproporcional, e po­dia-se especular que o Exército iria, pelo menos em parte, apoiar a Irlan­da do Norte e o Partido Unionista contra o governo liberal de Asquith. “Acontecimentos chocantes causaram uma explosão de violência sem precedentes no Parlamento e abalaram as fundações do Estado”, escre­ve Churchill. “Não podemos interpretar os debates que se prolonga­ram a intervalos pelos meses de abril, maio e junho sem nos questionar se nossas instituições parlamentares eram fortes o bastante para sobre­viverem às paixões que as convulsionavam. O que há de surpreendente no fato de agentes alemães relatarem, e políticos alemães acreditarem, que a Inglaterra, paralisada pela dissensão, estava sendo arrastada para a guerra civil e não precisava ser levada em conta como fator da situação européia?”

Em 20 de julho, o rei George V convocou uma conferência de todos os partidos a realizar-se no Palácio de Buckingham no dia seguin­te. No 21, ele abriu a reunião com uma declaração breve. Mencionou os perigos que o tinham levado a convocar a conferência. “A tendência evoluiu de maneira constante e certa na direção de um apelo à força e hoje o grito de Guerra Civil está nos lábios da maioria das pessoas res­ponsáveis e sóbrias do meu povo”, disse o rei George.25 Ele chamou os líderes partidários a chegarem a algum tipo de compromisso pacífico.

A conferência, de fato, mostrou que as diferenças eram pequenas, mas ainda assim continuavam intratáveis. Não teve êxito e os conferen­cistas debandaram na manhã da sexta-feira, 24 de julho. Segundo o pri- meiro-ministro, o rei George “entrou, bastante émotionné, e disse em duas frases [...] adeus, eu sinto muito, e obrigado”.26

Naquela tarde, os membros do gabinete se reuniram e voltaram ao trabalho sobre uma proposta de definição de fronteira entre a Irlanda independente e a Irlanda do Norte britânica. Ao terminarem as suas deliberações, Sir Edward Grey chamou a atenção dos presentes para a crise sérvia.

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CAPÍTULO 30: APRESENTANDO O ULTIMATO

Ocorrera uma semi-ruptura da comunicação entre a Áustria e a Sérvia desde a Afronta; para todos os efeitos, elas não estavam falando

uma com a outra, ou pelo menos não muito. A investigação austríaca dos assassinatos estava sendo conduzida em segredo, e ao mesmo tempo em que só um dos integrantes do grupo de Princip ainda não tinha sido preso, o processo contra eles avançava em semanas, ou mesmo meses, em vez de dias.

Neste ínterim (já que a suposição comum era de que a Sérvia era culpada pelo menos em parte), a Sérvia aguardava temerosa a punição que lhe estava sendo preparada ou proposta. De fontes em Londres, o governo sérvio soube, em 17 de julho, que “uma espécie de acusação estava sendo preparada”, por “cumplicidade na conspiração que levou ao assassinato do arquiduque”.1 Em 20 de julho, veio de Viena o rumor de que a Áustria estava se preparando para entrar em guerra.2

Neste respeito, a população sérvia não foi de nenhuma ajuda para seu governo, ao contrário. Ela não mostrava nenhum remorso, enquanto

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a imprensa de oposição dava todos os sinais de estar contente com os assassinatos.

Para os estrangeiros, pareceu imprudente o governo sérvio sequer manter as aparências de que estava perseguindo energicamente os que ajudaram os assassinos. É verdade, os dois assassinos eram súditos austría­cos; é verdade, estavam sendo julgados num processo judicial austríaco que ainda não tinha sido concluído. Entretanto, a razão real para a inér­cia sérvia pode ter sido o fato de o governo ter muito a esconder. Se ficasse sabido, por exemplo, que Pasic tinha tomado conhecimento do complô assassino a tempo de tê-lo evitado - se este fosse realmente o caso —, o primeiro-ministro seria condenado pela Mão Negra por ter avisado Vi­ena, ainda que ineficazmente, e pela Áustria, por não ter sido avisada com eficácia suficiente. Sem dúvida, se Pasic tivesse deixado a verdade transparecer em qualquer investigação autorizada ou sancionada por ele, a Mão Negra poderia muito bem tê-lo matado.

Além disso, as eleições sérvias estavam programadas para 14 de agos­to. Pasic tinha de fazer campanha como nacionalista inflamado. O país não estava em posição de enfrentar o Império Habsburgo, mas se Pasic deixasse seu eleitorado saber que estava disposto a fazer concessões ou assumir compromissos para evitar o conflito, é provável que perdesse votos. De algum modo, ele tinha de realizar a façanha impossível de andar em duas direções opostas ao mesmo tempo.

O barão Giesl von Gieslingen, representante austro-húngaro na Sérvia, deu um telefonema de cortesia ao ministro das Relações Exteriores sérvio na quinta-feira, 23 de julho, pela manhã. Queria avisar o governo sérvio que entre as quatro e cinco da tarde ele estaria entregando uma impor­tante mensagem ao primeiro-ministro.

Giesl recebeu então um telegrama do seu próprio governo referente ao erro que Jagow tinha percebido: os líderes franceses ainda não teriam saído de São Petersburgo àquela hora. Ele recebeu ordens de adiar a sua entrega para as seis horas da noite.

Quando Giesl finalmente chegou, foi para saber que o primeiro- ministro sérvio não estava em Belgrado; estava fora da cidade, fazendo campanha eleitoral — ou pelo menos foi o que disse. Pacu, ministro das Finanças sérvio, estava incumbido de despachar na ausência do primei­

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A P R E S E N T A N D O O U L T I M A T O

ro-ministro. Mas Pacu não falava francês, a língua da diplomacia. As­sim, não seria possível Giesl comunicar-se com ele.

O secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Slavko Grvic, apresentou-se para traduzir. Pacu, porém, confrontado ao do­cumento que lhe era formalmente apresentado, recusou-se a aceitá-lo. Giesl colocou-o na mesa e disse a Pacu para fazer o que bem entendesse, e então se foi.

Depois que Giesl saiu, Pacu e seus colegas tentaram entrar em con- tato com Pasic. O esforço tomou cerca de duas horas. Por telefone, os companheiros resumiram para o primeiro-ministro os termos ásperos do documento que Giesl lhes havia remetido. (Ver Apêndice 1, pp. 339- 344, para a íntegra da nota austríaca.) Pasic decidiu retornar imediata­mente de trem, e convocou uma reunião do gabinete em Belgrado para a manhã seguinte, às cinco horas da manhã. Nicolai Hartwig, o enviado russo em cujo conselho os sérvios geralmente confiavam, tinha morrido duas semanas antes e ainda não havia sido substituído; os sérvios esta­vam sós.

O gabinete de ministros esteve reunido durante todo o dia, noite afora, e depois todo o dia seguinte. A urgência lhes fora imposta, pois a Monarquia Dual exigia uma resposta em 48 horas. Pasic procurou ou­tros governos em busca de conselho e ajuda, mas o tempo foi ainda mais curto: os mensageiros Habsburgo só tinham entregado cópias da nota às potências na manhã de 24 de julho.

E sem sequer esperar por uma resposta, na manhã de 23 de julho, o Exército Habsburgo abriu seu livro de guerra: seu resumo das medidas administrativas e de atribuição de responsabilidades que entrariam em vigor em caso de abertura de hostilidades.

A notícia chegou em Londres a tempo de pegar a reunião de gabinete dedicada a recolher os cacos da conferência fracassada do Palácio de Buckingham sobre a Irlanda. As diferenças entre os dois lados, segundo Winston Churchill, tinham sido reduzidas a uma questão de fronteiras entre dois condados irlandeses, Fermanagh e Tyrone. Sobre esta ques­tão, porém, restava um impasse sem saída, e pairava a ameaça de uma guerra civil.

Nas palavras frequentemente citadas de Churchill:3

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.A discussão chegara ao seu termo inconclusivo e o gabinete estava prestes a separar-se, quando o tom comedido e grave da voz de Sir Edward Grey foi ouvido à leitura de um documento que havia acabado de lhe ser trazido do Ministério das Relações Exte­riores. Tratava-se da nota austríaca para a Sérvia. Ele ficou lendo ou falando por vários minutos antes de eu poder desembaraçar minha mente do debate tedioso e confuso que acabara de ser inter­rompido [...] A nota era claramente um ultimato; mas era um ulti­mato tal que jamais havia sido redigido nos tempos modernos. À medida que a leitura prosseguia, parecia absolutamente impossível que qualquer Estado no mundo pudesse aceitá-lo, ou que qualquer aceitação, por mais que abjeta, satisfaria o agressor. As paróquias de Fermanagh e Tyrone se eclipsaram ao segundo plano de brumas e ventos da Irlanda, e uma estranha luz começou [...] a banhar o mapa da Europa.

Era a primeira vez naquele mês que o gabinete ouvia falar de política exterior. Churchill era um dos dois únicos homens do gabinete, além do primeiro-ministro, que tinham sido avisados por Grey antes da reunião.

Durante a reunião, como de costume, o primeiro-ministro Asquith escreveu uma carta à sua confidente, Venetia Stanley. Disse a ela que a situação européia “está tão mal quanto é possível estar. A Áustria enviou uma nota intimidadora e humilhante à Sérvia, que absolutamente não pode cumpri-la, e exigiu resposta em 48 horas - na ausência da qual, marchará. Isto significa, quase inevitavelmente, que a Rússia vai entrar em cena em defesa da Sérvia e em desafio à Áustria; se assim for, será difícil tanto para a Alemanha como para a França se absterem de em­prestar seu apoio a um lado ou outro. Assim, estamos a uma distância mensurável, ou imaginável, de um verdadeiro Armagedom”.4

Mas ele termina com uma nota tranquilizadora: “Felizmente, parece não haver nenhuma razão para sermos mais do que meros espectadores.”

No final da reunião, Churchill, por sua vez, escreveu à esposa que a “Europa está tremendo à beira de uma guerra generalizada.5 O ultimato austríaco à Sérvia sendo, no género, o documento mais insolente jamais concebido”. Mas ele tampouco previa um papel para a Grã-Bretanha desempenhar no conflito iminente, e escreveu principalmente para di­zer que estaria com a família na praia durante o fim de semana.

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Entrementes, Grey prestou atenção inicialmente no prazo de qua­renta e oito horas. “Eu nunca tinha visto um Estado endereçar a outro Estado independente um documento de caráter tão formidável”,6 disse ele ao governo austríaco; e quaisquer que sejam os méritos da disputa, a primeira coisa a ser feita é adiar ou eliminar o prazo final.

A pedido de Grey, o embaixador alemão, Lichnowsky, veio visitá- lo. Lichnowsky relatou que Grey fora “profundamente afetado pela nota austríaca, a qual, na opinião dele, excedia qualquer coisa que jamais ti­vesse visto no género anteriormente”.7 Ele acreditava que “qualquer na­ção que aceitasse condições como aquelas, na verdade deixaria de contar como nação independente”. (“Isso seria muito proveitoso. Não é uma nação no sentido europeu, mas um bando de ladrões!”, comentou o cáiser Guilherme ao ler o relatório de Lichnowsky.)

Os comentários particulares dos três políticos, se lidos como se eles estivessem conversando, revelam o fosso crescente entre as respectivas opiniões:

LICHNOWSKY: “Não se pode avaliar os povos balcânicos com a mesma medida que as nações civilizadas da Europa...”

CÁISER: “Exatamente, pois eles não têm a mesma medida!” LICHNOWSKY: Conseqúentemente, é preciso usar outro tipo de

linguagem com eles.”GREY: “Mesmo que fosse capaz de compartilhar esta opinião [ela

não] seria aceita na Rússia.”CÁISER: “Então os russos não são nada melhores.”

Grey pediu apoio alemão para o prolongamento dõ prazo, e suge­riu que Inglaterra, França, Alemanha e Itália devessem mediar o confli­to. “Supérfluo”, comentou o cáiser. “Grey não tem mais nada a propor.” Porém, o governante alemão anotou à margem do relatório de Lichnowsky que ele próprio mediaria o conflito se, e somente se, a Áustria lhe pedisse para fazê-lo.

De São Petersburgo, o ministro das Relações Exteriores, Sazonov, enviou um telegrama circular aos países concernidos, pedindo para agirem juntos para obter o adiamento do prazo. Sazonov também pediu à Áustria

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os resultados do inquérito oficial dos assassinatos de Sarajevo, conforme a promessa anterior de Viena de colocar o relatório à disposição das demais potências.

Em Viena, em 24 de julho, Berchtold encontrou-se com o encar­regado russo de negócios, conde Kudashev, e despachou uma mensa­gem apaziguadora: “Nada está mais longe dos nossos pensamentos do que o desejo de humilhar a Sérvia”; e a Monarquia Dual “não visa van­tagens territoriais, mas apenas a preservação do status quo ”.8

Literalmente, Berchtold estava dizendo a verdade: Viena não pre­tendia anexar a Sérvia; já governava eslavos demais. Mas ele foi delibera­damente capcioso: a Áustria-Hungria, segundo o principal assessor de Berchtold no Ministério das Relações Exteriores, pretendia a repartição da Sérvia, mas sem tomar parte na partilha.

Kudashev perguntou o que aconteceria se a resposta da Sérvia não fosse aceitável para o governo de Berchtold. A resposta de Berchtold: o representante da Áustria em Belgrado fecharia a sua legação e partiria com a sua equipe. “Então é a guerra”, exclamou Kudashev.9

Na manhã seguinte, Kudashev voltou para pedir uma extensão do prazo estabelecido pela Áustria. O governo austríaco recusou. Kudashev passou então um telegrama a Berchtold, que estava a caminho de um encontro com o seu imperador, repetindo o seu pedido de extensão. Berchtold recusou.

Como Viena e Berlim haviam calculado, Paris foi incapaz de reagir de maneira significativa à nota austríaca. O presidente Poincaré, o primei­ro-ministro e ministro das Relações Exteriores, René Viviani, e Bruno Jacquin de Margerie, oficial mais importante do Ministério das Rela­ções Exteriores, ainda estavam no mar. Jean-Baptiste Bienvenue-Martin, ministro da Justiça, e chefe interino do governo, pareceu incapaz, ou relutante, de assumir uma atitude dura, ou qualquer atitude que fosse, apesar da assistência de Philippe Berthelot, número dois do Ministério da Relações Exteriores.

Como a voz dos franceses não se fez ouvir, os enviados alemães e austríacos sentiram-se evidentemente encorajados a acreditar que a França poderia manter-se de fora nos dias a seguir. Em vez disso, o que estava acontecendo é que Bienvenue-Martin estava encaminhando pelo menos

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alguns despachos para o presidente em viagem, o que fez Poincaré deci­dir retornar imediatamente a Paris.

Quando a notícia do ultimato austríaco chegou a São Petersburgo, Sazonov explodiu: "C’est la guerre européenne” [É a guerra européia]. Encontrando-se com o embaixador austríaco, ele se exprimiu asperamente. “Sei o que está acontecendo. Vocês querem a guerra contra a Sérvia [...] Estão incendiando a Europa.10 Por que não deram chance de a Sérvia falar e por que a forma de ultimato? [...] O fato é que vocês queriam a guerra, e queimaram as pontes [...] Dá para ver o quanto são amantes da

»paz.O Conselho de Ministros russo se reuniu e decidiu tentar persua­

dir a Áustria e estender o prazo de 25 de julho. Ele também decidiu aconselhar a Sérvia a oferecer a menor resistência possível a qualquer acordo austríaco. Finalmente, decidiu pedir ao tsar para concordar, pelo menos em princípio, com uma mobilização parcial das forças armadas. Sem entrar em detalhes (ainda que os historiadores o venham fazendo desde então), esta “mobilização parcial” consistia num certo número de medidas, algumas exequíveis, outras não, nenhuma das quais teria aju­dado significativamente a defender a Rússia, sendo que a maioria delas colocava a Rússia numa posição menos vantajosa do que antes. Tratava-se de um conceito essencialmente político, confuso e obscuro, cuja preten­são era transmitir a mensagem de que a Rússia estava determinada a agir se necessário, mas não queria alarmar ou provocar a Alemanha ou a Áustria, como teria acontecido no caso de uma mobilização plena — de uma mobilização de fato.

A Rússia, como tão amiúde foi o caso, era um mistério para o mundo europeu em 1914. Suas dimensões imensas e aparente exotismo oriental eram assustadores. Era o maior dos países, e o tamanho da sua popula­ção — 170 milhões de habitantes - era intimidador. Entretanto, em ju­lho de 1914 os seus ministros consideravam-na vulnerável.

O ritmo da sua industrialização, a sua rede ferroviária sempre em crescimento e o seu programa moderno de rearmamento, em grande parte financiado pela França, começaram com a Rússia tão gravemente atrasada, que alcançar qualquer progresso parecia muito maior do que

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de fato era. Na Europa Ocidental, e na Alemanha em particular, avulta­va a futura ameaça russa. Na primavera de 1914, o embaixador britâni­co na Rússia advertiu Londres de que “a Rússia estava se tornando rapidamente tão poderosa, que devemos preservar sua amizade quase a qualquer custo”.11

Porém, como nos lembra o historiador D. W. Spring, “não era assim que o governo e o público russos viam a sua posição no mundo em 1913-14.”12 Eles viam o seu país cercado por “dez Estados com metade da população mundial”, dos quais “três ou quatro diretamente hostis”.13 O governo russo era amplamente ineficaz. Em sua maior parte, o país permanecia atrasado: uma economia camponesa um século ou mais atra­sada. Como se deu, a industrialização veio de par com um processo de lutas sociais; em São Petersburgo, em julho de 1914, “180 mil trabalha­dores industriais num total de 242 mil estavam em greve”.14

Ainda que as massas não desempenhassem nenhum papel na toma­da de decisões da política externa, algo próximo de uma opinião públi­ca, por mais que pálida, teve expressão na reunião do Conselho de Ministros de 24 de julho.

Foi um daqueles raros momentos de concórdia. A imprensa, os ministros do governo e o público pareciam ter todos a mesma opinião. A Rússia queria que a Sérvia fizesse quaisquer concessões necessárias. Os russos queriam a paz e sabiam que não estavam preparados para a guer­ra. Por outro lado, havia um consenso de que no passado a Rússia fizera concessões às potências germanófonas em nome da paz, mas descobrira que tais concessões apenas estimularam Berlim e Viena a exigirem mais. O verão de 1914 pareceu à Rússia uma boa oportunidade para experi­mentar a abordagem oposta. Desta vez, de maneira não provocativa, os representantes russos pretendiam permanecer firmes.

Todavia, a indecisão do tsar Nicolau II introduziu um elemento de instabilidade no processo de tomada de decisão política. O monarca russo era um homem de personalidade fraca, inadequadamente prepara­do para assumir a coroa, e de cujos custosos erros — notadamente a de­sastrosa guerra contra o Japão — estava consciente até demais. Ele herdara poderes autocráticos, mas tinha sido forçado a proclamar-se imperador semiconstitucional.O centro emocional da vida de Nicolau era seu lar: a

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esposa e as filhas que ele adorava, e o filho Alexei, com pouco menos de dez anos de idade em 1914, cuja hemofilia pesava como uma espada sobre a monarquia.

Quaisquer que fossem os seus sentimentos sobre os sérvios como irmãos eslavos, Nicolau tinha necessariamente sentimentos fortes quan­to a regicidas. Seu avô Alexandre II, que tinha libertado os servos, foi objeto de mais de meia dúzia de tentativas de assassinato antes da fatal.

Além disso, Nicolau começou seu reinado um pouco sob a influên­cia do cáiser Guilherme. Nicolau foi coroado em 1895, aos 26 anos de idade. Guilherme, nove anos mais velho, já ocupava o trono há seis anos. “Gui” influenciou “Nic” durante uma década, aconselhando-o de maneira perigosamente iníqua, instigando a idéia de conquistas no Ex­tremo Oriente, o que levou à desastrosa guerra contra o Japão (1904- 1905), que quase redundou no colapso da Rússia como grande potência. A crise culminou com a revolução de 1905.

No final de 1905 e da influência de Guilherme, o tsar caiu sob o fascínio de outra figura perigosa, o curandeiro religioso Gregori Rasputin, que ofereceu a esperança de curar a hemofilia do herdeiro aparente. O crédulo e vulnerável casal imperial, Nicolau e sua esposa Alexandra, que se preocupava mais com a vida do seu filho do que com qualquer outra coisa, parecia estar colocando o destino do czaréviche nas mãos de Rasputin, o homem da voz gutural, dos olhos hipnóticos e do toque que abrandava. Fisicamente vigoroso, Rasputin era movido por apetites quase insaciáveis; os fofoqueiros tinham sempre o que fazer acrescentando nomes de mulheres à lista das suas conquistas, que diziam incluir a im­peratriz Alexandra e uma de suas filhas, para orgulho da esposa do mon­ge, deixada em casa na Sibéria com seus quatro filhos: “Ele é bastante para todas elas”, jactava-se ela.15

Ao aproximar-se a crise de julho de 1914, a ascendência exercida por este mago fraudulento e pernicioso sobre a família real já havia aba­lado a reputação da própria monarquia. Era previsível que pelo menos uma parte do público culpasse a influência de Rasputin pela reviravolta trágica no destino da Rússia durante e após 1914.

Na verdade, Rasputin advogava consistentemente a causa da paz. Na crise da guerra dos Bálcãs de 1908, ele tinha dito: “Não vale a pena lutar pelos Bálcãs.” Em 1914, recuperando-se em sua aldeia camponesa

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de uma tentativa de assassinato, ele irritou o tsar com um telegrama, depois que as hostilidades já haviam começado: “Queira Deus que Papa não esteja pensando em guerra, pois a guerra será o fim da Rússia e o vosso, e o senhor perderá até o último homem.”

Em 24 de julho, em Londres, o embaixador russo disse ao embai­xador alemão, “em estrita confiança”, que era “totalmente impossível” para a Rússia “aconselhar o governo sérvio a aceitar” o ultimato, “só se fosse para a Sérvia decair à condição de vassala da Áustria.”16 Ele disse: “A opinião pública russa não vai tolerar.” As intenções de Viena estavam claras. “Somente um governo que quisesse a guerra poderia ter escrito aquela nota.”

Rumores chegaram a Berlim de que o ultimato estava sendo atri­buído à Alemanha. O Ministério das Relações Exteriores distribuiu uma torrente de desmentidos. Aos seus enviados em Paris, Londres e São Petersburgo, a Alemanha passou instruções de negar a acusação. “Nós não exercemos nenhum tipo de influência quanto ao conteúdo da nota.” Não obstante, Berlim “não podia aconselhar Viena a recuar”, pois a retratação redundaria em perda de prestígio para a Áustria-Hungria.17

Por seu embaixador em Viena, a Alemanha soube que Berchtold havia chamado o enviado russo para uma conversa tranquilizadora, du­rante a qual o ministro austríaco das Relações Exteriores negou qual­quer desejo de alterar o equilíbrio de poder ou perturbar a Rússia. Ele conclamou à formação de uma frente única das monarquias européias contra o perigo comum decorrente da “política sérvia conduzida à base de revólveres e bombas”.

Lendo um relatório desta conversa, o cáiser Guilherme fez uma anotação da sua desaprovação. Sobre a declaração de boas intenções de Berchtold em relação à Rússia, ele comentou que era “absolutamente supérflua! Dá impressão de fraqueza, e de um pedido de desculpas”. Chamando Berchtold de “Burro!”, o cáiser anotou: “A Áustria tem de tornar-se preponderante nos Bálcãs comparativamente às nações peque­nas, e às expensas da Rússia; de outro modo, não haverá paz.”18

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AP RE SE NT A ND O O ULTI MATO

Os líderes da política externa francesa pouco sabiam do que estava acon­tecendo. Conforme planejado pela Áustria, eles estavam a bordo do na­vio quando irrompeu a crise. O presidente, o primeiro-ministro, que também atuava como ministro das Relações Exteriores, e o seu principal assessor de política externa estavam cientes de que não estavam conse­guindo estabelecer comunicação. O que não sabiam é que eram os ale­mães que estavam perturbando as suas transmissões.

Os líderes franceses estavam vindo de conversações com o tsar e com o governo russo. Pouco se sabe sobre o que foi dito. Mas a política de Poincaré desde o começo foi impedir que a Rússia fizesse qualquer coisa que pudesse provocar a Alemanha. O presidente estava agudamen­te cônscio de que a França não tinha condições militares de entrar numa guerra. Não há razão para acreditar que tenha dito algo muito diferente durante a sua estada na Rússia.

Entretanto, uma vez que os líderes franceses partiram, o porta-voz do país que ficou em São Petersburgo teve uma atitude um tanto perniciosa como embaixador. Maurice Paléologue, que apresentara suas credenciais apenas cinco meses antes, era uma personalidade muito independente, cuja tendência era aplicar a sua própria política externa. Ele deu ao go­verno russo a impressão de que a França o apoiaria incondicionalmente. Um estudo recente de M. B. Hayne sobre a diplomacia francesa antes da guerra mostra que, à diferença dos demais, Paléologue acreditava que os Exércitos francês e russo estavam em seu máximo.19 Presumindo que a Alemanha pretendia forçar uma guerra européia, ele advogava lutar o mais rapidamente possível. Neste particular, ele era uma espécie de Moltke. Não é claro até que ponto teria influenciado as decisões toma­das pelos líderes russos, pois eles não confiavam nele.

Uma pergunta de Viena para Berlim datada de 22 de julho só chegou no dia 24. O Império Habsburgo estava prestes a romper todas as relações com a Sérvia. Nenhum funcionário austríaco seria deixado para trás. Como, então, a Monarquia Dual iria declarar guerra à Sérvia? Quem entregaria fisicamente a declaração? A Alemanha o faria em nome da Áustria?

Do Ministério das Relações Exteriores, Jagow respondeu que não seria uma boa idéia: “Nosso ponto de vista tem de ser que a disputa

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entre a Sérvia e a Áustria-Hungria é uma questão interna.”20 Contudo, Berlim e Viena estiveram discutindo modalidades de declaração de guerra antes de o ultimato austríaco ter sequer sido entregue, e menos ainda respondido, e menos ainda respondido insatisfatoriamente.

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CAPÍTU LO 31: A SÉRVIA MAIS OU MENOS ACEITA

Uma “nota bastante forte”, observou o cáiser, a bordo do seu navio, ao chefe do seu Gabinete Naval, almirante von Miiller.10 impera­

dor tinha tido notícia do ultimato austríaco. Mas “isto quer dizer guer­ra”, respondeu o almirante. Não, disse Guilherme, a Sérvia jamais se arriscaria.

O regente da Sérvia, príncipe Alexandre, visitou a legação russa em Bel­grado na noite de 23-24 de julho, “para expressar sua desesperança diante do ultimato austríaco, cujo atendimento ele considera uma im­possibilidade absoluta para um Estado que tenha um mínimo de respei­to por sua própria dignidade”.2 Suas esperanças repousavam no tsar, disse ele, “cuja poderosa expressão era a única que podia salvar a Sérvia”. Pasic, o primeiro-ministro, também deu uma passada na legação russa, um pouco mais tarde, a caminho da reunião às cinco da manhã com os ministros disponíveis.

Mas a Rússia não ofereceu nada além de apoio moral. De São Petersburgo, Sazonov, falando apenas em seu nome, disse que seu país

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ofereceria ajuda, mas não especificou que forma esta ajuda tomaria. No final, o governo do tsar sugeriu que a Sérvia - se a resistência fosse sem esperanças — deveria recuar em vez de resistir, e confiar no senso de justiça da Europa para corrigir a questão. Nem a Rússia nem sua aliada, a França, estavam prontas para lutar, especialmente pela Sérvia.

Inicialmente, o governo sérvio estava inclinado a ser desafiador. Mas depois de os ministros examinarem a questão em detalhes, passa­ram a um ânimo mais realista.

Era unânime entre os líderes sérvios que seu país seria esmagado em caso de guerra contra a Monarquia Dual. Somente a Rússia, ou uma combinação de potências neutras, poderia salvá-los. Tal apoio seria difí­cil de obter em qualquer caso, ainda mais porque havia pouco tempo: a resposta Sérvia tinha de ser dada até as seis horas da tarde do dia 25 de julho. Pasic e seus colegas estavam trabalhando continuamente, hesitan­do entre a aceitação total do ultimato e a tentação de apresentar condições ou restrições que permitissem escapar mais tarde do peso das rígidas exigências de Viena.

À medida que frases eram acrescentadas, modificadas e riscadas, o texto tornava-se cada vez menos legível. Contudo, ele precisava ser sufi­cientemente legível, para o tradutor poder fazer o seu trabalho. Revisado e rebatido várias vezes, o texto continuava confuso e o prazo final se aproximava. O datilógrafo não era experiente; a máquina de escrever quebrou. A menos de duas horas do fim do prazo, foi feita uma tentativa de escrevê-lo a mão.

O documento final parecia mais um primeiro rascunho, com pala­vras riscadas, borrões de tinta e outras coisas mais. Como ninguém mais se ofereceu para levá-lo, foi o próprio Pasic quem o fez, apressando-se na direção da legação austríaca para entregar a resposta sérvia antes do pra­zo de seis da tarde. Ele pode ter chegado ligeiramente atrasado. Giesl leu rapidamente, levantando-se. Ele já havia destruído seus papéis e feito as suas malas. Um automóvel estava pronto para levá-lo à estação ferroviá­ria. Ele desempenhou as formalidades sumárias atinentes à ruptura de relações diplomáticas e partiu para pegar o seu trem.

Fora da Áustria-Hungria, acreditava-se que a resposta ao ultimato aceitaria todas as condições menos uma. Na verdade, ela continha uma

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A SÉRVIA MAIS OU MENOS ACEITA

série de reservas (Ver Apêndice 2, pp. 345-348). Pouco importava, pois a Monarquia Dual estava apenas cumprindo formalidades.

O armador Albert Ballin recordou-se mais tarde da “frustração” no Ministério das Relações Exteriores alemão quando chegou a notícia de que a Sérvia tinha aceitado - seguida de uma “tremenda alegria” quando a correção foi recebida: a Sérvia não tinha aceitado integralmente.3 De- ver-se-ia chamar o cáiser? Não, disse a fonte de Ballin no Ministério das Relações Exteriores: “Ao contrário, tudo deve ser feito para garantir que ele não interfira no andamento das coisas, com suas idéias pacifistas.”

Berchtold assumiu a posição de que a sua nota para a Sérvia não era um ultimato, pois nenhuma declaração de guerra decorreu automaticamen­te quando o prazo expirou. Em 25 de julho, Berchtold ainda estava dizendo aos russos que a ruptura das relações com a Sérvia pela Áustria não levaria necessariamente à guerra: “Nossas exigências podem fazer surgir uma solução pacífica.”4

Mas chegou então um telegrama do seu embaixador em Berlim, lembrando-o de que a Alemanha esperava que a Áustria abrisse as hosti­lidades. “Considera-se aqui que toda demora em dar início às operações de guerra representa o perigo de que potências estrangeiras possam in­terferir. Fomos urgentemente aconselhados a proceder sem tardança.”

Poderia a convocação de uma conferência das potências neutras evitar a eclosão da guerra? Sir Edward Grey inquiriu cautelosamente as opiniões sobre a questão. Ainda que temporariamente, a conferência que Grey tinha convocado em Londres em 1913 trouxera a paz para os Bálcãs; talvez fosse possível fazer o mesmo outra vez. Porém, era o momento certo de apresentar tal proposição? Até então, a disputa dizia respeito apenas à Áustria e à Sérvia; não era entre a Áustria e a Rússia.

Para surpresa de Grey, o embaixador russo adivinhou que seu go­verno não ia concordar com uma conferência. Se Alemanha, Itália, França e Grã-Bretanha mediassem a relação entre a Áustria e a Rússia, ficaria a impressão, disse ele, de que a França e a Grã-Bretanha tivessem rompi­do com seu aliado russo. Contudo, quando a pergunta foi feita a São Petersburgo, Sazonov não criou tanta dificuldade.

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Grey enviou notas a seu embaixador em São Petersburgo em 25 de julho, resumindo a sua posição. Ele escreveu: “Não acho que a opinião pública aqui sancione ou deva sancionar a nossa entrada em guerra numa disputa sérvia. Contudo, se a guerra acontecer, o desenvolvimento de ou­tras questões pode nos arrastar a ela, e consequentemente estou ansioso para impedi-lo.” Em vista das ações da Áustria, escreveu ele, a Áustria e a Rússia irão quase inevitavelmente se mobilizar uma contra a outra; é quando uma mediação de quatro nações poderá ser oportuna.

Era sábado. Grey achou que a ameaça de guerra não era imediata o bastante para afastá-lo do campo. Passou os negócios às mãos do seu assistente e saiu da cidade.

Um telegrama do enviado da Alemanha em Belgrado descrevia a confu­são e o desânimo do governo sérvio ao lidar com o ultimato austríaco. O cáiser Guilherme ficou contentíssimo. “Bravo! Quem ia pensar que os vienenses o fizessem! [...]5 Como pode mostrar-se tão oco o poder sérvio; e pelo jeito é assim com todas as nações eslavas! É só bater o pé com firmeza que lá se vai toda a canalha!”

25 de julho. São Petersburgo. Noite. O Estado-maior russo dá início ao “Período Preparatório para a Guerra”, o primeiro passo de um cami­nho que, se mais passos fossem dados, podia levar à mobilização.

Paris. O governo interino da França tomou suas primeiras medidas de prontidão militar. Secretamente, ele reconvocou seus generais para o serviço em 25 de julho; cancelou licenças de oficiais e soldados em 26 de julho; e deu ordens de retornar à França ao grosso do seu exército de ocupação no Marrocos em 27 de julho.

Berlim. O ministro das Relações Exteriores, Jagow, disse ao jornalista alemão Theodor Wolff que “nem Londres, nem Paris, nem São Petersburgo queriam a guerra”.6

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CONTAGEM REGRESSIVA

PARTE SETE

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CAPÍTULO 32: CARTAS NA MESA EM BERLIM

A s principais figuras militares da Alemanha estavam ostensivamen­te de férias no mês de julho. Assim o cáiser, o chanceler e o secretá­

rio das Relações Exteriores. Na verdade, eles retornavam a Berlim de tempos em tempos, amiúde secretamente. E seus assessores mantinham os comandantes militares bem informados.

Depois que os austríacos estabeleceram uma data fixa para seu ulti­mato, Berlim comunicou discretamente aos seus líderes para retornarem. Eles o fizeram a partir do dia 23 de julho, voltando separadamente mas procurando uns aos outros.

Numa espécie de conferência secreta itinerante, sobre a qual sabe­mos a partir dos relatórios dos adidos militares saxão e bávaro, os líderes militares alemães, por um lado, e os líderes civis, o chanceler e seus fun­cionários do Ministério das Relações Exteriores, por outro, discutiram o que fazer a seguir.1 Sua melhor informação era de que agora a Áustria estava dizendo que precisaria de pelo menos mais duas semanas — talvez em 12 de agosto — antes de poder atacar a Sérvia. Os alemães, militares e civis, igualmente, sentiram repugnância pela indolência da Áustria.

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CARTAS NA MESA EM BERLIM

O chanceler e seus colegas civis conduziram uma operação de con­tenção. Pediram mais tempo para seus planos - e os de Viena — funcio­narem. Insistiram numa suspensão de pelo menos alguns dias antes de uma mudança de planos.

Os generais eram em grande parte liderados por Moltke e por Erich von Falkenhayn, o ministro da Guerra, que desempenhou importante papel argumentando que a Alemanha devia empreender açÕes militares contra a Rússia e seus aliados.

Moltke desempenhou um papel curioso, mudando frequentemen­te de atitude, às vezes se contendo, mas argumentando vigorosamente que estava na hora de entrar em guerra porque as circunstâncias eram mais favoráveis do que jamais seriam outra vez. Em Berlim, a estrutura da agitada e decisiva semana parece ter sido, em termos gerais, a seguin­te: retornando de semanas no campo, os líderes do país passaram da tarde de domingo à noite de segunda-feira (26-27 de julho) se atualizan- do e trocando opiniões; de terça a quinta-feira (28-30 de julho) acertan­do detalhes entre si e de sexta a segunda-feira (31 de julho a 3 de agosto) entrando em ação. Foram dias de pôr as cartas na mesa, em que os líde­res alemães lutaram entre si, mudaram de idéia e correram perigo, devi­do à violência dos seus medos e ódios, de sofrer derrames e ataques do coração.

Os líderes sobrepostos do Exército da Alemanha — von Moltke, chefe do Estado-maior; von Falkenhayn, ministro da Guerra; e von Lyncker, chefe do Gabinete Militar — estavam entre os vários oficiais-chave a debater as questões da guerra e da paz após seu retorno das férias. Para Moltke, as discussões eram particularmente frustrantes, em parte porque os líde­res civis compartilhavam os seus pontos de vista mas não os seus objeti- vos, e em parte porque ele sabia coisas que eles não sabiam — coisas que ele não podia lhes contar. Em 1997, Holger Herwig escreveu que “a destruição quase total dos papéis de Moltke ‘impede qualquer conexão formal entre a perspectiva de Moltke e a pressão em prol da guerra em 1914’”.2 Parece que isto já não é mais verdade. A publicação recente da biografia de Annika Mombauer, em parte baseada, conforme observou- se anteriormente, em documentos até então não usados, torna possível interpretar os pensamentos, palavras e ações de Moltke.

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Um funcionário saxão que falou com o vice de Moltke em 3 de julho relatou ter tido a impressão de que o Grande Estado-maior “fica­ria satisfeito se a guerra começasse agora”.3 Nas palavras de Mombauer, a crise de julho “parecia representar uma oportunidade em vez de uma ameaça”.4 Isto pode explicar por que Moltke se conteve durante um período no final de julho, para surpresa dos seus colegas beligerantes. Ele não temia a mobilização da Rússia; desejava-a sinceramente. Se ela significasse o adiamento dos seus próprios planos por alguns dias, muito bem, valia a pena esperar; podia significar a diferença entre vencer e perder. Além disso, Moltke recebeu informações de que as preparações da mobilização russa eram de menor escala do que se pensara.5

Mas Moltke era quase o único a estar consciente de que o tempo estava se esgotando para seu país. A Alemanha estava comprometida com a grande estratégia de Moltke, que poucas pessoas conheciam. O cáiser e (até 31 de julho) o chanceler, Bethmann, figuravam entre os que estavam no escuro, assim como Falkenhayn. Nenhum deles sabia o que Moltke tinha realmente planejado para seus primeiros passos na guerra.

Com notável coerência, e por longo tempo, Moltke acreditara que a Alemanha devia iniciar imediatamente uma guerra preventiva contra a Rússia e sua aliada, a França. Mas ele também continuara pensando que essa guerra preventiva só poderia ser empreendida com êxito se fosse possível convencer o povo alemão de que a Rússia a começara: que a Rússia estava atacando a Alemanha.

Assim, ocasionalmente, ele argumentou que a Alemanha devia con­ter-se e esperar que a Rússia fizesse o primeiro movimento — quer dizer, começasse a mobilização. Mas com a passagem das semanas, ele mudou para a posição oposta: atacar imediatamente.

Moltke era um pessimista. Ele temia que os alemães, especialmente os alemães prussianos, fossem finalmente superados pelo grande número de eslavos, a menos que uma atitude fosse tomada imediatamente. Ele incitou frequentemente a guerra contra a Rússia, antes de o tsar moder­nizar e rearmar seu império. Contudo, Moltke também previu que uma guerra entre as grandes potências na era moderna destruiria a Europa.

Até abril de 1913, a Alemanha tinha um plano de guerra alternati­vo para fazer guerra apenas contra a Rússia. Isto não era mais verdade.

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CARTAS NA MESA EM BERLIM

Moltke mandou o seu Estado-maior preparar um plano de guerra atua- lizado em 1913-1914, lidando com apenas uma eventualidade: uma guer­ra de duas frentes contra a França e a Rússia. Ele tinha boas razões para manter os detalhes do plano em segredo bem guardado.

Será lembrado que na primeira fase do plano de Moltke, que acatava alguma»; (mas não todas) das linhas principais do memorando de Schlieffen de 1906, a Alemanha deveria empregar uma grande força para invadir a França através da Bélgica, enquanto uma força menor mas ainda signifi­cativa bloquearia o caminho pelo qual se poderia esperar que os russos atacassem. Ora, em 1914, os russos tinham capacidade de se deslocar muito mais rapidamente e em muito maior número do que quando Schlieffen elaborou seu memorando e Moltke assumiu seu cargo. Assim, era absolutamente imperativo desdobrar todo o Exército austría­co ao longo da frente russa para ajudar a proteger a Alemanha quando a guerra começasse.

Claramente, essa era a razão pela qual Moltke sempre foi um advo­gado de peso da aliança austríaca, e porque desenvolveu uma relação pessoal amistosa com seu homólogo na Áustria-Hungria, Conrad. Tam­bém foi por isso que ele garantiu o apoio alemão à Áustria se a Rússia atacasse. Mas ele não revelou o que seria exigido da Áustria-Hungria.

Moltke guardava seus segredos, e Conrad guardava os dele. Da maneira como Conrad via a questão — ou pelo menos afirmou fazê-lo posteriormente a Áustria esmagaria a Sérvia enquanto a Alemanha dissuadiria a Rússia de interferir.6 Seu inimigo - o inimigo da Áustria - era a Sérvia; ele não tinha nenhum desejo de lutar com a Rússia. O que Moltke não contou a Conrad foi que, se a guerra estourasse, a Áustria teria de subordinar seu conflito com a Sérvia a fim de dedicar-se inteira­mente ao combate na frente russa.

Moltke tinha outro segredo. Era um segredo que ele não podia compartilhar nem com o cáiser, o ministro da Guerra ou o chefe do Gabinete do Exército do cáiser. Tinha sido ideado para ele, em grande parte, por seu antigo assessor, Erich Ludendorff. Era um plano de tomar a fortaleza de Liège (na Bélgica) de surpresa no momento em que a guer­ra fosse declarada. A menos que a fortaleza fosse tomada, a invasão da França e da Bélgica provavelmente fracassaria - e com isso, a guerra. Se

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a França ou a Bélgica obstasse de algum modo a manobra alemã, seria consequentemente a catástrofe.

Como nos conta o historiador militar John Keegan, as fortalezas de Liège e de Namur, interditando a passagem do rio Mosa, eram “as mais modernas da Europa”.7 Elas foram “construídas para resistir ao ataque dos mais pesados canhões então existentes [...] Cada uma consistia num círculo, 40 quilómetros de circunferência, de fortificações independen­tes, dispostas [...] para emprestar uma à outra a proteção dos seus pró­prios canhões”. Ele nos diz que em Liège havia quatrocentos canhões, dispostos em 12 fortes, “todos protegidos por concreto reforçado e cha­pas de blindagem”, e um contingente de 40 mil soldados.

Quanto mais rápido a Alemanha começasse a guerra, melhor seria para a operação Liège. Cada dia que a operação era adiada, era um dia em que a França ou a Bélgica podia adivinhar ou prever a manobra da Alemanha. Por outro lado, Moltke sempre argumentou que a Alemanha tinha de adiar a declaração de guerra contra a Rússia, até ser possível fazer parecer que a Rússia era a agressora.

Qual seria a opção: mais cedo ou mais tarde? Na última semana de julho de 1914, Moltke mudou de idéia de hora em hora, dia a dia, visi­velmente angustiado.

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CAPÍTULO 33: 26 DE JULHO

Situado à esquina da Downing Street e reconstruído na década de 1860 como palácio italianizado para agradar os gostos Regency

de lorde Palmerson, o prédio do Ministério das Relações Exteriores não abrigava o tipo de instituição exigente que reclamasse longas horas dos seus empregados. Eles podiam dormir até tarde; nos diz Zara Steiner, historiadora do Ministério das Relações Exteriores, que nos dias da se­mana, “o horário oficial era de doze às seis”.1

Nos fins de semana, partia-se para o campo. No fim de semana em questão, o primeiro-ministro e o secretário das Relações Exteriores — e pra­ticamente todos sabiam - estavam no campo, como sempre. Asquith estava jogando golfe e Grey estava pescando trutas. Winston Churchill estava na praia com a sua esposa e filhos, construindo castelos de areia. Assim, é notável que o chefe do Ministério das Relações Exteriores, Sir Arthur Nicolson, em Londres, tivesse ido ao escritório trabalhar em 26 de julho, um domingo.

Os despachos telegrafados que o esperavam continham notícias duras. A Sérvia havia ordenado a mobilização no dia anterior, antes se-

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quer de responder ao ultimato austríaco; e de Viena vinham relatórios de que a Áustria havia rompido relações com a Sérvia. “Acredita-se que a guerra é iminente.2 Prevalece em Viena o mais desenfreado entusias­mo”, telegrafou o embaixador na capital Habsburgo.

De São Petersburgo: “A Rússia não pode permitir que a Áustria esmague a Sérvia e se torne potência predominante nos Bálcãs.”3 Segun­do o telegrama, a Sérvia havia ordenado a mobilização e a Rússia tinha ordenado preparações preliminares para a mobilização. Nos anos subse­quentes, os historiadores se tornariam especialistas em mobilizações, debatendo infinitamente nuanças de diferença entre as várias formas de prontidão para a guerra: etapas preparatórias, mobilizações parciais, e outras posturas que não fossem marchar sobre um país vizinho ou abrir fogo contra ele.

5/VNicolson passou à ação. Tinha dois expedientes em mente, mas eram reciprocamente excludentes: se desenvolvesse um, bloquearia o outro. Era preciso escolher. O que ele não adotou foi sair em campanha em favor de conversações diretas entre a Áustria e a Rússia, as duas gran­des potências diretamente concernidas. Em vez disso, propôs convocar uma conferência em Londres dos embaixadores das grandes potências não envolvidas - Alemanha, Itália e França, que se reuniriam com a Grã-Bretanha - , na qual a disputa entre a Áustria-Hungria e a Sérvia poderia ser analisada pacificamente. Eis o processo que havia interrom­pido as guerras balcânicas no ano anterior. De sua casa de campo, Grey enviou sua permissão a Nicolson, que telegrafou a sugestão às capitais estrangeiras relevantes.

Asquith comentou com Venetia Stanley que estava preocupado com o fato de que a “Rússia está tentando nos arrastar para a guerra”.4 Ele lhe escreveu: “A notícia esta manhã é que a Sérvia tinha capitulado nos pon­tos principais, mas é muito duvidoso que quaisquer reservas venham a ser aceitas por Viena, que está determinada quanto a uma humilhação completa e final. O que é curioso é que em muitos, senão na maioria dos pontos, a Áustria tem uma boa causa, e a Sérvia, uma péssima. Mas os austríacos são perfeitamente o povo mais estúpido da Europa (assim como os italianos são os mais pérfidos) e há uma brutalidade em seu modo de proceder que vai fazer a maioria das pessoas pensar que se trata

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de uma grande potência intimidando arrogantemente uma pequena. De qualquer maneira, é a situação mais perigosa dos últimos quarenta anos.”

Esta não era necessariamente a opinião do gabinete de Asquith. Naquela noite, relata-se que o ministro das Finanças, David Lloyd George, disse outra coisa a um amigo: “Ele disse que a Áustria tinha feito exigências que nenhuma nação que se desse ao respeito poderia cumprir [...] ele disse que a situação era séria, mas que achava que have­ria paz — na verdade, ele pensava assim com muita convicção.”5

Em Britain and the Origins ofthe First World War [A Grã-Bretanha e as origens da Primeira Guerra Mundial] (1977), analisando as semanas seguintes ao assassinato de 28 de junho de 1914, Zara Steiner sugere: “Somente um calendário dos acontecimentos seria capaz de captar o sentido de tensão crescente e ilustrar a interação, entre todas as capitais, que redundou na ruptura do sistema de Estados europeu.”6

Enquanto estivermos falando de Berlim e Viena, há nisto um claro elemento de verdade. Mas não havia nenhuma tensão crescente dia a dia, por exemplo, em Paris, Roma ou Londres. A Áustria e a Alemanha conseguiram manter a sua conspiração em segredo das outras grandes potências por quase quatro semanas. Dos assassinatos na manhã de 28 de junho até a manhã de 24 de julho, não houve nenhum aumento significativo do nível de tensão.

Então, de repente, no fim de semana estival de 24 de julho, uma crise bélica plenamente amadurecida surpreendeu os líderes europeus. Ela os pegou desprevenidos. Até 23 de julho, o gabinete britânico não dedicou nenhuma atenção a assuntos externos; em 26 de julho, o minis­tro das Finanças ainda acreditava que a paz seria preservada.

Na Rússia, dois funcionários de Estado em sua folga de fim de semana encontraram-se casualmente no domingo: o embaixador alemão estava embarcando no mesmo trem que Sazonov, ministro das Relações Exte­riores russo. Isso aconteceu porque suas casas de verão eram próximas uma da outra. O embaixador tirou vantagem da situação para conven­cer Sazonov a rejeitar a proposta britânica de convocar uma conferência das potências: “Um fórum europeu”.7 Seria “improdutivo”, argumen­tou o embaixador; o mecanismo funcionaria muito devagar. Em

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vez disso, a Rússia deveria negociar diretamente com a Áustria. (Lon­dres, isto será lembrado, tinha decidido não fazer campanha em prol de negociações diretas porque a proposta bloquearia a sugestão mais pro­missora de uma conferência.) Segundo o embaixador alemão, a Áustria “não está pensando em engolir a Sérvia, mas apenas quer lhe dar uma merecida lição”. Sazonov, relatou o embaixador, prometeu seguir o con­selho: nada de conferência, negociações diretas.

Sazonov assumiu uma linha conciliadora. Expressou sua disposição de ver quase todas as exigências da Áustria atendidas. Na verdade, ele adiou açoes na direção da conferência britânica e explorou a possibilida­de de negociações diretas com a Monarquia Dual. Mas a Áustria se recu­sou a fazer qualquer concessão. Sazonov fora induzido a desperdiçar dias vitais.

Grã-Bretanha. O pessoal da reserva da Marinha retornou às suas casas imediatamente após os exercícios. As próprias frotas estavam programa­das para se dispersar na segunda-feira. No domingo, o primeiro lorde do mar, príncipe Louis de Battenberg, falou duas vezes ao telefone com o primeiro lorde do almirantado, Winston Churchill, que estava na praia. O príncipe Louis notificou a rejeição pela Áustria da resposta sérvia.

Ou Churchill ou o príncipe Louis deu ordens às esquadras para não se dispersarem e permanecerem onde estavam. Churchill foi para Londres, chegando às dez horas da noite. Foi encontrar-se com o secre­tário Grey, das Relações Exteriores, para discutir se seria útil fazer um anúncio público da ordem que fora dada. Grey disse que sim. Churchill fez o anúncio. Foi um tiro de advertência à frente da proa, destinado a chamar a atenção da Alemanha.

Contrariamente às opiniões dos seus colegas mais próximos no Ministé­rios das Relações Exteriores, que eram céticos com relação às intenções da Alemanha, Grey tendia a dar a Berlim o benefício da dúvida. Sua estratégia em 1914, como em 1913, era evoluir na direção de uma abor­dagem conjunta anglo-germânica, com base na teoria de que, agindo de outro modo, os alemães achariam que os britânicos estavam formando um bloco com a França e a Rússia. Em outras palavras, precisamente por causa da aliança informal entre Grã-Bretanha, França e Rússia, a Grã-

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Bretanha tinha de mover-se primeiro na direção da Alemanha, para não parecer que estava apoiando a França e a Rússia.

Não obstante, Berlim recusou a proposta de conferência de Grey, afirmando que seria uma arbitragem, uma censura à Áustria. Grey ne­gou, mas Jagow se recusou a aceitar a negativa. Neste ínterim, uma de­claração foi publicada num periódico quase oficial da Alemanha, a North German Gazette, apoiando totalmente a Áustria.

Nicolson, o chefe do Ministério da Relações Exteriores britânico, disse a Grey que “Berlim está brincando conosco”.8 Embora Nicolson não o dissesse, a estratégia de Grey se mostraria fútil se a Alemanha, em vez de ser neutra como a Inglaterra, fosse beligerante às escondidas - na verdade, patrocinadora secreta da Áustria. E este, com certeza, era o caso.

Paris. O coordenador político do Ministério das Relações Exteriores francês disse ao embaixador alemão que “para qualquer simplório, a ati­tude alemã seria inexplicável se o objetivo não fosse a guerra”. O embai­xador negou, mas nada sabia; Berlim o tinha deixado no escuro.

Viena. Jagow incitou Berchtold em Berlim a declarar guerra imediata­mente; antes que as outras potências se intrometessem para impor um acordo de paz. Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores austro- húngaro tentou exercer pressão sobre o chefe do seu Exército, Conrad, que no passado fora defensor persistente de fazer a guerra. Conrad afir­mou que não estava pronto. No relato de Conrad:9

BERCHTOLD: Nós gostaríamos de entregar a declaração de guerra à Sérvia o mais rápido possível, para acabar com as diversas influências. Quando o senhor quer a declaração de guerra?

EU: Só quando tivermos avançado o bastante para iniciar as opera­ções imediatamente - por volta de 12 de agosto.

BERCHTOLD: A situação diplomática não vai se manter por tanto tempo.

Conrad respondeu que a Áustria devia se conter. Olhando apenas a situação russa — o que pretendia a Rússia? —, era preciso esperar pelo menos até 4 ou 5 de agosto. “Assim não vai dar!”, exclamou Berchtold.

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O embaixador da Alemanha na Rússia relatou que teve uma longa reu­nião com Sazonov. O ministro das Relações Exteriores russo fora “con­ciliatório”. Frisou que estava pronto a exaurir todos os meios necessários para evitar a guerra. Ele também “rogou urgentemente” à Alemanha que fizesse todo o necessário para alcançar esse objetivo.10 Embora os sérvios fossem eslavos, a política russa não se orientava apenas por suas “simpa­tias”. Era guiada pela necessidade de manter o equilíbrio de poder e de proteger interesses considerados vitais.

O embaixador alemão relatou: “Eu salientei que [...] se a Áustria esti­vesse mesmo procurando um pretexto para atacar a Sérvia [...] nós já devía­mos ter sabido do começo de alguma ação da sua parte.”

Foi uma maneira engenhosa de tirar partido da lentidão exasperadora da Áustria. O governo civil austríaco estava tentando pôr seu Exército em movimento, e a Alemanha também estava pressionando os austría­cos a pegarem em armas.

Berlim. Moltke, o chefe do Estado-maior, voltou ao trabalho com seu vice desde a manhã de 26 de julho. Ele foi então ao Auswàrtiges Amt, o Ministério das Relações Exteriores alemão, para examinar questões com Jagow. Durante o encontro, Moltke forneceu a Jagow um esboço de ultimato para a Bélgica, a ser usado se e quando a guerra começasse. O documento conjeturava um conflito com a França, não com a Sérvia: uma guerra mais ampla, em vez de local.

Finalmente, Moltke se encontrou com o chanceler, que estivera ao telefone quase continuamente desde o seu retorno na véspera.

Segundo sua esposa, Moltke tinha ficado “muito insatisfeito” com a situação que encontrou ao retornar.11 E também os outros funcioná­rios e oficiais que retornaram naquele fim de semana para reuniões e trocas de opiniões. Nas três semanas em que deliberadamente estiveram afastados, a Áustria deveria ter subjugado a Sérvia, mas, em vez disso, não fizera sequer o primeiro movimento. A Rússia, que deveria ter sido mantida fora do negócio, estava tomando medidas militares prelimina­res. Os planos de Bethmann estavam desmoronando. A apresentação de um fait accompli — seu plano original — não tinha acontecido. A localiza­ção do conflito - seu segundo plano aperfeiçoado — tampouco estava acontecendo: a Grã-Bretanha considerava tomar iniciativas diplomáti­cas, e a Rússia pensava em agir militarmente.

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CAPÍTULO 34: 27 DE JULHO

O cáiser Guilherme II insistiu em retornar do seu cruzeiro em águas setentrionais. Ele interrompeu sua viagem quando ficou claro que

seu governo não o estava mantendo plenamente informado. Bethmann, figurativamente tremendo, senão literalmente, o encontrou à chegada para oferecer a sua demissão. Guilherme não o deixaria sair tão facil­mente. Segundo Biilow, predecessor de Bethmann, o cáiser disse algo como: “Você fez o caldo, agora vai ter de tomá-lo.”1 Mais tarde, instala­do em seu palácio em Potsdam, Guilherme se colocou ao par dos tele­gramas diplomáticos, e encontrou-se com os líderes do seu governo e das suas forças armadas.

Segundo o plano formulado em grande parte por Bethmann em 5-6 de julho, Guilherme deveria ter retornado para encontrar o Exército Habsburgo ocupando Belgrado, supervisionando o cumprimento dos termos de rendição acordados por uma Sérvia subjugada. Tudo teria acontecido rápido demais para que potências externas pudessem impe­dir. Seria tarde demais para elas fazerem alguma coisa. A Rússia e seus aliados teriam de curvar-se ante o inevitável.

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Mas nao foi o que aconteceu. O que Guilherme encontrou foi que a Áustria-Hungria tinha deixado passar uma chance de humilhar a Sérvia pacificamente. Agora a Sérvia estava se aprontando para tomar uma ati­tude, a frota britânica estava mobilizada e a Rússia tinha dado o primei­ro passo na preparação para a guerra. A Grã-Bretanha estava pressionando para uma conferência diplomática que pudesse resolver a disputa em bases menos favoráveis do que os termos que a Áustria já havia recusado em 25 de julho.

Ao retornarem das suas férias encenadas, os líderes das potências germanófonas tiveram de tomar decisões sobre o seu próximo passo. Aquela se mostraria uma semana decisiva. O que os elementos-chave dos governos alemão e austríaco identificaram como perigo imediato foi que a proposta de Grey de mediação pelas quatro potências poderia ter êxito, evitando a eclosão da guerra. Nos Ministérios das Relações Exte­riores de Viena e de Berlim, o 27 de julho viu desencadear-se o começo de um pânico da paz.

Por sua conta, a Alemanha rejeitou a idéia de conferência. O governo alemão concordou em remeter a proposta à Áustria-Hungria, mas ao mesmo tempo sabotou secretamente os esforços de Grey para obter o acordo de Viena.

Bethmann explicou a um dos seus funcionários por que se sentiu obrigado a remeter a proposta. “Como já rejeitamos uma proposta bri­tânica de conferência, não é possível nos recusarmos” a repassar sua idéia.2 “Se rejeitarmos todas as tentativas de mediação, o mundo inteiro vai nos responsabilizar pela conflagração e nos caracterizar como fomentadores da guerra. Isto tornaria a nossa posição insustentável aqui na Alemanha, onde temos de aparecer como se a guerra nos tivesse sido imposta.” Bethmann, que até então vinha falando de a Áustria entrar em guerra, de repente estava falando de a Alemanha entrar em guerra.

O governo alemão remeteu os planos de paz da Grã-Bretanha en­quanto aconselhava secretamente os austríacos a não dar atenção. O embaixador austríaco em Berlim passou um cabo para Bethmann em Viena com uma mensagem “na mais estrita privacidade” de Jagow, que dÍ7.ia que em breve a Alemanha enviaria as propostas de mediação de Grey. “O governo alemão garante da maneira mais decisiva que não se

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identifica com essas proposições, que ao contrario, aconselha a descon- siderá-las, mas precisa retransmiti-las, para satisfazer o governo inglês.” Berlim esperava impedir que a Grã-Bretanha se alinhasse com a França e a Rússia: “Se a Alemanha dissesse francamente a Sir E. Grey que se recusava a comunicar o plano de paz da Inglaterra, este objetivo poderia não ser alcançado.”3

Jagow relatou que Grey tinha lhe pedido para remeter um apelo para modificar o ultimato austríaco. Ele explicou aos colegas que havia enviado a mensagem ao seu embaixador em Viena, mas sem instruí-lo a entregá-la aos austríacos. Assim, concluía Jagow, ele poderia dizer ho­nestamente a Grey que tinha remetido a nota britânica “a Viena”.

Bethmann continuou a adotar a sua linha da semana anterior: as outras potências deveriam ficar fora do conflito entre a Áustria e a Sérvia. Conseqiientemente, os britânicos deveriam usar sua influência para con­vencer a Rússia a aceitar a “localização”. Grey destacou que, na sua res­posta às exigências da Áustria, a Sérvia tinha cedido praticamente em tudo, e Grey atribuiu tal atitude à pressão exercida pela Rússia sobre a Sérvia. A pedido da Grã-Bretanha, a Rússia tinha refreado a Sérvia; e agora a Grã-Bretanha estava pedindo à Alemanha para usar sua influência para conter a Áustria.

Mas a Alemanha rejeitou a proposta de Grey. Jagow afirmou que a Rússia e a Áustria estavam prestes a entrar em negociações, e que era preciso esperar o resultado antes de fazer qualquer outro movimento. Como antes, ele estava usando a proposta de negociações para bloquear a proposta de conferência.

Londres. Numa reunião do gabinete naquela manhã, Grey disse a seus colegas que chegara a hora de decidir se estavam ou não preparados para apoiar a França e a Rússia se a guerra estourasse. Era a primeira reunião do gabinete inteiramente dedicada à crise bélica na Europa. O Partido Liberal no governo tendia a uma perspectiva pacifista. Nenhum tratado obrigava a Grã-Bretanha a ajudar a França, e o gabinete se opunha es- magadoramente a intervir numa guerra européia.

Grey ainda estava concentrado em impedir a eclosão da guerra, mas acreditava que, se não pudesse evitá-la, a Grã-Bretanha tinha de participar. O primeiro-ministro Asquith estava vigorosamente disposto

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a apoiar seu secretário das Relações Exteriores, mas sua principal preo­cupação era manter o seu Partido Liberal unido no apoio à política ado- tada, fosse qual fosse.

Após a reunião do gabinete, Winston Churchill começou a traçar planos para garantir a prontidão da força naval. Ele estava em seu ele­mento. Tinha experiência de campo de batalha na índia e no Sudão, e seus feitos notáveis como civil na Guerra dos Bóeres tinham ajudado a lançar sua carreira política. Embora não fosse um fomentador de guer­ras, foi no fragor dos Exércitos que se notabilizou.

À tarde, ele começou a dispor proteções em pontos vulneráveis, a tomar precauções contra ataques surpresa. O seu Almirantado se juntou ao Ministério da Guerra, reunindo um pequeno grupo para avaliar a melhor maneira de pedir autocensura à imprensa; informações úteis não podiam ser reveladas ao inimigo.

O figurão da imprensa George Riddell, que estava entre os presen­tes, registrou posteriormente em seu diário que um porta-voz do gover­no “nos informou que a situação continental estava se tornando muito séria.4 Ele disse que poderia ser necessário deslocar tropas e navios [...] secretamente”, e perguntou como evitar que a notícia fosse publicada. Riddell rascunhou uma carta aos jornais, a qual foi divulgada “e consti­tuiu a primeira sugestão oficial à imprensa sobre a guerra iminente. O resultado foi notável. Nenhuma informação era divulgada, e os alemães estavam alheios ao que estava sendo feito”.

Naquela noite, Churchill colocou suas forças em alerta informal. Ele passou um cabo às frotas da Marinha Real espalhadas em todo o mundo: “Secreto. Situação política européia mostra que guerra entre potências Tríplice Aliança e Tríplice Entente definitivamente não é impossível.5 Este não é um Telegrama de Alerta, mas estejam prepara­dos para vigiar possíveis navios de guerra [...] Medida é puramente preventiva.”

Paris. Os embaixadores alemão e austríaco em Paris foram mantidos na ignorância dos planos e do pensamento dos seus respectivos governos. Isto acrescentou uma dose extra na confusão dos acontecimentos, con­forme vistos naquela capital efetivamente sem comando, cujos líderes do governo ainda estavam ao mar.

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O embaixador austríaco ficou obviamente admirado de o seu go­verno rejeitar a nota sérvia de quase rendição. Ele disse a seus superiores em Viena: “A ampla aquiescência da Sérvia, que aqui não era tida como possível, produziu uma forte impressão. Nossa atitude dá lugar à opi­nião de que queremos a guerra a qualquer preço.”

Londres. Como anglófilo que era, Lichnowsky, embaixador da Alema­nha em Londres, nem sempre recebia a confiança de Berlim. Em 27 de julho, ele questionou vigorosamente a avaliação dos seus superiores. Como poderia ele advogar a localização do conflito, como o Ministério das Relações Exteriores lhe dissera para fazer, quando a hostilidade entre a Sérvia e a Áustria não podia ser localizada — e quando a Grã-Bretanha sabia? A Áustria-Hungria tinha armado a briga de modo a forçar a Rússia a intervir. A pequena guerra podia estar levando a uma grande guerra.6 “As nossas relações futuras com a Inglaterra dependem inteiramente do êxito” da iniciativa de Grey em prol de uma conferência.7 Se Berlim tudo sacrificar à sua aliança com a Áustria, “nunca mais será possível restaurar os laços que ultimamente mantiveram [a Grã-Bretanha e a Ale­manha] [...] juntas”.8

A tendência de Grey na crise tinha sido de buscar a parceria da Alemanha para lidar com o problema. O argumento de Lichnowsky ao seu governo era que, se Berlim mantivesse o curso, no futuro Grey dei­xaria de fazê-lo. Funcionários de primeiro escalão do Ministério das Relações Exteriores britânico já criticavam Grey a este respeito. E tam­bém alguns líderes estrangeiros.

Naquela noite, ao jantar, um diplomata russo disse a um político britânico que a “guerra é inevitável e por culpa da Inglaterra; que se a Inglaterra tivesse declarado de uma vez a sua solidariedade com a Rússia e a França e sua intenção de lutar se necessário, a Alemanha e a Áustria teriam hesitado”.9

Berlim. Desde o conselho de guerra de dezembro de 1912, pelo menos, os líderes militares alemães vinham se concentrando em culpar a Rússia pelo conflito europeu, que eles próprios previam e consideravam inevi­tável. Esta tinha sido, e continuava a ser, a linha de Moltke. Ela foi ecoada em 27 julho pelo almirante von Muller: a Alemanha devia, escre­

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veu ele em seu diário, “permanecer calma e deixar a Rússia isolar-se, mas então não se encolher diante de uma guerra se ela for inevitável”.10 Bethmann concordava com o militar num aspecto: “Em todo caso, a Rússia tem de ser implacavelmente isolada”, disse ele a Guilherme.

Viena. Depois de conversar com outros embaixadores, o embaixador britânico passou um telegrama a Grey dizendo que “a nota austro-hún- gara fora composta para tornar a guerra inevitável; que o governo austro- húngaro estava totalmente determinado a entrar em guerra com a Sérvia; que eles consideravam que a sua posição como grande potência estava ameaçada”, e que “o país tinha ficado tremendamente entusiasmado com a perspectiva de guerra com a Sérvia”.11

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CAPÍTULO 35: 28 DE JULHO

T T iena. Conforme a decisão alcançada em 25 de julho, a Áustria- r Hungria ordenou a mobilização parcial em 28 de julho. Metade

do Exército dos Habsburgo recebeu finalmente ordens para tomar posi­ções ao longo da fronteira sérvia. A manobra foi feita segundo o plano do Estado-maior austríaco para a guerra apenas contra a Sérvia. Isso representava uma aposta na localização. Conrad solicitou a Berchtold que pedisse à Alemanha para impedir a Rússia de intervir.

Os líderes alemães continuaram as discussões que tinham começado no fim de semana. Em 28 de julho, ficou claro que, apesar das diferenças entre eles, estavam com vontade de agir. Estavam dispostos a deixar de esperar a Áustria fazer alguma coisa. Por sua conta, estavam dispostos a fazer andar a coisa. Segundo o ministro da Guerra: “Acaba de ser decidi­do resolver a questão pela luta.”1 Eles não estavam falando de lutar con­tra a Sérvia. Estavam falando de lutar contra a Rússia e a França.

A posição mais extrema era às vezes tomada por Moltke. Como fizera no passado, ele argumentava a favor de uma guerra preventiva.

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Sua posição era de que a guerra era inevitável, que o tempo estava cor­rendo contra a Alemanha, e que em um ou dois anos a vantagem muda­ria de lado: em 1914, a França e a Rússia podiam ser batidas, mas em 1916 ou 1917, a Alemanha podia perder. Por conseguinte, a Alemanha tinha de atacar imediatamente.

A crise de julho, como Moltke a via, evoluíra, felizmente para a Alemanha, de modo a colocá-la numa “posição singularmente favorá­vel”.2 As colheitas já haviam acontecido, o treinamento anual de recru­tas estava concluído, e a Rússia e a França não estariam realmente prontas antes de dois anos. A Áustria tinha se colocado numa posição em que não podia deixar de lutar ao lado da Alemanha, e isto era absolutamente vital. Como resumiu Moltke: “Nunca mais teremos uma chance tão boa como a que temos agora.”

Na manhã de 28 de julho, o cáiser Guilherme, que retornara do seu cruzeiro no dia anterior, leu - pela primeira vez — a resposta Sérvia à nota austríaca. Convenceu-se, e o escreveu à mão para Jagow no Minis­tério das Relações Exteriores, que a Áustria tinha conseguido quase tudo o que queria. Na opinião dele, tratava-se da “mais humilhante capitula­ção”, e consequentemente, “cai por terra todo motivo de guerra”. Poucas linhas depois, ele se repetiu: “Dissipou-se todo motivo de guerra.”3

Não havia mais qualquer necessidade de iniciar uma guerra. Na verdade, segundo Guilherme, à diferença de Berchtold, “Eu nunca teria ordenado uma mobilização nessas bases”.4

“Entretanto, pode-se considerar que o pedaço de papel, assim como o seu conteúdo, tem pouco valor se não for traduzido em ações? Os sérvios são orientais, portanto mentirosos, embusteiros e mestres do subterfúgio.” Então, deve-se consentir que o Exército austríaco ocupe temporariamente parte da Sérvia, inclusive Belgrado, como refém, até que a Sérvia cumpra sua palavra. Nessas bases, escreveu o cáiser, “estou pronto a mediar em prol da paz”. Esta resolução daria aos Exércitos dos Habsburgo, uma vez tendo ocupado Belgrado, a satisfação de ter alcan­çado êxito. Mediando pela paz, escreveu Guilherme, ele teria o cuidado de salvaguardar a honra e a auto-estima da Áustria-Hungria.

O cáiser deu ordens a Jagow para informar Viena de que ele estava preparado para mediar o conflito Áustria-Sérvia nas bases que descreveu.

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Era preciso dizer aos austríacos que não havia mais qualquer razão para entrar em guerra.6 O cáiser também notificou Moltke, por escrito, da mesma conclusão.

Como escreve Christopher Clark, um dos biógrafos recentes do cáiser: “Talvez o mais surpreendente nessa carta do 28 de julho para Jagow é que ela não foi posta em prática [...]7 Suas instruções não tive­ram nenhuma influência sobre as representações de Berlim em Viena. Bethmann realmente mandou um telegrama para Viena, repetindo al­gumas das opiniões do cáiser, mas omitindo a mais importante: que a Áustria deveria parar, não entrar em guerra, permitindo, em vez disso, que o cáiser mediasse a disputa com a Sérvia.”

Um general bávaro anotou em seu diário que “infelizmente [...] havia notícias de paz. O cáiser quer absolutamente a paz. [...]8 Ele quer até influenciar a Áustria, e fazê-la parar de avançar”.

Segundo o ministro da Guerra, von Falkenhayn, o cáiser “fazia discursos confusos, que davam a clara impressão de que não queria mais a guerra e estava determinado a [evitá-la], mesmo que isso significasse9 deixar a Áustria-Hungria em apuros”.10 Mas Falkenhayn relembrou ao cáiser que ele “já não tinha mais o controle da questão nas suas mãos.” Em outras circunstâncias, isso teria parecido uma insubordinação cho­cante. Porém, desde o incidente com o Daily Telegraph, em 1908,* a posição do imperador era precária. Em maio de 1914, apenas dois meses antes do lembrete de Falkenhayn, Edward House, enviado do presiden­te Wilson, havia relatado de Berlim que a “oligarquia militar” era supre­ma, estava “determinada quanto à guerra” e preparada para “destronar o cáiser tão logo ele desse sinais de assumir um curso que levasse à paz”.11 É claro, Guilherme, cuja relação com o real era bastante débil, podia não ter plena consciência dos perigos da sua posição. Alternativamente, House pode ter exagerado.

Mas não pode haver dúvidas de que o imperador não tinha consci­ência de muita coisa que estava em curso. Com certeza, entre as coisas que Guilherme não sabia estava o fato de que, no dia anterior, Jagow havia enviado um telegrama urgente para Viena, instando — decerto pra­

* Ver p. 90.

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ticamente ordenando — que o governo austríaco declarasse guerra à Sérvia imediatamente. Jagow advertiu que a proposta inglesa de conferência para preservar a paz não podia ser repelida por muito mais tempo. O ministro das Relações Exteriores alemão nem consultou o cáiser antes de enviar esta advertência, e nem o informou depois de tê-la enviado.

Na Áustria, o monarca relutante também foi deixado para trás. O imperador Francisco José estava hesitante quanto a declarar guerra, e seus ministros eram obrigados a obter seu assentimento para poder fazê- lo. Berchtold obteve o consentimento informando — falsamente — que tropas sérvias tinham aberto fogo contra forças austríacas. Na verdade - e foi apenas um incidente isolado - , as tropas austríacas tinham aberto fogo contra os sérvios.12

Viena. Era a GUERRA. A decisão fora tomada um dia antes. Respon­dendo à pressão do Ministério das Relações Exteriores alemão, a Áustria finalmente declarou guerra à Sérvia. Segundo o embaixador alemão, a declaração foi feita “principalmente para frustrar qualquer tentativa de intervenção”.13

Como em tantas outras coisas, os austríacos agiram atrapalhada­mente. Enviar a declaração por mensageiro sob bandeira de paz não era exequível, pois até a declaração ter sido recebida, os países não estariam em guerra, sendo a bandeira branca por isto inadequada. Não tendo mais representação em Belgrado, o governo Habsburgo enviou sua de­claração ao governo sérvio por telegrama. Não havia certeza de que seria recebido — ou de que seria recebido pela pessoa certa. Ocorre que o governo sérvio, uma vez tendo recebido o curioso cabo, passou um ou­tro às principais capitais da Europa perguntando se aquilo era trote. A declaração de guerra fazia alusão ao suposto ataque contra forças austrí­acas por tropas sérvias.

Conrad, chefe do Estado-maior da Áustria, tinha se oposto à decla­ração. Queria esperar mais umas duas semanas até seus Exércitos esta­rem prontos para marchar. Porém, surpreendida pela diplomacia internacional, a Áustria-Hungria tinha ficado sem tempo.

Naquela mesma noite, a artilharia austríaca, breve e ineficiente­mente, bombardeou Belgrado através da estreita fronteira do rio Danúbio.

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Paris. A França nada sabia sobre a crise bélica; a notícia que todos co­mentavam era que a senhora Caillaux havia sido absolvida!

São Petersburgo. A Rússia iniciou a mobilização em quatro regiões militares que haviam sido previamente alertadas em “preparação para as etapas da guerra”.

Sem saber que o seu próprio Ministério das Relações Exteriores estava anulando os esforços que ele havia empenhado para conter os austría­cos, Guilherme enviou uma mensagem ao tsar. Ele lembrava seu primo que “nós dois, você e eu, temos o interesse comum, bem como todos os soberanos”, de punir os sérvios por matarem membros de uma família governante. “Neste particular, a política não desempenha nenhum pa­pel.” Porém, continuou o cáiser: “Por outro lado, entendo plenamente o quanto é difícil para você e o seu governo enfrentarem o ímpeto da opinião pública.” O nacionalismo russo, incerto, mas todavia uma for­ça, era um fato da vida política para Nicolau. (Soubesse Guilherme ou não, pressões pró-mobilização também estavam sendo exercidas pelo Estado-maior russo.) O cáiser protestou a sua “sincera e afetuosa amiza­de” e lhe garantiu: “Estou exercendo minha máxima influência para in­duzir os austríacos a lidar corretamente com a situação.”

Essa mensagem — a primeira na correspondência entre Gui e Nic após a Áustria declarar guerra à Sérvia - cruzou no caminho com uma outra do tsar: “Estou feliz que tenha voltado [...] peço-lhe para ajudar- me. Uma guerra ignóbil foi declarada contra um país fraco [...] [E]m breve eu serei sobrepujado pela pressão exercida sobre mim [...] para tomar medidas extremas que levarão à guerra. Para buscarmos evitar uma calamidade do porte de uma guerra européia, eu lhe rogo, em nome da nossa velha amizade, para fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedir os aliados de irem longe demais.”

Londres. Grey retornou à visão de que negociações diretas entre a Rússia e a Áustria propiciariam a melhor possibilidade de manter a paz.

Berlim. Bethmann voltou sua atenção para o objetivo de pôr a Alema­nha numa posição de travar uma guerra de grande porte. Discordâncias

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internas eram o seu principal obstáculo, pois então o governo tinha aberto negociações com o Partido Social Democrata (SPD), em vista de garan­tir um acordo de lealdade dos representantes da classe trabalhadora em caso de guerra. A preocupação era genuína. O comité executivo do SPD, denunciando “a frívola provocação do governo austro-húngaro”, tinha convocado seus simpatizantes a irem para as ruas.14 O jornal deles prog­nosticou que a guerra traria a revolução na sua esteira. Manifestações em Berlim em 28 de julho, que a polícia tentou reprimir, trouxeram a vio­lência para a própria capital e pareceram ser apenas um preâmbulo de mais distúrbios a vir.

Entretanto, Bethmann marcou um ponto ao negociar com a lide­rança do SPD um acordo de alinhamento com o governo naquele mo­mento de perigo nacional.

Nesse ínterim, o cáiser, ainda sem saber que a sua decisão pela paz tinha sido sabotada por seus subordinados, perguntava-se confusamente se não tinha agido tarde demais. Ele observou que “a bola estava rolan­do” e “já não podia mais ser detida”.

Londres. Churchill informou ao rei George as várias medidas tomadas pelo Almirantado para colocar a Marinha “em bases preparatórias pre­ventivas”.15 Após detalhar muitos dos passos que foram dados, ele garantiu ao monarca: “Não é necessário enfatizar que essas medidas não prejudicam de maneira alguma uma intervenção, ou que tomem por líquido e certo que a paz das grandes potências não será preservada.”

À meia-noite, Churchill escreveu à sua esposa: “Minha querida e bela, tudo tende à catástrofe e ao colapso.”16 A Grã-Bretanha não era, continuava ele, “em nenhum grau significativo responsável pela onda de loucura que varreu o equilíbrio da cristandade”.

O primeiro-ministro Asquith escreveu à sua confidente, Venetia Stanley, que acabara de ser informado que o governo francês estava or­denando importantes vendas de papéis na Bolsa de Londres para levan­tar dinheiro: “Parece agourento.” 17A casa inglesa dos Rothschild, a quem a ordem foi dada, se recusou a executá-la. Asquith recebeu um telegrama informando “que a Áustria ordenara a guerra!”. Venetia Stanley dizia às vezes ao primeiro-ministro que havia dias em que gostaria de trocar de lugar com ele; este, sugeriu ele, provavelmente não seria um deles.

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CAPÍTULO 36: 29 DE JULHO

Tyotsdam. Gui passou um telegrama a Nic dizendo que a Rússia real- J . mente podia ficar fora do conflito. “Acho um entendimento direto entre o seu governo e Viena possível e desejável”, e - o cáiser não sabia que não era verdade — “o meu governo continua a empenhar-se em promovê-lo”. Contudo, Guilherme advertia que se a Rússia tomasse medidas militares que ameaçassem a Áustria, tais medidas redundariam em guerra, em vez de paz.

Nic respondeu, indicando que o que o intrigava era que o que esta­va ouvindo do cáiser não era o que estava ouvindo do embaixador do cáiser. “Por favor, esclareça a diferença”, escreveu ele. Nicolau insistiu em que o conflito austro-sérvio fosse encaminhado a Haia* para julga­mento. “Confio na sua sabedoria e amizade.”

Quando ficou claro que a Rússia poderia de fato intervir se a Sérvia fosse ameaçada de destruição, questões se impuseram ao espírito dos generais

* Sua referência teria sido à Corte Permanente de Arbitragem, estabelecida em Haia pela Convenção para a Solução Pacífica de Disputas Internacionais (1899).

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austríacos. Foram encaminhadas ao ministro das Relações Exteriores alemão, Jagow. Dois dias antes, ele tinha dado garantias oficiais ao go­verno russo de que Berlim não tinha objeções a uma mobilização parcial russa, desde que não fosse dirigida contra a Alemanha.

Os austríacos mostraram aos seus colegas alemães que a mobilização parcial russa ordenada era dirigida contra a Áustria. Se a decisão conti­nuasse com efeito, não significaria ela que quando a Áustria enviasse seus Exércitos contra a Sérvia, a Monarquia Dual ficaria sem defesa con­tra um ataque russo pela retaguarda? Conrad ainda esperava que a Alemanha pudesse dissuadir a Rússia, e tomou suas decisões precipita­damente, supondo que a Alemanha teria êxito em fazê-lo.

Nas conversas com o enviado russo, Jagow inverteu então a sua posição. Em vista da mobilização parcial da Rússia, “a Alemanha seria provavelmente obrigada a mobilizar-se; nada mais restava a fazer, e está na hora de os diplomatas deixarem a discussão para os canhões”.1 Se com isto pretendia convencer os russos a suspenderem a sua mobilização parcial, não alcançou o propósito.

Moltke entregou ao seu governo um memorando que redigira sobre a situação vigente. Ele havia esperado, como os seus colegas mi­litares, que a Áustria não começasse as hostilidades ainda por cerca de mais duas semanas. Assim como o cáiser, ele não sabia que Jagow vi­nha pressionando Viena a agir imediatamente. Assim, Moltke fora pego de surpresa pela declaração de guerra da Áustria. Em seu memorando, analisava as consequências da iniciativa austríaca. A iniciativa da Áus­tria estava fadada a desencadear uma série de acontecimentos que con­duziriam a Alemanha à guerra contra a Rússia. Segundo Moltke, “os Estados civilizados da Europa começarão a dilacerar-se”. Seria preciso um milagre para impedir a eclosão de uma “guerra que aniquilará a civi­lização da Europa quase toda durante as próximas décadas”.2

Contudo, aquele era um preço que ele estava preparado para pagar. A pergunta que Moltke estava fazendo ao seu governo era essencialmen­te se ele ainda acreditava que podia manter o conflito localizado e assim evitar as consequências terríveis que ele estava prevendo?

O cáiser convocou seus chefes militares a Potsdam, para discutirem suas conversações com Bethmann. Nas palavras de Tirpitz, que estava presente, o cáiser disse que o seu chanceler “tinha ficado completamente

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prostrado”, e Guilherme “se expressou em reservas sobre a incompetên­cia de Bethmann”.3

Bethmann, na verdade, tinha, por sua conta, estabelecido dois ob­jetivos. Um deles era garantir a aceitação da política de guerra pelos trabalhistas e pela esquerda - o que ele alcançara. O outro era conseguir uma promessa de neutralidade da Inglaterra — o que ele não alcançara. Manter a Grã-Bretanha fora da guerra era importante para Bethmann, embora absolutamente não o fosse para os chefes militares da Alemanha.

Segundo Tirpitz, na conferência de Potsdam, o “cáiser informou o grupo que o chanceler havia proposto que, para manter a neutralidade da Inglaterra, nós deveríamos sacrificar a frota alemã em troca de um acordo com a Inglaterra, o que ele, o cáiser, havia recusado”.4

A conferência decidiu que nada seria feito até Viena responder à proposta do cáiser de parar em Belgrado e então terminar a guerra. Bethmann enviara finalmente a proposta, ao mesmo tempo em que a sabotava. Ele a tinha despachado com instruções ao seu embaixador, de garantir que os austríacos compreendessem que a Alemanha não queria “contê-los”; ele desejava salientar para Viena que o propósito da propos­ta era apenas propagandístico.

Mas depois da censura do cáiser em Potsdam, Bethmann ficou emo- cionalmente prostrado e tentou desesperadamente mudar de posição. Mergulhou-se em esforços para convencer Viena a fazer precisamente aquilo que, apenas um dia antes, ele tinha dado a entender que Viena não devia fazer. Às dez horas da noite, ele enviou um telegrama aberto à Áustria-Hungria perguntando se sua mensagem do dia anterior sobre parar em Belgrado havia sido recebida. Doze minutos mais tarde, impa­cientemente, ele telegrafou outra vez.

Naquela altura, o chanceler já estava informado de que, indepen­dentemente uma da outra, a Itália e a Grã-Bretanha tinham proposto planos de manutenção da paz que eram muito semelhantes ao plano de parada em Belgrado do cáiser. Pareceu então que, se Bethmann e Jagow tivessem seguido lealmente as instruções de Guilherme no dia anterior e posto todo o peso da Alemanha sobre a sua aliada, a crise bélica teria sido resolvida.

Em vez disso, no anoitecer do dia 29, Bethmann, para escapar da ira do cáiser, teve de limitar-se a esperar que a Áustria-Hungria também estivesse propensa a mudar de curso.

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Bethmann telegrafou então ao seu embaixador na Áustria:5 “Estamos preparados, é claro, para cumprir nosso dever como aliados, mas não devemos nos deixar arrastar por Viena, irresponsavelmente e sem consi­deração por nosso conselho, a uma conflagração mundial.” Ele disse ao seu embaixador para convencer Berchtold que a Áustria devia pelo me­nos fazer jogo de cena: “Para evitar uma catástrofe generalizada, ou pelo menos desacreditar e pôr a culpa na Rússia, nós devemos urgentemente aconselhar Viena a iniciar e perseverar em conversações.”6

Mas ao mesmo tempo Moltke passava um telegrama para Conrad, instando a mobilização plena da Áustria. Talvez isso fosse indicativo da preocupação justificada de Moltke de que a Áustria viesse a mobilizar-se contra a Sérvia, em vez de contra a Rússia.

Não obstante, Berchtold estava certo de perguntar, como pergun­tou ao ler a mensagem do chanceler: “Quem governa em Berlim — Moltke ou Bethmann?”7 Um telegrafava a guerra enquanto o outro telegrafava a paz. De qualquer modo, Bethmann estava muito atrasado. Seu telegra­ma chegou horas depois de Viena, respondendo ao telegrama de Moltke, ordenar a mobilização total.

Mais cedo naquele dia, em Londres, Grey havia pedido ao embaixador alemão para ir encontrar-se com ele. O secretário das Relações Exterio­res e Lichnowsky conversaram como velhos amigos, mas ao considerar a eclosão de uma guerra européia, Grey “não queria que ele se deixasse levar pelo tom amistoso da nossa conversação - que eu tinha esperanças de que perdurasse - à idéia de que nós devêssemos ficar de fora”, e “eu não queria dar campo a qualquer repreensão da parte dele de que o tom amistoso de todas as nossas conversações o teria induzido, ou o seu go­verno, a supor que não empreenderíamos nenhuma ação”.

Em linguagem diplomática, isso era uma ameaça de guerra.8 Mas Grey sabia que, pelo menos naquele momento, o seu governo não a estava apoiando.

Foi durante essa conversa com Lichnowsky que Grey fez a sua proposta de parada em Belgrado, que era tão parecida com a do cáiser Guilherme. Quando Lichnowsky o informou, o cáiser comentou: “Há dias nós vimos tentando conseguir isto, em vão.” 9 Ele não sabia que Bethmann e Jagow tinham lhe passado à frente em Viena em 27 e 28

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de julho, nem que a proposta só fora encaminhada com urgência apenas havia horas, não dias.

Lichnowsky informou que Londres estava firmemente convencida de que, “a menos que a Áustria desejasse abrir uma discussão sobre a questão Sérvia, a guerra mundial era inevitável”.10 Na opinião de Grey: “Se a guerra estourar, vai ser a maior catástrofe que o mundo já viu.” O comentário do cáiser sobre isso foi de que a culpa seria da Inglaterra; tudo que a Grã-Bretanha tinha a fazer era dizer a sua posição, disse ele, e a França e a Rússia se acalmariam e não haveria guerra. “A Inglaterra detém sozinha a responsabilidade da guerra ou da paz”, escreveu ele.11

“Uma das ironias do caso”, escreveu Asquith à sua amiga Venetia Stanley, “é que sendo nós a única potência que chegou a fazer uma sugestão construtiva na direção da paz, tanto a Alemanha como a Rússia nos acusam de provocar a deflagração da guerra.12 A Alemanha diz: ‘se dis­sessem que serão neutros, a França e a Rússia não ousariam lutar’, e a Rússia diz: ‘se declarassem com ousadia que iam ficar do nosso lado, a Alemanha e a Áustria conteriam imediatamente os seus ímpetos.’ Nada disso é verdade, é claro”.

Neste dia, o gabinete aprovou a publicação de um alerta geral, que foi enviado às bases inglesas em todo o mundo. Várias e extensivas pre­cauções foram tomadas. Em termos técnicos, o “Livro de Guerra” foi aberto pelo secretário do Comité de Defesa Imperial. Contudo, a maio­ria dos membros do gabinete pretendia manter a Grã-Bretanha fora do conflito.

Winston Churchill temia que a opinião do gabinete e do Partido Liberal no governo ainda se inclinasse à neutralidade. Secretamente, ele enviou uma mensagem ao seu mais íntimo amigo conservador, F. E. Smith, pedindo-lhe para sondar a liderança do seu partido sobre a pos­sibilidade de formar uma coalizão de governo apoiada por liberais pró- intervenção — segundo toda probabilidade uma minoria dentro daquele partido - e todos os conservadores. Smith comprometeu-se a conversar com os outros líderes partidários na oportunidade então já marcada para dois dias depois, num fim de semana no campo.

Churchill tinha preocupações mais urgentes. Como primeiro lorde do Almirantado, estava preocupado com a vulnerabilidade da Marinha

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a ataques de surpresa. Ele queria deslocar as frotas para as suas bases de tempos de guerra no bem protegido norte. Porém, recordou-se ele mais tarde, ele não queria pedir ao gabinete aprovação para esta iniciativa, que poderia ser interpretada como provocativa. Em vez disso, ele foi ver o primeiro-ministro com a sua proposta, e decidiu interpretar uma es­pécie de grunhido de Asquith como uma aprovação.

O movimento foi feito em segredo, e a parte crucial da jornada para a segurança teve lugar à noite - no relato de Churchill, “ao cair da noite, 18 milhas de navios de guerra em alta velocidade e na mais com­pleta escuridão através de estreitos apertados, levando consigo às vastas águas do Norte a salvaguarda” das forças britânicas.13

Paris. Jean Jaurès, ídolo pacifista da esquerda francesa, é assassinado por um fanático nacionalista. Por mais de uma semana, Jaurès vinha elogiando os esforços do governo Poincaré-Viviani para manter a paz. Inesperadamente, sua morte unificou o país em apoio ao governo.

Berlim. Numa hora tardia — na verdade, por volta da meia-noite —, Bethmann convocou o embaixador inglês, Sir Edward Goschen, à sua residência. O chanceler pediu a Goschen para transmitir uma oferta a Londres: se a Grã-Bretanha concordasse em permanecer neutra na guer­ra que poderia começar rapidamente, a Alemanha respeitaria a indepen­dência e a integridade da Holanda, e não procuraria adquirir territórios franceses — promessa esta de que as colónias francesas estavam excluídas. Goschen de fato transmitiu a mensagem ao Ministério das Relações Ex­teriores, onde ela foi recebida na manhã seguinte, encolerizando Grey quando a leu.

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CAPÍTULO 37: 30 DE JULHO

O embaixador da França em São Petersburgo, Paléologue, foi acusa­do durante anos por historiadores - erradamente, agora acredita­

mos - de ter deixado, na noite de 29 a 30 de julho, de notificar seu governo de que a Rússia estava mobilizando as suas tropas. A pesquisa de Jean Stengers mostrou que os russos - sem confiar em Paléologue - nada lhe contaram.1 Quando a França soube de fato do movimento imi­nente, era tarde demais para deter os russos.

A quinta-feira 30 de julho foi um dia que muitos historiadores mais tarde considerariam fatídico, e começou mal. Na noite anterior, o go­verno alemão, concordando atrasadamente com o cáiser, enviara uma mensagem a Viena, dizendo à Áustria-Hungria para aceitar a fórmula de parada em Belgrado para retirar-se da guerra - ou isso ou perder o apoio da Alemanha. Mas Berchtold afirmou não ser capaz de dar uma resposta na circunstância em curso. Foi extremamente frustrante porque, como observou Guilherme, a Alemanha, a Grã-Bretanha e a Rússia pareciam todas concordar com a proposta de parar em Belgrado.

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Guilherme desalentou-se. Recebeu notícias de que a Áustria- Hungria desejava ter conversações com a Rússia: “Temo que seja tarde demais”, foi o seu comentário.2 “Começar! Agora!”, exclamou ele. Inter­pretando essas observações a seu próprio modo, Bethmann instou Berchtold a pelo menos cumprir as formalidades de busca de um arranjo pacífico, pois de outro modo - se Viena disser não — “não será mais possível pôr a culpa do início da guerra européia nos ombros da Rússia”.3 O cáiser só estava tentando negociar um final para a crise porque “não podia recusar-se a fazê-lo sem criar a suspeita inegável de que nós quería­mos a guerra”.4 Ele acrescentou que se “Viena rejeitar tudo, Viena estará dando provas documentais que quer absolutamente a guerra [...] ao pas­so que a Rússia restaria livre de responsabilidades. Isso nos colocaria, aos olhos do nosso próprio povo, numa posição insustentável”.

Enquanto isso, o cáiser estava furioso com a resposta que seus es­forços de mediação estavam recebendo em São Petersburgo, pois não compreendia bem o que estava acontecendo. Ao raiar do dia, ele acor­dou para encontrar uma mensagem de Nicolau informando que a Rússia havia ordenado a mobilização parcial decidida em 25 de julho: a mobi­lização nas quatro regiões militares confrontando a Áustria-Hungria. Segundo o tsar, “as medidas militares que ora tomam efeito foram deci­didas há cinco dias”. Em outras palavras, eram as medidas que o Conse­lho de Ministros da Rússia tinha examinado mas não imediatamente adotado, quando informado de que Viena tinha rejeitado a aceitação parcial pela Sérvia do ultimato austríaco. A Rússia havia ficado quieta desde então, dando uma chance às negociações. Não se tratava de medi­das novas ou de medidas adicionais; eram as únicas medidas que a Rússia havia tomado — e elas acabavam de ser tomadas. A mobilização estava apenas começando.

Guilherme não entendeu. Ele acreditou que o tsar o estava infor­mando que a Rússia vinha se mobilizando há cinco dias, e conseqiiente- mente estava à frente da Alemanha, que ainda relutava em avançar. “Ora, isso quer dizer que ele está quase uma semana à nossa frente”, protestou o cáiser. “E tudo em nome de defender-se contra a Áustria, que não o está atacando!!! Não posso continuar comprometido com a idéia de mediação, pois o tsar, que foi quem invocou a mediação, estava ao mes­mo tempo mobilizando as suas tropas, pelas minhas costas.”5 Ao apelo

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de Nicolau: “Nós precisamos da sua forte pressão sobre a Áustria”, Gui­lherme rabiscou: “Não, não estamos pensando em nada deste tipo!!!”

Segundo Guilherme, o tsar “estava apenas desempenhando um papel, nos enrolando num passeio pelos jardins!” — o que levou o cáiser a concluir: “Isso quer dizer que também tenho de mobilizar minhas tropas!”6

Mas o cáiser respondeu mais tarde ao tsar em tons de civilidade. Guilherme disse: “Cheguei ao limite máximo do possível em meus es­forços para salvar a paz. [...] Mesmo agora, você ainda pode salvar a paz da Europa se suspender as suas medidas militares.”

O embaixador alemão em São Petersburgo advertiu o tsar que a mobilização da Rússia iria acarretar a mobilização alemã. Nesse aspecto, o governo alemão estava reagindo de maneira claramente excessiva. A mobilização russa não apresentava o perigo mortal que uma mobilização alemã representaria. Para a Alemanha, mobilização significava guerra; para a Rússia, como o seu governo explicou aos alemães, não. Como recentemente destacou uma autoridade académica: “Os exércitos russos [podiam] permanecer mobilizados atrás das suas fronteiras quase indefi­nidamente”.7 E na verdade o governo alemão sabia disso.

São Petersburgo. Sazonov telefonou ao tsar para pedir uma reunião imediata. Então viajou para Tsarkoe Selo, o palácio do tsar, onde adver­tiu solenemente o monarca de que a guerra tinha se tornado inevitável e a situação exigia a mobilização geral. Relutantemente, o tsar concordou e Sazonov deu as ordens necessárias.

O plenipotenciário militar alemão na embaixada de São Petersburgo relatou: “Tenho a impressão de que eles [os russos] mobilizaram as tro­pas aqui com medo do que podia acontecer mas sem nenhuma intenção agressiva, e que agora estão assustados com o que desencadearam.” Para o cáiser Guilherme, a impressão pareceu manifesta. “Certo, isso mes­mo”, foi seu comentário.8

Reagindo às mensagens do cáiser, o tsar revogou a mobilização total. Or­denou que seus generais voltassem à mobilização parcial. O que acontece­ria em seguida? O Conselho de Ministros russo não se reuniu, mas líderes individuais apresentaram seus pareceres ao soberano. Havia opiniões

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persuasivas por todos os lados. Sazonov juntou-se aos generais para de­fender a mobilização generalizada, a qual um tsar indeciso e infeliz, mu­dando de idéia mais uma vez, finalmente ordenou. O chefe do Estado-maior do Exército russo disse a frase famosa: “Vou [...] destruir meu telefone” para não poder “ser encontrado e ter de dar ordens con­trárias a um novo adiamento da mobilização generalizada”.

Bethmann compreendeu que o movimento da Rússia não era cau­sa de alarme. Ele disse aos ministros de Estado da Prússia que “embora a mobilização russa tivesse sido declarada, suas medidas de mobilização não podem se comparar àquelas dos Estados europeus ocidentais [...] Além disso, a Rússia não pretende entrar em guerra, apenas foi forçada a tomar essas medidas por causa da Áustria”.9

Os chefes de Estado-maior da Alemanha e da Áustria estavam em contato um com o outro, e Moltke advertiu o impaciente Conrad: “Não é preciso declarar guerra contra a Rússia.”10 Em vez disso, os dois impérios germanófonos deviam apenas “esperar que a Rússia atacasse”.

Nesse ínterim, Bethmann argumentava em favor de um adiamento enquanto Moltke, que tendera ao adiamento a metade do tempo naque­la semana, mudou de posição. Repentinamente, passou a ser a favor de avançar. “Suas mudanças de ânimo são difíceis ou impossíveis de expli­car”, observou um desgostoso Falkenhayn.11

Ao cair da noite, o cáiser soube da advertência de Grey ao embai­xador alemão em Londres na noite anterior. Grey, falando apenas por si mesmo, externou sua opinião de que se a França fosse ameaçada, a Inglaterra interviria. Como era amplamente sabido nos círculos gover­namentais que, em caso de uma guerra contra a Rússia, a Alemanha planejava atacar e subjugar a França antes de dar a volta e invadir a Rússia, Grey estava dizendo que a Inglaterra ia apoiar as potências as­sociadas da Entente, Rússia e França, contra as potências da Tríplice Ali­ança, Alemanha e Áustria. Mais uma vez, o cáiser explodiu em fúria: “A irresponsabilidade e a fraqueza estão prestes a mergulhar o mundo na mais terrível das guerras, que em última análise visa destruir a Alemanha”, asse­verou ele.12 “Não resta nenhuma dúvida em minha mente: Inglaterra, Rússia e França [...] estão coligadas para promover uma guerra de aniqui­lação contra nós, usando o conflito austro-sérvio como pretexto [...] a

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estupidez e a rudeza da nossa aliada tornou-se um nó corrediço em nos­sos pescoços. [...] E nos caímos numa armadilha.”

Londres. Havia no ar uma expectativa de que o debate ansiosamente aguardado sobre a Irlanda, marcado para a Câmara dos Comuns naque­la tarde, levasse a Grã-Bretanha a uma guerra civil. Mais cedo naquele dia, porém, os líderes da oposição se encontraram com Asquith e chega­ram a um acordo, em vista dos perigos europeus, de apresentarem uma frente unida. Tratava-se de uma reviravolta rápida demais para a gente comum do Exército e do povo perceber. Violet Asquith, a filha do pri­meiro-ministro, juntamente com a sua madrasta, Margot, estiveram na Galeria Feminina da Câmara e a encontraram “lotada de espectadoras ansiosas e excitadas” que “deram um suspiro de admiração” quando o primeiro-ministro se levantou para mencionar o adiamento do debate ir­landês.13 “Aquelas palavras produziram espanto na Galeria Feminina”, observou Violet. “Muitas das presentes estiveram muito energicamente empenhadas na preparação da guerra civil iminente - frequentando au­las na Cruz Vermelha, preparando rolos de bandagem, fazendo talas e tipóias, etc. Uma matrona do Ulster, a senhora M. (cuja figuran se adap­tava particularmente bem ao papel), tinha a fama de ter contrabandeado quantidades de rifles para Belfast debaixo da anágua.” Elas ficaram cho­cadas com a notícia do adiamento, sem compreender o que estava acontecendo.

Paris. De volta da sua longa viagem, e ainda sem terem sido alcançados por todas as notícias do que tinha acontecido durante as suas ausências, os líderes franceses tentaram acionar os freios, diminuir a alta velocida­de dos acontecimentos. Com a aprovação do presidente Poincaré, o pri­meiro-ministro Viviani passou ao governo russo um telegrama aconselhando cautela:14 “Entre as medidas preventivas e as medidas de­fensivas de que a Rússia acredita ser obrigada a lançar mão, ela não deve proceder imediatamente no sentido de tomar quaisquer medidas que possam dar à Alemanha um pretexto para a mobilização total ou parcial das suas forças.”15 A própria França fez recuarem suas forças armadas a 10 quilómetros da fronteira franco-alemã.

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O ÚLTIMO VERÃO EUROPEU

Londres. “A situação européia está pelo menos um grau pior do que estava ontem”, observou o primeiro-ministro. “E não melhorou por causa da tentativa totalmente desavergonhada da Alemanha de comprar nossa neutralidade durante a guerra com promessas de que não iria anexar territórios franceses (exceto nas colónias) ou a Holanda e a Bélgica. Há algo de muito cru e pueril na diplomacia alemã. Enquanto isso, a França está começando a exercer pressão no sentido oposto, como os russos estiveram fazendo por algum tempo. O centro comercial e financeiro de Londres, que está num terrível estado de depressão e paralisia, no mo­mento é totalmente contra a intervenção inglesa. Acho que hoje a pers­pectiva é muito sombria.”16

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CAPÍTULO 38: 31 DE JULHO

Jules Cambon, embaixador francês veterano em Berlim, telegrafou ao seu governo que a Alemanha estava prestes a iniciar a guerra sem es­perar que a Rússia mobilizasse primeiro as suas forças.1

A notícia da mobilização geral da Rússia chegou a Viena mas não teve o efeito esperado; não dissuadiu o Império Habsburgo de levar adiante, mesmo que mais lentamente, a pretendida invasão da Sérvia. Os gabine­tes combinados da Monarquia Dual — o seu Conselho Ministerial Comum - se reuniram, fizeram uma avaliação da notícia e decidiram seguir avante como planejado, apesar da probabilidade de que fazê-lo provocasse uma intervenção da Rússia.

Desdenhando obviamente a ameaça russa, os Exércitos dos Habsburgo continuaram a marchar para o sul, para a Sérvia. Conrad havia planejado deslocar tropas para a frente russa se o tsar ordenasse a mobilização; inexplicavelmente, ele não o fez. Com isso, todo o fardo de defender a Áustria contra a Rússia recaiu sobre os ombros da Alemanha, o que pode ter sido a verdadeira razão. Samuel Williamson sugere que

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O ÚLTI MO VERÃO EUROPEU

Conrad visava atacar a Sérvia o mais rápido possível, para garantir que a luta começasse antes de os diplomatas poderem intervir.2

Ao meio-dia, chegou a Berlim a notícia de que a Rússia estava mobili­zando tropas tanto contra a Alemanha como contra a Áustria. O cáiser tinha acabado de enviar um telegrama ao tsar dizendo que “a paz da Europa ainda pode ser mantida por você, se a Rússia concordar em in­terromper as medidas militares que necessariamente ameaçam a Alema­nha e a Áustria-Hungria”.3 Ele ofereceu continuar seus esforços de mediação.

O tsar respondeu: “Eu lhe agradeço cordialmente por sua media­ção, que começa a dar uma esperança de que tudo ainda pode acabar pacificamente.4 É tecnicamente impossível interromper nossas prepara­ções militares, que foram obrigatórias devido à mobilização austríaca. Nós estamos longe de desejar a guerra. Enquanto continuarem as negociações com a Áustria sobre a Sérvia, minhas tropas não tomarão a iniciativa de nenhuma ação provocativa. Quanto a isso, dou-lhe a minha palavra solene.”

Nesse ínterim, Francisco José passou um telegrama ao cáiser agra­decendo a sua oferta de mediação e dizendo que tinha chegado tarde demais: a Rússia já mobilizou suas tropas e as tropas austríacas já estão marchando sobre a Sérvia.

Paris. Naquela tarde, em sua condição de ministro das Relações Exte­riores, o embaixador alemão na França apresentou um ultimato a René Viviani. Rússia, aliada da França, tinha de revogar sua proclamada mobi­lização, advertia o alemão, ou aceitar a responsabilidade de desencadear o conflito. Viviani, juntamente com o presidente Poincaré, estivera ao mar, e nada sabia sobre as mobilizações russas. Ele telefonou para São Petersburgo em busca de informações.

São Petersburgo. Quase meia-noite, o embaixador alemão na Rússia en­tregou um ultimato: interrompam a mobilização num prazo de 12 horas, ou a Alemanha também vai mobilizar suas tropas — e, à diferença da Rússia, a mobilização alemã faria os países “chegarem extraordinariamente perto da guerra”.5

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31 DE J UL HO

Londres. “Ainda há esperança, embora as nuvens estejam cada vez mais carregadas e sombrias. A Alemanha está compreendendo, acho eu, o quanto são vastas as forças contra ela, e está tentando, tardiamente, con­ter a sua tola aliada. Nós estamos trabalhando para abrandar a Rússia”, escreveu Winston Churchill à esposa.6

Asquith tinha almoçado com Churchill, juntamente com lorde Kitchener, o mais famoso general britânico, que estava passando umas poucas semanas na Inglaterra antes de retornar ao Egito, onde servia como procônsul. Kitchener disse aos civis que a Grã-Bretanha tinha de apoiar a França. Mas essa não era a opinião geral. Asquith confidenciou que “a opinião em geral hoje - particularmente forte no centro financei­ro e comercial de Londres - é ficar de fora quase a qualquer custo”.7

Lloyd George, líder da ala radical do partido governante, era talvez o único membro do gabinete com um número de seguidores suficiente­mente importante para desafiar o primeiro-ministro, e ele disse a um político íntimo: “Estou lutando arduamente pela paz. Todos os ban­queiros e comerciantes estão nos suplicando para não intervirmos. O governador do Banco da Inglaterra me disse com lágrimas nos olhos: ‘Mantenha-nos fora disto. Nós todos seremos arruinados se formos ar­rastados ao conflito.’”8

Winston Churchill foi alertado por pelo menos um bem relaciona­do membro liberal do Parlamento, Arthur Ponsonby, de que dentro do partido havia um sentimento “muito forte” e “muito difundido” contra a intervenção.9 Ao mesmo tempo, ele recebeu de F. E. Smith, dos con­servadores, uma indicação de que o partido de oposição apoiaria o go­verno se ele pegasse em armas contra uma invasão alemã da França através da Bélgica. Em sua resposta, Churchill disse a Smith: “Não acredito que agora a guerra possa ser evitada. A Alemanha precisa marchar através da Bélgica, e creio que a maioria do dois partidos vai se opor firmemente a isto.”10

Paris. O comandante do Exército francês, general Joseph Joffre, pediu permissão ao governo para ordenar a mobilização geral. O gabinete recusou.

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CAPÍTULO 39: 1- DE AGOSTO

T^aris. Joffre pediu outra vez permissão ao seu governo para ordenar J- uma mobilização geral imediata. Em vez disso, o gabinete o autori­zou a fazê-la no dia seguinte.

Londres. Na reunião matinal do gabinete, Winston Churchill pergun­tou se podia ordenar a mobilização total da frota. O gabinete, porém, profundamente dividido, recusou a permissão. Entre aqueles cujo ins­tinto era contra a guerra, Lloyde George era a figura-chave; se fosse con­vencido, poderia trazer outros consigo.

Segundo o primeiro-ministro, “a maioria do partido” se opunha a intervir militarmente em qualquer circunstância, mas “Lloyd George — inteiramente pela paz - é mais sensível e político quanto a manter uma posição ainda aberta”.1 Churchill tinha sido seguidor de Lloyd George durante anos, e durante a reunião eles trocaram bilhetes entre si. Num deles, o líder radical dava esperanças: “Se prevalecer a paciência e você não nos pressionar demais [...] há possibilidade de nos unirmos.” “Por

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Deus. É todo o nosso futuro - companheiros - ou oponentes”, respon­deu Churchill.2

“Anseio muito profundamente que nossa longa cooperação possa não ser interrompida”, escreveu Churchill em outro momento.3 “[...] Imploro-lhe que venha e que dê a sua prestigiosa ajuda ao desempenho do nosso dever.” E outra vez: “Temos o resto das nossas vidas para ser­mos oposição. Sinto-me profundamente ligado ao senhor e tenho segui­do os seus instintos e a sua orientação há quase dez anos.”

Ao mesmo tempo, Churchill dirigia uma torrente de retórica ao restante do gabinete. Ele era famoso por não deixar ninguém tomar a palavra ou apartear. “Não é exagero dizer que Winston ocupou toda a segunda metade” da reunião.

Berlint. O chanceler falou na Bundesrat, a assembléia dos Estados ale­mães, apresentando o ponto de vista do governo. Ele explicou que em vez de continuar as negociações com a Áustria, a Rússia havia mobiliza­do suas forças militares. Em resposta, a Alemanha tinha dado um ulti­mato ao governo russo: ou concordava em desmobilizar até o meio-dia, ou a Alemanha mobilizaria as suas tropas. A Alemanha também enviara um ultimato à França, para que se mantivesse neutra - e desse garantias adequadas de assim permanecer - ou então a Alemanha também decla­raria guerra contra ela. O ultimato à França fora fixado para expirar às treze horas. A Bundesrat deu apoio unânime a Bethmann.

O meio-dia chegou e passou, e não houve resposta russa. Quase uma hora mais tarde, a Alemanha telegrafou sua declaração de guerra ao seu embaixador na Rússia, a ser entregue em São Petersburgo, com reda- ção alternativa, de modo que ele pudesse afirmar que o governo do tsar ou bem tinha rejeitado o ultimato ou deixado de respondê-lo.

Tsarkoe Selo. Era meio-dia na Rússia, o tsar Nicolau recebeu a notícia da mobilização alemã. Passou rapidamente um telegrama ao seu primo Guilherme: “Compreendo que seja obrigado a mobilizar suas tropas, mas gostaria de ter de você as mesmas garantias que eu mesmo lhe dei — de que as medidas não significam guerra.”4

Porém, é claro, o tsar estava errado. No mundo de 1914, nem se­quer os generais e ministros compreendiam bem a diferença existente

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entre os vários tipos de mensagens preventivas que foram adotadas pelos vários países. Uma, todavia, em sua clareza insofismável, se destacava das demais: para a Alemanha, mobilização significava guerra — em vinte e quatro horas, senão antes.

Berlim. Às quatro da tarde, ainda não houvera resposta da Rússia. Falkenhayn e Bethmann foram ver o cáiser. Haviam decidido na noite anterior que a guerra tinha de ser declarada mesmo que a Rússia propu­sesse negociar. Mas eles encontraram um cáiser que relutava em fazê-lo. Houve um momento em que isso teria sido um obstáculo fatal para seus planos, mas já não era mais o caso. Durante a última semana de julho, as instruções de Guilherme foram desconsideradas por seu próprio chanceler e ministro das Relações Exteriores, por seus líderes militares e pelo im­perador austríaco e seu governo. As ordens de Guilherme continuavam a valer para algumas coisas, mas não para tudo.

O cáiser concordou em assinar as ordens de mobilização, que en­traram em vigor no dia seguinte. Moltke tinha rascunhado para Gui­lherme um discurso ao povo alemão. Bethmann, que havia chegado tarde, ficou zangado por Moltke ter usurpado a prerrogativa das autoridades civis. Moltke, visivelmente nervoso, disse a um ajudante: “Esta guerra vai virar uma guerra mundial e a Inglaterra também intervirá. Poucos podem ter uma idéia da extensão, da duração e do final desta guerra. Hoje ninguém tem a menor idéia de como vai acabar.”5

Quando o cáiser e seus chefes militares acabaram suas discussões e se preparavam para dispersar, chegou um aviso do Ministério das Rela­ções Exteriores de que uma importante mensagem da Grã-Bretanha es­tava em processo de decifração. O almirante Tirpitz sugeriu aos dois chefes do Exército que esperassem para lê-la. Em vez disso, eles se apres­saram em partir com as suas ordens de mobilização assinadas. Seria me­lhor se tivessem esperado, pois rapidamente receberiam ordens de retornar.

A mensagem de Londres atrapalhava os planos do governo alemão. O telegrama veio do embaixador de Berlim naquela cidade, príncipe Lichnowsky, que repetia as garantias que ele erradamente havia acredi­tado que Sir Edward Grey lhe dera. A Inglaterra parecia estar dizendo

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1Q DE AGOS TO

que, se a Alemanha deixasse a França em paz, Inglaterra e França perma­neceriam neutras na guerra da Alemanha contra a Rússia.

O cáiser e seus assessores ficaram exultantes. Isso praticamente ga­rantia a vitória, do modo como a viam. Moltke, como oficial-chefe do Estado-maior responsável pelas operações, se viu em posição de total isolamento. Como recordou logo depois, “o cáiser me disse: ‘Então nós só desdobramos a leste, com todo o Exército”’.6

Moltke ficou desalentado. O cáiser parecia incapaz de compreen­der o plano de guerra em andamento, que era lançar o grosso das forças alemãs, via Luxemburgo e Bélgica, contra a França, enquanto continha a Rússia com uma força menor a leste. A rápida vitória sobre a França seria seguida por uma ágil transferência dos Exércitos da frente francesa para a russa. Desde abril de 1913, o Estado-maior não mantinha um plano generalizado de desdobramento apenas contra a Rússia.

O Exército já estava no processo de deslocar-se para atacar a Fran­ça. Cancelar as ordens, argumentou Moltke, criaria o caos. Após uma violenta discussão entre o cáiser e o chefe do Estado-maior, um compro­misso foi alcançado: a mobilização continuaria, e as tropas se deslocariam na direção da França, mas então ficariam disponíveis para redesdobra- mento em massa para o leste, se um acordo fosse feito para a Grã-Bretanha e a França permanecerem neutras.

Isso deixava um problema fundamental não resolvido. No plano de guerra alemão, o movimento inicial dos Exércitos do cáiser seria to­mar as estradas de ferro do neutro Luxemburgo antes que a França o fizesse, e então despachar um ultimato à neutra Bélgica para não se in­trometer e deixar os Exércitos da Alemanha atravessá-la para invadir a França. A Alemanha fazia vezes de fiadora da neutralidade da Bélgica e do Luxemburgo.

Agora que a França ia ficar fora da guerra, isso tinha de ser modifica­do. Segundo Moltke, “sem me perguntar, o cáiser virou-se para o ajudante de ordens presente e mandou telegrafar instruções imediatas [...] para não invadir o Luxemburgo. Pensei que meu coração ia estourar”.7 Com a Inglaterra e a França recusando a provocação para a guerra, “a gota d’água seria que a Rússia também debandasse”. A Alemanha ficaria despojada de inimigos!

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Nesse ínterim, o cáiser e seu chanceler enviaram mensagens a Lon­dres para selar a barganha: Guilherme ao rei George V, e Bethmann ao governo britânico. Porém, como escreveu o rei George em sua resposta telegrafada: “Creio que deve haver algum mal-entendido.”8 A oferta de neutralidade britânica e francesa jamais fora feita.

Depois de ler o telegrama do rei George, o cáiser disse a Moltke: “Agora pode fazer como quiser.” Moltke telegrafou prontamente às suas forças ordens de prosseguir com a invasão do Luxemburgo.

Às sete horas da noite, as tropas alemãs tomaram o seu primeiro objeti- vo: uma estação ferroviária e um posto de telégrafo dentro do Luxem­burgo. Às sete e meia, outras unidades vieram para chamar de volta, dizendo ao primeiro contingente que ele havia sido despachado por erro; esperava-se o telegrama do rei George. Então, em resposta ao último telegrama de Moltke, contra-ordens foram dadas de novo, e mais uma vez prosseguiu a invasão alemã do Luxemburgo.

Londres. Autorizado pelo gabinete, Grey, ainda que em linguagem di­plomática, advertiu o embaixador alemão de que uma violação da neu­tralidade belga tinha fortes possibilidades de levar a Grã-Bretanha a intervir.

São Petersburgo. O embaixador alemão entregou a declaração de guer­ra do seu país ao ministro das Relações Exteriores russo. Em sua confu­são, ele entregou um documento que incorporava as duas versões que Berlim lhe havia fornecido: a afirmação de que a Rússia não tinha res­pondido e a afirmação de que a resposta russa era insatisfatória.

Londres. Através de seu amigo tóri F. E. Smith, Churchill convidou Bonar Law, o líder tóri, para jantar com ele e com Sir Edward Grey no Almirantado. Smith pediu a Sir Max Aitken, o amigo mais próximo de Law, para juntar-se ao grupo. Law, porém, declinou o convite, e Grey a certa altura saiu para encontrar-se com o primeiro-ministro. Afinal, Churchill jantou sozinho.

Após o jantar, por volta das nove e meia, Smith e Aitken aparece­ram e encontraram Churchill com dois amigos. Eles começaram uma

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discussão sobre a crise. Chegou a notícia de que os alemães estavam adiando seu ultimato à Rússia, e as opiniões divergiram sobre o seu sig­nificado. Três dos homens jogaram uma partida de bridge com Churchill. Aitken se foi.

As cartas tinham acabado de ser dadas e o jogo começava quando chegou para Churchill uma caixa vermelha de despachos oficiais. Ele pegou uma chave e abriu-a. Dentro havia uma única folha de papel “sin­gularmente desproporcional ao tamanho da caixa”, como Aitken escreveu mais tarde, em que estava escrito: “A Alemanha declarou guerra à Rússia.”9

Churchill passou sua mão de bridge para Aitken e partiu a pé para o número 10 da Downing Street. Encontrou o primeiro-ministro tran­cado com Grey e outros conselheiros.

Churchill disse a Asquith que ia ordenar a mobilização total da frota. Ele sabia, é claro, que o gabinete lhe recusara a permissão de fazê- lo naquela mesma manhã. E responderia pessoalmente ao gabinete, na manhã seguinte, sobre o que estava em vias de fazer.

O primeiro-ministro não disse nada. Churchill retornou aos seus escritórios e passou o resto da noite tratando de garantir que, o que quer acontecesse, a Marinha Real estaria pronta.

Mais tarde naquela noite, Londres recebeu uma comunicação da sua embaixada em Berlim de que o cáiser estava afirmando que seus esforços para manter a paz estavam sendo minados pela mobilização total da Rússia. Havia algo que George V pudesse fazer para ajudar?

Asquith rascunhou rapidamente uma nota ao tsar em nome do rei George, chamou um táxi e correu ao Palácio de Buckingham à uma e meia da manhã para pegar a assinatura do monarca. “O rei foi arrancado da cama”, anotou o primeiro-ministro em seu diário, “e uma das mi­nhas mais estranhas experiências foi sentar-me com ele vestido de rou­pão enquanto eu lia a mensagem e a resposta proposta”.10

Berlim. Os jornais em Berlim e Hamburgo contavam a história da “alian­ça naval” entre a Grã-Bretanha e a Rússia. Supostamente, os russos espe­ravam obter o acordo da Marinha Real para enviar navios de transporte a portos bálticos antes da eclosão da guerra. Eles transportariam as tro­pas russas que iriam invadir o nordeste da Alemanha.

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Porém, como as conversações entre o almirante príncipe Louis de Battenberg e o Almirantado russo tinham sido marcadas para agosto, ainda não haviam começado. Segundo a imprensa alemã, o príncipe Louis não cuidou de ir a São Petersburgo: “A guerra que a Rússia nos impôs impediu” que a aliança naval russo-britânica fosse concluída.

“A guerra que a Rússia nos impôs”: isto encarnava aquilo em que os alemães passaram a acreditar. Quando a notícia da mobilização russa foi inicialmente divulgada, o adido militar bávaro confidenciou em seu diário: “Corri ao Ministério da Guerra.11 Rostos sorridentes em toda parte. Todos trocando apertos de mão nos corredores: as pessoas se con­gratulam por terem saltado o obstáculo.” O povo alemão, os partidos políticos, os sindicatos, a imprensa, todos foram enganados, levados a crer que a Rússia tinha começado a guerra. Outro diarista, o chefe do Estado-maior da Marinha do cáiser, falou ainda mais claro: “O ânimo é radiante. O governo manobrou brilhantemente para fazer parecer que fomos atacados.”12

O governo alemão anunciou que invasores russos haviam cruzado a fronteira do território alemão. O povo alemão acreditou.

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CAPÍTULO 40: 2 DE AGOSTO

Z ondres. O gabinete britânico, que se reuniu excepcionalmente no domingo, começou andando um pouco na direção do envolvimen­

to. Era uma sessão de onze da manhã às duas da tarde, mas foi então reconvocada até as seis e meia.

Na sessão da manhã, os ministros ratificaram a ordem de Churchil, mobilizando a frota. A reunião analisou mas rejeitou a opção de despa­char uma força expedicionária ao continente, conforme fora conjetura- do em conversações secretas dos Estados-maiores do Exército poucos anos antes, o que a maioria dos membros do gabinete ignorava.

Entre as sessões matinal e da tarde, Grey advertiu o embaixador francês de que se a Marinha alemã atacasse a mal defendida costa atlân­tica francesa, a Marinha britânica ofereceria proteção à França.

Na sessão da tarde, o gabinete soube da violação pela Alemanha da neutralidade do Luxemburgo. O governo britânico assumiu a posição de que a sua responsabilidade em relação ao Luxemburgo era coletiva - isto é, a Grã-Bretanha só era obrigada a agir se outros fiadores também o fizessem. Mas a Bélgica era uma outra história; a fiança de neutralidade

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era claramente individual, e Grey já havia alertado o embaixador alemão da posição da Grã-Bretanha no assunto. Contudo, a invasão alemã do Luxemburgo pressagiava uma invasão e ocupação também da Bélgica. De fato, quando o gabinete se reuniu novamente, às seis e meia, um ultimato alemão estava sendo recebido em Bruxelas. Asquith ordenou a mobilização do Exército.

A mudança do sentimento político ao longo do dia foi notável. Naquela manhã, Asquith tinha expresso por escrito, numa carta pessoal, a sua opinião sobre a situação européia.

(1) Não temos obrigação de nenhum tipo nem com a França nem com a Rússia de dar apoio militar ou naval.1

(2) Despachar a força expedicionária para ajudar a França neste momento está fora de questão e não serviria a nenhum objetivo.

(3) Não devemos esquecer os laços criados por nossa íntima e dura­doura amizade com a França.

(4) Não é do interesse da Grã-Bretanha que a França seja elimina­da como grande potência.

(5) Não podemos permitir que a Alemanha use o canal como base hostil.

(6) Nós temos a obrigação de impedir que a Bélgica seja utilizada e absorvida pela Alemanha.

Pode-se considerar que esta formulação dos objetivos das políticas públicas do primeiro-ministro no momento em que a tempestade euro­péia se formava é quase completamente abrangente. Contudo, ela só representava suas opiniões pessoais, que não eram compartilhadas pelo seu Partido Liberal. Ele calculava que “uns bons % do nosso próprio partido” na Câmara dos Comuns “são pela não intervenção absoluta a qualquer custo”.

Antes da reunião matinal do gabinete, ele havia recebido da lide­rança conservadora uma garantia de apoio firme para a sua política de amparar a França. Isto colocava Asquith na curiosa posição de ser apoia­do em sua política externa por seus oponentes políticos. Seu objetivo político dominante era manter o Partido Liberal unido quaisquer que fossem as decisões que o gabinete finalmente tomasse, ao mesmo tempo que tentava convencer o gabinete da correção da sua opinião e de Grey.

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Berlim. Moltke enviou algumas sugestões ao Ministério das Relações Exteriores “de natureza político-militar”, às quais atribuía “algum valor do ponto de vista militar”.2 Se a Inglaterra entrasse na guerra, sugeria Moltke, a Alemanha deveria incitar levantes contra a Grã-Bretanha na África do Sul, no Egito e na índia, transformando deste modo a guerra européia numa guerra mundial. A aliança secreta da Alemanha com a Turquia, que estava sendo concluída, deveria ser tornada pública; e a Itália deveria dizer se ia ou não apoiar seus aliados Alemanha e Áustria. A Suécia e a Noruega deveriam ser pressionadas a mobilizarem-se contra a Rússia, para aumentar a pressão. O Japão deveria ser pressionado a agir contra a Rússia na Ásia. A Suíça já se mobilizara; e o chefe do Esta­do-maior suíço, confidenciou Moltke, esboçara documentos secretamen­te, os quais, se ratificados, colocariam o Exército suíço sob comando alemão.

O Ministério das Relações Exteriores anunciou que a França e a Rússia já haviam dado início às hostilidades.3 Houve vazamentos de que isso não era verdade.

Roma. O embaixador alemão soube pelo ministro das Relações Exterio­res italiano, o marquês de San Giuliano, que Roma tinha decidido per­manecer neutra. San Giuliano explicou que o tratado de aliança com a Alemanha e a Áustria só obrigava a Itália a apoiá-las se elas fossem ataca­das. E que o conflito em que estavam engajadas no verão de 1914 era “uma guerra de agressão”.4 Portanto, a Itália ficaria de fora. Num relato posterior dessa entrevista, San Giuliano afirmou que “a guerra empreen­dida pela Áustria [...] tinha, nas palavras do próprio embaixador da Ale­manha, objetivo agressivo”.

O chefe militar da Itália disse que seu país não podia entrar em guerra em nenhuma hipótese, pois suas forças armadas não tinham uni­formes suficientes.

Basiléia. Fontes alemãs relataram a Berlim que as autoridades suíças ha­viam prendido agentes franceses que estavam despachando pombos-cor- reio para a França com informes sobre os movimentos das tropas alemãs.

Cidade de Luxemburgo. A grã-duquesa de Luxemburgo, Maria Adelaide, telegrafou ao cáiser: “O grão-ducado está sendo ocupado neste momento

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por tropas alemãs.”5 Ela protestou e exigiu que Guilherme respeitasse os direitos do país. Em resposta, o chanceler alemão afirmou: “Nossas me­didas no Luxemburgo não indicam ações hostis contra o Luxemburgo; são apenas medidas de proteção das estradas de ferro sob nossa adminis­tração naquele país, contra um ataque pelos franceses.”6 Ele prometeu indenizar plenamente o país.

Londres. O embaixador alemão advertiu seu governo: “A questão se vamos violar o território belga em nossa guerra com a França pode ter importância decisiva em determinar a neutralidade da Inglaterra.”7

Na verdade, na hora da reunião do gabinete britânico naquele anoi­tecer havia amplo acordo de que a questão era a Bélgica. A situação legal não estava inteiramente clara: tinha um fiador da neutralidade belga de agir mesmo se nenhum dos outros fiadores o fizessem? O gabinete acha­va que se a violação da neutralidade belga fosse substancial, e se a pró­pria Bélgica contra-atacasse seus invasores, a Grã-Bretanha estaria obrigada a ajudá-la.8

Bruxelas. Alarmado pela incursão alemã no Luxemburgo, o ministro das Relações Exteriores belga telefonou ao ministro residente da Alema­nha para reclamar garantias. Grey já havia pedido tanto à França como à Alemanha, para confirmarem o seu apoio às obrigações do tratado assinado por elas de proteger a neutralidade da Bélgica. A França tinha dado a garantia; a Alemanha, não. O ministro alemão mostrou-se então evasivo.

Tinha de mostrar-se. Ele ainda não conhecia o conteúdo das ins­truções lacradas que um mensageiro lhe entregara em 29 de julho, com ordens para não abrir até lhe dizerem para fazê-lo. Ele recebeu tais or­dens em 2 de agosto. O representante da Alemanha pegou suas instru­ções no cofre e desselou-as. Dentro havia um ultimato e a ordem para entregá-lo ao governo belga, que ele cumpriu naquela mesma noite. O ultimato dava doze horas à Bélgica para responder. Redigida em 26 de julho, mas dando a impressão de que houvesse acabado de ser escrita, a nota alemã queixava-se de movimentos de tropas francesas inteiramente imaginários e exigia que a Bélgica permitisse que as forças alemãs passas­sem por seu território para enfrentar as francesas.

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Londres. Reunido naquele anoitecer, o gabinete britânico tomou co­nhecimento de que a Alemanha havia invadido o Luxemburgo e parecia estar pronta a invadir a Bélgica. O primeiro-ministro ordenou a mobi­lização do Exército.

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CAPÍTULO 41: 3 DE AGOSTO

T^ruxelas. Na segunda-feira pela manhã, o rei Albert, dos belgas, ■LJ rejeitou o ultimato alemão. Assumindo o comando das forças ar­madas relativamente modestas do país, ele ordenou a destruição das pontes e túneis que as tropas alemãs poderiam usar na sua invasão.

Cidade de Luxemburgo. Distribuídas pelas forças invasoras alemãs, proclamações circulavam em toda a cidade, anunciando: “Consideran­do que a França, sem respeitar a neutralidade do Luxemburgo, abriu hostilidades contra a Alemanha a partir do território do Luxemburgo”, as forças alemãs fizeram o mesmo.1 O chefe do governo luxemburguês protestou junto ao governo alemão de que “esta declaração se funda num erro. Não há um único soldado francês em território luxemburguês”.2

Londres. Em sua sessão matinal, o gabinete soube do ultimato alemão à Bélgica. “Os alemães, com uma grosseria quase austríaca”, marcharam sobre a Bélgica, anotou Asquith em particular.3 A mudança da opinião

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3 DE AGOS TO

ministerial foi dramática. A questão passara a ser a Bélgica. Na semana anterior, o gabinete era esmagadoramente contra qualquer intervenção. Então, eles queriam ficar de fora; mas agora sentiam-se obrigados a en­trar na luta. Lloyd George, anteriormente favorável à paz, assumiu a liderança falando em favor da guerra. A opinião do gabinete era quase unânime. Não obstante, Asquith e Grey continuavam a tomar decisões sem pedir ou colocar em votação.

Naquela tarde, Grey falou à Câmara dos Comuns. Londres estava lotada de turistas; era uma segunda-feira de folga, conhecida pelos ingle­ses como feriado bancário. O próprio Parlamento estava lotado de mem­bros e de visitantes; a Câmara dos Comuns, segundo Barbara Tuchman, “registrava um comparecimento total pela primeira vez desde que Gladstone apresentou o decreto de autodeterminação da Irlanda [Home Rule Bill], em 1893”.4 “Grey fez um discurso extraordinário — de cerca de uma hora — em sua maior parte em tom de conversação”, escreveu Asquith.5 Grey não tinha tido tempo de escrevê-lo com antecedência. Ele narrou a história da crise, mas quando chegou à questão da Bélgi­ca, ficou claro que a Câmara dos Comuns o apoiava esmagadoramen­te, a favor da intervenção.

Apenas uma semana antes, a Grã-Bretanha estivera à beira de uma guerra civil por causa da questão da Irlanda. Naquele momento, depois de Grey ter acabado de falar, John Redmond, o principal líder dos na­cionalistas irlandeses, ergueu-se para dar garantias ao governo de que “podia retirar amanhã todas as suas tropas na Irlanda”, pois “os católicos nacionalistas armados do Sul ficariam certamente muito contentes de juntar tropas com os Ulstersmen protestantes armados do Norte” para defender as costas do Reino Unido.

O que vai acontecer agora? Violet Asquith perguntou a seu pai, ao mesmo tempo em que, independentemente, Winston Churchill fazia a mesma pergunta a Grey.6 O primeiro-ministro e o secretário das Rela­ções Exteriores deram a mesma resposta: entregar um ultimato. De fato, depois da reunião do gabinete, convocada após a sessão da Câmara dos Comuns, esta foi a decisão tomada.

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CAPÍTULO 42: 4 DE AGOSTO

Zondres. Às nove e meia da manhã, Grey enviou um telegrama à Alemanha, protestando contra o ultimato à Bélgica e exigindo que

fosse retirado.Como chegassem notícias sobre a intenção da Alemanha de inva­

dir a Bélgica, às duas horas da tarde Grey enviou a Berlim um ultimato exigindo respeito à neutralidade da Bélgica, a ser confirmado até a meia- noite. O telegrama foi enviado para o embaixador britânico, que só pôde entregá-lo às sete horas da noite. A certa altura dos acontecimentos, Grey percebeu que o ultimato não especificava se a expiração era à meia-noite britânica ou do tempo continental, decidindo-se então que seria do tempo continental, o que dava à Alemanha mais cinco horas para responder.

A Alemanha nunca respondeu.

A invasão da Bélgica pela Alemanha, que fez a Grã-Bretanha entrar na guerra, transformou o que vinha sendo uma guerra continental em uma guerra mundial. O Império Britânico entendia-se por todo o mun­do e, por causa disso, daquele momento em diante, também a guerra.

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4 DE AG OS TO

O memorando de Moltke em 2 de agosto ao Ministério das Relações Exteriores alemão deixava claro que o governo alemão o compreendia.

Considerando a importância determinante da decisão britânica, é muitíssimo notável a maneira como, naquela época pré-democrática, ela foi tomada. O Parlamento não votou. O papel do gabinete foi pe­queno. Como nos diz A. J. P. Taylor, o rei George V “presidiu um conselho privado no Palácio de Buckingham” na noite de 4 de agosto “em que só estavam presentes um ministro e dois funcionários da cor­te”, o qual “sancionou a proclamação do estado de guerra”.1 E mais impressionante ainda, se observarmos com olhos modernos: “Os gover­nos e Parlamentos dos Domínios não foram consultados.” Em vez dis­so, cada “governador-geral editou a proclamação real sob sua própria autoridade, como fez o vice-rei da índia”. Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, índia (que então incluía o Paquistão e Bangladesh) e grande parte da África foram arrebatados numa guerra sem antes ser consultados.

A situação era peculiar de uma maneira diferente na Alemanha, que estava lutando contra a Rússia, a França, a Grã-Bretanha, Luxem­burgo e a Bélgica - tudo isso supostamente para apoiar a Áustria, a qual ainda estava em paz com todos eles em 4 de agosto. Contudo, a Alema­nha não estava em guerra com, ou lutando contra, a Sérvia, único país com o qual a Áustria estava em guerra, que, segundo Viena, era o país que apresentava uma ameaça à existência da Áustria.

No dia seguinte, nos conta o historiador Hartmut Pogge von Stran- dmann, houve “um pânico em Berlim”, pois as tropas alemãs continua­vam a avançar sozinhas, sem aliados.2 Moltke disse a Tirpitz em 5 de agosto que se a Áustria continuasse a esquivar-se, a Alemanha - apenas dias depois de ter declarado guerra - teria de apelar à paz nos melhores termos possíveis.3

Em 6 de agosto, Viena superou a sua relutância e declarou guerra contra a Rússia.

Não é de admirar sentirem-se os beligerantes desde o começo obri­gados a explicar aos seus próprios povos, e aos povos de outros países, a lógica obviamente confusa que os levou ao campo de batalha e, aos olhos da Áustria, ao campo de batalha errado.

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CAPÍTULO 43: DESTRUINDO PROVAS

Michael Howard, o historiador militar, escreve em 1914: “Prova­velmente, nenhum período de poucos dias na história do mundo

foi submetido a escrutínio tão intenso como aquele entre 28 de junho, quando o arquiduque foi assassinado, e 4 de agosto, quando a Grã- Bretanha declarou guerra.” Contudo, subsistem lacunas nos anais. Des­confiados, os historiadores são obrigados a virar detetives e investigar o significado das lacunas. Pois a supressão ou destruição de provas é em si mesma uma prova, e o desafio é descobrir: prova de quê?1

Um exemplo eloquente é o da semana que começa na manhã de 28 de junho. A Áustria-Hungria estava decidindo como reagir ao assassinato do seu herdeiro aparente. O ministro das Relações Exteriores, conde von Berchtold, o maior responsável pelas decisões quanto ao que se seguiu, é a primeira pessoa cujos papéis particulares nós gostaríamos de consultar. Isso poderia nos esclarecer coisas de que tomamos conhecimento com Holger Herwig, autor de um trabalho magistral sobre a Áustria e a Alemanha na Primeira Guerra Mundial: “É interessante observar que o diário oficial de Berchtold no Ministério das Relações Exteriores é conspicuamente

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D E S T R U I N DO PROVAS

destituído de anotações no período entre Tl de junho e 5 de julho de 1914.” Há uma lacuna de uma semana. Isso sugere que na semana se­guinte ao 27 de junho, Berchtold estaria fazendo coisas que sabia que um dia poderia querer negar. É interessante notar, também, que os re­gistros dos serviços de inteligência austríacos, nos arquivos de guerra de Viena, interrompem-se em 28 de junho, e só são retomados um ano depois. Quando a Alemanha se justificou publicando documentos em 3 de agosto, dois dias depois de ter declarado guerra, “metade dos trinta documentos eram falsificações clamorosas”.

Durante a Primeira Guerra Mundial, todos os lados queriam provar que não a tinham começado; depois, todos queriam evitar a “culpa da guerra”, especialmente a Alemanha, a quem ela foi oficialmente atribuída no Tratado de Versalhes de 1919, depois do Armistício. As autoridades alemãs incitaram a supressão de partes relevantes dos papéis de Moltke.

O resultado foi que, mesmo décadas após a guerra, houve uma tendência a destruir indícios em vez de recuperá-los, os quais, mesmo quando recuperados, tenderam a ser reescritos ou reestruturados. Além disso, as autoridades sob sucessivos regimes alemães até e inclusive o go­verno nazista levaram a cabo uma campanha de desinformação que foi descrita por Herwig em detalhes em seu ensaio “Clio Deceived” [Clio ludibriada].

Os diários de Kurt Riezler, secretário particular do chanceler alemão, ilustra as dificuldades enfrentadas pelos estudiosos pesquisadores. Riezler morreu após deixar instruções para que seus diários fossem destruídos. Os papéis pessoais de Bethmann tinham sido removidos ou destruídos uma ou duas décadas antes. Depois de muitas manobras e discussões, os papéis de Riezler foram recuperados. Mas o exame mos­trou que, enquanto os diários de antes e depois do verão de 1914 ti­nham sido escritos em pequenos cadernos de exercício, os meses-chave de julho e agosto estavam registrados, em vez disso, em folhas soltas e de outra maneira, sugerindo enfaticamente que aquelas seções centralmen­te relevantes tenham sido reescritas - e colocadas no lugar do original. Os papéis de Miiller, chefe do gabinete naval do cáiser, embora tenham sobrevivido, foram expurgados.

Os alemães não foram os únicos a destruir ou falsificar seus regis­tros. Nas primeiras semanas da guerra de 1914, o Ministério das Rela­

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O ÚLTI MO VERÃO EUROPEU

çÕes Exteriores francês publicou um Livre jaune* para justificar tudo o que havia feito - um trabalho sobre o qual Albertini escreveu nos anos 1940: “Ele passa em revista 159 documentos, muitos dos quais altera­dos, mutilados ou falsificados.” Sobre um esforço semelhante da parte de São Petersburgo, Albertini escreve que o Livro laranja russo “apre­senta 79 documentos, alguns consideravelmente fraudados”. E os arqui­vos da Sérvia estiveram fechados por meio século. Nenhum minuto das reuniões do gabinete sérvio em 1914 foi preservado.

Porém, em parte alguma a supressão ou destruição de registros, diários e afins foi tão amplamente sistemática ao longo das décadas se­guintes quanto na Alemanha. Assim, todos os registros de conversas te­lefónicas e anotações de outras comunicações verbais nos anos em questão foram extraviados no Ministério das Relações Exteriores alemão. No lado alemão, os dois pontos críticos foram as conversações de 5 de julho com os austríacos, que resultaram no “cheque em branco”, e as discus­sões entre os líderes alemães na semana do 27 de julho, que levaram à decisão de entrar em guerra. Todos os registros relativos a ambos foram extraviados, desapareceram do Ministério das Relações Exteriores. To­dos os registros das conversações do cáiser com líderes militares e políti­cos ao longo do mês de julho também foram extraviados, nos diz um importante pesquisador deste campo, Imanuel Geiss. Neste tocante, não há nenhum registro de conversações da Alemanha em Berlim com po­tências estrangeiras.

A propósito, foram os estudiosos alemães, começando pelo corajo­so Fritz Fischer na década de 1960, que tomaram a iniciativa da desco­berta ou restituição de fragmentos esparsos de registro, frequentemente por meio de um trabalho de campo arrojado e imaginativo. Foi assim que John Rõhl, uma destacada autoridade na Alemanha guilhermina, publicou, no começo da década de 1970, dois documentos de considerável importância, “descobertos num baú no porão do castelo Hemmingen, em Wiirttemberg, e numa cesta de roupa suja no sótão do solar Hertfeld, na Alemanha Ocidental junto à fronteira holandesa”,

* O Livre jaune [Livro amarelo], que também pode ser azul, branco, laranja... é uma coletânea de do­cumentos oficiais, diplomáticos, publicada em vários países europeus após acontecimentos importantes, como uma guerra, para permitir a pesquisa em originais. (N. do T.)

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D E S T RU I N DO PROVAS

escreve ele, “quando eu estava procurando cartas”.2 Os dois documentos ficaram escondidos por meio século.

No cômputo geral, nós temos de tirar a conclusão óbvia e de senso comum de que os documentos destruídos ou escondidos eram embara­çosos ou incriminatórios, e que o esforço para apagar ou falsificar o re­gistro histórico foi empreendido a fim de negar a responsabilidade pela guerra.

Como veremos, não obstante, o conhecimento moderno tornou possível, apesar da destruição e da falsificação maciças de provas, revelar grande parte do que realmente aconteceu.

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PARTE OITO

O MISTÉRIO DESVENDADO

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CAPÍTULO 44: REUNIÃO NA BIBLIOTECA

A investigação das circunstâncias em torno da eclosão das hostilida­des em 1914 resulta em descobertas que, em alguns aspectos, pare­

cem com um romance policial. Há a pergunta simples de quem foi: quem, se é que havia alguém, estava por trás do garoto que puxou o gatilho. E também há a pergunta complexa de quem foi: quem, se é que havia al­guém, deliberadamente manipulou a situação resultante visando des­truir a ordem existente na Europa.

A velha história de detetive que se tornou popular com a geração que emergiu da Grande Guerra, particularmente na Grã-Bretanha, fre­quentemente acabava com todos os personagens sobreviventes reunidos numa sala. Lá, no saguão de um navio, no salão de baile de um hotel ou na biblioteca de uma casa de campo, o Hercule Poirot de Agatha Christie ou algum detetive parecido explicaria o que realmente aconteceu e res­ponderia à pergunta elementar: quem foi?

Para nós, em nossa própria investigação, a sala em que nos reunire­mos para fazer nosso sumário tem necessariamente de ser uma bibliote­ca. Os que tiveram um papel na crise de julho já não estão mais vivos. Já

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REUNIÃO NA BI BLI OTECA

não podem mais responder às nossas perguntas em pessoa. Luigi Albertini, o historiador italiano que morreu nos anos de abertura da Segunda Guerra Mundial, foi talvez o último historiador dos acontecimentos de 1914 a poder conduzir sua inquirição investigando à maneira dos detetives: to­mando o depoimento de testemunhas e de suspeitos, interrogando-os, comparando os seus relatos, procurando contradições e discrepâncias. Seus volumes são os últimos de investigação policial.

Uma nova era se abriu, a partir dos anos 1960, com a publicação da pesquisa pioneira de Fritz Fischer, que escavou os arquivos como os arqueólogos escavam em campo. Seu exemplo foi seguido e levou a no­vas descobertas. Memórias tinham sido perdidas, mas arquivos foram encontrados. Hoje em dia, ano após ano, década após década, descober­tas são feitas, novas abordagens são viabilizadas, documentos ocultos são recuperados e exibidos à luz do dia. É verdade, os participantes já não falam mais conosco, mas a literatura fala.

Milhares de volumes foram escritos sobre as origens da Primeira Guerra Mundial; destes, porém, talvez uns cinquenta ou cem da era pós-Fischer, tomados em conjunto, componham, pelo menos em seus detalhes principais, um relato fidedigno do que aconteceu naquele verão seminal de 1914, com cujas consequências nós ainda vivemos.

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CAPÍTULO 45: O QUE NÃO ACONTECEU

Na era pós-Fischer, os estudiosos revisaram muitas das opiniões que se costumavam sustentar sobre as origens da Grande Guerra. Mas

o conhecimento não impregnou eficazmente a consciência do público mais amplo. Grande parte do que as pessoas continuam a dizer e pensar sobre os acontecimentos de julho de 1914 é hoje questionada e contes­tada pelos estudiosos.

Segundo os estudos mais recentes e convincentes, não é verdade, como o homem nas ruas parece ter acreditado na época, e como os in­gleses e outros deveriam escrever mais tarde, que o mundo europeu de junho de 1914 fosse uma espécie de Éden no qual a eclosão das hostili­dades entre as principais potências foi uma surpresa. Ao contrário, como reconheciam as elites políticas e militares, a Europa era presa de uma corrida armamentista sem precedentes; internamente, as potências eram vítimas de uma violenta rivalidade social, industrial e política; e os Esta- dos-maiores trocavam idéias constantemente, não sobre se haveria ou não guerra, mas quando e onde seria.

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O QUE NÃO A C O NT E CE U

Mesmo onde surgiram transtornos, longe de emergirem como sur­presa, eles puderam ser discernidos previamente. As chancelarias da Europa previam que os instáveis Bálcãs estariam rapidamente prontos para uma outra rodada de guerras, em que o Império Otomano podia desaparecer completamente da Europa. Os líderes alemães se preocupa­vam com a possibilidade (que alguns líderes russos esperavam) de o Im­pério Habsburgo também desmoronar. AÁustria-Hungria afligia-se com a possibilidade de não ser capaz de conter a maré eslávica. A Alemanha aumentava os impostos para acelerar seus programas militares a taxas insustentáveis; dava fortemente a impressão de que teria de lançar rapi­damente uma guerra ou desistir. O que ninguém sabia era quando ia haver guerra: em que ano ou, caso seja, em que década.

A Europa que pegou em armas no verão de 1914 não era um lugar calmo e pacífico. Estava dilacerada por milhares de inimizades e era cons- picuamente belicosa.

Tampouco é verdade, pelo menos na minha opinião, que a marcha para a guerra começou em 28 de julho, e em Sarajevo. Foi a Segunda Guerra dos Bálcãs e suas consequências que convenceram Berchtold e seu Minis­tério das Relações Exteriores de que a Áustria-Hungria tinha de destruir a Sérvia. Será lembrado que Viena começou a esboçar seu plano-memoran- do para esmagar a Sérvia duas semanas antes dos acontecimentos de Sarajevo.

Quanto à Alemanha, foi a expansão militar, ferroviária e industrial russa após 1905 que despertou em seus generais o desejo urgente de lançar uma guerra preventiva contra a Rússia e sua aliada, a França. Por isso eles olhavam com tristeza para 1905: tanto a Rússia quanto a França estavam temporariamente enfraquecidas naquele ano, e poderiam ter sido facilmente derrotadas. As raízes da iniciativa alemã podem ser data­das, consequentemente, nalgum momento da década 1904-1914, quando seus líderes militares começaram a advogar a proposta de guerra preven­tiva. O gesto, ele mesmo, teve lugar repentinamente na última semana de julho de 1914, quando eles agarraram a oportunidade e optaram por provocar a guerra preventiva com que tão longamente sonharam.

Na sequência dos assassinatos de 28 de junho, Viena acreditou que eram produto de um complô arquitetado e organizado pela Sérvia. Revelou-se

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O ÚLTIMO VERÃO EUROPEU

que isto não era inteiramente verdade. A Sérvia tinha algumas responsa- bilidades, mas não todas.

O assassinato, como vimos, foi cometido por uma pessoa, um bósnio e, conseqiientemente, súdito austríaco, e não sérvio. Ele agiu provavel­mente (mas não certamente) por iniciativa própria, ainda que fosse as­sistido por outras pessoas. Seu ato — hoje podemos confirmar — foi viabilizado pelo apoio de oficiais dissidentes do Exército sérvio.

Não há dúvida de que a bala que matou o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando em Sarajevo no final da manhã de domingo, 28 de junho de 1914, veio de uma arma manuseada pelo estudante secun­dário terrorista Gavrilo Princip.

Embora afirmasse o contrário durante alguns poucos dias após a sua captura, Princip não agiu inteiramente só. Ele pode ter originado só a idéia de assassinar Francisco Ferdinando, como manteve até o final, mas liderava uma equipe. Como ele, os outros eram jovens amadores motivados por ideologias nacionalistas ou afins. Outro membro do seu bando tentou o assassinato, mas fracassou. No final, Princip agiu sozi­nho. Não houve terceira bala. Não houve elevação gramada.*

A trama do assassinato talvez não tivesse êxito sem o apoio essen­cial da sociedade secreta sérvia Mão Negra, que proveu armas, treina­mento de tiro e uma “estrada de ferro clandestina”** para contrabandear Princip e um colega através de postos de fronteiras e alfândegas da Sérvia até a Bósnia. A Mão Negra, por sua vez, recorria ao apoio de funcioná­rios do baixo escalão do governo sérvio e aos recursos da organização cultural nacionalista sérvia Narodna Odbrana.

Apis e seus principais lugares-tenentes, os ativos chefes da Mão Negra, eram oficiais do alto escalão do Exército que se infiltraram no governo sérvio. Tratava-se de uma facção político-militar conspirando contra o primeiro-ministro; assim, o primeiro-ministro não era responsá­vel pelo que eles fizeram.

* Trata-se da tradução literal da expressão “grassy knoll”, que se tornou genérica, conotando trama oculta ou subterfugio, a partir das especulações sobre a existência de conspiração no assassinato do presidente John Kennedy, o terceiro tiro tendo sido disparado de uma elevação gramada à direita do automóvel presidencial. (N. do T.)

’* A expressão entre aspas evoca a memória das rotas de fiiga do movimento antiescravista conhecido na história dos Estados Unidos como Underground Railroad. Do século XVII ao XIX, homens e mulheres ajudaram escravos africanos a fugirem para a liberdade por meio de uma complexa rede informal de caminhos e meios clandestinos através de campos, rios e florestas. (N. do T.)

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Rumores circularam na época e durante décadas a seguir de que a Rússia deu apoio financeiro à Mão Negra e aos conspiradores de Sarajevo. Parece que isto não tem base. Adidos diplomáticos mais jovens de fé pan-eslava podem ter sabido da ajuda de Apis a Princip e podem ter expressado simpatia, mas eram indivíduos que não representavam seu governo na questão. O homem pan-eslavo da Rússia nos Bálcãs, Hartwig, o representante na Sérvia, apoiou o primeiro-ministro Pasic contra a Mão Branca, e isso certamente há de ter excluído a possibilidade de qualquer ajuda dos russos ao grupo terrorista.

Princip, que matou Francisco Ferdinando, o fez por um amontoa­do de razões mal informadas. Embora o arquiduque fosse o membro mais pró-eslavo da hierarquia Habsburgo, o jovem acreditava que ele fosse antieslavo. Princip temia que as manobras militares anuais que Francisco Ferdinando estava inspecionando mascarassem uma força de invasão que lançaria um ataque surpresa contra a Sérvia (falso). Princip tinha ouvido falar que o herdeiro era um moderado cuja política de atra- ção podia colocar todos os eslavos dos Bálcãs sob controle austríaco.

Como outros terroristas, Princip deve ter acreditado que matar os líderes do governo desmoralizaria as classes governantes. Ele tinha aca­lentado esperanças de assassinar outro funcionário Habsburgo, até ou­vir sobre a planejada viagem do arquiduque.

Parece que Apis, que facilitou a façanha de Princip, não tinha mui­to mais informação do que Princip sobre a política que Francisco Ferdi­nando propugnava. Porém, a questão da motivação de Apis é mais complexa. Como destacou A. J. P. Taylor, Princip e seus amigos secundaristas, na época em que se fizeram conhecer por agentes da Mão Negra, não podiam inspirar muita confiança como grupo de matadores. Eram adolescentes amadores sem qualquer treinamento ou experiência militar, e sem nenhum conhecimento de armas. Como iriam passar pela guarda pessoal daquela que seria uma das figuras políticas mais fortemente bem guardadas da Europa? Não há dúvida, somente uma série de erros graves e de coincidências que ninguém podia ter esperado levou ao bom êxito da trama de Princip.

Não é mais provável que, como Taylor sugeriu, Apis tenha decidi­do facilitar os planos do pequeno bando de adolescentes incompetentes por ter suposto que eles iriam fracassar? Se assim tivesse sido, sem dar

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um pretexto à Áustria para tomar iniciativas, a tentativa de assassinato podia ter seriamente embaraçado o primeiro-ministro sérvio — i n im igo de Apis - , especialmente nas iminentes eleições de 14 de agosto. Assim, enquanto o mundo sempre pensou que os assassinatos de Sarajevo fos­sem um episódio na política internacional, eles podem ter sido planeja­dos na época mais como uma manobra na política interna sérvia.

Acreditou-se amplamente que as ações da Áustria-Hungria, desde a Afron­ta em 28 de junho até a declaração de guerra contra a Sérvia, em 28 de julho, foram inspiradas por um desejo de punir o culpado. Argumenta­ram os críticos que Viena estava julgando rápido demais - que estava condenando a Sérvia com base em provas insuficientes.

Na verdade, como agora sabemos, a Áustria-Hungria não dava importância ao fato de a Sérvia ser ou não culpada dos assassinatos. Ao contrário, alguns membros da corte imperial chegaram perto de dar boas- vindas ao assassinato. O governo da Áustria-Hungria, nem zangado nem triste pela morte do arquiduque e sua consorte - na verdade, aliviado de que o casal que ninguém amava tivesse sido tão convenientemente re­movido de cena - , usou os acontecimentos de 28 de junho como descul­pa para fazer o que havia planejado fazer de qualquer modo. Ainda melhor, os assassinatos proveram uma oportunidade de garantir o apoio da Alemanha, que era vital para o sucesso do plano austríaco de atacar a Sérvia. Até o 28 de junho, a aprovação alemã era tudo que estava faltando.

O cáiser Guilherme normalmente teria se recusado a dar apoio a uma agressão austríaca. Ele já o havia recusado antes. Mas ele — pratica­mente sozinho - estava genuinamente ultrajado pelo assassinato do ami­go, ou pelo menos dava impressão de estar. Evidentemente, estava arrebatado. Como o seu ídolo homérico, Aquiles, ele mudou de idéia e optou pela guerra para vingar o seu melhor amigo.

Mais tarde, tornou-se lugar-comum entre historiadores que os assassi­natos em Sarajevo serviram como mero pretexto para desencadear a guerra contra a Sérvia. Eles foram um pretexto, mas não um mero pretexto. Os assassínios foram importantes em si mesmos, pois ao eliminar o arqui­duque e mudar a posição do cáiser, eles neutralizaram a oposição das

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duas pessoas que provavelmente continuariam a impedir o governo Habsburgo de tomar a iniciativa de subjugar a Sérvia.

Os acontecimentos-chave subsequentes da evolução na direção da guer­ra com a Sérvia ocorreram em 5-6 de julho, quando o cáiser Guilherme e seu governo deram o cheque em branco para a Áustria-Hungria. Cor- retamente, os historiadores têm condenado este gesto: um governo é responsável por suas decisões; assim, um cheque em branco dá poder sem responsabilidade a um grupo de dirigentes, e responsabilidade sem poder ao outro.

Mas a Alemanha não teve motivos para lamentar a sua insensatez de ter emitido um cheque em branco; na prática, o cheque jamais foi usado. Falando cruamente, em vez de tomar decisões estouvadamente pela aliada, a Áustria continuou recebendo ordens da Alemanha. O chanceler Bethmann planejou a estratégia de invasão que Berchtold e seu governo se encarregaram de seguir; foi Berlim, não Viena, que pre­parou a campanha diplomática pela “localização” que se seguiu.

É verdade que os austríacos não cancelaram a guerra quando o cáiser lhes deu ordens para fazê-lo no final de julho, mas quando declararam guerra contra a Sérvia, em 28 de julho, foi porque o ministro alemão das Relações Exteriores tinha lhes dito para fazê-lo.

O cheque em branco nunca foi descontado, mas seria errado dizer que sua emissão se mostrou irrelevante. Foi somente pela segurança que ele deu que Francisco José, Berchtold e Conrad tomaram o caminho que levou à guerra contra a Sérvia.

Foi o cáiser quem decidiu dar o cheque em branco. Seus líderes militares e civis aprovaram a decisão, compartilhando assim a responsa­bilidade. Apesar de todo o ódio dirigido contra ele pelos Aliados na guerra de 1914-1918 — “Enforquem o cáiser!”, dizia um canto popular na Grã-Bretanha o cheque foi o único aspecto pelo qual ele figurava entre os principais responsáveis pela eclosão da guerra.

Por mais que fosse um monarca turbulento, ameaçador e desequi­librado, o cáiser não queria levar seu país e a Europa a uma guerra. Ao contrário, ele era a principal força a favor da paz no governo do seu país. Guilherme e Francisco Ferdinando eram as duas figuras públicas mais

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detestáveis da Europa, mas eram eles quem mantinham os irascíveis sob controle e, no fim das contas, sempre optavam pela paz. Somente quan­do foram removidos do processo de tomada de decisões, Francisco Fer­dinando permanentemente e Guilherme apenas provisoriamente, é que a facção pró-guerra encontrou aberta a sua janela de oportunidade. Mesmo na questão do cheque em branco, o cáiser não acreditava que estava iniciando uma guerra entre as grandes potências. Ele pensava es­tar estimulando a Áustria a fazer a guerra contra a Sérvia, mas que ne­nhuma das outras potências entraria em guerra. Ele parecia ter certeza disso.

O próprio nome que os historiadores deram aos 37 dias desde os acon­tecimentos de Sarajevo até a guerra mundial - a “crise de julho” — tende a enganar. Ele sugere uma tensão gradativa, dia a dia; porém, conforme observou-se anteriormente, não foi assim que os acontecimentos se desenrolaram.

A conferência do cheque em branco de 5-6 de julho e suas decisões foram secretas, e os governos da Alemanha e da Áustria tiveram êxito, em seguida, em fingir que nenhuma preparação estava em curso para a queda da Sérvia. Assim, desprevenida, a Europa não ficou alarmada, nem gradativamente nem de nenhum outro modo.

Uma cópia do ultimato austríaco à Sérvia foi entregue aos Ministé­rios das Relações Exteriores europeus em 23 ou 24 de julho, e foi somente então que a crise foi detonada. Para a Rússia e a Grã-Bretanha, foi em 24 de julho; para a França, aconteceu quase uma semana depois, quando Poincaré e Viviani retornaram da Rússia.

O ultimato que a Áustria-Hungria entregou à Sérvia em 23 de julho chocou a Europa. A opinião disseminada na época era de que nenhum país que aceitasse seus termos poderia permanecer independente.

Mas depois das experiências do brutal século XX, os historiadores ficaram menos sensíveis; já não acham as exigências da Áustria ultrajan­tes. Nós continuamos a nos questionar em relação à época; os sérvios não deviam ter recebido um ultimato. Mas achamos que a Sérvia é em grande parte culpada.

A Sérvia abrigava, e talvez até fomentasse, grupos terroristas. Ela foi o campo de treinamento e a plataforma do comando assassino que

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matou o herdeiro aparente dos Habsburgo. Além disso, o povo sérvio tinha claramente exultado com o assassinato.

A decisão da Áustria de responder com a invasão da Sérvia, o des­mantelamento do apoio logístico aos terroristas, a dispersão das organiza­ções que tenham apoiado ataques contra a Áustria e o esforço de levar os culpados a julgamento têm uma aura de século XXI. Em 2001, o governo dos Estados Unidos, com a ajuda dos seus aliados da OTAN, agiu de modo semelhante no Afeganistão, no despertar do novo milénio.

O princípio de que cada governo deve impedir forças armadas de usar seu território como base para atacar outros países é básico para o direito internacional. Mas se um governo não tem o poder de impor a lei dentro dos seus próprios domínios — se não tem o poder de impedir que seu território seja usado para agredir outros países - , ele terá seu direito à soberania confiscado nesse aspecto, e o país prejudicado poderá enviar suas próprias tropas para punir os culpados e prevenir novos ataques. Foi no exercício desse direito que as forças americanas do general John Pershing receberam ordens de perseguir o bando de Pancho Villa den­tro do território mexicano, após a incursão de Villa, em 1916, no terri­tório estadunidense.

Acreditou-se na época que, em sua resposta, a Sérvia tinha concordado com quase todos os termos da Áustria. Os historiadores já não acredi­tam mais nisso. Os leitores poderão julgar por si mesmos por meio da leitura das notas (Apêndices 1 e 2).

Tendo de encarar os eleitores do seu turbulento país em 14 de agosto, o primeiro-ministro Pasic precisava convencê-los de que estava fazendo poucas concessões, ao mesmo tempo em que, ao responder a Viena, precisava dar a impressão de que concordava com todas as concessões exigidas. O documento foi, portanto, minutado para ser ambíguo.

A Rússia foi acusada por alguns historiadores de encorajar Pasic a evitar a rendição total. A visão corrente entre historiadores, hoje, é de que a Rússia não deu tal conselho e, ao contrário, estimulou a Sérvia a fazer a paz com a Áustria.

O nó da questão é perceber que o que Pasic escreveu na resposta ao ultimato não tinha importância: a Áustria decidira previamente não acei­

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O ÚL TI MO VERÂO EUROPEU

tar a resposta sérvia, não importa qual fosse. O ultimato, na verdade, foi escrito com o objetivo de tornar praticamente impossível a Sérvia aceitá-lo.

A Áustria continuou a mover-se lentamente, mas sempre adiante, como vinha fazendo desde 5-6 de julho. Ela apresentou seu ultimato à Sérvia em 23 de julho, rejeitou a resposta em 25 de julho e declarou guerra ao país em 28 de julho. Depois disso, tomou medidas para se preparar para enfrentar o inimigo.

Acreditou-se amplamente durante longo tempo que a estrutura política do mundo europeu em 1914 - em particular o sistema de alian­ças supostamente rígido demais - fez o conflito aumentar e envolver as grandes potências. Retrospectivamente, isso não parece ser verdade. A Itália estava ligada à Alemanha e à Áustria na Tríplice Aliança, mas per­maneceu neutra em 1914, juntando-se depois aos Aliados. A Grã- Bretanha, por outro lado, não tinha nenhum tratado de aliança com a França e a Rússia, mas contudo se uniu a elas. Os tratados, portanto, não determinaram que países decidiram lutar e em que lado.

Os pactos de aliança não levaram países à guerra. Ao contrário, o siste­ma de alianças (como observou Kurt Riezler, secretário de Bethmann) restringia o aventureirismo e conduzia à paz, pois cada país tendia a desestimular seus aliados a correrem riscos com questões em que somen­te um deles tivesse interesses sérios. A França geralmente desencorajava a Rússia nos Bálcãs, ao passo que a Rússia acautelava a França quanto ao Marrocos. Os co-partícipes continham o ímpeto uns dos outros porque não queriam participar das disputas dos outros.

Os tratados eram normalmente defensivos, um país prometendo ajuda apenas se o outro fosse atacado. Isso mudou crucialmente em 1909. Ignorando a linguagem do tratado de aliança de 1879, Moltke, apoiado por seu governo, afirmou que a Alemanha era obrigada a apoiar a Áus­tria mesmo se ela tivesse começado a guerra.

Foi essa disposição alemã de apoiar um aliado, certa ou errada, que causou a derrubada da ordem européia em 1914? Poderia ter causado, mas não o fez: a Alemanha não apoiou cegamente a agressividade da Áustria; ao contrário, ela levou-a à agressividade e lhe deu ordens para ir

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O QUE NÃO A C O NT E CE U

mais longe e mais rápido. A aliança austríaca não arrastou a Alemanha para a guerra; foi a aliança alemã que empurrou a Áustria à guerra: a guerra contra a Rússia e seus aliados mundiais.

O que então causou a guerra? Ou quem?Na tarde do dia 31 de julho, quando a Alemanha se preparava para

dar início às hostilidades, o chanceler Bethmann, num discurso ao seu gabinete, concluiu dizendo que “todos os governos - inclusive o da Rússia— e a grande maioria das nações são em si pacíficos, mas a situação fugiu ao controle”.

A situação fugiu ao controle! Eis a mais difundida das explicações. Ela parecia justa e imparcial. Absolvia os políticos de culpa, muitos dos quais certamente não eram responsáveis. E, o melhor de tudo, provia uma resposta plausível à questão de outro modo desconcertante do que causara a guerra — e do que significava “causa” naquele contexto. Porém, como o historiador Marc Trachtenberg e outros argumentaram convin­centemente, não iria funcionar, pois os dirigentes compreendiam as con­sequências dos seus atos.

É verdadeiro dizer que a França, a Rússia e a Sérvia não estavam totalmente no controle das suas respectivas situações. Todas queriam per­manecer em paz, mas a paz não era uma opção disponível para elas. Mas não foi pelas consequências involuntárias da mobilização, pelas exigências de cronogramas ferroviários ou por requisitos do sistema de alianças que uma guerra lhes foi imposta no verão de 1914. Foi porque elas foram atacadas. Elas foram atacadas pela Alemanha e pela Áustria.

Diz-se frequentemente que o que levou à guerra foi a decisão russa de mobilizar-se. Em outras circunstâncias, isso poderia ser verdade. Mas não era verdade nas circunstâncias do verão de 1914. O governo alemão tinha decidido entrar em guerra antes de a Rússia mobilizar-se; conse- qiientemente, a decisão alemã não pode ter sido causada pela decisão russa. E longe de temerem a mobilização russa, os líderes alemães a es­peravam e aguardavam: era a sua desculpa para conseguirem conquistar o apoio essencial do seu povo.

Sazonov, o ministro da Relações Exteriores russo, sabia que se a Rússia se mobilizasse, a Alemanha, colocando a culpa na Rússia, decla­

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O ÚL TI MO VERÃO EUROPEU

raria guerra; e ele não optou pela mobilização até estar convencido de que se a Rússia não se mobilizasse, a Alemanha ia fazer exatamente a mesma coisa: culpar a Rússia e declarar guerra. Assim, a questão da mobilização teve de ser pensada em São Petersburgo apenas em seus méritos como medida militar.

Se, conforme mostra a evidência, o governo austro-húngaro impôs deli­beradamente uma guerra à Sérvia, e iniciou-a lançando um ataque não provocado, e se, como mostra a evidência, o governo alemão deliberada­mente impôs uma guerra à Rússia, à França e à Bélgica, e começou-a lançando um ataque não provocado, significa isto que a Áustria e a Ale­manha devam ser declaradas culpadas de ter iniciado a guerra? Não - não no mundo de 1914.

A culpa, nesse contexto, é um conceito posterior à guerra e não anterior a ela. Até a Grande Guerra de 1914, a guerra era uma atividade internacional usual. Era considerada, por exemplo, por Theodore Roose- velt em passagens citadas anteriormente, tão saudável quanto desejável. Nós não pensamos mais assim, mas seria injusto julgar os homens de 1914 pelos nossos padrões, em vez de fazê-lo pelos seus próprios.

Além disso, Moltke e seus colegas, e Berchtold e os seus, não pen­savam que estavam começando uma guerra que podia ser evitada — guer­ras que, não fosse por eles, não teriam ocorrido. Do modo como viam, eles estavam apenas precipitando, em 1914, guerras que de qualquer maneira teriam eclodido posteriormente. Eles só eram responsáveis pelo momento e a cadência dos conflitos, não pelos próprios conflitos.

Finalmente, somente as pequenas camarilhas governantes da Ale­manha e da Áustria-Hungria foram responsáveis por desencadearem e levarem a cabo a suas respectivas guerras. Os povos que elas governavam nada tiveram a ver com isto.

Dizia-se que os rígidos requisitos do plano Schlieffen, da Alemanha, inexorável como as batidas de um relógio, forçaram a Alemanha e, por conseguinte, a Europa a entrar em guerra. Esse é o assunto de grande parte da literatura sobre o tema. Nós sabemos que, no sentido relevante da

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palavra “plano”, não havia nenhum plano Schlieffen. O que Schlieffen projetou em seu memorando foi um simples cenário. A Alemanha iniciou a guerra não conforme o memorando de Schlieffen, mas sim conforme o plano operacional de desdobramento de Moltke.

O QUE NÃO A C ON T E C E U

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CAPÍTU LO 46: A CHAVE PARA O QUE ACONTECEU

Muito aconteceu naquele remoto verão de 1914, um verão que de muitas maneiras ainda está conosco. A questão é, o que aconte­

ceu para causar uma guerra mundial?Há aspectos da história que sempre foram embaraçosos. Num cer­

to sentido, não se podia esperar outra coisa: enormes quantidades de indícios essenciais foram destruídas porque dariam respostas às nossas questões. Porém, os grandes estudiosos da era pós-Fischer recuperaram tanta coisa do passado que hoje temos a possibilidade de preencher as lacunas com relativa certeza de o fazermos corretamente.

Nós sabemos como o conflito entre a Áustria e a Sérvia rompeu abertamente. A Áustria andava ressentida com a Sérvia desde 1903, quan­do um golpe de Estado em Belgrado causou uma mudança de orienta­ção naquele reino balcânico, transformando-o de satélite austríaco em aliado russo. Nós sabemos que nas guerras balcânicas que acabaram em 1913, a Áustria desenvolveu um temor mortal da Sérvia. Há regis­tros claros de que, em meados de junho de 1914, sob ordens de seu chefe, o ministro das Relações Exteriores Habsburgo estava trabalhando

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num memorando que reclamava a destruição da ameaça sérvia; plano que exigiria o apoio alemão. Aí jaz o problema. Pois quando o impera­dor alemão foi solicitado a dar apoio total à Áustria em meados de junho de 1914, ele declinou fazê-lo.

O assassinato inteiramente fortuito de Francisco Ferdinando e Sophie, bem no momento em que o memorando estava sendo redigido, forneceu um argumento emocionalmente poderoso que levou o cáiser a mudar de idéia. Foi puro acidente, mas resultou em que Guilherme e seus funcionários dessem a Viena, em 5-6 de julho, a carta branca que o cáiser havia recusado apenas uma semana antes.

Na época, o cheque em branco não parecia ser um compromisso tão fatídico quanto hoje, em retrospecto. A Alemanha se encarregou apenas de impedir que outras potências européias interviessem enquan­to a Áustria-Hungria agia contra a Sérvia. O cáiser e muitos dos seus funcionários não viram risco em assumir o compromisso; eles estavam absolutamente certos - e por boas razões — de que outros países nada fariam se a Áustria-Hungria agisse rápido. Outros funcionários alemães- notadamente Falkenhayn, o ministro da Guerra - acreditavam que a Alemanha não seria convocada para o que quer que fosse, porque a Áus­tria-Hungria não iria agir.

Ao sair das reuniões de 5-6 de julho e embarcar, como outras figu- ras-chaves na encenação de férias, o cáiser Guilherme estava avaliando que a Áustria levaria de uma a três semanas para se ver livre da Sérvia. Voltando das férias três semanas mais tarde, os líderes militares alemães encontraram as suas piores suspeitas confirmadas: a Áustria não tinha destruído a Sérvia enquanto eles estavam fora. Adiando mais uma vez, Conrad, líder dos Exércitos dos Habsburgo, estimava agora que suas forças não estariam prontas para marchar antes de quatro semanas; esta­belecera então a data de 12 de agosto.

Essa foi a situação à qual retornaram os generais alemães, dando iní­cio a consultas informais uns com os outros na última semana de julho.

Esta é a história do duelo mortal da Áustria com a Sérvia no começo do século XX: como começou, como evoluiu para a sua fatídica conclusão. Como o duelo acabou? É significativo que esta pergunta seja feita tão raramente. Durante a última semana de julho de 1914, a Europa parece

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O ÚLTI MO VERÃO EUROPEU

ter perdido o interesse pela guerra austro-sérvia. Esta guerra tinha feito a sua parte. Tinha preparado o caminho. Mas então, em certa medida, sumiu da vista.

Os principais atores do drama que se desdobrou em Berlim na última semana de julho foram os chefes militares alemães. Falkenhayn tinha dito ao cáiser que a partir daquele momento a questão estava fora de seu controle (do cáiser), e o cáiser parece tê-lo aceitado, pelo menos em parte. Contudo, em outras oportunidades ele agia e falava como se ainda fosse o responsável. Não houve golpe de Estado militar, ainda que o cáiser - e o chanceler - tenha divergido mais tarde naquela semana das opiniões dos generais.

O que havia mudado no final de julho era que os militares estavam assumindo o controle ativo da situação. O cheque em branco tinha sido política do cáiser, embora seus oficiais tenham feito objeção; e o conse­lho para a Áustria sobre como alcançar seus objetivos foi formulado pelo chanceler, um civil. O plano de Bethmann era a Áustria lançar uma invasão para esmagar a Sérvia tão rapidamente que a operação estaria concluída antes de outras potências européias terem tempo de intervir ou mesmo protestar. Era para estar feito antes de as potências tomarem consciência do que estava começando a acontecer. Bethmann fora en­carregado de monitorar o desempenho austríaco. A Áustria não tinha desempenhado bem. Então os militares da alta hierarquia estavam pro­pondo planos de sua lavra.

Moltke sempre acreditou que a guerra contra a Rússia fosse inevi­tável - que era um encontro fadado entre germânicos e eslavos, e que o tempo estava do lado da Rússia; de modo que, tão logo fosse possível, a Alemanha tinha de iniciar uma guerra preventiva. Essa era a sua doutri­na, então, na crise de julho, e parece que dos seus colegas oficiais, bem como do Estado-maior como um todo.

Mas as circunstâncias tinham de ser favoráveis, dizia Moltke frequen­temente, assim como seus colegas.

Quais eram as circunstâncias necessárias?Na crise do Marrocos em 1911 — a crise de Agadir — a Alemanha

aprendeu que os Habsburgo não apoiariam interesses que fossem apenas

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A CHAVE PARA O QUE A C ON T E C E U

alemães. Entretanto, os austríacos esperavam que a Alemanha os apoiasse \ em defesa dos seus próprios interesses. Tratava-se, neste sentido, de uma aliança de mão única.

Apenas algumas décadas antes, a Prússia tinha alcançado seu obje- tivo de excluir a Áustria do restante do mundo germânico. É no âmbito das ambiguidades e ambivalências convolutas do relacionamento entre Berlim e Viena - rivais unidos por necessidade recíproca - que está a explicação dos acontecimentos em desdobramento.

A aliança Habsburgo era vital para a grande estratégia da Alema­nha. Na guerra que Moltke via chegar, ele precisava que os Exércitos da Áustria-Hungria o ajudassem a se defender da Rússia nas semanas ini­ciais, enquanto a Alemanha se preocupava com a França.

Assim, vários requisitos fundamentais de Moltke para uma circuns­tância favorável à guerra envolviam a Monarquia Dual. A disputa tinha de começar como um conflito austríaco, não alemão; de outro modo, a Áustria não iria tomar parte. Inicialmente, cabia à Áustria determinar o passo. A pendenga tinha de ser tal que provocasse a Rússia. No começo a Alemanha só apareceria no conflito como protetora da Áustria. Como resultado, a Rússia teria de atacar a Alemanha — ou pelo menos tinha de parecer ao público alemão que a Rússia tinha atacado.

Qualquer general alemão em Berlim no final de julho podia ver que por um grande golpe de sorte as estrelas estavam na posição correta, e que era improvável que as constelações fossem tão favoráveis outra vez. Moltke era apenas um entre os que diziam isto.

Assim, na última semana de julho, os generais em Berlim estavam se agitando em prol da guerra — não de uma guerra austríaca, uma guerra dirigida contra a Sérvia, mas uma guerra alemã, dirigida contra a Rússia.

O que parece ter sido mistificado pelos historiadores durante décadas, ao tentarem responder todo tipo de questão sobre as origens da guerra de 1914, é que havia duas guerras sendo propostas naquele verão, não uma.

Além disso, as duas guerras não eram inteiramente compatíveis entre si. Havia algo sobre Moltke e Conrad não serem completamente since­ros um com o outro. Uma vez começadas as hostilidades, ficaria claro que Conrad necessitava de todas as suas tropas para submeter a Sérvia, ao passo que Moltke queria todos os Exércitos de Conrad para precaver- se contra a Rússia.

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O ÚLTIMO VERÃO EUROPEU

Cada um deles esperava que, chegada a hora, o outro fosse abrir mão da sua guerra. Conrad desejava que a Alemanha apenas dissuadisse— não combatesse realmente — a Rússia, enquanto ele estava destruindo a Sérvia. Moltke insistia em que a Áustria protelasse os seus objetivos próprios até a Alemanha ter alcançado os dela.

A posição alemã tornou-se inequivocamente clara em 31 de julho, com a mobilização. Naquele dia, Guilherme passou, por telegrama, a Fran­cisco José uma mensagem para a qual o historiador Fritz Fellner chamou a justo título a atenção. Guilherme disse a Francisco José: “Nesta dura luta, é da maior importância que a Áustria dirija sua força principal contra a Rússia e não a divida em razão de uma ofensiva simultânea contra a Sérvia. [...]1 Nesta luta gigantesca em que estamos nos envol­vendo ombro a ombro, a Sérvia desempenha um papel completamente secundário.” Não era o que os líderes Habsburgo queriam ouvir e, como veremos agora, Conrad só obedeceu com relutância - e lentamente. A mensagem era: dedique-se à nossa guerra, porque esta é a guerra impor­tante, e adie a sua, que não é importante, até estarmos em posição de voltar nossa atenção para assuntos menores.

Ressaltar a distinção entre as duas guerras ajuda a responder muitas das perguntas que sempre foram feitas sobre a crise de julho. Uma delas, formulada sob várias roupagens desde o começo, é por que pessoas de todas as partes do planeta estavam lutando e morrendo por causa de algo que tinha acontecido com duas pessoas, Francisco Ferdinando e Sophie, sobre quem a maioria nada sabia.

A resposta é: não era por isto que pessoas em lugares tão distantes do mundo estavam lutando e morrendo. A guerra local entre a Áustria e a Sérvia estava ligada a Francisco Ferdinando e Sophie, mas a grande guerra não; a guerra mundial realmente não era o mesmo conflito, era causada pela luta pela supremacia entre as grandes potências européias. O desejo de ser número um pode ser uma razão deplorável para iniciar uma guerra, mas não é surpreendente nem desconcertante que tenha sido isso o que motivou as potências. A Alemanha começou deliberada­mente a guerra européia, para evitar de ser alcançada e superada pela Rússia.

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A CHAVE PARA O QUE A C O N T E C E U

Houve um certo paralelo entre as origens das duas guerras. A guer­ra austro-sérvia supostamente foi desencadeada pelos assassinatos em Sarajevo, mesmo que a trama austríaca contra a Sérvia tenha sido urdida duas semanas antes. De modo semelhante, o governo alemão lançou mão de um pretexto para começar uma guerra mundial, e esse pretexto foi a possibilidade de a Rússia vir a intervir na guerra austro-sérvia. As­sim, pretexto foi empilhado sobre pretexto, e um tanto de poeira jogado nos olhos da posteridade. As duas guerras estavam entrelaçadas, mas, para repetir — eram diferentes e individuais; e no final, a Alemanha fez a Áustria descartar a sua própria guerra em favor da guerra alemã.

Em julho de 1914, os generais alemães tiraram vantagem das suas semanas de férias para meditar sobre seus planos. Eles não estavam intei­ramente isolados dos acontecimentos; tinham feito arranjos para man- terem-se informados. Eles voltaram a Berlim exigindo a guerra. Não uma guerra contra a Sérvia. Uma guerra contra a Rússia, para a qual a crise sérvia tinha lhes dado uma desculpa.

Deve-se notar que os generais russos ainda não tinham feito nada quando os generais alemães retornaram a Berlim entre 23 e 27 de julho. Os russos não tinham intervindo nem interferido. Tinham apenas em­preendido uma pré-mobilização mínima (em 26 de julho).

Assim, o que estava fazendo a temperatura subir a níveis de febre em Berlim era a perspectiva de o governo poder atacar a aliança franco- russa em 1914, em vez de depois. Os generais alemães tinham se decidi­do sobre a guerra antes de a Rússia mobilizar-se (em 31 de julho), portanto- conforme destacado anteriormente - não foi a mobilização russa (como se afirma tão frequentemente) que começou a guerra. Até onde pode­mos dizer, a questão que angustiava Moltke, fazendo-o mudar aparente­mente de idéia, era se devia tomar Liège imediatamente, como ele precisava absolutamente fazer, ou esperar a Rússia ordenar a mobilização e assim dar ao seu governo uma desculpa para declarar guerra.

Uma vez compelida a Rússia, ao ordenar a sua mobilização, a guerra sérvia, local e comparativamente pequena, podia ser ignorada, e a guerra mundial das grandes potências podia começar. Historiadores es­creveriam que a guerra local sérvia de algum modo fugiu ao controle, entrando em escalada até virar guerra mundial. Mas uma não virou a outra. Ao contrário, foi preciso colocar uma de lado para poder começar a outra.

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O ÚLTIMO VERÃO EUROPEU

Duas guerras, não uma; eis a chave.SzVMichael Howard, com sua habitual clareza, explicou o que con­

fundiu os estudiosos da Primeira Guerra Mundial desde sempre: não havia lógica na decisão alemã. Concordando com Clausewitz de que planos militares não têm lógica inerente, Sir Michael escreve: “Certa­mente não havia lógica na decisão tomada pelo Estado-maior de que, para apoiar os austríacos num conflito com a Rússia por causa da Sérvia, a Alemanha devia atacar a França, que não era parte na disputa, e fazê-lo invadindo a Bélgica.”2

Se você apagar as palavras em itálico — pois agora sabemos que a Alemanha instigou a guerra contra a Rússia por conta própria, e não a Áustria - , o quebra-cabeça está montado. E isso mostra que não havia lógica nas decisões do Estado-maior alemão. Não foi para apoiar os aus­tríacos que os líderes alemães fizeram suas manobras em julho. Foi exata- mente o contrário; foi para garantir o apoio da Áustria para si mesmos em sua própria guerra. Os generais alemães tiveram de usar o expediente de primeiro fazer a Áustria se envolver na guerra e depois fazê-la trocar de inimigo.

As duas guerras eram em certa medida incompatíveis. Só podemos enxergar isso, contudo, se primeiro virmos que havia duas guerras, não uma.

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CAPÍTULO 47: QUAL O PORQUÊ?

íando afirmamos que isto ou aquilo foi o “porquê” da guerra,jodemos estar dizendo um sem-número de coisas diferentes, en­

tre elas: a razão que os tomadores de decisão deram para entrar em guer­ra; a razão em que realmente acreditavam; e quais foram finalmente os resultados do conflito.

No caso da guerra austro-sérvia, Viena afirmou que estava entran­do em guerra para fazer justiça pela matança de Sarajevo e para evitar a ocorrência de crimes semelhantes no futuro. No que os líderes austría­cos realmente acreditavam era um pouco diferente. Eles pensavam que estavam lutando para preservar o caráter multinacional do seu império - em outras palavras, para proteger a Áustria-Hungria da desintegração. Do modo como viam, com poucos anos para recuperar-se após as guer­ras balcânicas, a Sérvia estaria ameaçando assumir a liderança dos eslavos meridionais no interior dos limites do Império Habsburgo tal como constituído em 1914, e também daqueles no exterior. Assim, eles esta­vam lutando pela existência do seu império.

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O caso da Sérvia era ainda mais simples. Os sérvios lutaram porque foram atacados. Se perdessem, a Áustria estava planejando cortá-los em pedaços; tanto quanto a sua independência, a Sérvia perderia a sua existência.

Os austríacos até podiam estar certos ao acreditar que, se tivessem uns poucos anos para reconstruir-se, a Sérvia representaria um poderoso desafio ao Império Habsburgo. Como sua aliada alemã, em 1914 a Áus­tria estava lançando o que concebia ser uma guerra preventiva.

Nos primeiros anos do seu reinado, o cáiser foi o patrono das reivindica­ções da Marinha. Ele apoiou o programa, defendido por Tirpitz, que considerava que o rival que a Alemanha teria de desafiar era a Grã- Bretanha. Se este programa tivesse obtido êxito, a Alemanha — se Tirpitz estivesse certo — teria se transformado de potência européia dominante em potência mundial dominante.

Porém, este não era o objetivo - ou pelo menos não era o objetivo a curto prazo — do governo alemão em 1914. A Rússia, e não a Grã-Bretanha, tinha se tornado a inimiga. A Marinha fora suplantada pelo Exército; Tirpitz tinha sido em grande parte eclipsado por Moltke e Falkenhayn. Aqueles que então ditavam a política da Alemanha - os generais do Exército —, objetivavam preservar o que este país possuía. Queriam manter o domínio do seu país no continente europeu. Eles queriam impedir uma futura con­testação dessa posição pela Rússia, apoiada pela França, provocando uma guerra imediatamente, enquanto suas chances de vencer eram maiores do que seriam no futuro.

Em Berlim, o que motivava os oficiais do Exército que impuseram sua política de guerra ao relutante cáiser era o medo do poder crescente da Rússia. Nós hoje não daríamos crédito à sua noção de que um confronto final entre teutônicos e eslavos era inevitável. Mas o medo deles era real.

Os homens que dirigiam a Alemanha em 1914 adotaram o que a seus olhos era uma política defensiva. Era uma política conservadora, no sentido de que seu objetivo era manter o domínio militar alemão existente na Europa. O inimigo — o competidor que mais dia menos dia eles teriam de enfrentar — era a Rússia. Como a Áustria, preferindo combater a Sérvia hoje em vez de amanhã, a Alemanha - isto é, os líderes militares alemães - decidiu combater a Rússia hoje em vez de amanhã.

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QUAL O PORQUÊ?

Do ponto de vista dos tomadores de decisão alemães em julho de 1914, o porquê da guerra era que país dominaria a Europa nos anos a vir: Alemanha ou Rússia?

Durante a guerra, V. I. Lenin, o teórico comunista e futuro ditador russo, escreveu, enquanto ainda estava em Zurique, que o propósito da guerra era imperialista. Inspirado por um teórico britânico, J. A. Hobson, Lenin afirmou que o capitalismo tinha entrado na sua fase final, em que os principais países industriais só poderiam expandir suas economias mediante a aquisição de impérios coloniais para serem usados como mercados cativos. A guerra de 1914, tal como ele a via, era uma guerra por império.

Lenin estava errado. Tratou-se de uma guerra pelo controle da Europa continental, não por um império na Ásia ou na África. Mas o que ele escreveu era plausível, e amplamente aceito, especialmente nas décadas de 1920 e 1930. Os indícios pareciam ser persuasivos.

Quando a guerra mundial acabou, pôde-se ver que um dos seus resultados, em 1919, tinha sido a dramática expansão do Império Britâ­nico. A Inglaterra tomara as colónias alemãs na África. Um Exército britânico de um milhão de homens estava ocupando o Oriente Médio. Entre os que observavam esses resultados, alguns tiraram a conclusão de que fora uma guerra imperialista, desde o começo uma guerra de expan­são imperial. Mas isso era uma ilusão. Em agosto de 1914, Grey e Asquith, fazendo a Grã-Bretanha entrar na guerra, não nutriam nenhum desejo de expansão e não adotaram nenhuma estratégia projetada para promo­ver a expansão imperial; e eles não presidiram a entrada do seu país na guerra na esperança ou na expectativa de adquirir mais territórios.

O mesmo era verdade para a Alemanha, embora já em setembro de 1914 ela tenha começado a expandir suas ambições, como fizeram ou­tros países de ambos os lados. Eles começaram lutando para conservar o que tinham. Uma vez em guerra, porém, o que abria todas as possibili­dades, eles arrolaram os seus desejos, e apegaram-se tanto que acabaram determinados a não fazer a paz sem alcançá-los. Quanto mais lutavam, mais extravagantes tornavam-se seus objetivos. Foi assim com a Alema­nha, e com a França, e com a Inglaterra também.

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O ÚLTI MO VERÃO EUROPEU

Como escrevi em outros trabalhos, não foi o imperialismo que cau­sou a guerra, foi a guerra que produziu uma nova onda de imperialismo. O que os beligerantes reclamavam na conferência de paz tinha pouca semelhança com o que os fizera entrar em guerra.

Nós vimos por que a Áustria e a Alemanha entraram em guerra. O que levou a França e a Rússia a ingressarem na refrega pode ser explicado com uma frase: a Alemanha lhes declarou guerra, e elas se defenderam. Das grandes potências que se uniram contra a Alemanha e a Áustria em agosto de 1914, somente a Grã-Bretanha teve a liberdade de decidir por si mesma se entrava na guerra ou ficava fora.

Uma das histórias mais extraordinárias das origens da guerra é a de como os britânicos, que em sua maioria era contra a participação na guerra até o dia 12 ou 2 de agosto, mudaram de idéia e chegaram bem perto de serem unanimemente a favor em 3 de agosto. Eles foram con­vencidos a mudar de idéia por Sir Edward Grey. A questão em que ele apoiou sua argumentação foi a Bélgica.

A neutralidade belga fora garantida duas vezes pelas potências ao longo do século XIX. Não havia questão ou dúvida de que, como fiado­ra ou garantidora da neutralidade da Bélgica, a Grã-Bretanha teria o direito de defendê-la se escolhesse fazê-lo. O que era menos claro era se a Grã-Bretanha era obrigada a intervir se seus colegas co-signatários não o fizessem. Havia uma dúvida real quanto a saber se a garantia pelas potências européias era conjunta ou múltipla.

Contudo, seja lá qual for a razão, a causa belga desencadeou uma resposta emocional entre os britânicos de todos os tipo, opiniões políti­cas e convicções. Alguns diziam que a honra britânica exigia manter a promessa de proteger a Bélgica. Alguns diziam que, ao violar uma obri­gação de tratado, a Alemanha tinha de ser punida por não manter a sua palavra. Outros veneravam a neutralidade e a dedicação da Bélgica em defendê-la. Ainda outros acreditavam que a Inglaterra devia impedir que países grandes pisoteassem os direitos dos pequenos. E depois havia aque­les que viam a neutralidade da Bélgica como um interesse vital da Grã- Bretanha, imaginando os portos do canal nas mãos de um inimigo potencial como uma ameaça estratégica às ilhas britânicas.

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QUAL O PORQUÊ?

Para um grande número de pessoas do gabinete, do Parlamento e do público britânicos, um ou outro desses aspectos da questão belga — habilmente combinados por Grey em seu magistral discurso aos Co­muns em 3 de agosto — operou uma mudança de pensamento. Para o auditório de Grey, o martírio da Bélgica não era o pretexto; era, com toda honestidade, a razão real para mergulhar a Inglaterra e o seu povo na luta de vida ou morte. A Grã-Bretanha disse que estava indo para a guerra por causa disso; e também a Grã-Bretanha acreditou que estava indo para a guerra por causa disso.

Asquith e Grey, porém, que levaram o país à guerra, não o fizeram em nome do ideal britânico, mas sim em nome do interesse vital da Grã- Bretanha. Há razões para acreditar que se a neutralidade da Bélgica ti­vesse sido violada pela França em vez de pela Alemanha, Asquith e Grey teriam olhado a questão de outro modo. Mas o fato de a Alemanha o estar fazendo ameaçava a Grã-Bretanha. Destruindo a França como po­tência, a Alemanha estaria destruindo o equilíbrio de poder na Europa, e ameaçando dar cabo da supremacia global britânica. Controlando a extensão das costas atlânticas francesa e belga, inclusive os portos do canal, a Alemanha tornaria as ilhas britânicas permanentemente vulne­ráveis a ataques, bombardeios ou invasões. Para Asquith e Grey, a guerra era uma questão de equilíbrio de poder e de segurança nacional.

Houve época em que era comum os historiadores dizerem (como disse Elie Halévy, citado anteriormente) que a causa do duelo anglo-alemão na Primeira Guerra Mundial foi o desafio da Alemanha à supremacia da Grã-Bretanha no sistema europeu existente. Descrevia-se a Grã-Bretanha como tendo lutado uma guerra defensiva para preservar o status quo, e a Alemanha como um agressor dinâmico em busca de mudar o mundo.

Hoje, essa teoria requer modificações. Tanto a Alemanha como a Grã-Bretanha estavam procurando, pelo menos em alguns aspectos, preservar o equilíbrio de poder existente, tal como o percebiam. A Ale­manha não podia se dar ao luxo de perder a Áustria, seja como aliada, seja como grande potência; a Grã-Bretanha não podia se dar ao luxo de perder a França, seja como aliada, seja como grande potência. A Alema­nha lutou para salvar a Áustria; a Grã-Bretanha lutou para salvar a Fran­ça. Em primeira instância, os dois lados foram à guerra para conservar o

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O ÚL TI MO VERÃO EUROPEU

que tinham: o seu aliado mais próximo. Neste sentido, tratava-se - no início, embora apenas no início — de um conflito defensivo para ambos.

Também era, no caso da casta junker prussiana na Alemanha, uma guerra defensiva num sentido mais amplo. A oficialidade de Moltke esta­va imbuída de um sentido de pessimismo decorrente da incapacidade de enxergar uma maneira qualquer de preservar seus valores, seu modo de vida e sua posição dominante por mais tempo - mesmo no interior das fronteiras da Alemanha.

Devemos a Fritz Fischer a descoberta de que o governo alemão preparou um programa grandioso de objetivos de guerra em setembro de 1914: um grande projeto. Era expansionista e imperialista. Mas era um programa de setembro, não de julho. Não foi ele que levou Falkenhayn e Moltke à ação.

E assim foi, não apenas com os beligerantes de 1914, mas mesmo com aqueles que entraram na luta mais tarde. O que levava um país a entrar na guerra nem sempre era a mesma coisa que causava a sua per­manência na guerra. Eles entraram em guerra por um conjunto de ra­zões, mas desenvolveram outras razões para batalhar contra seus inimigos à medida que o conflito prosseguia. Suas diferenças com o outro lado se ampliavam, intensificavam e deslocavam para novos terrenos ou bases. A entrada da Grã-Bretanha no conflito transformou a guerra européia numa guerra global. A entrada da América na guerra e nos negócios mundiais em 1917 mudou as equações de equilíbrio de poder. A parti­cipação da América, juntamente com as duas revoluções russas daquele ano, deu dimensões ideológicas ao conflito que antes não estavam pre­sentes, mas que deveriam configurar o resto do século XX.

No começo, contudo, tratava-se simplesmente de as grandes po­tências lutando para permanecer onde estavam e para manter o que tinham.

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CAPÍTULO 48: QUEM PODERIA TER IMPEDIDO?

Nos poucos dias que lhes deram, políticos europeus experientes e talentosos lutaram, em julho de 1914, para tentar impedir que a

guerra estourasse. Por que fracassaram? Terão sido, como pretendem alguns, simplesmente pouco eficientes e habilidosos? Nos noventa anos transcorridos desde então, a especulação sobre o que poderia ter sido feito tem sido praticamente infinita. Alguma coisa poderia ter sido feita?

A hipótese comum hoje é de que todos querem a paz, se puder ser obtida em termos aceitáveis. O que a Europa não entendeu na época foi que, excepcionalmente, isso não era verdade quanto a dois governos em 1914. Viena não queria apenas se impor à Sérvia; ela queria provocar uma guerra com a Sérvia. Berlim não queria se impor à Rússia; queria provocar uma guerra com a Rússia. Em cada um dos casos, era a própria guerra que o governo queria - ou, dito de maneira mais precisa, queria subjugar o adversário numa medida que apenas uma guerra bem-sucedi­do torna possível.

São necessários pelo menos dois para manter a paz, mas somente um para começar uma guerra. Se um governo estiver determinado a

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desencadear uma guerra, nenhuma conciliação, não importa o quanto seja extensiva e imaginativa, poderá impedi-lo. Tendo folhado em com­preender o que lhe aconteceu em 1914, a Europa teve de receber a mesmíssima lição outra vez com os resultados de Munique, em 1938-39. Somente um poder oposto equivalente pode deter um governo inclinado a lançar uma invasão.

No caso da guerra da Áustria, Viena reconheceu que não podia sair im­punemente de um ataque à Sérvia, a menos que Berlim oferecesse prote- ção. Assegurada a cobertura alemã, ela estava livre para fazer o que quisesse. É claro, a Áustria também precisava obter (e obteve) a aprova­ção e o apoio da Hungria. Depois disso, nada podia impedir a Áustria- Hungria de marcharem juntas para a guerra.

Os políticos da Europa estavam no escuro sobre os motivos da Áustria, e consequentemente desorientados. Eles acharam que o Impé­rio Habsburgo era o que fingia ser: um país ferido que queria reparação. Na verdade, ele não queria a sua ferida remediada; queria um pretexto. A Áustria não procurava justiça, pois isso a teria privado de uma descul­pa para fazer o que realmente queria: entrar em guerra. Ela expediu um ultimato, não para obrigar a Sérvia a aceitá-lo, mas antes para forçá-la a rejeitá-lo.

É claro, a pesada máquina do governo austro-húngaro andava len­tamente. No começo de agosto, os Exércitos dos Habsburgo ainda não tinham iniciado as hostilidades que deviam ter concluído em julho. Con­tudo, a passo de lesma, a Monarquia Dual ia diretamente ao seu objeti- vo, sem parar, sem se desviar, sem permitir-se ser distraída ou rechaçada. Sua direção era o campo de batalha, e ela não permitiria que nada a impedisse de chegar lá.

Poderia a Grã-Bretanha ou a França, ou mesmo a Rússia, ter feito algu­ma coisa diferente para impedir a guerra austríaca contra a Sérvia? Hoje nós temos a satisfação de saber que nada que elas pudessem ter feito teria impedido a Áustria de atacar a Sérvia. A Áustria queria a guerra e só poderia ter sido contida pela Alemanha.

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QUEM PODERIA T ER IM PE D ID O ?

Com isto, eis duas virtualidades: duas coisas que podiam ter acontecido. A primeira é que o governo alemão podia ter seguido as ordens do cáiser na semana de 27 de julho e retirado o apoio à Monarquia Dual, a menos que ela concordasse com a paz nos termos da Alemanha. O resultado poderia ter sido um admirável triunfo diplomático para os aliados germanófonos. A paz teria sido garantida em termos favoráveis à Áustria e a Sérvia teria sido severamente punida.

A segunda virtualidade: a Rússia poderia ter se retirado do conflito. Isso poderia ter ocorrido se ela estivesse convencida da culpa sérvia no caso Sarajevo. A Rússia poderia ter abraçado a causa da Áustria contra regicidas e terroristas, e dado a Viena uma carta branca, como fez a Alemanha, para resolver o problema o melhor que pudesse nas suas tran­sações com a Sérvia.

Se a Rússia o tivesse feito, teria privado os líderes militares alemães das condições e pretextos necessários para iniciar sua intentada guerra contra a Rússia e a França. A guerra mundial teria no mínimo sido adiada e, na melhor hipótese, evitada.

No caso da guerra da Alemanha, havia muito mais coisas no caminho dos que queriam iniciar hostilidades. O movimento sindical e os sociais democratas na Alemanha tiveram de ser derrotados, mas Bethmann con­seguiu isso durante a turbulenta última semana de julho. As complica­das exigências dos generais alemães - as coisas que tinham de ser feitas antes que eles pudessem começar sua guerra - diziam respeito à Áustria.

Como vimos anteriormente, Viena tinha de ser convencida a comprometer seus Exércitos num objetivo, a aventura sérvia, e depois, em vez disso, usá-los em outra aventura: a cruzada da Alemanha contra a Rússia, que Berlim apresentava em casa como a cruzada russa contra a Alemanha.

Tudo tendo sido alcançado, contudo, nada havia para impedir o governo alemão de iniciar a guerra no momento que lhe fosse mais favo­rável - que revelou ser o 1- de agosto de 1914. A mais poderosa potência do continente, com o Exército mais poderoso do mundo, estava fazen­do o que considerava necessário para manter sua posição. É difícil resis­tir à conclusão de que nada poderia tê-la impedido.

A pergunta feita de uma maneira ou de outra ao longo de todo o século XX foi formulada do seguinte modo pelo historiador James Joll: visto

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que a “guerra tinha sido evitada nas crises imediatamente precedentes — 1908, 1911, 1913” - por que “não foi evitada em 1914”?1

Uma resposta possível é que nas crises anteriores nenhuma das gran­des potências queria a guerra. Em 1914, duas delas queriam. E uma razão por que a Alemanha não quis entrar em guerra naquelas crises anteriores é que não podia contar com a Áustria - e os generais alemães estavam convencidos de que sem as tropas austríacas retendo os russos nas semanas de abertura da guerra, eles poderiam não ganhar.

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CAPÍTULO 49: QUEM COMEÇOU?

G' rosso modo e brevemente, a resposta é que o governo da Áustria- Hungria começou sua guerra local com a Sérvia enquanto os líde­

res militares alemães começavam uma guerra mundial contra a França e a Rússia, que ficou conhecida como Primeira Guerra Mundial.

No mundo moderno, as guerras tendem a estourar por uma série com­plexa de razões e envolver uma multidão de participantes em vários ní­veis do processo de tomada de decisão. Forças impessoais podem entrar em jogo, assim como pressões institucionais. Predileções e afinidades culturais podem conformar os acontecimentos. Os vários interesses em jogo numa sociedade moderna frequentemente tornam a política inter­na um foco de atenção tão importante quanto a política internacional na determinação de quando os países entram em guerra. Ainda assim, casualidades, erros, equívocos, as características de indivíduos e outros fatores aleatórios continuam a explicar grande parte do que de fato acontece.

A peculiaridade da Primeira Guerra Mundial é que, apesar de ter ocorrido nos tempos modernos, relativamente democráticos e em certa

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medida suscetíveis à opinião pública, as suas origens tenham envolvido tão poucas pessoas: um punhado de gente num punhado de países. Não se trata apenas de um número minúsculo de indivíduos ter tomado as decisões; é surpreendente que tão poucas pessoas soubessem que coisas estavam acontecendo ou que decisões devessem ser tomadas ou estavam sendo tomadas. Foi uma crise que surgiu e foi exaurida em segredo.

E claro, vista numa perspectiva mais ampla, forças poderosas esti­veram em jogo durante décadas e até séculos, até criarem o mundo em que a Grande Guerra eclodiu: a explosão da Revolução Industrial, a propagação do nacionalismo, a ascensão da ciência, o triunfo do impe­rialismo e o militarismo da sociedade alemã, que era produto de como a Alemanha foi unificada nos anos 1860 e 1870. Mas nenhum desses movimentos e acontecimentos de massas explica a eclosão imediata da guerra. Nenhum revela por que a Europa não riscou o fósforo no mate­rial explosivo no verão de 1913, mas o fez no verão de 1914.

As pessoas que acenderam o estopim eram, é claro, produto dos seus ambientes familiares, das suas sociedades e das circunstâncias sociais nas quais agiam. Elas não falavam - ninguém poderia — apenas em seu próprio nome. Quando Moltke falava, por exemplo, ele o fazia em nome dos 650 membros do Grande Estado-maior e, até certo ponto, pela ofi­cialidade como um todo. Ele falava com o peso da sua função; era mais do que apenas um indivíduo.

Ao sugerir que um ou mais indivíduos começaram a Primeira Guerra Mundial, estou usando as palavras em seu sentido mais corriqueiro. Quero dizer que havia homens que queriam começar uma guerra, e que agiram deliberadamente de modo a começar uma guerra, e que tiveram êxito, pelo que fizeram, em começar uma guerra. Assim, o detetive do romance policial, fazendo um resumo dos indícios e provas para os hós­pedes na biblioteca, pode apontar seu dedo acusadoramente e dizer: “Eis o culpado!” No caso da Alemanha, nós apontamos para Moltke. Ele começou a guerra mundial, e o fez deliberadamente.

No caso da guerra austro-sérvia, o criminoso óbvio foi Gavrilo Princip. O adolescente errante e poeta fracassado provavelmente (não com certe­za) imaginou a trama de assassinato em Sarajevo, conduziu-a e, por sua

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QUEM C O M E Ç O U ?

determinação e persistência, levou-a a cabo apesar das ordens para abortá- la, dos apelos para desistir e das mudanças de circunstância.

Mas Princip não pretendia inspirar a Áustria a invadir a Sérvia. Muito pelo contrário, sob interrogatório por seus captores ele tentou evitar que soubessem de qualquer conexão existente entre os sérvios e ele. Além disso, o Ministério das Relações Exteriores austro-húngaro já planejava a destruição da Sérvia antes sequer de Princip atacar. Ao matar o arquiduque que estivera bloqueando esta opção, o perturbado e con­fuso terrorista adolescente de fàto abriu a porta para a invasão austríaca, mas Princip não sabia disto; o que ele fez, neste particular, foi inadvertido.

O cáiser Guilherme, o chanceler Bethmann, o ministro das Rela­ções Exteriores Jagow e todo um conjunto de seus colegas civis e milita­res encorajaram os austríacos a lançar um ataque contra a Sérvia, e portanto foram diretamente responsáveis pela guerra. No caso do cáiser, há um atenuante; enquanto pareceu que havia uma solução pacífica, ele optou por ela entusiasticamente.

O ministro das Relações Exteriores austro-húngaro, conde Leopold von Berchtold, foi o homem mais responsável por levar a cabo a guerra sérvia. Em algum momento durante ou após as guerras dos Bálcãs ele decidiu que o seu país só poderia sobreviver se a Sérvia fosse esmagada e completamente eliminada como fator político. Parece que ele acreditava que um triunfo diplomático seria insubstancial e poderia não durar. Somente a vitória numa guerra poderia alcançar o objetivo dele, e isto só poderia ser conseguido se a Alemanha impedisse a Rússia de intervir, enquanto a grande Áustria-Hungria esmagava a pequena Sérvia.

Assim que o cheque em branco da Alemanha foi recebido, Berchtold pôs mãos à obra para começar a sua guerra. Como Princip, ele era persis­tente e inabalável. Recusava-se a ter a sua atenção desviada.

Ele não seria arrastado a conversações ou negociações que poderiam prendê-lo na armadilha de manter a paz - nem mesmo (e isso confundia outros líderes) em termos favoráveis. Os outros atores da política euro- péia acharam a crise de julho extraordinariamente desconcertante, pois sentiam que algo estava lhes escapando. O que lhes escapava era o co­nhecimento de que Viena não queria a paz. Eles tinham para si que Berchtold esperava garantir seus termos, os quais bem podiam ser extre­mos ou radicais. Mas ele não queria seus termos ou quaisquer termos;

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O ÚLTIMO VERÃO EUROPEU

preferia fazer a guerra. Após a guerra (como seu enviado conde Hoyos deixou claro em julho de 1914 em conversações em Berlim), ele não queria (como o cáiser queria) uma Sérvia subserviente; queria que não houvesse nenhuma Sérvia. Para o problema que a Sérvia colocava ao seu país, ele queria, poder-se-ia dizer, uma solução final.

Berchtold operava sob condições de severa desvantagem: a máqui­na do Estado austro-húngaro movia-se com uma lentidão estarrecedora. Ele não pôde andar rápido o bastante para produzir o fait accompli que os alemães pediram. Tudo levava tempo — tempo durante o qual as po­tências podiam impor a paz. Como seus Exércitos não puderam se me­xer por semanas, ele declarou guerra mesmo assim, usando apenas o status “em estado de guerra” para afastar pacificadores potenciais.

Berchtold estava cercado por sua equipe das Relações Exteriores, os ativistas herdados de Aehrenthal. Eles podem tê-lo inspirado. O gabine­te da Áustria-Hungria — mesmo Tisza, depois de lhe opor resistência por uma semana - o apoiou. Todos partilharam sua responsabilidade pela guerra. Nem precisa ser dito que Conrad foi parceiro integral de Berchtold em começar a guerra.

Berchtold tinha um grande trunfo ao perseguir sua meta. O minis­tro das Relações Exteriores de qualquer outra grande potência seria con­tido por seus aliados. Se a Rússia quisesse invadir seu vizinho, a França - que financiou a expansão militar russa - , ia tentar impedir São Peters- burgo de fazê-lo. Quando a Alemanha interveio no Marrocos em 1911, até a Áustria se recusou a apoiá-la e assim ajudou a deter Berlim. Apenas um país na Europa tinha um aliado que não o refrearia — que o apoiaria cegamente. Era a Áustria, que era apoiada incondicionalmente pela Ale­manha e, contra todas as probabilidades, o único país da Europa a ser liderado por um homem que estava determinado a começar uma guerra.

Por que Berchtold estava apto a começar uma guerra? A resposta é porque não havia ninguém para detê-lo. Ele foi o único líder na Europa, nós agora sabemos, cujos aliados lhe deram carta branca. Deve-se obser­var, contudo, que ele não a usou independentemente dos outros. Ele só declarou guerra quando - e porque - o ministro das Relações Exteriores alemão, Jagow, lhe disse para fazê-lo. Assim, Jagow foi mais um a come­çar a guerra austro-sérvia.

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QUEM C O M E Ç O U ?

No caso da guerra preventiva contra a Rússia e a França, eía foi por longo tempo contemplada pelos líderes do Exército alemão. Era uma proposta política que tendia a emergir toda vez que surgiam crises. Moltke é geralmente citado como aquele que propunha a opção, mas parece que falava em nome da oficialidade como um todo. Quando estourou a crise de julho, contudo, pareceu aos generais alemães que era tempo de agir, não meramente de falar.

Falkenhayn e Moltke assumiram a iniciativa. Foram eles os oficiais, apoiados por seus colegas militares, que tomaram a decisão real de fazer a guerra no verão de 1914. Eles pensavam saber o que estavam fazendo. Moltke previra que a guerra levaria a civilização européia à ruína, mas ele a considerava inevitável. Ele acreditava que tudo o que estava decidindo - tudo que estava em posição de decidir - era o momento em que a guerra iria ocorrer. E isto ele decidiu.

Aqui, mais uma vez, confunde-se a questão, se pensarmos em ter­mos de uma guerra em vez de duas. No princípio - no momento da Afronta e do cheque em branco - só havia a iniciativa da guerra sérvia sobre a mesa: a guerra era proposta pelos austríacos. Mas foi o governo civil da Alemanha que concebeu o plano concreto de operações para a Áustria. E foi esse governo civil - o chanceler e seu Ministério das Rela­ções Exteriores — que monitorou o desempenho da Áustria.

Tão pouco progresso havia sido feito pela Monarquia Dual em iniciar a guerra na última semana de julho (segundo os generais alemães)— ou em chegar a um acordo (segundo o cáiser) — que nenhum lado na Alemanha estava propenso a deixar o chanceler, o Ministério das Rela­ções Exteriores e os austríacos continuarem no comando da operação.

Viena tinha querido começar e vencer a guerra, mas até o fim de julho tinha falhado em fazê-lo. Tudo o que Viena criou — e o cáiser e Bethmann — ela não queria criar: uma crise bélica envolvendo, em algu­ma medida, todas as outras potências da Europa. Porém, os generais alemães começaram a ver que a crise bélica era algo que eles queriam.

Tal crise bélica e tal internacionalização criaram confusão. Como espectadores durante o mês de julho, Moltke, Falkenhayn e outros líde­res militares alemães meditaram sobre os benefícios que podiam tirar de tamanha confusão. Eles estiveram dispostos a deixar a Áustria viver a sua aventura sérvia, ainda que pouco significasse para a Alemanha; mas agora

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O ÚL TI MO VERÃO EUROPEU

a Áustria tinha estragado tudo, e ao fazê-lo envolveu-se talvez inextrica- velmente, de tal modo que agora a Alemanha podia contar com o apoio integral do Império Austro-húngaro para lançar uma nova iniciativa de guerra, da própria Alemanha - uma guerra contra as demais potências da Europa.

Portanto, a partir do fim de semana de 25 de julho, o governo alemão estava em processo de modificar a sua política. O cáiser e o chan­celer, apesar de alguns receios, deixaram Moltke e Falkenhayn fazerem a seu modo. Na confusão de uma crise bélica européia, os generais ale­mães substituíram espertamente uma guerra por outra. O mundo foi levado a crer, então e posteriormente, que uma se desdobrou da outra, mas não foi isto o que aconteceu; uma teve de ser sobrepujada para que a outra pudesse ser empreendida.

Da parte de Moltke e Falkenhayn, foi um ato supremo de oportu­nismo. Ele viram a abertura e prontamente tiraram partido. Foi como se tivessem visto um avião de passageiros estacionado na pista, reabasteci­do e pronto para decolar, o tivessem abordado e tomado, e a mão arma­da, obrigado o comandante a desviar do rumo programado para algum lugar na direção oposta. Moltke e Falkenhayn tiveram êxito num ato de sequestro político sem precedentes; eles tomaram a guerra de Berchtold contra a Sérvia e a obrigaram a levá-los à sua própria guerra contra a França e a Rússia.

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CAPÍTU LO 50: PODERIA ACONTECER OUTRA VEZ?

Na esteira da Primeira Guerra Mundial - nos anos 1920 e 1930 —, os sobreviventes passaram a encarar o desastroso conflito como uma

guerra civil européia. Tê-la desencadeado foi condenado seja como um erro assustador ou como um crime terrível. Considerou-se que a princi­pal lição da catástrofe era que a humanidade nunca deveria permitir que uma coisa daquelas acontecesse outra vez.

É claro, aconteceu outra vez, em 1939-1945, quando os Aliados — França, Grã-Bretanha, Rússia e Estados Unidos — continuaram a luta que não fora resolvida em 1914-1918. Então, porém, as hostilidades reais entre as potências sobreviventes — Grã-Bretanha, Rússia e Estados Unidos — não se desenvolveram quando elas deixaram de alcançar os acordos de paz que deveriam ter fechado as duas etapas da guerra mun­dial de 1914-1945. Em vez disso, elas se voltaram para uma guerra que

« r • »era fria .Ao administrar a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962, o presidente

dos Estados Unidos John F. Kennedy estava assombrado pelo que acredita­va ter aprendido com a leitura de Os Canhões de Agosto, de Barbara Tuchman,

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O ÚL TI MO VERÃO EUROPEU

sobre as origens da Primeira Guerra Mundial. Ele achava que a guerra tinha resultado de uma reação em cadeia não intencional.

A geração de Kennedy foi educada nos anos entre guerras, numa época em que o principal texto americano, The Origins ofthe World War [As Origens da Guerra Mundial], de Sidney B. Fay, ensinava que nenhu­ma das grandes potências tinha querido uma guerra entre si. Elas teriam sido, todavia, arrastadas à Grande Guerra, pela qual a Áustria-Hungria seria mais responsável do que outros países, embora nem mesmo Viena tenha feito a guerra acontecer. Opiniões semelhantes foram populariza­das por Tuchman, cujo livro alcançou um público de massa.

Baseados em indícios disponíveis naqueles tempos pré-Fischer, os ensinamentos de Fay pareciam aproximar-se da verdade, e mesmo na Europa, estudiosos e políticos de peso chegaram a conclusões muito semelhantes às dele.

Em suas memórias de guerra, o ex-primeiro-ministro David Lloyd George afirmou celebremente que “as nações escorregaram por sobre a borda do caldeirão fervente da guerra sem o menor traço de apreensão ou desânimo”.1 Raymond Aron, um dos maiores pensadores políticos do século XX, viu na história de 1914 “o desencadeamento da Primeira Guerra Mundial, que nenhum dos atores principais desejava direta ou conscientemente”.2

A lição a ser tirada da Primeira Guerra Mundial, dizia-se ao mun­do, é que os governos devem ter cuidado para não perder o controle. Eles não devem permitir que confrontos transbordem inadvertidamente em hostilidades. Não devem permitir que pequenas guerras cresçam em escala até virarem grandes guerras. Não devem permitir que queimadas se transformem em incêndios florestais.

Eis boas lições a serem aprendidas, mas não é julho de 1914 que as ensina. O fato de a Europa entrar em guerra naquela época nada tem de casual. Foi resultado de decisões premeditadas de dois governos. Uma vez esses dois países tendo invadido os seus vizinhos, não havia como os vizinhos manterem a paz. Foi isso o que aconteceu na Segunda Guerra Mundial; em Pearl Harbor, ao lançar seu ataque, o Japão não tomou uma decisão guerra-ou-paz apenas para si próprio, mas também para os relutantes Estados Unidos. Tampouco a América tinha outra escolha na

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PODERIA A C O N T E C E R OUTRA VEZ?

Europa de 1941; a Alemanha de Hitler declarou guerra contra os Esta­dos Unidos, ao que a América foi obrigada a responder.

Repetindo, são necessários pelo menos dois para manter a paz, mas somente um para começar uma guerra. E isso quer dizer que pode acon­tecer outra vez. Mesmo hoje, um agressor pode começar uma guerra maior, e mesmo que outras grandes potências desejem ficar em paz - a menos que outras nações tenham poder suficiente para detê-lo.

Pelo menos uma coisa mudou muito desde aquele tempo até agora. Em 1914, a guerra iminente foi uma surpresa quase completa para o públi­co. No mundo aberto de hoje, é provável que tenhamos ao menos al­gum tipo de advertência prévia. Isso daria aos povos e Parlamentos pelo menos a chance de fazerem conhecer suas opiniões. O quanto esta dife­rença pode significar é difícil prever.

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CAPÍTULO 51: RESUMINDO

O conflito internacional no verão de 1914 consistiu em duas guer­ras, não em uma. Ambas foram iniciadas deliberadamente. Foram

começadas por impérios rivais ligados por necessidades recíprocas. Uma guerra foi iniciada pelo Império Habsburgo e a outra pelo Império Ale­mão. Em cada caso, a decisão de começar a guerra foi tomada por pou­cos indivíduos da mais alta hierarquia, cujas respectivas populações não sabiam que aquelas decisões estavam sendo consideradas e muito menos tomadas.

O objetivo das guerras foi o poder. Especificamente, tratava-se da escala de poder relativa às grandes potências européias que na época dominavam a maior parte do mundo. Tanto a Alemanha como a Áus­tria acreditavam estar decadentes. Ambas iniciaram a guerra em vista de permanecer onde estavam.

Como muitas guerras terríveis mas pequenas nos Bálcãs, a guerra austríaca contra a Sérvia foi um episódio menor da história. Teria sido rapidamente esquecido, não tivesse propiciado aos generais alemães as condições de que necessitavam para poder começar a sua própria guerra:

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RE SU MI ND O

um conflito europeu, o qual se desdobrou em conflito mundial. Embo­ra os soldados nas trincheiras por quatro longos anos desde 1914 te­nham começado a acreditar que a guerra não tinha sentido, isso não era verdade. Ela girava em torno da questão mais importante na política: quem deveria dominar o mundo.

A questão foi aberta em 1914 pela guerra alemã. Nas décadas que se seguiram, novas potências e forças surgiram para disputá-la. A ques­tão de saber se a Alemanha ou a Rússia deviam dominar a Europa e se a Europa deveria continuar a dominar a África e grande parte da Ásia se sobrepunha e coincidia com ideologias rivais: comunismo, fascismo, nazismo, democracia liberal e outras. No começo da década de 1990, finalmente a questão parecia estar respondida. Quase todos os povos do mundo governavam a si mesmos, em vez de serem governados por es­trangeiros; e a maioria aspirava à democracia, seja lá como a definisse.

A decisão de fazer a guerra em 1914 tinha um objetivo significativo; e a própria guerra não foi, como gerações de historiadores pensaram, sem sentido. Ao contrário, ela foi travada para decidir questões essenciais de política internacional: quem alcançaria o domínio da Europa e, con- seqúentemente, do mundo, e sob a bandeira de que fé.

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EPÍLOGO

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CAPÍTULO 52: A GUERRA DA ÁUSTRIA

Desde o começo — isto é, desde meados de junho, quando Berchtold colocou seu Ministério das Relações Exteriores para trabalhar num

plano - , a intenção de Viena era subjugar a Sérvia sem interferências exteriores. O sonho austríaco era ser capaz de concentrar todos os seus recursos na campanha sérvia. Viena declarou guerra à Sérvia em 28 de julho. Conrad von Hõtzendorf, chefe do Estado-maior austríaco, en­viou prontamente metade do seu Exército à fronteira sérvia por estrada de ferro, com a outra metade de reserva para apoiar.

Os austríacos souberam quase imediatamente que eles e seus alia­dos alemães estavam trabalhando em propostas conflitantes. Viena ti­nha planejado sua invasão da Sérvia na crença de que Berlim tomaria medidas para manter a Rússia fora da guerra. Em vez disso, a Alemanha estava deliberadamente fazendo a Rússia entrar na guerra.

A Alemanha optou pela guerra na semana de 27 de julho e fez seu movimento final em 31 de julho. A mobilização foi ordenada naquele dia, a ser seguida por uma declaração de guerra contra a Rússia no dia seguinte. Moltke e seus colegas em Berlim disseram a Conrad para

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A G U E R R A DA ÁU S T R I A

abandonar a campanha sérvia por um tempo e enviar o grosso do seu Exército para a fronteira russa, deixando apenas uma força grandemente reduzida para se defender contra algum possível ataque sérvio. Se Conrad concordasse - se deslocasse suas tropas para novas posições antes de te­rem tomado as antigas - , corria o risco de produzir uma confusão administrativa.

A logística de tal deslocamento era desafiadora. De qualquer modo, Conrad não queria fazê-lo. Estivera planejando a realização de uma guerra sérvia por tantos anos que deve ter lhe parecido intolerável abrir mão na última hora — justo quando tinha conseguido a autorização — para aju­dar a Alemanha em primeiro lugar. Ele decidiu que suas forças perma­neceriam na campanha sérvia por um tempo, e depois uma parte seria retirada em 18 de agosto e transferida para a frente russa.

Conrad queria descontar o cheque em branco alemão antes de a Alemanha ter a chance de sustá-lo. Estava tentando lançar em agosto a invasão da Sérvia que devia ter iniciado - e concluído — em julho. Numa carta a Moltke datada de 2 de agosto, ele explicou que continua­ria a conduzir suas operações na Sérvia de modo a impedir que a Rússia entrasse na guerra.

Uma das coisas que emerge das várias explicações de Conrad é que ele não entendeu que a política e os objetivos da Alemanha haviam mudado. Em 5-6 de julho, o cáiser tinha esperado — e tinha certeza disso— que a Europa ficasse inativa, fora da esfera principal, enquanto a Áus­tria conseguia submeter a Sérvia. A política alemã era convencer a Rússia, a França, a Grã-Bretanha e outros a não se meterem. Mas animada por Moltke, Falkenhayn e seus colegas, Berlim tinha mudado de posição. Conrad recebeu a notícia de que a Alemanha já não estava mais apoiando a guerra austríaca e que agora a Áustria tinha de apoiar a guerra alemã.

Moltke e Conrad jamais coordenaram de fato os seus planos de guerra. Como cada um deles se propunha a usar o outro para seus próprios fins, os dois chefes militares podem ter sentido que não podiam se dar ao luxo de ser francos demais um com o outro. De qualquer modo, eles estavam pagando o preço dessa política nos meses de abertura da guerra, cada um buscando a seu modo a própria conveniência.

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O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

Conrad queria a Rússia dissuadida. Ele preferia não entrar em guerra com os russos — ou os franceses, ou mais tarde os britânicos, ou ainda mais tarde, os americanos. Tal como Conrad o via, o papel da Alema­nha era manter a Rússia fora da luta - e não trazê-la para o conflito. O único país com que Conrad queria lutar no verão de 1914 era a Sérvia.*

Porém, como demonstrou a história pré-Sarajevo, a Alemanha não via a Sérvia como um perigo. Não sentia necessidade de eliminar o reino balcânico. Eram Conrad e o seu governo que temiam a Sérvia. Moltke temia a Rússia e a França. Do ponto de vista da Alemanha, a única utilidade do conflito sérvio era que comprometia a Áustria a permane­cer fiel à Alemanha na guerra desta contra a Rússia e a França. Em l 2 de agosto de 1914, esse objetivo tinha sido alcançado. Do ponto de vista de Moltke, a questão sérvia já havia servido ao seu propósito. Da pers­pectiva de Conrad, contudo, ainda não.

Assim, Conrad bancou o gazeteiro nas primeiras semanas das duas guer­ras entrelaçadas: ordenou a seus soldados que fossem de trem para o sul, em vez de para o norte. Assim fazendo, ele surrupiou para seu país a chance passageira de empreender seu duelo particular com a Sérvia, um contra um. Seus Exércitos invadiram a Sérvia. Eles forçaram os sérvios a batalhar. E - violenta e esmagadoramente - os austríacos foram derrotados!

Os Exércitos dos Habsburgo parecem nunca ter se recuperado dos seus equívocos iniciais de posicionamento e deslocamento. Depois de atacarem a Sérvia e serem derrotados, a sua guerra particular estava con­cluída, e eles se juntaram ao conflito mais amplo. Deslocaram-se para a frente russa e também foram esmagados lá.

No começo de dezembro de 1914, o Império Habsburgo, segundo John Keegan, já não era mais uma grande potência militar;1 nos diz ele que perdera 1.268.000 homens dos 3.350.000 mobilizados.2 A Áustria continuou a lutar, sob as ordens dos seus comandantes alemães, numa luta mais para sobreviver do que para conquistar.

* Conrad era belicoso e, em outras circunstâncias, ficaria feliz de começar uma guerra contra vizinhos como a Itália.

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A G U ER RA DA ÁU S T R I A

Conrad estava desalentado. No começo da guerra, tendo recebido uma medalha, ele comentou: “Se ao menos eu soubesse por quê.”3 Quan­do os fracassos aumentavam, ele confidenciou a colegas que perder a guerra lhe “custaria o conforto da minha amada Gina”.4 Ele estava con­sumido pela autopiedade. Toda a culpa, refletiu ele, será “descarregada sobre mim. Eu terei provavelmente que sair de cena como um fora-da- lei. Eu não tenho um lar, não tenho uma esposa que fique ao meu lado nos meus anos finais”.5

Ele se recordava do seu mentor esporádico, o arquiduque Francis­co Ferdinando, que tanto se preocupava com o seu amado Exército austríaco, e que, ano após ano, se opôs aos planos de lutar contra a Sérvia e de se indispor com a Rússia: o arquiduque, cujo assassinato fora cinicamente explorado por Viena para provocar a guerra que ele próprio tão ardentemente obstava. O fantasma de Francisco Ferdinando se avul­tava sobre o mundo naquele verão. O que teria ele pensado? O que teria dito? O que teria feito? Estivesse ainda vivo, teve Conrad de admitir, o arquiduque “teria me matado”.6

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CAPÍTULO 53: A GUERRA DA ALEMANHA

Berchtold (especialmente em julho) e Conrad (especialmente em agos­to) foram os agentes ativos que levaram a Áustria à guerra contra a

Sérvia. Eles o fizeram com total apoio do Gabinete e do Ministério das Relações Exteriores da Monarquia Dual, e no mínimo com a aprovação do imperador ancião. Não há dúvidas de que os dois homens o tenham feito — e querido fazê-lo. A única questão a este respeito é a extensão em que Berchtold terá sido influenciado por sua equipe do Ministério das Relações Exteriores.

Berchtold é frequentemente citado como a pessoa isolada mais res­ponsável pela guerra mais ampla. Isto, como agora podemos ver, não é verdade. A acusação confunde as duas guerras. O que ele queria era a guerra sérvia, não a outra. Estava disposto a arriscar a guerra maior se tivesse de fazê-lo, mas não era o que ele desejava.

Era Moltke quem queria a guerra contra a Rússia e a França. Ele sempre se absteve - ou foi impedido - de iniciar essa guerra em crises passadas porque as circunstâncias nunca foram totalmente adequadas. Tudo tinha de estar no lugar: a autoridade do cáiser tinha de estar

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A G U ER R A DA A L E M A N HA

declinante, a participação austríaca tinha de estar garantida, e a Rússia tinha de parecer o agressor. Repentinamente, perto do fim de julho de 1914, tudo realmente se encaixou. Moltke agarrou a chance; ele viu que sua hora tinha chegado, e tratou de aproveitar. Sua ardilosa substituição da guerra de Berchtold pela sua na agenda de julho de Berlim foi uma espécie de conto-do-vigário que manteve as gerações subseqUentes no escuro sobre quem teria causado a guerra. Ele trocou a política do come­ço de julho por uma política do final de julho, e uma guerra pela outra.

Ele não poderia tê-lo feito se não representasse uma força maior do que ele próprio. Ele representava a casta da oficialidade jww^rprussiana, cuja militarização da vida alemã levou à guerra. A cultura militarista alemã fora identificada em 1914 como a causa da guerra iminente por, entre outros, coronel House.

A Alemanha declarou guerra à Rússia em 1- de agosto. Sua escala de atividades era o plano de Moltke. O plano exigia que o Exército alemão marcasse o seu rendez-vous com o destino em solo francês em seis sema­nas. Lá e então, ele faria a França, aliada da Rússia, entrar na batalha. A batalha seria decisiva. Sua pretensão era eliminar a França da guerra, eliminá-la da aliança com a Rússia, eliminá-la da história política da Europa.

Seis semanas após o 1- de agosto, o Exército alemão teve de fato o seu rendez-vous com o destino em solo francês. Para os amigos da França e da Grã-Bretanha, foi uma disputa feroz, de ficar com o coração na mão; os alemães quase ganharam. Mas a França e a Grã-Bretanha ga­nharam. E a batalha - a primeira batalha do Marne - foi decisiva. O que ela decidiu foi que nenhum dos lados poderia obter uma vitória rápida ou uma vitória real. Em vez disso, o conflito deveria tornar-se um tor­neio de resistência com anos de duração, arruinando vencedor e vencido igualmente. Tampouco os seus resultados em 1918 foram conclusivos, pois as partes não os aceitaram como tal.

A guerra entre a Alemanha, de um lado, e Rússia, França, Grã- Bretanha e Estados Unidos, do outro, recomeçou em 1939-1941; e tam­bém falhou em resolver a questão de que potência teria supremacia no continente — e se os Estados Unidos e a Grã-Bretanha aceitariam essa supremacia. O conflito que os militares alemães iniciaram ao declarar

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guerra contra a Rússia em 1- de agosto de 1914 só chegou ao fim quan­do o último soldado russo saiu do solo alemão, em 31 de agosto de 1994.

Durante quase um século, o debate foi acalorado entre os participantes e, depois, entre estudiosos sobre a batalha decisiva com a qual concluiu- se o plano de Moltke: a batalha do Marne, em setembro de 1914. Do lado alemão, a questão era se tinha sido Moltke ou seu jovem enviado Richard Hentsch quem ordenou a retirada e o reagrupamento atrás do Marne; e se ter ordenado a retirada foi uma decisão correta ou causou a derrota quando a vitória era certa. Na época, 33 generais alemães foram demitidos pelo cáiser. Pouco depois, Moltke também perdeu o seu em­prego. Guilherme foi implacável.

Moltke, obviamente, não podia ter previsto todo o horror da longa guerra do século XX (a guerra de 1914 que levou à de 1939, a qual levou à Guerra Fria), nem as dezenas de milhões que morreriam ou a multidão de consequências a que a guerra direta ou indiretamente deu lugar. Mas ele sabia muito bem quem havia começado a guerra.

Em junho de 1915, Moltke, que fora transferido para uma função que ele considerava de pouca importância, queixou-se disso ao seu ami­go general (barão) Colmar von der Goltz. “É terrível ser condenado à inatividade nesta guerra”, escreveu ele ao amigo: “Esta guerra que eu pre­parei e iniciei ” (grifo meu).1 Não deixa de ser um pensamento impressi­onante que este indubitavelmente modesto, habitual e ordinário oficial de carreira do Exército tenha, na medida em que qualquer indivíduo possa tê-lo feito, começado a Grande Guerra e com isso anunciado o século XX, com todos os seus horrores e prodígios.

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APÊNDICE 1: A NOTA A U STRÍA C A

Conde Berchtold, ministro austríaco das Relações Exteriorest para conde Mensdorffy em­baixador austríaco em Londres. (Comunicado pelo conde Mensdorffy 24 de julho de 1914.) (Tradução.) (British Documents in Public Record Office.)

governo austro-húngaro sentiu-se obrigado a dirigir a seguinte nota ao governosérvio no dia 23 de julho, por intermédio do representante austro-húngaro em

“Em 31 de março de 1909, o representante sérvio em Viena, instruído pelo do governo sérvio, fez a seguinte declaração ao Governo Imperial e Real:

“A Sérvia reconhece que o fait accompli concernente à Bósnia não afetou os seus direitos, e consequentemente ela irá conformar-se com as decisões que as Potências possam tomar em conformidade com o artigo 25 do Tratado de Berlim. Em deferên­cia ao conselho das grandes potências, a Sérvia concorda em renunciar de agora em diante à atitude de protesto e oposição por ela adotada em relação à anexação desde o outono passado. Além disso, ela concorda em modificar a direção da sua política em relação à Áustria-Hungria e a viver futuramente em termos de boa vizinhança com esta última.

“Os acontecimentos dos anos recentes, e particularmente os dolorosos aconteci­mentos de 28 de junho passado, revelaram a existência de um movimento subversivo

Belgrado:

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A N O T A AU S T R Í A C A

com o objetivo de separar uma parte dos territórios da Áustria-Hungria da Monar­quia. O movimento, que nasceu sob os olhos do governo sérvio, desenvolveu-se a ponto de manifestar-se de ambos os lados da fronteira sérvia na forma de atos terroristas e de uma série de afrontas e assassinatos.

“Longe de pôr em prática as responsabilidades formais contidas na declaração de 31 de março de 1909, o Governo Real Sérvio nada fez para reprimir esses movi­mentos. Ele permitiu as maquinações criminosas de várias sociedades e associações dirigidas contra a Monarquia, e tolerou a expressão irrestrita por parte da imprensa, a glorificação dos perpetradores de afrontas, e a participação de oficiais e funcionários na agitação subversiva. Ele permitiu a realização de propaganda perniciosa na instru­ção pública, ele permitiu, em resumo, toda a manifestação de natureza a incitar a população sérvia ao ódio contra a Monarquia e ao desrespeito por suas instituições.

“Essa tolerância culpável do Governo Real Sérvio não cessou no momento em que os acontecimentos de 28 de junho último deram provas a todo o mundo das suas consequências fatais.

“Resulta dos depoimentos e confissões dos criminosos perpetradores da afronta de 28 de junho que os assassinatos de Sarajevo foram planejados em Belgrado; que as armas e explosivos à disposição dos assassinos foram fornecidas por oficiais e funcio­nários sérvios pertencentes à Narodna Odbrana; e finalmente, que a entrada dos cri­minosos e suas armas na Bósnia foi organizada e levada a efeito pelos chefes do serviço de fronteiras sérvio.

“Os resultados, acima mencionados, da investigação judicial não permitem que o governo austro-húngaro persevere na atitude de abstenção expectante que vem mantendo há anos perante as maquinações urdidas em Belgrado e dali propagadas aos territórios da Monarquia. Os resultados, ao contrário, impõem ao governo austro- húngaro o dever de pôr um termo às intrigas que constituem uma ameaça perpétua à tranquilidade da Monarquia.

“Para alcançar este fim, o Governo Imperial e Real se vê obrigado a exigir do Governo Real Sérvio uma garantia formal de que condena essa perigosa propaganda contra a Monarquia; noutras palavras, toda a gama de propostas cujo fim último é separar dos territórios da Monarquia, que a ela pertencem; e de que assume a respon­sabilidade de reprimir por todos os meios essa propaganda criminosa e terrorista.

“Para dar um caráter formal a essa responsabilidade, o Governo Real Sérvio deve publicar na primeira página do seu ‘Jornal OficiaT de 26 de julho a seguinte declaração:

“‘O Governo Real da Sérvia condena a propaganda terrorista dirigida contra a Áustria-Hungria — i.e., a proposta geral cujo objetivo final é separar da Monarquia Austro-húngara territórios a ela pertencentes, e deplora sinceramente as consequên­cias fatais dessas ações criminosas.

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“‘O Governo Real lamenta que oficiais e funcionários sérvios tenham partici­pado da propaganda acima mencionada e deste modo comprometido as relações de boa vizinhança com as quais o Governo Real estava solenemente comprometido por sua declaração de 31 de março de 1909.

‘“O Governo Real, que desaprova e repudia toda idéia de interferir ou tentar interferir nos destinos dos habitantes de toda e qualquer parte da Áustria-Hungria, considera seu dever formal advertir os seus oficiais e funcionários, e toda a população do reino, de que doravante irá proceder com o máximo rigor contra as pessoas que possam ser culpadas de tais maquinações, contra as quais usará todo o seu esforço para antecipar e frustrar.’

“Esta declaração deve ser comunicada simultaneamente ao Exército Real como ordem do dia de sua Majestade o Rei, e deve ser publicada no ‘Boletim Oficial’ do Exército.

“O Governo Real Sérvio se compromete igualmente:“ 1. A reprimir quaisquer publicações que incitem à desobediência ou ao ódio

contra a Monarquia Austro-húngara, e cuja proposta geral é dirigida contra a sua integridade territorial;

“2. A dissolver imediatamente a sociedade intitulada Narodna Odbrana, a con­fiscar todos os seus meios de propaganda, e a proceder de modo semelhante contra outras sociedades e suas ramificações na Sérvia que façam propaganda contra a Mo­narquia Austro-húngara. O Governo Real deve tomar as medidas necessárias para impedir as sociedades dissolvidas de darem prosseguimento às suas atividades sob outro nome e sob outra forma;

“3. A eliminar sem demora da instrução pública na Sérvia, tanto no tocante ao seu corpo docente como no tocante aos seus métodos de ensino, tudo o que sirva ou possa servir para fomentar a propaganda contra a Áustria-hungria;

“4. A remover do serviço militar, e da administração em geral, todos os oficiais e funcionários culpados de propaganda contra a Monarquia Austro-húngara, cujos nomes o Governo Austro-húngaro se reserva o direito de comunicar ao Governo Real;

“5. A aceitar a colaboração na Sérvia dos representantes do Governo Austro- húngaro para a supressão do movimento subversivo dirigido contra a integridade territorial da Monarquia;

“6. A tomar medidas judiciais contra cúmplices da trama de 28 de junho que estão em território sérvio; delegados do Governo Austro-húngaro tomarão parte nes­sa investigação;

“7. A impedir por meio de medidas efetivas a cooperação de autoridades sérvias no tráfico ilícito de armas e explosivos através das fronteiras, a demitir e punir severa­mente os funcionários do serviço de fronteiras em Schabatz e Loznica, culpados de terem prestado assistência aos perpetradores do crime de Sarajevo, facilitando a sua passagem pela fronteira;

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A N O T A A U S T R Í A C A

“8. A fornecer ao Governo Imperial e Real as explicações relativas aos pronun­ciamentos injustificáveis de altos funcionários sérvios, tanto na Sérvia como no es­trangeiro, os quais, apesar da sua posição oficial, não hesitaram, desde o crime de 28 de junho, em se expressar em entrevistas em termos de hostilidade para com o Gover­no Austro-húngaro; e, finalmente;

“9. A notificar sem demora o Governo Imperial e Real da execução das medi­das incluídas nos parágrafos precedentes.

“O Governo Austro-húngaro espera a resposta do Governo Real no mais tardar até às seis horas da tarde de sábado, 25 de julho.

“Um memorando relativo aos resultados do inquérito judicial em Sarajevo a respeito dos oficiais mencionados nos parágrafos (7) e (8) está anexado a esta nota.”

Tenho a honra de solicitar a vossa Excelência que leve o conteúdo desta nota ao conhecimento do governo junto ao qual o senhor está credenciado, acompanhando a sua comunicação com as seguintes observações:

Em 31 de março de 1909, o Governo Real Sérvio dirigiu à Áustria-hungria a declaração cujo texto é reproduzido acima.

No dia seguinte a esta declaração, a Sérvia abraçou uma política de insuflar idéias revolucionárias nos súditos sérvios da Monarquia Austro-Húngara, preparan­do deste modo a separação do território austro-húngaro na fronteira sérvia.

A Sérvia tornou-se o centro de uma agitação criminosa.Nenhum tempo foi perdido na formação de sociedades e grupos cujos objeti-

vos, sejam admitidos ou secretos, eram a criação de desordens no território austro- húngaro. Essas sociedades e grupos contam entre seus membros com generais e diplomatas, funcionários de governo e juizes — em resumo, membros do primeiro escalão da sociedade oficial e não oficial do reinado.

O jornalismo sérvio é quase inteiramente dedicado ao serviço dessa propagan­da, a qual é voltada contra a Áustria-Hungria, e não passa um dia sem os órgãos da imprensa sérvia incitarem os seus leitores ao desrespeito ou ao ódio contra a Monar­quia vizinha, ou a afrontas dirigidas mais ou menos abertamente contra a sua segu­rança e a sua integridade.

Um grande número de agentes é empregado na condução por todos os meios da agitação contra a Austria-Hungria e da corrupção dos jovens nas províncias fronteiriças.

Desde a recente crise dos Bálcãs, houve um recrudescimento do espírito de conspiração inerente aos políticos sérvios, o que deixou uma trilha sanguinária clara na história do reinado; indivíduos antes pertencentes a bandos empregados na Macedônia vieram para se colocar à disposição da propaganda terrorista contra a Austria-Hungria.

Diante dessas ações, às quais a Áustria-Hungria tem sido exposta há anos, o governo sérvio não pensou ser responsabilidade sua tomar a menor providência que fosse. Portanto, o Governo Sérvio fracassou no dever a ele imposto pela declaração solene de 31 de março de 1909, agindo contrariamente à vontade da Europa e à responsabilidade conferida à Áustria-Hungria.

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A paciência do Governo Imperial e Real em face da atitude de provocação da Sérvia se inspirava no desinteresse da Monarquia Austro-húngara e na esperança de que o governo sérvio acabasse, apesar de tudo, reconhecendo o verdadeiro valor da amizade da Áustria-Hungria. Observando uma atitude benevolente em relação aos interesses políticos da Sérvia, o Governo Imperial e Real tinha esperanças de que o Reino, por sua vez, iria finalmente se decidir por uma linha de conduta análoga. Especificamente, a Áustria-Hungria esperou um desenvolvimento deste tipo nas idéias políticas da Sérvia quando, após os acontecimentos de 1912, o Governo Imperial e Real, por sua atitude desprendida e desinteressada, tornou possível uma ampliação tão considerável da Sérvia.

A benevolência que a Áustria-Hungria mostrou ao Estado vizinho não teve efeitos restritivos sobre a conduta do reino, que continuou a tolerar a propaganda em seu território, cujas consequências fatais foram demonstradas para todo o mundo em 28 de junho último, quando o Herdeiro Aparente da Monarquia e sua ilustre consorte caíram vítimas de um complô urdido em Belgrado.

Diante desse estado de coisas, o Governo Imperial e Real sentiu-se obrigado a tomar novas e urgentes medidas em Belgrado, em vista de induzir o governo sérvio a deter o movimento incendiário que está ameaçando a segurança e a integridade da Monarquia Austro-húngara.

O Governo Imperial e Real está convencido de que, tomando essas medidas, ele está plenamente de acordo com os sentimentos de todas as nações civilizadas, que não podem permitir que o regicídio se torne uma arma que possa ser usada impune­mente pelos movimentos emanando de Belgrado.

Em apoio ao acima exposto, o Governo Imperial e Real mantém um dossiê à disposição do governo britânico, elucidando as intrigas sérvias e a conexão existente entre essas intrigas e o assassinato de 28 de junho.

Uma comunicação idêntica foi endereçada aos representantes imperiais e reais credenciados junto às outras Potências signatárias.

O senhor está autorizado a deixar uma cópia deste despacho nas mãos do mi­nistro das Relações Exteriores.

Viena, 24 de julho de 1914

Anexo

O inquérito criminal aberto pela Corte de Sarajevo contra Gavrilo Princip e seus cúmplices durante e antes do ato do assassinato cometido por eles em 28 de junho último chegou até o presente às seguintes conclusões:

1. A trama, tendo como objeto o assassinato do arquiduque Francisco Ferdi­nando na ocasião da sua visita a Sarajevo, foi montada em Belgrado por Gavrilo

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A N O T A A U S T R Í A C A

Princip, Nedeljiko Cabrinovic, um certo Milan Ciganovic, e Trifko Grabez, com a assistência do comandante Voija Tankosic.

2. As seis bombas e quatro pistolas Browning e munição com que as partes culpadas cometeram o ato foram fornecidas a Princip, Cabrinovic e Grabez por Milan Ciganovic e o comandante Voija Tankosic, em Belgrado.

3. As bombas são granadas de mão oriundas do depósito de armas do Exército sérvio em Kragujevac.

4. Em vista de garantir o sucesso do ato, Ciganovic ensinou Princip, Cabrinovic e Grabez a usar as bombas, e deu aulas de tiro com pistolas Browning para Princip e Gabrez numa floresta perto do campo de treinamento de tiro em Top-schider.

5. Para permitir que Princip, Cabrinovic e Grabez cruzassem a fronteira e fizes­sem entrar seu contrabando de armas secretamente, um sistema secreto de transporte foi organizado por Ciganovic.

Por meio desse arranjo, a introdução de criminosos e armas na Bósnia- Herzegóvina foi efetuada pelos funcionários no controle das fronteiras em Chabac (Rade Popovic) e Loznica, assim como o funcionário da alfândega Rudivoj Grbic, de Loznica, com assistência de vários indivíduos.

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APÊNDICE 2: A RESPO STA SÉRVIA

Segunda-feira, 27 de julho

Resposta do Governo Sérvio à NotaAustro-húngara. (Comunicada pelo representante sérvio,27 de julho.) (Tradução.) (British Documents in Public Record Office.)

O Governo Real Sérvio recebeu o comunicado do Governo Imperial e Real cor­rente e está convencido de que sua resposta irá dirimir qualquer mal-entendido

que possa ameaçar prejudicar as relações de boa vizinhança entre a Monarquia Austro- húngara e o Reino da Sérvia.

Conscientes do fato de que os protestos feitos tanto na tribuna da Skupstina [Assembléia Nacional da Sérvia] como nas declarações e ações dos representantes de Estado responsáveis - protestos estes que foram interrompidos pelas declarações fei­tas pelo governo sérvio em 18 de março de 1909 - não foram renovados em nenhu­ma ocasião em relação à grande Monarquia vizinha, e que nenhuma tentativa foi feita desde então, seja pelos sucessivos governos reais ou por seus órgãos, para mudar o estado de coisas criado na Bósnia e na Herzegóvina, o Governo Real chama atenção para o fato de que, neste particular, o Governo Imperial e Real não fez nenhuma representação, exceto uma concernente a um livro escolar, ocasião em que o Governo Imperial e Real recebeu uma explicação inteiramente satisfatória. A Sérvia deu provas várias vezes da sua política pacífica e moderada durante a crise dos Bálcãs, e foi graças à Sérvia e ao sacrifício que ela fez no interesse exclusivo da paz européia que a paz foi preservada. O Governo Real não pode ser responsabilizado por manifestações de caráter privado, como artigos na imprensa e no funcionamento pacífico de socieda­des - manifestações que ocorrem em quase todos os países no curso normal dos acon­tecimentos, as quais, como regra geral, escapam ao controle oficial. O Governo Real

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A R ES P OS T A SÉRVIA

absolutamente náo é responsável, haja vista o fato de que, na hora da solução de uma série de questões levantadas entre a Sérvia e a Áustria-Hungria, ele deu provas de uma grande disposição de assentir, logrando desse modo acordar a maioria dessas questões à vantagem dos dois países vizinhos.

Por essas razões, o Governo Real ficou penalizado e surpreso diante das declara­ções, segundo as quais membros do Reino da Sérvia teriam participado nos prepara­tivos do crime cometido em Sarajevo; o Governo Real esperava ser convidado a colaborar numa investigação de tudo o que diz respeito a este crime, e a fim de provar a correção da sua atitude, estava pronto a tomar medidas contra quaisquer pessoas contra quem fossem feitas representações. De acordo, conseqiientemente, com o inte­resse do Governo Imperial e Real, o Governo Real está preparado para entregar para qualquer processo qualquer súdito sérvio, sem consideração por sua situação ou posi­ção social, cujas provas de cumplicidade no crime de Sarajevo sejam apresentadas, e mais especialmente ele empreende mandar publicar na primeira página do “Jornal Oficial” na data de 26 de julho a seguinte declaração:

“O Governo Real da Sérvia condena toda propaganda que possa ser dirigida contra a Áustria-Hungria; todas as propostas que visam em última análise separar da Monarquia Austro-húngara territórios que dela fazem parte, e deplora sinceramente as consequências perniciosas de tais movimentos criminosos. O Governo Real lamenta que, segundo o comunicado do Governo Imperial e Real, certos funcionários e oficiais sérvios possam ter tomado parte na propaganda acima mencionada e desse modo com­prometido a boa relação de vizinhança com a qual o Governo Real Sérvio está solenemente comprometido pela declaração de 31 de março de 1909, declaração esta que desaprova e repudia toda idéia ou tentativa de interferência no destino dos habi­tantes de qualquer parte da Áustria-Hungria, e o Governo Real considera seu dever preve­nir formalmente seus funcionários, oficiais e toda a população do reino de que doravante irá tomar as medidas mais rigorosas contra todos aqueles que forem culpa­dos de tais atos, os quais ele irá empenhar o seu máximo esforço para impedir e reprimir.”

Esta declaração será levada ao conhecimento do Exército Real numa ordem do dia em nome de Sua Majestade o Rei, por Sua Alteza Real o Príncipe Herdeiro Ale­xandre, e será publicada no próximo boletim oficial do Exército.

O Governo Real se encarregará ainda:De introduzir, na primeira convocação ordinária da Skupstina, uma cláusula

na lei de imprensa prevendo a mais severa punição contra a incitação ao desrespeito ou ao ódio contra a Monarquia Austro-húngara, e abertura de processo contra qual­quer publicação cuja proposta geral seja dirigida contra a integridade territorial da Áustria-Hungria. O governo se compromete, na revisão que se aproxima da Consti­tuição, a produzir uma emenda a ser introduzida no artigo 22 da Constituição, de tal natureza que as referidas publicações possam ser confiscadas, procedimento atual- mente impossível sob os termos categóricos do artigo 22 da Constituição.

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O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

O Governo Real não possui provas, e tampouco a nota do Governo Imperial e Real as fornece, de que a “Narodna Odbrana” e outras sociedades semelhantes te­nham cometido até o presente qualquer ato criminoso dessa natureza por meio da conduta dos seus membros. Entretanto, o Governo Real aceitará a exigência do Go­verno Imperial e Real e dissolverá a Sociedade “Narodna Odbrana” e qualquer outra sociedade que possa estar dirigindo seus esforços contra a Áustria-Hungria.

O Governo Real sérvio se compromete a retirar imediatamente dos seus estabe­lecimentos educacionais públicos tudo o que sirva ou possa servir de propaganda fomentadora contra a Áustria-Hungria, sempre que o Governo Imperial e Real lhe fornecer fatos e provas desta propaganda.

O Governo Real também concorda em afastar do serviço militar todos aqueles cuja culpa de atos contra a integridade do território da Monarquia Austro-húngara possa ter sido comprovada conforme o inquérito judicial, e espera que o Governo Imperial e Real lhe comunique posteriormente os nomes e atos desses funcionários e oficiais para fim de ações a serem empreendidas contra eles.

O Governo Real deve confessar que não compreende claramente o significado e o alcance da exigência feita pelo Governo Imperial e Real de que a Sérvia deve aceitar a colaboração dos órgãos do Governo Imperial e Real em seu território, mas declara que admitirá tal colaboração, conforme o princípio da legislação internacio­nal, o processo criminal e as relações de boa vizinhança.

Nao é preciso dizer que o Governo Real considera seu dever abrir um inquérito contra as pessoas que estão, ou possam eventualmente estar, implicadas na trama de 15 de junho, e que estejam no interior do território do Reino. Quanto à participação neste inquérito de agentes ou autoridades austro-húngaras designadas para estes fins pelo Governo Imperial e Real, o Governo Real não pode aceitar tal arranjo, pois seria uma violação da Constituição e da legislação do processo criminal; não obstante, em casos concretos, informações sobre os resultados da investigação em questão poderão ser dadas a agentes austro-húngaros.

O Governo Real deteve, no próprio anoitecer da entrega desta nota, o coman­dante Voislav Tankossitch. Quanto a Milan Ciganovic, que é súdito da Monarquia Austro-húngara e que até 15 de junho era empregado (período de experiência) pela diretoria das ferrovias, ainda não foi possível prendê-lo.

O Governo Austro-húngaro deverá ter a bondade de fornecer o mais rápido possível, sob a forma costumeira, os indícios de culpa, bem como as eventuais provas de culpa que tenham sido recolhidas até o presente, no inquérito em Sarajevo para os propósitos deste inquérito.

O Governo Sérvio vai reforçar e estender as medidas tomadas até aqui para impedir o tráfico ilícito de armas e explosivos através da fronteira. É claro, ele ordena­rá um inquérito imediato e punirá severamente os funcionários aduaneiros na fron­teira de Schabatz-Loznitza, que não cumpriram seu dever e permitiram a passagem do autor do crime de Sarajevo.

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A R E SP OS T A SÉRVIA

O Governo Real terá a satisfação de dar explicações sobre observações feitas por seus funcionários tanto na Sérvia como no estrangeiro, em entrevistas após o crime, as quais, segundo declaração do Governo Imperial e Real, foram hostis em relação à Monarquia, tão logo o Governo Imperial e Real tenha comunicado as passagens em questão nessas observações, e assim que ele tiver mostrado que as observações foram realmente feitas pelos ditos funcionários, embora o próprio Governo Real vá tomar medidas para coletar indícios e provas.

O Governo Real informará o Governo Imperial e Real sobre a execução das medidas compreendidas nos parágrafos acima, na medida em que a presente nota ainda não o tenha sido feito, tão logo cada medida tenha sido ordenada e posta em prática.

Se o Governo Imperial e Real não ficar satisfeito com esta resposta, o Governo Sérvio, considerando que nao é do interesse comum precipitar a solução desta ques­tão, está pronto, como sempre, a aceitar um entendimento pacífico, seja submetendo a questão à decisão da Corte Internacional ou Haia, ou às grandes potências que tomaram parte na composição da declaração feita pelo Governo Sérvio em 18 (31) de março de 1909.

Belgrado, 12 (25) de julho de 1914.

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QUEM ERA QUEM

Alguns funcionários europeus em 1914

ALEXANDER, príncipe herdeiro Sérvia: regente

ASQUITH, HerbertGrã-Bretanha: primeiro-ministro

BENCKENDORFF, conde Alexander Rússia: embaixador em Londres

BERCHTOLD, conde Leopold von Áustria-Hungria: ministro das Relações Exteriores

BERTIE, 5/>FrancisGrã-Bretanha: embaixador em Paris

BETHMANN HOLLWEG, Theobald vonAlemanha: chanceler Imperial (primeiro-ministro)

BIENVENUE-MARTIN, Jean- BaptisteFrança: ministro da Justiça

BUCHNAN, Sir GeorgeGrã-Bretanha: embaixador em São

Petersburgo CAMBON, Jules

França: embaixador em Berlim CAMBON, Paul

França: embaixador em Londres CHURCHILL, Winston S.

Grã-Bretanha: primeiro lorde do Almirantado

CONRAD VON HÕTZENDORF, marechal-de-campo Franz

Áustria-Hungria: chefe do Estado- maior do Exército

CROWE, Sir EyreGrã-Bretanha: funcionário do Ministério das Relações Exteriores

FALKENHAYN, general Erich von Alemanha: ministro da Guerra

FLOTOW, Ludwig von Alemanha: embaixador em Roma

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Q U E M ERA Q U E M

FORGACH, conde JohannÁustria-Hungria: funcionário do Ministério das Relações Exteriores

FRANCISCO JOSÉ, imperador da Áustria e rei da Hungria: monarca

FRANCISCO FERDINANDO, arquiduqueÁustria-Hungria: herdeiro aparente

GEORGE V, rei-imperador Grã-Bretanha: monarca

GIESL VON GIESLINGEN, barão Áustria-Hungria: representante em Belgrado

GOSCHEN, Sir EdwardGrã-Bretanha: embaixador em Berlim

GREY, Sir EdwardGrã-Bretanha: secretário das Relações Exteriores

GUILHERME II, cáiser Alemanha: monarca

HARTWIG, Nicolai deRússia: representante em Belgrado

HOYOS, conde AlexanderÁustria-Hungria: chefe de gabinete do Ministério das Relações Exteriores

IZVOLSKY, AlexanderRússia: embaixador em Paris (ex- ministro das Relações Exteriores)

JAGOW, Gotdieb vonAlemanha: ministro das Relações Exteriores

LICHNOWSKY, príncipe Karl von Alemanha: embaixador em Londres

LLOYD GEORGE, DavidGrã-Bretanha: ministro da Fazenda

LYNCKER, general Moritz von Alemanha: chefe do Gabinete Militar

MACCHIO, barão Karl vonÁustria-Hungria: funcionário do Ministério das Relações Exteriores

MATSCHEKO, Franz vonÁustria-Hungria: funcionário do Ministério das Relações Exteriores

MOLTKE, general Helmut von Alemanha: chefe do Estado-maior do Exército

MULLER, almirante Alexander von Alemanha: chefe do Gabinete Naval do cáiser

NICOLAU II, tsar Rússia: monarca

NICOLSON, Sir ArthurGrã-Bretanha: chefe do Ministério das Relações Exteriores

PALÉOLOGUE, Maurice França: embaixador em São Petersburgo

PASIC, NicolaSérvia: primeiro-ministro

POINCARÉ, Raymond França: presidente

POTIOREK, general OskarÁustria-Hungria: governador-geral da Bósnia-Herzegóvina

POURTALÈS, conde Friedrich von Alemanha: embaixador em São Petersburgo

RUMBOLD, Sir HoraceGrã-Bretanha: funcionário da embaixada em Berlim

SAN GIULIANO, marquês Antonio di Itália: ministro das Relações Exteriores

SAZONOV, SergeiRússia: ministro das Relações Exteriores

SCHEBEKO, NikolaiRússia: embaixador em Viena

SCHOEN, Wilhelm vonAlemanha: embaixador em Paris

STUMM, Wilhelm von Alemanha: funcionário do

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O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

Ministério das Relações Exteriores

STÚRGKH, KarlÁustria: primeiro-ministro

SVERBEJEV, SergeiRússia: embaixador em Berlim

SZAPARY VON SZAPAR, conde FriedrichÁustria-Hungria: embaixador em São Petersburgo

SZÕGYÉNI-MARICH, conde Ladislaus Áustria-Hungria: embaixador em Berlim

TIRPITZ, almirante Alfred von Alemanha: secretário de Estado do Gabinete Naval

TISZA, conde IstvánHungria: primeiro-ministro

TSCHIRSCHKY, conde Heinrich von Alemanha: embaixador em Viena

VIVTANI, RenéFrança: primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores

ZIMMERMANN, Arthur Alemanha: vice-ministro das Relações Exteriores

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NOTAS

PRÓLOGO Baseado em coberturas jornalísticas da época Encyclopaedia Britannica, 15a ed., s.w. “World Wars” Winter, Parker, e Habeck 2000: 2 Herwig 1997: 1Encyclopaedia Britannica, 15a ed., s.w. “World Wars” McNeill 1976: 255Economist, 31 de dezembro de 1999, p. 30.Kennah 1979: 3 Stern 1999: 200 Gilbert 1975: 355 Kennan 1951: 51 Miller, Lynn-Jones Ecvera 1991: xi Lafore 1971: 17Lorde Bryce, citado em Fromkin 1995: 58Zweig 1943: 214Taylor 1965: 1Braudel 1979: 104Keynes 1920: 11-12

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N O T A S

20 Micklethwait e Wooldridge 2000: xviii21 Kennan 1951: 922 Zweig 1943: 123 Keiger 1983: 13324 Ibid.

CAPÍTULO 3: DISPUTA ENTRE NAÇÕES1 McLean 2001: 98

CAPÍTULO 4: ARMAMENTO DOS PAÍSES1 Adams 1918: 3832 Fussel 1975: 83 Stevenson 1996: 14 Ibid.: 203.5 Gunter E. Rothenberg, “Moltke, Schlieffen, and the Docctrine o f Strategic

Envelopment”, Paret 1986: 3066 Daniel Moran, “Alfred von Schlieffen”, Cowley e Parker 1996: 4157 Mombauer 2001: 558 Ibid.: 54, 56.9 Ibid.: 51

CAPÍTULO 5: PROFECIAS DE ZARATUSTRA1 Taylor 1956: 1212 Morris 1979: 5693 Strachan 2001: 68

CAPÍTULO 6: ALINHAMENTO DIPLOMÁTICO1 Morgenthau 1978: 2482 McLean 2001: 163 Ibid.: 444 Ibid.: 79

CAPÍTULO 9: ALEMANHA EXPLOSIVA1 Berghan 1993: 1722 Joll 1992: 563 Berghahn 1993: 284 Halévy 1930: 65 Berghahn 1993: 886 Clark 2000: 197 Ibid.: 208 Ibid.: 1239 Ibid.: 125

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Berghahn 1993: 16 Fisher 1975: 28

CAPÍTULO 10: MACEDÔNIA - FORA DE CONTROLE Shaw e Shaw 1997 II: 207-208

CAPÍTULO 11: ÁUSTRIA - PRIMEIRA A DAR PARTIDA Bridge 1990: 228 Albertini 1952 I: 228 Ibid.: 230 Berghahn 1993: 93 Ibid. -. 91 Craig 1978: 323

CAPÍTULO 12: FRANÇA E ALEMANHA FAZEM SEU JOGO Joll 1992: 58Gooch e Temperley 1926: 205 W . Churchill 1923: 48 Herrmann 1996: 172

CAPÍTULO 13: A ITÁLIA TOMA POSSE; OS BÁLCÃS TAMBÉM Varé 1938: 70 Albertini 1952 I: 486

CAPÍTULO 14: A MARÉ ESLÁVICARõhl 1994: 167 Clark 2000: 189 Ibid.: 190 Ibid.Ibid.Ibid.Ibid.Ibid.Ibid.Ibid.Ibid.Rõhl 1994: 168 Ibid: 191 Ibid Ibid.Ibid.Ibid: 170

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18 Ibid.19 Ibid.: 17320 Ibid.21 Ibid: 176622 Herrmann 1996: 17723 Stevenson 1996: 264

CAPÍTULO 15: A EUROPA À BEIRA DO PRECIPÍCIO1 Albertini 1952 I: 4882 Kautsky 1924: 533 Ibid.4 Ibid: 545 Ibid

CAPÍTULO 16: MAIS ABALOS NOS BÁLCÃS1 Geiss 1997: 482 Strachan 2001: 693 Geiss 1967: 43

CAPITULO 17: UM AMERICANO TENTA DETER O PROCESSO1 Smith 1940: 512 Ibid: 1023 Ibid: 24 House Papers, 1914 Diary, 23 de maio.5 Wall 1989: 9096 Ibid.7 Ibid: 9248 Link 1979: 108-1099 House Papers. 1914 Diary, Ia de junho10 Ibid.11 Link 1979: 13912 Ibid.: 14013 Ibid.14 House Papers, 1914 Diary, 24 de junho15 Ibid: Ia de junho16 Ibid: 12 de junho17 Link 1979: 19018 House Papers, 1914 Diary, Tl de junho19 Ibid.20 Ibid.: 24 de junho21 Grey 1925 I: 323

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CAPÍTULO 18: A ÚLTIMA VALSA Williamson 1991: 21

CAPÍTULO 19: NA TERRA DOS ASSASSINOS Evans 1990: 32 Ibid-. 23Albertini 1952 II: 63

CAPÍTULO 20: A CONEXÃO RUSSA Albertini 1952 II: 117 Thompson 1964: 47 Wilson 1995: 85

CAPÍTULO 21: OS TERRORISTAS ATACAM Remark 1959; Morton 1989 Taylor 1964: 72

CAPÍTULO 22: A EUROPA BOCEJAMann 1983: 18 Morton 1989: 267 Ibid.Albertini 1952 II: 115 Ibid.-. 216 Keiger 2002: 164 Zeman 1971: 2 Keiger 2002: 102 Ibid.: 160 Zeman 1971: 2 Zweig 1943: 216

CAPÍTULO 23: DESCARTE DOS CORPOS Albertini 1952 II: 117 Ibid.

CAPÍTULO 24: REUNINDO OS SUSPEITOS Albertini 1952 II: 42-43 Dedijer 1966: 197 Albertini 1952 II: 43 Williamson 1991: 193 Maeshal 1964: 25 Kautsky 1924: 63-63 Ibid.Great Britain 1915: 10

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9 Ibid.: 1110 Ibid.-. 1211 Kautsky 1924: 6112 Great Britain 1915: 9-1013 Lieven 1983: 140

CAPÍTULO 25: ALEMANHA ASSINA CHEQUE EM BRANCO1 Kautsky 1924: 612 Albertini 1952 II: 1253 Geiss 1967-664 Berghahn 11992: 2005 Kautsky 1924: 696 Berghahn 19937 Williamson 1991: 1998 Berghahn 1993: 11999 Ibid.10 Geiss 1967: 7211 Ibid.-. 7112 Clark 2000: 20313 Geiss 1967: 71

CAPÍTULO 26: A GRANDE FRAUDE1 Geiss 1967: 902 Kautsky 1924: 473 Ibid.'. 494 Fisher 1975: 4785 Berghahn 1993: 2046 Geiss 1967: 1057 Kautsky 1924: 95, 978 Geiss 1967: 1149 Albertini 1952 II: 277

CAPÍTULO 28: MANTÉM-SE O SEGREDO1 Bosworth 1983: 1212 Williamson 1991: 2013 Albertini 1952 II: 1844 Ibid.5 Berghahn 1993: 197

CAPÍTULO 29: O FAJTNÃO FOI ACCOMPLI1 Albertini 1952 II: 184-85

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O Ú L T I M O VE RÃO E U R O P E U

Encyclopaedia Britannica, 1 l â ed., s.v. “Bavaria”Geiss 1967: 127-30 Berghahn 1993: 209 Kautsky 1924: 113 Ibid.: 126 Ibid: 141 Morton 2001: 208 Geiss 1967: 139 Ibid.Ibid..-. 142 Ibid.-. 154Eyre Crowe,1967: 159; Albertini 1952 II: 212Fromkin 1995: 98Rhõl 1973: 29Berghahn 1993: 201Ibid.Ibid.Ibid,-. 201-202 1925 I: 283-90 Berghahn 1993: 209 Kautsky 1924: 144-45 W. Churchill 1923: 178 Ibid.: 181Brock e Brock 1985: 122

CAPÍTULO 30: APRESENTANDO O ULTIMATO Albertini 1952 II: 280 Ibid.: 282W. Churchill 1923: 193 Brock e Brock 1985: 122-23 R. Churchill 1969: 1987-88 Great Britain 1915: 30-31 Kautsky 1924: 184-85 Albertini 1952 II: 378 Ibid.Ibid.: 291Evans e Strandmann 1990:76Ibid. : 77Ibid.Ibid.Massie 1996: 186 Kautsky 1924: 180

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17 Ibid.18 Ibid.: 18219 Hayne 1993: 294-9520 Geiss 1967: 180

CAPÍTULO 31: A SÉRVIA MAIS OU MENOS ACEITA1 Gõrlitz 1961: 52 Albertini 1952 II: 3483 Fisher 1975: 464-654 Geiss 1967: 200-201; Albertini 1952II: 3725 Kautsky 1924: 1866 Evansand Strandmann 1900:102

CAPÍTULO 32: CARTAS NA MESA EM BERLIM1 Berghahn 1993: 2122 Mombauer 2001: 1863 Ibid: 1874 Ibid5 Ibid: 2006 W . Churchill 1931: 120-267 Keegan 1999: 77-78

CAPÍTULO 33: 26 DE JULHO1 Steiner 1969: 122 Albertini 1952 II: 2003 Ibid.4 Brock e Brock 1985: 125-265 Riddell 1986: 846 Steiner7 Albertini 1952 II: 4048 Geiss 1967: 2359 Ibid: 22710 Kautsky 1924: 220-2111 Mombauer 2001: 197

CAPÍTULO 34: 27 DE JULHO1 Biillow 1931 III: 1842 Fisher 1967: 703 Geiss 1967: 2364 Riddel 1986: 855 Churchill 1968: 19886 Geiss 1967: 239

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Ibid.: 240 Ibid.: 241Albertini 1952 II: 416 Berghahn 1993: 216 Great Britain 1915: 74

CAPÍTULO 35: 28 DE JULHOHerwig 1997: 26 Berghahn 1993: 212 Geis: 1967: 256 Clark 2000: 208 Geiss 1967: 256 Clark 2000: 208-209 Ibid: 209Mombauer 2001: 199 Clark 2000: 208 Herwig 1997: 26 Ensor 1936: 484 Albertini 1952 II: 460-61 Kautsky 1924: 243 Berghahn 1993: 216 R. Churchill 1967: 692 Ibid.: 694Brock e Brock 1985: 161

CAPÍTULO 36: 29 DE JULHO Albertini 1952 II: 499 Ibid: 488-89 Ibid: 495 Ibid.: 498Albertini 1952 III: 1 Ibid.: 2Mombauer 2001: 205Albertini 1952 II: 513-14Kautsky 1924: 319-22Ibid.: 313Ibid.: 319-22Brock e Brock 1985: 132W. Churchill 1923: 212

CAPÍTULO 37: 30 DE JULHO Stengers mostrou: Wilson 1995: 125

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2 Kautsky 1924: 3683 Ibid.: 3724 Ibid5 Albertini 1952 III: 26 /fó/.: 37 Lieven 1983: 1468 Kautssk 1924: 375; Cimbala 1996: 3899 Berghahn 1993: 21710 Ibid.11 Mombauer 2001: 20512 Albertini 1952 III: 3413 Bonham-Carter 1965: 30514 Wilson 1995: 12715 Albertini 1952 II: 60416 Brock e Brock 1985: 136

CAPÍTULO 38: 31 DE JULHO1 Hayne 1993: 2932 Williamson 1991: 207 n. 1223 Albertini 1952 III: 374 Ibid.: 565 Ibid.: 626 Gilbert 1975: 217 Brock e Brock 1985: 1388 Riddel 1986: 859 Gilbert 1971: 2110 Ibid.: 22

CAPÍTULO 39: 1- DE AGOSTO1 Brock e Brock 1985: 1402 R. Churchill 1969: 7013 Ibid.4 Massie 1996: 2585 Mombauer 2001: 2066 Albertini 1952 III: 1727 Ibid.: 1768 Ibid.: 1779 Beaverbrook 1960: 2910 Brock e Brock 1985: 14011 Evans e Strandmann 1990: 12012 Ibid.

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CAPÍTULO 40: 2 DE AGOSTO1 Brock e Brock 1985: 1462 Geiss 1967: 179 e seguintes3 Kautsky 1924: 4964 Ibid.: 5015 Ibid.: 4826 Ibid.: 4837 Ibid.8 Albertini 1952 III: 410

CAPÍTULO 41: 3 DE AGOSTO1 Kautsky 1924: 52723 Brock e Brock 1985: 1484 Tuchman 1963: 1395 Jenkinss 1966: 3296 Bonham-Carter 1965: 312

CAPÍTULO 42: 4 DE AGOSTO1 Taylor 1965: 2-32 Evans e Strandmann 1990: 1163 Ibid.

CAPÍTULO 43: DESTRUINDO PROVAS1 Herwig 1997 e o capítulo de Herwig em Winter/Parker/Habeck 2000 foram

seguidos neste capítulo.2 Rõhl 1973: 17

CAPÍTULO 46: A CHAVE PARA O QUE ACONTECEU1 Wilson 1995: 222 Howard 2002: 28

CAPÍTULO 48: QUEM PODERIA TER IMPEDIDO?1 Joll 1992: 234

CAPÍTULO 50: PODERIA ACONTECER OUTRA VEZ?1 Mombauer 2002: 952 Aaron 1990: 275

CAPÍTULO 52: A GUERRA DA ÁUSTRIA1 Keegan 1999: 1702 Ibid.

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N O T A S

3 Herwig 1997: 914 Ibid.\ 925 Ibid.\ 266 Ibid.\ 94

CAPÍTULO 53: A GUERRA DA ALEMANHA1 Mombauer 2001: 281

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Page 363: O Último Verão Europeu

BIBLIOGRAFIA

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Page 370: O Último Verão Europeu

AGRADECIMENTOS

or volta de 1999, Joy de Menil, a quem eu fora brevemente apresentado, enviou-me uma simpática nota, comparando minhas descrições da crise de julho de 1914

- em escritos anteriores - com narrativas recém-publicadas, feitas por outros histori­adores. O pensamento estava comigo quando almocei pouco depois com Ashbel Green, meu editor na Knopf. Perguntei-lhe que tipo de livro ele queria que eu escrevesse em seguida. Ele disse que esperava um livro cujo tema fosse a história da Europa, com alcance temporal delimitado. A idéia veio imediatamente ao espírito: os 37 dias desde o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando até a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Tantas monografias novas e brilhantes haviam sido pesquisadas e escritas por estudiosos nas décadas recentes, que eu tinha certeza de que, se as reunisse, um novo retrato da crise de julho emergiria.

Ao começar minhas leituras para o livro, fiquei chocado pela quantidade de idéias preconcebidas que tinham de ser descartadas. A partir de escritos tão convin­centes quanto os citados nos textos de John Maynard Keynes e de A. J. P. Taylor, eu abandonei a idéia de que a Europa pré-guerra vivia tempos idílicos e pacíficos. Trata­va-se, em vez disso, de um mundo dilacerado, conflituoso, presa de uma corrida armamentista facilmente passível de ser qualificada de suicida. Procurei uma metáfo­ra e a encontrei na aviação comercial: por um lado, forças atmosféricas que ameaçam destruição, mas as quais, inicialmente, por serem invisíveis, restam ignoradas pelos passageiros; por outro, o contraste entre a inadvertência dos passageiros face ao perigo

373

Page 371: O Último Verão Europeu

A G R A D E C I M E N T O S

e a consciência aguda dos comandantes e da tripulação. Lembrei-me de ter lido rela­tos noticiosos sobre um determinado voo, os quais poderiam ilustrar meu argumen­to. Elie Montazeri, um ex-estudante meu, ofereceu-se para fazer as pesquisas necessárias, e conduziu-as com imensa perícia. A Joy, Ash e Elie, muitos agradecimentos por terem me ajudado a começar.

Eu quis encontrar instalações onde pudesse trabalhar sem perturbações durante os verões, quando as férias académicas nos liberam para escrever. Sou grato a Richard Herland e a Martine Callandrey por propiciarem tudo o que eu precisava neste parti­cular: por terem criado, isto sim, uma colónia de escritores de uma só pessoa em sua casa em Cap d’Antibes, na França, verão após verão. Meu agradecimento igualmente a Gwenyth E. Todd, por sua extraordinária generosidade de me ceder um lugar tran­quilo para trabalhar ao longo de agosto de 2003, e a Robert Baker por tê-lo arruma­do, e muito mais.

Carol ShookofF conseguiu ler minha caligrafia e transformar meu manuscrito em algo publicável. Ela tem tanto a minha admiração como a minha gratidão. Tam­bém sou grato ao Dr. Illya Zaslowsky por suas pesquisas em arquivos russos no inte­resse do meu trabalho.

Pela leitura minuciosa dos manuscritos acabados, por suas sugestões judiciosas e suas críticas desafiadoras em praticamente todas as páginas, sou imensamente grato a Timothy Dickinson, ao professor emérito Alain Silvera, da Bryn Mawr College, e à Dra. Annika Mombauer, da Open University na Grã-Bretanha. Mais do que geral­mente é o caso, devo salientar que esses leitores não têm nenhuma responsabilidade pelo texto precedente ou pelas opiniões nele expressas.

Meu agradecimento carinhoso e constante a Ash Green, o melhor dos editores, e à sua sempre pronta assistente Luba Ostashevsky. Muito obrigado, também, à ope­radora de milagres Carol Janeway; tomara que esteja sempre na minha equipe.

Como sempre, sou grato à minha agente Suzanne Gluck, a melhor que há ou, penso eu, sempre haverá. Meus agradecimentos a ela e às suas animadas e competen­tes assistentes, inicialmente Emily Nurkin e agora Christine Price, que ajudam e assistem com eficiência não intrusiva.

Meus agradecimentos igualmente a Robert e Jeanne-Mary Sigmon, por locali­zarem na Grã-Bretanha livros e fotografias de que eu necessitava.

Almoços aos domingos com o professor Ralph Buultjens, com suas conversa­ções estimulantes, deram-me novas perspectivas, pelas quais sou grato.

Finalmente, meu agradecimento, como sempre, a James Chace, meu conselhei­ro literário de toda a vida. Em certo sentido, todos os meus trabalhos são dedicados a ele.

DFAntigny-le-Chateau (Cote d’Or), França2 7 d e agosto d e 2 0 0 3

374

Page 372: O Último Verão Europeu

ÍNDICE REMISSIVO

Adams, Henry, 42-3 Aehrenthal, conde Alois Lexa von, 85,

88-9, 91, 103, 119, 176 Afeganistão, 296 Aitken, Sir Max, 269 Albânia, 101, 119 Albert, rei (Bélgica), 277

Albertini, Luigi, 143, 146, 151, 283, 288 Alemanha, 17

anexação da Bósnia pela Áustria, 89 assassinato de Francisco Ferdinando como operação sérvia, opiniões sobre, 171cerco por forças hostis, 77, 114 conselho de guerra de 1912, 107-10 controvérsia sobre a Guerra dos Bóeres, 90-1

corrida armamentista, 43-4, 73, 99, 110desinclinação para a guerra, 27 destruição de documentos relaciona­dos à eclosão da guerra generalizada, 282-3estratégia balcânica, 118-20 Exército da, 51-2, 77-9 França, relações com, 77, 97-8, 128 Grã-Bretanha, relações com, 78, 115 guerra franco-prussiana, 23 guerras balcânicas, 98, 104-6 House, plano de paz de, 124-9 imperialismo 31-6, 76-7 manobras financeiras em 1911, 95 marroquinas, crises, 23-4, 33, 77, 93-5 paradoxos da, 72, 78-9

375

Page 373: O Último Verão Europeu

Í N D I C E R E MI S S I V O

planejamento de guerra, 44-51, 53, 229, 299-300política naval, 76-8, 90, 126 precedência académica e cultural, 79 revoltas sociais e económicas, 35-6 Rússia, relações com, 75-7 situação política, 70-3 sua percepção de “enfraquecimento”, 114-5, 203-4tomada da Líbia pela Itália, 100 Tratado de Resseguro, 75 xenofobia, 41unificação nos anos 1800, 39, 51, 71 visão de mundo pessimista, 79 ver também guerra austro-sérvia; aliança germano-austríaca; origens da Grande Guerra; eclosão da guerra generalizada

Alexander, príncipe (Sérvia), 220 Alexandra, imperatriz (Rússia), 216 aliança britânico-franco-russa, 23-4, 32,

44, 47, 77-8comunicações britânicas com a Ale­manha em relação à, 107-9 crises marroquinas e, 95 eclosão da guerra generalizada, 240, 242, 259House, plano de paz de e, 126-7 planejamento naval, 45, 204

aliança germano-austríaca, 23, 45, 52 “cheque em branco” de apoio da Ale­manha, 105-7, 177-84, 294, 302 como via de mão única, 95 guerra preventiva, consideração de, 120-1, 128-9, 229, 290 origens da Grande Guerra e, 297-8,303-4

376

perspectiva alemã sobre a, 71 perspectiva austríaca sobre a, 69 planejamento de guerra e, 230-1 tensões no seio da, 117-8 tratado ofensivo, mudança para, 92,297-8

Apis (Dragutin Dimitrijevic), 143-8, 151, 292-3

Arábia Saudita, 18 Ardant du Picq, Charles, 46

Aron, Raymond, 325 Artamanov, coronel Viktor, 151 Asquith, Herbert, 97, 125, 204, 232,

249, 310, 312 crise irlandesa, 207, 260 eclosão da guerra generalizada, 240-1, 254, 264-5, 270, 273, 275, 278 guerra austro-sérvia, 211, 233

Asquith, Violet, 260, 278 assassinato de Francisco Ferdinando, 21,

319-20acontecimentos sociais precedentes, 135-6atmosfera política na Bósnia- Herzegóvina, 135

avisos ao governo austríaco, 147 como justificativa para a guerra austro-sérvia, 176, 183, 293 conspiradores, 138-43, 145-6, 156 descarte dos corpos, 166-7 envolvimento russo, 150-2, 292 envolvimento sérvio, 143-9, 169-72,192, 291investigação do, 168-9, 171-2, 192, 208origens da Grande Guerra e, 290

Page 374: O Último Verão Europeu

O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

os assassinos de Francisco Ferdinando e de Sophie, 153-7 processos relativos ao, 143 razões para a visita a Sarajevo, 135 reaçao sérvia ao, 208-9 reaçoes européias, 158-64, 175 resumo dos acontecimentos, 290-3 tentativa de cancelamento, 148

Assim Falou Zaratustra (Nietzsche), 54 ataques terroristas de setembro de 2001, 20 Áustria-Hungria, 17, 85

assassinato de Francisco Ferdinando como operação sérvia, opiniões sobre, 170-1assassinato de Francisco Ferdinando,reaçao ao, 164Bósnia, anexação da, 87-9como império multinacional, 38-9conflito austro-russo em relação aosBálcãs, 91-2criação da, 67declaração de guerra à Rússia, 280 desintegração otomana, 66 destruição de documentos relaciona­dos à eclosão da guerra generalizada,281-2estratégia balcânica, 116, 119-20 Francisco Ferdinando, visão da, 67-8, 133-4guerras balcânicas, 102-3 imperialismo, 31-2 instabilidade política, 67-9 Marrocos, crises do, 94 Monarquia Dual, 39 planejamento de guerra, 44-5 tomada da Líbia pela Itália, 100

ver também guerra austro-sérvia; alian­ça germano-austríaca

Bakunin, Mikhail, 140 Balfour, Arthur, 24 Ballin, Albert, 222 Bavária, 198 Bélgica, 31

invasão alemã da, 230-1, 237, 268, 275-9

Berchtold, conde Leopold von, 116, 118, 147, 171, 281asassinato de Francisco Ferdinando, 159destruição de documentos relaciona­dos à eclosão da guerra generalizada,281-2estratégia balcânica, 119-20 guerra austro-sérvia, 177, 186, 191,193, 222, 236-7, 239, 244, 247, 253,256-7responsabilidade por, 320-1, 335 qualidades pessoais, 176-7 ultimato austríaco à Sérvia, 187-8,192, 199-200, 212-3, 217

Berghahn, Volker R., 70-1, 73, 77, 181, 194

Bergson, Henri, 46 Berthelot, Philippe, 213 Bethmann Hollweg, Theobald von, 106,

170, 237, 298aliança germano-austríaca, 92, 95, 180-1 ascensão ao poder, 91 destruição de documentos relaciona­dos à eclosão da guerra generalizada, 282-3

377

Page 375: O Último Verão Europeu

Í N D I C E R E MI S S I V O

eclosão da guerra generalizada, 227, 229, 239, 242-3, 248-9, 252-3, 255,259, 266-7, 274guerra austro-sérvia, 179-80, 186, 200-1, 203-4, 239-40, 246-7, 252-3, 257, 294, 320 oferta de demissão, 238

Bienvenue-Martin, Jean-Baptiste, 213 Bilinski, Leon von, 147, 170 bin Laden, Osama, 20 Bismarck, Otto von, 23, 33, 51, 66,71,75 bolchevismo, 18 Bósnia-Herzegóvina

anexação pela Áustria da, 87-90

clima político na época da visita de

Francisco Ferdinando, 137 Boyer, Charles, 135Britain and the Origins ofthe First World

War [A Grã-Bretanha e as origens da Primeira Guerra Mundial] (Steiner), 208

Bulgária, 90, 118, 120 guerras balcânicas, 101-2 independência do Império Otomano, 66, 88Questão Macedônia, 84

Bullitt, William, 202 nota Biilow, príncipe Bernhard von, 71, 89-

91, 160, 238

Cabrinovic, Nedeljiko, 155, 168-9 Caillaux, Joseph e senhora, 98, 162-4,

248Calmette, Gaston, 163-4Cambon, Jules, 262Canhões de Agosto, Os (Tuchman), 293-4

Capelle, almirante Eduard von, 187 Carlos Magno, o Franco, 38 Carnegie, Andrew, 125 Cartuxa de Parma (Stendhal), 68 Chamberlain, Joseph, 114 Charles, arquiduque (Áustria-Hungria),

166Churchill, Winston S., 18, 48, 96, 232

crise irlandesa, 206-7, 210-11 eclosão da guerra generalizada, 235,241, 249, 254, 264, 265-6, 270 guerra austro-sérvia, 210-1 planejamento de guerra, 97 qualidades pessoais, 206

Ciganovic, Milan, 142, 146 Clark, Christopher, 246 Clausewitz, Karl von, 307 Clemenceau, Georges, 98 “Clio Deceived” [Clio ludibriada]

(Herwig), 282 Comité de TOrient, 98

Congresso de Berlim (1878), 87 Conrad von Hõtzendorf, marechal-de-

campo Franz, 52, 57, 92, 111, 118, 120-1, 129guerra austro-sérvia, 191-2, 230, 236, 244, 247, 251, 253, 259, 262-3, 302,304-5, 321, 331, 332-4, 335

Constantinopla, 83-4 corrida armamentista, 42-5, 73, 99, 110 Craig, Gordon, 92crise de julho, ver guerra austro-sérvia;

assassinato de Francisco Ferdinando; eclosão da guerra generalizada

crise irlandesa, 37-8, 162, 206, 210, 260, 278

378

Page 376: O Último Verão Europeu

O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

cristandade, 22-3 Crowe, Sir Eyre, 202

Daily Telegraph, de Londres, 90 Darwin, Charles, 32destruição e regeneração, filosofia de, 54-7 Dreadnought, navios de guerra, 44 “duas guerras”, questão das, 304-7, 322-

3, 327

eclosão da guerra generalizada26 de julho, desenvolvimentos, 232-727 de julho, desenvolvimentos, 238-4328 de julho, desenvolvimentos, 244-929 de julho, desenvolvimentos, 250-530 de julho, desenvolvimentos, 256-6131 de julho, desenvolvimentos, 262-4 1- de agosto, desenvolvimentos, 265-712 de agosto, desenvolvimentos, 272-63 de agosto, desenvolvimentos, 277-84 de agosto, desenvolvimentos, 279-80 a decisão britânica de entrar em guerra, 269-70, 272-3, 275-6, 277-8, 279-80 Alemanha debate a entrada em guerra, 227-31, 244-5, 251-3, 259, 267-8 “Alemanha vítima da Rússia”, enredo, 229-30, 239, 242-3, 257, 259, 270-1, 298-9aliança britânico-franco-russa e, 240,242, 259britânicos acusados pela, 254 censura à imprensa, 241 comunicações britânico-alemas em relação à, 254-5, 279 declaração austríaca de guerra, 280 declaração de guerra alemã, 266-7, 270

destruição de provas relativas à atividade

dos países, 281-4discordância interna alemã, 248-9 invasão alemã da França através do

Luxemburgo e da Bélgica, 230-1, 237, 267-9, 272-3, 274-5, 277-8, 279, 336

manobras financeiras francesas, 249 militares alemães tomam o processo de

decisão política, 303 mobilização alemã, 251, 257-8, 263, 266-7, 268mobilização francesa, 223, 264-5

mobilização russa, 214, 223, 229,233, 247, 250-1, 256, 257-9, 263,298-9“neutralidade britânica”, a questão da,252, 255, 261, 267-8

neutralidade italiana, 274

oposição francesa à guerra, 255, 260

preparativos navais britânicos, 235-6, 240-1, 249, 255, 265, 270, 272 situação peculiar da Alemanha em 4 de agosto, 280situação política britânica e, 254, 260, 264, 265-6, 272-3

status de “guerra mundial”, 273-4, 279-80

Economist, de Londres, 18

Economist, The, 20Eduardo VII, rei (Grã-Bretanha), 125 Encyclopaedia Britannica, 40

Espanha, 31Estados Unidos, 20, 26, 296, 313

House, plano de paz de, 123-9 Eulenburg, Philipp, 90

379

Page 377: O Último Verão Europeu

Í N D I C E R E MI S S I V O

Europa antes da Grande Guerra belicosidade do período, 289-90 corrida armamentista, 42-6, 73, 99, 110destruição e regeneração, filosofia de, 54-7“honra”, busca da, 57 imperialismo, 31-4, 76 mudanças políticas de 1908-13, 112-5 nacionalismo, 37-42, 67, 140 paz e liberdade na, 25-7 planejamento de guerra, 44-51, 53, 97, 229-30, 299relações internacionais, sistema das, 58-61revoltas sociais e económicas, 35-6 xenofobia, 40-1

Falkenhayn, general Erich von, 182, 228-9, 246, 259, 267, 302, 323

Faraday, Michael, 42 Fausto (Goethe), 52 Fay, Sidney B., 325 Fellner, Fritz, 305 Fernando I, rei (Bulgária), 102

ficção, 43Fischer, Fritz, 21, 79, 108, 110, 283,

288, 313 Flotow, Ludwigvon, 177 Foch, Ferdinand, 46 Foley, Robert T., 49 Forgach, Johann, 177 França, 17

Alemanha, relações com a, 78, 98,128desinclinação para a guerra, 27

desintegração otomana, 66 destruição de documentos relaciona­dos à eclosão da guerra generalizada,282-3escândalo Caillaux, 162-4, 248 guerra austro-sérvia, 214, 218, 221 guerra franco-prussiana, 23 guerras balcânicas, 98, 101 imperialismo, 31-4 marroquinas, crises, II, 33, 77, 93-5 planejamento de guerra, 44-7 razões para entrar em guerra, 311 revoltas económicas e sociais, 35-6 tomada da Líbia pela Itália, 100 xenofobia, 40-1ver também aliança britânico-franco- russa; eclosão da guerra generalizada

Francisco Ferdinando, arquiduque (Áustria- Hungria), 107, 161, 334 assassinato de, ver assassinato de Fran­cisco Ferdinando casamento com Sophie, 136 estratégia balcânica, 116, 120 interesses militares, 134

paz, preferência pela, 118-9, 134 qualidades pessoais, 134, 136 relacionamento de Guilherme com, 116-8visão do futuro do império, 67-8, 133-4

Francisco José, imperador (Áustria- Hungria), 39, 57, 67, 88, 178, 186, 305assassinato de Francisco Ferdinando, 160-1guerra austro-sérvia, 200, 247, 263

380

Page 378: O Último Verão Europeu

O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

casamento de Francisco Ferdinando, 135paz, preferência pela, 134 qualidades pessoais, 134-5

Franco-maçons, 159 Freud, Sigmund, 134

Gagarin, príncipe M. A., 171 Geiss, Imanuel, 283 Genesis of Russophobia in Great Britain,

The [A Génese da Russofobia na Grã- Bretanha] (Gleason), 41

George V, rei (Grã-Bretanha), 207, 249, 269-70, 280

Giesl von Gieslingen, barão, 190, 209-10, 221

Gleason, John Howes, 41Goethe, J.W von, 52Goltz, general (barão) Colmar von der, 337Gorky, Maxim, 140Goschen, Sir Edward, 255Grã-Bretanha, 17, 19

Alemanha, relações com, 77, 115 corrida armamentista, 44 crise irlandesa, 57-8, 162, 206, 210,260, 278desinclinação para a guerra, 27 desintegração otomana, 66 guerra austro-sérvia, 206, 210-3, 222-3, 233-4House, plano de paz de, 124-9 imperialismo, 31-2 marroquinas, crises, 93-6 planejamento de guerra, 44-6, 96-7 Questão Macedônia, 85 razões para entrar em guerra, 310-2

revoltas sociais e económicas, 35-6 tomada da Líbia pela Itália, 100 xenofobia, 40-1ver também aliança britânico-franco- russa; eclosão da guerra generalizada

Grande Guerraconclusão final, 336 influência durável no século XXI, 19-20 Marne, primeira batalha do, 337 mudança da motivação dos combaten­tes ao longo do tempo, 313 mudanças engendradas pela, 17-20 participantes e baixas, 17 recorrência da guerra mundial, poten­cial de, 324-6ver também origens da Grande Guer­ra; eclosão da guerra generalizada

Grécia, 66, 90, 101-2, 120 Grey, Sir Edward, 96, 167-8, 125, 202,

207, 232, 310-2aliança britânico-franco-russa, 204-5 eclosão da guerra generalizada, 235-6, 240, 253, 255, 259, 269-70, 278-9 guerra austro-sérvia, 189, 206, 211-2, 222, 233, 235-6, 240 House, plano de paz de, 128-9 planejamento de guerra, 45

Grvic, Slako, 210 guerra austro-sérvia

adiamentos da ofensiva austríaca, 191- 2, 200-1Alemanha e Áustria trabalham em propostas conflitantes, 331-3 apoio da Alemanha à Áustria, 176-84, 294assassinato de Francisco Ferdinando

381

Page 379: O Último Verão Europeu

Í N D I C E R E M I S S I V O

como justificativa para, 176, 183, 293 declaração de guerra, 219,236,247,251 derrota da Áustria, 333-4 desinteresse europeu por, 302-3 “duas guerras”, a questão das, 304-7, 322-3, 327dúvidas alemãs sobre a imobilidade austríaca, 198-200envolvimento russo-francês, a questão

do, 183, 187, 191, 194, 197, 199, 201 esforços de mediação, 212-3, 222, 233, 235-6, 239-40, 248, 250, 257 estratégia de “ataque rápido”, 181, 184, 187, 201, 204, 238-9 estratégia de localização, 198, 202, 237, 240, 242, 244, 251 ignorância dos europeus sobre os pre­parativos de guerra, 194 invasão da Sérvia, 247, 262-3, 333-4 legitimidade da queixa austríaca con­tra a Sérvia, 296mentiras dos governos austríaco e alemão em relação à, 183-6 mobilização austríaca, 200, 244, 253 mobilização sérvia, 232-3 objetivo austríaco de destruição da Sérvia, 175-7, 213 posição britânica, 206, 210-2, 222, 233-4posição francesa, 213-4, 218, 221 posição russa, 212-7, 220-1, 223,296-7, 316preocupações com a “guerra mundial”, 202-4, 211“prevenção da guerra”, questão da, 315-6

proposta de parar em Belgrado, 245, 252-3, 256razões para entrar em guerra, 308-9 responsabilidade da Alemanha, 294, 319, 321responsabilidade de Berchtold na,320-1, 335resposta sérvia ao ultimato austríaco, 197, 210, 220-2, 245, 295-7; texto do, 344-7retirada do apoio de Guilherme, 245-6, 315-6ruptura de relações, 218, 221-2,233-4ultimato austríaco à Sérvia, 187-9, 192, 199-200, 202, 209-13, 217,220, 242-3, 295-6; texto do, 338-43 vazamento de informação sobre as intenções germano-austríacas, 193-4

Guerra dos Bóeres, 90-1 Guerra Fria, 19guerras balcânicas, 98, 101-6, 113, 176 guerras mundiais, ver, Grande Guerra;

Segunda Guerra Mundial apoio alemão à Áustria, 177-83

Guilherme II, cáiser (Alemanha), 32, 90, 95, 115, 309, 337 aliança germano-austríaca, 105-7, 177-83, 294-5, 302 anexação da Bósnia pela Áustria, 89 assassinato de Francisco Ferdinando, 159-60, 170-1, 293 conselho de guerra de 1912, 107-9 correspondência de Nicolau com rela­ção à marcha para a guerra, 148, 250,257-8, 263, 266

382

Page 380: O Último Verão Europeu

O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

destruição de documentos relaciona­dos à eclosão da guerra generalizada,283-4“duas guerras”, questão das, 304-5 eclosão da guerra generalizada, 229, 242-3, 251-2, 254, 259, 267-8, 303 estratégia balcânica, 118-20 governo, modo de encarar o, 75-6 guerra austro-sérvia, 223, 238-9, 248,250, 257, 263, 293-4, 320 Guilherme retira o apoio, 245-6, 315-6 Guerra dos Bóeres, controvérsia, 90-1 guerras balcânicas, 104-6, 113 House, plano de paz de, 124-8 marroquinas, crises, 93 Moltke e, 52paz, preferência pela, 118-9 política naval, 276-9 qualidades pessoais, 60, 74-5 relação de Francisco Ferdinando com, 116-8relacionamento de Nicolau com, 60, 216responsabilidade por, 294-5 proposta de parar em Belgrado, 245, 252-3, 256ultimato austríaco à Sérvia, 189, 211-2, 217, 220

Haldane, R. B., 107-8 Halévy, Elie, 72-3, 312 Habsburgo, família, 38-9 Harrach, conde Franz von, 153 Hartwig, Ludmilla, 190 Hartwig, Nicolai, 90, 101, 103, 145,

150-1, 190, 292

Hayne, M. B., 218 Heeringen, general Josias von, 108 Heeringen, vice-almirante August von,

107Hentsch, Richard, 337 Herrmann, David G., 99, 110 Hertling, conde Georg, 198 Herwig, Holger, 228, 281-2 Herzen, Alexander, 140 Hobson, J. A., 310 Holanda, 31 “honra”, busca da, 57 House, coronel Edward, 80, 121-4, 246,

336esforços de paz, 123-9

Howard, Sir Michael, 281, 307 Hoyos, conde Alexander, 178-9, 199, 321

Ibsen, Henrik, 140

Ilic, Danilo, 148, 155, 169 imperialismo, 31-4, 76, 310-1 Império Otomano, 87-8

conquista do Oriente cristão e da Eu­ropa Oriental, 22 desintegração do, 65-6 guerras balcânicas, 98, 101-2 Jovens Turcos, rebelião dos, 84-5 Questão Macedônia, 84-5 tomada da Líbia pela Itália, 101

Império Romano, 22 indústria jornalística, 31, 125-6, 241 Inglaterra, ver Grã-Bretanha Inventing the Schlieffen Plan [Inventando

o Plano Schlieffen] (Zuber), 50 Iraque, 18, 20 Itália, 5 nota, 36, 78, 119

383

Page 381: O Último Verão Europeu

Í N D I C E R E M I S S I V O

eclosão da guerra generalizada, 274 imperialismo, 31-2 tomada da Líbia pela, 98-101 unificação nos anos 1800, 39

Izvolsky, Alexander, 89, 101

Jacquin de Margerie, Bruno, 213 Jagow, Gottlieb von, 108, 128, 198, 200,

202-3, 236-7,234-40, 245-7,251,320-1 James, Henry, 43 Japão, 32, 60, 215, 274 Jaurès, Jean, 163, 255 Joffre, general Joseph, 264-5 Joll, James, 316-7 Jordânia, 18 Jovanovic, Ljuba, 147 Jovem Bósnia, movimento, 140, 142 Jovens Turcos, 81-5

Keegan, John, 49, 231, 333 Keiger, John, 27, 97-8 Kennan, George, 18-9, 26 Kennedy, John F., 324-5 Kennedy, Paul, 41 Keynes, John Maynard, 26 Kiderlen-Wáchter, Alfred von, 89, 94 Kitchener, lorde, 264 Kropotkin, Peter, 140 Kudashev, conde, 213

Lafore, Laurence, 21 Law, Bonar, 269 Lenin, V. I., 18, 310 Líbia, 100Lichnowsky, príncipe Karl Max von, 108,

205, 212, 242, 253-4, 267, 275

Liège e Namur, fortalezas de, 230-1 Lieven, Dominic, 101 Liga Pan-germânica, 125 Liman von Sanders, Otto, 115 Lloyd George, David, 94, 96, 325

eclosão da guerra generalizada, 264, 265-6, 278guerra austro-sérvia, 233-4

Louis de Battenberg, príncipe almirante, 204, 235, 271

Ludendorff, Erich, 230 Luxemburgo, invasão alemã do, 269,

274-5, 277 Lyncker, general Moritz von, 91, 108, 228 Lynn-Jones, Sean M., 19

Macedônia, 84-5, 101-2 Mann, Thomas, 19, 159 Mão Negra, 84, 142-5, 148, 151-2, 170,

209, 291-2 Marie Adelaide, grã-duquesa

(Luxemburgo), 274-5 Marne, primeira batalha do, 337 marroquinas, crises, 228-31, 237, 245,

251, 259, 267-8, 273-4, 280, 303 Matscheko, Franzvon, 177 Mayerling (filme), 135 Mazzini, Giuseppe, 42 McLean, Roderick R., 59-60 Merizzi, coronel Erich von, 155-6 México, 296 Miller, Steven E., 19 mísseis cubanos, a crise dos, 324 Moltke, general Heluth von (liderança

mais jovem), 79, 107, 114, 186 aliança germano-austríaca, 92

384

Page 382: O Último Verão Europeu

O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

como instigador da Grande Guerra, 319, 321-3, 335-7“condições favoráveis para a guerra”, a questão das, 303-4 conselho de guerra de 1912, 107-9 corrida armamentista, 110-1 destruição de documentos relaciona­dos à eclosão da guerra generalizada,282-3eclosão da guerra generalizada, 228- 31, 237, 245, 251, 259, 267-8, 273-4, 280, 303guerra austro-sérvia, 179, 203, 251,253, 331-3guerra preventiva, consideração da, 120-1, 129 Guilherme e, 52Marne, a primeira batalha do, 337 planejamento de guerra, 45, 50-1, 53, 230qualidades pessoais, 52-3

Moltke, marechal-de-campo Heimuth von (o Velho), 47, 52

Moltke, o plano de, 50, 230

Mombauer, Annika, 52-3, 228 Montanha mágica, A (Mann), 19 Montenegro, 66, 90, 101-2 Montenuovo, príncipe Alfred, 135, 166 Morgenthau, Hans, 59 Morton, Frederic, 200 Miiller, almirante George Alexander von,

106, 108-9, 159, 220, 242

nacionalismo, 37-42, 68, 140 Nações Unidas, 56Narodna Odbrana, 89, 144-5, 148, 291

Naumann, Victor, 178“neutralidade belga”, a questão da, 311-2New York Sun, 122New York Times, 19Nicolau II, tsar (Rússia), 117

correspondência de Guilherme com relação à marcha para a guerra, 248,250, 257-8, 263, 266 qualidades pessoais, 60, 215-6 relação de Guilherme com, 60, 216

Nicolson, 5Vr Arthur, 232-3, 236 Nietzsche, Friedrich, 54-5, 71, 140 Noruega, 274

origens da Grande Guerra“acomodação da força alemã”, a ques­tão da, 72-3Alemanha como parte responsável, 294, 318-9, 321-3, 335-6, 337 aliança germano-austríaca e, 297-8, 303-4“ambições imperialistas”, a questão das, 310assassinato de Francisco Ferdinando e, 290caráter “ilógico” da decisão alemã de entrar em guerra, 306-7 “condições favoráveis para a guerra”, questão das, 303-4crenças incorretas a respeito, 289-300, 310“crise de julho”, a questão da, 295 “culpa” da Alemanha e da Áustria- Hungria, 299“defesa do status quó\ questão da, 312-3, 327

385

Page 383: O Último Verão Europeu

Í N D I C E R EM I S S I V O

“duas guerras”, questão das, 304-7, 322-3, 327luta pela supremacia entre as Grandes Potências européias, 305, 327-8 mistério das, 20-1, 24-5 “neutralidade da Bélgica”, questão da, 311-2pesquisa sobre, 287-8 “prevenção da guerra”, questão da, 314-7primeiros passos potenciais (400-1905), 21-4razões alemãs para entrar em guerra, 309-10razões britânicas para entrar em guer­ra, 310-2razões russo-francesas para entrar em guerra, 311Schlieffen, plano de, 299 sistema de alianças, 297-8 “situação fugiu ao controle”, ponto de vista, 298, 324-5ver também Europa antes da Grande Guerra

Origins ofthe World War, The [A Origem da Primeira Guerra Mundial] (Fay), 325

OTAN, 296

Pacu, 209-10 Page, Walter Hines, 127-8 Paléologue, Maurice, 218, 256 Partido Social Democrata (SPD), 249 Pasic, Nicola, 143, 145, 292, 296

assassinato de Francisco Ferdinando, 146-7, 152, 209guerra austro-sérvia, 197, 210, 220-1

Pershing, general John, 296

Peter, rei (Sérvia), 145 Pfeffer, Leo, 168-9planejamento de guerra, 44-51, 53, 96-7,

229-30, 299 Pogge von Strandmann, Hartmut, 280 Poincaré, Raymond, 191

assassinato de Francisco Ferdinando, 160 Caillaux e, 163-4eclosão da guerra generalizada, 260 guerra austro-sérvia, 213-4, 218 qualidades pessoais, 97-8

Ponsonby, Arthur, 264 Portugal, 31Potiorek, general Oskar, 147-8, 153-4,

156, 169-70 povos eslávicos e germânicos, conflito

entre, 22Primeira Guerra Mundial, ver Grande

GuerraPrincip, Gavrilo, 141-6, 148, 155-7, 168-

9, 291-2, 319-20

Questão Oriental, 65-6, 68, 102

Rasputin, Gregory, 216-7 recorrência da guerra mundial, potencial

de, 324-6 Redmond, John, 278 Reforma Protestante, 22 relações internacionais, sistema de, 58-60,

297-8revoltas económicas e sociais, 35-6 revolução energética, 42-3 Revolução Industrial, 35

386

Page 384: O Último Verão Europeu

O Ú L T I M O VERÃO E U R O P E U

Riddell, George, 241 Riezler, Kurt, 203, 282, 297 Rise ofthe Anglo-German Antagonism, The

[A Ascensão do Antagonismo Anglo- alemão] (Kennedy), 41

Ritter, Gerhard, 49 Rõhl, John, 74, 108, 283 Roménia, 66, 102, 118, 120, 179 Roosevelt, Theodore, 56, 123-4, 299 Royalty and Diplomacy in Europe, 1890-

1914 [Realeza e Diplomacia na Europa, 1890-1914] (McLean), 59

Rudolf, príncipe herdeiro (Áustria- Hungria), 135, 161

Rumbold, Sir Horace, 202

Rússia, 17, 119, 313Alemanha, relações com, 75-6, 78 anexação da Bósnia pela Áustria, 88-9 assassinato de Francisco Ferdinando e, 150-2, 171, 291condições sociais e políticas, 214-5 conflito austro-russo em relação aos Bálcãs, 91-2desinclinação para a guerrra, 27 desintegração otomana, 66 destruição de documentos relaciona­dos à eclosão da guerra generalizada,282-3Estados balcânicos, alianças com, 89-90 guerra austro-sérvia, 121-7, 220-2, 295-7, 316guerras balcânicas, 101-3 imperialismo, 31-2 marroquinas, crises, 94-5 planejamento de guerra, 44-5 Questão Macedônia, 85

razões para entrar em guerra, 311 Sérvia, relações com, 90, 145 tomada da Líbia pela Itália, 100 Tratado de Resseguro, 75 xenofobia, 40-1ver também aliança britânico-franco- russa; eclosão da guerra generalizada

Santo Império Romano, 38 Sagração da Primavera, A (balé), 54-5 San Giuliano, Antonio di, 193, 271 Sarajevo, 154-5Sazonov, Serge, 102-3, 151, 214, 220-1,

234-5, 237, 258, 298 Schebeko, Nikolai, 171 Schlieffen, general Alfred von, 46-9 Schlieffen, plano de, 49-50, 299-300 Schmidt, Gustav, 70-1 Schoen, Hans, 198-9 Schratt, Katharina, 135 Segunda Guerra Mundial, 19, 325 Sérvia, 38, 118, 120

anexação da Bósnia pela Áustria, 88-9 assassinato de Francisco Ferdinando e, 142-9, 169-72, 192, 208-9, 291 golpe de Estado de 1903, 24 guerras balcânicas, 101-3 independência do Império Otomano, 66inquietação política, 145 Questão Macedônia, 84-5 Rússia, relações com, 90, 145 ver também guerra austro-sérvia

sérvios da Bósnia, 136, 138, 141 Siegfried, André, 26 sistema de alianças, 297-8

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Page 385: O Último Verão Europeu

Í N D I C E R E M I S S I V O

Smith, F. E., 254, 264, 269 Sophie, duquesa de Hohenberg, 117,

135-7, 153-7, 166-7 Spring, D. W., 215 Stainville, conde de, 58

Stanley, Venetia, 211, 233, 249, 254 Steiner, Zara, 232, 234 Stendhal, 68 Stengers, Jean, 256 Stern, Fritz, 18, 79 Strachan, Hew, 121 Stumm, Guilherme von, 178 submundo terrorista, 138-42 Suécia, 274 Suíça, 274Sykes, Sir Mark, 161-2 Szõgyéni-Marich, conde Ladislaus, 179,

182

Taft, William Howard, 123 Tankosic, major Voja, 142, 148, 170 Taylor, A. J. P., 25, 55, 156, 280, 292 Thomson, George Malcolm, 151 Times, de Londres, 160, 162, 169 Tirpitz, almirante Alfired von, 72, 76-9,

109, 121, 126, 180, 186, 251-2, 167, 180, 309

Tisza, conde István, 117, 120, 188, 321 Trachtenberg, Marc, 298 Tratado de Resseguro, 75-6

Tschirschky, conde Heinrich von, 177 Tuchman, Barbara, 278, 324-5 Turquia, ver Império Otomano Twelve Days, The [Os Doze Dias]

(Thomson), 151

verão de 1914, 25-6 Verne, Júlio, 43 Villa, Pancho, 296 Vitória, rainha (Grã-Bretanha), 60 Viviani, René, 191, 213, 260, 263 voo 826 da United Airlines, incidente,

15-6

Waldersee, conde Alfred von, 47 Wells, H. G., 43 West, Rebecca, 159 Whitman, Walt, 140 Wilde, Oscar, 140Williamson, Samuel, 181, 194, 262-3 Wilson, general-de-divisão Sir Henry, 48,

96Wilson, Woodrow, 57, 123-5, 128 Wolff, Theodor, 223

Zeman, Z. A. B., 140, 164 Zenker, capitão, 187Zimmermann, Arthur, 179, 198, 202-3 nota Zuber, Terence, 50 Zweig, Stefan, 25-6, 164-5

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