Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"

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A2 Espaço aberto QUARTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO N ada na vida do “dr. Ruy” foi fácil. Até aí, nada de mais. Nada na vida de ninguém é fácil. A diferença estava no modo como ele lidava com essa circunstância. Seja porque tenha tido de se haver com a dor física mais cedo do que esse aprendizado se impõe à maioria dos mortais, seja porque já nas- ceu navegando longe da costa, exposto aos ventos e às tempestades do mar sem fim da História sem nunca ter posto os pés em terra muito firme, o fato é que jamais se manifestaram nele nem o medo da instabilidade nem a ânsia das vitórias pequenas que atormentam os que acreditam ter sempre algo de muito importante a perder. O “eu” nunca foi sua referência. “Dr. Ruy” foi abençoado com aquilo que a nin- guém é dado escolher. Não enxergava o que era (moralmente) pequeno. Não olhava para a vida de dentro de si mesmo; olhava para si mesmo de den- tro do vasto todo que é a vida e com a serenidade de quem tem a consciência exata da proporção relati- va das coisas. Seu território era o dos grandes coletivos: “O Mundo”, “A Humanidade”, “O Brasil”. Dava aos outros mais do que tinha para si. O altruísmo – rebelião antideterminista contra a lei da selva, construção artificial da inteligência, re- núncia à força física, pressuposto da civilização e da ética – nele era natural, quase inconsciente. O lado mais próximo é que lhe era estranho. Quando instado a fazer por si, então, sim, perdia a naturalidade, mostrava-se troncho, desajeitado e, sobretudo, aborrecido por ver-se arrastado a obrigação tão desinteressante. Tinha o gosto pelas lutas que não se podem ven- cer, mas não era assim que se via. Cantava a canção do infinito lá na sua capoeira porque não conhecia outra. Pouco lhe interessava se fosse num bote ou num navio, o importante era estar no mar enfrentando as ondas, cheirando o vento, imaginando o que é que nadava lá embaixo. Navegando. Levando a ban- deira adiante. Só se voltava para dentro de si transportado. O gesto de gallantry real ou imaginado, um ver- so, um personagem, a estrofe de um samba. Os abandonos românticos da boemia, sua segunda na- tureza. Eram essas as frestas para dentro que se permitia entreabrir... para seduzir, para comover, para encantar. Enterrava na força as suas fraquezas sem preme- ditação nem heroísmo; naturalmente, porque foi nessa ordem que a vida lhe ensinou as coisas: pri- meiro a enfrentar a dor, depois a organizar o pensa- mento. Amou seus pais. Amou sua mulher. Amou seus filhos e seus netos. Amou o Brasil e amou sua profissão. Foi amado por todos eles. Não perdeu a ternura jamais. Agora, na partida, volto-me para o poente para reeditar Chingachgook: Ó Grande Espírito! Ó Grande Criador da Vida! Um guerreiro está indo para os seus braços rápido e direto como uma flecha atirada em direção ao sol. Ele é Ruy, meu pai, meu amigo. Dê-lhe as boas-vindas e conduza-o até o lugar que lhe está reservado no conselho dos grandes homens. Tranquilize-o! Sem ele torna-se muito mais árida a solidão desta travessia. Mas nós seguimos demandando o mar. A bandeira será sempre levada adiante, qualquer que seja o barco. O Partido da So- cial Democra- cia Brasileira (PSDB), funda- do a partir de uma dissidên- cia paulista do Partido do Movi- mento Democrático Brasileiro (PMDB), foi embalado num berço socialista light, intelec- tualizado e grã-fino do “parti- do-ônibus” (em que sempre tem lugar para mais um) que comandou a resistência de dis- sidentes civis à ditadura mili- tar. É, por isso, um mostrengo disforme, com uma cabeça imensa e pequenos pés de bar- ro, incapazes de suportar a ego- latria da cúpula. Diz-se, com ra- zão, que tem caciques demais e índios de menos. Chefões des- tacam-se circunstancialmen- te: Fernando Henrique na Presi- dência da República, José Serra no repeteco de disputas eleito- rais nacionais, estaduais e mu- nicipais em São Paulo. Agora chegou a vez de Aécio Neves, presidente nacional, ex- governador bem-sucedido ad- ministrativa e eleitoralmente num Estado importante da Fe- deração, Minas Gerais, sena- dor e pule de dez para tentar tirar da chefia do governo a pre- sidente petista, Dilma Rous- seff. A seu favor conta com boa reputação como gestor em Mi- nas, as vitórias sucessivas para o governo de seu Estado e a aliança bem-sucedida no co- mando da prefeitura da capital, Belo Horizonte, com um aliado eventual que pode virar adver- sário na mesma disputa: o go- vernador de Pernambuco, Eduardo Campos, senhor de ba- raço e cutelo do Partido Socia- lista Brasileiro (PSB), herdado do avô, Miguel Arraes. Mas contra ele pesa sua inex- pressiva atuação no Senado em dois anos e meio, em que muito pouco fez ou disse – de prático mesmo, absolutamente nada E há óbices maiores para realizar sua ambição. O partido que pre- side nunca foi nem está unido na luta por esse objetivo. O alia- do Democratas (DEM) desmi- linguiu, espremido pela ambi- ção de um antigo militante de peso, o ex-prefeito de São Pau- lo Gilberto Kassab, que levou para o Partido Social Democra- ta (PSD), que fundou, um nú- mero relevante de antigos cor- religionários dispostos a beijar a mão de Dilma. Aécio assumiu o lugar a que não conseguiu chegar há qua- tro anos, quando perdeu a indi- cação para o ex-governador paulista José Serra. Seu avô, Tancredo Neves, ensinou que ninguém tem condições de dis- putar a Presidência se não unir o Estado de origem – e isso ele fez. Mas o mesmo não se pode dizer do PSDB. Aécio chegou prometendo resgatar o legado de Fernando Henrique, o único presidente que o partido teve e que ganhou as duas disputas de que participou no primeiro tur- no. Isso nunca foi levado em conta. Nem o fato de o tucano ter promovido a maior revolu- ção social da História, com o Plano Real, que pôs fim à infla- ção e levou proteína à mesa da massa dos trabalhadores. Isso de nada adiantou para a sonhada permanência do PSDB no poder. Fernando Hen- rique cruzou os braços na cam- panha de 2002, deixando Lula esmigalhar o sonho do tucano José Serra. Este, por sua vez, fez uma campanha como se o tal legado, que agora Aécio quer restaurar, fosse algo de que se envergonhar. Quatro anos depois, Lula reelegeu-se contra o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que chegou a vestir uma camise- ta da Petrobrás para garantir que era mentiroso o boato de que privatizaria a maior estatal brasileira. Com isso passou ao eleitorado a mensagem de que a cúpula tucana tinha a privati- zação de Fernando Henrique na conta de titica. Na disputa contra Dilma, em 2010, Serra continuou cuspindo e pisando no melhor que o partido fizera. Após 12 anos, tentar reabili- tar a estabilidade, a austerida- de fiscal e a privatização pode ser tarde demais. Até a estabili- dade da moeda, uma conquista da Nação, e não de governo al- gum, parece ser um dado do passado distante, sob a ameaça da volta da inflação sem prejudi- car os artífices desse prenún- cio de desastre. Além disso, é inútil: o passado não elegerá Aé- cio. E ele não fala do futuro, que de fato interessa ao eleitor. De tanto perder para Lula, o PSDB resolveu reagir a esse des- tino, que parece manifesto, imi- tando o que o maior adversário faz. Alckmin sugeriu que Aécio repita as caravanas da cidada- nia do petista-mor como estra- tégia eleitoral. A intenção é ma- ravilhosa: há muito tempo os tucanos precisam mesmo de um banho de povo. A prática pode não ser, contudo, eficaz. Não basta visitar alguém para conhecê-lo bem. Como dizia um sábio conterrâneo de Tan- credo e Aécio, o coronel Fran- cisco Cambraia de Campos, Chichico Cambraia, de Olivei- ra, o bom político se conhece na cuspida no “burrai”. Ou seja, tem de entrar na casa do elei- tor, sentar-se à beira do fogo, tomar um café demorado até es- friar e cuspir no borralho. Quanto mais cusparadas, me- lhor! Não basta o candidato se fazer conhecer. Ele tem de co- nhecer o eleitor. Luiz Inácio Lula da Silva vol- tou de suas caravanas conheci- do e conhecedor do Brasil. Elas lhe permitiram aprender com suas derrotas seguidas, uma pa- ra Fernando Collor e duas para Fernando Henrique. Os tuca- nos não têm demonstrado a mesma capacidade. Talvez fos- se menos difícil convencer o ad- versário-mor a disputar a Presi- dência pelo PSDB do que tirar proveito das estratégias contra ele próprio e sua afilhada. Ora, direis, isso é impossível! E é. Mas quem garante ser mais possível convencer o cacique José Serra a se empenhar para valer na campanha de Aécio, que nada fez por ele na disputa contra Dilma? Os sinais de má vontade que Serra tem dado de público deverão repetir-se na campanha. Pois o paulista atri- bui em parte sua derrota ao de- sinteresse do mineiro em 2010. Não deixa de ter razão. Mas não tirará proveito dela, pois seu fu- turo depende do êxito do ou- tro. E se a economia não derre- ter, Dilma se reelegerá com faci- lidade, restando aos tucanos pa- rodiar o mantra dos metalúrgi- cos do ABC, liderados por Lula, nos anos 70 e 80. Eles diziam: “O povo unido jamais será ven- cido”. E os tucanos entoarão: “O PSDB desunido será sem- pre vencido”. JORNALISTA, POETA E ESCRITOR FERNÃO LARA MESQUITA Fundado em 1875 Julio Mesquita (1891-1927) Julio de Mesquita Filho (1927-1969) Francisco Mesquita (1927-1969) Luiz Carlos Mesquita (1952-1970) José Vieira de Carvalho Mesquita (1959-1988) Julio de Mesquita Neto (1969-1996) Luiz Vieira de Carvalho Mesquita (1959-1997) Américo de Campos (1875-1884) Nestor Rangel Pestana (1927-1933) Plínio Barreto (1927-1958) Tucano não aprende a cuspir no ‘burrai’ Fórum dos Leitores Haverá sempre moicanos RUY MESQUITA Defensor das liberdades É lugar-comum dizer que o Bra- sil perdeu um dos seus filhos mais ilustres. No caso do dr. Ruy, isso é muito pouco. É do nosso dever reconhecer que per- demos um dos mais expressivos líderes da democracia e um com- batente aguerrido contra todo e qualquer tipo de regime ditato- rial. Ruy Mesquita foi um defen- sor enérgico das liberdades indi- viduais. Nunca deixou de criti- car quem passasse por cima da lei, da moral e da ética. Para de- fender seus princípios jamais re- cuou diante dos fortes. Jamais se deixou amedrontar pelos bem votados e pelos que desfrutavam imunidades, até mesmo do Po- der Judiciário. Foi um democra- ta de corpo inteiro! Deixo à famí- lia Mesquita o meu voto de pe- sar e o registro da minha enor- me admiração pelas ideias, pelo talento, pela lucidez e pela com- batividade de Ruy Mesquita. JOSÉ PASTORE, professor da USP [email protected] São Paulo Baluarte da democracia Perdem o País e o jornalismo um baluarte da liberdade de ex- pressão e da democracia. Pou- cos lutaram como o jornalista Ruy Mesquita contra a ditadura militar. Tinha a coluna dura. Não se envergava, como deve ser um homem e um jornalista. PANAYOTIS POULIS [email protected] Rio de Janeiro Profundo pesar Recebemos com profundo pesar a notícia do falecimento de Ruy Mesquita, diretor do renomado jornal O Estado de S. Paulo. Aos 88 anos, deixou um legado de defesa intransigente da demo- cracia. O dr. Ruy fez história na imprensa brasileira por sua resis- tência, correção e seu profissio- nalismo. Foi dele, por exemplo, a iniciativa de substituir por re- ceitas e poemas as reportagens do Estadão censuradas pelo re- gime militar, para deixar clara à população a supressão obrigató- ria de conteúdo jornalístico. Nos- sos sentimentos aos familiares e amigos do dr. Ruy, ao mesmo tempo que enviamos nossas con- dolências aos colaboradores do Estado. Sua presença permane- cerá sólida em nossa memória e nas páginas do jornal que, ao la- do de sua família, transformou num dos maiores do País. CARLOS SAMPAIO, líder do PSDB na Câmara dos Deputados [email protected] Brasília Um destemido Ruy foi embora. Foi descansar. Lutou bravamente, como sem- pre fez em sua profícua vida. De- fendeu a democracia com todas as suas forças e principalmente com as palavras de seus já saudo- sos editoriais. Nos períodos mais duros da ditadura defen- deu seus jornalistas, expondo-se até com riscos pessoais. Revolu- cionou o mercado jornalístico com o memorável Jornal da Tar- de e só isso bastaria para abri- lhantar sua biografia. Porém al- go a lamentar: morreu sob a cen- sura, patrocinada pela família Sarney, que mais uma vez lhe causou dor e decepção. Suas pa- lavras ficarão para sempre. LUIZ NUSBAUM [email protected] São Paulo Fiador da imprensa livre O falecimento do dr. Ruy traz um indescritível pesar para os lei- tores do Estadão, que tinham nele um verdadeiro fiador de uma imprensa livre e democráti- ca. Temos certeza que seus su- cessores manterão a mesma ili- bada conduta que há mais de um século a família Mesquita vem imprimindo ao jornal. MINORU TAKAHASHI [email protected] Maringá (PR) Grande democrata Como leitor e assinante do Esta- do, venho transmitir a família Mesquita e aos colaboradores do jornal meu sincero voto de pe- sar pelo falecimento do grande democrata dr. Ruy Mesquita, um exemplo de brasileiro. Com um forte e sentido abraço, ANTÔNIO SÉRGIO RIBEIRO [email protected] São Paulo Referência ética Nossas condolências ao Estado e à família Mesquita pelo passa- mento do ilustre jornalista e ho- mem público exemplar Ruy Mes- quita, referência ética e política para os que, antes de tudo, se in- teressam pela coisa pública. AMADEU R. GARRIDO DE PAULA [email protected] São Paulo Legado Que o seu legado sirva para as novas gerações. Perda enorme para todos. JOSE ROBERTO PALMA [email protected] São Paulo Exemplos Com a morte de Ruy Mesquita, o Brasil e São Paulo perdem um de seus mais valorosos defenso- res de diferentes épocas e trin- cheiras e o jornalismo brasileiro se priva de um de seus mais éti- cos praticantes. Que seus exem- plos sejam seguidos pelas novas gerações. O nosso pesar e votos de conforto à família. DIRCEU CARDOSO GONÇALVES [email protected] São Paulo PUBLICAÇÃO DA S.A. O ESTADO DE S. PAULO Av. Eng. Caetano Álvares, 55 - CEP 02598-900 São Paulo - SP Caixa Postal 2439 CEP 01060-970-SP . Tel. 3856-2122 (PABX) Fax Nº (011) 3856-2940 JOSÉ NÊUMANNE Aécio não vai ganhar se se limitar a reabilitar o legado de Fernando Henrique e imitar Lula

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A2 Espaço aberto QUARTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO

N ada na vida do “dr. Ruy” foi fácil.Até aí, nada de mais. Nada na vida

de ninguém é fácil.A diferença estava no modo como

ele lidava com essa circunstância.Seja porque tenha tido de se haver

com a dor física mais cedo do que esse aprendizadose impõe à maioria dos mortais, seja porque já nas-ceu navegando longe da costa, exposto aos ventos eàs tempestades do mar sem fim da História semnunca ter posto os pés em terra muito firme, o fatoé que jamais se manifestaram nele nem o medo dainstabilidade nem a ânsia das vitórias pequenasque atormentam os que acreditam ter sempre algode muito importante a perder.

O “eu” nunca foi sua referência.“Dr. Ruy” foi abençoado com aquilo que a nin-

guém é dado escolher. Não enxergava o que era(moralmente) pequeno. Não olhava para a vida dedentro de si mesmo; olhava para si mesmo de den-tro do vasto todo que é a vida e com a serenidade dequem tem a consciência exata da proporção relati-va das coisas.

Seu território era o dos grandes coletivos: “OMundo”, “A Humanidade”, “O Brasil”.

Dava aos outros mais do que tinha para si. Oaltruísmo – rebelião antideterminista contra a leida selva, construção artificial da inteligência, re-núncia à força física, pressuposto da civilização eda ética – nele era natural, quase inconsciente.

O lado mais próximo é que lhe era estranho.Quando instado a fazer por si, então, sim, perdia

a naturalidade, mostrava-se troncho, desajeitadoe, sobretudo, aborrecido por ver-se arrastado aobrigação tão desinteressante.

Tinha o gosto pelas lutas que não se podem ven-cer, mas não era assim que se via. Cantava a cançãodo infinito lá na sua capoeira porque não conheciaoutra.

Pouco lhe interessava se fosse num bote ou numnavio, o importante era estar no mar enfrentandoas ondas, cheirando o vento, imaginando o que éque nadava lá embaixo. Navegando. Levando a ban-deira adiante.

Só se voltava para dentro de si transportado.O gesto de gallantry real ou imaginado, um ver-

so, um personagem, a estrofe de um samba. Osabandonos românticos da boemia, sua segunda na-tureza. Eram essas as frestas para dentro que sepermitia entreabrir... para seduzir, para comover,

para encantar.Enterrava na força as suas fraquezas sem preme-

ditação nem heroísmo; naturalmente, porque foinessa ordem que a vida lhe ensinou as coisas: pri-meiro a enfrentar a dor, depois a organizar o pensa-mento.

Amou seus pais. Amou sua mulher. Amou seusfilhos e seus netos.

Amou o Brasil e amou sua profissão.Foi amado por todos eles. Não perdeu a ternura

jamais.Agora, na partida, volto-me para o poente para

reeditar Chingachgook:Ó Grande Espírito! Ó Grande Criador da Vida!Um guerreiro está indo para os seus braços rápido

e direto como uma flecha atirada em direção ao sol.Ele é Ruy, meu pai, meu amigo.Dê-lhe as boas-vindas e conduza-o até o lugar

que lhe está reservado no conselho dos grandeshomens.

Tranquilize-o!Sem ele torna-se muito mais árida a solidão desta

travessia. Mas nós seguimos demandando o mar. Abandeira será sempre levada adiante, qualquer queseja o barco.

OPartido da So-cial Democra-cia Brasileira(PSDB), funda-do a partir deuma dissidên-

cia paulista do Partido do Movi-mento Democrático Brasileiro(PMDB), foi embalado numberço socialista light, intelec-tualizado e grã-fino do “parti-do-ônibus” (em que sempretem lugar para mais um) quecomandou a resistência de dis-sidentes civis à ditadura mili-tar. É, por isso, um mostrengodisforme, com uma cabeçaimensa e pequenos pés de bar-ro, incapazes de suportar a ego-latria da cúpula. Diz-se, com ra-zão, que tem caciques demais eíndios de menos. Chefões des-tacam-se circunstancialmen-te: Fernando Henrique na Presi-dência da República, José Serrano repeteco de disputas eleito-rais nacionais, estaduais e mu-nicipais em São Paulo.

Agora chegou a vez de AécioNeves, presidente nacional, ex-governador bem-sucedido ad-ministrativa e eleitoralmentenum Estado importante da Fe-deração, Minas Gerais, sena-dor e pule de dez para tentar

tirar da chefia do governo a pre-sidente petista, Dilma Rous-seff. A seu favor conta com boareputação como gestor em Mi-nas, as vitórias sucessivas parao governo de seu Estado e aaliança bem-sucedida no co-mando da prefeitura da capital,Belo Horizonte, com um aliadoeventual que pode virar adver-sário na mesma disputa: o go-vernador de Pernambuco,Eduardo Campos, senhor de ba-raço e cutelo do Partido Socia-lista Brasileiro (PSB), herdadodo avô, Miguel Arraes.

Mas contra ele pesa sua inex-pressiva atuação no Senado emdois anos e meio, em que muitopouco fez ou disse – de práticomesmo, absolutamente nada Ehá óbices maiores para realizarsua ambição. O partido que pre-side nunca foi nem está unidona luta por esse objetivo. O alia-do Democratas (DEM) desmi-linguiu, espremido pela ambi-ção de um antigo militante depeso, o ex-prefeito de São Pau-lo Gilberto Kassab, que levoupara o Partido Social Democra-ta (PSD), que fundou, um nú-mero relevante de antigos cor-religionários dispostos a beijara mão de Dilma.

Aécio assumiu o lugar a quenão conseguiu chegar há qua-tro anos, quando perdeu a indi-cação para o ex-governadorpaulista José Serra. Seu avô,Tancredo Neves, ensinou queninguém tem condições de dis-putar a Presidência se não uniro Estado de origem – e isso elefez. Mas o mesmo não se podedizer do PSDB. Aécio chegouprometendo resgatar o legadode Fernando Henrique, o únicopresidente que o partido teve eque ganhou as duas disputas deque participou no primeiro tur-no. Isso nunca foi levado emconta. Nem o fato de o tucanoter promovido a maior revolu-ção social da História, com oPlano Real, que pôs fim à infla-ção e levou proteína à mesa damassa dos trabalhadores.

Isso de nada adiantou para asonhada permanência doPSDB no poder. Fernando Hen-rique cruzou os braços na cam-panha de 2002, deixando Lulaesmigalhar o sonho do tucanoJosé Serra. Este, por sua vez,fez uma campanha como se otal legado, que agora Aécioquer restaurar, fosse algo deque se envergonhar. Quatroanos depois, Lula reelegeu-se

contra o atual governador deSão Paulo, Geraldo Alckmin,que chegou a vestir uma camise-ta da Petrobrás para garantirque era mentiroso o boato deque privatizaria a maior estatalbrasileira. Com isso passou aoeleitorado a mensagem de quea cúpula tucana tinha a privati-zação de Fernando Henriquena conta de titica. Na disputacontra Dilma, em 2010, Serracontinuou cuspindo e pisandono melhor que o partido fizera.

Após 12 anos, tentar reabili-tar a estabilidade, a austerida-de fiscal e a privatização podeser tarde demais. Até a estabili-dade da moeda, uma conquistada Nação, e não de governo al-gum, parece ser um dado dopassado distante, sob a ameaçada volta da inflação sem prejudi-car os artífices desse prenún-cio de desastre. Além disso, éinútil: o passado não elegerá Aé-cio. E ele não fala do futuro, quede fato interessa ao eleitor.

De tanto perder para Lula, oPSDB resolveu reagir a esse des-tino, que parece manifesto, imi-tando o que o maior adversáriofaz. Alckmin sugeriu que Aéciorepita as caravanas da cidada-nia do petista-mor como estra-tégia eleitoral. A intenção é ma-ravilhosa: há muito tempo ostucanos precisam mesmo deum banho de povo. A práticapode não ser, contudo, eficaz.Não basta visitar alguém paraconhecê-lo bem. Como diziaum sábio conterrâneo de Tan-credo e Aécio, o coronel Fran-cisco Cambraia de Campos,Chichico Cambraia, de Olivei-ra, o bom político se conhecena cuspida no “burrai”. Ou seja,tem de entrar na casa do elei-tor, sentar-se à beira do fogo,tomar um café demorado até es-friar e cuspir no borralho.Quanto mais cusparadas, me-lhor! Não basta o candidato sefazer conhecer. Ele tem de co-nhecer o eleitor.

Luiz Inácio Lula da Silva vol-tou de suas caravanas conheci-do e conhecedor do Brasil. Elaslhe permitiram aprender comsuas derrotas seguidas, uma pa-ra Fernando Collor e duas paraFernando Henrique. Os tuca-

nos não têm demonstrado amesma capacidade. Talvez fos-se menos difícil convencer o ad-versário-mor a disputar a Presi-dência pelo PSDB do que tirarproveito das estratégias contraele próprio e sua afilhada.

Ora, direis, isso é impossível!E é. Mas quem garante ser maispossível convencer o caciqueJosé Serra a se empenhar paravaler na campanha de Aécio,que nada fez por ele na disputacontra Dilma? Os sinais de mávontade que Serra tem dado depúblico deverão repetir-se nacampanha. Pois o paulista atri-bui em parte sua derrota ao de-sinteresse do mineiro em 2010.Não deixa de ter razão. Mas nãotirará proveito dela, pois seu fu-turo depende do êxito do ou-tro. E se a economia não derre-ter, Dilma se reelegerá com faci-lidade, restando aos tucanos pa-rodiar o mantra dos metalúrgi-cos do ABC, liderados por Lula,nos anos 70 e 80. Eles diziam:“O povo unido jamais será ven-cido”. E os tucanos entoarão:“O PSDB desunido será sem-pre vencido”.

JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

●✽FERNÃO LARAMESQUITA

Fundado em 1875Julio Mesquita (1891-1927)Julio de Mesquita Filho (1927-1969)Francisco Mesquita (1927-1969)Luiz Carlos Mesquita (1952-1970)

José Vieira de Carvalho Mesquita (1959-1988)Julio de Mesquita Neto (1969-1996)Luiz Vieira de Carvalho Mesquita (1959-1997)

Américo de Campos (1875-1884)Nestor Rangel Pestana (1927-1933)Plínio Barreto (1927-1958)

Tucano não aprendea cuspir no ‘burrai’

Fórum dos Leitores

Haverá sempre moicanos

RUY MESQUITADefensor das liberdades

É lugar-comum dizer que o Bra-sil perdeu um dos seus filhosmais ilustres. No caso do dr.Ruy, isso é muito pouco. É donosso dever reconhecer que per-demos um dos mais expressivoslíderes da democracia e um com-batente aguerrido contra todo equalquer tipo de regime ditato-rial. Ruy Mesquita foi um defen-sor enérgico das liberdades indi-viduais. Nunca deixou de criti-car quem passasse por cima dalei, da moral e da ética. Para de-fender seus princípios jamais re-cuou diante dos fortes. Jamais sedeixou amedrontar pelos bemvotados e pelos que desfrutavamimunidades, até mesmo do Po-der Judiciário. Foi um democra-ta de corpo inteiro! Deixo à famí-lia Mesquita o meu voto de pe-sar e o registro da minha enor-me admiração pelas ideias, pelotalento, pela lucidez e pela com-batividade de Ruy Mesquita.

JOSÉ PASTORE, professor da [email protected]ão Paulo

Baluarte da democracia

Perdem o País e o jornalismoum baluarte da liberdade de ex-pressão e da democracia. Pou-cos lutaram como o jornalistaRuy Mesquita contra a ditaduramilitar. Tinha a coluna dura.Não se envergava, como deveser um homem e um jornalista.PANAYOTIS [email protected] de Janeiro

Profundo pesar

Recebemos com profundo pesara notícia do falecimento de RuyMesquita, diretor do renomadojornal O Estado de S. Paulo.Aos 88 anos, deixou um legadode defesa intransigente da demo-cracia. O dr. Ruy fez história naimprensa brasileira por sua resis-

tência, correção e seu profissio-nalismo. Foi dele, por exemplo,a iniciativa de substituir por re-ceitas e poemas as reportagensdo Estadão censuradas pelo re-gime militar, para deixar clara àpopulação a supressão obrigató-ria de conteúdo jornalístico. Nos-sos sentimentos aos familiares eamigos do dr. Ruy, ao mesmotempo que enviamos nossas con-dolências aos colaboradores doEstado. Sua presença permane-cerá sólida em nossa memória enas páginas do jornal que, ao la-do de sua família, transformounum dos maiores do País.CARLOS SAMPAIO, líder do PSDBna Câmara dos [email protected]ília

Um destemido

Ruy foi embora. Foi descansar.Lutou bravamente, como sem-pre fez em sua profícua vida. De-fendeu a democracia com todasas suas forças e principalmente

com as palavras de seus já saudo-sos editoriais. Nos períodosmais duros da ditadura defen-deu seus jornalistas, expondo-seaté com riscos pessoais. Revolu-cionou o mercado jornalísticocom o memorável Jornal da Tar-de e só isso bastaria para abri-lhantar sua biografia. Porém al-go a lamentar: morreu sob a cen-sura, patrocinada pela famíliaSarney, que mais uma vez lhecausou dor e decepção. Suas pa-lavras ficarão para sempre.LUIZ [email protected]ão Paulo

Fiador da imprensa livre

O falecimento do dr. Ruy trazum indescritível pesar para os lei-tores do Estadão, que tinhamnele um verdadeiro fiador deuma imprensa livre e democráti-ca. Temos certeza que seus su-cessores manterão a mesma ili-bada conduta que há mais de umséculo a família Mesquita vem

imprimindo ao jornal.MINORU [email protected]á (PR)

Grande democrata

Como leitor e assinante do Esta-do, venho transmitir a famíliaMesquita e aos colaboradoresdo jornal meu sincero voto de pe-sar pelo falecimento do grandedemocrata dr. Ruy Mesquita,um exemplo de brasileiro. Comum forte e sentido abraço,ANTÔNIO SÉRGIO [email protected]ão Paulo

Referência ética

Nossas condolências ao Estadoe à família Mesquita pelo passa-mento do ilustre jornalista e ho-mem público exemplar Ruy Mes-quita, referência ética e políticapara os que, antes de tudo, se in-teressam pela coisa pública.

AMADEU R. GARRIDO DE [email protected]ão Paulo

Legado

Que o seu legado sirva para asnovas gerações. Perda enormepara todos.JOSE ROBERTO [email protected]ão Paulo

Exemplos

Com a morte de Ruy Mesquita,o Brasil e São Paulo perdem umde seus mais valorosos defenso-res de diferentes épocas e trin-cheiras e o jornalismo brasileirose priva de um de seus mais éti-cos praticantes. Que seus exem-plos sejam seguidos pelas novasgerações. O nosso pesar e votosde conforto à família.DIRCEU CARDOSO GONÇ[email protected]ão Paulo

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Aécio não vai ganhar sese limitar a reabilitaro legado de FernandoHenrique e imitar Lula