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O controle legislativo no Brasil pós-1988 Leany Barreiro Lemos A função específica da assembléia representativa é vigiar e controlar o governo; é jogar as luzes da publicidade sobre seus atos; é compelir o governo à completa exposição e justificação de todos esses atos. Mill, 1964, p. 104. Introdução A Reforma Política é tema recorrente na agenda política nacional. Em tempos de crise, figura ainda mais recorrentemente como panacéia para a resolução dos problemas de representação, fragmentação partidária, governabilidade no Congresso, corrupção nas eleições. A dita reforma é, na verdade, um conjunto de propostas legislativas basicamente destinadas a alterar o sistema eleitoral para: a) introduzir lista fechada no atual sistema proporcional; b) alternativamente, introduzir o voto distrital ou misto; c) estabelecer financiamento público de campanhas; d) instituir a fidelidade partidária; e) regular a publicidade das pesquisas eleitorais. 1 Ela olha privilegiadamente para a relação eleitor-eleito – o chamado controle vertical – e para a arena legislativa, onde partidos fracos e em número “excessivo” impediriam um processo de tomada de decisão racional. Sem querer diminuir a importância de alterações no sistema eleitoral que aperfeiçoem os mecanismos de representação e que diminuam os custos de decisão no Congresso, tais reformas não atendem a um componente fundamental do desenho institucional moderno: o controle horizontal, ou interinstitucional, elemento-chave para a qualidade da democracia. Especificamente, as reformas 03-Instituicoes-representativas-brasil-cap-2.indd 37 3/10/2007 18:36:41

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O controle legislativo no Brasil pós-1988Leany Barreiro Lemos

A função específica da assembléia representativa é vigiar e controlar o governo; é jogar as luzes da publicidade sobre seus atos; é compelir o governo à completa

exposição e justificação de todos esses atos.

Mill, 1964, p. 104.

Introdução

A Reforma Política é tema recorrente na agenda política nacional. Em tempos de crise, figura ainda mais recorrentemente como panacéia para a resolução dos problemas de representação, fragmentação partidária, governabilidade no Congresso, corrupção nas eleições. A dita reforma é, na verdade, um conjunto de propostas legislativas basicamente destinadas a alterar o sistema eleitoral para: a) introduzir lista fechada no atual sistema proporcional; b) alternativamente, introduzir o voto distrital ou misto; c) estabelecer financiamento público de campanhas; d) instituir a fidelidade partidária; e) regular a publicidade das pesquisas eleitorais.1 Ela olha privilegiadamente para a relação eleitor-eleito – o chamado controle vertical – e para a arena legislativa, onde partidos fracos e em número “excessivo” impediriam um processo de tomada de decisão racional.

Sem querer diminuir a importância de alterações no sistema eleitoral que aperfeiçoem os mecanismos de representação e que diminuam os custos de decisão no Congresso, tais reformas não atendem a um componente fundamental do desenho institucional moderno: o controle horizontal, ou interinstitucional, elemento-chave para a qualidade da democracia. Especificamente, as reformas

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ignoram o controle legislativo – a capacidade de inquirir e vigiar o Executivo –, secundário mas complementar ao controle vertical.

O objetivo deste trabalho é trazer dados descritivos sobre o controle legislativo no Brasil, ao descrever as instituições e seu uso no período pós-Constituição, de 1998 até 2004, quando foram escritos ou adaptados os novos regimentos da Câmara e do Senado Federal. Este texto está dividido em 5 partes. A segunda seção traz o debate sobre accountability horizontal e o conceito de controle legislativo. A terceira, como o controle legislativo é discutido teórica e empiri-camente. A quarta, uma descrição do sistema brasileiro de controle legislativo e o uso de instrumentos selecionados, na prática. A quinta seção traz, como conclusões, uma tentativa de classificação do modelo brasileiro e críticas que podem aperfeiçoar o modelo de controle legislativo no Brasil, numa reforma política que venha a contemplar aspectos de controle horizontal.

a accountability horizontal e o controle legislativo

O controle legislativo faz parte do desenho institucional recentemente chamado de accountability horizontal, que corresponde a um controle intra-estatal. A lógica da accountability horizontal reside no controle perpretado pelo próprio Estado, com o intuito de impedir ou limitar o uso ilegítimo ou arbitrário do poder, questão central dos pensadores modernos. Alguns exemplos de controle horizontal incluem os controles entre os poderes, judiciário independentes, o poder dos legislativos de inquirir o Poder Executivo, e arranjos federativos.

A accountability horizontal é complementar à idéia primeira e fundamental do controle na teoria democrática: a da accountability vertical, realizada pelos eleitores por meio do voto secreto, regular, em eleições competitivas. Normati-vamente, tal combinação deveria resultar em impessoalidade do poder. Instru-mentos de accountability horizontal estiveram presentes na democracia direta clássica, nos Estados pré-modernos e constitui-se como parte fundamental do modelo de democracia liberal representativa. Mesmo quando o conceito de demo-cracia moveu-se na direção procedimental, alguma forma de multiplicidade de comando e difusão de poder manteve-se, de modo a resgatar a idéia basilar de controle.

Neste trabalho, o foco é o controle horizontal exercido pelo Poder Legisla-tivo sobre o Executivo, baseado na assunção de que o último deve ao primeiro obrigações e/ou informações (Fox, 2000). Ele pode ser exercido ex ante – antes ou durante a formulação ou implementação de um programa; ou ex post, após sua implementação (Ogul e Rockman, 1990).

Essa modalidade de controle recebe diversas denominações: controle horizontal, parlamentar, legislativo, político. Todas essas denominações correspondem, de alguma forma, à supervisão e ao controle dos atos de governo, para a qual os

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legislativos contam com mecanismos como audiências públicas, convocações de autoridades, requerimentos de informação, comissões especiais de investigação, processos de nomeação e confirmação de autoridades, dentre outros (Llanos e Mustapi, 2005; Aberbach, 1990; Sartori, 1987).2 Neste trabalho, utilizo o con-trole horizontal ou legislativo como termos intercambiáveis, para referir-me à supervisão realizada por meio desses instrumentos formais de controle.

Essa é uma definição mais ampla do que o controle usado exclusivamente para casos de abuso ou corrupção. Ela inclui, por exemplo, o controle efetuado por meio da troca de informações, a qual traz outros benefícios como promoção da transparência, posicionamento quanto a preferências sobre policies ou correção de assimetria informacional, presente na maior parte dos sistemas. Inclui, ainda, o controle informal, que se realiza por meio de encontros, reuniões e correspon-dências entre as burocracias dos dois poderes, embora essa seja uma forma de controle difícil de se medir, não sendo considerada neste trabalho.

A sanção formal não é fundamental nessa definição, ainda que alguns autores a considerem essencial (O’Donnell, 1998; Kenney, 2003). Para além de sanções, o controle legislativo pode trazer outros benefícios para agentes internos e externos. Um deles é a publicidade, que favorece grupos e interesses organizados, movimentos sociais, a mídia e agências de controle (Schedler, Diamond e Plattner, 1999). Além disso, se o fim do controle é também identificar problemas e promover uma melhor administração, a ausência de sanção não impede que o controle seja benéfico.

Nos anos 1990, o debate sobre accountability horizontal ganhou peso, espe-cialmente no que se refere às novas democracias. Dois foram os principais pontos de discussão: sua validade e quais seriam as instituições ideais para sua realização.

A discussão sobre a validade da accountability horizontal divide os pesqui-sadores em dois grupos. Os primeiros acreditam que a única forma possível de controle é a vertical – poderes independentes têm diferentes sistemas de controle vertical, com mandatos distintos e, por definição, tais poderes independentes não podem prestar contas, ou controlar, uns aos outros. Além disso, um sistema de controle vertical operante dispensa a necessidade de um controle horizontal (Moreno, Crisp e Shugart, 2003; Shugart e Carey, 1992). O segundo grupo aponta para o fato de que um sistema de controle horizontal pode contribuir para aper-feiçoar a accountability vertical (Przeworski, Stokes e Manin, 1999).

Não discuto a precedência do controle vertical, mas, dadas suas limitações, acredito que há um papel complementar relevante do controle horizontal. Tais limitações dizem respeito a: a) periodicidade das eleições – a substituição de elites não ocorre a qualquer tempo, senão dentro de intervalos preestabelecidos; b) o tamanho e a complexidade do aparato estatal, que requerem constante vigilância de procedimentos, atores e resultados; c) e o comportamento da burocracia, insulado do controle vertical, uma vez que este é exercido unicamente sobre o

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chefe do Poder Executivo: “instituições democráticas não contêm mecanismos que permitiriam aos cidadãos sancionar diretamente as ações legais dos burocratas. Eles podem, no máximo, considerar o desempenho da burocracia ao sancionar os comportamentos dos políticos eleitos” (Przeworski, Stokes e Manin, 1999, p. 21).

Outro motivo para o reforço dos sistemas de controle por instituições secun-dárias é o insiders’ wisdom. Aqueles que trabalham no ou para o aparato estatal têm condições favoráveis para conhecer seu funcionamento, falhas e vícios. A experiência anterior de parlamentares no Poder Executivo, bem como carreiras legislativas e judiciárias longas, favorecem o conhecimento do Estado e o acesso a informações privilegiadas.

O segundo debate dos anos 1990 centrou-se nas instituições ideais para o exercício do controle horizontal: sistemas de controle interno, o Judiciário ou o Poder Legislativo? Embora alguns autores privilegiem o Judiciário,3 acredito que o Legislativo tem mais incentivos para exercer o controle, e mais legitimidade. Primeiro, porque é sua função constitucional. Segundo, porque os legislativos estão sujeitos ao controle vertical, enquanto o Judiciário e as agências de con-trole interno raramente estão. Terceiro, legislativos são mais inclusivos e plurais e têm processos de tomada de decisão mais transparentes e menos insulados (Carey, 2003).

Este trabalho traz, assim, duas premissas básicas: a importância do controle horizontal para a qualidade da democracia e a preferência pelos legislativos como atores centrais para o controle, apesar de entender que tal controle é um produto complexo de redes de instituições (Kenney, 2003).

O controle legislativo: as idéias e a empiria

O debate contemporâneo sobre as relacões entre assembléias e presidentes dá-se mais fortemente em torno da produção de leis do que do controle entre poderes (Cox e Morgenstern, 2001; Shugart e Carey, 1992; Figueiredo e Limongi, 2001).

Muito embora a maior parte dos estudos esteja centrada na produção de leis, desde fins do século XIX, mas especialmente depois da II Guerra Mundial, tem havido uma tendência incremental e constante de transferência das capacidades de legislar das assembléias para o Poder Executivo. Weber (1993) previu essa transferência no início do século XX, ao afirmar que acirradas disputas de juris-dição entre Executivo e Legislativo ocorreriam. De fato, já está empiricamente demonstrado que, na maioria dos legislativos, aplica-se a regra dos “90%”: o governo apresenta pelo menos 90% das propostas e pelo menos 90% delas são aprovadas (Lowenberg e Patterson, 1979). Ainda segundo Weber (1993), a conse-qüência natural da transferência de poderes legislativos para o Poder Executivo

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seria a transformação dos parlamentos no locus por excelência do controle das atividades do governo e das decisões orçamentárias.

Mas o debate sobre controle apenas recentemente saiu da esfera normativa. Nos EUA, a literatura dos anos 1960 e 1970 pregava a inexistência ou ineficácia do sistema de controle legislativo em vista de um “presidente imperial”. As pesquisas, em geral, afirmavam que, a despeito da maior complexidade das atividades atribuídas e desenvolvidas pelo Executivo, o Congresso tinha pouco ou nenhum controle sobre a forma e a qualidade das políticas implementadas. A palavra “negligência” era freqüentemente utilizada no debate acadêmico (Lees, 1977).

Entretanto, como afirma Ogul (1977), nenhum Congresso é capaz de controlar idealmente todas as ações e atividades do governo – é uma tarefa gigantesca demais para qualquer instituição. Nos anos 1980, começou-se a questionar seriamente esse saber, que se havia tornado convencional sobre a debilidade do controle legislativo: havia ausência de controle do Legislativo sobre o Executivo ou, na verdade, ausência de um tipo específico? Teórica e empiricamente, desde então, passou-se a construir uma nova abordagem para o problema. Deslocou-se a análise essencialmente normativa, do melhor tipo e volume ideal, para a descritiva dos instrumentos de fato usados pelo Congresso. McCubbins e Schwartz (1984) descrevem essa disposição como “questionar as aparências e tentar explicá-las”, em vez de acriticamente concordar com o pressuposto em voga.

O resultado de mais de duas décadas de pesquisa foi um novo diagnóstico: existem controles. Não os esperados, mas ainda assim mecanismos ativos. Demonstrou-se ainda um incremento na atividade controladora do Congresso norte-americano a partir das reformas institucionais da década de 1970 (Aberbach, 1990) e a variedade de formas e objetivos com que ele pode ser exercido. O debate construído desde então mostra como os instrumentos teóricos e metodológicos foram essenciais para a mudança de perspectiva sobre o controle.

Já na América Latina, um dos principais postulados da literatura existente sobre suas legislaturas é a escassa capacidade para fiscalizar o Poder Executivo e a burocracia (Schedler, Diamond e Plattner, 1999) e a ausência de controle horizontal. Tal ausência, nas novas democracias, decorreria do plebiscitaria-nismo, cesarismo, populismo e outras tendências enraizadas em muitos países de democracias delegativas – onde eleições razoavelmente livres e limpas escolheriam o Executivo, os reais governantes, que eliminariam, cooptariam ou neutralizariam as agências formalmente criadas para realizar o controle (O’Donnell, 1998, p. 117).

Outros argumentos alegam a ausência de controles como decorrência de poderes institucionais hipertrofiados do presidente. Presidentes na América Latina têm poderes formais significativos, além de enormes vantagens quanto aos recursos de informação e expertise. O poder de agenda e controle do processo legislativo reduziria tanto as iniciativas de fiscalização dos parlamentares, quanto

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suas chances de sucesso. “Esquemas institucionais” atuariam contra o Congresso, que não realizaria fiscalização direta e rotineira (Figueiredo, 2001).

Tais argumentos, embora razoáveis, carecem de maior aporte empírico.4 O controle, como posto por O’Donnell e outros, não corresponde a nenhum modelo existente no mundo real, mesmo em democracias procedimentais consolidadas. Japão, Itália, Estados Unidos e Alemanha tiveram de lidar com corrupção política sistemática e baixa accountability.

Além disso, existem diversos padrões de interação entre presidentes e assem-bléias. As considerações sobre os diferentes tipos de interação passam pela estra-tégia dos atores envolvidos, conforme os incentivos que existam. Os sistemas presidenciais na América Latina, nos anos 1990, demonstraram desempenho superior ao de décadas anteriores, especialmente no que diz respeito ao funcio-namento de instituições representativas. Uma amostra disso foi o impeachment ou quase-impeachment de presidentes por meio de ações legislativas, dentro das institucionalidades, no Brasil (1992), na Venezuela e Guatemala (1993), no Equador (1997), no Paraguai (1999), com a asserção da autoridade legislativa sobre o Executivo, num exercício de checks and balances (Carey, 2003).

Assim, embora as críticas ao tipo do presidencialismo latino-americano abun-dem, do ponto de vista do regime, cabe medir o grau de autonomia e as prerroga-tivas de cada um dos poderes nesses regimes, levando-se em consideração não exclusivamente a capacidade de produzir leis ou a de apropriar recursos, mas também a de vigiar, inquirir, convocar, vetar e criar outros obstáculos ao Poder Executivo. Cabe problematizar e examinar o controle legislativo, indagando como e em que circunstâncias tal controle é exercido. É o que faço na próxima seção, com o caso brasileiro.

O controle legislativo no Brasil

No Brasil, a Constituição de 1988 estabelece competência exclusiva do Congresso Nacional para fiscalizar e controlar os atos da administração (Art. 49, inciso X). Os regimentos internos das duas casas do Congresso, por conseguinte, amparam e detalham os procedimentos e instrumentos para a execução desse controle. Tais processos e instrumentos dizem respeito a aspectos organizacionais ou a ações que, à mão dos membros, individual ou coletivamente, incluem o campo das ações legislativas, o acionamento de esferas externas de auditagem ou a esfera judicial.

Obviamente, a existência de prerrogativas não se traduzirá necessariamente em atividades de controle rotineiras. Mas há atividades de controle por meio de instrumentos formais. Elas têm aumentado significativamente desde 1988, com relação ao somatório das propostas apresentadas no Congresso, e representam

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uma porcentagem média de 36% da atividade do Congresso, podendo chegar a 50% (Tabela 1). A atividade de controle é ainda mais significativa do que aqui apresentada, porque as proposições de controle incluem somente quatro instrumentos – audiências públicas, requerimentos de informação, propostas de fiscalização e controle e convocações de autoridades. Não constam, assim, alguns instrumentos importantes como as CPIs. Entretanto, todas as formas de proposições legislativas substantivas estão incluídas.

TABELA 1 Propostas legislativas X Propostas de controle

Brasil, 1988-2004

ano propostas legislativas* propostas de controle** total (n) % de controle

1988 1286 109 1395 7,8

1989 3745 406 4151 9,8

1990 1902 381 2283 16,7

1991 3099 1347 4446 30,3

1992 1318 1089 2407 45,2

1993 1125 1114 2239 49,8

1994 646 649 1295 50,0

1995 2215 1825 4040 45,2

1996 1824 1276 3100 41,2

1997 1896 1368 3264 41,9

1998 1173 1190 2363 50,4

1999 3383 2089 5472 38,2

2000 2244 1641 3885 42,1

2001 2647 1608 4255 37,8

2002 1964 855 2819 30,3

2003 3837 2016 5853 34,4

2004 2551 1664 4215 39,5

Total 36855 20630 57485 35,9

Fonte: Adaptado de Lemos, 2005.

Notas: *Total de propostas de emendas constitucionais, leis ordinárias e complementares. ** Inclui 17 audiências conjuntas do Congresso Nacional: 4 durante Collor; 5 durante FHC1; 8 durante FHC2.

O que explica esse intenso papel do controle? De ordem externa, a demo-cratização apresenta-se como fator importante, e é bastante claro o período inicial de aprendizado (1988-1990). A passagem do sistema autoritário para o democrático abriu a possibilidade de que os atores políticos canalizassem recursos para compreender o funcionamento do Estado, como se desenhavam

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as políticas públicas e como se comportava a burocracia. Além disso, a liber-dade de associação e a de imprensa trouxeram benefícios. A primeira permitiu a reorganização da sociedade civil e a diversificação de interesses organizados e aumentou a pressão sobre os parlamentares para a vigilância de iniciativas do governo que afetam seus interesses. Mais ainda, muitas vezes os interesses organizados acionam os parlamentares para chegarem a informações que de outra forma não teriam, ou levariam um longo tempo para conseguir. A segunda, a liberdade de expressão, favoreceu, na imprensa, o surgimento de denúncias ou alarmes que chamam a atenção dos parlamentares para dados eventos. Por último, a renovação de lideranças e o aumento de parlamentares da oposição organizada e numericamente relevante. Quanto a fatores internos, a própria Constituição de 1988 e os regimentos, criados ou reformulados na nova ordem constitucional, representam os marcos normativos do controle.

Existem diversos aspectos do controle legislativo elencados pela CF de 1988 e regimentos: o controle orçamentário, fiscal, financeiro e contábil, o poder de nomear, exonerar e afastar (impeach) membros do Poder Executivo, o poder de solicitar informações, de investigar, e outros tantos exclusivos. Enumero a seguir algumas dessas prerrogativas constitucionais e regimentais de controle no Congresso brasileiro.

processo de aprovação de autoridades

O sistema brasileiro é previsto constitucionalmente em seu art. 52, inciso III, e é prerrogativa do Senado. Do ponto de vista processual, o presidente envia uma mensagem ao Senado, ela é lida em plenário e segue para a comissão de jurisdição, na qual a autoridade será sabatinada. As sessões são abertas – o que dá espaço para ativismo de grupos de interesse e é importante para que as nome-ações sejam debatidas pelo público –, as votações fechadas e os votos secretos, com exceção dos embaixadores, cujas sessões e votos são fechados. O sistema é também descentralizado, sendo que dificilmente um membro aprovado na comissão não o é no plenário.

No Brasil, a Constituição e leis ordinárias demandam a aprovação da autoridade em um número limitado de cargos e deixam para o presidente os demais. São 37 tipos de cargo submetidos à aprovação do Senado, e, entre 1988 e 2004, foram iniciados 882 processos. A taxa de aprovação no Brasil – 97% dos casos, 1,1% rejeitados e 1,5% retirados pelo presidente – é alta, embora não esteja longe de padrões internacionais, com 94% na Argentina e mais de 90% nos EUA. A média de dias também indica um processo rápido – 59 dias (Lemos e Llanos, no prelo). Há variação significativa entre o tempo que se leva para aprovar determinadas autoridades, o que sugere a hipótese da antecipacão estratégica e da negociacão.

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Um aspecto relevante desse processo no Brasil são as áreas excluídas do controle, revelando o quão restritas são as áreas/ temas/ cargos em que o Congresso pode atuar. Os militares não passam pelo crivo do Senado; nem ministros;5 nem as promoções de corpo diplomático, somente a designação para chefia de missões no exterior; nem juízes de cortes federais. A pergunta é: algumas dessas áreas estão excluídas porque são delicadas, estratégicas, em que o Congresso decide não opinar e delegar ao Executivo o poder de decidir, resguardando-se o poder de inquirir posteriormente o Executivo sobre as decisões; ou é de fato uma decisão do Executivo de não abrir mão de prerrogativas e não permitir a perda de jurisdição?

A primeira resposta pode ser verdade para o tema da diplomacia – uma vez que existem inúmeros controles sobre o tema do comércio exterior e integração regional, por exemplo. Mas com relação aos militares, parece mais convincente o argumento de que é um poder unilateral não do Executivo, mas da corporação, organizar-se como instituição, longe dos olhos do parlamento. Parece mais um caso de insulamento, a partir do poder concentrado que possui o grupo de proteger-se das instâncias externas, seja do Congresso, seja do próprio presidente, já que este somente nomeia os oficiais de alta patente e todo o processo de ascensão é regido por normas internas. De outro lado, as forças armadas evitariam a exposição e comumente se adiantariam e proveriam as informações e documentos de maneira informal, diretamente aos parlamentares e suas assessorias, de modo a evitar exposição e desgaste junto à opinião pública.

Impeachment

No Brasil, a Câmara tem o poder de autorizar a instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República e os ministros de Estado, enquanto o Senado processa e julga o presidente e outras autoridades. Em 1992, o ex-presidente Collor teve sua autorização de impeachment aprovada na Câmara dos Deputados, e, apesar da renúncia, o Senado prosseguiu o julgamento e cassou seus direitos políticos por 8 anos.

poderes investigativos

O instrumento mais conhecido talvez sejam as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, previstas no art. 58 da CF, e com redação inalterada com relação à Constituição de 1946: “podem ser criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um

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terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo”.6 Suas conclusões podem ser encaminhadas, se for o caso, ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Nem sempre ela é instaurada exclusivamente com o fim de apurar irregularidades: muitas vezes uma CPI é instalada para se angariar benefícios eleitorais ou prestígio com um grupo de interesse; como estratégia da oposição para desgastar a imagem do governo; para se conseguir benefícios políticos, de barganha com o governo; como forma de pressionar outro grupo a retardar ou suspender investigações em outra arena, até mesmo outra CPI; para impedir a instalação de outra comissão, dado o limite de cinco CPIs trabalhando simultaneamente. De 1946 a 2000, foram instaladas 392 na Câmara (53% concluídas com relatório) e 52 no Senado (71% concluídas com relatório) (Figueiredo, 2001).

Instrumentos legislativos para obtenção de informações

Formalmente, o principal auxiliar do Congresso Nacional no controle externo – o controle fiscal, financeiro e contábil – é o Tribunal de Contas da União (TCU). Suas atribuições incluem auditagem e investigações e contribuem para reduzir a assimetria informacional com análises e avaliações de políticas públicas. Um dos destaques de sua atividade é a prestação anual de contas do presidente da República, que deve ser aprovada pelo Congresso, ouvido o TCU.

O TCU existe desde 1890, criado pelo Decreto 966-A, e, desde então, vem acumulando prerrogativas. A partir de 1988, passou a realizar auditoria de natu-reza operacional (artigo 71, inciso IV) de programas de governo, uma avaliação ex post. Mas após 1998, com a sistematização de procedimentos, metodologias e técnicas, tem ampliado suas avaliações. Em 2002, foram realizadas 1.204 auditorias pelo TCU, 33% a mais do que em 2001 (n = 900) e 37% a mais do que em 2000 (n = 877). Do total, 494, ou 41%, decorreram de solicitações do Congresso Nacional. Em 2002, o orçamento do TCU foi de 583 milhões de reais, e a economia estimada com suas intervenções foi de quase 4 bilhões de reais – 756 milhões das condenações em débito e 3,2 milhões de economia potencial. O número previsto de funcionários é de 2.120, dos quais 1.260 na área de controle externo, entre técnicos e analistas (TCU, 2003).7 Além do apoio do TCU, o Congresso dispõe de três instrumentos formais para corrigir a assimetria informacional: requerimentos de informação, propostas de fiscali-zação e controle e convocação de autoridades, além das audiências públicas, que podem ser também utilizadas para outros fins (Tabela 2).

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TABELA 2 Número de requerimentos de informação, audiências públicas,

convocações de autoridade e propostas de fiscalização e controle por governo e Câmara – Brasil, 1988-2004

requerimentos de informação

audiências públicasConvocação de

autoridadespropostas de

fiscalização e controle

Governo CD sF sub CD sF sub CD sF sub* CD sF sub total

Sarney* (1988-1989)

401 67 468 Missing 21 21 19 14 33 0 2 2 524

Collor* (1990-1992)

2.260 396 2.656 Missing 28 28 23 21 48 57 0 57 2.789

Itamar (1992-1994)

1.369 322 1.691 Missing 22 22 7 11 18 46 1 47 1.778

FHC 1 (1995-1996)

2.173 624 2.797 136 58 194 27 26 58 57 0 57 3.106

FCH 2 (1997-1998)

1.891 288 2.179 250 55 305 18 13 31 42 1 43 2.558

FHC 3 (1999-2000)

2.870 323 3.193 306 148 454 22 8 38 43 3 46 3.731

FHC 4 (2001-2002)

1.944 245 2.189 57 118 175 44 12 56 39 4 43 2.463

Lula 1 (2003-2004)

2.433 832 3.265 116 180 296 41 20 61 53 5 58 3.680

Total** 15.341 3.097 18.438 865 630 1.495 201 126 344 337 16 353 20.630

Fonte: Dados disponíveis em <http://www.senado.gov.br> e <http://www.camara.gov.br>, cotejados com os da Subsecretaria de Informações Legislativas do Senado Federal.

*Sarney: a partir de 5 de outubro de 1988; Collor: 15 de março de 1990 a 2 de outubro de 1992.

** Conta com 17 casos de convocações do Congresso Nacional: Collor, 4; FHC1, 5; FHC3, 8 Calls

Os requerimentos de informação aparecem quantitativamente como os instrumentos “preferidos”. Desde a promulgação da Constituição, em outubro de 1988, até 31 de dezembro de 2004, foram apresentados 15.341 requerimentos de informação na Câmara dos Deputados e 3.097 requerimentos de informação no Senado Federal, totalizando 18.438.

Um incentivo para o uso dos requerimentos é o baixo custo de sua apresen-tação. É uma ação predominantemente individual. Basta apresentar sua propo-sição, que será lida e aceita, e posteriormente encaminhada ao ministério ou órgão devidos. Após trinta dias, recebe-se a informação. A autoridade que não prestar a informação incorre em crime de responsabilidade. Não há, portanto, a necessidade de negociar nas instâncias formais – lideranças, comissões, blocos, partidos – o apoio para essa iniciativa, ou que submetê-la a voto de maioria. O requerimento também não gera obrigações ou custos e não altera o status quo. Assim, o Congresso não incorre no risco de alterar as políticas públicas numa direção desconhecida. Ele pode ser um instrumento estratégico de importância, ao abordar assuntos sensíveis, e para se marcar posição junto ao eleitorado, barganhar ações legislativas ou alocação de recursos.

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O segundo instrumento formal previsto no art. 50 da Constituição é a convocação de ministros de Estado para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado. O ministro pode fazer-se acompanhar de assessores, embora estes não tenham direito de interferir no debate. A sessão em que a autoridade comparecer será dedicada exclusivamente a sua explanação e, se necessário, poderá ser prorrogada ou convocada uma segunda reunião. Sua ausência sem uma justificativa adequada é crime de responsabilidade, e o presidente de cada Casa promoverá a instauração do procedimento legal cabível no caso.

A convocação de ministros é utilizada com parcimônia pelo plenário das Casas Legislativas. Entre 1988 e 2004, foram 201 convocações apresentadas na Câmara e 126 no Senado: um total de 344 em 16 anos. Relembro que as convo-cações de ministros e outras autoridades nas comissões, nas quais esta é uma prática comum, não estão incluídas. Também é comum os parlamentares, pelo que chamam de “cortesia parlamentar”, não apresentarem um requerimento de convocação, mas fazerem um “convite” para que o ministro compareça ao plenário ou comissão e explique determinada política. Esses convites não constam do sistema de informática do Congresso como requerimentos e, portanto, não constam desse quantitativo. E, embora a média de pedidos de comparecimento de ministros seja de 22 ministros por ano – um ministro a cada quinze dias, durante o funcionamento ordinário das duas Casas –, pode-se constatar que há uma variação bastante significativa desse número.

O terceiro instrumento para corrigir assimetria informacional – mas que também é um instrumento investigativo – são as propostas de fiscalização e controle, único não previsto na Constituição. Terá que ter objeto definido, e seus resultados serão encaminhados à Advocacia-Geral da União ou ao Ministério Público, para que estes promovam a responsabilidade civil ou criminal por crimes apurados e adotem medidas corretoras. Em 1993, definiu-se sua jurisdição na comissão de fiscalização e controle.

As propostas de fiscalização e controle aparecem em número bem mais modesto. Somaram, na Câmara dos Deputados, 337 propostas apresentadas ao longo dos 15 anos de democracia, uma média de 22 por ano. Excetuando-se os anos de 1988 e 1989, do governo Sarney, há uma constância de controle acima de 40 propostas por biênio de governo na Câmara, e um aumento constante, a partir de 1997, das iniciativas desse tipo de controle no Senado. Os últimos dois anos, referentes ao governo Lula, são aqueles em que esse instrumento é mais utilizado.

Por que essa diferença numérica no uso dos instrumentos? Da mesma forma como a apresentação do requerimento tem baixo custo para o parlamentar – existe pouco envolvimento, não há exclusividade na sua condução e a tarefa de seguir o resultado pode ser delegada a um assessor –, o mesmo não se pode dizer da proposta de fiscalização e controle e das convocações de ministro. As primeiras têm, necessariamente, de ter o veredicto de uma comissão, um

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relatório prévio por elas aprovado e um plano de trabalho, e as convocações devem ser aprovadas em plenário, portanto com voto da maioria dos membros. As propostas de fiscalização e controle também exigem dedicação e podem, ao curso de seu desenvolvimento, sair do controle dos atores e tomar um rumo indesejável, como uma CPI. É um procedimento longo, de caráter investigativo e coletivo. Diferentemente, o requerimento de informação é célere e de caráter individual, e existe praticamente para corrigir assimetrias informacionais. Não é submetido a voto, seja em plenário ou comissão e enfrenta menos pontos de veto. Por isso, é um instrumento à mão de todos os parlamentares, independen-temente do tamanho de bancadas ou de recursos de poder dentro do Congresso, e configura-se importante instrumento das minorias.

As audiências públicas são outro instrumento importante para corrigir assimetrias informacionais. Previstas no art. 58 da Constituição Federal de 1988, as audiências são realizadas para instruir matéria, tratar de assunto de interesse público relevante e solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão. Poderão ser realizadas inclusive por solicitação de entidade da sociedade civil, sindicatos, associações, e os depoimentos devem ser prestados por escrito e de forma conclusiva. Os dados aqui apresentados cobrem todas as audiências realizadas no período de 1988 a 2004 para o Senado, e de 1995 até 2004 para a Câmara dos Deputados. No total, foram 1.495 audiências, 865 das quais ocorridas na Câmara e 630 no Senado, exclusivamente no seu sistema de comissões.

Um primeiro fato a se notar é uma considerável mudança quantitativa no comportamento das Casas Legislativas a partir de 1995. Mesmo levando-se em consideração somente o Senado, porque é o único que tem quantitativos para todos os governos pós-1988, percebe-se que o número de audiências dos governos Sarney, Collor, Itamar, com médias de 24 audiências por ano no Senado, aumenta quase 600% no primeiro governo FHC (n = 113) e 1.200% no segundo governo FHC (n = 266), cumulativamente. O governo Lula, com apenas dois anos de mandato representados, representa um aumento de cerca de 800% (n = 180) com relação à média dos três primeiros governos pós-1988.

Esse é mais um indicador relevante de que a atividade de controle tem aumentado nos últimos anos e representa tendência semelhante aos outros três instrumentos analisados nesta seção. Se compararmos as médias por governo, levando-se em consideração os anos de 1995-2002, nota-se um incremento de 20% do primeiro para o segundo governo FHC. O governo Lula aparece com 180 audiências em apenas dois anos de governo.

Essas audiências englobam temas diversos. A atividade que mais tem acompanhamento do Congresso brasileiro é a econômica, que representa, sozinha, 17% do total de audiências (Tabela 3). Curiosamente, essa área é justamente a mais relegada pelo parlamento da elaboração de leis. Na arena legislativa, o Congresso fixa-se, em geral, em temas da área social, delegando ao Executivo a legislação que afeta o funcionamento do mercado e outras, como a de defesa, relações exteriores e infra-estrutura (Figueiredo e Limongi, 2001).

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Esse comportamento do Legislativo pode ser entendido como estratégico, como forma de melhor lidar com assimetrias informacionais e os recursos de poder (Morgenstern e Nacif, 2002).

Assim, os dados de audiência pública mostram que, se o primeiro passo é a delegação, o Legislativo, posteriormente, acompanha as ações e busca informar-se nas áreas estratégicas em que o Executivo detém prerrogativas especiais e recursos mais abundantes para a tomada de decisões. As áreas sociais também não são esquecidas, embora não sejam dominantes. Se somarmos educação, saúde, meio ambiente, temas indígenas, previdência e assistência social e trabalho, teremos cerca de 30% das audiências realizadas. Se somarmos área econômica, agri-cultura, indústria, infra-estrutura, relações exteriores e defesa nacional, teremos cerca de 48% das audiências.

Também podem-se observar preferências camerais quanto aos temas fiscali-zados: a Câmara concentra-se na área social e mantém especial interesse pela questão fundiária e conflitos agrários, questões de administração pública, segu-rança pública, trabalho, direitos civis, meio ambiente, agricultura e saúde. O Senado destaca-se por seu interesse nas questões econômicas, defesa, relações exteriores, ciência e tecnologia, controle do judiciário e previdência social.

TABELA 3 Temas das audiências públicas por Casa Legislativa

Brasil, 1988-2004*

Câmara % total senado % total total % total

Missing 5 0,33 10 0,67 15 1,00

Previdência 8 0,54 9 0,60 17 1,14

Habitação 10 0,67 8 0,54 18 1,20

Indígena 16 1,07 3 0,20 19 1,27

Assistência Social 15 1,00 18 1,20 33 2,21

Judiciário 5 0,33 31 2,07 36 2,41

Agrário 32 2,14 5 0,33 37 2,47

Ciência e Tecnologia 20 1,34 21 1,40 41 2,74

Defesa 22 1,47 22 1,47 44 2,94

Gestão Pública 28 1,87 20 1,34 48 3,21

Segurança Pública 40 2,68 11 0,74 51 3,41

Indústria 42 2,81 11 0,74 53 3,55

Trabalho 37 2,47 16 1,07 53 3,55

Direitos Civis 49 3,28 7 0,47 56 3,75

Relações Exteriores 31 2,07 44 2,94 75 5,02

Agricultura 69 4,62 8 0,54 77 5,15

Meio Ambiente 62 4,15 17 1,14 79 5,28

Educação 57 3,81 82 5,48 139 9,30

Saúde 88 5,89 51 3,41 139 9,30

Infra-Estrutura 116 7,76 80 5,35 196 13,11

Econômica 113 7,56 156 10,43 269 17,99

Total 865 57,86 630 42,14 1495 100,00

Fonte:Nota: *Câmara: 1995-2004; Senado: 1988-2004.

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Note-se que os dados não conseguem ver o nível de conflito nas audiências – se intenso ou brando – ou, ainda, se as audiências e os instrumentos fazem a apologia de programas ou se o objetivo é eliminá-los. São apenas temas considerados “relevantes” porque estão na agenda, em debate, mas somente um trabalho qualitativo poderia identificar os objetivos dos atores particulares e a intensidade do conflito.

Conclusões

Com base na forma como se estrutura e nele atuam os indivíduos, o sistema de controle legislativo brasileiro pode ser caracterizado como um modelo constitucional restrito com ênfase nas atividades de governo. Essa classificação engloba três aspectos: modelo legal, estrutura de incentivos e alcance. O primeiro aspecto, de modelo legal constitucional, explica-se pelo fato de os instrumentos e direitos estarem explicitamente colocados na Constituição de 1988 e haver pouca interferência do Poder Judiciário sobre as decisões. Esse sistema destoa do sistema norte-americano, jurisprudencial, em que um terceiro poder, o Judiciário, foi fundamental na definição de papéis a serem desempenhados pelo Executivo e pelo Legislativo, no exercício do controle.

O segundo aspecto, da restrição, diz respeito à estrutura de incentivos para os atores políticos exercerem o controle. Ela varia em cada país – levando-se em consideração as inúmeras possibilidades de combinação entre distintas institu-cionalidades –, de acordo com sua história e como, em determinado ambiente, as escolhas são realizadas. Pode-se dizer que, do ponto de vista de incentivos, existem modelos restritos, como o brasileiro, que favorecem o controle ex post (durante e/ou depois da implementação das políticas); e modelos ampliados, no outro extremo, com maior possibilidade de se realizar o controle ex ante (antes da formulação das políticas) e assim participar da elaboração de políticas públicas, da alocação dos recursos e da organização estatal.

Esse aspecto institucional do controle – de poder realizar-se ex ante ou ex post – é fundamental para definirem-se as sanções possíveis aos executivos e, em conseqüência, definir-se o seu grau de “enclausuramento” em relação às tentativas de controle do Poder Legislativo. Sistemas em que os legislativos participam da elaboração das políticas, de suas escolhas fundamentais, têm naturalmente mais amplitude para cercear o Poder Executivo na origem. O contrário se dá em sistemas em que os legislativos têm menos participação – seja porque delegam mais, seja porque os poderes estão concentrados nas mãos do Executivo, numa delegação constitucional anterior: sua amplitude é menor, porque terá de esperar a implementação das políticas públicas para controlar. Como não há possibilidade de participar em escolhas futuras, sua capacidade de influenciar o outro poder é diminuta.

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No terceiro aspecto, do alcance, o Congresso brasileiro trabalha com ênfase nas atividades de governo, em contraposição ao foco nos processos de governo. As atividades de governo são pontuais, de curto prazo, e o controle não afeta a estrutura, senão alguns procedimentos da burocracia estatal. Já o que chamo de processos de governo diz respeito a dois aspectos: a) alocação de recursos – deter-minação quantitativa e qualitativa de gastos a serem executados pelo governo; e b) organização, estruturação e distribuição de cargos, agências e órgãos do Poder Executivo. São de mais longo prazo e afetam a estrutura do Estado.

Com relação a esses processos de governo, o Congresso brasileiro tem prerroga-tivas bastante diminutas. Não somente é constitucionalmente proibido de opinar, alterar, determinar a estrutura do Poder Executivo, seus órgãos, agências e cargos, como também a alocação de recursos é feita de maneira praticamente unilateral: o Executivo envia o orçamento, que pode ser apenas emendado pelos parlamen-tares e, depois de aprovado pelo Congresso, esse orçamento pode ou não ser executado pelo Poder Executivo. Além disso, o uso de medidas provisórias para autorizar gastos orçamentários, cada vez mais comum nos últimos cinco anos, tem impedido o Congresso de exercer sua função de controle orçamentário.

Assim, caracterizar o Brasil como um modelo constitucional restrito com ênfase nas atividades de governo, no caso do controle legislativo, significa dizer que o Congresso brasileiro tem a prerrogativa formal de interpelar autoridades e requerer informações e documentos, mas pouca ou nenhuma capacidade de afetar de maneira significativa a estrutura do Estado e o planejamento das ativi-dades governamentais. Do ponto de vista das institucionalidades, a margem de operação do Legislativo é muito reduzida com relação ao Poder Executivo. Não há ausência de accountability horizontal em decorrência da cooptação ou neutra-lização do Legislativo (O’Donnell, 1998, p. 117), mas sim um controle limitado por um desenho que permite ao Executivo ter o controle sob controle. Dentro de suas prerrogativas, o Legislativo é bastante ativo e, com todas as limitações, busca exercer sua função, ainda que sujeito a constrangimentos.

Assim, uma reforma política que viesse a aperfeiçoar o controle legislativo, reforçando o elemento da accountability horizontal, teria de propor necessaria-mente a ampliação das capacidades do Congresso de atuar ex ante, na formu-lação de políticas, e de participar mais ativamente nos processos de governo, representado na alocação mandatória de recursos e na organização de programas, carreiras e atividades do Poder Executivo. Essa concorrência entre os poderes colocaria o Executivo em posição menos insulada e mais cooperativa.

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notas

1 Vejam-se, especialmente, os textos de Nicolau, Desposato e Cintra, nesta coletânea.

2 Esse conceito equivale ao que Sartori chama de “controle político”. Distinto, portanto, do que ele chama de “controle legislativo”, circunscrito ao poder de influenciar a legislação.

3 A crítica ao Poder Legislativo refere-se à falta de neutralidade dos parlamentares. Entretanto, acredito que a mesma crítica pode aplicar-se à magistratura: atende a preferências diversas, e pode funcionar como clientela do Executivo, especialmente as cortes mais altas, pela natureza de confirmação no cargo.

4 Para o Brasil, exceções são os trabalhos de Azevedo e Anastasia (2002), Lemos e Llanos (no prelo) e Figueiredo (2001).

5 Embora a composição do gabinete não seja aprovada pelo Congresso, existem estudos que demonstram como a nomeação de ministros é instrumental para o Executivo na busca de uma coalizão estável no Congresso (ver texto de Amorim Neto, nesta coletânea).

6 São amparadas, também, pelas leis ordinárias n. 1.579, de 1952, e n. 10.001, de 2000, e pela Lei Complementar n. 105, de 2001.

7 Um indicador da efetividade das recomendações é sua incorporação aos programas e políticas avaliados. No Brasil, variou de programa para programa, entre 63 e 80% (Relatório TCU, 2003).

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