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OBSERVAÇÃO: UMA PRÁTICA CRIATIVA Ideli Domingues No curso de formação de Grupos Operativos do Instituto Pichon Riviere de São Paulo está incluída a observação de grupos. A técnica operativa tem como objetivo facilitar a aprendizagem e criatividade grupal. Sua análise se centra nos movimentos que o grupo faz em relação à tarefa que se propõe. Tarefa esta que se dá a nível explícito e implícito. Para se apropriar desta técnica, isto é, se tornar coordenador ou facilitador do processo grupal, o aluno se insere durante um ano no papel de observador, após ter vivenciado nos anos anteriores o papel de integrante. O observador não-participante (silente, cuja função é registrar o acontecer grupal) não é sinônimo de neutralidade. Ao analisar as suas dificuldades em manter uma distância que permita fazer uma leitura dinâmica grupal, e não de indivíduos com os quais se identifica, se processa um trabalho de discriminação eu-outro, mundo interno-mundo externo que promove uma re-elaboração, re-construção de vínculos a nível interno que se traduz na relação com os colegas de grupo, com a equipe de coordenação e com o grupo observado. Esta reconstrução, a nosso ver, se constitui em uma prática de criação, pois possibilita condições para que os sujeitos envolvidos neste papel possam se observar como pessoas, fora também deste papel. Este espaço para se poder trabalhar o “medo de ser responsável” (que a fantasia de ser coordenador gera) permite um momento de síntese. Esta se dá ao se trabalhar a finitude, ou sentimento que todo término de uma situação, ou perda que um papel propicia e é inerente ao ciclo vital do ser humano. A todo momento somos requisitado para um novo nascimento, ou seja, novos vínculos, novos papéis, outras histórias, o que implica em algumas mortes, em alguns abandonos. O grau de ameaça destes encontros, destas situações vai depender em grande parte de como fomos nos constituindo como pessoas nas relações que mantivemos inicialmente com nossos progenitores, e com outras pessoas significativas, rodeadas sem dúvida pela marca do contexto social, político, econômico. Isto vai particularizar a vivência deste papel, e fazer emergir fantasias nem sempre conscientes, através da cena dramática que o grupo aqui-agora atualiza, reaviva. Somos seres que possuímos uma dimensão interna, subjetiva, necessariamente grupal. Portanto, alguns personagens e situações do passado são transferidos para o aqui-agora e vividos como se fossem presentes, devido à relação grupal estabelecida neste momento. No entanto, ao se dar conta destes obstáculos que interferem na elaboração do papel do observador, o sujeito pode rever cenas do grupo observado, onde muitas vezes os integrantes repetem falas, comportamentos vividos e expressos de forma semelhante aos seus, ou emitem comportamentos que se diferenciam dos SUS, embora em situações semelhantes. O observador pode, portanto, através do grupo observado rever-se, e refletir sobre os mecanismos que mobilizam o grupo e em como revelá-los a fim de facilitar a superação dos mesmos. Com isto novas formas de atuação emergem e podem permitir a “re-segnificação” de experiências pessoais. Esta volta, este tocar em cenas dilaceradas e dilacerantes, mas com outro enfoque é criar. Tal como o artista que retrata o comum, de forma incomum, a observação também pode se constituir numa prática criativa ao possibilitar a re-interpretação de forma ampliada, mais enriquecida de cenas tão cotidianas, tão comuns a si e ao grupo.

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OBSERVAÇÃO: UMA PRÁTICA CRIATIVA

Ideli Domingues

No curso de formação de Grupos Operativos do Instituto Pichon Riviere de São Paulo está incluída a observação de grupos. A técnica operativa tem como objetivo facilitar a aprendizagem e criatividade grupal. Sua análise se centra nos movimentos que o grupo faz em relação à tarefa que se propõe. Tarefa esta que se dá a nível explícito e implícito. Para se apropriar desta técnica, isto é, se tornar coordenador ou facilitador do processo grupal, o aluno se insere durante um ano no papel de observador, após ter vivenciado nos anos anteriores o papel de integrante.

O observador não-participante (silente, cuja função é registrar o acontecer grupal) não é sinônimo de neutralidade. Ao analisar as suas dificuldades em manter uma distância que permita fazer uma leitura dinâmica grupal, e não de indivíduos com os quais se identifica, se processa um trabalho de discriminação eu-outro, mundo interno-mundo externo que promove uma re-elaboração, re-construção de vínculos a nível interno que se traduz na relação com os colegas de grupo, com a equipe de coordenação e com o grupo observado.

Esta reconstrução, a nosso ver, se constitui em uma prática de criação, pois possibilita condições para que os sujeitos envolvidos neste papel possam se observar como pessoas, fora também deste papel. Este espaço para se poder trabalhar o “medo de ser responsável” (que a fantasia de ser coordenador gera) permite um momento de síntese. Esta se dá ao se trabalhar a finitude, ou sentimento que todo término de uma situação, ou perda que um papel propicia e é inerente ao ciclo vital do ser humano. A todo momento somos requisitado para um novo nascimento, ou seja, novos vínculos, novos papéis, outras histórias, o que implica em algumas mortes, em alguns abandonos. O grau de ameaça destes encontros, destas situações vai depender em grande parte de como fomos nos constituindo como pessoas nas relações que mantivemos inicialmente com nossos progenitores, e com outras pessoas significativas, rodeadas sem dúvida pela marca do contexto social, político, econômico.

Isto vai particularizar a vivência deste papel, e fazer emergir fantasias nem sempre conscientes, através da cena dramática que o grupo aqui-agora atualiza, reaviva. Somos seres que possuímos uma dimensão interna, subjetiva, necessariamente grupal. Portanto, alguns personagens e situações do passado são transferidos para o aqui-agora e vividos como se fossem presentes, devido à relação grupal estabelecida neste momento.

No entanto, ao se dar conta destes obstáculos que interferem na elaboração do papel do observador, o sujeito pode rever cenas do grupo observado, onde muitas vezes os integrantes repetem falas, comportamentos vividos e expressos de forma semelhante aos seus, ou emitem comportamentos que se diferenciam dos SUS, embora em situações semelhantes.

O observador pode, portanto, através do grupo observado rever-se, e refletir sobre os mecanismos que mobilizam o grupo e em como revelá-los a fim de facilitar a superação dos mesmos.

Com isto novas formas de atuação emergem e podem permitir a “re-segnificação” de experiências pessoais.

Esta volta, este tocar em cenas dilaceradas e dilacerantes, mas com outro enfoque é criar.

Tal como o artista que retrata o comum, de forma incomum, a observação também pode se constituir numa prática criativa ao possibilitar a re-interpretação de forma ampliada, mais enriquecida de cenas tão cotidianas, tão comuns a si e ao grupo.

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Como coordenadora de grupos operativos ou grupos criativos, que constroem um caminho próprio a partir do pensar conjunto, tenho visto que a observação, com suas múltiplas mobilizações traz em si ansiedades, resistências que funcionam como obstáculos a possíveis re-interpretações do real.

Localizo no papel de observador uma forma de configuração de uma atitude interna, que propicia uma nova abordagem do processo de grupo, de análise das relações.

A observação se dá em um campo de contradições, ou seja, no mundo interno/externo. Isto pode ser superado a partir de um espaço de reflexão onde estas leis de interação se apresentem, se revelem. Estas articulações entre personagens do mundo interno, e entre duas dimensões a intra subjetiva e a intersubjetiva pode ser encaminhada ao grupo via coordenador através da interpretação. A interpretação é uma hipótese fantasiada acerca do acontecer do grupo. Este a recebe, e a incorpora ou não, como um elemento de superação de seus obstáculos ou a nega, rejeita. Há, a nível de grupo, um confronto permanente entre equipe de coordenação (da qual faz parte o observador) e integrantes. Confronto não deve ser entendido como choque, mas como uma equiparação de pontos de vista. Pode conduzir ou não a divergências.

Venho, há 5 anos, trabalhando com alunos no papel de observadores. Isto me fez refletir muito sobre este momento, principalmente por ser caracterizado por muitas crises, queixas, por muita mobilização, mas também por muito crescimento.

O contato com este tema me levou a inquiri-lo em outros âmbitos, e a saborear suas múltiplas dimensões.

Antes, porém, de iniciar estas explorações; vou fazer uso da concepção de aprendizagem de Pichon-Rivière, que a define como uma apropriação da realidade que possibilita uma intervenção que gera mudanças em si e no contexto em que se dá, caracteriza-se também por ser uma adaptação constante à realidade, implicando portanto, em flexibilidade em desestruturação/ reestruturação, em tensão. Tensão esta que necessita não apenas ser descarregada, mas revitalizada, renovada, enriquecida.

O ato de observar é muito antigo, tão antigo quanto o próprio homem.

Olhar, se olhando, faz parte da história da humanidade. Através destes movimentos eu-outro, outro-eu, dentro-fora, centramento-descentramento é que vamos configurando nossa imagem, nossa identidade. Evidentemente que existe aí a interferência de nossa fantasia, de nossos conteúdos psíquicos.

O observar parece se associar a olhar detida e meticulosamente, é o que transparece quando existe em qualquer formulário um lugar reservado às observações, ou quando afirmamos algo e pedimos ao outro que o confirme, pois para isto é só “observar”.

Evidentemente este observar é visto pelos indivíduos de diferentes maneiras, e em diferentes tempos, basta considerarmos as expressões artísticas em distintas épocas, que retratam a maneira como os homens interpretavam o seu cotidiano, os fatos que o compunham. Até mesmo o olhar dos personagens retratados se diferenciam em função do tempo histórico. Por exemplo: as figuras egípcias não olham frontalmente, estão sempre de lado.

Observação como prática criativa, no entanto, está atrelada a um espaço para refletir o que ocorre neste momento:

Muito envolvimento com algumas falas, não registro das mesmas;

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Reconhecimento da dinâmica do grupo, da classe e de si mesmo;

Desejo de participar no grupo como integrante;

Desvalorização desse registro;

Desejo de ficar no papel do observador;

Descoberta de conteúdos diferentes nos colegas;

Um maior reconhecimento dos aspectos implícitos.

Considerações à respeito do Narciso em pedaços ...

Através desta dinâmica, os alunos vão, paulatinamente, se reconhecendo no outro, e se discriminando deste. Começam a rever seus conteúdos, refazê-los.

As questões decorrentes são:

O que nos imobiliza para a ação?

Como lidar com a tendenciosidade?

Não observamos apenas com os olhos, nosso corpo é um sensor, assim como nossas emoções também. Mesmo subjetivos, queremos idealizar um lugar, como humanos, de estrema objetividade, e nos transformamos assim, em seres extraterrestres, que podem comandar, orientar, solucionar, manipular, controlar... Mas até quando? Em nome de que?

Estamos neste momento nos deparando com a falência de modelos que pregam estas diretrizes de objetividade extrema. Como então incorporar as tendenciosidade nesta proposta de observação que visa intervenções, mudanças e, portanto uma ação criativa?

De que maneira enquanto terapeutas também nos apropriamos dos conteúdos de nosso cliente? Vamos compreendendo a relação com os processos transferências e contratransfrenciais. Não podendo negar que sofremos impactos. Porque então excluirmos algo que nos inclui na natureza dos humanos, não somos astros ocos, ou só configurados pela racionalidade.

Este estar atento ao processo alheio, ativar a escuta, também se constitui em uma prática de observação que inclui o outro na relação. Este ato permite que, através da pessoa que está à minha frente pense em conteúdos que possam facilitar a superação de entraves vividos. Ao fazê-lo, muitas vezes, me repenso, me observo.

A criança aprende observando, e registrando. Nosso psiquismo também registra fatos, relações, emoções. Há um tempo, uma história que nos faz. Por que não utilizarmos este recurso tão próximo de nós, que inclui nossos referenciais e significados? Quando adultos refletimos sobre os mecanismos estereotipados que utilizamos, aí se viabiliza uma perspectiva de mudança.

Este incessante contraste presente na natureza, dia-noite, estações, também faz parte da vida daqueles que integram um grupo. O dia não destrói a noite; a primavera não acaba com o verão. São simplesmente distintas e contrastantes; cada um com sua beleza e fulgor.

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Observação em sala de aula

A importância da observação como uma prática de criação, revisão de vínculos internalizados foi se tornando muito intensa no decorrer dos anos. Isto me impulsionou a utilizá-lo em sala de aula.

Leciono Psicologia Social para uma classe de 60 alunos, aproximadamente, no curso de Psicologia e ousei utilizá-lo não segundo a técnica operativa, mas com o referencial pichoniano. A técnica consiste em dividi-los em G.O. (Grupo Observação) e G.V. (Grupo de Verbalização). Em seguida discutia o conteúdo observado com os integrantes do G.O.. Aqui não vou relatar os pormenores de todas as técnicas de mobilização utilizadas, mas como a observação foi um instrumento que propiciou uma transformação na relação.

Emergentes da observação – (Conteúdos que aparecem nas falas do G.O. e também aqui o IPR)

Dificuldade em registrar todos os dados;

não registro dos dados;

ausência de interesse sobre o que é falado no G.V..

Isto aparece se acentuar em função de nossa cultura, onde não esmiuçando o conteúdo percebido, onde não refletimos dentro de uma sistemática articulando dados, que nos possibilitem uma investigação com proposta de mudança. Há, sim, uma desconsideração pelos registros e um esfalecimento de tudo que pode nos devolver o sentido histórico. A história nos possibilita a compreensão dos fatos, encontros, re-encontros, desencontros do presente, o repensar sobre acertos e erros vividos, re-constituição dos mesmos, e elaboração de projetos. Permite que não caminhamos apenas em círculo viciados de conduta, sem que tenhamos consciência. Enfim, de experiências vividas podemos dinamizar saídas, sem cairmos nas “ciladas de nossa natureza: o comodismo em confronto com o desafio”.

Somos educados para vivermos cegos às relações que se constroem com aproximações não sem conflitos, mas com riqueza que os diferentes pontos de vista, podem nos outorgar. Vivemos cegos desta amplidão. Não somos instrumentalizados para pensar com-o-outro, e não apenas do outro. Somos filhos de uma educação estéril que não nos prepara para o convívio, para a cooperação e, portanto, para nos reconhecermos como pessoas que CONSTANTEMENTE se fazem, e se refazem.

É este o grande desafio desta proposta tão simples O-B-S-E-R-V-A-R/ REFLETIR (refletir= genufletir, curvar-se, permitir-se chegar ao chão, para de novo se erguer, se esforçar para equilibrar-se, refletir= espelhar).

Observação Ativa

O observador que está atento ao que ocorre internamente, mobilizado pelos acontecimentos gerados na dimensão externa, pratica uma “observação ativa”.

Eduardo Pavlovsky em suas “reflexões sobre o Processo criador” fala que “o ator para desempenhar bem um papel precisa elaborar e aceitar os aspectos do personagem que estão rechaçados, pelo ator, em sua personalidade”.

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“Durante o processo de criação do ator os conflitos pessoais devem ser revisados e questionados durante a dolorosa e penosa tarefa de elaboração dos personagens. Não há teatro, processo criador sem sofrimento”

Não seria o espaço de reflexão dos conteúdos observados uma preparação para se entrar em cena?

Há esforço, mobilização, revisão de papéis internalizados, quebra de estereótipos na medida em que se supõe uma posição de escuta do outro.

A observação permite que eu entre em contato com personagens internos rechaçados através do outro. Pode não se constituir em mera repetição (ou reativação) de aspectos infantis se houver um espaço para uma análise sistemática dos conteúdos registrados, e da mobilização ocorrida.

Contribuindo para uma intervenção que gera mudanças (intervenção operativa)

Um dos princípios básicos para o planejamento e execução da tarefa correta é a observação preliminar que deve enumerar e sistematizar dados que se vá relevando no campo grupal, avaliando as possibilidades de manejo destes dados, ou de realização de operações destinadas a modificar os dados iniciais.

Pichon Rivière em “El Processo Creador” nos diz “... o importante é que todo este processo dá como resultado a aparição de um objeto externo e capaz de ser contemplado pelos demais”. (pg. 26)

A contribuição da observação deve se constituir em produção que gere transformações.

No caso da formação de coordenadores de grupo, os observadores tem a oportunidade de construir com o grupo sua história, sua vida, e devolver-lhe sua história, através de seus registros e interpretações via Coordenador.

O grupo do curso de psicologia comentado do inicio também pôde tecer sua própria produção via trabalhos de pesquisa que muito o mobilizou, e possibilitou o início do rompimento do estereótipo de não saber, e não ter instrumentos para fazê-lo.

A criação deve se manifestar.

Foi olhando meu script interior que encontrei muitos personagens, muitos conteúdos, passo agora a relatar-lhes uma pequena parcela deles e encerro minha exposição.

Trata-se de um conto, cujo título é “Viajem ao País do Medo”, e que parece mostrar conteúdos referentes ao papel do observador.

VIAGEM AO PAÍS DO MEDO

Era uma vez um homem, que em busca de novas emoções, resolveu empreender uma viagem ao PAÍS DO MEDO. Tentava encontrar a trilha de acesso a este país e, em sua busca incessante, se deparou no caminho com um gato, que muito o assustou.

- Por que me assustas tanto? Perguntou-lhe.

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- Porque sou o negro calor de tua alma, disse-lhe.

Neste momento, um dos olhos do gato caiu e ficou cego do outro. A luz não mais lhe penetrava. No entanto, foi caminhando junto ao homem e este lhe perguntou novamente:

- Como estranha criatura, que nada vês, andas ao meu lado?

- Sou a sombra que não ousas tocar, mas habita em tua alma, respondeu-lhe.

O homem, sem compreender suas palavras, continuou firme em sua meta. Algo, porém, se transformou em seu semblante: surgiu um sulco no canto esquerdo de seu lábio.

Em seguida se deparou com um abismo. Temia olhar suas profundezas.

- Por que me assustas tanto abismo? Indagou.

- Sou o teu abismo! As trevas que te habitam. O medo à luz que te penetra à alma, redargüiu.

Ouvindo isto e sofrendo terrivelmente, tentou descer o abismo com uma corda à cintura, sempre com o gato cego por perto. As cordas frágeis se romperam e ele se debateu nas encostas do abismo.

- Por que ó corda, me afliges tanto?

- Sou as amarras de tua alma, a fragilidade de teu ser, retrucou-lhe a corda.

E, mais uma vez, o homem continuou em sua busca no País do Medo, com o gato, um pedaço de corda à cintura e com suas mãos presas nas encostas do abismo, que ele não ousava perscrutar. Até que seus pés, que, desesperadamente procuravam um amparo já sem esperança, pousaram nas costas do gato cego, que lhe serviu de apoio para que seus pés encontrassem um pequeno orifício, que acionado mostrou-lhe uma estrada.

O homem percebeu que algo em si se transformara: uma marca se fez na altura de seu coração, continuou. O gato desapareceu, mas continuava vívido em sua lembrança. Neste momento, o homem se deparou com uma bela mulher e com ela quis ter proximidade física. Assustou-se com seus ímpetos.

- Venha! Disse-lhe ela.

E mais que tudo o homem temeu, porque aquela era uma mulher com estranho poder que lhe penetrava a alma, e fazia nele vibrar algo desconhecido, incontrolável. Como seria ela?

- Venha! Mais uma vez a bela mulher o convidou.

Assim, vencendo mais uma prova ele a teve em seus braços. Algo lhe penetrou, algo se rompeu e o homem não sabia dizer o que era... Algo no seu semblante se transformou. Uma lágrima escorreu e molhou seu coração. O homem assustado lhe perguntou:

- Por quê? Por que me assusto tanto?

E a bela mulher respondeu ao homem que tanto buscava novas emoções:

- Sou o amor que tu represas e tanto temes. O amor que pode prender-te aos mistérios e riqueza infinita de uma única mulher. Senhor de tantas Fêmeas! Agora sim, tu penetraste no País do Medo, do teu maior medo: o da entrega de ti ao outro em profundidade. Este é o país

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mais negro e o mais pleno de luz, por que é só neste momento, quando enfrentares a perda de ti mesmo, entenderás o medo e encontrarás a explosão da verdadeira liberdade e claridade.

Parece-me que este é o grande desafio do observador: a entrada no País do Medo e da superação do mesmo.

BIBLIOGRAFIA

OSTROWER, FAIGA – Criatividade e Processo de Criação. Ed. Vozes, 1989, Petrópolis, RJ

PAVLOVSKY, E. – Reflexão sobre o Processo Criador – apostila

PICHON-RIVIÈRE, E. – El processo Creador. Ed. Nueva Visión, 1985 – Buenos Aires