Obrigação de Dar Coisa Certa e Obrigação de Dar Coisa Incerta

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Direito Civil – Parte Especial – Livro I – Do Direito das Obrigações 1 / 14 Motivação inerente ao projeto destes encontros: Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades: • interpretação e aplicação do Direito; • utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica; • julgamento e tomada de decisões; e • domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito. Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC. Obrigação de Dar Coisa Certa e Obrigação de Dar Coisa Incerta 1. Prólogo 2. Modalidades das Obrigações 3. Conceitos Preliminares 4. Obrigação de Dar Coisa Certa 5. Exercício Prático 6. Obrigação de dar coisa incerta (coisa genérica) 7. Exercício Prático 1. Prólogo O Sistema Jurídico é conjunto de normas (princípios, regras, prescrições de condutas exigíveis) organicamente correlacionadas e interdependentes, organizadas em torno de um núcleo comum de forma lógica, coerente e articulada, de tal modo que adquira auto- nomia em sua aplicabilidade e seja capaz de reproduzir-se, diferenciando-se do ambi- ente que o circunda. Mas a organização em torno de um núcleo comum e o modo lógico, coerente e articulado entre partes, de modo a estabelecer um ambiente próprio, são competências das teorias, que, no contexto jurídico, adquirem vida pela interpretação doutrinária e influências nas decisões dos juízes. Nas Teorias das Obrigações contemporâneas (constitucionalizadas), a dignidade da pessoa humana é o núcleo e, entre as partes que a compõem, estão o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo e a Função Social do Contrato. O Direito Obrigacional é um sistema (ou subsistema do Sistema Jurídico) que tem por princípio unificador o vínculo jurídico. Entretanto, embora o vínculo jurídico seja o princí- pio unificador, anterior a esse vínculo está a dignidade da pessoa humana, que impede sua instrumentalização enquanto meio de submeter qualquer das partes a situações de- gradantes de qualquer natureza. Conteúdo disponibilizado em https://direitocivil.abc.br Produzido com uso de softwares livres.

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Direito Civil – Parte Especial – Livro I – Do Direito das Obrigações 1 / 14

Motivação inerente ao projeto destes encontros:

Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:

• interpretação e aplicação do Direito;• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;• julgamento e tomada de decisões; e • domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.

Obrigação de Dar Coisa Certa e Obrigação de Dar Coisa Incerta

1. Prólogo2. Modalidades das Obrigações3. Conceitos Preliminares4. Obrigação de Dar Coisa Certa5. Exercício Prático6. Obrigação de dar coisa incerta (coisa genérica)7. Exercício Prático

1. Prólogo

O Sistema Jurídico é conjunto de normas (princípios, regras, prescrições de condutas exigíveis) organicamente correlacionadas e interdependentes, organizadas em torno de um núcleo comum de forma lógica, coerente e articulada, de tal modo que adquira auto-nomia em sua aplicabilidade e seja capaz de reproduzir-se, diferenciando-se do ambi-ente que o circunda.

Mas a organização em torno de um núcleo comum e o modo lógico, coerente e articulado entre partes, de modo a estabelecer um ambiente próprio, são competências das teorias, que, no contexto jurídico, adquirem vida pela interpretação doutrinária e influências nas decisões dos juízes. Nas Teorias das Obrigações contemporâneas (constitucionalizadas), a dignidade da pessoa humana é o núcleo e, entre as partes que a compõem, estão o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo e a Função Social do Contrato.

O Direito Obrigacional é um sistema (ou subsistema do Sistema Jurídico) que tem por princípio unificador o vínculo jurídico. Entretanto, embora o vínculo jurídico seja o princí-pio unificador, anterior a esse vínculo está a dignidade da pessoa humana, que impede sua instrumentalização enquanto meio de submeter qualquer das partes a situações de-gradantes de qualquer natureza.

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Para mais bem se compreender a noção de sistema jurídico, considere os significados da palavra transação: negócio envolvendo transferências financeiras, operação em siste-ma de bando de dados, instrumento para a resolução dos conflitos ambientais, forma de extinção do contrato. O primeiro significado integra o sistema bancário, o segundo a ciên-cia da computação, o terceiro o sistema penal e o quarto o sistema das obrigações (Capí-tulo XIX – Da Transação – Código Civil de 2002).

O instituto da transação, no sistema obrigacional, implica importantes efeitos patrimoniais que não se confundem com aqueles dos outros sistemas. Estes efeitos, para serem anali-sados de forma lógica, sistemática e articulada com outros possíveis interesses patrimoni-ais, se apoiam em um corpo de conhecimentos compartilhados pelos estudiosos e profis-sionais da área, corpo esse que recebe a denominação de Sistema do Direito Obrigaci-onal (ou Teoria Geral das Obrigações). Assim, no contexto dos direitos patrimoniais, in-teressa prioritariamente o quarto significado, que possui sentidos precisos no contexto dos vínculos jurídicos de natureza patrimonial.

Representação esquemática do Direito das Obrigações como sistema lógico, coerente e articulado

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2. Modalidades das Obrigações

As modalidades (espécies) das obrigações estão contidas no Título I do Livro I (Do Direito das Obrigações) do Código Civil de 2002.

Os elementos da obrigação são três, a saber: sujeito (credor ou devedor), coisa (objeto da prestação ou elemento material da obrigação) e vínculo jurídico (elemento imaterial).

Toda e qualquer obrigação compreende sempre a conduta de dar, fazer ou não fazer, que caracteriza o conteúdo da prestação.

As classificações da obrigação podem levar em consideração:

a) a conduta do devedor (dar, fazer e não fazer). São positivas (dar e fazer) ou negati-vas (não fazer), que não se confundem com o dever de abstenção (imposto por força de lei), pois são contraídas voluntariamente pelo devedor; e,

b) o número de elementos da obrigação individualmente considerados (simples = 1 cre-dor, 1 devedor, 1 coisa, ou complexa / composta = qualquer elemento em número maior que a unidade).Se a obrigação for complexa, classificam-se em:

b.1.) Quanto ao número de coisas:

b.1.1) cumulativas: todas as coisas da obrigação devem ser entregues para esta ser considerada cumprida; e,

b.1.2) alternativas: a entrega de qualquer das coisas da obrigação a caracteriza como cumprida.

b.2.) Quanto ao número de sujeitos (credores ou devedores):

b.2.1) Divisíveis: a coisa da prestação pode ser dividido entre os sujeitos (coisa dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores); e,

b.2.2) Indivisíveis: a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão.

b.3) Quanto à solidariedade entre os sujeitos:

b.3.1) Ativa: Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro;

b.3.2) Passiva: O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a prestação comum.

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3. Conceitos Preliminares

Quanto à conduta do devedor, dividem-se as obrigações em obrigação de dar coisa certa (artigos 233-242), obrigação de dar coisa incerta (artigos 243-246), obrigação de fazer (ar-tigos 247-249) e obrigação de não fazer (artigos 250-51).

Do tipo de conduta a ser exigida do devedor nasce o vínculo jurídico.

Caracterização do Vínculo Jurídico

O vínculo jurídico que caracteriza a obrigação é de natureza patrimonial, necessaria-mente entre pessoas juridicamente capazes, em que uma é credora e a outra devedora (na hipótese de obrigações complexas, tanto a parte credora quanto a devedora podem ser compostas por uma pluralidade de sujeitos). A parte credora tem o direito de exigir a prestação e a devedora tem o dever de satisfazê-la.

A obrigação tem por sinônimo “direito do credor”.

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Representação esquemática do Direito das Obrigações

Quando o vínculo é jurídico

O vínculo é jurídico pelo fato de o Direito atribuir-lhe importância. Via de regra, essa im-portância decorre de valorações de natureza econômica. Por exemplo, o vínculo obriga-cional (relação jurídica) entre comprador e vendedor interessa ao Direito; já o vínculo de amizade entre duas pessoas não configura uma relação jurídica, mas uma relação afetiva ausente da órbita de interesses do Direito.

Importante: a Relação Jurídica ocorre entre sujeitos; já o vínculo pode ligar pessoas a outras pessoas (vínculo obrigacional), pessoas às coisas (como nos direitos reais) ou uma coisa a outra coisa (como o principal e os acessórios).

Capacidade de direito e capacidade de fato

Para participar de um vínculo jurídico a pessoa precisa ter capacidade (Código Civil 2002 → Parte Geral → Livro I - Das Pessoas → Título I – Das Pessoas Naturais → Capítulo I – Da Personalidade e da Capacidade).

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A capacidade civil é habilidade da pessoa em praticar condutas na vida cotidiana juridica-mente válidas (não proibidas por lei), de modo a gerenciar seus bens e exercitar os atos da vida civil, Descrita em termos jurídicos, capacidade é a aptidão para o exercício de atos e negócios jurídicos.

A capacidade pode ser de direito (ou de gozo), atribuída a quem possui personalidade ju-rídica e definida como aptidão para aquisição de direitos e deveres, e de fato (ou de exer-cício), definida como a aptidão de exercer por si os atos da vida civil. A aptidão para aqui -sição de direitos e deveres significa a possibilidade da pessoa figurar num dos polos da relação jurídica (Código Civil, Art. 1° “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na or-dem civil”). A capacidade de fato adquire-se com a maioridade civil (Código Civil, Art. 5° “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” e nas situações elencadas no Parágrafo Único desse mes-mo artigo: emancipação, casamento, emprego público efetivo, colação de grau em curso superior ou independência financeira via atividade produtiva).

Fonte das obrigações

As fontes das obrigações são o contrato, a declaração unilateral de vontade e o ato ilícito.

A Lei é a fonte imediata de todas as obrigações, com algumas caracterizadas exclusiva-mente em relação a ela, como a obrigação de alimentar imposta aos parentes (artigo 1696 do Código Civil de 2002). Entretanto, quando a lei legitima as obrigações oriundas dos contratos (Art. 389. “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e da-nos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabeleci-dos, e honorários de advogado”), da declaração unilateral de vontade (Art. 854. “Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preen-cha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prome-tido”) ou do ato ilícito (Art. 927. “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”), tais obrigações compõem a fonte mediata.

Nota: Alguns autores consideram a lei como obrigação mediata e a obrigação negocial como imediata (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Obrigações. Responsabili -dade Civil. São Paulo: Saraiva, 5ª ed,, 2012).

Objeto das obrigações

São objetos das obrigações os direitos de natureza pessoal (pessoa certa e determinada na relação jurídica), ou direitos de crédito, que impõem ao devedor (sujeito passivo de-terminado) o dever de dar, fazer ou não fazer algo (prestação positiva ou negativa de natureza patrimonial somente exigível do devedor), no interesse do credor (sujeito ati-vo).

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Os direitos obrigacionais classificam-se como "jus ad rem" e aperfeiçoam-se pelo livre acordo de vontades1, ou consenso entre as partes. São transitórios, pois extinguem-se pela satisfação da prestação.

Contraída a obrigação, duas são as alternativas possíveis: seu cumprimento voluntário e satisfatório pelo devedor com consequente extinção, ou o inadimplemento, quando então poderá ser requerida a intervenção do Poder Judiciário para autorizar a intervenção no patrimônio do devedor para satisfação da prestação. A responsabilidade pelo adimple-mento envolve o total do patrimônio do devedor, com exceção somente em relação aos bens impenhoráveis (ver o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo2)

SUGESTÃO DE LEITURA

DAZZI, Natascha Maculan Adum. Consequências do Inadimplemento das Obriga-ções3.

RESUMO: “Em toda relação jurídica obrigacional, o devedor, ao se obrigar, retira parcela de sua liberdade em favor de um credor. Nessas relações jurídicas que têm por objeto uma prestação do devedor ao credor, a regra é o seu adimplemento, ou seja, a satisfação do crédito pelo devedor. Entretanto, por diversos motivos pode ocorrer o não cumprimen-to da prestação acertada nessa relação jurídica pessoal. Tal fato pode se dar quando o devedor se recusa a satisfazer o seu débito, quando o faz com atraso ou quando cumpre a obrigação de forma diversa da prevista em um contrato. O inadimplemento das obriga-ções é um gênero do qual fazem parte o inadimplemento absoluto e a mora.

O Código Civil de 2002 tratou deste assunto nos artigos 389 a 420. A topografa do assun-to no código nos dá uma dimensão exata do sistema do inadimplemento das obrigações no Direito Civil brasileiro. Primeiro o legislador cuidou do inadimplemento absoluto das obrigações, em seguida tratou da mora e logo adiante abordou as consequências do ina-dimplemento (legais, judiciais e convencionais)”.

Do inadimplemento nasce o conceito de responsabilidade, que é a consequência jurídica de natureza patrimonial pelo descumprimento da relação obrigacional.

Débito e Responsabilidade

É atribuída ao processualista alemão do século XIX Alois von Brinz (Obligation und Haf-tung. Archiv für die civilistische Praxis. Tübingen, vol. 70, 1886, p. 371-408) a distinção en-tre débito (Schuld) e responsabilidade (Hatftung), que configurou-se como importante divisão da obrigação. O débito nasce da obrigação de realizar a prestação e a responsa-bilidade do inadimplemento, que permite a invasão e execução do patrimônio do devedor

1 Sobre a liberdade de contratar, ver http://direitocivil.abc.br/direito_civil-obrigacoes-funcao_social_do_contrato.

2 http://direitocivil.abc.br/direito_civil-patrimonio_minimo .3 Disponível em www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeII/

10anoscodigocivil_volII_106.pdf. Acesso em 29/03/2020.

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para saldar o pagamento devido ou a indenização pelas eventuais perdas e danos causa-dos pelo inadimplemento.

4. Obrigação de dar coisa certa

Representação esquemática da obrigação da dar coisa certa

Diferença entre coisa certa e incerta

Coisa certa é coisa individualizada em sua qualidade e quantidade, perfeitamente iden-tificável e separável das demais, e abrange os acessórios [vínculo entre a coisa princi-pal e outras coisas a ela ligadas], salvo se o contrário resultar do título ou das circunstân-cias do caso. Na obrigação de dar propriamente dita, a coisa pertence ao devedor; no ato de restituir, a coisa pertence originalmente ao credor e, temporariamente, esteve sob posse do devedor.

O credor possui direito pessoal (jus ad rem). Na compra e venda de coisa móvel, o vende-dor transfere, pela tradição (entrega) o domínio da coisa ao comprador e este entrega o preço àquele. Por disposição do artigo 313 do Código Civil, "o credor não é obrigado a re-ceber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa".

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Entretanto, nem sempre a tradição é suficiente para desvincular o devedor da coisa, como exposto a seguir:

"Não obstante a transferência da titularidade de um bem móvel se operar com a simples tradição, nos termos dos artigos 234 e 237 do Código Civil, tratando-se de veículo automotor, a simples tradição não desvincula totalmente o antigo proprietário do bem, que tem o dever solidário de comunicar a compra e venda ao Órgão de Trânsito competente, sob pena de responder o alienante, solidari-amente, pelo pagamento dos débitos fiscais incidentes sobre o automóvel, con-soante inteligência do artigo 4º, III, da Lei 6.606/89 e artigo 6º, II, da Lei 13.296/2008, que estabelecem o tratamento tributário do Imposto sobre a Pro-priedade de Veículos Automotores IPVA no tempo de suas respectivas vigên-cias". (TJSP, Apelação 1007936-75.2015.8.26.0053, Relator Leonel Costa).

Esquema da Obrigação de Dar Coisa Certa

Se a coisa se perder [deixar de existir ou tornar-se economicamente inútil], sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida [extinta] a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

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Condição suspensiva é a condição que susta os efeitos do ato jurídico até a ocorrência de determinado evento. Está prevista no atual Código Civil:

Art. 125: “Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, en-quanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa” (sem desta-ques no original).

Se a coisa se deteriorar sem culpa do devedor culpado, poderá o credor resolver a obri-gação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu. Se houver culpa do devedor, o credor poderá exigir o equivalente ou aceitar a coisa no estado em que encon-tre. Se aceitar a coisa, independente de culpa do devedor, poderá reclamar perdas e da-nos.

Resolver a obrigação: retornar as partes à situação que se encontravam antes de se obrigarem. Em outras palavras, a obrigação dá-se por extinta ou cumprida.

Até a tradição (momento da entrega), a coisa pertence ao devedor que, se nela tiver ocorrido melhoramentos, poderá exigir aumento no preço. Se o credor não concordar, o devedor poderá resolver a obrigação.

Se a obrigação for de restituir coisa certa, e, sem culpa do devedor, a coisa se perder (perda total) antes da tradição, o credor suportará a perda e a obrigação se resolverá. En-tretanto, até o momento da perda, o credor terá ressalvados os seus direitos. Entretanto, se a perda por culpa do devedor, este responderá pelo equivalente, mais perdas e da-nos.

Exemplo: Suponha o aluguel de um automóvel em uma agência de locação de carros. Se, durante o prazo de aluguel, o carro se perder, sem culpa do locatário (devedor), o locador (credor) poderá exigir somente o aluguel até a data da perda.

Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, o credor a receberá tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, este responderá pelo equivalen-te, mais perdas e danos.

Se, ao restituir, a coisa se apresentar com maior valor econômico em razão de melhorias ou acréscimo e estes não tiverem exigido despesa ou trabalho do devedor, o credor esta-rá desobrigado de indenização. Por outro lado, se tiver sido exigido despesa ou trabalho do devedor, possível indenização será regulada pelas regras atinentes às benfeitorias rea-lizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé (as classificações das melhorias encontram-se nos artigos 96 e 97 do Código Civil e seus efeitos contidos em diversos artigos em con-cordância com as situações analisadas e com a conduta do possuidor, que age com boa-fé ou de má-fé).

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Boa-fé Subjetiva, Boa-fé Objetiva e Má-fé

Boa-fé subjetiva é a crença pessoal de que os atos praticados pela própria pessoa não resultarão em danos às pessoas alcançadas por tais atos.

Boa-fé objetiva é o dever ético imposto aos sujeitos da relação negocial de agirem com lealdade e cooperação, evitando condutas aptas a frustrar as legítimas expectativas da outra parte.

Art. 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Má-fé é a busca da satisfação dos interesses pessoais baseadas na intencionalidade de causar danos (lesar) terceiros.

Art. 1.219 do Código Civil: “O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeito-rias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de reten-ção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis”.

Art. 1.220. “Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessá-rias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias”.

5. Exercício Prático

Questões dissertativas para identificar a compreensão conceitual

Suponha que você foi procurado por um cliente com a seguinte demanda: Ele deseja comprar um apartamento na planta com data prevista de entrega e quer saber quais seus direitos legais em relação ao negócio jurídico.Como resultado da assessoria jurídica, você deverá entregar um documento com as reco-mendações pertinentes.

Sugestão de roteiro de estudo e solução do problema:

1. Identifique a modalidade de obrigação assumida por você. Justifique sua resposta.2. Identifique a modalidade de obrigação assumida pelo vendedor do imóvel frente ao seu cliente. Justifique sua resposta.3. Identifique a modalidade de obrigação assumida por seu cliente em relação ao vende-dor do imóvel. Justifique sua resposta.4. Analise a hipótese do imóvel ser entregue no prazo combinado. Justifique sua resposta.5. Analise a hipótese de atraso no prazo de entrega do imóvel. Justifique sua resposta.6. Analise a hipótese de não cumprimento da obrigação por seu cliente. Justifique sua res-posta.

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SUGESTÃO DE LEITURA

MARTINS, Lucas Gaspar de Oliveira. Contornos do inadimplemento absoluto, da mora e do adimplemento substancial: principais características e distinções4.

RESUMO: “Inspirado pela nova visão do fenômeno obrigacional, atribuindo-lhe critérios valorativos e éticos quanto ao fenômeno da inexecução da obrigação, este trabalho abor-da aspectos conceituais da mora, do inadimplemento absoluto e do adimplemento subs-tancial, suas distinções fundamentais e institutos correlatos. Além de retomar a valiosa doutrina tradicional, buscou-se a releitura desses institutos à luz do Código Civil.

O estudo partiu da noção geral do conceito e das modalidades do inadimplemento das obrigações. Superada essa etapa, procurou-se conceituar os institutos do inadimplemento absoluto e da mora, diferenciando-os em seus aspectos mais relevantes”.

6. Obrigação de dar coisa incerta (coisa genérica)

Representação esquemática da obrigação da dar coisa incerta

Coisa incerta é coisa indicada pelo gênero [leia-se “espécie”, pois o código civil 2002 uti-liza o substantivo de forma imprecisa] e quantidade, faltando-lhe a determinação da qua-lidade, que, uma vez determinada, passará a ser coisa certa. Colocado em outros ter-mos, a individuação da coisa objeto da prestação ocorre na concentração.

4 https://tede2.pucsp.br/handle/handle/8108 .São Paulo: PUC, Dissertação de Mestrado em Direito Civil e Relações Sociais, 2008. Acesso em 29/03/2020.

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A determinação da qualidade da coisa incerta completa-se pela escolha.

O ato unilateral de escolha denomina-se concentração, que deve ser dado ao conheci-mento do credor. A partir desse conhecimento e da efetivação da concentração, a obriga-ção transforma-se em dar coisa certa. O credor deve tomar conhecimento da realização da concentração para eventual fiscalização sobre a qualidade média da coisa escolhida.

Após a concentração, caso a coisa se perca, a obrigação se extingue. Se o devedor não tiver dados causa à perda, as partes retornam ao estado anterior e eventual preço pago deve ser devolvido, sem exigências de perdas e danos (Art. 234. Se a coisa se perder sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resol -vida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, respon-derá este pelo equivalente e mais perdas e danos). Eventual preço pago ao devedor de-ver ser devolvido para evitar violação ao princípio do enriquecimento sem causa.

A coisa incerta [coisa caracterizada pela espécie e quantidade, mas com qualidade a ser determinada na concentração] será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

O credor deverá ser cientificado do momento da escolha. Se não combinado o contrário, a escolha [concentração] pertence ao devedor. Se a escolha couber ao devedor, este não poderá dar a coisa pior e nem será obrigado a entregar a melhor.

Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito. Esta determinação, ou princípio “genus nunquam pe-rit” (o gênero nunca perece), visa garantir segurança jurídica ao adimplemento da relação obrigacional por parte do devedor, impedindo que, antes da concentração do objeto em coisa certa, este viesse a alegar não ser possuidor da coisa.

7. Exercício Prático

Questões objetivas para identificar a compreensão conceitual

1. Nanci, bacharel em Direito, está estudando para prestar determinado concurso e se de-para com a informação referente a uma intenção de compra de 6 computadores pelo pre-ço total de R$ 14.580,00. Baseada exclusivamente nessa informação, Nanci deve identifi -car qual alternativa entre as abaixo é correta.

A) A informação permite a individualização completa da coisa objeto da obrigação de dar mediante entrega do preço, no caso 6 computadores pelo preço de R$ 14.580,00, classifi -cando-se, assim, como obrigação de dar coisa certa.B) A informação não permite a individualização completa da coisa, mas indica seu gênero e quantidade, classificando-se, assim, como obrigação de dar coisa incerta.C) A informação não permite a caracterização da obrigação como dar coisa certa ou dar coisa incerta, pois "computador" é gênero e existem várias espécies de computadores, como "desktop", "notebook", "tablet" e "mainframes". Assim, embora o código civil empre-

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gue o vocábulo gênero, este deve ser interpretado como espécie em razão de sua ampla generalidade.D) A informação caracteriza obrigação de dar coisa incerta, pois o gênero e quantidade estão especificados e a escolha da espécie de computador dar-se-á pela concentração.

2. Nídia fabrica sapatos masculinos de qualidade média em uma fábrica instalada no Bra-sil e assumiu a obrigação de entregar 5000 pares para um grande distribuidor. Entretanto, face às facilidades comerciais, impostos menores que no Brasil e menores entraves para administração dos empregados, Nanci instalou uma fábrica de calçados no Paraguai, onde investiu fortemente para produção de sapatos com elevado padrão de qualidade e passíveis de importação e comercialização com preços competitivos com os fabricados no Brasil.De posse dessas informações, o distribuidor exigiu, na concentração, apenas sapatos de elevada qualidade em detrimento dos fabricados no Brasil.

Segundo o Código Civil, ao caso de Nídia aplica-se o seguinte:

A) A escolhe pode ser feita pelo distribuidor, pois é razoável que este busque vender pro-dutos de maior qualidade possível para seus clientes.B) A escolha cabe exclusivamente à Nídia, pois o fato de investir na qualidade de seus produtos não apresenta relação com a obrigação assumida.C) Nídia pode concordar com a exigência de entregar o melhor produto, mas poderá exigir aumento no preço.D) A escolha caberá àquele que constar no título da obrigação; na sua ausência, a esco-lha caberá à Nídia, que poderá optar entre os sapatos produzidos no Brasil ou importados do Paraguai em função de seus interesses.

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