Obsessão e Angústia

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C M Y K C M Y K A-31 A-31 Saúde Editora: Ana Paula Macedo // [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 31 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, sábado, 5 de setembro de 2009 Obsessão e angústia Pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) sofrem para conseguir controlar compulsões. Lavar as mãos até feri-las, girar a chave de casa 10 ou 20 vezes ou colecionar lixo são exemplos de manias exacerbadas. Tratamento une remédios e terapia normal caso não a realize, é hora de se preocupar”, explica o médico. Segundo ele, os pacientes obsessi- vos-compulsivos, quando não podem realizar a sua compulsão, são tomados por uma ansiedade extrema, ficam ner- vosos e não conseguem se concentrar em outras atividades. “Quando uma pessoa que tem TOC relacionado a la- var as mãos se vê em uma situação em que isso não pode ser feito, ela fica transtornada, muito ansiosa, e procura a qualquer custo realizar sua mania. É algo incontrolável”, exemplifica. Ainda não se sabe exatamente o que causa o TOC. Os médicos acreditam que o distúrbio possa estar ligado a fatores genéticos, já que é mais recorrente em indivíduos que possuem o histórico da doença na família, ou pode ser desen- cadeado por alterações químicas no sis- tema nervoso. Podem haver ainda, cau- sas sociais para o desenvolvimento de TOC, como a depressão, situações trau- máticas — como criar obsessão por se- gurança, após ter a casa roubada, ou por ter recebido uma educação pouco, ou excessivamente severa. Incompreensão A estudante Ana Carla Viegas, 24 anos, sabe que tem TOC há pelo menos dois. Em seu caso, a obsessão é por conferir coisas. Ana gasta boa parte do dia verificando, por exemplo, se as ja- nelas estão fechadas, o gás, desligado e o ferro de passar, fora da tomada — além disso, não para de repassar men- talmente percursos e atividades que realizou durante o dia. “A maioria das pessoas não consegue compreender como é angustiante sentir que você precisa desses rituais para ter um dia menos ruim”, desabafa. Ela conta que o principal problema é dar às coisas o seu real valor. “Você su- pervaloriza certos detalhes, que, para a maioria das pessoas, não tem a menor importância. Me sinto uma pessoa ex- cessivamente perfeccionista, mas pro- curei ajuda médica e estou tentando melhorar.” Além de fazer terapia, Ana usa um medicamento para ajudar a di- minuir a ansiedade, que aumenta sem- pre que ela não realiza os seus rituais diários de conferência. Depois de se engasgar ao ponto de desmaiar, o estudante Marcelo Silva, 21 anos , desenvolveu o ritual de engolir várias vezes a saliva. Mesmo com a gar- ganta inchada e dolorida, ele não con- segue controlar o hábito. “Muitas vezes não consigo nem comer. Depois que me engasguei, comecei a achar que a saliva iria me su- focar então passei a engoli-la várias ve- zes por minuto”, conta. Vergonha O sentimento de culpa e a incom- preensão são as reclamações mais co- muns da maioria dos portadores do transtorno. “Morro de vergonha do que faço. Tento esconder ao máximo que tenho TOC. Muitas pessoas, ao sabe- rem da doença, acham que é besteira, ou te olham como se você fosse malu- co”, desabafa Marcelo. O tratamento do transtorno obsessi- vo-compulsivo é feito por meio da asso- ciação do uso de medicamen- tos com a psicotera- pia. “O objetivo da medicação é controlar a an- siedade. Em seguida, a te- rapia ajuda- rá o pacien- te a identi- ficar os ri- t u a i s compul- sivos e controlá-los”, explica Raphael Boechat. Em casos extremos, existe ainda a possi- bilidade de intervenção cirúrgica. “A operação só é utilizada em casos muito raros, quando a combinação de trata- mentos falhou e o TOC é altamente pre- judicial para o paciente”, completa. Na cirurgia, conhecida como capsu- lotomia anterior, os médicos provocam uma pequena lesão na cápsula ante- rior, uma das regiões do cérebro res- ponsável pela sensação de ansiedade. O objetivo é diminuir a atividade na re- gião e, por consequência, minimizar a necessidade que o paciente tem de realizar seus rituais com- pulsivos. T odo mundo tem suas manias. Não passar debaixo da escada, verificar o registro do gás antes de dormir ou colecionar coisas estão entre as mais comuns. Entretanto, quando essas manias saem do controle, gerando angústia e ansiedade quando não praticadas, pode ser um sinal de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), doença que, só no Brasil, atinge aproximadamente 4,5 milhões de pes- soas, mas que pode ser controlada. Não há nada de errado em lavar as mãos várias vezes, o problema é quan- do essa lavagens são tão frequentes e intensas que chegam a feri-las. Outras vezes, a compulsão por verificar se a porta está devidamente trancada faz uma pessoa ir e voltar do trabalho di- versas vezes, simplesmente para se cer- tificar de que a fechou corretamente. Há ainda casos em que a mania de guar- dar coisas toma tal proporção que o es- paço da casa fica tomado por objetos, muitas vezes inúteis, dos quais o cole- cionador não consegue se livrar. De acordo com o psiquiatra e pes- quisador da Universidade de Brasília (UnB) Raphael Boechat, o limite entre uma simples mania e o TOC está no quanto essas obsessões prejudicam a vida do paciente. “Se a mania não gera nenhuma consequência ruim para a pessoa, tudo bem, mas quando o pa- ciente não consegue levar uma vida

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A-31A-31

Saúde EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo // [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

31 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 5 de setembro de 2009

Obsessão e angústiaPessoas com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) sofrem para conseguir controlar compulsões. Lavar as mãos até feri-las,girar a chave de casa 10 ou 20 vezes ou colecionar lixo são exemplos de manias exacerbadas. Tratamento une remédios e terapia

normal caso não a realize, é hora de sepreocupar”, explica o médico.

Segundo ele, os pacientes obsessi-vos-compulsivos, quando não podemrealizar a sua compulsão, são tomadospor uma ansiedade extrema, ficam ner-vosos e não conseguem se concentrarem outras atividades. “Quando umapessoa que tem TOC relacionado a la-var as mãos se vê em uma situação emque isso não pode ser feito, ela ficatranstornada, muito ansiosa, e procuraa qualquer custo realizar sua mania. Éalgo incontrolável”, exemplifica.

Ainda não se sabe exatamente o quecausa o TOC. Os médicos acreditam queo distúrbio possa estar ligado a fatoresgenéticos, já que é mais recorrente emindivíduos que possuem o histórico dadoença na família, ou pode ser desen-cadeado por alterações químicas no sis-tema nervoso. Podem haver ainda, cau-sas sociais para o desenvolvimento deTOC, como a depressão, situações trau-máticas — como criar obsessão por se-gurança, após ter a casa roubada, oupor ter recebido uma educação pouco,ou excessivamente severa.

IncompreensãoA estudante Ana Carla Viegas, 24

anos, sabe que tem TOC há pelo menosdois. Em seu caso, a obsessão é porconferir coisas. Ana gasta boa parte do

dia verificando, por exemplo, se as ja-nelas estão fechadas, o gás, desligado eo ferro de passar, fora da tomada —além disso, não para de repassar men-talmente percursos e atividades querealizou durante o dia. “A maioria daspessoas não consegue compreendercomo é angustiante sentir que vocêprecisa desses rituais para ter um diamenos ruim”, desabafa.

Ela conta que o principal problema édar às coisas o seu real valor. “Você su-pervaloriza certos detalhes, que, para amaioria das pessoas, não tem a menorimportância. Me sinto uma pessoa ex-cessivamente perfeccionista, mas pro-curei ajuda médica e estou tentandomelhorar.” Além de fazer terapia, Anausa um medicamento para ajudar a di-minuir a ansiedade, que aumenta sem-pre que ela não realiza os seus rituaisdiários de conferência.

Depois de se engasgar ao ponto dedesmaiar, o estudante Marcelo Silva, 21anos , desenvolveu o ritual de engolirvárias vezes a saliva. Mesmo com a gar-ganta inchada e dolorida, ele não con-segue controlar o hábito. “Muitas vezesnão consigo nem comer. Depois queme engasguei, comecei a acharque a saliva iria me su-focar então passei aengoli-la várias ve-zes por minuto”,conta.

VergonhaO sentimento de culpa e a incom-

preensão são as reclamações mais co-muns da maioria dos portadores dotranstorno. “Morro de vergonha do quefaço. Tento esconder ao máximo quetenho TOC. Muitas pessoas, ao sabe-rem da doença, acham que é besteira,ou te olham como se você fosse malu-co”, desabafa Marcelo.

O tratamento do transtorno obsessi-vo-compulsivo é feito por meio da asso-ciação do uso de medicamen-tos com a psicotera-pia. “O objetivo damedicação écontrolar a an-siedade. Emseguida, a te-rapia ajuda-rá o pacien-te a identi-ficar os ri-t u a i scompul-sivos e

controlá-los”, explica Raphael Boechat.Em casos extremos, existe ainda a possi-bilidade de intervenção cirúrgica. “Aoperação só é utilizada em casos muitoraros, quando a combinação de trata-mentos falhou e o TOC é altamente pre-judicial para o paciente”, completa.

Na cirurgia, conhecida como capsu-lotomia anterior, os médicos provocamuma pequena lesão na cápsula ante-rior, uma das regiões do cérebro res-ponsável pela sensação de ansiedade.O objetivo é diminuir a atividade na re-gião e, por consequência, minimizar a

necessidade que o paciente temde realizar seus rituais com-

pulsivos.

T odo mundo tem suas manias.Não passar debaixo da escada,verificar o registro do gás antesde dormir ou colecionar coisas

estão entre as mais comuns. Entretanto,quando essas manias saem do controle,gerando angústia e ansiedade quandonão praticadas, pode ser um sinal detranstorno obsessivo-compulsivo(TOC), doença que, só no Brasil, atingeaproximadamente 4,5 milhões de pes-soas, mas que pode ser controlada.

Não há nada de errado em lavar asmãos várias vezes, o problema é quan-do essa lavagens são tão frequentes eintensas que chegam a feri-las. Outrasvezes, a compulsão por verificar se aporta está devidamente trancada fazuma pessoa ir e voltar do trabalho di-versas vezes, simplesmente para se cer-tificar de que a fechou corretamente.Há ainda casos em que a mania de guar-dar coisas toma tal proporção que o es-paço da casa fica tomado por objetos,muitas vezes inúteis, dos quais o cole-cionador não consegue se livrar.

De acordo com o psiquiatra e pes-quisador da Universidade de Brasília(UnB) Raphael Boechat, o limite entreuma simples mania e o TOC está noquanto essas obsessões prejudicam avida do paciente. “Se a mania não geranenhuma consequência ruim para apessoa, tudo bem, mas quando o pa-ciente não consegue levar uma vida