Obras de São João Da Cruz Vol. I

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Transcript of Obras de São João Da Cruz Vol. I

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  • OBRAS'DE&OJOODA cR~Z:Vot..~t

  • OBRASDE SO JOO DA CRUZ

    TRADUZIDAS PELAS CARMELI-TAS DESCALAS DO CONVEN-TO DE SANTA TERESA DO RIO

    DE JANEIRO.

    PREFCIO E INTRODUES DO PADREMAURLIO T. L. PENIDO

    A SUBIDA DO MONTE CARMELO, NOITE ESCURA,CAUTELAS.

    EDITRA VOZES LIMITADAPETROPOLIS, RJ

    A SUBIDA DO MONTE CARMELO,NOITE ESCURA,

    CAUTELAS

    1960EDITRA VOZES LIMITADA

    PETRPOLIS RJ

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    {,', Esperando que a traduo das Obras de So Joo da>~~'.>Oruzv fazer grande bem s almas; no Carmelo e no mundo,..,rfip.e desejam nutrir-se com to santa doutrina e aprender.ftqm to profundo conhecedor o caminho estreito que con-...;'r',uz Vida, muito louvamos e de corao abenoamos o'.empreendimento de nossas Carmelitas Descalas do Conven-.to de Santa Teresa.

    Rio de Janeiro, 10 de junho de 1959

    t JAIME CARDEAL CMARAArcebispo do Rio de Janeiro

  • Casa Generalcia dosCarmelitas Descalos.

    Revma. Madre Priora das Carmelitas Descalasdo Convento de Santa Teresa do Rio de Janeiro.

    . No pos~o deixar de celebrar e abenoar vossa inicia-tIva de publIcar as Obras de N. P. S. Joo da Cruz naformosa lngua portugusa. O Santo ver com bons olhosste emp!,"eendimento,- le que estve em Portugal, ondetantas vezes foram traduzidos seus escritos.

    SO,oua hora de N. S. Padre: poetas, literatos, psiclo-gos, teologos, etc., dles fazem objeto preferido de seus estudos.

    O Esprito de Deus passou pelas Obras do Santo, ador-nando-as de beleza e de formosura.

    Seus livros so manual e escola de perfeio. SingularMestre de esprito foi em vida; aps a morte continua omesmo magistrio atravs de seus tratados espirituais.

    Com esta publicao contribuem VV. RR. para difundire dar a conhecer as imensas riquezas que Deus encerrouna alma e na pena do Santo. .

    Desejo e espero a mais ampla difuso destas Obras quese tornaro precioso instrumento de apostolado.

    FREI ANASTSIO DO SS. ROSRIOPrep6sito Geral.

    A vida. Joo da Cruz nasceu em 1542 na Vila de Fon-tiveros entre Salamanca. e vila. Seu pai, Gonzalo de Yepes,era fidalgo; sua me, Catalina Alvarez, bela e santa, exerciao ofcio de tecel.

    rfo quase ao nascer, Joo teve a infncia e adoles-cncia assombradas pelo espectro .da fome. Em Medina deICampo, onde trabalhava como enfermeiro num hospital, cur-sou humanidades no colgio dos jesutas. Sentindo-se cha-mado vida contemplativa, entrou em 1563 no Convento dosCarmelitas, onde recebeu o nome de Frei Joo de S. Matias.

    Professo, foi mandado a Salamanca, onde cursou filosofia etoologia. Ao passo que aproveitava, e muito, nos estudos,progredia ainda mais no caminho da santidade. Tanto assimque, no julgando a vida da sua Ordem bastante obser-vante e solitria, pensou entrar na Cartuxa.

    Providencial encontro com S. Teresa de Jesus embar-gou-Iheos planos e decidiu de seu futuro: retornado a Medina,para cantar missa nova, Joo entrevistou-se ali com a Fun-dadora, ento preocupada de estender aos frades carmelitasa Reforma, j felizmente estabelecida entre as monjas.

    Frei Joo empenhou-se: seria o primeiro carmelita des-calo. Abre-se o convento no msero arraial de Duruelo, a 28de novembro de 1568. Mudando o nome para Frei Joo daCruz, o Santo inaugura ento as atividades que lhe encheroa existncia: fundador e prior de conventos, mestre denovios, professor, confessor de monjas, superior da primeiraprovncia descala, e, sobretudo, pai espiritual da Reforma.

    Nenhum acontecimento exterior fora do comum vem sa-lientar uma existncia to recolhida, a no ser os nove mesesde duro cativeiro - 1577-1578 - no Convento dos fradesmitigados, em Toledo.

    1 Resumimos aqui, em duas palavras, o que explanamos, commaior detena, em O Itinerrio Mstico, de S. Joo da Cruz - EditaraVozes, 2" edio (1954).

  • Foi alvo, em 1591, de nova perseguio, movida destafeita por seus irmos de hbito: privado dos cargos queexercia, exiladona Andaluzia, ia ser desterrado para o Mxico.

    Mas j Deus o chamava a si. Aps 3 meses de atrozessofrimentos, foi cantar Matinas no Cu, meia-noite de14 de dezembro de 1591.

    .Canonizado por Bento XIII em 1726, recebeu de PioXI as honras de Doutor da Igreja, em 24 de agsto de 1926 .

    A$ obras. Se a vida exterior de Joo da Cruz no apre-senta lances que empolguem a imaginao, a trajetria toalta e luminosa de sua alma, em compensao, fascina o~logo, o telogo e ainda mais o espiritual. E' que'o SantoDotl d,eixou umas poucas obras que traduzem a mais altaex~rincia mstica, ao mesmo passo que ensinam, de ~ ..neifa concreta e prtica, em que ela consiste, quais asSQ~bases, as iluses e perigos que esto a amea-Ia, como.11PSPJ:'eparar e dispor para receber to subida graa. >. Se os escritos msticos abundam, por felicidade, na Santa'

    Igreja, nenhum dles sobrepuja os de Joo da Cruz pela~arezaCOnlpatvelcom o assunto, a frrea lgica de argumeil~o,a profundidade da anlise, a capacidade de convencer'e ar-rastar ainda os mais indolentes. No sem madura PQndl;!ra-o, Pio XI, ao decret-Io Doutor da Igreja, apontoq aSobras do mstico espanhol como cdigo e escola .da 'a.lmafiel que deseja empreender vida mais perfeita. Oexemplde S. Teresinha de Lisieux a est a comprovar o acrtodas palavras pontifcias. E sabemos com que fervor e fJ;'e-.qncia o extraordinrio Charles de Foucauld manuseavaas obras do Doutor mstico.

    Fora as poesias, alguns breves opsculos e um punha~de cartas, os escritos de Joo da Cruz se reduzem a 4': Subida do Monte Carmelo, a Noite Escura, o Cntico Espirit'tJHJ,e a Chama Viva de Amor. Todos os quatro revestem a for':'ma de comentrios a belssimas canes, compostas pelo'Santo em abundncia e luz de amor divino. Os smbolosda poesia se lhe afiguravam mais aptos a traduzir to ina...fvel experincia. Mas os discpulos pediam que lhes ensi.i.nasse o caminho, e o Mstre, bondosamente, encerrava emconceitos - quanto possvel - o que a sua alma vivera.Sumo poeta, Joo da Cruz se exprime em prosa com certoembarao e prolixidade. Em compensao, o rigor da de-monstrao, o mtodo progressivo, a fra de persuaso que

    deixa lugar para escapatrias, suprem abundantemen-as imperfeies do estilo.As duas primeiras obras descrevem a preparao

    . Vida mstica, sendo que a Subida trata do esfro pessoal:da alma (purificao ativa) e a Noite, da obra de Deus nela>(purificao passiva). O Cntico e a Chama descrevemrespec-tivamente as etapas e o consumar-se da sublime experincia.

  • Nihil obstatRio, 12-11-1954Frei Geraldo de Santa TeresinhaCarmelita DescaloCensQr Deputatus.

    Rio, 13 de novembro de 1964Pode imprimir-seMons. Carusopro Vigrio Geral

    A Subida do Monte Carmelo. A vida mstica, qual JooCruz nos convida'.a nos dispormos, le a concebe como

    ;unio de amor com Deus. A perfeio desta vida ser a".~nio transformante, na qual a vontade da alma se acha:tr.(l,nsformada, pelo amor, na vontade de Deus: duas von-.tades num s e mesmo amor. Graa muito alta e rara. Masos primeiros graus da unio de amor so mais encontradiosentre os espirituais. Embora les tambm sejam dons gra-tuitos de Deus, podemos e devemos nos dispor a receb-los~ fr conforme ao divino beneplcito. Deus no pe sua, graa na alma seno na medida da vontade e do amor dela.Por, cons.eguinte, desejando a alma que Deus se d todo aela; deve entregar-se tda a le. Sem dvida, Deus quevem a ns; todam, devemos nos pr a caminho, procur-to, remover os obstculos.

    A Subida ensina, de modo concreto, essa entrega e ocarter total que deve revestir. A obra enfeixa, pois, osprincpios ascticos de S. Joo da Cruz. Asce.tismo impla-cvel. No admite complacncia ou meia-medida. Exige arenncia absoluta. No por calnia foi Jodo da Cruz alcunhadoo Doutor do Nada, e ficou clebre, entre os espirituais, estasua frase : Nada, nada, nada, at deixar a prpria pele eo resto, por Cristo.

    ~rro palmar, entretanto, seria considerar tal ascetismocomo aniquilamento do Eu: cegar os olhos, ensurdecer osouvidos, embotar os demais sentidos, paralisar a intelign-cia, reduzindo-se assim a um estado de misria psicolgicabeiraMo o embrutecimento.

    Joo da Cruz , antes de tudo, Doutor do Amor, e o seunegativismo apenas o avsso de um processo eminentemen-te positivo: concentrar .tda a energia psquica em Deus, de-maneira que em tudo e por tudo a alma v a Deus semse prender criatura, passando apenas por ela. Ora, paraisso indispensvel desapegar a vonfxu1edo amor ao criado,

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    pois na medida em que o corao se prende criatura lese afasta de Deus. Eis o sentido e a finalidade da negao:pelo nada chegar ao Tudo.

    Trata-se, pois, no j de destruio psicolgica senode desapropriao moral. E tanto mais profundo o despren-dimento quanto maior o grau de amor divino a ser atingido.Renncia libertao para o Amor, que tudo nos pede por-que tudo nos d.

    Joo da Cruz no escreve para almas frouxas, nemmesmo para comeantes de boa' vontade, mas para almasj provadas na virtude e decididas a ir a Deus com tda aalegria e tda a energia de sua vontade. Ser santas custeo que custar; amar com todo o fervor e a seriedade queexige um profundo amor. Entregar-se totalmente a Deus, semconservar apgo a qualquer fraqueza ntima que jamais sequer vencer.

    Joo da Cruz ensina como unificar as tendncias dis-pe1'sas e as fras divididas, para tudo concentrar num sobjeto: Deus. jgle no nos leva a nos desumanizarmos, se-no a nos transfigurarmos, para nos divinizarmos. No pros-creve o uso dos sentidos, da imaginao, da memria, dainteligncia, mas o apgo a essas atividades. Exerc-las sim,mas no viver para elas. Pelo contrrio, andar sempre se-quiosos de Deus. .

    To abrupto, rude e implacvel na formulao dos prin-cpios, o -santo sabia dos-los e temper-los na prtica, comperfeita discrio e senso das propores. jgle mesmo, longede ser um asceta frentico - corao empedernido, espritoapoucado - era o mais afetuoso dos filhos e irmos, o maisdedicado dos amigos, o mais paternal dos guias espirituais,o mais prudente dos prelados. Homem perfeito, porque ho-mem divino. A graa no dest1'i a natureza, sobreleva-a.

    A preparao asctica - ou, como le diz, a purifi-cao ativa - vida mstica, Joo da Cruz concebe-a comoexercio constante, puro, herico at, das 3 virtudes teo-logais. Se queremos, com efeito, nos unir a Deus, o nicomeio de encontr-lo ser atravs da f, da esperana e dacaridade. Mais intensas essas virtudes, mais estreita a unio.Donde a diviso da Subida em trs livros, para ensinar-nos a trplice purificao. Despida a inteligncia, pela f,de pensamentos que no so pummente Deus, poder serelevada s coisas divinas; esvazu1a a memria, pela espe-

    mna, de lembranas terrenas, poder. ser enchida de divi-1tCIB notcias,' desprendida a vontade de qualquer apgo, pelatridade, poder ser livremente movida pelo divino amor.

    ....'. Joo da Cruz no aconselha apenas a depurao e pa-....(,ificao das atividades natumis - sensaes, imagens, lem-lwo,natt, reflexes, desejos, - mas ainda de tda a atividade

    ;,',eligiosa menos perfeita. No se cansa de pedir a renncia,,),i religio gozadora: devoo sensvel, apegos s graas/~;t;t~traordinrias (vises etc.). S assim viver o discpulo. pura f, espemna e caridade. Na Subida o Santo por-

    noriza, com frrea lgica, os meios prticos a empregaralma no seu esfro de desnudamento.O leit-motiv que corre atravs de to ardente dialtica

    sempre o mesmo: obter da alma que creia em vez dever, isto : que renuncie a substituir pela devoo sen-tlvel ou o apgo ao maravilhoso a adeso ao Deus invisvel,em pura f.

    Seja generosa, e Deus le mesmo h de perfazer a obrade preparao. Tomando a iniciativa, le far a alma che-gar aonde ela, por esfro prprio, jamais conseguiria aportar.Ser o tema da Noite Escura.

  • .. "as obras e splicas dessas almas so sempre eficazes.Tais foram as da glorWsssima Virgem Nos'8a Sen1uwaelevada desde o princpio a ste sublime estado; jamaisteve impressa na alma imagem de alguma criatura, nemse moveu por ela; mas sempre agiu sob a moo do EspftritoSanto".

    O' Virgem e Me, sublime Orante,modlo e mestra das almas de orao,

    amparai com a vossa Onipotncia suplicante estas Obrasde um dos vossos mais dedicados e perfeitos filhos,para que sirvam de guia aos contemplativos na ascenso

    do Monte Carmelo e na trvessia daNoite Escura, levando-os a cantar o

    sagrado Epitalmio e a abrasar-se nas Chamas Vivasdo divino amor.

    IlelltellfGB seguinte8 declaram o modo de 8ubir pela _lUla 80e diio fWiBo para MO 8eguir oa tlo~ Caminho8 deavia403.

    Modo para chegar ao TudoPara chegares ao que no sabes,Hs de ir por onde no sabes.Para chegares ao que no gozasHs de ir por onde no gozas. 'Para vires ao que no possuis,Hs de ir por onde no possuis.Para vires a ser o que no s,Hs de ir por onde no s.

    Modo de possuir tudoPara vires a saber tudo,

    r No queiras saber coisa alguma.Para vires a gozar tudo,No queiras gozar coisa alguma.Para vires a possuir tudo,No queiras possuir coisa alguma.Para vires a ser tudo,No queiras ser coisa alguma.

    Modo para no impedir o tudo

    Quando reparas em alguma coisaDeixas de arrojar-te ao tudo. 'Porque para vires de todo ao tudoHs de deixar de todo ao tudo. 'E quando vieres a tudo ter,Hs de t-Io sem nada querer.Porque se queres ter algo em tudo,No tens puro em Deus teu tesouro.

    Indcio de que se tem tudoNesta desnudez acha o espritosua quietao e descanso,porque, nada cobiando, nadao impele para cima e nadao oprime para baixo, porqueesta no centro de sua humildade'pois quando cobia alguma coisa 'nisto mesmo se fatiga.

  • Trata ste livr,o de como poder a alma dispor-se paraegar em breve divina unio. D avisos e doutrina, tanto", a os principiantes, como para os mais adiantados, muitoveitosa, para saberem desembaraar-se de tudo o que

    mporal e no serem prejudicados mesmo no que espiri-~u.al,ficando em suma desnudez e liberdade de esprito, comose requer para a unio divina.

    ',:/Lni

  • 2. Na escurido, segura,Pela secreta escada disfarada,Oh! ditosa ventura!Na escurido, velada,

    J minha casa estando sossegada.

    3. Em noite to ditosa,E num segrdo em que ningum me via,Nem eu olhava coisa,Sem outra luz nem guia

    Alm da que no corao me ardia.

    8. Esquecida, quedei-me,O rosto reclinando sbre o Amado,Cessou tudo e deixei-me,Largando meu cuidado

    Por entre as aucenas olvidado.

    1. Para explicar e fazer compreender a noite escuraqual passa a alma antes de chegar divina luz da per-unio do amo"rde Deus, na medida do possvel neste

    do, seria necessria outra maior luz de experincia ecincia do que a minha. As ditosas almas destinadas ar a ste estado de perfeio devem, de ordinrio, afron-

    , trevas to profundas, suportar sofrimentos fsicos e mo-to dolorosos, que a inteligncia humana incapaz depreend-Ios e a palavra de exprimi-Ios. Somente aqulepor isso passa saber senti-Io, sem todavia poder defini-Io.2. Para dizer, portanto, alguma coisa desta noite escura,me fiarei de experincia nem de cincia, porque uma

    {~putra podem falhar e enganar; todavia ajudar-me-ei de11/':.: ..::' ,r:~bas no que me puderem valer. Para tudo quanto com o, . '.vor divino hei de dizer, ao menos para as coisas de mais. cil compreenso apoiar-me-ei na Sagrada Escritura: to-

    ;J.Dando-apor guia, no h perigo de engano, pois nela falaYo Esprito Santo. E, se em algum ponto errar, pelo fatoi)de no entender bem o que com a mesma Escritura ou sem'(da disser, declaro no ser minha inteno apartar-me da'~ doutrina e sentido da Santa Madre Igreja Catlica. Sub-'weto-me e resigno-me inteiramente, no s sua autori-"dade, mas de todos os que oferecerem melhores razes'que as minhas.

    3. Se me decidoa ste trabalho, no por crer-me capaz.de tratar de assunto to rduo, mas confiando que o Senhorme ajudar a dizer alguma coisa, para proveito de grande'nmero de alnias muito necessitadas. Estas iniciam o cami-

    ,,000 da virtude e, no momento em que Nosso Senhor queriirintroduzi-Ias na noite escura, visando elev-Ias unio divi-"'na, detm-se, seja pelo receio de entrar e deixar-se intro-. duzir .nessa via, seja por no se entenderem a si mesmas,ou por lhes faltar guia esclarecido e hbil que as conduzaat o cume. Causa lstima ver muitas almas s quais Deusd talento e graas para irem adiante e, - se quisessem

    4. Essa luz me guiavaCom mais clareza que a do meio-dia,Aonde me esperavaQuem eu bem conhecia,

    Em stio onde ningum aparecia.

    5. Oh! noite que me guiaste,Oh! noite mais amvel que a alvorada;Oh! noite que juntasteAmado com amada,

    Amada j no Amado transformada!

    6. Em meu peito floridoQue inteiro s6 para :ele se guardava,Quedou-se adormecido...E eu, terna, O regalava,

    E dos cedros o leque O refrescava.

    7. Da ameia a brisa amena,Quando eu os seus cabelos afagava,com sua mo serenaEm meu colo soprava,

    E meus sentidos todos transportava.

  • ter nimo, - chegariam a sse alto estado de perfeio;e ficam paradas, sem progredir, no seu modo de tratar comDeus, no querendo ou no sabendo, por falta de orientao,desapegar-se daqueles princpios. E mesmo se Nosso Senhorlhes concede enfim a grande merc de se adiantarem semos meios adequados, chegam muito mais tarde, com maiortrabalho e menor merecimento, por no corresponderem aDeus nem se deixarem conduzir livremente por ~le no puroe certo caminho da unio. Porque, embora Deus que asleva possa certamente prescindir destas ajudas, contudo, coma resistncia que tais almas lhe opem, caminham menos eno merecem tanto, pois no entregam a vontade ao Se-rihor e encontram dste modo maiores sofrimentos. Ao invsde se abandonarem a Deus e secund-lo em seus propsitos,O entravam por sua resistncia ou ao indiscreta. Asseme-lham-se s criancinhas que, teimando em caminhar por simesmas, batem o p e choram quando suas mes procuramlev-Ias nos braos, e assim ou no adiantam ou' vo a pas-sos de criana.

    4. Ensinaremos aqui a alma a deixar-se conduzir peloEsprito de Deus, quando sua divina Majestade quiser faz-Ia chegar perfeio. Com a ajuda de sua graa, daremosaos que comeam, e aos que esto em via de progresso, dou-trina e avisos para entender a ao divina ou, ao menos,deixar-se guiar por ela. Existem confessores e diretoresespirituais faltos de luz e experincia nestes caminhos: longede ajudarem as almas, causam-lhes maior prejuzo. As-semelham-se aos obreiros da trre de BabeI: em lugar; detransportarem os materiais convenientes, levavam outros di-ferentes por causa da confuso de lnguas e assim no erapossvel construir coisa alguma. E' doloroso para a almano se compreender e no achar quem a -compreenda nes-tes tempos de provao. Pode acontecer que Deus a leve poraltssimo caminho de contemplao obscura e rida, no quallhe parea correr o risco de perder-se. Condenada dessaforma obscuridade, ao sofrimento, s tentaes e angs-tias de tda espcie, talvez encontre quem lhe fale na lin-guagem dos pretensos consoladores de Job: vosso estado resultado da melancolia, da desolao ou do temperamento,ou ainda conseqncia de alguma falta secreta em punioda qual Deus vos abandnou. Desde logo sses confessores

    crem no direito de julgar aquela alma gravementej que sofre tais castigos.

    5. 'Haver tambm quem lhe diga: est recuando no o da virtude, por no mais conhecer, como antes,

    ~',tos e conslono servio de Deus. Duplica~, dessa, fo~,!imartrio da pobre alma cujo maior sofrImento e precI-, ente o conhecimento de sua prpria misria: v maisto que a luz do dia, como est. cheia de pecados_e faltas.us assim lho revela nesta nOIte de contemplaao, como

    _iS tarde diremos. Se acha quem concorde ~om o seu modo.de pensar, afirmando ser seu estado o castigo de seus ~}~OS, a aflio e as angstias da a:lma.crescem desmedI-\~ente e soem chegar a uma. agoma pIOr que a mortE:.,Nem basta a tais confessores: como, a se~ ver, es~s afh-

  • I Icaminho.. Enfim, as almas no trilhar o caminhoda perfei--/ \o passam por diversas alternativas de alegria, de afli 'esperana e dor, nascendo umas de esprito' perfeito e o,'

    Deus, dizer alguma coisa sbre tudo isto, assim cada alma~.Poder conhecer o caminho que segue e o que deve seguir, ",se pretende alcanar o cume dste Monte. " '.

    8. Sendo esta doutrina a da noite escura pela qual a'.\alma h de ir a Deus, no se surpreenda o leitor por lhe .11.parecer algo obscura. Creio assim ser apenas no incio desta '~~leitura; em se adiantando, compreender melhor; nestes as-!','.untos, uma coisa explica a outra. E depois, se vier a reler;~r_ ,obra, achar mais luz e lhe parecer mais segura esta f

    (,',

    doutrina. Se, no entanto, algumas pessoas no se acharem 1'.,,satisfeitas, seria necessrio culpar o meu pouco saber e aimperfeio do meu estilo, pois o assunto em si mesmo boln, e muito til. Parece-me, contudo, que por mais cabale' perfeitamente se escrevesse, a bem poucos seria de pro-:veito; porque no se trata de matria muito moral 1 e sa-borosa, nem de consolaessensveis, como gostam muitosespirituais. Pretendo ensinar doutrina substancial e slidapara aqules que esto determinados a passar pelo despo-Jamento interior aqui exposto.

    9. No alis meu principal intento dirigir-me ato-tios, mas a algumas pessoas de Nossa Santa Ordem, dosPrimitivos do Monte Carmelo', tanto frades como monjas,que me pediram empreendesse esta obra; stes, aos quaisD~usconcedeua graa de pr no caminho dsseMonte, ~moj se acham desapegados das coisas do mundo, compreen-dero melhor a doutrina da desnudez do esprito.

    ,. E' evidente que o Santo toma aqui esta palavra em referncia. prtica das virtudes comuns; e quer dizer que a sua doutrina vaimais alm, na renncia de tudo. , Isto , dos Descalos Reformados da Regra primitiva.

    Que Noite escura; quanto necessrioatravess1a para alcanar a unio divina.Noite escura do sentido e do apetite.

    Danos resultantes alma.

  • Em uma noite escura,De amor em vivas nsias inflamada,

    Oh! ditosa ventura!Sa sem ser notada,

    J minha casa estando sossegada.

    Exposio da H cano. Trata das diferentesnoites por que passam os espirituais, segwn.dQas duas partes do homem, inferior e superior,

    ,e declara a cano seguinte:

    1. A alma, nesta primeira ca.no,canta a ditosa sorteVe:ntllraque teve em sair das coisas criadas e 'livrar-se dos

    4petites e imperfeies existentes na parte sensvel do ho-tnemem virtude do desregramento da razo. A exata com-,p~nso desta doutrina, porm, exige que se saiba no ser~ivel alma alcanar o estado de perfeio sem passar,O~d.inriamentepor duas espcies principais de noites, deno-,miIladaspelos mestres da vida espiritual vias purgativas oupurificaes da alma. Aqui as chamamos noites, porque,numa e noutra, a alma caminha s escuras como de noite.

    2. A primeira noite ou purificao se realiza na regio'sensitiva da alma: ser explicada nesta cano e na pri-meira parte dste livro. A segunda noite, que visa as facul-dades espirituais, ser tratada na segunda cano e na se-gunda e terceira partes no que, diz respeito atividade daalma. Quanto purificao passiva, trataremos de!a naquarta parte.

    3. Esta primeira noite refere-se aos principiantes, quan-do Deus os comea a pr no estado de contemplao; delatambm participa o esprito, como a seu tempo diremos. A,egunda noite ou purificao refere-se aos j aproveitados,quando Deus os quer pr no estado de unio com ~le; e esta' mais obscura, tenebrosa e terrvel purificao, conformeexplicaremos mais adiante.

  • EXPLICAO DA CANO

    4. A alma J,"evelasumriamente, nesta cano, que sa_levada por Deus, s por amor dle e inflamada neste aJJldi,para procur-lo em uma noite escura. Esta noite a p~h:vao e a purificao de todos os seus apetites sensitiv~rrelativamente a tdas as coisas exteriores dste mundo, 80$1'.prazeres da carne como tambm aos gostos da vontade/.I?"tste trabalho feito pela purificao dos sentidos; e por(,:,isso diz ter sado quando sua casa se achava sossegad&:t,,~isto , tendo pacificada a parte sensvel, e todos os apetites).',;nela adormecidos; porque, em verdade, no pode sair das')~:'penas e angstias dos crceres dos apetites sem stes esta-I::;:'rem mortificados ou adormecidos. Ditosa ventura foi sairsem ser notada, isto , sem que qualquer apetite da carne,ou outra qualquer coisa pudesse impedi-Ia, por ter sadode noite, isto , quando Deus a privava de todos os ape-tites. A esta privao, a alma chamava noite.

    5. Foi verdadeiramente ditosa ventura para ela oter-se deixado levar por Deus nesta noite na qual lucrou tan-tOs bens. Seria incapaz de nela entrar com os prprios es-foros, pois bem difcil acertar algum a desprender-sepor si mesmo de todos os seus apetites, para chegar uniocom Deus.

    6. Em resumo, tal a explicaoda cano. Daremos, ago-ra, a cada verso o seu desenvolvimento,declarando o quevem a nosso propsito. Do mesmo modo faremos com ~sdemais canes, como ficou dito no prlogo, isto , primeiro.cada cano e depois cada -verso.

    Ea;plicao do que a noite escura pela qualpassa a alma para alcanar a unio divina.

    EM UMA NOITE ESCURA

    }. A purificao que -leva a alma unio com Deuspode receber a denominao de noite por trs razes. Aprimeira, quanto ao ponto de partida, pois, renunciando atudo o que possua, a alma priva-se do apetite de tdasas coisas do mundo, pela negao delas. Ora, isto, sem d-

    I"i'

    '('constitui uma noite para todos os sentidos e todosites do homem. A segunda razo, quanto via apara atingir o estado da unio. Esta via a f, noiteeiramente escura para o entendimento.- Enfim, a ter-razo se refere ao trmo ao qual a alma se destina,

    gtrmo que Deus, (ser incompreensvel e infinitamente, , das nossas faculdades) 1 e que, por isso mesmo, pode. aenominado uma noite escura para a alma nesta vida.

    trs noites ho de passar pela alma, ou melhor, portrs noites"h de passar a alma a fim de chegar unio.

    .2. No Livro de Tobias so elas figuradas pelas trsltes que, em obedincia ao Anjo, o jovem Tobias deixousar antes de se unir espsa. O Anjo Rafael ordenou-

    I) que queimasse, durante a primeira noite, o corao do.ixe, smbolo de um corao afeioado e prso s coisas". as. A fim de comear a elevar-se a Deus deve-se, desdeincio, purificar o corao no fogo do amor divino e a

    ;~r consumir-se-tudo o que criatura. Esta purificao. .'em fuga o demnio que tem poder sbre a alma ape-

    , s coisas temporais e corporais.+,' ,3. Na segunda noite o Anjo disse a Tobias que seria;:;,~itido na companhia dos santos Patriarcas, que so os:J',~~isda f. A alma, do mesmomodo, aps passar a primeira::'~i'Witefigurada pela privao de todos os objetos sensveis,"Jpgo penetra na segunda noite. A repousa na solido da" f que exclui, no a caridade, mas tdas as notcias do en-

  • espsa no temor do Senhor, para significar que quando;.>otemor perfeito o amor divino tambm o , e a transf~~mao da alma em Deus por amor logo se opera. 'i~'.

    5. Para compreenso, vamos explicar com clareza caduma dessas noites; observamos, porm, que as trs so umas noite dividida em trs partes. 2 A primeira noite - ados sentidos - pode ser comparada ao crepsculo: momen~to em que j no mais se distinguem os objetos entre si.A segunda noite - a da f - assemelha-se mei-noite,quando a obscuridade total. A terceira, finalmente, comparada ao fim da noite, e que dissemos ser o prprio Deus,precede imediatamente a luz do dia.

    Declara a primeira causa desta noite, queconsiste na privao do apetite em tdas ascoisas, e d a razo por que se denomina "noite".

    1. Damos aqui o nome de noite privao do gsto noapetite de tdas as coisas. Com efeito, sendo a noite a priva-o da luz, e conseqentementede todos os objetos visveis,ficando a potncia visual s escuras e sem nada, assim po-demos chamar noite para a alma mortificao dos apeti-tes: pois a privao de todos les a deixa na obscuridade eno vazio. A potncia visual por meio da luz se satisfaz eemprega nos objetos, que no mais se vem quando estase extingue; de modo anlogo a alma por meio do apetitese deleita e satisfaz nas coisas saboreadas pelas suas potn-cias; uma vez apagado, .ou por melhor dizer, mortificado oapetite; a alma deixa de satisfazer-se no gsto de tdas ascoisas e fica, segundo o mesmo apetite, s' escuras e no vazio.

    2. Ponhamos exemplo em tdas as potncias.1 Quan-do a alma priva o seu apetite no gsto de tudo quanto podedeleitar o sentido auditivo, permanece s escuras e no va-zio quanto a esta potncia. Em renunciando ao gsto nascoisas que podem agradar ao sentido da vista, fica igual-mente, segundo ste, s escuras e no vazio. Em negando ao

    Idem.1 O S. Doutor emprega aqui a palavra potncia com a significao

    de sentido, como se pode deduzir de todo o pargrafo 2.

    sentido do olfato tda a suavidade que lhe advm dos olores,do mesmo modo se pe na obscuridade e no vazio relativa-mente a esta potncia: e se renunciar ao sabor de todosos manjares que podem satisfazer ao paladar, tambm per-manece, quanto a ste sentido, s escuras e sem nada. Fi-nalmente mortificando-se em todos os deleites e contenta-mentos que pode receber quanto ao sentido do tato, do mes-mo modo fiCa a alma, segundo esta potncia, na obscuridadee no vazio. Por conseguinte, a alma renunciando e afas-tando de si o gsto de tdas as coisas, mortificando nelaso seu apetite, est s escuras como de noite, o que no outra coisa seno um vazio em relao a tudo.

    3. A razo disto, segundo os filsofos, o assemelhar-se a alma, no momento em que Deus a une ao corpo, a umatbua rasa, na qual nada se houvesse gravado; nenhum meionatural tem de adquirir qualquer conhecimento, a no seratravs dos sentidos. E' semelhante ao prisioneiro retido emum crcere escuro, onde nada distingue, com exceo do quepode ser entrevisto pelas janelas da priso; se no olharpor elas, nada ver. Dste modo, se a alma nada percebessepelos sentidos - que so as janelas da priso - nada po-deria perceber por outro meio.

    4. Renunciar s noes que vm dos sentidos e rejeit-Ias , evidentemente, colocar-se na obscuridade e no vazio,pois, repetimos, segundo as leis da natureza, a luz no lhepode chegar por outro meio. Porque, embora a alma nopossa deixar de ouvir, ver, cheirar, gostar e sentir, toda-via, se recusa usar dstes meios, e no se embaraa com les, para ela a mesma coisa do que se no visse, no ouvisse,etc. Assim quem fecha os olhos fica to s escuras comoo cego privado da vista. David, a ste respeito, diz: Soupobre e vivoemtrabalhos desdea minha mocidade (SI 87, 15).No entanto, est claro que era rico; mas dizia-se pobre por-que sua vontade estava livre das riquezas, e to absolutoera o seu desprendimento como se fsse, de fato, pobre. Aocontrrio, se o fsse realmente sem o ser pela vontade, noseria verdadeiramente pobre, pois a alma estaria rica echeia no apetite. Com razo, pois, dizemos ser esta desnu-dez noite para a alma. Ora, no pretendemos falar aqui dapobreza material que no despoja o corao vido dos bensdste mundo; mas nos ocupamos da desnudez do gsto e

  • apetite, que deixa a alma livre e vazia de tudo, mesmo _8uindomuitas riquezas. Efetivamente, no so as coisas.,te mundo que ocupam a alma nem a prejudicam, pois.,so exteriores, mas' somente a vontade e o apetite que n4\:,'estio 'e a inclinam para stes mesmos bens. . ,i,

    5. Esta primeira espcie de noite, como depois direm~:/r,elaciona-secom a parte sensvel do homem, e uma das '.,.duas de que falamos, pela qual h de passara alma para,;chegar unio. . .,.>

    6. Vamos explicar agora como convm alma sair d':!'sua morada, na noite escura dos sentidos, a fim de alcanar i'fteies ope mais obstculos ao divina que o nada, pois\: nada no resiste a Deus como o faz a vontade da criatura.II~'~ isto baste para declarar o primeiro dano causado almai\J)iOr seus apetites imortificados: a resistncia ao esprito de'(!/J)eus, pois j falamos suficientemente a tal respeito.

    5. Tratemos agora do segundo dano chamado positivo,:que produz cinco principais efeitos: porque os apetites can-Sam, atormentam, obscurecem,mancham e enfraquecem a al-ma. Expliquemos cada um dsses efeitos em particular.

  • ~,

    6. E' manifesto que os apetites fatigam e cansam a .-ma; assemelham-se s criancinhas inquietas e descontentM,que sempre esto pedindo sua me, ora uma coisa, oWoutra, e jamais se satisfazem. Como os que procuram te~ros se cansam e se fatigam pelas contnuas escavaesqu'so brigadOsa fazer, igual cansao experimenta a a~:quando procura o objeto de seus apetites. E ainda que afinalo consiga, sempre se cansa, porque nunca se contenta. E' comoeavar cisternas rtas, incapazes de conter a gua que p0.-deria saciar-lhe a sde. E assim, como diz lsaas, Fatigado,ainda tem sde, e sua alma est vazia (Is 29, 8). A almaprsa aos apetites efetivamente se cansa: como um doentefebril, cuja sde aumenta a cada instante, e que no se sen-tir bem enquanto a febre no houver passado. Lemos nolivro de Job: Depois que se fartar, padecer nsias, e seabrasar; e tda a sorte de dores vir sbre le (Job 20, 22).Cansa-se e fatiga-se a alma com seus apetites porque fe-rida e perturbada por les, como a gua agitada pelos ven-tos que a revolvem sem deix-Ia sossegar: em lugar nenhum,nem em coisaalguma pode achar repouso.Delas diz lsaas: Ocorao do mpio como um mar agitado (Is 57, 20).Ora, mpio todo aqule que no sabe vencer os seus ape-tites. E' como homem faminto que abre a bca para sealimentar de vento. Bem longe de satisfazer a fome, defi-nha, porque o ar no o seu alimento. Abrasada no seuapetite chamou a si o vento do que ama (Jer 2, 24) dizJeremias. E, para explicar a secura a que se expe esta alma,o Profeta, adiante, acrescenta: Guarda o teu p, isto , oteu pensamento, da nudez, e a tua garganta da sde (Jer2, 25), isto , afasta tua vontade da satisfao do teu ape-tite que produz maior secura. O homem apaixonado se cansae exaure com as prprias esperanas frustradas; assim, aalina que busca saciar os apetites nada mais faz seno au-mentar a fome e os desejos. Porque, comose diz vulgarmente,o apetite semelhante ao fogo: lanai-lhe a lenha, lecrescer em proporo dela, e diminuir na medida em quea fr consumindo.

    7. E ainda os apetites esto, neste caso, em condiesmais deplorveis: porque o fogo, em faltando a lenha, seamortece, mas o apetite no diminui quando se acaba aquiloque o satisfaz; e longe de se extinguir como o fogo semcombustvel, cansa-se em desejos, pela fome aumentada e

    o' 'aUmento diminudo. lsaas, a ste respeito, diz: E VIra.diNlita e ter fome: e comer esquerda, e no se fartar

    S 9, 20). Aqules que no moI:tificam seus apetites jus-ente so torturados pela fome, quando se desviam doinho de Deus que' est direita,' pois no merecem aurado esprito de suavidade. E quando, esquerda, vourar alimento, isto ~, quando satisfazem seus apetitescriatura, justo ento que no sejam saciados, porque,

    'eitando o que lhes podia satisfazer, nutrem-se do que lhesmenta a fome. Claro est, pois, que os apetites cansamfatigam a alma.

    Como os apetites atormentam a alma. Pro-lIa-se tambm pOT compMaes e textog da

    Sagrada Escritura.

    h .1. Os apetites causam na alma o segundo efeito do dano'l5it~vo,que consiste em atorment-Ia e afligi-Ia, tornando-a,e,lhante a uma pessoa carregada de grilhes, privada de

    ,,','.ib.'!uerrepouso at a completa libertao. Dstes tais diz..rV1d: Laos de pecados, isto , de apetites desregrados,'cingiram por tdas as partes (SI 118, 61). Do mesmo

    O que se atormenta e aflige quem, despojado das vestes,deita sbre espinhos e aguilhes, assim a alma sente osos tormentos quando sbre os seus apetites se recosta

    : ,rque stes, como os espinhos, ferem, magoam e deixa~;'i~. A sse propsito, disse tambm. David: Cercaram-'/~' como abelhas; e se incendiaram como fogo em espi-#h~s (SI 117, 12). Efetivamente, o fogo da angstia e da;~r se aviva em meio dos espinhos dos apetites. Como o Ia->' or, desejoso da colheita, excita e atormenta o boi que:j.ft;sob o jugo, assim a concupiscncia aflige a alma .que,\/~sujeita ao jugo dos seus apetites para obter o que aspira.'desejo que tinha Dalila de conhecer o segrdo da fra;~ Sanso prova esta verdade. A Escritura diz que, preo-

    ;;p~ada e atormentada, desfaleceu quase at morrer: Sua.:~ caiu num mortal desfalecimento (Jdt 16, 16).. ."'. 2. Quanto mais intenso o apetite tanto maior tormen-tb traz alma, de sorte que ela tanto mais tormento temquanto mais os apetites a possuem. V-se, ento, desde esU:

  • vida, cumprir-se nela a sentena do Apocalipse: Qu~ntose tem glorificado e tem vivido em deleites, tanto lhe dal'-tormento e pranto> (Apoe 18, 7). A alma prsa dos 8eUI!IJIapetites sofre dor e suplcio comparveis aos da pessoa q~cai em mos de inimigos. O forte Sanso disso nos ofereeeexemplo: era Juiz de Israel, clebre por seu valor, gozavade grande liberdade. Tendo cado em poder de seus inimi~gos, privaram-no de sua fra, vazaram-lhe os olhos, obri--'garam-no a rodar a m do moinho e lhe infligiram as maifcruis torturas. Tal a condio da alma na qual os seusapetites vivem e vencem. Causam-lhe um primeiro mal que, o de enfraquec-la e ceg-Ia, como explicaremos mais adi-ante. Atormentam-na e afligem-na depois, atando-a m daconcupiscncia.E os laos com que est prsa so seus pr-prios apetites.

    3. Deus, tocado de compaixo para com as almas queto penosamente procuram satisfazer nas criaturas a fomee a sde de seus apetites, disse-lhes por Isaas: Todos vsos que tendes sde, vinde s guas: e os que no tendes prata,isto , vontade prpria, apressai-vos, comprai, e comei; vin-de, comprai sem prata, e sem comutao alguma, como soisobrigados a fazer para vossos apetites: comprai vinho e leite,ou seja a paz e a doura espirituais. Por que motivo empre-gais o dinheiro no em pes, isto , em coisas que no so oesprito divino, e o vosso trabalho no em fartura? Ouvi-me comateno, comeido bom alimento, e a vossa alma se de-leitar com o suco nutritivo dle (Is 55, 1, 2).

    4. Para chegar a esta fartura, preciso livrar-se dogsto de tdas as coisas criadas, pois a criatura atormentae o esprito de Deus gera alegria. O Senhor nos convida nestapassagem de S. Mateus: Vinde a mim, todos os que andaisem trabalho, e vos achais carregados, e u vos aliviarei:.(Mt 11, 28, 29). Comose dissesse: Todos vs que andais ator-mentados, aflitos e carregados com o fardo de vossos cui-dados e apetites, vinde a mim, e achareis o repouso que osmesmosapetites tiram s vossas almas, pois so pesada carga.Comocarga pesada se agravaram sbre mim (SI 37, 5),neste sentido diz David.

    Como 08 apetite8 obscurecem e cegamt a alma.Teatem:u:n1wse comparaes do. Sagrado. Es-

    critura em apoio ddsta doutrina.

    1. O terceiro dano que causam na alma os apetites uridade e cegueira. Assim como os vapres obscurecem'ar e interceptam os raios solares, ou como o espelho em-

    '. iado no pode refletir com nitidez a imagem que lhe 'resentada; assim como a gua turva no pode reprodu-distintamente os traos do rosto que nela se mira; do

    smo modo a alma, cujo entendimento cativo dos ape-, se acha obscurecida e no permite ao sol da razo na-

    tal, nem ao sol sobrenatural, que a Sabedoria de Deus,~iberdade de penetr-Ia e ilumin-Ia com os seus esplen-res. Sbre isso diz' David : Senhorearam-me as minhasiqtiidades, e eu no pude ver (SI 39, 13).

    (\ 2. Quando o entendimento sepultado nas trevas, a.ontade desfalece e a memria fica embotada. Ora, como

    .:;,..f#stas duas potncias dependem, em suas operaes, da pri-i'~ira; cegando-se o entendimento as outras caem neces-:t~riamente na prturba~ e na desordem. E' assim diz}::J>$vid: E a minha alma se turbou em extremo (SI 6, 4).'tJlJl outros trmos: as suas potncias esto desordenadas.~este estado o entendimento, como j dissemos, no est

    i: pis apto a receber a luz da Sabedoria divina do que oar carregado de pesados vapres para receber a luz do sol.J,. vontade fica impotente para abraar em si a Deus comamor puro, assim como o espelho embaciado no pode re-f1~ir claramente a imagem que lhe oferecida. Menos ha-bilidade .tem ainda a memria, obscurecida pelas trevas doapetite: torna-se incapaz de se deixar penetrar tranqila-mente pela imagem de Deus, como acontece com a guaturva que no reproduz com nitidez o rosto de quem nelase mira.

    3. O apetite cega e ainda obscurece a alma porque, en-quanto apetite, cego e necessita da razo como guia. Distose depreendeque, tdas as vzes que a alma cede s ten-dncias do apetite, assemelha-se ao que, tendo boa vista,, se deixa guiar por quem no enxerga. Ento, so dois ce-gos. E a palavra de Nosso Senhor, segundo S. Mateus, en-

  • contra aqui a exata aplicao: cE se um cego guia a outrocego ambos vm.a cair no barranco~ (Mt 15, 14). Para .,servem os olhos mariposa, quando, ofuscada pela fo~sura da luz, precipita-se dentro da mesma chama? Asa"podemos comparar quem se entrega aos seus apetites ~.peixe fascinado pelo archote cuja luz antes lhe serve dtrevas, impedindo-o de ver as rdes armadas pelo pescado!;':!Explica-o muito bem o Profeta em um dos seus SalmOf;J,qu~ndo diz: Caiu fogo de cima e no viram o sob (SI. 5'1.9). O apetite verdadeiramente um fogo cujo calor aqu~.e cuja luz fascina; isto , acende a concupiscncia e des7lumbra o entendimento de modo a esconder a luz que lhe cS''prpria. O deslumbramento o resultado de uma luz estr~,,:,nha colocada diante dos olhos. A vista recebe ento a l~interposta e no v mais a outra. Assim, o apetite cingeto de perto a alma e se interpe a seus olhos to forte-mente, que ela se detm nesta primeira luz, contentando-secom ela, no mais percebendo a verdadeira luz do entendi-mento. S poder v-Ia novamente quando o deslumbramen-to do apetite desaparecer.

    4. A ignorncia de certas pessoas sbre ste ponto digna de muitas lgrimas: sobrecarregam-se de penitnciasexcessivas e outras muitas prticas extraordinrias, de todoarbitrrias, e imaginam que somente isto basta para chegar unio com a Sabedoria divina, sem a mortificao dosseus apetites desordenados. O rro manifesto e, a ni;.oser que faam esforos constantes para triunfar das pr-prias inclinaes, jamais atingiro o seu fim. Se quisessemesforar-se por empregar, nessa renncia dos apetites, se-quer a metade do trabalho que tm nos seus muitos exerc-cios, em um ms lucrariam muito mais do que nestes em mui-tos anos. Porque, assim como indispensv,ellavrar a terrapara, faz-Ia frutificar, e sem ser lavrada s produzir ervasdaninhas, - tambm alma se faz necessria a mortifi-cao dos apetites, se quiser progredir na virtude. Tudo oque empreender fora disso para conquistar o conhecimentode Deus e de si mesma, ouso dizer, ser perdido, assim comoa semente lanada em terra sem cultura no pode germinar.Por conseguinte, a alma permanecer nas trevas e na in-Capacidadeat se apagarem os apetites. ~stes so comoa ca-tarata ou os argueiros nos olhos: impedem a vista at seremeliminados.

    &. David considerando, de um lado, qual a cegueiraalmas cujos apetites no mortificados as privam de

    :1. luz da verdade, e, de outro lado, quanto Deus se irritaelas, lhes dirige estas palavras: cAntes que vossos

    os, que so os vossos apetites, entendam como vivos,~le na sua ira Osdevorar (SI 57, 10). Deus destruirem sua clera os apetites conservados vivos e que

    obstculo para o oonhecimentode Deus. ~le os destruir,ja nesta vida ou na outra, com castigo e correo, isto .

    ,)~ a purificao. Diz que os absorver em sua ira, porque'1:/\0 sofrimento que se padece na mortificao dos apetites ;,.:),'0 castigo do estrago causado por les alma..,,,6. Oh! se os homens soubessem de quantos bens de luz"i 'divina os priva esta cegueira causada pelos seus apegos e(afeies desregradas, e em quantos males e danos os ,fazem'Cair .cada dia por no se quererem mortificar! Porque noh que fiar de bom entendimento, nem de dons recebidos deDeus, para julgar que deixar a alma de ficar cega e obs-cura, ~de ir caindo de mal a pior, se tiver alguma afeioou ~~~. Poderi&algum acreditar que um varo to, per-fei~~j'~bio e dotado dos favores do cu, como foi Salomo,"v~"de cair na velhice em tal desvario e endureCimento;~'Ol1tade, a ponto de levantar altares a tantos dolos e os

    ';!';;;':*P:rasse? (3 Rs 11, 4). Para isto foi suficiente aquela afei-';:~ que .tinha s mulheres, e a negligncia em reprimir os'i; ti'te$ e deleites de seu corao. Falando de si mesmo, no" iastes, Salomo reconhece que assim fz, dizendo quel1p'negou ao seu corao quanto lhe pediu (Ecle 2, 10). E

    ,~* ,na verdade, a princpio le se conduziu com prudncia,(mais. tarde, por no ter renunciado aos apetites e a les se{.tr entregue sem moderao, tornou-se pouco a pouco cego"':e,obscurecido no entendimento a ponto de vir extinguir-se a',',Il'ande luz da sabedoria com que Deus o favorecera, e, assim,,\.~ velhice, abandonou o Senhor.',~I,.."

    , 7. Se as paixes no mortificadas tiveram tal domnio'~re quem era to versado na cincia do bem e do mal, que;';'~ para nossa ignorncia os apetites no mortificados?;'((Nesteponto, podemos ser comparados aos ninivitas, dos

    ;~,'''is dizia o Senhor ao Profeta Jonas: No sabem distin-[~",auirentre a mo direita e a esquerda~ (Jon 4, 11). Porque'~(\;'tomamos a cada passo o mal por bem e o bem por mal: isto

  • o fruto da nossa prpria colheita. Que ser, ento, se. o'apetite se juntar s trevas de nossa natural ignorncia? s.,.remos como aqules de quem se queixa 1saas ao dirigir_aos h~mensqe se divertiam em satisfazer os prprios a~tites: Andamos como cegos apalpando as paredes, e, comose' no 'tivssemos' olhos, fomos pelo tato, e nossa cegueira'th.egou ao ponto de tropearmos ao pino do meio-dia como'm trevas (1&59, 10). Tal , com efeito, o estado de quenaSe'deixou cegar pelos apetites: colocado em face da verdadee do dever, nada percebe, como se estivera mergulhado natnais' profunda obscuridade.

    Ditz como os apetites mancham a alma epr01Ja cem testemunhos ecemparaes da Sa-

    g'T'adaEsc'f'itu'T'a.

    1. O quarto dano que fazem os apetites alma quea sujam e mancham, segundo o ensinamento do Eclesistico:'Quem tocar o piche ficar manchado dle (Ecli 13, 1) .Ora, tocar o piche satisfazer com qualquer criatura o apetite'4e sua vontade. Nessa passagem da Sagrada Escritura com-para o Sbio as criaturas com o piche; porque entre a ex-'celncia da alma e o que h de mais perfeito nas outrascriaturas ' maior a diferena que entre o flgido diamante'ou fino ouro e o piche. E assim como o ouro ou diamante:~ casse, aquecido, no piche ficaria disforme e besuntado,porquanto o calor derrete e torna mais aderente o piche,'assim a alma, dirigindo o ardor de seus apetites para qual-quer criatura, dela recebe, pelo calor do mesmo apetite, m-culas e impureza. Existe ainda entre a alrnh.e as criaturascorpreas diferena maior do que h entre o licor maislmpido e a gua mais lodosa; sse licor, sem dvida, seturvaria se fsse misturado com a lama; dste modo semancha e suja a alma que se apega criatura, pois nistose faz semelhante mesma criatura. Assim como ficariadesfigurado o rosto mais formoso, com manchas de, tisne, aalma, igualmente, que em si muito perfeita e acabadaimagem de Deus, fica desfigurada pelos apetites desregra-dos que conserva.

    .Jermias, depl estrago' que os afetos desor-" ,pl'Oduzem na alma, descreve primeiro a sua formo-

    ,Vp.r&' em 'seguida declarar-lhe a fealdade: Os Seus"i,: dizia, eram mais alvos que' a neve, mais ntidos~te, mais verme~os que o marfim antig, mais for-',.,que a, safira. Denegrida est a face dles mais do".rvs, e no ~' conhecidosnas praas (Latn 4, 7:.s) ~'belos.entendemos as ,afeies e,os pensamentos da alma'maIS alvos que a neve, mais ntidos que o leito, maisos que o marfim antigo e mais formosos que a safira,~to de acrdo com a vontade divina. Estas quatrodes representam a beleza e a excelncia detdas as

    corporais; mas a alma e as suas aes lhes so,(,superiores e eis por que comparada aqui aos cabelos~~, o ornamento da cabea. Quando as suas aes so

    das e dirigidas a fins contrrios lei de Deus, isto..()a alma se deixa absorver pelas criaturas, JereIhias

    ,'i. que o' seu rosto se torna mais negro que o carvo.i'Todos stes ,danos, e' outros ainda maiores causamt' , interior da alma os apetites desordenados.'de coiSas'110 Chegam a tal ponto, que se tivssemos de tratar

    ,~amente da abominvel.e suja figura que nela deixam,,",..ri~os cois~, por mais manchada e imunda, ou lu~":,Go,cheIO de, telas de aranha e reptis repelentes, nem

  • o sinal do seu carter e a imprimir as suas prprias ~chas e fealdades, e como uma s desordem de razo ~conter inmeras manchas de intensidades diferentes. Po~.assim como a alma do justo possui em uma s perfei~que a retido da alma, grande nmero de sublimes vi~'.des e inumerveis dons preciosos, cada um com seu encantoparticular, segundo o nmero e a divrsidade dos impul$o8(ieamor que a levam para Deus, assim a alma desordeIU1tdapossui em si lamentvel variedade de manchas e baix~em relao multiplicidade das inclinaes que a fazem pen,..der para as criaturas.

    5. Ezequiel nos oferece exata imagem dessa verdadequando diz que Deus lhe mostrou, pintadas nos muros in-teriores do templo, tdas as figuras dos reptis que rastejampela terra, assim como tdas as abominaes dos animaisimpuros (Ez 8, 10). Deus diz ao Profeta: Por certo, filhodo homem, que tu vs o que fazem nas trevas, o que cadaum dles pratica no secreto da sua cmara? E o Senhor lheordenou, em seguida, que entrasse mais adentro a fim dever abominaes ainda maiores. Ezequiel, ento, perceDeUumas mulheres assentadas, chorando a Adnis, deus dos am-res (Ez 8, 14). Afinal o Senhor lhe ordenou que entrasseainda mais adentro e o Profeta viu vinte e cinco velhosque tinham as costas voltadas para o templo (Ez 8, 16).

    6. ~sses diferentes reptis e animais imundos, pintadosna primeira parte do templo, so os pensamentos e concep-es que o entendimento faz das coisas baixas dste mundoe, em geral, de tdas as criaturas. Ora, estas coisas, taisquais so, pintam-se no santurio da alma, quando esta em-baraa nelas o entendimento, que o seu primeiro aposento.Essas mulheres sentadas mais adentro, no s~gundo aposentodo templo, que choram o deus Adnis, representam os ape-tites localizados na segunda potncia da alma, a vontade. Assuas lgrimas exprimem sses desejos aos quais a vontadeest prsa, isto , os reptis j representados no entendimento.Enfim, os homens no terceiro aposento so o smbolo dasimaginaes e fantasmas de criaturas que a memria, ter-ceira potncia da alma, guarda e revolve em si. Foi dito queles tinham as costas voltadas para o templo porque a alma,cujas potncias so voluntria e resolptamente dirigidas paraalguma criatura, volta, por assim dizer, as costas ao templo

    us que a reta razo, a qual no admite em si coisade criatura.

    /7. O que acabamosde dizer suficiente para dar alguma. da feia desordem produzida pelos apetites na alma.assunto seria interminvel tratssemos particularmente

    ;itealdade que causam na mesma alma as imperfeies, bem.! da que produzem os pecados veniais, mais considervel,

    im da total deformidade dos apetites de pecados mor-. Se fssemos enumerar tda a variedade e multido des-trs espcies de apetites, no haveria entendimento an-

    iCo que bastasse para chegar a compreender semelhantes. Contento-meem dizer, e isto vem a propsito do nosso

    nto, que qualquer apetite, ainda mesmo de mnima im-rfeio, mancha e suja a alma.

    Os apetites entibiam a alma a enfraquecemna virtude.

    1. Os apetites entibiam e enfraquecem a alma, tirando-ea fra de progredir e perseverar na virtude: tal o",into prejuzo que lhe causam. Com efeito, se a fra do

    ite repartida, o seu vigor se torna menos intenso doe se fsse concentrado inteiro em um s ponto; quanto maiserosos.so os objetos em que se reparte, tanto menos in-idade de afeto emprega em cada um dles. Verifica-se,

    ~im, ste axioma da filosofia: a fra unida tem maisder que a dividida. Por conseguinte, se a vontade gasta aa energia em algo fora da virtude, necessriamente sernar mais fraca na mesma virtude. A alma cuja vontadeperde em ninharias assemelha-se gua que, encontrandoda em baixo para escoar-se, no sobe para as alturas e per-assim sua utilidade. O patriarca Jacob compara seu filhoens gua derramada porque le dera curso aos seus ape-cometendo um pecado secreto: Derramaste-te como a

    a: no cresas (Gn 49, 4). Isto signiflta: porque estsrramado em teus desejos, como a gua que se escoa, no

    ems em virtude. Se descobrimos um vaso de gua quen-esta perde fcilmente o calor; as essncias aromticas,

    '~do expostas ao ar, se evaporam gradualmente, perdendo"a fragrncia ea fra do perfume; a alma, do mesmo modo,

  • nO cd~ntl'ndo 8 seus apetites s em Deus, perde oal'"e o vigor' da virtude. David possua perfeita compree 'onsiderar em que estado deixam a pobre alma SapetitsqUando' nela vivem, tornando-a infeliz consigo mesma,s-pera para com o prximo, pesada e preguiosa' para s' coisaSde Deus. Porque no h humor maligno que to diffcil e pe..Ilado Ponha um enfrmo para caminhar, causando-lhe fastfu.para todo alime~to, quanto o apetite de criaturas toma a, alma triste e pesada para praticar a virtude. E assim, or~. dtnriamente, sucede muitas almas no terem diligncia. evontade para progredir na perfeio: e a causa disto aiO(')8 apetites e afeies conservados e o nO terem aDeUspuramente por objeto.

    N~ de f'eprimi" os 6JP6tites fJOf'""nimos que sejam. po;ra cMgOll' a alma.

    unio divina.

    ,':i.;O leitor parece-me estar h muito desejoso. de, S{lber''..-a' atingir ste alto estado de perfeio preciso:'terido totalmente os apetites, grandes e pequenos, ou 'seci~te. mortificar alguns sem se ocupar dos menos ,unI.nt.es. Parece extremamente difcil e rduo atingir a almade .desnudez to completa e pureza to grande, nomais vontade nem afeio posta em coisa alguma.' '. ,. Respondendo pergunta, comeo por dizer 'que, na

    , ' e, todos os apetites no so igualmente prejudieiaise)])erturbam a alma do mesmo modo. Refiro-me.aos '\101un:-'~'. porque'os 'apetites naturais pouco ou nada'. impedemio, da alma, quando no so consentidos nem pasaa1ll'i'il'neiros movimentos. Entendo' aqui por apetitesnatul./',eprimeirs movimentos, todos aqules em que a vontade~'t1alno toma parte nem antes nem depois do ato.PQt-',\, impossvel mortific-los inteiramente e fa~-l()sdeSal'I, nesta vida; alis, no impedem a unio divina, 'sinda'a,oestejam de todo mortificados. Pode.muito bem 'aon"',qqe subsistam na parte inferior da alma, e dles,esteja

    '.'.:a parte superior. Suceder estar a, alma elevada ai 81-,~~ 'unio, em orao de quietude na .vontade, enquanto(~U& apetites se agitam na parte sensitiva sem perturbar'Parte superior que permanece em orao. Mas, emrela~"todos os apetites voluntrios, a alma deve purificar~esembaraar-se dles completamente; no s6 dos mais. gra;-que, a' levam ao pecado mortal, mas .ainda do~ menor~ainduzem ao pecado venial, e at dos mais leves que a111 cair em imperfeies. Sem isto, iniltilmentepretellde'-

    ;,,~egar perfeita unio com Deus. Com efeito, esta unioi$te na transformao total da vontade humana na divina,

    imodo que no haja nela coisa contrria a essa vontade,seja sempre movida, em tudo e por tudo, pela vontade

    Deus.3. Por esta causa dizemos que, neste estado, as' duastades fazem uma s que a de Deus, e, portanto, a vontade,;Deus tambm a da alma. Ora, se esta alma quisesse alIO

    !\~ imperfeio, o que evidentemente Deus no pode querer,

  • ~uceria da divergncia, pOis a alma poria sua vontadeoIlde no est a de Deus. Para se unir pela vontade e ~amor a se)1sobe11ln~Bem, a alma deve renunciar p~a todo o 'aPetite' voluntrio, por mnimo que seja, o significa no dever' consentir com pleno conhecimentoe aQ..vertncia, em imperfeio alguma, e chegar a um estado de,librdade e posse to completa de si mesma, que possa ~,'primir as imperfeies assim que as perceba. Com advertJl...cia, digo; porque muitas vzes cair de surprsa em .iJr)...perfeies e faltas veniais, bem como nos apetites natu~4e que falamos. Dstes pecados, nos quais a vontade to~to fraca parte, est escrito que o justo cair sete v~es,etornar-se- a levantar (Prov 24, 16). Quanto aos apetitesdeliberados e voluntrios, e pecados veniais de advertncia,.ainda sendo em coisa mnima, basta um s dles que no '$6vena, para impedir a unio da alma com Deus. Refiro-meaum tal hbito no mortificado e no a alguns atos pas-.sageiros de apetites diferentes que no causam tanto prejuzo.Contudo, at mesmo sses ltimos ho ,de ser vencidos, poisse originam de hbito de imperfeio. Quanto a certos h-bitos de voluntrias imperfeies, dos quais a alma no con-segue corrigir-se, no somente impedem a unio com Deu$,como detm os progressos espirituais.

    4. Estas imperfeies habituais so: costume de falarmuito, ap~ozinho a alguma coisa que jamais se acaba dequerer vencer, seja a pessoa, vestido, livro ou cela; tal es-pcie de alimento; algumas coisinhas de gostos, conversa-es, querendo saber e ouvir notcias, e outros pontos se-melhantes. Qualquer dessas imperfeies, a que tenha aalma apgo ou hbito, se ope mais ao adiantamento na vir-tude do que grande nmero de faltas, mesmoVeniaise dirias,no procedentes de hbito ou mau costume. Porque enquantohouver apgo a alguma coisa, por mnima seja, escusadopoder progredir a alma na perfeio. Pouco importa estaro pssaro amarrado por um fio grosso ou fino; desde queno se1iberte, to prso estar por um comopor outro. Ver-dade que quanto mais tnue fr o fio, mais fcil ser dese partir. Mas, por frgil que seja, o pssaro estar sempreretido por le enquanto no o quebrar para alar vo. Assimsucede alma cativa por afeio a qualquer coisa: jamaischegar a liberdade da unio divina, por mais virtudes pos-sua. Os apetites tm ainda, com relao alma, a m8JDa

    ~edade que tem o peixe chamado,rmOra em relao o:vioo qual se agarra; noobstant o seu pequeno tama-

    detm o navio, como alguns dizem, na prpriamrcha,~dindo-o de chegar ao prto. E' lamentvel ver certas

    , semelhantes a navios ricamente carregados de boasras exerccios espirituais, virtudes e favores celestes, sem, ' .ragem para vencer completamente algum pequeno a~go,u afeio, ou gsto natural (que tudo o ttl:smo),e, por.e~teotivo, nunca vo adiante, nem chegamao porto da perfelao;apenas bastaria um esfro corajoso para quebrar com-latamente aqule fio de apgo que a prende, ou arrancarquela rmora de apetite que a detm.

    5. Depois de Deus lhes ter dado a graa de quebrar ou-os -laos muito mais fortes, como os das afeies ao pe-do e s vaidades do mundo, como triste ver almas, que,r falta de generosidade em desapegar-se de uma ninharia,um simples fio que o Senhor lhes deixa para romper ~oramor, - deixam de chegar a to grande bem! O pIOr

    que por aqule pequenino apgo, no somente se atrasam,, perdemo que tinham adquirido em tanto temp? e com

    trabalho pois ningum ignora que, no cammho daeio, no 'ir adiante recuar; e no ir ganhando irdendo. Nosso Senhor quis dar-nos a entender esta dou-na quando disse: Quem no comigo contra mim;quem comigo no ajunta espalha (Mt 12, 30). E' bas-nte no vedar a menor fenda de um vaso para que todolicor quele encerra se derrame e perca. Que~ despreza:. menores coisas cair pouco a pouco nas maIOres (Ech, 1), diz o Eclesistico. O mesmo livro ~OSA e~sina qu:

    uma centelha para dar incio a um mcendlo (Ech34); de modo idntico, basta uma imperfeio para atrai.rra 'e outras ainda. Raramente haver uma alma negh-'te' em vencer um apetite que no tenha outros muitosdo primeiro se originam. E assim sempre vo caindo;os encontrado, por vrias vzes, pessoas a quelX).Deus~ra a graa de adiantar-se muito no caminho do des-,.dimento e da liberdade de esprito e que por conserva-a vontade prsa em algum pequeno apgo, sob pretxto

    "algum bem, convenincia ou amizade, da vieram a per-'gradualmente o esprito da santa solido, o gsto das

    de Deus, a alegria e a constncia nos exerccios es-

  • " 'f."'"'' '~""'\''':~''''''-f''''''''''~~~:'"''~o::'-r':'I';''-''.''''i''''''!''''''':'''''!'''''''''':'~~.~~"'"""'~"I':,,ry~"""~"'''!:'l"~';~-;-':~~~=:'',:-7''''!'~''.-"'.T':'Jl'''

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    ," A $ubidodo,Monte CtWm6Io/'

    Nrituais. ~~jpi~e, ~nfim" Uturul runa total, dev;.~,a.. 8e,terem J)Jivado, desde o ilCio,dsse apetiteou~~,~ ,BeU$v,el"ede ,no haverem guardado o coraoiun~mente pa~DeUS.i~V

    ~. Nesse caminho sempre se h de ir adiante para ~tao fim, isto , faz-se necessrio repelir todos os d~j\+nunca aliment-Ios, pois se no se acaba de os rep~~

  • consideradas comosimples imperfeies; suficiente ~ ~-sar de um vez todos os danos positivos. Embora sDb
  • ,}Jr6prio;paf sses conselhos; agora queremos smeplicar PPt"rClue:se chama noite esta passagem, em que'$Jteie, quais as suas partes. Todavia, no receio de ser,:~uu:Udo ' i de prejudicar o progresso das almas, Iio'dando 'imediatamente alguns avisos, indicar-lhes-eiaqu,meie!) .breve que as poder iniciar' na prtica destados, apetites. E, no fim de cada' uma das outras duas~' noite, das quais tratarei mais tarde com o auxflir$enhor" usarei o mesmo mtodo.

    2. Os avisos que se seguem, sbre o modo de venC!apetiteSiembora poucos e breves, so to proveitosos e,4azes quanto so compendiosos. Portanto, quem '\Terdad'',mente quiser p-los em prtica, no sentir falta de ou:ensinamentos, porque nestes esto encerrados todos. ,,~,.." 3. :P'imeiramente: tenha sempre a alma o desejo '~(i/'''~tiuode imitar a Cristo em tdas as coisas, conforman

  • s. PaTa chegares ,8 ser tudo, .No queiras ser coisa alguma.

    4. Para chegares a saber tudo,No queiras saber coisa alguma.

    5. Para chegares ao que no gostas,Hs de ir por onde no gostas.

    6. Para chegares ao que no sabes,Hs de ir por onde no sabes.

    7. Para vires ao que no possuis,Hs de ir por onde no possuis.

    8. Para chegares ao que no s,Hs de ir por onde no s.

    12. Modo de no impedir o tudo

    1. Quando reparas em alguma coisa,Deixas de arrojar-te ao tudo.

    2. Porque para vir de todo ao tudo,Hs de negar-te de todo em tudo.

    3. E quando vieres a tudo ter,Hs de t-Io sem nada querer.

    4. Porqpe se queres ter alguma coisa em tudoNoFtens puramente em Deus teu tesouro. '

    13. Nesta desnudez acha o esprito sua quietao e des-canso, pois nada cobiando,nada o fatiga para cima e nadao oprime para baixo, por estar no centro de sua humildade.Porque quando alguma coisa cobia, nisto mesmo se cansae atormenta.

    Explicao do segundo versQ da primeiracano.

    1. J comentamos o primeiro verso dessa cano quetrata da noite sensitiva, demos a entender a natureza destanoite e por que lhe damos ste nome; indicamos igualmenteo modo e a ordem a ser observada para que a alma nelapossa entrar ativamente. Vem a propsito, agora, tratar das

    propriedades e dos seus admirveis efeitos, expressos'seguintes versos da dita cano. Falarei dles brevemente,o prometi no Prlogo. Passarei, a seguir, ao segundo, que se ocupa da segunda parte desta noite, a saber, daitual.2. A alma diz que, de amor em vivas nsias infla-a, atravessou a noite escura dos sentidos para chegario com o Amado. De fato, para vencer todos os ape-e se privar dos gostos de tdas as coisas em cujo amor

    eto costuma a vontade se inflamar para delas gozar, erar outro maior incndio de mais excelente amor, que

    cie seu Espso; a fim de que, concentrando neste amor, a sua fra e alegria, pudesse achar valor e constnciaa fcilmente desprezar tudo o mais. Entretanto, paracer a violncia dos apetites sensveis, no bastaria ape-ser cativa do amor do Espso: ainda necessitava estar

    da nesse amor em vivas nsias. Sendo, como , asensitiva do homem,atrada e arrastada para as coisas

    veis pelas fortes nsias do apetite, se no estivesse am.rte espiritual inflamada, de outro lado, por nsias muito"~is vivas dos bens espirituais, seria a alma impotente para~rtar-se do jugo da natureza e entrar assim na noite dos

    .'~ntidos; e no teria coragem para ficar s escuras em re-Uloa tdas as coisas,.mortificando-seno apetite de tdas elas.

    3. Explicar a variedade e o modo dessas nsias de amorque as almas tm na entrada da via de unio, seus esforose .diligncias para sair da sua morada, que a prpria von-tade, na noite da mortificao dos sentidos, e declarar comoestas veementes nsias do Espso lhes fazem parecer fceis,e at doces e saborosos os trabalhos e perigos desta noite,no coisa para se dizer aqui, nem possvel exprimir comoseja. Bem melhor experimentar e considerar do que es-crever. E assim passaremos a explicar os outros versos nocaptulo seguinte.

  • Oh! ditosa ventura!Sa sem ser notada

    J minha casa estando sossegada.

    , 1. A alma, para expres$ar-se, toma por metfora ''O",,~r;veI estado do cativeiro; quem dle consegue escapar,,"estarvo de nenhum dos carcereiros tem por ditosaven

    V" ~ sua Iibeli;ao. Porque a alma, depois do pecado 0ri8i'est verdadeiramente como cativa neste corpo de morte,

    " ":1" jeita,$ ~ixQes.e apetites naturais; eis a ra2:ode consi '.' ,',,', ~diwsa velltura o harversado sem ser notada, fugindo'

    ',,,:: .'\:' " .'!, :' ~rco.esuj~io posmesmos, isto , sem que les a tenh,''~ido impe~ir ou deter.

    "'.i ,,' . 2. :Para isto lhe foi proveitoso sair na noite escura~~\"l,l,'que ,~,a privao de todos os gostos e a mortificao, de,~i.~os os apetites, do modo j indicado. Esta sada Se efet~.i sua, casa estando sossegada, ou, em outros tnnos, quan..do a parte sensitiva, que a casa de todos os apetites, ~t~'eIll repouso, pelo adormecimento e pela vitria alcal1adasa.; ,',".b~e les. Porque enquanto os apetites no se aquietanl'J)t~mortificaf>da parte sensitiva, ficando esta sossegada qUQ.rl~".a les, de, modo que nenhuma guerra" faam ao esprit~,~.alma no pode sair verdadeira liberdade para gozar daunio com seu Amado.

    Trata do meio prximo para alcanar aunio com Deus, que a f, e da segundaparte da Noite eseura, isto , daiNoite do

    esprito contida na seguinte cano.

    Na escurido,Pela secreta escada, disfarada,

    OhI ditosa ventura INa escurido, velada,J minha casa estando sossegada

  • ,'1. A alma canta, nesta segunda cano, a ditosa ven-de haver despojado o esprito de tdas as imperfeiestites de propriedades na coisas espirituais. Tanto maiorventura, quanto mais difcil estabelecer a paz na pr-perior a penetrar nesta obscuridade interior, que con-na desnudez do esprito, em relao a tdas as coisas

    veis e espirituais, apoiando-se a alma unicamente naa f para se elevar at Deus. A f aqui comparada aescada secreta, porque os seus diferentes graus e ar-so ocultos a todo sentido e entendimento. Obscurecida

    nto luz natural e racional, a alma sai assim dos seus',prios limites para subir esta escada divina da f que seva e penetra at s profundezas 'de Deus. Por ste mo-o, acrescenta que saiu disfarada, isto , durante a suaenso na f, despojou a veste e maneira de ser naturalra se revestir do divino e, graas a sse disfarce, 'lsca-

    ,ilipuU aos olhares do demnio, e a todo o temporal e radoRal,'~is nada disto pode prejudicar a alma caminhando na f.'l)e tal maneira vai aqui escondida e encoberta e to alheia".todos os enganos do demnio que verdadeiramente vai ca-nlinhando na escurido velada, isto , sem ser vista pelo

    '\;;!";d.emnio,para quem os esplendores da f so mais obscuros.;ii~f,;.. que as trevas.

    2. Eis por que a alma, envolvida pelo vu da f, cami-nha oculta ao demnio, como adiante demonstraremos. Pelo.Jnesmo motivo diz ter sado na escurido, segura, poisadianta-se com muita segurana nos caminhos de Deus aalma venturosa que toma unicamente a f por guia, libertan-dO-se de tdas as concepes naturais e razes espirituais.1)eclara ainda haver atravessado esta noite espiritual j suaea.sa estando sossegada, isto , quando sua parte espirituale racional estava em repouso. Em verdade, chegando ao es-~ da unio divina, a alma goza de grande sossgoem suaspotncias naturais e tem adormecidos os seus mpetos e n-sias sensveis na parte espiritual. No diz aqui como na pri-5*

  • meira noite do sentido: que saiu cem vivas nsias),para caminhar na noite sensitiva e Se despojar decoisas 'sensveis, necessitava das nsias veementes desensvel; mas para pacificar a casa do esprito s sea.negao de tdas as potncias, gostos e apetites.ttlais em pura f. Executado sse b:abalho, entrega.~a ao Amado numa unio de simplicidade e pureza e~Fsemelhana.rI 3. Observemos ainda: ao falar na primeira cano,pa:te sensitiva, a alma diz ter sado em uma noite esc".4qui, relativamente parte espiritual, acrescenta: saiuescurido:., por serem as trevas muito mais profundas, nnoite do esprito; assim a escurido mais sombria qunoite, por mais escura seja a noite, todavia nela algodistingue, enquanto na escurido nada se v. Assim, na ni,~do.sentido a alma goza d~ certa claridade, pois ainda 'll\i1',,;'/,i'resta alguma luz do entendunento e da razo que no edi'../.CgoS; mas na noite do esprito, que a f, a alma perm;"" .neee na privao de tda luz, seja intelectual, sjasensvet'Por isso canta, nesta cano, que caminha na escuridO,segura, - segurana possuda na primeira noite. E' certo, alma quanto menos age em virtude da prpria habilidade,mais segura vai, porque anda mais na f. E' o que irei ~li ..cando mais por extenso neste segundo livro; ao devtoli-tor peo benvola ateno, porque mui importantescoiS$S'$ediro .aqui para o verdadeiro esprito. Embora pal'ean'~~,tanto obscuras, de tal modo se esclarecem mutuamente' qletsegundo creio, sero bem entendidas. .

    EzplwCU}o da. segunda pa,rle da. Noite, ouda. sua. ca.usa. que a. f. Dua.s ro,zes nosprovam ser ela mais obscura. que a primeira

    e a terceira.

    1. Trataremos agora da segunda parte da noite escura,que a f, -'-- meio admirvel para nos conduzir ao fim,isto , a Deus. Ora, sendo Deus para a 'alma a terceira causa.ou parte desta noite como j dissemos, a f, que () meio,pode ser justamente comparada meia-noite. Assim pode-mos dizer:, a f para a alma mais escura que a primeira

    da noite e, de certo modo, mais ainda que a terceira.eito, comparamos a primeira parte, ou noite 'dos sen-

    , 80 crepsculo, ou seja, hora em que os objetos come-';a se obscurecer aos olhos; e no est to afastado da'w:!~moa meia-noite. A terceira parte, ou a aurora, isto".parte mais prxima do dia, no por sua vez to .~-

    quanto a meia-noite, pois j est perto da i1usful.oOrJ:Ilao da luz do dia, e esta comparada a Deu,.fora de dvida que, naturalmente. falando, Deus para

    .1Qa noite to escura quanto a f. No entanto, deeot-.essas trs partes da Noite, que para a alma MO na-

    .....~ente trevas, comea Deus a projetar sobrenaturalmen-~la um raio de sua luz divina que o princpio da unio'.eita, cuja consumao se realizar aps a terceira noite,"4e . claro .ser esta menos obscura.>'.~.'A primeira noite dos sentidos se relaciona com ,..

    inferior do homem e, por conseguinte, de algum :modo,isexterior. A segunda noite, a da f, referindo-se"st1perior ou racional, deve, em conseqncia, ser mais

    ,'e ltlais interior, porque despoja a alma de sua lUz'., cegando-a. Pode-se, pois, muito a propsito, com

    ,,~lameia..;noiteque o tempo mais tenebroso e' de maior" ..#dade.." ,,' Ji . I, ,8. Queremos provar agora como esta segunda parte da .r'

  • humano entendimento. Portanto, esta excessiva luz, que;\~alma recebe da f, converte-se em espssa treva, porqq~~.maior sobrepuja e vence o menor, assim comoa luz irrad~do sol obscurece o brilho de quaisquer luzes, fazendo.~mais parecerem luzes aos nossos olhos, quando le bri~!f\i;,vence nossa potncia visual. Em vez de dar-nos vista, '}~i,'seu esplendor nos cega, devido desproporo entre o m~'tiio sol e a potncia visual. De modoanlogo a luz da f, pI()seu grande excesso, supera e vence a luz de nosso en~"dimento que s alcana por si mesma a cincia natu~ll~!}iembora tenha, para as coisas sobrenaturais, a potncia ~,;!:mada obediencial, quando Nosso Senhor a quer pr em a~: "sobrenatural.. 2. O entendimento no pode conhecer por si mesmQcoisa alguma, a no ser por via natural, isto , s o qle.alcana pelos sentidos. Por st~ motivo, necessita de ima~gens para conhecer os objetos presentes por si ou por meiode s'emelhanas, como dizem os filsofos, ab obiecto et po-tentia paritur notitia, isto , do objeto presente e da .p0-tncia nasce na alma a notcia. Se falassem a alguma pes-soa de coisas jamais conhecidas ou vistas nem mesmo atra-vs de alguma semelhana ou imagem, no poderia eviden-temente ter noo alguma precisa a respeit do que lhe di~ziam. Por exemplo: dizei a algum que em certa ilha lon-gnqua existe um animal por le nunca visto, se n04~s-creverdes certos traos de semelhana dsse animal com~u-tros, no conceber idia alguma, apes;:tr de tdas as des-cries. ,Por outro exemplo mais claro se entender melhor.Se a um cego de nascena quisessem definir a cr brancaou amarela, por mais que explicassem, no o poderia en-tender, porque nunca viu tais cres, nem cbisa alguma se-melhante a elas, para ser capaz de formar juzo a sse res-peito; apenas guardaria na memria os seus nomes, percebi-dos pelo ouvido; mas ser-lhes-ia impossvel fazer idias decres nunca vistas.

    3. Desta maneira acontece f em relao alma; diz-noscoisas jamais vistas ou entendidas em si mesmas,nem em suassemelhanas, pois no as tm. Sbre as verdades da f nopodemos ter luz alguma de cincia natural, porque no so'proporcionadas aos nossos sentidos. SOmente pelo ouvidocremos o que nos ensinado, submetendo cegamente nossarazo luz da f. Segundo diz S. Paulo, A f pelo ouvido>

    '.~, ,;i.~m 10, 17); ou como se dissesse: a f no cincia;se possa adquirir pelos sentidos, mas s aquiescncia daao que lhe entra pelo ouvido.

    4. E ainda a f transcende muito mais os exemplos re-dos. Porque, alm de no produzir notcia e cincia, privascurece totalmente quaisquer outras notcias e cinciasque possam julgar bem dela. Com efeito, as outras ci-

    ias se adquirem com a luz do entendimento; mas aci-ia da f, sem a luz do entendimento, que se alcana,unciando a esta para adquirir aquela; pois com a luz,na-aI se perde. Por isso disse Isaas: Se no crerdes, nondereis (Is 7, 9). E' evidente, portanto, ser a f noitera para a alma, e assim a ilumina; e quanto mais a obs-e, mais luz irradia. Porque cegando d luz, conformeo profeta no texto citado: se no crerdes, no tereis luz.im foi figurada a f naquela nuvem que separava osos de Israel dos egpcios, na passagem do Mar Verme-. A Sagrada Escritura diz: A nuvem era tenebrosa e,ilu-itlava a noite (l1X14, 20) .

    ,!i! 5. Admirvel coisa: sendo tenebrosa iluminava a noite!):,'j,ssima f, - nuvem tenebrosa e obscura para a alma que!~bm noite, pois, em presena da f, torna-se cega e!'~vada da luz natural, - com sua obscuridade, ilumina en;:lisclarecea treva da alma; porque assim convinha ao dis-r,: O ser semelhante ao mestre. O homem, segundo o en-

    ento do Salmista, vivendo nas trevas s pode ser ilu-'lJ.itladopor outras trevas: O dia anuncia ao dia esta ver-,~de e a noite mostra sabedoria noite (SI 18, 3). Mais

    ,,'ielaramente quer dizer: O dia, que Deus na bem-aventu'-:'~tla, onde j de dia para os Anjos e Santos que tambmI' $io dia, anuncia e comunica-lhes a palavra eterna que '. '~u Divino Filho, para que o conheame o gozem.E a noite,'Ctue a f na Igreja militante, onde ainda de noite, co-Jnunica a cincia Igreja, e por conseguinte a tda alma,~!',ue,em' si mesma, noite, porque ainda no goza da clara, $ibedoria beatfica, e diante da f fica privada da sua luzhatural.

    6. Portanto, seja esta a nossa concluso: a f, escuranoite, ilumina a alma, que tambm noite escura, e se' ve-rificam ento ,as palavras de David a ste propsito: Anoite se converte em claridade para me descobrir as mi-

  • ns, no ehegar ao mais elevado que justamente nosa f.

    3.0 cego no inteiramente cego no se deixa guiar di.por quem o conduz. Pelo fato de enxergar Um pouco,

    ver algum caminho j lhe parece mais seguro ir por ali,~ue no v outros; e como tem autoridade, pode fazerar a quem o guia e v mais do que le. Do mesmo modoalma .apoiada em qualquer cincia, ou gsto, ou senti-anto de Deus, para chegar unio, - alm de ser tudo

    t!Sto muito menos e muito diverso do que Deus - fcil..lJn.eritese eXtravia ou pra no caminho, por no se conser-''Vi\rcega na pura f, sua verdadeira guia.'" 4. Tal o pensa~ento de So Paulo: E' necessrio que"\)que se chegar a Deus creia que le existe (Heb 11, 6).lElrl outros trmos: quem aspira a unir-se a Deus,no h deir" htehdendo nem se apoiando em seus sentimentos e ima~:gfuao,mas h de crer simplesmente no infinito Ser divi-:bo - pos. as concepes da inteligncia humana, por mais

    ri61lblimessejam, ficam a uma distncia incomensurvel das; perfeies de Deus e do que a sua pura posse nos .revelarli; um dia. Isaas e So Paulo dizem: O lho no viu, ,nemo ouvido ouviu, nem jamais subiu ao corao humano o que'Deus tem preparado para os que o amam (Is 64 e 1 Cor'2, 9). Se a alma, portanto, pretende unir-se perfeitamente;'-pelagraa neste mundo quele a quem se h de unir pela.'g16ria na outra vida, - na unio eterna da qual, declra o,';Apstolo que lho no viu, nem ouvido ouviu, nem coroi,humano jamais pde compreender - c1aroest que para~egar a essa perfeita unio de graa e de amor, aqui naterra, dever permanecer s escuras de tudo quanto pode

    ,'l%ltrarpelolho, perceber-se pelo ouvido, imaginar-se com.,a fantasia ou compreender-se com o corao, que neste ca-.'itosignifica a mesma alma. Notvelmente se desvia do ca-,',>tninhoda unio com Deus, quando se apega a algum sen-;~'i;~nto, imaginao, parecer, vontade ou modo prprio, enfimi/))'kqualquer obra ou coisa sua, no sabendo desprender-se e des-

    (i,:\',W-se de tudo isto. J vimos comoo fim ao qual a ~lma aspira'r,:'r'~pera tudo o que possa conhecer e gostar de maIS elevado:"'\~~tingi-Io; hde passar a alma em tudo ao no saber.

    , , ":: 5. Entrar, pois, neste caminho, sair do seu prprio.ealrQn,OO, ou, para melhor dizer, caminhar diretamente para

    nhas delcias. (SI 138, 11). Isto : nos deleites de'pura contemplao e unio com Deus, a noite daii?''''m,jnha,guia, evidenciando-se que a alma h de estar enlva para ter luz neste caminho.

    Deve a alma permaneceT em tTeva8, tantoquanto dela dependeT, a fim de Ser guiadacom seguTa1tapela f suma. contemplru;o.

    I. Espero ter dado a entender, ao menos em parte,a f noite escura para a alma, e como h de ficat;mesma alma na obscuridade, privada da prpria luz lUli,l,'al, para deixar-se conduzir pela f s sublimes alturas:pni~o. Todavia, para atingir ste fim, convm particula .a natureza desta obscuridade que deve introduzir a a((,no abismo da f. Falarei,no presente captulo, dste asJ;','",sunto em geral e, mais tarde, com o auxlio divino, illdi~"ca;reiminuciosa:mente o modo de no errar nesta noite, DeIl1impedir a ao de tal guia.

    2. Para caminhar com segurana, luz, da f, aab:nadeve ficar s escuras no s quanto parte sensvel e .i~;"ferior relativa s criaturas e ao' temporal, mas tambln ,q~ ..to parte 'racional e superior, de que vamos tratando a~~'- cujo objeto Deus e tdas as coisas espirituais. ,~a'chegar a alma transformao sobrenatural, evidentem.~teh de obscurecer-se e transpor-se alm dos limites da :vidanatural, sensitiva e racional. Porque ,sobrenatural significaprecisamente passar acima do natural; portanto O natQra1.deve ficar abaixo. Co~o a transformao e a unio divina ~opodem cair em sentido e habilidade humana, a alma para achegar tem necessidade do perfeito desapgo de tdasascoisas, inferiores e superiores, segundo a afeio e vontade;empregando nisso tda a sua diligncia. Da parte de Deus,que no far ~le numa alma assim despojada, abnegada aniquilada? E' mister estar vazia e livre, mesmo quanto aosdons sobrenaturais recebidos, permanecendo s escuras, comocega, apOiada na f e tomando-a por guia, luz e apoio. Nodeve fazer caso do que ouve, gosta, sente ou imagina, poIStudo isso treva que a far errar o caminho; e a f estacima de tdas essas coisas. Se no quiser ficar totalmente

  • o trmo, deixando seu modo limitado a fim de penetrar emDeus que no tem modo. A alma, chegada a sse, j no temmodos particulares, nem se apega ou pode apegar-se a les,isto , no mais se prende ao prprio modo de entender,gostar e sentir, conquanto tenha em si todos os modos; as-sim como quem nada tendo possui tudo excelentemente.Tendo tido nimo para transpor os estreitos limites de suanatureza, tanto no interior como no exterior, entra em li-mite sobrenatural que no tem modo algum, embora, emsubstncia, encerre todos os modos. Para chegar a isto, preciso abandonar tudo aquilo, apartar-se daqui e dali esair para muito longe de si, deixando o baixo para possuiro altssimo.

    6. A alma, portanto, ultrapassando tdas as coisas quepode, espiritual e temporalmente, gozar e compreender, deveaspirar ardentemente a alcanar o bem que nesta vida lhe impossvel conhecer ou experimentar em seu corao. E, dei-xando aps si todos os gostos temporais e espirituais queencontra ou pode encontrar neste mundo, h de desejarcom ardente desejo chegar ao que excede todo gsto e sen-timento. Para ficar livre e despojada, de modo a poder al-canar ste fim, de forma alguma h de apegar-se quilo queespiritual ou sensivelmente recebe (conforme explicaremosao tratar desta matria), considerando tdas essas coisascomo muito inferiores. Porque, quanto maior valor d a tu-do quanto entende, goza e imagina, e quanto mais o estima,seja coisas espirituais ou no, tanto mais se afasta dobem infinito e mais se retarda em alcan-Io; e pelo con-trrio, quanto menos pensa que tudo quanto recebe, emcomparao a sse bem supremo, mais est~ma faz dle, econseqentemente mais depressa chegar a possu-Io. Dstemodo, s escuras vai a alma a passos rpidos se adiantan-do no caminho da unio, por meio da f que, sendo tambmescura, na mesma escurido admirvelmente a ilumina. Cer-tamente se a alma quisesse ver, ficaria, a respeito das coi-sas divinas, muito mais cega do que algum a fixar os olhosno esplendor do sol.

    7. Neste caminho, cegando-se em suas potncias queh de ver a luz, segundo o Salvador diz no Evangelho:Eu vim a ste mundo para juzo, a fim de que os queno vem vejam, e os que vem se faam cegos (Jo 9, 39).Estas palavras so literalmente aplicveis a sse caminho

    espiritual, no qual a alma, estando s escuras e cega quan-to a tdas as suas luzes prprias e naturais, ver de modosobrenatural. E aquela que quiser guiar-se por suas luzesparticulares permanecer na mais profunda obscuridade de-tendo-se no caminho da unio.

    8. Ser til, para evitar qualquer confuso, definir nocaptulo seguinte o que denominamos unio da alma comDeus. ste ponto, uma vez esclarecido, muito elucidar anossa exposio mais adiante. Assim, acho conveniente tra-tar disso aqui, como em lugar oportuno. Embora se corteo fio do que vnhamos declarando, no ser fora de pro-psito: antes servir para esclarecer melhor o presente as-sunto. O captulo seguinte ser, ento, como um parntesis,psto entre o mesmo entimema " e logo depois comearemosa tratar, em particular, das trs potncias em relao strs virtudes teologais nesta segunda noite espiritual.

    Explica-se, por uma comparao, o que a unio da alma com Deus.

    1. Pelo que dissemos at agora, j se compreende dealgum modo o que seja a unio da alma com Deus; portantoj no ser to difcil explic-Io aqui. Alis, no minhainteno tratar neste captulo das divises desta unio, por-que seria interminvel querer explanar aqui as vrias for-mas de unio do entendimento, da vontade e da memria,qual seja a transitria e qual a permanente em cada po-tncia, depois a unio total transitria e permanente se-gundo tdas as potncias juntas. Disso a cada passo iremostratando, j de uma, j de outra, conforme se apresentar aocasio. Por ora no necessrio explicar tudo, para dara entender o que vamos dizer aqui da unio; quando che-gar o momento de tratar dos seus diferentes graus, vere-mos essa matria esclarecida com exemplos vivos, e assimjulgar-se- melhor de cada coisa a seu tempo.

    2. Limitar-me-ei agora a falar da unio total e perma-nente, segundo a substncia da alma e as suas potncias,

    1 "Entimema": silogismo incompleto com duas proposies, cha-mada uma antecedente e outra conseqente.

  • quanto ao hbito obscuro de unio. Pois quanto ao ato, ex-plicaremos depois, com a graa divina, como no pode ha-ver nesta vida unio permanente em tdas as potncias, mass a unio transitria.

    3. Para compreender, pois, qual seja esta unio de quevamos tratando, necessrio saber que Deus faz moradasubstancialmente em tda alma, ainda que seja a do maiorpecador do mundo. Esta espcie de unio existe sempre en-tre Deus e as suas criaturas, conservando-lhes o ser: semessa presena, seriam aniquiladas e cessariam de existir.Assim, quando falamos de unio da alma com Deus, nonos referimos unio substancial sempre permanente, mas unio e transformao da alma em Deus por amor, srealizada quando h semelhana de amor entre o Criadore a criatura. Por sse motivo, dar-lhe-emos o nome de uniode semelhana, assim como a outra se chama unio essen-cial ou substancial. Esta natural: aquela sobrenatural,e se consuma quando as duas vontades, a da alma e a deDeus, de tal modo se unem e conformam que nada h emuma que contrarie a outra. Assim, quando a alma tirar desi, totalmente, o que repugna e no se identifica vontadedivina, ser transformada em Deus por amor.

    4. Trata-se aqui no s do que repugna a Deus segun-do o ato, mas tambm segundo o hbito. E' necessrio, pois,abster-se no somente dos atos voluntrios de imperfeies,como ainda aniquilar os hbitos dessas mesmas imperfeies.Tda criatura e tdas as suas aes e habilidade no podemchegar at Deus, nem ter com ~le proporo alguma; poresta razo mister alma desprender-se de qualquer afei-o ao criado, de tudo quanto diz respeito s suas aese sua habilidade natural, isto , de sua maneira de enten-der, gostar e sentir; para que, rejeitando tudo que se opea Deus e lhe dissemelhante, torne-se apta a receber a se-melhana divina. Quando tudo, afinal, se tornar conforme vontade de Deus, j no existir obstculo para a comple-ta transformao nle. Em verdade, Deus, sempre presentena alma, lhe d e conserva o ser natural, com sua assistn-cia. No entanto, no lhe comunica sempre o ser sobrena-tural, porque ste s se comunica por amor e graa. Ora, nemtdas as almas se acham na graa divina, e mesmo as queo esto no a possuem em grau idntico, pois o fogo doamor aquece mais a umas que a outras. Desta forma, Deus

    ~\~munica mais al~a mais adianta,da Anoamor, isto ,

    f"i' . 8 cuja vontade maIS se conforma a dele. Sendo a con-' ....." idade perfeita, a unio e transformao sobrenatural,,'i, "~ consumada. Segundo esta doutrina, certo que, quan-":ij.imaisse prende a alma criatura e con~i~nas suas habi-i'fitlades naturais, segundo o afeto e o habIto, menos apta"'~ para tal unio, porque no permite a Deus transfor-:i~-la totalmente no sobrenatural. Assim necessrio ape-

    'i,('1J,as desembaraar-se de tdas as oposies e. disseme!hanas'ri!:j)Aturais,para que Deus, alm de lhe comUnIcara VIda na-:'i,;'~uralpor natureza, venha comunicar-lhe a vida sobrenatu-,,/;:'1"alpor graa. _, 5. Isto quis dizer-nos S. Joo nestas palavras: Que naonasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da von-tade do vero, mas de Deus (Jo 1, 13). E' como se dissesse:o poder de se tornarem filhos de Deus e de nle se trans-formarem dado somente aos que no so nascidos no san-gue, isto , das disposies naturais; nem da vontade dacarne ou do alvedrio da habilidade e capacidade natural, me-nos ainda da vontade do homem; e nisto se entende tdamaneira e modo humano de julgar e conceber segundo arazo. A nenhum dsses foi dado o poder de se tornaremfilhos de Deus, seno queles que nasceram de Deus, ou emoutras palavras, aos que, voluntriamente mortos ao velhohomem, so elevados at vida sobrenatural, recebendo deDeus a regenerao e a filiao divina, que acima de tudoo que se pode pensar. Porque, como diz o mesmo Apstolonoutra passagem: Quem no renascer da gua, e do Es-prito Santo, no pode entrar no reino de Deus (Jo 3, 5).Isto , quemno renascer do Esprito Santo jamais ver o reinode Deus que o estado de perfeio. Ora, renascer do Es-prito Santo nesta vida tornar-se semelhante a Deus poruma pureza que no admite mescla de imperfeio; somenteassim realizada a transformao perfeita, por participa-o de unio, embora no essencialmente.

    6. Faamos uma comparao para melhor explicar onosso assunto. Se o raio de sol vier refletir-se sbre umvidro manchado ou embaciado, no poder faz-Io brilhar,nem o transformar em sua luz de modo total, como fariase o vidro estivesse limpo e isento de qualquer mancha;ste s resplandecer na proporo de sua pureza e limpi-dez. O defeito no do raio, mas do vidro; porque, se o

  • vidro estivesse perfeitamente lmpido e puro, seria de talmodo iluminado e transformado pelo raio que pareceria omesmo raio, e daria a mesma luz. Na verdade, o vidro, em-bora fique parecendo raio de luz, conserva sua naturezadistinta; contudo podemos dizer que, assim transformado, fi-ca sendo raio ou luz por participao. Assemelha-se a ssevidro a alma sbre a qual investe incessantemente, oupor melhor dizer, nela reside, - esta divina luz do ser deDeus por natureza, conforme j explicamos.

    7. Logo que a alma se disponha, tirando de si todo vue mancha de criatura, tendo sua vontade perfeitamente uni-da de Deus, - porque o amor consiste em despojar-se edesapegar-se, por Deus, de tudo que no le, - fica trans-formada naquele que lhe comunica o ser sobrenatural, detal maneira que parece o mesmo Deus, e tem em si mesmatudo o que Deus tem. Esta unio se realiza quando o Se-nhor faz alma esta sobrenatural me