Objeto do Crime - Heleno Cláudio Fragoso
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OBJETO DO CRIME
Heleno Cludio Fragoso
SUMRIO: 1. Importncia da matria. 2. Objeto
material do crime. 3. Crime como ofensa a direito
subjetivo. 4. Crime como ofensa a bem jurdico. 5.
Enquadramento tcnico da matria. 6. Teoria do
bem jurdico. 7. Conceituao. 8. Crtica. 9. Objeto
formal do crime. 12. Crime como ofensa a direito
geral de supremacia. 13. Carter autnomo ou
sancionatrio do direito penal. 14. Concluses.
1. O estudo da objetividade jurdica do delito constitui indagao
fundamental e importantssima para determinao de seu conceito e de sua essncia.Trata-se de saber qual o sentido substancial da ao delituosa; que em ltima anlise,
atingido, atravs do fato punvel, ou, ainda, qual o objeto da tutela jurdico-penal. Os
clssicos no consideraram, a bem dizer, a questo, em seu enquadramento tcnico, ao
qual somente se comeou a dar ateno na Alemanha, com a obra de OPPENHEIM1,
WAGNER2, e HIRSCHBERG3, e, na Itlia, com o trabalho notvel de ARTURO
ROCCO4. Modernamente, a doutrina dominante reconhece a importncia do estudo da
objetividade jurdica do delito, afirmando que constitui problema nuclear, em torno ao
qual gravitam vrias questes de suma transcendncia, no s para a determinao doconceito de crime, como tambm para toda a elaborao sistemtica da cincia do
direito penal.
2. O objetojurdico do crime no se confunde com seu objeto material. Este
constitui o objeto corpreo (coisa ou pessoa), includo na definio do delito, sobre o
qual recai a ao punvel5. O objeto da ao acha-se, portanto, direta ou indiretamente
1 OPPENHEIM, Die Objekte dos Verbrechens, Basel, 1894.2 WAGNER, Beitrag zur Lehre von den Objekten ds Verbrechens, Darmstadt, 1897.3 HIRSCHBERG, Die Schutzobjekte der Verbrechen Speziell untersucht an der Verbrechen gegen denEinzeinen, Breslau, 1910.4 ARTURO ROCCO, Loggetto del reato e della tutela giuridica penale, Turim, 1913. Republicado em 1932,como volume primeiro das Opere Giuridiche do autor. Esta ltima ser a edio citada a seguir.5 Em geral definem os autores o objeto material da ao de forma ampla, compreendendo a parcela do mundoexterior sobre a qual incide a conduta incriminada, o que pode dar lugar a incertezas. Exigindo expressamenteque o objeto da ao seja parte integrante do tipo legal, MAX ERNST MAYR, Der Allgemeiner Teil dsdeutchen Strafrechts, 1923, pg. 98; MEZGER, Tratado de Derecho Penal, Madri, 1955, vol. I, pg. 385, e
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indicado na figura legal: assim, por exemplo, a coisa mvel, no furto. Como bvio,
nos crimes de simples atividade ou formais, pode no haver objeto material. Por outrolado, h crimes em que o sujeito passivo identifica-se com o objeto da ao, como, por
exemplo, no homicdio6.
O conceito de objeto material da ao, contrariamente ao que supem alguns
autores7, distinto do de corpo de delito, embora possam parcialmente coincidir. A
conceituao do corpo de delito pertence ao direito processual, significando ele, na
lio de JOO MENDES, o conjunto de elementos sensveis do fato criminoso. O
corpo de delito constitudo por todos os elementos materiais da conduta incriminada,inclusive meios ou instrumentos de que se sirva o criminoso. Uma pea do vesturio da
vtima de um homicdio, contendo vestgios da agresso, integra o corpo de delito, mas
no objeto material da ao deste crime8.
3. Partindo, em geral, de pressupostos jusnaturalistas, afirmavam os
clssicos que o crime se dirige necessariamente contra um direito subjetivo, varivel
conforme a espcie da infrao. Quem o afirmou pela primeira vez foi FEUERBACH:
Crime a ao que contradiz ao direito de outrem9. Na Itlia, CARMIGNANI eCARRARA10, igualmente, afirmavam que o crime somente pode constituir ofensa a
direito pblico ou privado, tendo, pois, sua objetividade num direito protegido pela lei
penal atravs da sano. Esta doutrina difundiu-se largamente, encontrando muitos
seguidores, na Alemanha11, na Itlia12 e em Frana13. As crticas que lhe foram feitas
ASA, Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires, 1951, vol. III, pg. 95. Entre outros, restringindo o conceito aobjetos corpreos, HIRSCHBERG, ob. cit., pg. 39.6 Como se sabe, CARRARA, Programa dei corso de derecho criminal, trad. SOLER, Buenos Aires, 1944, 40,
designava por sujeito passivo, o homem ou a coisa sobre o qual recaem os atos materiais do culpado, conceitotambm adotado, entre outros, por IMPALLOMENI, Istituzioni di Diritto Penale, Turim, 1908, pg. 72. Trata-se, com evidente, do objeto material da ao, sendo a discrepncia puramente terminolgica.7 ROCCO, Loggetto del reato, pg. 10, afirma: Objetto materiale del reato , quindi, in altre parole, ilcorpus delicti. Adverte, porm, em seguida, que a noo de corpo de delito mais lata, incluindo os meiosmateriais e instrumentos (instrumenta sceleris), empregados pelo agente, bem como o produto do crime.8 Cf. JOO MENDES, O Processo Criminal Brasileiro, 1911, vol. II, pg. 6, e tambm ORTOLAN. Elmentsde Droit Pnal, 1863, vol. I, pg. 484: Lensemble complet ds elments matriels dont se forme l dlit.Nosso processo penal, embora acolhendo o princpio da livre convico, continua atribuindo importnciafundamental ao exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestgios (delicta facta permanentis). incensurvel a obesrvao de GRISPIGNI, Diritto Penale Italiano, 1959, vol. II, pg. 272: Loggettomateriale attiene al reato-istituto giuridico, mentre il corpo de delito attiene al reato-fatto concreto.9 FEUERBACH, Lehrbuch ds gemeinen in Deutschland gueltigen peinlichen Rechts, 1801 (16 ed. Anotadapor MITTERMAIER, 1847, pgina 45): Eine durch ein Strafgesetz bedrohte, dem Recht eines andernwidersprechende Handiung.10 CARMIGNANI, Elementi di Diritto criminale, Npoles, 1854, pg. 40; CARRARA, Programa, 40 e42.11 QUESTORP, ZACHARIAE, GROLMANN, MARTIN, MAREZOLL, JOHN, OSENBRUEGGER,LOENING, BERNER, BIERLING.12 IMPALLOMENI, LUCCHINI, TUOZZI, STOPATO, CARNEVALE, CIVOLI, MAJNO, PUGLIA e BRUSA,entre outros. Esta concepo, expressando a opinio dominante, foi, alis, acolhida na Exposio de Motivosministerial, feita para o Projeto ZANARDELLI, de 1889 (Relazione al progetto, pg. XVIII): Cio checostituisce lessenza di um reato la violazione di um diritto. Dunque, a seconda della variet del diritto
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afirmavam em geral o seu carter formalstico e tambm que o crime no
necessariamente a ofensa de um direito subjetivo que varia com a espcie da condutapunvel, pois ns crimes contra a sociedade (contra a paz pblica, a incolumidade
pblica, a f pblica, etc.), no se pode certamente reconhecer a existncia de um
direito subjetivo, inclusive porque lhe faltaria titular14.
4. Opondo-se a FEUERBACH, j CUCUMUS observava que se o crime
ofensa a um direito, deve tambm ter um contedo material que ao mesmo
corresponda15. Foi, todavia, com fundamento na teoria do bem jurdico (que nasceu por
influncia da escola de KRAUSE e seus seguidores, especialmente AHRENS), que aconcepo de FEUERBACH sofreu oposio decisiva. Como observa OPPENHEIM,
foi BIRNBAUM16 o primeiro a contrapor ao crime como ofensa a um direito, o crime
como ofensa de bens. Afirmava-se assim que o crime , em sua essncia, leso ou
periclitao de um bem (do indivduo ou do corpo social), garantido pelo Estado. Esta
teoria ainda hoje dominante, tendo sido objeto de uma elaborao dogmtica mais ou
menos perfeita.
5. Somente com a obra de OPPENHEIM foi o problema do objeto do crimecolocado de forma clara e precisa, embora no soubesse aquele autor extrair as
conseqncias da sistematizao que realizou. Partiu OPPENHEIM do conceito lgico
de objeto, referindo-o a um sujeito e concluindo que objeto tudo aquilo que a
conscincia humana submete ou pode submeter a considerao17. WAGNER e
HIRSCHBERG censuraram a OPPENHEIM a amplitude de sua noo, mostrando que
ela, embora logicamente correta, permita enquadrar praticamente tudo, inclusive
representaes subjetivas, o que a tornava inaproveitvel para os nossos fins18. Observo
WAGNER, que o objeto, quando aparece junto a um genitivo, como em objeto docrime, dispensa a indagao sobre o sujeito. Objeto deriva de objicere ou objectum e
quando indagamos qual o objeto do crime, desejamos saber, como diz ROCCO19, que
leso, deve variar ela qualit del rato che ne risulta, come a seconda della sua maggiore o minoreimportanza deve variarne la quantit.13 ROSSI, VIDAL, ORTOLAN, ROSSI, Trait de Droit Penal, Paris, 1872, vol. I, pg. 249, embora afirmasseque o resultado do crime sempre a leso de um direito, entendia que a essncia deste consiste na violao de umdever, idia a que os modernos juristas retornaram, por outro caminhos (Pour nous lelment essentiel du dlitest la violation dum devoir).14 Cf. ROCCO, Loggetto del reato, pginas 43 e segs. A concepo de que o crime sempre ofensa a direitosubjetivo, que varia com a espcie da infrao, ressurge com a teoria do carter sancionatrio do direito penal, naforma como exposta por certos autores, como GRISPIGNI. Cf. n 13, infra.15 CUCUMUS, Ueber die Einteilung der Verbrechen und dir Folgerungen daraus fuer die Gesetzgebung, inNeues Archiv des Kriminalrechts, vol. X, pg. 58.16 BIRNBAUM, Ueber das Erfordeniss einer Rechtsverletzung zum Begriffe des Verbrechens, in Archiv dsKriminalrechts, 1834, pg. 175.17 OPPENHEIM, Die Objekte des Verbrechens, pg. 77.18 WAGNER, Beitrag, cit., pg. 13; HIRSCHBERG, Die Schutzobjekte, pg. 8.19 ROCCO, LOggetto del reato, pg. 233.
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coisa esta realidade que aparece submetida ofensa delituosa e em que consiste a
relao entre uma e outra.
Deste enquadramento lgico, chegou-se com facilidade teoria do bem jurdico.
Se a norma visa impedir o resultado de dano ou perigo que deriva de determinada ao
ou omisso proibida ou imposta sob ameaa de pena, claro que o crime aparece como
ofensa ou ameaa, ou seja, como dano ou perigo de dano, isto , atingindo a um bem
ou interesse20. Procura-se, com a teoria do bem jurdico, dar ao crime um contedo
substancial, ou seja, um sentido material conduta delituosa. Como bvio, tal teoria
tem como pressuposto necessrio a concepo de que a ordem jurdica tem por funoa tutela de bens ou interesses, individuais e sociais, ou, de forma mais ampla, das
condies de existncia e conservao da sociedade.
6. A noo de bem jurdico adquiriu, assim, extraordinria relevncia, sendo
por VON LISZT considerada um dos conceitos fundamentais do direito21. Afirmava-se
no s que a ofensa a um bem jurdico constitua o objeto jurdico do crime, e, pois, a
sua substncia ou seu aspecto de maior relevo, mas, tambm, que a indagao em torno
ao bem jurdico bsica para a classificao dos crimes na parte especial e, sobretudo,para a interpretao da lei. A gravidade do delito seria, assim, estabelecida conforme a
natureza do bem tutelado e conforme o resultado de leso ou perigo, ou seja, conforme
a ofensa ao mesmo causada.
Que se entende, porm, por bem ou interesse jurdico? Na clssica definio de
IHERING22, bem todo contedo de utilidade, ainda que no seja pecuniariamente
aprecivel, que constitua um bem para um sujeito, ou, tudo o que nos pode servir. Bem
e interesse so para IHERING conceitos idnticos. No cabe nos limites deste trabalhoa exposio e discusso das varias definies de bem e interesse jurdico apresentadas
pelos autores, bastando-nos apenas indicar as linhas mestras do pensamento doutrinrio
nesta matria23. Em sua formulao bsica, o conceito de bem vai referido a um valor,
representando assim tudo o que satisfaz a uma necessidade, tendo ou no existncia
material. Interesse (quod inter est) , porm, um juzo de valor, uma apreciao
subjetiva do bem como tal, ou seja, um juzo sobre a utilidade ou idoneidade do bem
para satisfazer uma necessidade. Esta a chamada teoria subjetiva (concepo
20 Cf. ROCCO, LOggetto del reato, pg. 240.21 Cf. LISZT-SCHMIDT, Lehrbuch ds deutschen Strafrechts, 26 ed., 1932, pg. 5: Rechtsgut und Normsind die beiden Grundbegriffe des Rechts. Todo o direito penal por LISZT concebido como um sistema deproteo de bens jurdicos (Das Strafrecht als Rechtsgueterschutz). Orienta-se no mesmo sentido o sistema deBETTIOL, Diritto Penale, Palermo, 1958, pg. 153.22 IHERING, Geist ds roemischen Rechts, 1875, vol. III, pg. 329.23 Para exposio minuciosa do assunto, cf. ROCCO, LOggetto del reato, pgs. 241 e segs., e VON HIPPEL,Deutsches Strafrecht, Allgemeine Grundlagen, Berlim, 1925, vol. II, pgs. 11 e segs.
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psicolgica) do interesse, que a dominante. Bem , pois, uma coisa (em sentido
amplo); interesse, porm, uma relao entre a coisa e o sujeito. Deve-se aKESSLER24 a observao de que bem e interesse constituem um nico e mesmo
conceito, encarado, apenas, pelo lado objetivo e pelo lado subjetivo. Vrios autores,
todavia, empregam indistintamente as expresses bem e interesse25; outros afirmam
precisamente que bem o interesse protegido26. Outros, ainda, defendem a diversidade
conceitual de bem e interesse, afirmando, porm, a identidade de sua significao
prtica, pois se trata de conceitos correlativos27, e a inutilidade, de todo debate28. H,
ainda, os que entendem que objeto da tutela jurdica apenas o interesse29, ao passo
que outros sustentam ser apenas o bem30. O bem torna-se jurdico quando o direito oreconhece e protege atravs da norma jurdica. O bem jurdico no um bem do
direito, mas um bem da vida humana, que preexiste a toda qualificao jurdica31.
7. antiga a crtica ao conceito de bem jurdico que deixamos estabelecido.
Afirma-se em geral que ele vago e impreciso, no passando de um esquema
conceitual sem contedo32. Numa concepo ampla como a de OPENHEIM (pg. 184),
grande diversidade de coisas podem integrar o conceito de bem jurdico (condies ou
estados, sentimentos, direitos e deveres). HIRSCHBERG mostrou que definies como
24 KESSLER, Rechtsgut oder rechtlich geschuetzte Interesse oder subjektives Recht, in Gerichtssaal. 1887,pg. 100, cit. por HIRSCHBERG, pg. 66.25 Cf., ENTRE OUTROS, manzini, Trattato di diritto penale italiano, Roma, 1950, vol. I, pgina 542.26 LISZT-SCHMIDT, Lehrbuch, pg. 4: Rechtsgut ist das rechtlich geschuetzte Interesse.27 ROCCO, LOggetto del reato, pg. 244.28 MEYED-ALLFELR, Lehrbuch ds deutschen Strafrechts, 1922, pg. 17: Der Streit, ob Gueter undInteressen einander gleichzustellen sind, ist ein ganz unfruchtbar. V. HIPPEL, Deutsches Strafrecht, I,pg. 13.29 A concepo de interessecomo objeto de proteo iniciou-se com HERTZ (Das Unrecht ud die AllgemeinenLehren ds Strafrechts, 1880, vol. I, pg. 15), encontrando seguidores em KESSLER, GEYER, STOOS e VONBAR. No mesmo sentido, PETROCELLI, Principii di diritto penale, 1943, pg. 234, conquanto afirme quebem e interesse so expresses equivalentes. CARNELUTTI, Il danno e il reato, 1926, pgina 51, partindo dateoria objetiva do interesse, afirma que objeto da tutela penal o interesse; objeto do crime, o bem. A teoriaobjetiva do interesse identifica-o na situao objetiva do sujeito em relao ao bem, na qual este seja idneo parasatisfazer uma necessidade. Alm de CARNELUTTI, acolhem este conceito: PETROCELLI, Principi, pg.232, e ANTOLISEI, Loffesa e il danno nel reato, 1930, pg. 35: Il diritto non protegge l cose materiali oimmateriali: protegge la disponibilit dei beni nei confronti di determinate persone. Non loggetto in s
tutelato, ma la situazione in cui si trova uma persona rispetto alloggetto: quella situazione che permettealla persona di godere in bene. Observe-se, porm, que o pensamento do autor grandemente evoluiu nestetema. Contra a teoria do interesse como nico objeto da tutela, PISAPIA, Introduzione all parte speciale deldiritto penale, Milo, 1948, pg. 97. A teoria objetiva do interesse inaceitvel, pois interesse, como notaMEZGER, somente pode ser a participao da vontade em algo. Contra a distino de CARNELUTTI, entreoutros, ASA, Tratado, volume III, pg. 87, nota.30 BINDING, Die Normen und ihre Uebertretungen. 1890, vol. I, pg. 353: HELLMUTH MAYER, Strafrecht,Allgemeiner Teil, 1953, pgina 53.31 Precisamente, LISZT-SCHMIDT, Lehrbuch, pg. 4.32 DEL VECCHIO, Il concetto del diritto, 1906, pg. 142, por exemplo, afirmava ser este conceitoFatalmente vago che non ci offre realmente alcun lume introno alloggetto che si trata di definire e quasesfugge, per la sua stessa indeterminatezza, a um aprezzamento scientifico; HIRSCHBERG, DieSchutzobjekte, pg. 44: Der Begriff des Rechtsgueter als solches, genau wie der ds Schutzobjektes, einrein formalen und inhaltioses ist. No faltam, alis, autores que consideram o bem jurdico no uma realidade,mas um conceito.
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a de BINDING33, geralmente aceitas, so, em verdade, puramente tautolgicas, porque
no dizem que o legislador entende por socialmente valioso: bem jurdico algoconsiderado valioso. O que? Qual o critrio para identificao do bem jurdico?
ROCCO34, alis, de forma amplssima, afirma que bem jurdico pode ser um objeto do
mundo exterior, como uma coisa ou uma pessoa; pode ser um acontecimento natural,
ou uma ao ou omisso humana; uma ao prpria ou uma ao alheia; um servio
pessoal ou qualquer relao de fato; um estado individual (fsico ou moral), da pessoa
ou de uma pluralidade de pessoas (vida, sade, liberdade, etc.); pode ser um estado de
fato (o silncio noturno) ou o estado de uma coisa (o estado de uma carta em envelope
fechado); pode ser um sentimento (piedade), uma idia ou, em geral, um estado domundo interior. Pode ser ainda um direito ou uma relao jurdica. Algo existe no
presente, no passado ou no futuro. Da classificar os bens em materiais ou fsicos e
imateriais ou morais; individuais ou coletivos.
Contra tal alegada indeterminao, surgiu a teoria do bem jurdico como estado,
segundo a qual se afirma a identidade substancial do objeto de proteo, que se
identifica no interesse na manuteno de determinado estado, ou seja, de determinada
ordem visada pelo direito35. Objeto do crime , assim, o interesse na manuteno doestado. O bem jurdico tutelado nos crimes patrimoniais no seria, pois, o direito
subjetivo correspondente propriedade ou posse, conforme o caso, mas, sim,
determinado estado, ou seja, a correspondncia entre a situao de fato e a situao
jurdica do patrimnio36.
33
BINDING, Die Normen, vol. I, pg. 353: Bem jurdico tudo o que, sem ser em si mesmo direito, , aosolhos do legislador, considerado valioso como condio de perfeita sobrevivncia da ordem jurdica, em cujasubsistncia no perturbada nem modificada, h, a seu ver, um interesse, e que, por isso, atravs de suas normas,visa assegurar contra a indesejada leso ou periclitao. HIRSCHBERG, Die Schutzobjekte, pg. 62.34 ROCCO, LOggetto del reato, pg. 260 e segs.35 Esta teoria ardorosamente defendida por HIRSCHBERG, Die Schutzobjekte, pg. 72: Alle Rechtsguetersind als Zustaende zu konstruiren. Das Schutzobjekte ist demnach der fuer sozial wertvoll erachtete, dahervom Recht geschuetzt Zustaende. Com a concepo do bem jurdico como estado concorda GERLAND, DieFaelschungsdelikte ds deutschen Strafgesetzbuchs, in Gerichtssaal, vol. 59, pg. 81: Todo crime dirige-secontra o bem jurdico da ordem desejada pelo direito (die vom Recht gewollte Ordnung), a qual naturalmenteentende-se como estado. Se a ao modificao do mundo exterior, o crime sempre alterao de um estado.Cf. OETKER, in ZStW, vol. 17, pg. 494 (1897); HONIG, Die Einwilligung ds Verletztein, 1919, vol. I,pg. 77, Segundo o qual o verdadeiro fundador da teoria teria sido SCHUELTZE (1869); HANKE, Rechtsgueterbei Sittlichkeitsverbrechen, 1926, pg. 11; MEZGER, Tratado, volume I, pgs. 399 e 402: Bem jurdico oestado em que se acha o interesse mdio que o direito toma em conta. Esta teoria hoje dominante naAlemanha. Cf., entre outros, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1954, pg. 3: Bem jurdico todo estadosocial desejado, que o direito procura assegurar contra leso; HELLMUTH MAYER, Strafrecht, 1953, pg.53: Das Rechtsgut ist ein besonderer werthafter Zustand der aeusseren Lebens wirklichkeit. Afirma,porm (pg. 52), que no crime de furto o bem jurdico a propriedade como direito subjetivo. VON HIPPEL,Deutsches Strafrecht, vol. I, pg. 13, ope-se ao conceito incolor de estado, e MEZGER supe responder objeo definindo interesse como participao da vontade na manuteno do estado (Tratado, vol. I, pg. 400,nota).36 HIRSCHBERG, Die Schutzobjekte, pgina 71.
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Outra concepo largamente difundida a que constitui a chamada teoria
metodolgica, que identifica o bem jurdico com o escopo da normal. Adquire, aqui, obem jurdico carter finalstico, surgindo atravs de uma indagao teleolgica em
torno da norma incriminadora. A concepo metodolgica remonta obra de HONIG,
mas difundiu-se com os trabalhos de SCHWINGE e ZIMMERL, representantes do
chamado Grupo de Marburgo37. Atravs dela procura-se afirmar o carter realista da
dogmtica penal, que encontra, assim, critrio seguro para abrir caminho ao reflexo da
realidade na interpretao da norma.
8. A teoria do bem jurdico como objeto do crime, com variaes que nolhe alteravam o sentido fundamental, permaneceu dominante e incontestada at o
advento da chamada Escola ou Tendncia de Kiel (Kieler Richtung), em 1935. Como
se sabe, esta corrente surgiu na Alemanha nazista, sob inspirao do nacional-
socialismo. O direito penal da vontade (Willensstrafrecht), que esta Escola fundou,
afirmava que a teoria do bem jurdico era conseqncia do liberalismo do sculo XIX,
incabvel num Estado autoritrio, em que o crime essencialmente violao de um
dever de obedincia ao Estado38. Tratava-se de um processo de subjetivizao do
direito penal, no qual se atribua vontade a primazia na elaborao doutrinria, desorte que o bem jurdico aparecia como um aspecto materialista, absolutamente
secundrio.
No foi somente por parte da Escola de Kiel que a teoria do bem jurdico sofreu
contestao sria. Na Itlia, ANTOLISEI afirmava a necessidade de submeter a
completa reviso a concepo dominante a respeito do objeto jurdico do crime,
partindo de outras premissas. Para o insigne professor da Universidade de Turim, a
37 HONIG, Die Einwilligung des Verletzten, vol. I, pgs. 5, 83 e 94; SCHWINGE, TeleologischeBegriffsbildung im Strafrecht, 1930, pgs. 27 e segs.; SCHWINGE-ZIMMERL, Wesenschau und konkretesOrdnungsdenken. Na Itlia, o mais importante seguidor desta teoria BETTIOL, Diritto Penale, pg. 142,podendo ainda mencionar-se PETROCELLI, Principi, pgina 247, e PISAPIA, Introduzione, pg. 105. Oprprio ROCCO, LOggetto del reato, pgina 577, parece ter admitido a identificao bem jurdico com oescopo: Accertare quale il bene e linteresse leso o minacciato da um reato, signific nullaltro cheaccertare lo scopo che la legge penalle si propone di raggiungere vietando sotto minaccia di pena umadeterminata azione o omissione. Contra esta concepo do bem jurdico insurgiu-se a Escola de Kiel, pormotivos bvios: cf. SCHAFFSTEIN, Problematik der teleologischen Begriffsbildung, 1934, pgina 15; idem,Der Methodenstreit in der heutigen Strafrechtswissenschaft, in ZStW, volume 57, pg. 23, observando que ateoria metodolgica apenas designa com expresso diversa o fim da lei, ao qual nada acrescenta. H. MAYER,Strafrecht, pg. 59, nota, afirma que o conceito metodolgico volatiliza a nao de bem jurdico. Apesar de suaopinio sobre o tema, ANTOLISEI, Il problema del bene giuridico, pg. 121, repele, igualmente, a teoria emquesto: Si tratta di due concetti distinti e che perci non devono in alcun modo essere confusi: il benegiuridico uma cosa, lo scopo della norma, umaltra.38 Vrios importantes penalistas alemes aderiram ao direito penal autoritrio que resultou do nazismo. Osprincipais representantes da Kieler Schule, porm, foram SCHAFFSTEIN, DAHM, KLEE, SIEWERT,GALLAS, HANS FRANK. Alm dos trabalhos citados na nota anterior, destacam-se: SCHAFFSTEIN, DasVerbrechen als Pflichverletzung, in Grundlagen des neuen Rechtswissenschaft; GALLAS, Zur Kritik derLehre vom Verbrechen als Rechtsgutverletzung, 1936; PESTALOZZA, Rechtsgutverletzung oderPflichsverletzung, in Deutsches Strafrecht, 1938, pg. 107.
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funo da ordem jurdica no apenas conservativa, ou seja, no apenas a de defesa
de determinados bens ou interesses, sendo inegvel que no Estado moderno o direitotem tambm uma finalidade propulsiva ou evolutiva. Assim sendo, vrias normas
penais visam criar uma situao que o legislador considera desejvel para o progresso
da comunidade social. Nas contravenes, especialmente, a aplicao do critrio do
bem jurdico no passa de fantasia39, pois muitas das contravenes no tende a
conservar a sociedade, mas a promover-lhe o progresso. Conclui ANTOLISEI que o
conceito de bem jurdico no se estende a todo o direito penal, mas somente quela
zona, largussima embora, em que o direito mesmo tem funo conservadora. E que
nas normas de finalidade evolutiva no h objetividade jurdica. Nem seria possvelfalar de objeto (objicere) a propsito de algo que no existe40, pois com isso se criaria
uma entidade puramente verbal, sem qualquer base na natureza das coisas. A
conseqncia lgica a da existncia de crimes sem ofensa (dano ou perigo), que
surgem tambm nas hipteses de erro do legislador41. Julga, destarte, o autor
demonstrar que a doutrina dominante confunde o bem jurdico com o motivo da
incriminao, ou seja, com o critrio seguido pelo legislador para agrupar alguns fatos
delituosos e que necessrio substituir o critrio tradicional de objeto da tutela jurdica
pelo de escopo da norma. Este sim que importante para a exegese. Por outro lado,mostra que certos bens jurdicos da doutrina dominante, tais como f pblica,
incolumidade pblica, moralidade pblica, no tm qualquer consistncia, sendo uma
construo puramente vazia pretender afirmar um resultado de dano ou perigo em
relao aos mesmos. Termina por afirmar do bem jurdico: il falso sovrano va
detronizzato42.
Mais recentemente, na Alemanha, , pode-se dizer, unnime, o entendimento da
doutrina, de que a ofensa a um bem jurdico no esgota o contedo do desvalorexistente na conduta delituosa, ou seja, de que o crime no to-somente ofensa a um
39 PISAPIA, Introduzione, pg. 117, nota, sustenta que o critrio da objetividade jurdica, em seu exatosignificado, no parece aplicvel tambm s contravenes. Os clssicos, alis, entendiam que nas contravenesno h necessariamente um dano, mas um possvel detrimento prosperidade, ou seja, apenas uma possibilidadede perigo, como observa ANTOLISEI, Il problema del bene giuridico, pg. 116, nota. Cf., sobre o assunto,ROCCO, LOggetto del reato, pgs. 334 e segs.40 Um exemplo de norma de finalidade evolutiva, dentro da concepo de ANTOLISEI, poderia encontrar-se nocrime de abandono intelectual, previsto no art. 246 do Cd. Penal brasileiro: Deixar, sem justa causa, de prover instruo primria de filho em idade escolar.41 O argumento evidentemente no impressiona, pois somente se cogita, nos crimes, de dano ou perigo que surgecomo conseqncia da ao delituosa, a juzo do legislador.42 O trabalho em que ANTOLISEI melhor exps seu pensamento sobre o assunto o citado Il problema del benegiuridico, publicado pela primeira vez em 1940 e recolhido em seus Scritti di Diritto Penale, 1955, pg. 97.Em seu Manuale di Diritto Penale, 1955, pg. 123, manifesta-se com maior sobreedade, repetindo que a teoriado bem jurdico te4ve importncia exagerada, pois no se trata de conceito decisivo na interpretao, pois emvrios crimes tutelado o mesmo bem. Que de maior valor a indagao quanto ao escopo ou ratio daincriminao. Na valorao do crime outros elementos so considerados, inclusive a qualidade do dever violado.Afirma que a supervalorao do dano individual expresso de tendncias conservadoras da doutrina e que aindamais deve diminuir a importncia do bem jurdico no futuro.
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bem jurdico (Rechtsgutverletzung), sendo tambm violao de um dever
(Pflichtverletzung). J BINDING43 sustentava que, nos crimes de perigo abstrato, oaspecto da ofensa a um bem jurdico secundrio, pois tais crimes se exaurem na
simples desobedincia (einfachen Ungehorsam). Da a diviso que fazia, entre crimes
de simples desobedincia (Delikte einfachen Ungehorsam) e crimes de agresso
(Angriffsdelikte). Segundo MAURACH44, a evoluo nesse sentido processou-se por
etapas. Primeiramente, com a descoberta dos elementos subjetivos do ilcito45; depois,
com a Escola de Kiel, que procurou desmaterializar o crime, introduzindo o elemento
da violao de um dever. Em seguida, com a luta de HELLMUTH MAYER contra o
dogma da causalidade (Verursachungsdogma)e a classificao de R. LANGE e VONWEBER dos crimes em fatos predominantemente finais e predominantemente
causais46. E, ultimamente, com a teoria finalista.
A idia central que aparece nos modernos penalistas alemes a de que a norma
penal apenas tutela um determinado bem jurdico parcialmente, isto , tendo em vista a
agresso que lhe feita de certa forma e em especiais condies, e que ao lado dos
crimes em que aparece predominantemente a ofensa a um bem jurdico
(Erfolgsunwerte)47. O direito penal protege valores elementares ou importantes da vida
43 BINDING, Die Normen, vol. I, pg. 399.44 MAURACH, Deutsches Strafrecht, Allgemeiner Teil, 1954, pg. 192.45 Teoria enunciada por FISCHER, Die Rechtswidrigkeit, 1911, desenvolvida por HEGLER, Die Merkmaledes Verbrechens, in ZStW, vol. 36, pg. 31, e aperfeioada por MEZGER, Die subjektivenUnrechtselemente, in Gerichtssaai, vol. 89, pg. 214. Cf. MEZGER, Moderne Wege derStrafrechtsdogmatik, 1950, pg. 22, e VON WEBER, Zum Aufbau ds Strafrechtssystems, 1935, pg. 8.46 VON WEBER, Zum Aufbau ds Strafrechtssystems, pg. 8: O legislador tem, fundamentalmente, duaspossibilidades de estabelecer a antijuridicidade de um comportamento humano. Pode estatuir a normasimplesmente com referncia a um acontecimento externo e proibir um comportamento que d causa a um
resultado, ou pode tomar em considerao a vontade do agnte e submeter a pena determinado comportamentodirigido a um resultado. O elemento decisivo , na primeira hiptese, a causao do resultado; na segunda, adireo da vontade a um resultado.47 GALLAS, Zur Kritik der Lehre vom Verbrechen, cit., pgs. 50 e segs., partindo das premissas em que sefundava a Escola de Kiel, j sustentava que o conceito de bem jurdico no mais satisfaz s exigncias do vigentedireito penal, porque na valorao complexiva da figura de delito concreta, aparecem frequentemente elementospessoais que no se enquadram no ponto de vista do interesse protegido. Entende que nos crimes prprios apunibilidade ou a maior punibilidde no se pode explicar prescindindo do elemento subjetivo da violao de umdever. GALLAS no considera o bem jurdico como objeto do delito, reduzindo-o a simples ndice do desvalorjurdico do fato, afirmando que, em sua essncia, apresenta-se o crime como ao contrria comunidade(Gemeinschftswidrig). HELLMUTH MEYER, Strafrecht, pg. 54, observa que na maioria das figuras dedelito no indiferente o modo pelo qual foi causada a leso ao objeto da tutla penal. Que o especial desvalor daconduta tpica aparece predominante na forma e modo pelo qual o agente expressa a sua atitude psicolgica narealizao do fato. Na mesma ordem de idias, MAURACH, Deutsches Strafrecht, pg. 182, ensian que no sepode supor que somente o resultado (Erfolgsunwerte) tem relao com o bem jurdico, porque entre este e suaameaada leso interpe-se a norma. WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, pg. 2, assinala que a proteo debens jurdicos garantida pelo direito penal, somente contra determinadas formas de agresso(Rechtsgneterschutz gewaehrt das Strafrecht nur gegen bestimmtgeartete Angriffe). PETROCELLI,Principi, pg. 243, criticando o entendimento que vimos expondo, afirma que a considerao dos critrios dequalidade e modalidade da ao na coisa nova. Essa stata infatti sempre implcita in ogni sistema,scientifico e legislativo, che la gravita del reato abbia desunta, anche in parte dalla qualit e gravitdellazione; ed da ritenersi implcita nella stessa clssica idea del danno mediato. Veja-se ainda a crticade BETTIOL, Diritto Penale, pg. 155.
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social, atravs da proibio e punio de aes dirigidas ofensa daqueles bens. H,
portanto, uma valorao de determinadas condutas, valorao que relativamenteindependente do valor das coisas a que se refere48. Punvel somente pode ser uma ao
proibida e no a leso de um bem jurdico como tal49, de sorte que o desvalor da
conduta delituosa manifesta-se com a expresso exterior da vontade do indivduo
dirigindo-se contra a ordem jurdica50. Observa, alis, ARMIN KAUFMANN que,
quando o objeto da valorao um ato em que o dolo no dirige a um bem jurdico,
mas, sim, um ato em que a inteno , a tal respeito, neutra51, a referncia da ao a
um bem jurdico puramente um critrio de sua valorao (Kriterium der Bewertung).
No o caso, portanto, da ao incriminada dirigir-se efetivamente para atingir umbem jurdico, o que nos traz de volta aos crimes de simples desobedincia, de
BINDING52, transformando o bem jurdico em simples ndice da anti-sociabilidade da
conduta.
Reconhece-se, assim, que o crime no s ofensa a um bem jurdico, embora
esta continue sendo o ncleo material da ao delituosa. Mesmo os partidrios da teoria
finalista entendem que o desvalor da ao permanece referido ao bem jurdico, porque
de regra a atividade finalista da ao traz consigo leso ou periclitao de um bemjurdico.
9. No terminam aqui as divergncias doutrinrias a que d lugar a
indagao em torno ao objeto jurdico do delito. Como se sabe, ROCCO dividia o
objeto do crime em substancial e formal. Por objeto substancial entendia aquilo que o
direito penal, mediante seus preceitos e suas sanes, juridicamente, protege, e o crime,
efetivamente, lesa ou expe a perigo, ou seja, o bem ou interesse humano tutelado pela
norma53. O objeto formal do crime seria constitudo pelo direito do Estado s aes ouomisses impostas sob ameaa de pena, ou seja, o direito subjetivo pblico estatal
obedincia ou observncia dos preceitos penais.
O objeto substancial subdividia-se em:
48 Cf. WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, pg. 3: Der Aktwert ist relativ unabhaengig vomSachverhaltswert.49 MAURACH, Deutsches Strafrecht, pgina 192: Bestraft werden kann nu reine verbotene Handlung,nicht eine Gutverletzung als solche. Se a ameaa penal se referisse imediatamente inviolabilidade do bemjurdico, deveria apenas toda leso ou periclitao do bem e no apenas determinadas condutas que o atingem.50 HELLMUTH MAYER, Strafrecht, pgina 54; RICHARD BUSCH, Moderne Wandlung derVerbrechenslehre, 1949, pg. 36.51 Seria um exemplo o crime de falsidade documental perante nossa lei, no qual o dolo no se refere f pblica(vontade dirigida ofensa f pblica).52 ARMIN KAUFMANN, Lebendiges und Totes im Bindigs Normentheorie, 1954, pgina 72. Contra aexistncia de crimes de pura desobedincia, MORO, LAntigiuridicit Penale, n 24.53 ROCCO, LOggetto del reato, pgs. 552 e segs.
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a) genricocomum a todos os crimes, constitudo pelo interesse do Estado segurana das condies de vida em comum, ou seja, segurana da prpria existncia
ou da prpria conservao;
b) especficovarivel, na sua qualidade, conforme a espcie do crime, sendo
constitudo sempre por um bem ou interesse prprio da pessoa diretamente atingida
pelo crime (sujeito passivo).
Apresentam-se, assim, vrias questes importantes, que cumpre esclarecer.
O objeto substancial especfico, indicado nesta classificao , como se v, o
bem ou interesse jurdico, conceitos cuja evoluo doutrinria j estudamos. Basta
neste ponto assinalar que ROCCO entendia que cada crime tutela um bem jurdico
especfico, isto , que h uma objetividade jurdica especfica e prpria a cada figura de
delito. Esta concepo encontrou seguidores, mas no , geralmente, aceita pelos
tratadistas54.
A outra considerao que ainda ocorre fazer a propsito do objeto substancial
especfico, diz respeito ao titular do bem jurdico. ROCCO, com a doutrina dominante,
entende que titular do bem jurdico tutelado tanto pode ser o indivduo como a
coletividade, dividindo, por esta mesma razo, ditos bens em individuais e coletivos.
Desde IHERING e BINDING, porm, vrios autores tm afirmado que os bens
jurdicos que a lei penal tutela so sempre da coletividade, embora muitos deles,
aparentemente, pertenam ao indivduo55. O bem jurdico, sem dvida, pode ser do
54 LEONE, Del reato abituale, continuato e permanente, 1933, pg. 332: Sarebbe strano ed illogico econstituirebbe um grave e palese difetto di un problema legislativo, che il medesimo bene o interesse
giuridico, nella idntica estensione e constituzione, formasse loggetto di due distinte incriminazioni. Ognireato, portanto, h um oggetto specifico. Seria fcil responder ao insigne autor assinalando que o crime no apenas ofensa a um bem jurdico. PISAPIA, Introduzione, pgs. 84, 87 e 94, entende que as modalidades deao previstas pelo legislador na definio do crime integram a noo de bem jurdico, entendida normativamentee que odos os elementos constitutivos do delito concorrem para formar-lhe a objetividade jurdica. Cf., ainda,MANZINI, Trattato, vol. I, pg. 542. Contra a existncia de uma objetividade jurdica especfica, afirmandoque vrios crimes ofendem o mesmo bem jurdico, variando apenas as circunstncias da ao incriminada, cf.,entre outros, MAURACH, Deutsches Strafrecht, pg. 192: O mesmo bem jurdico est sujeito a diversosvalores de violao ilcita (verschiedener Unrechtsgehalt bei gleichbieibendem Rechtsgut) e ANTOLISEI,Manuale, pg. 123: Le norme giuridiche non tutelano sempre dei beni diversi, ma spesso il modesimobene. No mesmo sentido, ainda, SANTORO, Diritto Penale, pg. 76. Este entendimento est implcito nosistema de vrios autores.55 BINDING, Die Normen, vol. I, pg. 358: Das Rechtsgut ist stets Rechtsgut der Gesamtheit, mag esscheinbar noch individuell sein. No mesmo sentido, SCHOENKE-SCHROEDER, Kommentar, 1954, pg.14: Die Rechts gueter sind, wenn bisweilen nur mittelbar, solche der Allgemeinheit; HELLMUTHMAYER, Strafrecht, pg. 52: MANZINI, Trattato, vol. I, pgina 543: Loggetto giuridico del reato sempre un bene-interesse pubblico, anche quando il soggeto passive particolare della lesione um privato.
Il diritto penale, mediante l sue incriminazioni, apport ala prpria tutela bensi anche ad interessi
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indivduo ou da coletividade. importante, porm, notar, como diz MAURACH, que a
idia do bem jurdico se transforma em plida abstrao (blutleeren Abstraktion) se forencarada apenas em relao ao seu titular. Com o interesse na proteo do bem, deve
ser confundido o interesse na continuao da ordem jurdica, de sorte que o bem
jurdico se resolve no conceito geral da ordem jurdica56. O direito penal no tutela o
interesse individual seno pelo interesse pblico na sua preservao.
10. Com referncia ao chamado objeto substancial genrico, o qual seria
comum a todas as infraes penais, sendo constitudo pelo interesse do Estado na
manuteno da vida em comum, ou seja, na prpria existncia a conservao, algumasobjees mais ou menos srias foram formuladas. CARNELUTTI, insurgindo-se
contra a existncia de um tal objeto genrico, afirma que o interesse do Estado
prpria conservao no um interesse protegido pela lei, mas, sim, a razo pela qual
se estabelecem o preceito e a sano. O Estado protege determinados bensporque isto
necessrio para assegurar as condies de vida em comum: no protege o interesse
observncia dos comandos. Este interesse constitui o prius de toda norma jurdica, e,
precisamente porque prius, no pode logicamente ser considerado como objeto de
tutela, dado que a norma no pode tutelar o interesse tutela, e, em definitiva, tutelar asi prpria57.
Existem aqui efetivamente duas questes: a primeira diz com o interesse do
Estado prpria conservao; a segunda, com o interesse na observncia da norma.
Ora, o fato de ser o interesse do Estado na prpria conservao motivo ou razo de ser
da tutela penal, no excluiria, em princpio, que o bem a que se refere tal interesse
pudesse constituir objeto da tutela jurdica, e, depois, objeto do crime. Parece-nos,
todavia, que no h este objeto genrico e indeterminado, independente das figuras dedelito especficas previstas em lei. H, sem dvida, um interesse do Estado na prpria
conservao, ou seja, na manuteno das condies de sadia existncia e
desenvolvimento da vida social, mas tal interesse somente encontra expresso jurdica
atravs das normas que o direito positivo estabelece. Tais normas no exercem uma
dupla tutela (bem imediatamente atingido e interesse geral do Estado), mas uma nica
tutela de um bem ou interesse pblico diretamente atingido pela ao delituosa. Na
tutela do particular bem tutelado expressa-se o interesse pblico, pois o bem individual
individuali, ma in quanto sono, o possono essere, interessi di tutti. Ainda, BATTAGLINI, Diritto Penale,1949, pg. 141, PANNAIN, Manuale, pg. 27.56 MAURACH, Deutsches Strafrecht, pgina 181.57 CARNELUTTI, Il danno e il reato, Pdua, 1926, pg. 51; DELITALA, Il fatto nella teoria generale delreato, Pdua, 1930, pg. 218; FLORIAN, Parte Generale del Diritto Penale, 1934, pg. 395, nega, igualmente,que um interesse geral constante possa tambm considerar-se objeto nel reato, 1930, pg. 75, e Manuale, pg.122) a objeo de CARNELUTTI parece insupervel, afirmando que nenhuma resposta convincente lhe foi dada.
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s objeto de proteo enquanto sua preservao constitui interesse da coletividade ou
do Estado. A questo tem, alis, escasso relevo, considerando-se que a tutela ao bemjurdico confunde-se com o interesse geral do Estado na manuteno da ordem
jurdica58.
segunda parte da objeo de CARNELUTTI, que desvinculamos da primeira,
no temos dvida em dar acolhida. A norma posta como meio para tutela de um bem
ou interesse que se situa logicamente em plano distinto do interesse existente na
observncia da mesma norma. outra questo a de saber-se se com a existncia da
norma surge um direito subjetivo do Estado e se o crime envolve sempre a violaodesse direito.
11. Este o problema que se apresenta com o chamado objeto formal do
crime, que se refere, em ltima anlise, existncia de um direito de punir, ou seja, de
um direito pblico subjetivo do Estado imposio da pena ou observncia do
preceito penal.
Os primeiros a darem importncia ao conceito de direito subjetivo de punir,partindo do direito positivo, e, pois, de uma colocao tcnica da matria, foram, na
Alemanha, LOENING e BINDING, e, na Itlia, ARTURO ROCCO59. Os autores do
sculo passado afirmaram sempre, em regra, a existncia de um direito de punir (jus
puniendi), sem lhe atribuir relevncia prtica, seja na Alemanha (FEUERBACH,
TITTMANN, GROLMANN, MARTIN, HAELSCHNER, WAECHTER, GEYER,
BERNER), seja na Itlia (BECCARI, ROMAGNOSI, PAGANO, CARMIGNANI,
CARRARA, PESSINA), fundados na teoria do contrato social e no direito natural60.
Buscavam, assim, uma fundamentao doutrinria para o poder punitivo do Estado,fundamentao que encontravam fora do campo do direito e que era, portanto, meta
jurdica.
58 PETROCELLI, Principi, pg. 239, entende que a posio do objeto genrico com referncia ao objetoespecfico a do todo com respeito parte: Gli interessi colpiti dal reato sono due, ciascuno avente ilprprio soggetto (Stato e singolo); ma Ium interesse parte dellaltro . ROCCO afirmava a coincidnciados dois interesses. Tanto h um objeto genrico, diz PETROCELLI (pg. 241), que h infraes penais semobjeto especfico, ou seja, um interesse particular, alm do interesse geral do Estado (exemplos: incitao aocrime, porte de armas, embriaguez, crueldade contra animais, etc.). Mantendo, igualmente, o conceito de objetogenrico, GRISPIGNI, Diritto Penale Italiano, 1950, vol. I, pg. 281, e Introduzione all SociologiaCriminale, Turim, 1928, pg. 173.59 LOENING, Grundriss zur Vorlesungen ueber deutsch Strafrecht, 1885, 16: BINDING, Handbuch desdeutschen Strafrechts, 1885, pginas 187 e segs.; ROCCO, Sul concetto del diritto subjettivo di punier, Prato,1905, reproduzido em suas Opere Giuridiche, 1932, volume III, pgs. 127 e segs. S se Comeou a darimportncia ao assunto depois da obra de BINDING.60 Para minuciosa exposio histrica das teorias clssicas sobre o direito de punir, cf. ROCCO, Appunti storicisul a dottrina del diritto soggettivi in matria penale e del rapporti di diritto penale, in Opere Giuridiche, 1932,volume III, pgs. 351 e segs.
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Modernamente, a controvrsia que sobre o assunto se estabelece, radical: ao
lado dos eu afirmam a existncia de um direito penal subjetivo, situam-se outros quelhe negam totalmente a existncia; ao lado dos que afirmam tratar-se de conceito
fundamental e bsico para o direito punitivo61, outros entendem constituir ele questo
secundria e sem importncia prtica, repetindo, assim, a crtica que j no sculo
passado era por SCHUTZE formulada62.
A doutrina dominante a que sustenta a subjetivizao da norma penal. Poucos
so, porm, os autores que admitem a existncia de um direito de punir penal63.
Evidentemente, no momento anterior ao direito positivo, o poder do Estado de editar anorma penal apenas atributo da soberania, que seu nico possvel fundamento
jurdico. Trata-se de exerccio do jus imperii, ou seja, de faculdade compreendida no
poder poltico de imperito ou de dominao do Estado.
Com o aparecimento da norma jurdica, porm, afirma-se, surge
necessariamente o direito subjetivo e a correspondente obrigao de dever jurdico.
Argumenta-se, em geral, com a bilateralidade da norma jurdica, entendendo-se que o
contedo desta relao jurdica o direito do Estado obedincia ou observncia dospreceitos penais e o correlativo dever de absteno dos sditos em viol-los64. Contra
este entendimento opuseram-se numerosos autores, afirmando que a subjetivizao da
norma penal uma concepo estreita, inspirada pelo direito privado, que de forma
alguma se ajusta realidade da justia punitiva, onde apenas se manifesta o poder de
dominao ou a soberania do Estado e um aspecto da sujeio geral dos sditos 65. Por
outro lado, afirma-se que no pode haver um direito subjetivo onde h, no s uma
61 ROCCO, Appunti, pg. 357, e Sul concetto, pg. 29: Per noi chi nega lesistenza de um dirittosubjettivo di punire dello Stato, si chiude la via a capire i fondamenti di tutto il sistema del diritto penale.62 SCHUTZE, Lehrbuch ds deutschen Strafrecht auf Grund des Reichsstrafgesetzbuch, 1872, pg. 2.63 LISZT-SCHMIDT, Lehrbuch, pg. 1, admitem, por parte do Estado, das Recht Strafe anzudrohen, sowieim Einzelfall sie zu Verhaengen und zu vollstrecken. Concepo zmpla aparece tambm em FLORIAN,Parte Generale, vol. I, pg. 15, e em PAOLI, Il diritto penale Italiano, 1936, pg. 85. Como diz GRISPIGNI,Diritto Penale Italiano, vol. I, pg. 277, o direito subjetivo antes da existncia da norma penal constituiindagao de ordem filosfica, entrando no problema do fundamento racional, dos fins e dos limites do Estado edela se ocupa a filosofia do direito.64 ROCCO, LOgetto, pg. 99: MASSARI, La norma penale, 1913, pg. 97: BINDING, Die Normen, vol.I, 55 e 56: MERKEL, Juristische Encyclopaedie, 159-170: idem, Lehrbuch, pg. 54; FINGER,Lehrbuch, pg. 1; SANTORO, Fondamenti della esecuzione penale, 1931, pg. 44; ANGELLOTTI, Lapretesa giuridica, 1934, pg. 93; KELSEN, Teoria general del derecho y del Estado, trad., 1949, pginas 87 e211, alm de outros autores, alguns dos quais sero citados a seguir.65 Assim, MANZINI, Trattato, vol. I, pgina 81; BAUMGARTEN, Der Zufbau der Verbrechenslehre, 1913,pg. 32; ZNOBINI, Sui apporti fra il diritto amministrativo e il diritto penale, in Studi Senesi, 1922, pg.196; VASSALI, La potest punitiva, 1942; ANTOLISEI, Manuale, pg. 37; CARNELUTTI, Il danno e ilreato, pgs. 98 e segs.; MAGGIORE, Principi, vol. II, pg. 353; SABATINI, Istituzioni, vol. I, pg. 163;DELITALA, Il fatto, pg. 216, e FERRI, Principios de derecho criminal, trad. Madri, 1933, pg. 113,afirmando que o direito de punir concepo grotesca e que se ele existisse, o Estado apareceria como parte ejuiz ao mesmo tempo. Entre ns, no mesmo sentido, ANIBAL BRUNO, Direito Penal, 1956, vol. I, pgs. 32 esegs.
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faculdade, mas tambm, um dever ou obrigao de punir66, e que, consequentemente,
na relao jurdica que surge com a norma penal, obrigao jurdica de respeitar opreceito contrape-se um simples interesse protegido, no havendo tambm, por parte
do ru, obrigao de submeter-se pena67.
Ao centro desta disputa situa-se o conceito altamente debatido de direito
subjetivo, que no pertence ao direito privado (onde, porm, foi objeto de cuidadosa
elaborao), mas teoria geral do direito. Refoge aos nossos fins a anlise deste difcil
conceito, bastando-nos fixar o seu sentido fundamental, para examin-lo em face da
norma penal68. Em sua essncia o direito subjetivo poder de exigir a realizao da
66 Vrios autores negam que possam coexistir direito subjetivo e obrigao jurdica. Cf. HIRSCHBERG, DieSchutzobjekte, pg. 53; PETROCELLI, Principi, pg. 210: Dal riconoscere che nel diritto di punire saiincluso anche um dovere deriva Iesciudere in toto gli elementi che sono propri del diritto soggettivo.Estes elementos seriam trs: interesse juridicamente protegido; poder da vontade para o desenvolvimento e atutela desse interesse; autonomia de tal poder, isto , livre disponibilidade do bem e da tutela. Este parece sertambm o entendimento de THON, Norma giuridica e diritto soggettivo, trad., 1951, pg. 133. Cf., ainda,CARNELUTTI, Lezioni di diritto processuale, vol. I, pg. 102, e Il danno e il reato, 1926, pg. 101.ANTOLISEI, Manuale, pg. 37, no considera esta objeo decisiva, pois entende no ser absoluta ainconciliabilidade de direito subjetivo e deber, especialmente no campo do direito pblico. A doutrina dominante,realmente, reconhece que ao direito subjetivo essencial o poder de exigir, no a liberdade. Cf. GRISPIGNI,
Diritto Penale Italiano, vol. I, pg. 282, nota; VANNI, Filosofia del derecho, trad., 1941, pgina 112;BATTAGLINI, Diritto Penale, pgina 536; FLORIAN, Parte Generale, pg. 10; JOS FREDERICOMARQUES, Curso, vol. I, pg. 119.67 PETROCELLI, Principi, pgs. 208-211; MANZINI, Trattato, vol. I, pg. 81.68 A expresso direito subjetivo tem sentidos e aspectos diferentes, sendo este, de certa forma, um conceitopolidrico. A noo tradicional, que remonta ao direito romano, a de que ele consiste numa facultas agendi,concepo de que surgiu a teoria da vontade, que o define como puro poder ou possibilidade jurdica de querer(HEGEL, WINDSCHEID). A est teoria objetou-se que a existncia do direito independe da vontade e podeocorrer, inclusive, contra ela (direitos irrenunciveis), objeo a que SINDSCHEID respondeu: A vontadeimperante no direito subjetivo apenas a vontade da ordem jurdica, no a do titular. Uma outra teoria, chamadado interesse (IHERING), define o direito subjetivo com um interesse juridicamente protegido. Cedendo scrticas formuladas contra esta concepo, o prprio IHERING a modificou, para expressar que o direitosubjetivo exige uma faculdade ou pretenso referida a um determinado interesse tutelado. Surgiu, assim, uma
teoria que combina a vontade e o interesse, noes que se completam, j que a vontade sempre se exerce nosentido de um esco, ou seja, da realizao de um interesse. Este, por outro lado, envolve sempre um momentosubjetivo ou psicolgico. Esta teoria mista largamente difundida. Vamos encontr-la em JELLINEK, System,pg. 44: Direito subjetivo o bem ou interesse protegido pelo reconhecimento do poder volitivo humano (dasdurch Anerkennung menchlicher Willensmacht geschuetzte Guto der Interesse); em VANNI, Filosofiadel derecho, pg. 111: Direito em sentido subjetivo a faculdade dos indivduos ou dos entes coletivos, deobrar conforme norma que garante seus fins e interesses, e de exigir dos demais o que devido por razo damesma norma; em ROCCO, Loggetto del reato, pg. 568: Facolt o il potere, dato da uma normagiuridica ad um soggetto, individualmente determinato, di volere o dia gire per la soddisfazione di um suointeresse e di imporre la sua volont all volont di uno o di pi altri soggetti ; em ENNECERUS, Lehrbuchds buergerlichen Rechts, 1952, vol. I, 72: O direito subjetivo , conceitualmente, o poder outorgado pelaordem jurdica ao indivduo, de conformidade com seus fins, como meio para satisfao de interesses humanos.DEL VECCHIO, Lezioni di filosofia del diritto, 1946, pg. 257, todavia, ope-se introduo do elementointeresse na definio de direito subjetivo, pois existem interesses tutelados pela lei aos quais nocorrespondem direitos subjetivos. Interesse o objeto da vontade. Todavia, como o objeto da vontade no avontade, assim tambm o interesse no o direito. Direito subjetivo la facolt di volere e di pretendereattribuita a um soggetto, cui corrisponde umobbligazione da parte daltrui, THON, Norma giuridica ediritto soggettivo, pg. 207, alis, criticando a IHERING, observava que o direito no um interesse protegido,mas, precisamente, o meio de proteo de um interesse. Esta era, tambm, a concepo de BINDING.Ultimamente, por influncia da obra de KELSEN (Hauptprobleme der Staatsrechtslehre), tem-se difundidouma concepo de maior rigor cientfico, segundo a qual devem ser desprezados os elementos estranhos estrutura normativa. Seguindo neste passo a THON, KELSEN, Teoria general del derecho y del Estado, pg.82, ensina que definir o direito subjetivo como interesse protegido e como vontade reconhecida pela lei,
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disposio contida na norma e a capacidade de determinar um comportamento nos
sujeitos por ela obrigados. Neste segundo momento, aparece com elemento bsico apretenso ao ou omisso alheia, que se funda na relao, que surge com a
bilateralidade da norma jurdica. pretenso corresponde sempre uma obrigao
jurdica, pois da norma surge sempre uma relao entre duas ou mais pessoas: poder e
dever so os termos necessariamente correlativos desta relao. O dever jurdico
exigvel e implica logicamente na existncia de um poder que o possa exigir. No h
dvida, pois, de que com a norma penal surge tambm uma relao jurdica, e,
consequentemente, direito subjetivo e obrigao ou dever jurdico.
Como observa ROCCO, em sua origem e em parte de seu desenvolvimento
histrico, o direito de punir se apresenta mais como um assenhoramento de fato do que
como um poder de direito: a submisso ao Estado da pessoa do ru era completa,
chegando at ao aniquilamento de sua personalidade. A impossibilidade de um direito
de punir como direito absoluto do Estado sobre a pessoa do ru, surgiu com a
afirmao no direito positivo da dignidade da pessoa e da qualidade de sujeito jurdico
de todo homem como tal. Assim sendo, aquele poder poltico penal (Strafgewalt),
originariamente absoluto e ilimitado, sendo juridicamente regulado, limitado edisciplinado, converte-se em poder jurdico, ou seja, em faculdade ou possibilidade
jurdica de querer e de agir para realizao de um fim69. O direito de punir aparece,
assim, como uma limitao jurdica ao poder punitivo do Estado70, pois no Estado
moderno, o exerccio da soberania est subordinado ao direito. Eis porque a norma
penal igualmente estabelece a limitao do direito subjetivo de liberdade do cidado,
que somente pode ser punido nos casos expressamente previstos.
A mais acabada sistematizao das relaes jurdicas que surgem com a normapenal e sua transgresso, a realizada por GRISPIGNI71, que considerou vrios
momentos: a) anterior existncia da norma penal; b) posterior existncia da norma
penal e antes que seja o crime praticado; c) posterior ao cometimento do crime; d)
verificao jurisdicional penal; e) execuo da pena. No primeiro momento (anterior
igualmente incorreto. Tem-se direito ainda quando se no o queira exercitar e ainda quando no se reconhea ointeresse a que ele se refere. O direito subjetivo consiste no em interesse presumido, mas na proteo jurdica,constituindo-se, assim, pela mesma norma jurdica, em relao ao indivduo que deve expressar sua vontade, parao efeito de que a sano seja executada. mesma concluso chega, por outros caminhos, RECASNS SICHES,Vida humana, sociedad y derecho, 1952, pg. 227, concebendo o direito subjetivo como uma referncia danorma a determinadas situaes pessoais, que se traduzem na possibilidade de fazer valer coativamente o deverjurdico.69 ROCCO, Sul concetto, pgs. 132, 137 e 138.70 LISZT-SCHMIDT, Lehrbuch, pg. 1: Das Staatliche Recht zu strafen (ist) die rechtliche begrenzteStrafgewalt des Staates.71 GRISPIGNI, Diritto Penale Italiano, pginas 275 e segs. O assunto foi tambm objeto de estudo especial porparte de MORO, La subiettivizzazione della norma penale, 1942, e SCARANO, Il rapporti di diritto penale,1942.
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existncia da norma penal), no h direito subjetivo de punir, pois, como j vimos, o
poder de estabelecer a norma puramente um atributo da soberania ou do imperium.No segundo momento (posterior existncia da norma e anterior prtica do crime),
surge uma relao jurdica, com a obrigao para os sditos de observarem
determinada conduta, constituindo dever jurdico de absteno do crime, que de
natureza pblica e no passa de uma forma geral do dever de obedincia aos preceitos
jurdicos. A tal dever corresponde para o Estado a faculdade de exigir a absteno do
crime. No terceiro momento (posterior prtica do crime), a relao que surge
regulada pelo preceito secundrio (sano), ou seja, o direito pblico subjetivo do
Estado, de punir, que consiste na faculdade de infligir a pena ao autor do fato e deexigir deste que se submeta diminuio de bens jurdicos determinada pelos rgos
da jurisdio, nos limites fixados pelo direito objetivo. A obrigao do ru consiste
num aliquid pati, ou seja, na tolerncia das conseqncias do crime, com o dever de
abster-se de resistncia. O direito que aqui surge transformao do direito omisso
do crime; no direito absoluto (erga omnes), existindo apenas em relao aos
violadores da norma penal. No quarto momento (verificao jurisdicional), surge uma
relao processual penal, em que o direito de ao independente do direito subjetivo
de punir. Finalmente, aps a condenao, no momento de execuo da pena, a relaoque se estabelece fundada na norma e na sentena, que estabelece a extenso e
condies de aplicao da pena72.
Em concluso, pode afirmar-se que o crime sempre ofensa ao direito subjetivo
que surge com o estabelecimento da norma penal, direito que pode ser considerado
objeto formal do delito.
12. BINDING afirmava que o crime constitui sempre ofensa a um direitogeral de supremacia ou de obedincia (Notmaessigkeitsrecht), que, juntamente com os
direitos subjetivos individuais, integra a categoria de direitos subjetivos73. Tal direito
seria de contedo indeterminado, surgindo normas de direito pblico. ROCCO, porm,
bem demonstrou que somente possvel conceber um direito de supremacia especial,
ou seja, um particular direito obedincia que se funda nas normas penais (comandos e
72 A elaborao de GRISPIGNI, em seus pontos fundamentais, acolhida por PANNAIN, Manuale, pg. 32;SANTORO, Diritto Penale, pg. 33; BETTIOL, Diritto Penale, pg. 139; RANIERI, Diritto Penale, 1945,pg. 25, e pelo nosso JOS FREDERICO MARQUES, Curso de Direito Penal, 1954, voll. I, pg. 116. Em suaIntroduzione alla Sociologia Criminale, 1928, pg. 172, porm, GRISPIGNI entendia que no exatocaracterizar o crime como violao do direito do Estado omisso do fato delituoso.73 BINDING, Die Normen, vol. I, pg. 96, Cf. KAUFMANN, Lebendiges und Totes, pginas 268 e segs.
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proibies), tendo por contedo o direito a determinada ao ou omisso que o direito
penal probe ou impe74. Um direito genrico de obedincia, sem contedo, no existe.
13. Importa, ainda, verificar se o crime constitui tambm, em todos os casos,
ofensa a outro direito subjetivo, corresponde violao concomitante de um direito
extrapenal, como afirmam os partidrios do carter sancionatrio do direito penal.
A indagao em torno ao carter sancionatrio ou autnomo e constitutivo do
direito penal divide a doutrina. Trata-se de saber se os preceitos do direito penal so
prprios do direito punitivo e estabelecidos pelas normas penais, ou se j se encontramem outros ramos do direito, sendo funo do direito penal reforar, com as prprias
sanes e preceitos, as sanes que j se contm em outras disposies da ordem
jurdica.
Nem sempre os partidrios do direito penal sancionatrio se servem dos mesmos
argumentos. Uma concepo antiga (HOBBES, PUFFENDORF, ROUSSEAU,
BENTHAM) entendia que o direito penal se distingue dos outros ramos do direito pela
natureza de sua sano e que seus preceitos pertencem ao direito privado ou ao direitopblico extrapenal, de sorte que o direito penal os incorpora com uma funo
puramente sancionatria.
BINDING, fundado em sua famosa teoria das normas, afirmava tambm, por
outras razes, o carter sancionatrio do direito penal. Como se sabe, a teoria das
normas parte da distino conceitual entre norma e lei penal: a norma cria o ilcito; a
lei, o crime (die Norm schafft die rechtswidrige, das Strafgesetz die verbrerische
Handlung). A conduta delituosa viola a norma, mas no a lei penal, cuja prescriorealiza (em relao ao homicdio, a norma dispe: no matar; a lei penal, o que
matar, ser punido). As normas so normas jurdicas, mas no pertencem ao direito
penal, correspondendo quase todas a outros ramos do direito, embora sejam sempre de
direito pblico75, constituindo um imperativo puro imotivado (ein reiner,
unmotivierter, insbesondere nich durch Strafandrohung motivierter Befehl). Contra a
teoria das normas objetou-se especialmente que a indeterminao da natureza destas
74 ROCCO, Loggett del reato, pg. 99; BETTIOL, Diritto Penale, pg. 140; GRISPIGNI, Introduzione,pg. 171, BATTAGLINI, Diritto Penale, pg. 140, entende que um direito do Estado obedincia, em si e porsi, inviolvel por falta de contedo.75 Cf. BINDING, Die Normen, vol. I, pginas 4 e segs. Admitindo o carter sancionatrio do direito penal,partindo da teoria das normas: LISZT-SCHMIDT, Lehrbuch, pg. 106 (no, porm, nas primeiras edies);MEYER-ALLFELD, Lehrbuch, pg. 72; KOHLER, Deutsches Strafrecht, 1917, pg. 94; FRANK,Kommentar, 1931, pg. 8. Veja-se ainda os autores citados por MEYER-ALLFELD (pg. 73, n 11) e FRANK,loc. Cit. Mais recentemente, no mesmo sentido, GRAF ZU DOHNA, Aufbau der Verbrechenslehre, 1950, pg.10.
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inconcebvel, pois elas se situam alm do campo do direito76, e, ademais, que a norma
jurdica uma s, estando implcita na descrio legal, que formulada de formapositiva apenas por questo de tcnica legislativa77. Por outro lado, KELSEN
demonstrou que o sistema de BINDING leva a crer que a sano no essencial
norma jurdica78.
Finalmente, uma ltima corrente, mais prestigiosa, inaugurada por GRISPIGNI,
afirma que todos os bens tutelados pelo direito penal j aparecem tutelados por outras
normas jurdicas, e que, assim, os preceitos penais pressupem preceitos no penais, de
que so apenas reforo. A precedncia, porm, no histrica, mas lgico-funcional (atutela penal, sendo mais grave logicamente posterior). Assim sendo, o direito penal
ulteriormente sancionatrio, o que no importa em negar sua autonomia79. Esta teoria
no teve qualquer repercusso na Alemanha, e ainda que fosse verdadeira, seria
manifesta sua inutilidade. Parte de um pressuposto hoje seriamente posto em dvida,
qual seja o de que o crime unicamente ofensa a um bem jurdico, e no conseguiu,
apesar das acrobacias dialticas de GRISPIGNI, responder ao argumento fundamental
de ROCCO: h fatos ilcitos que somente produzem conseqncias penais. Se se afirma
a independncia e autonomia dos preceitos penais, nenhum sentido e nenhumarelevncia tem a circunstncia de ocorrer concomitantemente a violao de um direito
extrapenal, pblico ou privado, com a realizao do fato delituoso. Nem preciso
recorrer a esta teoria para explicar a excluso da antijuridicidade da ao pelo exerccio
de um direito exclui a antijuridicidade da conduta porque no teria qualquer sentido
que a ordem jurdica de um lado permitisse e de outro proibisse determinada ao.
Neste ponto, como em muitos outros, h uma interpenetrao de disposies
pertencentes a diversos campos do direito, todas integrando a ordem jurdica, que
uma s e no dividida em compartimentos.
A teoria de GRISPIGNI encontrou vrios seguidores80 e no poucos
opositores81.
76 Cf. BINDER, Rechtsnorm und Rechtspflicht, 1912, pg. 37. A teoria das normas de cultura de MAX ERNSTMAYER (Rechtsnormen und Kulturnormen, 1903) constitui igualmente uma fundao meta-jurdica da norma.77 ROCCO, Loggetto del reato, pg. 74; idem, Sul considdetto carattere sanzionatoria de diritto penale, inGiurisprudenza Italiana, volume 56.78 KELSEN, Hauptprobleme der Staatsrechtslehre, 1911, pgs. 226 e segs. Para exposio e anlise das crticasmais importantes (KELSEN, BINDER, VON HIPPEL, RUDOLF LAUN), cf. ARMIN KAUFMANN,Lebendiges und Totes in Bindings Normentheorle, pgs. 41 e segs. Cf., ainda, ASA, Tratado, vol. II,pgina 268, e PETROCELLI, LAntigiuridicit, 1951, pg. 19.79 A GRISPIGNI se deve o ressurgimento da teoria do carter sancionatrio do direito penal, totalmenteabandonada aps a obra de ROCCO. Seu primeiro trabalho a respeito foi Il carattere sanzionatorio del dirittopenale, publicado na scuola Positiva, 1920. Veja-se tambm seu Corso di Diritto Penale, vol. I, pginas 26 esegs., e, especialmente, seu Diritto Penale Italiano, vol. I, pgs. 232 e segs., onde procura desenvolvercerradssima argumentao em favor de sua tese.80 CARNELUTTI, Il danno e il reato, pginas 57, 82 e 89; SANTORO, Fondamenti della esecuzione penale,pg. 35; FROSALI, Reato, danno e sanzioni, 1932, pgs. 160 e segs.; SOLER, Derecho Penal Argentino, vol.
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O direito penal somente tem carter sancionatrio quando, sem estabelecerpreceitos, fornece a sano a preceitos extrapenais. Mesmo nos casos em que o direito
penal tutela bens ou interesses que j so objeto de proteo jurdica atravs de outros
ramos do direito, as disposies penais, os conceitos e as caractersticas estabelecidas
pela norma penal so inteiramente independentes e formuladas segundo critrios
prprios. Bastaria isto para afirmar a inutilidade da teoria impugnada.
O crime no , pois, necessariamente, tambm, ilcito extrapenal e ofensa a
direito subjetivo pblico ou privado que deriva de norma extrapenal. Afirma-se, assim,o carter normativo, autnomo e constitutivo do direito que nossa disciplina estuda.
14. Cumpre rever o longo caminho percorrido e estabelecer concluses,
muitas das quais j deixamos antecipadas na exposio doutrinria que realizamos.
Como vimos, o estudo do objeto do crime diz respeito a vrias questes de irrecusvel
transcendncia para a dogmtica jurdico-penal, permitindo estabelecer as bases para a
construo sistemtica da teoria do delito, e, especialmente, proporcionando viso mais
perfeita e mais clara sobre o conceito substancial do fato punvel.
I Aceitamos a nomenclatura de ROCCO, afirmando que existe um objeto
formal do crime, constitudo pela ofensa sempre irrogada pela ao delituosa, ao direito
pblico subjetivo do Estado observncia do preceito penal. A existncia de direitos
pblicos subjetivos, posto que contestada, uma afirmao inegvel diante da
bilateralidade da norma jurdica. No h porque admitir a existncia de simples
interesses protegidos, em contraposio a obrigaes jurdicas, se a teoria geral do
direito nos fornece, com o direito subjetivo, os elementos para estabelecer, a disciplinacientfica dos direitos e deveres, das obrigaes e faculdades que surgem ou decorrem
do estabelecimento da norma penal. Nem h como, diante de uma obrigao ou de um
deverjurdico, negar a existncia de um correspondente direito ou pretenso, j que o
dever, sendo jurdico, necessariamente exigvel, pressupondo o poder e a faculdade de
exigi-lo.
Anteriormente ao surgimento da norma penal, no h falar em direito subjetivo
do Estado. Somente seria possvel cogitar aqui de direitos, recorrendo-se s teoriasnebulosas do direito natural: o poder do Estado de estabelecer a norma jurdica e a
I, pg. 44; JOS FREDERICO MARQUES, Curso, vol. I, pg. 14; MAGGIORE, Diritto Penale, pg. 28;ASA, La ley y el delito, 1945, pg. 19.81 Contra o carter sancionatrio do direito penal, alm de ROCCO, especialmente, PAOLI, Il diritto penale
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norma jurdico-penal puramente atributo do poder poltico de dominao, fundado na
soberania.
Com o aparecimento da norma agendi surge necessariamente a relao jurdica
que se estabelece entre o Estado e os destinatrios da norma, relao que tem como
contedo o direito subjetivo do Estado observncia dos preceitos penais, com o poder
ou a faculdade de exigir a absteno da prtica de aes delituosas. A tal direito
corresponde o dever de observncia do comando ou da proibio contido na norma.
Titular de tal direito sempre o Estado-Administrao.
obrigao de respeitar a norma sucede a obrigao de submeter-se s
conseqncias jurdicas de sua transgresso. Com a violao da norma penal, ou seja,
com a prtica do crime, ocorre uma transformao do direito que surge com a norma,
aparecendo a pretenso punitiva do Estado. O contedo desta relao jurdica
constitudo pelo direito subjetivo do Estado imposio da pena, com a correspondente
obrigao jurdica do ru, de a ela sujeitar-se (servitus poenae). O direito que aqui
surge , evidentemente, contra o violador da norma.
II Por que a norma penal impe um dever, o crime constitui sempre violao
desse dever imposto pela norma. Trata-se de uma decorrncia lgica da bilateralidade
da norma jurdica, que, por um lado, confere um direito; e, por outro, estabelece um
dever. Ainda aqui estamos diante de um aspecto formal, pois a conduta delituosa, se
possui um contedo material, somente pode realizar-se pela transgresso de um
comando ou de um imperativo, do qual surge o dever jurdico de obedincia. Este
aspecto sumamente importante em face da normatividade do direito, mas no o
nico objeto jurdico do crime, nem o de maior relevncia. Evidentemente, oestabelecimento ou a imposio de um dever jurdico, que surge com a norma penal,
no significa que tal dever seja um fim em si: a violao de um dever , por assim
dizer, o modo de ser da infrao penal, que somente adquire sentido como meio para
obteno de uma conduta socialmente til, vale dizer, com meio de tutela de um valor
social82.
III Objeto do crime aquilo que a ao delituosa atinge; o contedo
material ou realstico da norma penal. Para que se chegue a conhecer esta realidadeque a ao incriminada atinge, indispensvel, sem dvida, partir de um exame do
sentido da ordem jurdica em geral, e da ordem jurdico-penal em particular. Parece
inegvel que o legislador, ao ameaar com a imposio de pena certa conduta, ou seja,
82 Analogamente, HOLD VON FERNECK, Die Rechtswidrigkeit, 1903, pg. 75.
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ao estabelecer uma proibio ou um comando, visa determinar nos destinatrios da
norma um comportamento oposto quele que incrimina. Como j se disse, com grandepropriedade, o preceito jurdico no visa pr prova a obedincia dos sditos, mas,
evitar o que proibido ou conseguir o que imposto83. A norma jurdica apenas meio
para determinado fim, que, a juzo do legislador, constitui um bem ou interesse da
coletividade. Se determinada ao ou omisso punvel, porque corresponde a um
desvalor da vida social, constituindo um fato que lesa ou expe a perigo interesses
importantes da vida coletiva, cuja tutela supe-se exigir a ameaa da pena criminal.
importante, porm, observar, desde logo, que o momento fundamental do crime sua
antijuridicidade, isto , sua violao ou contrariedade ao direito. O crime , emprimeiro lugar, o contraste entre determinada conduta e as exigncias do direito. Da
poder afirmar-se que a efetiva causao de dano ou perigo no caracterstica lgica
necessria do conceito de crime84, desde que possvel conceber a incriminao de um
fato que nenhum dano ou perigo efetivo acarreta ao objeto da tutela jurdica. Impe-se,
assim, este esclarecimento preliminar indispensvel: o desvalor da ao punvel
aquele que o legislador reconhece como tal, no se excluindo que possa haver erro
nesse juzo de valor realizado por quem estabelece a norma.
Qual o contedo desse desvalor? Em sua essncia, a conduta incriminada
ofensa a um bem jurdico suposto pelo legislador. O bem jurdico no apenas um
esquema conceitual, visando proporcionar uma soluo tcnica de nossa questo: o
bem humano ou da vida social que se procura preservar, cuja natureza e qualidade
depende, sem dvida, do sentido que a norma tem ou que a ela atribudo,
constituindo, em qualquer caso, uma realidade contemplada pelo direito. Bem jurdico
um bem protegido pelo direito: , portanto, um valor da vida humana que o direito
reconhece, e a cuja preservao disposta a norma jurdica. No possvel afirmar apriori que o bem jurdico sempre um estado ou uma condio, e muito menos a
identidade substancial do objeto de proteo: este ser, conforme seja a norma,
realmente, um estado (como a integridade corporal), mas pode tambm ser um sentido
(como a honra ou o respeito aos mortos), um direito subjetivo (como a propriedade),
enfim, um bem corpreo ou incorpreo. S possvel afirmar que o bem jurdico
sempre um estado, se se admite constituir o bem o estado de integridade ou
tranqilidade em que se acha a realidade que o crime ofende, como seja, a honra, a paz
pblica, o patrimnio, a f pblica, etc. estado que se refere a um sentimento, condio de um objeto, ao imperturbvel exerccio de um direito, etc. Nesse sentido,
no h objeo teoria do bem jurdico como estado.
83 THON, Norma giuridica e diritto soggettivo, 1951, pg. 13; ROCCO, Loggetto del reato, pg. 238.84 HIRSCHBERG, Die Schutzobjekte, pgina 4.
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Certos conceitos, como o de f pblica, moral pblica, sade pblica e outros,relativos a crimes contra a coletividade, so necessariamente menos precisos, porque
correspondem a bens ou valores abstratos ou ideativos, representando um sentimento,
um estado ou interesse coletivo. Nem por isso, todavia, deixam de referir-se a concreta
realidade social. Bem no o interesse protegido. Objeto da tutela o bem, no o
interesse, mas nada impede que a este se refira o intrprete, pois se trata, to-somente,
de um aspecto subjetivo ou de um juzo de valor sobre o bem como tal. Inaceitvel o
conceito objetivo de interesse, pois este denota sempre uma atitude mental85. No
possvel afirmar que existe um interesse, sem um juzo ou uma opinio sobre acapacidade ou idoneidade do bem para satisfazer uma necessidade.
O bem jurdico no se confunde com o escopo da norma. Fim e objeto so
categorias logicamente distintas, embora no haja escopo sem objeto. O fim da norma
a tutela de um valor social, que no se compe exclusivamente de um bem jurdico: o
desvalor da conduta delituosa no dado apenas pela ofensa a um bem jurdico.
Quando mais no fosse, bastaria isto para excluir que escopo da norma e bem jurdico
possam ser a mesma coisa. O escopo da norma, porm, o mais valioso elemento paraidentificao do bem jurdico, pois a este somente possvel chegar atravs da
interpretao da norma. E nesta o escopo de capital importncia (mtodo
teleolgico). Servir, assim, ao intrprete, a constatao do fim visado pelo legislador
ou da motivao da norma, sua classificao no sistema legal a que pertence,
considerando-se os ttulos, captulos ou sees, bem como as rubricas laterais, embora
a colocao na lei no seja decisiva86, e tambm a natureza do evento resultante da
conduta incriminada. na base do bem jurdico tutelado que se faz a classificao dos
crimes na parte especial do Cdigo, sendo sua identificao de grande valor prtico naaplicao da lei penal.
IV A ofensa a um bem jurdico no esgota o contedo do desvalor existente
na conduta delituosa. Punvel no a violao do bem jurdico como tal, mas
determinada ao ou omisso que a lei penal incrimina. E se tal conduta causa um
resultado de dano ou perigo a um bem jurdico, certo que o desvalor da conduta, que
o legislador considera ao efetuar a incriminao do fato, relaciona-se com vrios outros
fatores de grande relevncia, e por vezes mais importantes do que a simples causaodo evento. Baste considerar que geralmente no se pune toda e qualquer ofensa ao bem
jurdico, mas somente aquela que praticada de certa forma, ou por certos meios, ou
85 E. F. CAMUNS, Filosofia Jurdica, 1948, pg. 269.86 BINDING, Lehrbuch, vol. I, pg. 5; HIRSCHBERG, Die Schutzobjekte, pg. 78.
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por certas pessoas (crimes prprios), e, em qualquer caso, havendo um determinado
contedo psicolgico na ao (culpabilidade). H grande diferena entre as penascominadas ao homicdio doloso e ao homicdio culposo, o que significa que a ofensa ao
mesmo bem jurdico tem, num e noutro caso, um desvalor social diverso, que se
relaciona com a valorao da conduta e no do resultado. O no pagamento de uma
dvida de um milho de cruzeiros constitui ofensa ao patrimnio incomparavelmente
mais grave do que a subtrao furtiva de poucos cruzeiros. No obstante a leso
muitssimo maior, do bem jurdico, com o primeiro fato, somente o segundo punvel.
claro que o dano ou o perigo para os interesses da vida coletiva so maiores com a
subtrao, mas este perigo ou este dano advm da modalidade do fato e no doresultado de dano ao patrimnio. H crimes em que o legisladorpresume o resultado de
perigo (crimes de perigo abstrato), os quais constituem fatos em que a referncia ao
bem jurdico puramente nominal, sendo este simples motivo ou critrio para
afirmao do desvalor da conduta, que em si mesma no , ou pode no ser, ofensa ao
bem tutelado. Em tais casos, o contedo material da infrao passa a um plano
secundrio, surgindo de forma preponderante a violao do dever jurdico. No
possvel dividir os fatos punveis em duas categorias destacadas, conforme prepondere
a ofensa ao bem jurdico ou o desvalor da ao, como violao de um dever, pelasdificuldades que este critrio de classificao apresenta. Trata-se de aspectos que na
maioria dos casos se completam e se conjugam para um s efeito.
Surge, assim, o crime, como realizao de um desvalor social, que o direito
penal procura evitar cominando a sano criminal para a violao da norma, visando,
pois, por parte dos destinatrios da mesma, uma conduta que se ajuste aos princpios
ticos dominantes e seja socialmente valiosa. Tal desvalor expressa-se com a ofensa a
um bem jurdico, por um lado, tendo-se em vista o dano ou perigo que o crime causa aum bem particular da vida humana ou da coletividade, e, por outro, com a valorao da
conduta em si, ou seja, com a afirmao do desvalor da ao atravs da imposio de
um dever jurdico que o fato punvel viola.
(*) Publicado na Revista Forense, e, posteriormente, como captulo do livro Direito
Penal e Direitos Humanos, ed. Forense, 1977.