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Superior Tribunal de Justiça
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.091.654 - PR (2008/0213162-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIAGRAVANTE : CLODOALDO DO NASCIMENTO RODRIGUES ADVOGADO : JOSÉ SILVIO GORI FILHO AGRAVADO : CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA ADVOGADO : ELIAN PRADO CAETANO E OUTRO(S)
EMENTA
DIREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SOLIDARIEDADE PASSIVA. DOIS CO-DEVEDORES. TRANSAÇÃO COM UM DELES. OUTORGA DE QUITAÇÃO PLENA. EXTINÇÃO DA SOLIDARIEDADE.DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO EFETIVO. DANOS MORAIS. ALTERAÇÃO PELO STJ. VALOR EXORBITANTE OU ÍNIFMO. POSSIBILIDADE.- Na solidariedade passiva o credor tem a faculdade de exigir e receber, de qualquer dos co-devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum. Havendo pagamento parcial, todos os demais co-devedores continuam obrigados solidariamente pelo valor remanescente. O pagamento parcial efetivado por um dos co-devedores e a remissão a ele concedida, não alcança os demais, senão até a concorrência da quantia paga ou relevada.- Na espécie, contudo, a sobrevivência da solidariedade não é possível, pois resta apenas um devedor, o qual permaneceu responsável por metade da obrigação. Diante disso, a consequência lógica é que apenas a recorrida permaneça no pólo passivo da obrigação, visto que a relação solidária era constituída de tão-somente dois co-devedores.- O acolhimento da tese do recorrente, no sentido de que a recorrida respondesse pela integralidade do valor remanescente da dívida, implicaria, a rigor, na burla da transação firmada com a outra devedora. Isso porque, na hipótese da recorrida se ver obrigada a satisfazer o resto do débito, lhe caberia, a teor do que estipula o art. 283 do CC/02, o direito de exigir da outra devedora a sua quota, não obstante, nos termos da transação, esta já tenha obtido plena quitação em relação à sua parte na dívida. A transação implica em concessões recíprocas, não cabendo dúvida de que o recorrente, ao firmá-la, aceitou receber da outra devedora, pelos prejuízos sofridos (correspondentes a metade do débito total), a quantia prevista no acordo. Assim, não seria razoável que a outra devedora, ainda que por via indireta, se visse obrigada a despender qualquer outro valor por conta do evento em relação ao qual transigiu e obteve quitação plena.- Os arts. 1.059 e 1.060 do CC/02 exigem dano material efetivo como pressuposto do dever de indenizar. O dano deve, por isso, ser certo, atual e subsistente. Precedentes.
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- A intervenção do STJ, para alterar valor fixado a título de danos morais, é sempre excepcional e justifica-se tão-somente nas hipóteses em que o quantum seja ínfimo ou exorbitante, diante do quadro delimitado pelas instâncias ordinárias. Precedentes.Agravo provido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nesta parte, lhe dar provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 17 de março de 2009(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora
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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.091.654 - PR (2008/0213162-8)
AGRAVANTE : CLODOALDO DO NASCIMENTO RODRIGUES ADVOGADO : JOSÉ SILVIO GORI FILHO AGRAVADO : CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA ADVOGADO : ELIAN PRADO CAETANO E OUTRO(S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por CLODOALDO DO
NASCIMENTO RODRIGUES, com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra
acórdão proferido pelo TJ/PR.
Ação: de indenização por danos materiais e morais, ajuizada pelo recorrente,
pescador, em desfavor de CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA., e de Sociedade
Naviera Ultragás Ltda. (doravante denominada “Ultragás”), objetivando a reparação dos
prejuízos decorrentes da explosão de navio de propriedade desta, enquanto atracado no terminal
da recorrida.
Segundo consta da inicial, em 2004, “com a explosão houve o vazamento de
óleo combustível e metanol, substâncias que se alastraram rapidamente por toda a baía de
Paranaguá, Antonina e Guaraqueçaba, o que veio a resultar na proibição de pesca durante
53 (cinqüenta e três dias) (...), queda da produção pesqueira nas baías, e, ainda, esse dano
será sentido durante longos anos uma vez que os manguezais foram seriamente atingidos,
prejudicando todo um ecossistema e uma cadeia ecológica ” (fls. 03).
Transação: o recorrente e a Ultragás formalizaram acordo (fls. 44/47), por meio
do qual o pescador e seu advogado receberam R$713,72, dando à proprietária do navio, por
conta disso, “plena, geral e irrevogável quitação para nada mais reclamar, nesta ou em
outra ação, em relação a qualquer indenização a qualquer título decorrente da explosão do
navio”, ressalvando expressamente, contudo, que de tal quitação ficava excluída a recorrida. O
acordo foi homologado pelo Juiz, que julgou extinto o processo em relação à Ultragás e
determinou o prosseguimento da ação contra a recorrida (fls. 54).
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Sentença: julgou extinto o processo, sem o julgamento do mérito, sob o
argumento de que “a transação havida entre o(a) autor(a) e Sociedade Naviera Ultragás
Ltda. – uma das demandadas como causadora do dano – extinguiu a dívida em relação a
Cattalini Terminais Marítimos Ltda. que figura no pólo passivo da demanda como
devedora solidária ” (fls. 228/232).
Acórdão: inconformado, o recorrente interpôs apelação, tendo o TJ/PR dado
provimento ao recurso, nos termos do acórdão (fls. 321/333) assim ementado:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PESCADOR. EXPLOSÃO DO NAVIO VICUÑA NA BAÍA DE PARANAGUÁ. DEMANDA AJUIZADA CONTRA O ARMADOR DO NAVIO E CONTRA A PROPRIETÁRIA DO ATRACADOURO ONDE SE ENCONTRAVA O NAVIO. AUTOR QUE CELEBRA TRANSAÇÃO COM A PRIMEIRA RÉ, PRETENDENDO CONTINUAR NO PROCESO CONTRA A SEGUNDA. SENTENÇA QUE EXTINGUE O PROCESSO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL, SOB O FUNDAMENTO QUE O AUTOR TERIA DADO QUITAÇÃO INTEGRAL NA TRANSAÇÃO CELEBRADA.
Preliminares em contra-razões.1. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. CO-RÉS QUE SÃO
SOLIDARIAMENTE RESPONSÁVEIS PELOS DANOS AMBIENTAIS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 225, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS ARTIGOS 3º, IV E 4º, VII, DA LEI Nº 6.938/81. CARÊNCIA DE AÇÃO NÃO CONFIGURADA. PRELIMINAR AFASTADA.
2. ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA QUANTO AO MÉRITO DA CAUSA. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL QUE SE APURA OBJETIVAMENTE, NÃO HAVENDO SE DISCUTIR CULPA. APRECIAÇÃO DO MÉRITO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 14, § 1º, DA LEI 6.938/81 QUE PERMITE AO TRIBUNAL ANALISAR, DESDE LOGO, O MÉRITO DA DEMANDA. MATÉRIA PRONTA PARA DECISÃO EM SEGUNDO GRAU. APLICAÇÃO TAMBÉM DO ARTIGO 515, § 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SEM QUE ISSO IMPLIQUE EM OFENSA À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. PRELIMINAR AFASTADA.
3. ALEGAÇÃO DE QUE A REVOGAÇÃO DO MANDATO DOS ADVOGADOS TORNA INEPTA A PETIÇÃO INICIAL. SUBSTABELECIMENTO POSTERIOR QUE NÃO TEM QUALQUER INFLUÊNCIA, PODENDO O SUBSTABELECENTE, INCLUSIVE, EMENDÁ-LA, DESDE QUE OBSERVADAS AS EXIGÊNCIAS PROCESSUAIS. PRELIMINAR AFASTADA.
4. CONDIÇÃO DE PESCADOR. PROVA SUFICIENTE NESSE SENTIDO. EXPIRAÇÃO DO PRAZO DE VALIDADE DA CARTEIRA DE PESCADOR QUE NÃO IMPLICA NA PRESUNÇÃO DE QUE A ATIVIDADE NÃO É MAIS EXERCIDA. ÔNUS PREVISTO NO ARTIGO 333, I, QUE RESTOU OBSERVADO. PRELIMIINAR AFASTADA.
5. PRETENSÃO DE IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO POR LITIGÂNCIA DE
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MÁ-FÉ. AUTORA QUE DENUNCIA PROMESSA DE ACORDO FEITA PELA CATTALINI E JUNTA PROVAS NESSE SENTIDO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. PRELIMINAR AFASTADA.
6. ALEGAÇÃO DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. MATÉRIA QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. AFASTAMENTO COMO PRELIMINAR
Apelação.PRETENSÃO DE REFORMA DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU A AÇÃO
EM RELAÇÃO À RÉ CATTALINI, SOB A ALEGAÇÃO QUE ESTA TAMBÉM RESPONDE, POIS A TRANSAÇÃO COM A OUTRA RÉ (NAVIERA ULTAGÁS) SÓ PRODUZ EFEITO ENTE ESTA RÉ E O AUTOR. PRETENSÃO QUE DEVE SER ATENDIDA. NÃO APLICAÇÃO DO § 3º DO ARTIGO 844 DO CÓDIGO CIVIL PORQUE O ACÓRDO SE DEU SOBRE PARTE DO DÉBITO PLEITEADO O QUE IMPLICARIA, NO CASO CONCRETO, EM ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 515, § 3º, DO C.P.C. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE QUE, POR SER OBJETIVA, INDEPENDE DA PROVA DA CULPA. DANO MORAL CONFIGURADO PELA IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE PESCADOR. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE DEVE EQUIVALER ÀQUELE OBJETO DO ACORDO FEITO COM A CO-RÉ, ACRESCIDO DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE A DATA DA CELEBRAÇÃO DESSE ACORDO. APELAÇÃO PROVIDA, COM APLICAÇÃO DO ARTIGO 515 § 3º DO C.P.C. COM JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO E CONDENAÇÃO AO VALOR IGUAL AO ACORDO COM A OUTRA RÉ.
PRELIMINARES AFASTADAS.APELAÇÃO PROVIDA COM JULGAMENTO DO MÉRITO DA AÇÃO”.
Embargos de declaração: interpostos pela recorrida (fls. 336/347), forma
rejeitados pelo TJ/PR (fls. 353/359).
Recurso especial: alega o recorrente (fls. 368/381) que o acórdão recorrido
violou os arts. 275 e 277 do CC/02, bem como divergiu da jurisprudência de outros Tribunais, na
medida em que, tendo sido apenas parcial o acordo firmado com a Ultragás, a recorrida
permaneceu obrigada solidariamente pelo restante da dívida.
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/PR admitiu o recurso especial (fls.
414/415).
Decisão monocrática: neguei seguimento ao recurso especial, nos termos da
decisão unipessoal (fls. 421/423) assim ementada:
“Recurso especial. Responsabilidade civil. Transação. Extinção da obrigação. Súmula 83/STJ.
- A transação pressupõe concessões mútuas dos interessados e produz entre as partes o efeito de coisa julgada, rescindível apenas por vício
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comprovado.- Não se conhece do recurso especial se o entendimento adotado pelo
Tribunal de origem encontra-se em consonância com a jurisprudência do STJ. Súmula 83/STJ.
Recurso especial a que se nega seguimento ”.
Agravo regimental: alega o agravante que “não há que se falar em extinção da
obrigação porque o Recorrente pescador não transacionou com a empresa causadora do
dando ambiental ora Recorrida, apenas fez acordo parcial com o armador do navio
(responsável solidário), nos termos possibilitados pelo artigo 275 e 277 do Código Civil”
(fls. 436).
É o relatório.
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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.091.654 - PR (2008/0213162-8) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIAGRAVANTE : CLODOALDO DO NASCIMENTO RODRIGUES ADVOGADO : JOSÉ SILVIO GORI FILHO AGRAVADO : CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA ADVOGADO : ELIAN PRADO CAETANO E OUTRO(S)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a controvérsia a determinar se, celebrada transação entre o credor e um
dos devedores solidários, com o pagamento acordado e a outorga de quitação geral e irrestrita,
mas com a ressalva de que tal quitação não abrangia o outro devedor solidário, pode o credor
prosseguir com a ação para obter a condenação deste pelo valor integral do débito
remanescente.
Melhor explicando, no particular o recorrente ajuizou ação contra a recorrida e a
Ultragás, devedores solidários, visando à condenação destes ao pagamento de indenização por
danos materiais e morais por ele então estipulados em R$49.000,00. Antes mesmo da citação, a
Ultragás e o recorrente formalizaram acordo, por meio do qual este recebeu R$713,72, dando
àquela, por conta disso, “plena, geral e irrevogável quitação para nada mais reclamar, nesta
ou em outra ação, em relação a qualquer indenização a qualquer título decorrente da
explosão do navio” (fls. 45), ressalvando expressamente, contudo, que de tal quitação ficava
excluída a recorrida.
O Juiz de 1º grau de jurisdição extinguiu o processo, sem o julgamento do mérito,
sob o argumento de que, com a transação, “houve extinção da dívida também em relação ao
co-devedor remanescente ” (fls. 230).
O TJ/PR, por sua vez, reconheceu a incidência do art. 277 do CC/02 à espécie,
porém ressalvou que “o apelante já celebrou transação com a co-ré SOCIEDADE NAVIERA,
pelo qual aceitou receber a importância de R$713,72 (...). Destarte, se referido montante já
foi aceito pelo apelante no acordo feito com a co-ré, então é prudente que esse valor
também seja considerado para onerar, do mesmo modo, ambas as rés solidariamente
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responsáveis, sob pena de ofender o princípio da igualdade entre os litisconsortes passivos ”
(fls. 332).
Agora, em sede de recurso especial, o recorrente pretende ver reformado o
acórdão do TJ/PR, para que a recorrida seja condenada a lhe pagar “indenização a titulo de
danos materiais e morais (...) no valor de R$37.400,00, que equivalem a 100 salários
mínimos decrescidos de R$713,72 já pagos pela Sociedad Naviera Ultragas através de
acordo ” (fls. 380/381). Para fundamentar sua pretensão, aduz que, nos termos dos arts. 275 e
277 do CC/02, tendo o pagamento sido parcial, a recorrida continua obrigada solidariamente
pelo restante da dívida.
I. Da decisão que negou seguimento ao recurso especial
Por intermédio de decisão unipessoal neguei seguimento ao recurso especial, com
fulcro na Súmula nº 83 do STJ, afirmando estar assente nesta Corte “o entendimento no sentido
de que a transação, enquanto acordo de vontades, é forma de extinção das obrigações.
Portanto, uma vez reconhecida a transação, extingue-se a dívida em relação aos
devedores ” (fls. 422).
Todavia, não foi levada em consideração particularidade presente na espécie,
destacada pelo TJ/PR, consistente no fato de que “o pagamento, pelo acordo, foi parcial ” (fls.
330). Tal peculiaridade, não abordada nos julgados alçados a paradigma, torna inaplicável o
mencionado enunciado sumular, de modo que a decisão monocrática há de ser reconsiderada
para viabilizar a análise do mérito do recurso especial, o que faço a seguir.
II. Dos limites da solidariedade passiva
De acordo com o art. 275 do CC/02, na solidariedade passiva o credor tem a
faculdade de exigir e receber, de qualquer dos co-devedores, parcial ou totalmente, a dívida
comum.
Este mesmo dispositivo legal estabelece, ainda, que havendo pagamento parcial,
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todos os demais co-devedores continuam obrigados solidariamente pelo valor remanescente,
sendo complementado pelo art. 277 do CC/02, o qual dispõe que, o pagamento parcial efetivado
por um dos co-devedores e a remissão a ele outorgada, não alcança os demais, senão até a
concorrência da quantia paga ou relevada.
Há na espécie, entretanto, uma peculiaridade: o recorrente celebrou transação com
um dos co-devedores, aceitando, com efeito de pagamento, valor inferior ao postulado na petição
inicial, concedendo-lhe plena, geral e irrevogável quitação.
O pagamento parcial, a remissão, a dação ou a novação implicam exoneração
daquele devedor-solidário, subsistindo para os demais o dever de pagar o restante do débito,
abatido o valor remido, dado em pagamento ou novado.
Na hipótese dos autos, a relação jurídica é constituída de apenas dois devedores
solidários, cuja consequência é que somente um ficou responsável pelo valor restante da
obrigação. Esse valor remanescente, segundo melhor exegese do art. 282, parágrafo único, do
CPC, é aquele que resulta da subtração da quota-parte que cabia ao devedor exonerado da
relação solidária. Como no particular, a obrigação, na relação jurídica interna, era de 50% para
cada co-devedor, o pagamento de qualquer valor por um deles, aceito pelo credor, com quitação
geral, importa subtração de 50% do total da dívida.
O ato de transacionar com um dos co-devedores, aceitando valor inferior ao que
era pleiteado, como já dito alhures, exonera totalmente esse co-devedor. E, o efeito quanto aos
demais co-devedores é, de regra, a sobrevivência da solidariedade, mas com a diminuição da
obrigação em valor correspondente à quota-parte daquele co-devedor remido.
Na presente hipótese, contudo, a sobrevivência da solidariedade não é possível,
pois resta apenas um devedor, o qual permaneceu responsável por metade da obrigação.
Ressalto, por oportuno, que muito embora não tenha o credor expressamente renunciado à
solidariedade, a consequência lógica é que apenas a recorrida permaneça no pólo passivo desta
obrigação, visto que a relação solidária era constituída de tão-somente dois co-devedores.
O que interessa para a solução do conflito é que a recorrida Cattalini tem o direito
de abater a quota-parte do co-devedor remido. O mestre Caio Mário da Silva Pereira é bastante
claro ao ensinar os efeitos extintivos da solidariedade passiva, observando que, em caso de
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pagamento parcial:
“todos os devedores continuam obrigados pelo remanescente, acrescendo que o vínculo continua com as mesmas características, isto é, subsiste a solidariedade entre todos os devedores pelo saldo devedor. Daí a conseqüência imediata: efetuando um dos devedores pagamento parcial, ficam os demais exonerados até a concorrência da quantia paga, e solidariamente devedores do restante (...).
A remissão, obtida por um dos devedores, prevalece na extensão em que foi concedida, aproveitando aos demais co-devedores, até a concorrência da quantia relevada (Código Civil de 2002, art. 277). Há, pois, diferença nos efeitos da remissão, na solidariedade ativa e na passiva, pois que, se naquela a que concede qualquer credor extingue a obrigação, nesta opera a extinção até a concorrência da quantia remitida, ou seja, na parte correspondente ao devedor perdoado. Por isso é que a doutrina aconselha uma ressalva: em se tratando de remissão pessoal, isto é, o perdão dado pelo credor a um determinado devedor, somente este se exonera da obrigação, e nada mais deve, cabendo tão-somente abater, na totalidade da dívida, a parte correspondente ao devedor forro (...).
Se o credor houver perdoado toda a dívida, extingue-se a obrigação, e é oponível a todos os co-obrigados. Sendo a remissão dada a um dos co-devedores, fica este liberado, mas a faculdade de demandar o pagamento aos demais co-obrigados está subordinada à dedução da parte relevada. Se o credor exigir de qualquer delas a solução da obrigação, o devedor demandado pode opor ao credor a remissão, somente até à concorrência da parte remetida, pois quanto ao remanescente a solidariedade sobrevive. O mesmo que ocorre com a remissão estende-se a qualquer outra modalidade de solução da obrigação (...).
Renunciando em favor de um ou de alguns dos devedores, altera-se a situação de todos os coobrigados, em situação análoga a do credor que recebe pagamento parcial de um dos devedores, ou lhe remite parte da dívida.
Exonerando da solidariedade um ou mais devedores, subsiste ela quanto aos demais. A redação do parágrafo único do art. 282 do Código Civil de 2002 não foi feliz. Reproduzindo sempre, quase literalmente, o velho Código, deixou uma dúvida que ele afastava. Dizia, então, que ao credor renunciante somente era lícito acionar aos demais, abatendo no crédito a parte correspondente ao devedor remitido. Embora não o diga expressamente, outro não deve ser o entendimento do parágrafo. Se ao credor, renunciando à solidariedade em favor de um dos co-devedores, fosse lícito reclamar a dívida toda contra qualquer dos outros, estaria realizando uma renúncia apenas nominal, sem efeito prático. Demais disso, beneficiando um credor com a renúncia, estaria agravando a situação dos demais, contra o disposto no art. 278 do novo Diploma.
O conceito de renúncia é o mesmo que advém do art. 114 do Código Civil de 2002. Pode ser expressa, quando o credor declara, sem reservas, que abre mão da solidariedade e restitui aos devedores a faculdade de solver por partes. É tácita quando resulta de uma atitude ou comportamento do credor, incompatível com a solidariedade. Lembram os autores, como casos de
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renúncia tácita: a) receber o credor quota parte de um devedor, dando-lhe quitação; b) demandar judicialmente um dos devedores, pela sua parte na dívida: não se confunde a situação com a do credor que ajuíza ação contra um devedor pela dívida toda; c) receber o credor, habitualmente, a partir de um dos devedores nos juros e frutos. Essas outras hipóteses ocorrentes deixam, entretanto, de constituir uma renúncia à solidariedade, se o credor ressalvar o direito de manter o vínculo da solidariedade (Código Civil de 2002, art. 282)” (Instituições de direito civil, vol. 02. Teoria geral das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2004, 20ª ed. pp. 96, 104).
Outro efeito importante da exoneração parcial de um dos co-devedores é que o
valor originário postulado, abatida a quota-parte do exonerado, persiste. A teoria geral das
obrigações é clara ao disciplinar que a obrigação subsiste quanto ao devedor restante. A remição
parcial a um dos co-devedores, figura jurídica que também pode se enquadrar na hipótese em
exame, do mesmo modo não altera o valor originário da obrigação. Isso é, ao co-devedor
restante não nasce o direito de se ver quitado mediante o pagamento do mesmo valor pelo qual o
credor remiu ao devedor exonerado. A obrigação do subsistente remanesce no mesmo valor (do
qual sempre se abate o montante total da quota-parte do exonerado, independente do valor que o
credor tenha transacionado).
Noto, por oportuno, que não obstante a divisão da responsabilidade em partes
iguais decorra de mera presunção, na espécie não vejo como fugir dessa premissa, na medida em
que o 1º e 2º grau de jurisdição não fizeram nenhuma ressalva quanto a tal divisão. Ao contrário,
ao fixar o valor da indenização a ser paga pela recorrida também em R$713,72 (quantia paga
pela Ultragás), o TJ/PR demonstrou entender que ambas as empresas foram igualmente
responsáveis pelo acidente em questão.
A dívida da Ultragás, porém, foi objeto de transação, tendo o recorrente
concordado em receber, como pagamento dos danos materiais e morais decorrentes do acidente,
a quantia de R$713,72.
Dessa forma, verifica-se que o acolhimento da tese do recorrente, no sentido de
que a recorrida responda pela integralidade do valor remanescente da dívida, implicaria, a rigor,
na burla da transação firmada com a Ultragás. Isso porque, na hipótese da recorrida se ver
obrigada a satisfazer o resto do débito, lhe caberia, a teor do que estipula o art. 283 do CC/02, o
direito de reembolso da Ultragás a sua quota, não obstante, nos termos da transação, esta já Documento: 865169 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 25/03/2009 Página 11 de 15
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tenha obtido plena quitação em relação à sua parte na dívida.
Com efeito, a transação implica em concessões recíprocas, não cabendo dúvida
de que o recorrente, ao firmá-la, aceitou receber da Ultragás, pelos prejuízos sofridos
(correspondentes a metade do débito total), a quantia de R$713,72. Assim, não seria razoável
que a Ultragás, ainda que por via indireta, se visse obrigada a despender qualquer outro valor por
conta do evento em relação ao qual transigiu e, repise-se, obteve quitação plena.
Em conclusão, na espécie a ré, que permaneceu no pólo passivo é devedora de
50% da totalidade dos danos sofridos pelo autor por força do acidente amplamente
demonstrado, cuja responsabilidade é objetiva.
III. Do quantum indenizatório
Do quanto exposto até aqui, resta definido que, a rigor, a recorrida permanece
responsável pelo pagamento de metade dos danos suportados pelo recorrente.
a. Dos danos materiais
Os valores trazidos na petição inicial a título de danos materiais foram postulados
de forma absolutamente aleatória, carecendo de qualquer comprovação concreta, até porque as
instâncias ordinárias dispensaram a dilação probatória.
Realmente, o valor médio da produção diária de um pescador na região da bacia
do Paranaguá antes do acidente, o valor de venda da mercadoria, o tempo que levará para o
reequilíbrio do ecossistema e o reflexo que isso terá na reprodução dos peixes, são apenas alguns
dos fatores levantados pelo recorrente para calcular seus prejuízos materiais, mas que não foram
devidamente comprovados nos autos.
Conforme admitiu o próprio recorrente por ocasião da distribuição da ação, “os
trabalhos que vem sendo realizados por IAP e IBAMA, os quais verificarão a extensão dos
danos ao longo do tempo, ainda não foram totalmente concluídos ” (fls. 09) (grifei).
Aliás, tudo indica que o recorrente está ciente da fragilidade dos dados por ele
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apresentados, tanto que, em suas razões recursais, não obstante pleiteie a condenação da
recorrida a pagar indenização por danos materiais e morais, muda radicalmente o seu critério de
cálculo, passando a requerer sejam fixados em R$37.400,00, afirmando que “equivalem a 100
salários mínimos decrescidos dos R$713,72 já pagos” (fls. 380/381). Vale dizer, o que na
inicial foi pedido apenas a título de danos morais, no recurso especial passou a incluir também a
pretensão do recorrente por danos materiais, porém agora sem qualquer individualização das
alegadas perdas e danos e lucros cessantes.
Esta Corte já firmou o entendimento de que “os arts. 1.059 e 1.060 [do CC/02]
exigem dano 'efetivo' como pressuposto do dever de indenizar. O dano deve, por isso, ser
certo, atual e subsistente ” (REsp 965.758/RS, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 03.09.2008.
No mesmo sentido: REsp 300.190/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de
18.03.2002).
Dessa forma, não há como se fixar o valor dos danos materiais postulados na
petição inicial, tornando-se necessária a liquidação por artigos, para apurar todos os prejuízos
suportados pelo recorrente, notadamente: (i) o período em que ficou impossibilitado de exercer
suas atividades profissionais; (ii) a redução da sua produtividade em decorrência do acidente
ambiental; e (iii) a redução da aceitação do seu produto no mercado, também em virtude do
acidente etc.
b. Dos danos morais
Inicialmente, o recorrente pleiteou a condenação de ambas as
recorridas-devedoras ao pagamento de indenização no valor de 100 salários mínimos a título de
danos morais.
Nas razões recursais, contudo, reduziu esse valor para quantia incerta, tendo em
vista que, nesse mesmo valor de 100 salários mínimos, incluiu também seus prejuízos por danos
materiais, sem quantificá-los.
O TJ/PR, por sua vez, condenou a recorrida ao pagamento de indenização moral
correspondente a R$713,72, ou seja, menos de 02 salários mínimos, patamar evidentemente
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ínfimo dada a natureza do dano, circunstância que autoriza a intervenção desta Corte para
adequação do valor. Confira-se, à guisa de exemplo, os seguintes precedentes: AgRg no Ag
818.350/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 28.10.2008; AgRg no Ag 939.482/RJ,
4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 20.10.2008; e AgRg no Ag 1.046.623/RS, 3ª
Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 16.09.2008.
Inegável, na espécie, que o recorrente foi submetido a sentimentos de angústia e
aflição, dada a total incerteza quanto ao futuro da atividade de onde retira seu sustento. O quadro
se agrava por se tratar de acidente envolvendo pescadores, ocupação que ordinariamente se
desenvolve no seio familiar, passando de pai para filhos, o que potencializa o sofrimento em
questão, trazendo desconfiança quanto ao sustento de toda a família do recorrente (lato sensu ),
inclusive suas gerações futuras.
Dessa forma, majoro os danos morais para R$10.000,00 (dez mil reais), valor
mais condizente com o sofrimento causado pelas proporções do evento danoso.
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao presente agravo regimental,
reconsiderando a decisão unipessoal de fls. 421/423, para CONHECER PARCIALMENTE do
recurso especial e, nesta parte, lhe DAR PROVIMENTO, condenando a recorrida,
CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA., ao pagamento de indenização ao recorrente,
CLODOALDO DO NASCIMENTO RODRIGUES, em virtude da explosão do navio Vicuña,
em 15.11.2004. Tal indenização corresponderá a: (i) 50% (cinqüenta por cento) dos danos
materiais, a serem apurados em liquidação por artigos; e (ii) 50% (cinqüenta por cento) dos
danos morais fixados em R$10.000,00 (dez mil reais), ou seja, R$5.000,00 (cinco mil reais).
Por se tratar de responsabilidade extracontratual, os danos materiais deverão ser
corrigidos monetariamente, pelo índice estipulado no acórdão de fls. 321/333, e acrescidos de
juros legais, tudo desde a data do evento. Os danos morais, por sua vez, devem ser corrigidos
desde a data de sua fixação e acrescidos de juros legais desde o evento danoso.
Fica mantida a sucumbência fixada pelo TJ/PR, correspondente a 15% sobre o
valor total da condenação.
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ERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA
AgRg no
Número Registro: 2008/0213162-8 REsp 1091654 / PR
Números Origem: 11792005 4483730 448373002 6022005
EM MESA JULGADO: 17/03/2009
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES
SecretáriaBela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : CLODOALDO DO NASCIMENTO RODRIGUESADVOGADO : JOSÉ SILVIO GORI FILHORECORRIDO : CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDAADVOGADO : ELIAN PRADO CAETANO E OUTRO(S)
ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização
AGRAVO REGIMENTAL
AGRAVANTE : CLODOALDO DO NASCIMENTO RODRIGUESADVOGADO : JOSÉ SILVIO GORI FILHOAGRAVADO : CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDAADVOGADO : ELIAN PRADO CAETANO E OUTRO(S)
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília, 17 de março de 2009
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHASecretária
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